Biopirataria no Brasil e a proteção interna e externa através da legislação. Carina Elguy da Silva RESUMO O patrimônio genético brasileiro apresenta-se como uma alavanca econômica em potencial. Nesse sentido os recursos genéticos potenciais mais importantes seriam os medicinais, entre outros que poderiam criar novas atividades econômicas no país. O que deixa claro que nosso patrimônio genético interessa a países e indústrias mundiais nos mais variados ramos comerciais, por exemplo, indústria farmacêutica, alimentícia e têxtil. A inexistência de uma legislação específica definindo acordos internacionais envolvendo a proteção, comércio, troca de germoplasmas facilita a existência de “caçadores de gens” ou biopiratas. Torna-se necessário então, a definição de proteção, patenteamento, comercialização e troca de material genético. Sendo indispensável à proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional das comunidades. Palavras-chave: · Biopirataria; TRIPS (Trade Related Intelectual Property Rights) ou ADIPCS (Aspectos sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado com o Comércio); CDB (Convenção sobre a Diversidade Biológica) 1. Introdução Biodiversidade é o termo que biólogos contemporâneos encontraram para definir com maior ênfase a enorme quantidade de espécies animais e vegetais existentes no planeta.1 A biodiversidade trouxe ao cotidiano político, nacional e internacional, questões até então pouco analisadas e consideradas muitas vezes como secundárias; passando a ter uma importância incontornável que só tende a crescer. A maior parte dos recursos genéticos e às milhares de espécies animais e vegetais existentes no planeta se encontram em países do hemisfério sul e as principais indústrias farmacêuticas, de engenharia genética e biotecnologia, nos países do hemisfério norte. Países como o Brasil, a Colômbia, Costa Rica e Madagascar possuem um patrimônio genético tão rico que os meios especializados falam em “megabiodiversidade”. Aproximadamente, 20% de toda a biodiversidade existente atualmente no mundo se encontram no Brasil. Muitos produtos extraídos de material contrabandeado, aprimorado pelas tecnologias, foram patenteados por laboratórios estrangeiros. Estatísticas do IBGE dizem que nosso país já perdeu centenas de milhões de dólares com registros no exterior de novas patentes baseadas em espécies vegetais da Amazônia2 por não dispormos de mecanismos eficientes de defesa do nosso patrimônio genético. De forma muito fácil qualquer pessoa entra em nosso território, exporta, mapeia e registra patentes com base nos recursos coletados livremente. A biopirataria atinge a vários países. Com um maior destaque para o Brasil por sua grande biodiversidade, mais especificadamente na Amazônia e no Pantanal. A Amazônia Legal Brasileira abrange uma área de 5.029.322 Km². Compreendendo os estados de Rondônia, Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Pará, Tocantins e grande parte do Maranhão e Mato Grosso. Esta imensa área, de grande importância geopolítica, engloba a maior parte da bacia amazônica e faz fronteira com sete países sul-americanos. Agregando, assim a maior floresta tropical úmida do mundo. Em sua biodiversidade, além de um incomensurável potencial potamográfico, lá se localizam os maiores banco genético e a mais vasta província mineralógica planetária. Por essas razões a Amazônia há muito tempo desperta a cobiça de muitos. A partir do fim do século XVI, franceses, holandeses e ingleses incursionaram pelo baixo Amazonas, com intuito de exploração, de comércio e de fixação na área. Já no século XX em 1902, o Presidente Theodore Roosevelt, desejoso de participar da vertiginosa industrialização da borracha, incentiva o desenvolvimento de um consórcio internacional, o “Bolivian Syndicate of New York”, para a ocupação do Acre, região em litígio entre Brasil e Bolívia, contrariando interesses dos dois países. A criação, em 1927, da “Fordlândia”, às margens do rio Tapajós e posteriormente em Belterra (próximo a Santarém – PA), bem revela o interesse norte-americano pela borracha do Brasil, tão importante para o esforço de guerra dos aliados, por ocasião da II Guerra Mundial, tornando-se memorável o trabalho dos “Soldados da Borracha”. Convém relembrar que, desde sempre, pairou sobre esse rico e imenso território brasileiro, a cobiça de estrangeiros, hoje potencializada pela globalização e fim da biopolaridade e, máxime, pela excepcional posição geográfica e conhecimento científico de que se dispõe sobre o seu incomensurável potencial hídrico, mineralógico e diversidade biológica. Podemos ver ao longo da história que muito material genético de nosso país foi retirado. Houveram diversas saídas. Em 1746 saiu o cacau levado do Estado da Bahia para o continente Africano, tornando-se este importante produtor de seus derivados. Em 1860 Richard Spruce, botânico inglês foi o encarregado de proceder à coleta de mudas de cinchona, de cujas cascas ocorre a extração do quinino, esta substância foi levada para o Sudeste asiático. A Indonésia tornou-se um dos maiores produtores de quinino. Henry Wickham em 1876 realizou a transferência de 70.000 sementes de seringueiras da região de Santarém. O Brasil só foi o grande produtor de látex durante o período de crescimento das mesmas na Ásia, após perdendo para estes que se tornaram os maiores produtores de borracha. Na atualidade as transferências de material genético são comuns. Já é comum a presença da ipecuanha, planta nativa em Rondônia, de cujas raízes se extraí o princípio ativo ementina, sendo cultivada no Himalaia; a casanha-do-Pará em Cingapura, Malásia, Sri Lanka e Trinidad e Tobago. Entre outros temos também já patenteados fora do país como o açaí (utilizado na indústria alimentícia) em que desde março de 2001, o próprio nome da planta “Açaí” se tornou marca registrada na União Européia.3 Outros casos são o do cupuaçu (utilizado na indústria alimentícia) e que é exportado para vários países. 4 O da andiroba (utilizado na indústria farmacêutica) como exemplo positivo forma parte do elenco de plantas medicinais sendo estudados pela “Central de Medicamentos” (CEME) do Brasil.5 2. Biopirataria e Bioprospecção A grande biodiversidade ou diversidade biológica brasileira (abrangência de todas as espécies de plantas, animais, microorganismos e dos ecossistemas dos quais são partes; grau de variedade da natureza, incluíndo número e freqüência de ecossistemas, espécies ou gens, num dado espaço)6, torna o país um alvo mundial da biopirataria. Biopirataria é a apropriação indevida de espécies vivas da flora e da fauna e da sabedoria popular sobre suas utilizações com o objetivo de se realizar estudos, reprodução em laboratório e comercialização, sem remuneração nem benefícios para o país ou a população dos quais são detentores das espécies ou das informações.7 Com isso, podemos dizer que existem formas de biopirataria: Da Fauna: extração de genoma, tráfico de animais. Da Flora: envio para o exterior de princípios ativos de plantas de origem brasileira. Da Cultura: retirada de conhecimentos da população local, de indígenas sobre determinada planta ou animal. Podemos então dizer que a biopirataria não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna, mas principalmente, a apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. Ainda existe o fato de que estas populações estão perdendo o controle sobre esses recursos. Situação esta que como vimos não é novidade na Amazônia. A exploração da biodiversidade em questão pode ser feita de forma controlada e consciente transformando-se assim em proteção ao meio ambiente. Porém, a sua exploração vem ocorrendo com o uso indiscriminado da biodiversidade e resultando no empobrecimento dos recursos genéticos. Ocasionando dessa forma o aumento das espécies em extinção. Contudo, o que se torna certo, apesar dos fatos, é que é imprescindível que se inicie a bioprospecção da biota brasileira. A conservação da natureza deixará de ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento e passará a ser o sustentáculo de um novo paradigma, que associa o uso sustentável dos recursos naturais com a melhoria da qualidade de vida da humanidade. A questão, portanto, não é se devemos ou não estimular a bioprospecção, mas sim em que condições devem fazê-lo. 3. O Conhecimento Tradicional aliado a Bioprospecção Com os novos avanços na área de biotecnologia, possuir ou ter acesso à biodiversidade tornou-se algo estratégico, alvo de constantes disputas e debates. O acesso ao conhecimento tradicional associado seria “a obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou de comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza”8 E bioprospecção seria “a atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial9”. A própria riqueza e variedade de nossa biodiversidade pode significar uma nova procura: encontrar na grande quantidade de material genético àquele que pode gerar um produto inovador, por isso a importância de tais conhecimentos tradicionais aliados ao patrimônio genético e a própria bioprospecção. A utilização do conhecimento das comunidades tradicionais (povos indígenas, seringueiros, agricultores, ribeirinhos, etc) sobre recursos naturais pode ser o ponto de partida para pesquisas que podem levar ao patenteamento de produtos e processos de obtenção de novas tecnologias. Os recursos biológicos, muitas vezes presentes em terras indígenas, são coletados por pesquisadores ou laboratórios, que passam a estudar o potencial farmacológico de determinada planta ou veneno de animal, baseando-se no uso tradicional que se faz deles. Hoje já se reconhece o saber tradicional associado aos recursos biológicos e a possibilidade de repartição de possíveis benefícios advindos do seu uso comercial ou industrial e o Estado reconhece o direito das comunidades indígenas entre outras de decidirem sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do país, ou seja, o consentimento prévio das comunidades para o acesso aos recursos situados em suas terras. 4. A Legislação Brasileira e o Meio Ambiente A legislação portuguesa já protegia o equilíbrio ecológico. As Ordenações Afonsinas, no Livro V, Título LVIII, proibiam o corte deliberado de árvores frutíferas; o Livro V, Título LXXXIII, das Ordenações Manuelinas vedava a caça de perdizes, lebres. Com a proclamação da Independência do Brasil em 1822, surgiu nova ordem jurídica com a Constituição de 1824. Com a promulgação do Código Penal de 1830, nos artigos 178 e 257 puniam crimes ambientais. Na década de 30 do século passado surge o Decreto 24645, de 10/07/1934, coibindo maus tratos aos animais; e o Código Florestal, instituído pelo Decreto 23793, de 23/01/ 1934, que contava com diversos dispositivos de natureza penal. Na década de 40 o Código Penal em vigor, em sua Parte Especial, por exemplo, art.165, que trata do dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico. Já na década de 60 surge o Código Florestal (lei 4771, de 18/09/1965), a Lei de Proteção à Fauna (nº 5197, de 03/01/1967) e o chamado Código de Pesca (decreto-lei 221, de 28/02/1967). Após na década de 80 a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (nº 6938, de 31/08/1981); e a própria Constituição Federal de 05/10/1988 em seu art. 225 protegem o meio ambiente. Com a Constituição Federal de 1988 fica estabelecido que a União detém competência privativa e concorrente para legislar sobre o meio ambiente. Entende-se como privativo o que é exclusivo, peculiar, particular. Apesar da competência privativa da União cabe aos Estados e aos Municípios o dever de zelar pela proteção ao meio ambiente. Como competência material da União temos a atribuição à esfera de poder o direito de fiscalizar e impor sanções em caso de descumprimento da lei. Com base na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 216 temos estipulado uma proteção ao patrimônio cultural brasileiro e no artigo 225 o dever do Poder Público e da coletividade de preservar e defender o meio ambiente. Protegendo assim, o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, prestigiando um direito humano de terceira geração.10 A Constituição Federal erigiu o meio ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, (art. 225). Determinou, ainda, incumbir ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, II, CF). De igual forma, impõe o estudo prévio de impacto ambiental - EIA para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, IV, CF). Também incumbe ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, pesquisa e capacitação tecnológicas, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências, bem como o desenvolvimento do sistema produtivo nacional (art. 218, § 1o e 2o, CF). Diante de dois valores aparentemente antagônicos, a proteção ao meio ambiente e desenvolvimento tecnológico e econômico é que a legislação brasileira e as convenções internacionais fazem menção ao desenvolvimento sustentável, assim entendida a compatibilização entre os bens juridicamente tutelados. O art. 225 da Constituição Federal não deixa margem à interpretação de sua abrangência em que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Então, esse direito pode ser em princípio, defendido por todos. Isso quer dizer por qualquer cidadão ou pessoa sujeito de direitos, como as crianças ou mesmo os que ainda vão nascer em razão de que esse direito difuso se estende às gerações futuras. Ainda sobre o art. 225 da Constituição Federal vale ressaltar que este exige, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambienta, para instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. O referido Estudo de Impacto Ambiental é de suma importância para a execução do princípio da precaução, de modo a tornar possível no mundo real a previsão de possíveis danos ambientais.11 Enfatizando assim, a importância do princípio da precaução como regra fundamental de proteção ambiental no direito nacional e internacional. Prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e internacional é uma concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico, especialmente, nas últimas três décadas. A preocupação com a higiene urbana, um certo controle sobre as florestas e a caça já datam de séculos. Inovou-se no tratamento jurídico dessas questões, procurandose interligá-las e sistematizá-las. Demorou-se muito para procurar-se evitar a poluição, e a transformação do mundo natural fazia-se sem atentar-se aos resultados. O que iria acontecer ou o que poderia acontecer para a natureza não se queria cogitar, pois se acreditava que a natureza desse país imenso se arranjaria por si mesma. No final do século XX, novas formas de atividades, que podem desequilibrar definitivamente o já precário equilíbrio da vida no planeta, são ainda fomentadas: como o uso de pesticidas, a exploração desenfreada da diversidade biológica. Com a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei no 6.938 de 31 de agosto de 1981) inseriu como objetivos dessa política pública - compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art. 4o, I e VI). Entre os instrumentos da política nacional do meio ambiente colocou-se a “avaliação dos impactos ambientais” (art. 9o, III). A prevenção passa a ter fundamento no direito positivo, pela primeira vez na América Latina. Incontestável passou a ser a obrigação de prevenir ou evitar o dano ambiental, quando o mesmo pudesse ser detectado antecipadamente.12 O princípio da precaução “vorsorgeprinzip” está presente no direito alemão desde os anos 70, ao lado do princípio da cooperação e do princípio poluidor-pagador. A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Visa a durabilidade da qualidade de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza existente no planeta. Devendo ser visualizado em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras. Por sua vez o art. 225, II do §1º e §4º da Constituição Federal se tornou regulamentado pela Medida Provisória 2186-16/01 que também regulamenta os arts. 1o, 8o, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre a Diversidade Biológica dispondo sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para sua conservação e utilização. Sendo que esta Medida Provisória em seu artigo 1º dispõe sobre os bens, direitos e obrigações relativos ao acesso a componentes do patrimônio genético existentes no território nacional, o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético e a repartição justa e eqüitativa dos mesmos. Também trata do acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica. Quanto ao acesso aos componentes do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção a sua utilização deve-se dar de forma que não acarrete em prejuízo dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de sua ocorrência. A liberação para a utilização dos mesmos se dará através de autorização da União e fiscalização da mesma. Já relativo ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético a Medida Provisória em seu art. 8º, § 2º diz que este é parte integrante do patrimônio cultural brasileiro. Formando parte assim, do art. 216 da Constituição Federal de 1988. 5. O Problema da Biopirataria O patrimônio genético de países como o Brasil é de suma importância para o desenvolvimento de novos medicamentos e tecnologias para a humanidade e serve para os detentores desse patrimônio como uma alavanca econômica em potencial. Sendo assim, com base no patrimônio genético e seu uso sustentável poderia haver a criação de novas atividades econômicas no país. A inexistência de uma legislação nacional específica definindo acordos internacionais envolvendo a troca de germoplasmas facilita a ocorrência da biopirataria. Torna-se necessário então, a definição, proteção da biodiversidade e patenteamento de material genético. Então: “Qual seria a melhor forma de se legislar a proteção de nossa biodiversidade de forma que evitasse a biopirataria e o patenteamento de material genético fora do país?” O Direito Internacional do Meio Ambiente teve sua primeira manifestação em Paris, em 19 de março de 1902, com a convenção para proteger aves úteis à agricultura. A Conferência de Estocolmo, em 1972, foi o grande divisor de águas. Contendo 26 princípios, ela veio acompanhada de um plano de ação composto de 190 resoluções. As nações passaram a compreender que nenhum esforço, isoladamente, seria capaz de solucionar os problemas ambientais, como alteração do clima global, destruição da camada de ozônio ou empobrecimento dos recursos genéticos do planeta. Sendo assim, temos como princípios internacionais do Direito Ambiental: a) É dever de todos os Estados proteger o meio ambiente. b) Princípio do intercâmbio de informações e da consulta prévia ou da cooperação (ex: entre um governo que se propõe a elaborar trabalhos de efeitos ambientais e os que repartem os recursos naturais que possam vir a ser afetados).13 c) Princípio da precaução: que importa no dever do governo de prevenir atos nocivos ao meio ambiente. Inspirado na recomendação nº 70, de Estocolmo. Entre outros princípios, como o do aproveitamento equitativo o e do poluidor-pagador.14 Este princípio pode ser visto como um orientador de qualquer política contemporânea do meio ambiente. Significa que deve ser dada prioridade à medida que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente, ou seja, o atuar humano com efeitos imediatos ou em longo prazo no meio ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente. Dentro do Direito internacional Público também se trabalha com o conceito de segurança ambiental. A segurança ambiental é aqui entendida como a proteção do meio ambiente em longo prazo.15 A ONU utiliza amplamente o conceito neste sentido e fala da segurança das espécies ou da atmosfera. 6. Histórico de Convenções e Tratados anteriores ao TRIPS O conceito de propriedade intelectual não é recente, acompanhou sempre a criatividade humana. O que evoluiu com o tempo foi à defesa comercial. A legislação sobre patentes industriais surgiu na Inglaterra, em 1623, com o impulso da industrialização, e foi adotada em 1790 pelos Estados Unidos. Em 1883, todos os países presentes à Convenção Internacional de Paris, inclusive o Brasil, firmaram um importante tratado multilateral sobre propriedade industrial, que ficou conhecido como a Convenção de Paris. Nesse tratado, os direitos de propriedade industrial, especificamente, começaram a ter uma proteção mais efetiva: a Convenção de Paris sistematizou as normas de proteção de marcas, patentes, desenhos industriais etc. Seu texto tem sido revisto e atualizado de tempos em tempos – 1900 em Bruxelas, 1911 em Washington, 1925 em Haia, 1934 em Londres, 1958 em Lisboa e 1967 em Estocolmo. Em 1886, foi criada a Convenção de Berna, considerada como a principal convenção transnacional especificamente voltada para os direitos autorais, impondo normas mínimas para os países signatários. A proteção dos direitos autorais é automática em todos os países-membros. Seu texto tem sido também atualizado e revisado: 1896 em Paris, 1908 em Berlim, 1914 em Berna, 1928 em Roma, 1948 em Bruxelas, 1967 em Estocolmo, 1971 e 1977 em Paris. 7. O Acordo TRIPS (ADIPCS) O TRIPS (Trade – Related Intellectual Property Rights) é um acordo internacional que faz parte do tratado geral que criou a OMC e que concluiu a chamada “Rodada do Uruguai” do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). O tratado que criou a OMC diz respeito aos aspectos gerais do relacionamento comercial entre os países. O TRIPS trata especificamente da parte relativa aos direitos de propriedade intelectual.16 Embora contenha ainda algumas falhas, sua assinatura marcou um momento realmente histórico, pois 127 países concordam em ter um nível mínimo de proteção da propriedade intelectual. A OMC tem o encargo de administrar duas categorias de Acordos: os Acordos Multilaterais e os Plurilaterais. O TRIPS ou ADIPCS faz parte dos acordos multilaterais da OMC. São os acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos anexos 1, 2 e 3 que formam parte do Acordo Constitutivo da OMC e são vinculantes para todos os membros. Os TRIPS estão no anexo 1C (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPS). O Acordo sobre os TRIPS trata da proteção internacional de direitos de propriedade intelectual. Este Acordo respeita as convenções e tratados já existentes ao dispor, expressamente, que seu objetivo não é diminuir as obrigações dos seus Membros que sejam signatários das Convenções de Paris, de Berna, de Roma e do Tratado de Washington. Os TRIPS visam preencher as lacunas dos tratados anteriores. O Acordo estabelece um nível de proteção comum que deve ser respeitado por todos, deixando, porém, os Membros completamente livres para decidirem qual a forma mais adequada a ser adotada no âmbito interno, desde que não seja inconsistente com o próprio Acordo. Uma das características fundamentais do Acordo sobre os ADPICS é que converte a proteção dos direitos de propriedade intelectual como parte integrante do sistema multilateral de comércio que representa a OMC. Os ADIPCS são classificados como um dos pilares da OMC. Segundo os TRIPS em relação às patentes qualquer invenção nova, independentemente do setor tecnológico em que se encontre, pode ser patenteada, seja ele um processo, seja um produto, mas desde que envolva um processo inventivo que possa ser utilizado industrialmente.17 Os direitos de propriedade intelectual podem definir-se como aqueles que se conferem as pessoas sobre as criações de sua mente.18 Estes se subdividem em: direitos autorais e direitos de propriedade industrial. No que tange aos direitos autorais encaixase a proteção dos conhecimentos das comunidades tradicionais. Por exemplo, tribos indígenas que tenham o conhecimento sobre a utilização de alguma planta como remédio. Nos direitos de propriedade industrial encaixa-se toda e qualquer descoberta que tenha origem na fauna ou na flora e que possa gerar tecnologia ou invenção. Por exemplo, a criação de um produto farmacêutico que tenha sido extraído de alguma planta. Então, propriedade intelectual é o direito que qualquer cidadão, empresa ou instituição tem sobre tudo o que resultar de sua inteligência ou criatividade. Esse direito é protegido através de diversos instrumentos jurídicos que, cada um a sua maneira, servem para proteger os seus titulares ou proprietários contra o uso não-autorizado de sua legitima criação, talento ou inteligência, por terceiros. Já a propriedade industrial é um dos tipos de propriedade intelectual. Abrange a proteção de atividades, produtos, idéias ou símbolos que estejam relacionados a um processo industrial ou comercial.19 É o caso das patentes. De um modo geral os direitos à propriedade intelectual são reconhecidos em todo o mundo. Entretanto, com níveis de proteção bem variáveis. Na realidade, esse reconhecimento evoluiu muito a partir da assinatura do Acordo sobre os TRIPS, em Marrakesh, no ano de 1994. Os países que assinam o TRIPS obrigam-se a reescrever suas leis nacionais para adaptá-las ás normas internacionais pactuadas nesse acordo,20 que abrange patentes, produtos farmacêuticos etc. Está previsto no TRIPS um prazo de implementação que pode chegar, em certos casos, há 20 anos. Parece excessivo, mas pelo menos podemos ter hoje a certeza de que até 2014 todos os países signatários terão que adotar esse nível mínimo de proteção. Segundo os TRIPS, um Membro poderá recusar-se a patentear uma invenção em função de três fatores: a) Proteção da ordem pública e da moralidade; b) Proteção da vida ou da saúde humana, animal ou vegetal; c) Proteção do meio ambiente.21 Também podem os países recusar-se a conceder patentes de invenções relacionadas com: a) Diagnósticos, métodos cirúrgicos e terapêuticos utilizados no tratamento humano ou animal; b) Animais, plantas, exceto microorganismos e processos biológicos destinados à produção de animais e plantas (salvo processos não biológicos e Microbiológicos). 22 Entretanto, poderão ser concedidas patentes às variedades de animais e plantas23 através de patentes ou de um método eficaz sui generis. O titular de patentes de um produto tem o direito de impedir que terceiros, sem sua autorização: a) Usem, b) Ofereçam à venda, c) Vendam, ou d) Importem tal produto.24 8. O ADIPCS Relacionado às Plantas e Animais O art. 27.3 (b) do Acordo Trips trata da patenteabilidade de plantas e animais e a proteção do conhecimento tradicional e do folclore. Em virtude do art. 27.3 (b) do Acordo Trips os membros podem decidir que não se concederão patentes em seus países para determinados tipos de invenções vegetais e animais. Em concreto o acordo permite excluir da patenteabilidade as plantas e os animais exceto os microorganismos e os procedimentos essencialmente biológicos para a produção de plantas e animais, que não sejam procedimentos não biológicos ou microbiológicos. Artigo 27: 1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3, as patentes poderão ser obtidas por todas as invenções, sejam de produtos ou de procedimentos, em todos os campos da tecnologia, sempre que sejam novas, entranhem uma atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do artigo 65, no parágrafo 8 do artigo 70 e no parágrafo 3 do presente artigo, as patentes poderão se obter e os direitos de patente se poderão gozar sem discriminação pelo lugar da invenção, o campo da tecnologia e o fato de que os produtos sejam importados ou produzidos no país. 2. Os Membros poderão excluir da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial em seu território deva se impedir necessariamente para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a saúde ou a vida das pessoas e dos animais ou para preservar os vegetais, ou para evitar danos graves ao meio ambiente, sempre que essa exclusão não se faça meramente porque a exploração esteja proibida por sua legislação. 3. Os Membros poderão excluir por si mesmo de patenteabilidade: a) Os métodos de diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de pessoas ou animais; b) As plantas e os animais exceto os microorganismos, e os procedimentos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, que não sejam procedimentos não biológicos ou microbiológicos. No entanto, os Membros outorgarão proteção a todas as obtenções vegetais mediante patentes, mediante um sistema eficaz sui generis ou mediante uma combinação destes com aqueles. As disposições do presente apartado serão objetos de exame quatro anos depois da entrada em vigor do Acordo sobre a OMC.25 A questão que está por trás da revisão do art. 27 3 (b) dos TRIPS é a discussão sobre a compatibilidade entre o Acordo Trips e a Convenção de Biodiversidade.26 Os EUA, que assinou, mas não ratificou a Convenção de Biodiversidade, acha que Trips e CDB não são compatíveis, pois tratam de assuntos diferentes. Já o Brasil e a União Européia afirmam que é possível harmonizar estes dois fóruns de discussão, mas defendem duas maneiras diferentes para que isso seja feito. Enquanto para a União Européia a revisão do Acordo deve ser apenas uma adequação de linguagem, para o Brasil o artigo 27 3 (b) deve ser reescrito incorporando os dispositivos da CDB.27 9. CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) A Convenção sobre Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica assinada durante a Rio - 92 e ratificada pelo Congresso Brasileiro, em 1994 foi uma das mais polêmicas, por expor os muitos e divergentes interesses entre os países industrializados e os países ricos em patrimônio genético e diversidade biológica. Entende-se aqui o uso sustentável ou desenvolvimento sustentável como “aquele que não sacrifica seu próprio cenário, aquele que não compromete suas próprias condições de durabilidade28”. A Convenção sobre Diversidade Biológica dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado à repartição de benefícios e o acesso à tecnologia para a sua conservação, utilização e uso sustentável dos mesmos. E está calcada nos deveres de precaução e de cooperação internacional. Uma discussão interessante sobre a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Convenção sobre a Diversidade Biológica é se estas seriam soft laws29, ou seja, diretrizes de comportamento, uma declaração de princípios sem o poder de vincular ou obrigar qualquer país ao seu cumprimento. Tanto a Declaração do Rio quanto a CDB estabelecem princípios a serem seguidos pelos países signatários para alcançar as metas previstas para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável do planeta. A convenção sobre a Diversidade Biológica lista princípios de cooperação entre Estados e povos, tendo a finalidade de estabelecer as bases para o direito internacional ao desenvolvimento sustentado. Muitas de suas regras projetam princípios do direito costumeiro internacional, outras refletem princípios emergentes no direito internacional e, ainda, outras prevêem orientações a serem incorporadas nos sistemas normativos internos e internacionais. A Declaração do Rio e a própria Convenção sobre Diversidade Biológica são importantes referências para se avaliar os futuros desdobramentos do direito internacional ao prover as bases para a definição do desenvolvimento sustentável e sua aplicação no plano do direito interno. Tratando-se especificamente sobre o princípio da precaução devidamente incorporado na Convenção sobre Diversidade Biológica, este faz parte do direito costumeiro internacional, sendo, portanto, uma regra de jus cogens que se incorpora automaticamente ao direito interno.30 Sendo assim, a Convenção da Diversidade Biológica, é um tratado internacional, assinado, ratificado pelo Brasil e incorporado no direito interno e expressamente acolhe o princípio da precaução como meio de proteção da variedade biológica no planeta. Até a assinatura da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em 1992, o acesso aos recursos genéticos era livre, pois a biodiversidade era considerada um patrimônio da humanidade. Com a CDB, os países signatários passaram a ter direitos sobre seus recursos biológicos e o dever de zelar pela sua conservação e utilização sustentável. Passaram a ter a obrigação de regulamentar o acesso à sua biodiversidade, garantindo a repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos do uso desses recursos e/ou de produtos derivados destes. Os signatários se comprometeram também a respeitar o conhecimento das comunidades tradicionais e/ou indígenas, garantindo-lhes o retorno derivado da sua exploração comercial. Sobre sua aplicabilidade ainda muito restrita o Ministério do Meio Ambiente em conjunto com ONG’s e fundações de proteção ao meio ambiente. Vêm realizando reuniões e simpósios para a discussão sobre a biodiversidade e qual seria a melhor forma de aplicação desta convenção. Já se chega a algumas conclusões a respeito do assunto. Como por exemplo: a) Assegurar a participação e colaboração técnica, científica, social e cultural das comunidades locais, povos indígenas, organizações não-governamentais, universidades e outras instituições no processo de elaboração e implementação de programas de conservação e utilização dos recursos da diversidade biológica e no estabelecimento de prioridades para a sua conservação; b) Assegurar a participação dos diferentes níveis de governo (federal, estadual, municipal) no planejamento e implementação das políticas e ações de utilização da biodiversidade; c) Apoiar o desenvolvimento de um código de conduta sobre biotecnologia, garantindo a segurança contra a introdução imprópria de organismos estranhos ao meio ambiente; d) Apoiar a realização de reformas nas políticas setoriais e regionais de utilização dos recursos da diversidade genética, coerentes com a sua conservação; e) Apoiar a criação de incentivos para que cientistas nacionais desenvolvam pesquisas nesta área do conhecimento, que atendam aos interesses das comunidades locais, dentro de um enfoque de pesquisa participativa; f) Apoiar a inclusão da valoração dos recursos da diversidade biológica como item nas negociações internacionais, assegurando benefícios econômicos aos países detentores destes recursos; g) Assegurar que os resultados financeiros obtidos a partir de transações comerciais de recursos genéticos sejam distribuídos de forma justa às comunidades envolvidas nas regiões de origem destes recursos, bem como às unidades de conservação e áreas protegidas de biodiversidade; h) Assegurar que os recursos genéticos de utilização na agricultura, desenvolvidos pelos pequenos produtores, sejam considerados como parte da biodiversidade, de forma a garantir as mesmas condições de uso, conservação e benefícios sociais que incidem sobre os demais recursos da diversidade biológica; i) Assegurar que os países em desenvolvimento não participem de acordos internacionais relacionados ao estabelecimento de patentes de seres vivos, por contrariarem os preceitos éticos e por favorecerem interesses econômicos dos países detentores da biotecnologia.31 Possíveis Resoluções para a Biopirataria: a) Regulamentar o acesso aos recursos genéticos e proteger os direitos das comunidades tradicionais sobre os conhecimentos da fauna e da flora brasileira ou de sua região. b) Aplicar mutuamente o TRIPS (Trade Related Aspects Intelectual Propert Rights) ou ADPIC (Aspectos sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) e a CDB (Convenção sobre a Diversidade Biológica) com mudanças na legislação nacional. 10. Resolução através da aplicação mútua do Acordo TRIPS e a CDB O processo de exame do art. 27 3(b) dos ADPICS começou em 1999, tratando strictu sensu da patenteabilidade das invenções incluindo o material biológico (invenções biotecnológicas), a proteção das obtenções vegetais e as possíveis exclusões de patenteabilidade. Na reunião do conselho dos ADPICS celebrada em 21 de março de 2000, o presidente do conselho chegou a conclusão de que o conselho deveria proceder de maneira mais organizada, sistemática e produtiva, centrando-se no seguinte: a) A vinculação entre as disposições do art.27 3(b) e o desenvolvimento; b) Questões técnicas relativas à proteção mediante patente em conformidade com o §3(b) do art. 27 dos TRIPS; c) Questões técnicas relativas às obtenções vegetais; d) Questões técnicas relativas a patenteabilidade de formas de vida; e) A relação com a conservação e a utilização do material genético; f) A relação com os conceitos de conhecimentos tradicionais e de direitos do agricultor.32 O Brasil apresenta uma posição bastante interessante e avançada com relação à revisão do artigo 27 3§ B do TRIPS. Em que se deve buscar incorporar os dispositivos da CDB no TRIPS para garantir a criação de um arcabouço jurídico internacional que permita a valorização do conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o consentimento prévio das comunidades. Com o documento (IP/C/W/403) Bolivia, Brasil, Cuba, Equador, Índia, Peru, República Dominicana, Tailândia e Venezuela desenvolvem a propostas do “consentimento fundamentado prévio”, ou seja, o consentimento anterior sobre a divulgação da fonte dos recursos biológicos e dos conhecimentos tradicionais. O termo “consentimento fundamentado prévio” se utiliza na Convenção sobre a Diversidade Biológica para a exploração desses recursos e conhecimentos, assim como a distribuição equitativa dos benefícios. Este grupo de países, do qual o Brasil faz parte, deseja que o Acordo sobre os TRIPS se modifique para fazer que essa divulgação seja obrigatória. 33 Já a União Européia com o documento (IP/C/W/383) incluem uma proposta para examinar o requisito de que os solicitantes de patentes divulguem a origem do material genético; e as conseqüências jurídicas de não respeitar esse requisito deveriam situar-se fora do âmbito do direito de patentes. 34 No §2º e 5º do art. 16 da CDB se reconhece à necessidade de atuar de maneira coerente com a proteção adequada e eficaz dos direitos de propriedade intelectual e se coloca aos membros a garantia que estes direitos apóiem a CDB. O texto da CDB relativo à propriedade intelectual estabelece um delicado equilíbrio entre a necessidade de se aplicar à proteção da propriedade intelectual e a de garantir que os direitos de propriedade intelectual facilitem a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade e os princípios de acesso e distribuição de benefícios entre os detentores de conhecimentos práticos sobre a utilização da biodiversidade. É claro, que o TRIPS, por sua vez, não se remete aos princípios da CDB no que concerne ao acesso aos recursos genéticos e a distribuição dos benefícios derivados de sua utilização, por terem naturezas diferentes. Isto não significa, no entanto, que o TRIPS vá contra a CDB, pois tratam de assuntos diferentes. O TRIPS como já foi dito tratam dos direitos de propriedade intelectual já a CDB trata da preservação da diversidade biológica. Nada nos TRIPS se opõe a distribuição de benefícios derivados da proteção da propriedade intelectual sobre invenções que incorporam recursos genéticos ou a proteção dos conhecimentos tradicionais. Ao mesmo tempo, é certo que o acordo não prevê instrumentos diretos para estabelecer um vínculo entre a proteção da propriedade intelectual e o cumprimento dos princípios da CDB.35 A CDB e o TRIPS não estão em conflito em uma perspectiva jurídica. Têm objetivos diferentes e não se ocupam da mesma matéria. Não existe nada nas disposições de um ou de outro acordo que impeça a um país signatário da CDB e membro da OMC logo dos TRIPS de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude destes acordos. Por exemplo, a CDB não proíbe que se faça patente de invenções que utilizam material genético. Os TRIPS não impedem aos signatários da CDB que exerçam seu direito de regulamentar o acesso à seus recursos genéticos, exigir o seu consentimento fundamentado prévio ou a compartilhar os benefícios derivados de sua utilização. Ao não haver incompatibilidade jurídica entre os acordos em questão, não pode haver problema com aplicação de ambos. Apesar das diferenças quanto o âmbito de aplicação dos instrumentos em questão, existe realmente uma interação considerável entre os direitos a que se refere os TRIPS e a matéria da CDB. A aplicação do TRIPS pode utilizar-se em apoio dos objetivos da CDB, como a participação justa e eqüitativa dos benefícios que derivam da utilização dos recursos genéticos. A propriedade intelectual pode ser um instrumento adequado para a aplicação da CDB. Os direitos de propriedade intelectual podem estimular a utilização de recursos genéticos fomentando a inovação biotecnológica. Esses direitos geram benefícios financeiros devido à exploração comercial. De maneira, que sempre que se respeite o direito internacional, em particular a CDB, a legislação nacional e os acordos contratuais em matéria de acesso e de participação nos benefícios, há margem para que os interesses de provedores e usuários, através da utilização dos direitos de propriedade intelectual, em que estes contribuem para a criação de benefícios derivados da utilização de recursos genéticos, retorne em forma de rendimentos financeiros ou de acesso à tecnologia pertinente. Portanto, em nível nacional existe a possibilidade de se aplicar simultaneamente a CDB e os TRIPS. A nova lei de propriedade industrial, Lei nº 9279/96, já segue o Acordo sobre o TRIPS ratificado em 1994 pelo Brasil. Para uma aplicação desta lei de forma a procurar evitar a biopirataria seria necessária uma nova alteração na mesma, encaixando princípios da CDB no relativo a recursos genéticos e a utilização de conhecimentos tradicionais. No que tange ao TRIPS nada impede que suas normas sejam revisadas e alteradas para que fiquem de acordo com a Convenção de Diversidade Biológica. 11. Conclusão Podemos analisar que a biopirataria confunde-se com a própria história do povo amazônico ou até com a história do Brasil. Apesar de ser um assunto ainda sem legislação específica, possui uma grande importância e uma necessária proteção. É visível que os riscos da biopirataria estão relacionados diretamente com a proteção da fauna e da flora brasileira, a economia e o patenteamento de princípios ativos. Para a proteção da fauna e da flora não precisamos ser ufanistas nem deixarmos tudo sem cuidados que precisam ser tomados, “não se deve buscar o desenvolvimento à custa do sacrifício ambiental, até por que ele assim não será durável; mas é injusto e tendencioso pretender que a preservação ambiental opere como um entrave ao desenvolvimento das nações pobres ou das que ainda não o alcançaram por inteiro36”. É necessário sim investimento na proteção e geração de renda para os povos diretamente atingidos, criar mecanismos de esclarecimento e iniciarmos a bioprospecção. Não podemos nos fechar barrando qualquer forma de tecnologia ou desenvolvimento. É claro que precisamos em conjunto de uma educação ambiental para formar cidadãos que participem da tomada de decisões tanto políticas quanto de grupos étnicos. Portanto, a tomada de consciência sobre o real valor da biodiversidade mundial é através da ampla mobilização da sociedade, da comunidade científica internacional e dos setores organizados constituindo na principal forma de combater a biopirataria. A possível solução passa através da utilização da legislação já existente no país como, por exemplo, a Medida Provisória 2186-16/01 e aplicando o ADIPCS em conjunto com a Convenção sobre a Diversidade Biológica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRADE. Sérgio. O Mercosul e o Meio Ambiente.Tuiuti: Ciência e Cultura. nº 12, novembro 1999. BARBOSA. 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História Biológica do Brasil. 3 ed. Rio de janeiro: Editora Saraiva, 1999. 358 p. 2 CAMPELLO. Edna. A Amazônia em Números. ATLAS GEOGRÁFICO IBGE, Rio de Janeiro: Editora Ibge, 2002. 200 p. 3 Frutas da Amazônia – INPI – Instituto Nacional de propriedade Intelectual. Disponível em: www.inpi.gov.br. 4 Frutas da Amazônia – INPI Op. cit. 5 Frutas da Amazônia – INPI Op. cit. 6 Projeto Curumim do Laboratório Schering do Brasil. 1 ed. São Paulo: Editora Umbigo do mundo, 2003. 7 Projeto Curumim. Op. cit. 8 BRASIL. Medida Provisória 2186-16 de 23 de agosto de 2001, art.7º, V. 9 Medida Provisória 2186-16/01, art.7º, VII. Op. cit. 10 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. 403 p. 11 GRAF. Ana Cláudia bento. Direito, Estado e Economia Globalizada: as patentes de biotecnologia e o risco da privatização da biodiversidade. Revista de direito da UFPR. V. 34 Curitiba: Editora UFPR, 2000. p. 133/142. 12 Freitas. Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. 2 ed. São Paulo: Editora RT, 2002. 248 p. 13 LE PRESTE. Philippe. Ecopolítica Internacional. Tradução: Jacob GORENDER. 1 ED. São Paulo: Editora SENAC, 2000. 518 p. 14 DECISIÓN SOBRE COMERCIO Y MEDIO AMBIENTE, Fundo Mundial para a Natureza. Disponível em: www.wwf.org. 15 LE PRESTE. Philippe . Op. cit. 16 COSTA. Ligia Maura. OMC Manual Prático da Rodada Uruguai. 2 ed. São paulo: Editora Saraiva, 1996. p. 25/47. 17 PIMENTEL. Luiz Otávio. Normas Jurídicas do Comércio Mundial: propriedade intelectual. Scientia Iuris. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000. p. 223/257. 18 SILVEIRA. Newton. A Propriedade Intelectual e a Nova Lei de Propriedade Industrial. São Paulo: Editora Saraiva, 1996. 214 p. 19 SILVEIRA. Newton. Op.cit. 20 TRIPS, Organização Mundial do Comércio. Genebra – Suiça. Disponível em: www.wto.org. 21 TRIPS. Op. cit. 22 TRIPS. Op. cit. 23 MACH DE OLIVEIRA. Ubirajara. A Proteção Jurídica das Invenções de Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. 1 ed. Porto Alegre: Editora Síntese, 2000. p. 53/78: informa que a “possibilidade de se patentear variedades de plantas já é um assunto consensual nos países europeus, nos EUA e no Japão”. 24 TRIPS. Op.cit. 25 TRIPS. Op. cit. 26 REUNIÃO DO CONSELHO DE COMÈRCIO E MEIO AMBIENTE. Organização Mundial do Comércio. Genebra – Suiça. Disponível em: www.wto.org. 27 DOCUMENTO IP/C/W/403. Organização Mundial do comércio. Disponível em: www.wto.org. 28 REZEK, J. F. Op. cit. 29 REUNIÃO DO CONSELHO DE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE. Op. cit. 30 LE PRESTE. Philippe. Op. cit. 31 COMENTÁRIOS RIO – 92. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: www.ibama.gov. 32 REUNIÃO DO CONSELHO DE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE. Op.cit. 33 Documento IP/C/W/403. Op. cit. 34 Documento IP/C/W/383, Organização Mundial do Comércio. Disponível em: www.wto.org 35 TRIPS / CDB. IUCN – The World Conservation Union. Disponível em: www.iucn.org. 36 REZEK, J. F. Op. cit.