CASO CLÍNICO Rafael Guedes de Araujo Dias Coordenação: Elisa de Carvalho ESCS-FEPECS Caso Clínico Data da história clínica: 14/02/06 Identificação: L.A.C, sexo feminino, nascida em 14/05/03 (2 anos e 9 meses), natural de Brasília-DF e procedente de Ceilândia-DF. Queixa principal: “Carocinhos” no tórax há 05 dias. Caso Clínico História da doença atual: Mãe refere que há 05 dias criança iniciou quadro de eritema com prurido em tórax, associado a febre (38 – 39°C) parcialmente aliviada com paracetamol. Se encaminharam ao HRAS, sendo feita hipótese diagnóstica de alergia alimentar (sic) e prescrito polaramine para uso domiciliar. No dia seguinte, o eritema ocupava todo o corpo. Há 3 dias, notou edema em pés, em região periorbitária (associado.. Caso Clínico História da doença atual: ..a prurido local), icterícia de leve intensidade (sem ascite) e lesões eritematosas em língua de formato arredondado. Há 2 dias, iniciou quadro de dor em hipocôndrio direito e ardência em língua associada a alimentação. No dia anterior à internação, referia prurido intenso, hiporexia e sono agitado. Caso Clínico Antecedentes fisiológicos e patológicos: - RN pré-termo, parto cesáreo (indicação: DHEG), peso de 3155g, PC de 33 cm e estatura de 49 cm. - DNPM sem alterações. - Vacinação completa (trouxe o cartão). - Leite artificial desde nascimento (cirurgia plástica na mama materna). - Púrpura Henoch Schönlein com 1 ano e 4 meses. Realizou acompanhamento de 3 em 3 meses por 2 anos. Caso Clínico Antecedentes fisiológicos e patológicos: - Lesões em plantas desde os 2 anos. - Infecção intestinal há 2 meses com febre por mais de 15 dias, sendo tratada com amoxicilina e clavulanato. - Nega alergias, cirurgias, traumas, transfusões e doenças da infância. Caso Clínico Antecedentes sociais e familiares: - Reside em casa de alvenaria, com água tratada, rede de esgoto e energia elétrica. - Pai, 28 anos, sadio. - Mãe, 28 anos, sadia. - Tias maternas: doença de chagas. - Nega patologias familiares. Caso Clínico Revisão de sistemas: - Nega diarréia, vômitos, tosse, dispnéia, dor torácica e fadiga. - Piora nas lesões nas plantas há 02 semanas. - Refere enantema conjuntival há 2 dias. Caso Clínico Exame físico: - Sinais vitais: FC=134 bpm, FR= 48irpm, Tax= 37.3°C, PA= 110x74 mmHg. - Exame geral: BEG, corada, hidratada, acianótica, ictérica (2+/4+). - Oroscopia: língua em framboesa; amígdalas sem alterações. - Otoscopia: sem alterações. Caso Clínico Exame físico: - Pele: exantema morbiliforme difuso. Plantas com lesões ulceradas e xerose. - AR: MVF sem RA, bilateralmente. - ACV: RCR, 2T, BNF, sem sopros e/ou ES. - Abdome: globoso, RHA presentes, distendido, fígado palpável a 6 cm do RCD, baço impalpável, doloroso em hipocôndrio direito. - Extremidades: edema 1+/4+ em mãos e pés. - Genitália: sem alterações. Caso Clínico Exames complementares: 14/02 16/02 Hm - 4,19 Hg 10,8 12 Ht 33 34,1 VCM - 81,2 HCM - 28,6 CHCM - 35,2 Leuc. 20.800 (granulações tóxicas 4+) 12.900 Seg% 69 62 Bast% 06 04 Linf% 15 30 Mono% 07 02 Eos% 03 02 Plaquet. 324.000 399.000 Verificada presença de anisocitose ++,pecilocitose ++ (16/02/06). Caso Clínico Exames complementares: 14/02 16/02 Creatinina - 0,3 Uréia - 18 BT 4,3 2,1 BD 2,8 1,5 Na - 134 K - 4,0 Cl - 101 TGO 43 42 TGP 45 39 VHS 45 - Caso Clínico Exames complementares: - EAS: Data 14/02 Dens. pH Leu c. C.E. D. Hem ác. ceton a Hg flora muco 1020 6,0 02 raras p/c 02 p/c 1+ 1+ 1+ 1+ - Ecografia abdominal (14/02/06): vesícula biliar de paredes lisas sem evidências de cálculos no seu interior medindo 8,1cm x 3,69 cm; portanto aumentada de volume com características de vesícula hidrópica. Os demais órgãos e estruturas abdominais são ecograficamente normais. Caso Clínico Exames complementares: - Ecocardiograma (17/02/06): Situs solitus, concordância AV e VA, septos íntegros, cavidades de tamanho normal, contratilidade preservada. Coronárias normoimplantadas de calibre normal (ACE-0,2 cm; ACD-0,2 cm), arco aórtico a esquerda sem alterações, ausência de derrame pericárdico. Caso Clínico Evolução: - 14/02/06 internada no PS, iniciada imunoglobulina humana venosa e AAS. - 15/02/06 melhora importante (redução do prurido e do exantema). Tax de 37,7°C. Icterícia 1+/4+, abdome doloroso em HD, vesícula palpável a 5cm do RCD, edema 1+/4+ em mãos e pés. Admitida na DIP. - 16/02/06 Tax de 37,8°C (máxima), dor abdominal discreta, criança irritada, descamação em pés associado a leve prurido sem sinais de infecção, hiperemia labial, membros sem edema. Prescrito amoxicilina e clavulanato. Caso Clínico Evolução: - 17/02/06 afebril, sem intercorrências, descamações em pés com rachaduras, vesícula a 4 cm do RCD, suspenso AAS. - 18/02/06 afebril, vesícula a 3 cm do RCD, descamação de plantas dos pés c/hiperemia e fissuras. Alta hospitalar. Marcado retorno no ambulatório para dia 22/02/06. DOENÇA DE KAWASAKI Aspectos gerais Introdução É uma vasculite de médios e pequenos vasos. Pode associar-se principalmente com comprometimento das coronárias. Predomina em crianças abaixo de 5 anos e com mais de 06 meses de vida. Ligeiro predomínio entre meninos (1,5:1) e pela raça amarela. Em países desenvolvidos, é considerada a principal causa de doença cardíaca adquirida na infância. Etiologia O agente etiológico é desconhecido. Parece ser de origem infecciosa (epidemias, distribuição sazonal, propagação, faixa etária de incidência, a evolução). Desencadeada não somente por um agente, mas sim múltiplos que provocariam uma resposta imune anormal em crianças geneticamente predispostas. Recente sugestão que é mediada por superantígenos (proteínas que têm a capacidade de estimular as células T de uma maneira não específica, resultando em estimulação desenfreada do sistema imune). Fisiopatologia Verifica-se extensa vasculite em artérias de médio e pequeno calibres. Na fase aguda, as alterações inflamatórias são encontradas em vários órgãos. Os vasos sangüíneos mostram edema de endotélio e alt. inflamatórias na camada adventícia e , nos locais mais acometidos, edema e necrose da musculatura da camada média e na lâmina extrínseca e intrínseca. Caso essas lesões sejam intensas, podem levar aneurismas. Um ou dois meses mais tarde, com redução do processo inflamatório, ocorre regeneração, com participação de tecido conjuntivo frouxo. Quadro clínico São divididos em dois grupos: sintomas principais (80% casos) e associados. Sintomas principais: Quadro clínico 1. 2. 3. Outros achados menos freqüentes acompanham , com incidência variável, o quadro de DK e são denominados sintomas associados. Por vezes, esses sintomas são muito proeminentes e podem levar a diagnósticos errôneos.Algumas alterações: Sist. Nervoso: convulsões, meningite asséptica, paralisias, irritabilidade. Alterações no LCR em 25% dos pacientes. Sist. Respiratório: coriza, tosse, pneumonite intersticial. Sist. Cardiovascular: miocardite, pericardite, endocardite(fase aguda);coronarite, formação de aneurismas em artérias periféricas(fase subaguda), obstrução dos aneurismas e infarto do miocárdio(fase crônica) Quadro clínico 4. 5. 6. 7. Sist. digestivo: anorexia, vômitos, diarréia, íleo paralítico, hepatite, hidropsia de vesícula biliar, necrose de alça. Sist. urinário: hipertensão, piúria asséptica. Pele e anexos: queda de cabelos, sulcos transversais nas unhas, hiperemia e descamação do períneo(sinal precoce). Sist. osteoarticular:artrite, artralgia, torcicolo. Evolução clínica Fase aguda: dura de 1 a 11 dias – do surgimento da doença à defervescência da febre. Fase subaguda: até o desaparecimento dos sintomas da doença (possível persistência de hiperemia conjuntival e da irritabilidade, descamação doa dedos, trombocitose, arterite coronariana, risco de morte súbita). Fase de convalescência: 6 a 8 semanas após início da doença (melhora dos sintomas clínicos, persistência da coronarite). Fase crônica: após 8 semanas, durando anos. Assintomática ou com sintomas cardíacos, persistência de aneurisma coronariano, trombose. Diagnóstico É clínico, pois não existe nenhum exame complementar patognomônico da doença. Faz-se o diagnóstico quando se encontram 5 dos 6 sintomas principais ou quatro aliados à alteração coronariana (ecocardiográfica). Na presença de 3 sintomas principais associados a aneurisma coronário, estamos frente a uma DK incompleta ou atípica. O diagnóstico deve ser dado precocemente. Diagnósticos diferenciais Escarlatina – ao exame clínico mostra presença de foco estreptocócico, amigdalite ou piodermite, a ASLO positiva-se e a febre responde rapidamente a antibioticoterapia. Reação por drogas – ingestão de remédios, ausência de língua em framboesa, VHS pouco elevado. Sarampo – pródromos catarrais exuberantes, vacinação prévia e história de contato. Enteroviroses – principal causa de febre e exantema na infância. Não cursa com edema, hiperemia palmo plantar, língua em framboesa, descamação em ponta de dedos. Exames complementares Hemograma:anemia normocrômica e normocítica; leucocitose com desvio a esquerda(fase aguda), podendo apresentar cifras superiores a 30000 leucócitos; as plaquetas, na fase aguda, estarão normais ou até diminuídas, mas na fase subaguda nota-se plaquetose que pode chegar a mais de 1 milhão. Velocidade de Hemossedimentação/PCR:aumentados em quase 100% dos pacientes. Esta elevação é precoce e se mantém por seis a 12 semanas. Outros exames: piúria estéril e C3 aumentado na primeira semana de doença; elevação de transaminases. Exames complementares RX de tórax: pneumonite intersticial, aumento da área cardíaca. US de abdome: aumento de vesícula biliar, sem cálculo, distensão de alças. Líquor cefalorraquidiano: aumento de células, em geral predomínio de linfomononucleares, proteinorraquia levemente elevada, glicorraquia normal. Ecocardiograma: aneurismas. Tratamento Altas doses de imunoglobulina venosa (2g/kg de peso em dose única, infusão em 12 horas) iniciada preferencialmente durante a fase febril (primeiros 10 dias). Salicilatos em doses antiinflamatórias (100mg/kg/dia) até três dias após desaparecimento da febre. A partir de então, reduzir dose para 3 a 5 mg/kg/dia para manutenção de efeito antitrombótico até a normalização das plaquetas (8 a 12 semanas após DK), caso não haja anormalidades no ecocardiograma. Tratamento Não há consenso sobre a utilização de pulsoterapia com gicocorticóides para pacientes que não respondem a gamaglobulina. Dependendo do grau de lesão coronariana pode ser indicado bypass arterial ou transplante. Ecocardiograma deve ser realizado no momento do diagnóstico e repetido em 4 a 8 semanas. Bibliografia BEHRMAN, KLIEGMAN e JENSON. Nelson Tratado de Pediatria, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2002, 16ª ed. OLIVEIRA, REYNALDO GOMES DE. Blackbook Pediatria, Ed. Black Book, Belo Horizonte, 2005, 3ª ed. MARCONDES, EDUARDO. Pediatria Básica, Sarvier, São Paulo, 1999, 8ª ed.