CURSO DE DIREITO
TUTELA ANTECIPADA
LUIZ CARLOS DE ANDRADE LOPES
RA: 442.826-0
Turma: 319-D
Tel: 4702-4147
E-mail: [email protected]
SÃO PAULO
2004
LUIZ CARLOS DE ANDRADE LOPES
Monografia apresentada à
Banca
Examinadora
do
Centro Universitário das
Faculdades
Metropolitanas
Unidas,
como
exigência
parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito sob a
orientação do Professor Paulo
Dimas Bellis Mascaretti.
SÃO PAULO
2004
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador:_________________________________
Paulo Dimas Bellis Mascaretti
Professor Argüidor:__________________________________
Professor Argüidor:__________________________________
Agradeço,
os meus pais pelo incentivo e todo
o amor dedicado, e a minha
namorada Paula Bocchile Suelotto
por sua cooperação.
SINOPSE
O presente estudo visa apresentar o instituto da tutela antecipada como
uma medida capaz de tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional.
Busca-se de forma simples e objetiva demonstrar a importância desta tutela
satisfativa, introduzida no ordenamento jurídico nacional por meio da Lei n.
8.952, de 13.12.94.
Ao discorrer sobre a importância da tutela de urgência, de seus princípios
constitucionais, e de sua natureza, este trabalho procura esmiuçar as principais
características do instituto da tutela antecipada, apontando as diversas posições
sustentadas pela doutrina sobre o tema.
Aborda, também, o procedimento e os efeitos do ato judicial que aprecia o
pedido da tutela antecipada. Por fim, aponta algumas peculiaridades da tutela
específica das obrigações de fazer e de não fazer.
SUMÁRIO
Sinopse.............................................................................................................5
Sumário............................................................................................................ 6
Introdução........................................................................................................8
1 – A Tutela Jurisdicional..............................................................................11
1.1 – O tempo e o processo.....................................................................14
2 – Histórico das Tutelas de Urgência...........................................................18
3 – Formas de cognição.................................................................................22
3.1 – Cognição exauriente ......................................................................23
3.2 – Cognição Sumária..........................................................................23
4 – Conceito de Tutela Antecipada ...............................................................26
5 – A natureza do provimento .......................................................................31
6 – Diferenças entre as Tutelas de Urgência .................................................36
6.1 - Liminares e tutelas de urgência......................................................36
6.2 - Liminares e a antecipação da tutela ...............................................37
6.3 - Julgamento antecipado e a antecipação da tutela...........................37
6.4 - Tutela cautelar e tutela antecipada .................................................38
7 – Direitos Fundamentais dos Litigantes .....................................................43
7.1 – A efetividade da jurisdição............................................................45
7.2 – A segurança jurídica ......................................................................46
7.3 – Harmonização dos Direitos ...........................................................48
8 – Pressupostos ............................................................................................50
8.1 – Legitimados a requerer a tutela antecipada...................................51
8.2 – Prova inequívoca da alegação .......................................................53
8.3 – Verossimilhança da alegação ........................................................55
8.4 – Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação .........57
8.5 – Abuso de direito de defesa ............................................................59
8.6 – Manifesto propósito protelatório...................................................61
8.7 – Pedido incontroverso.....................................................................62
9 – Necessidade de fundamentação do ato jurisdicional...............................64
10 – O perigo da irreversibilidade.................................................................66
11 – Revogação e modificação......................................................................68
12 – Fungibilidade.........................................................................................72
13 – Procedimento.........................................................................................74
13.1 – Formalização do pedido ..............................................................74
13.2 – Competência................................................................................77
13.3 – Recurso ........................................................................................79
14 – Os efeitos antecipados...........................................................................82
15 – Tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer......................87
16 – Tutela antecipada em face da Fazenda Pública.....................................91
Considerações finais......................................................................................95
Bibliografia....................................................................................................99
Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar o instituto da tutela antecipada,
introduzido no ordenamento processual brasileiro, no Livro I – Do Processo de
Conhecimento, por força da Lei n. 8.952, de 13.12.94, a qual conferiu nova
redação ao art. 273, do Código de Processo Civil. Com o propósito de
simplificar, agilizar e principalmente dar efetividade à prestação jurisdicional,
diante da morosidade do curso normal do processo, o legislador introduziu no
ordenamento jurídico o instituto da antecipação da tutela.
O Estado como detentor do monopólio da jurisdição tem o poder-dever de
resolver os conflitos de interesses de seus jurisdicionados, apresentando
prestações jurisdicionais efetivas, céleres e capazes de solucionarem os litígios
entre os homens de maneira confiável, atribuindo, via reflexa, ao Poder
Judiciário, o respeito que lhe é devido, por sustentáculo imprescindível do
Estado de Direito.
Para evitar o perigo da demora do procedimento cognitivo comum na
satisfação do direito subjetivo material da parte vencedora, a tutela antecipada
foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, e se corretamente utilizada,
proporcionará a restauração da igualdade no procedimento.
8
Como bem sabemos, a morosidade na prestação jurisdicional provoca
lesão ao princípio da igualdade entre as partes. Com a finalidade de mitigar o
risco da demora do provimento jurisdicional, a tutela satisfativa, a qual realiza o
direito antecipadamente, já vinha sendo outorgada por meio de medidas
cautelares inominadas, e em casos específicos, como por exemplo, no pedido de
liminar de reintegração de posse, art. 928, caput, do Código de Processo Civil.
A tutela antecipada autoriza o juiz conceder a parte um provimento
imediato, provisoriamente, de forma a antecipar, no todo ou em parte, os efeitos
da futura sentença de procedência, tornando o processo apto a realizar os seus
objetivos e melhor servir a sociedade. Trata-se de adiantamento do provimento
que se busca no mérito da causa, ou seja, a parte que requer a antecipação dos
efeitos da tutela pretendida, busca uma medida satisfativa de urgência, em
caráter provisório, que reconheça o direito material e lhe proporcione o
respectivo exercício.
O presente estudo irá analisar os requisitos e condições exigidas para a
concessão da medida antecipatória. Abordando os reflexos das alterações
trazidas pela Lei n. 10.444, de 07.05.02, ao instituto da tutela antecipada, em
seus §§ 3°, 6° e 7°, do art. 273, e da tutela específica das obrigações de fazer e
de não fazer, art. 461 e 461-A, todos do Código de Processo Civil. Analisaremos
a evolução histórica, pressupostos e características do instituto, buscando
9
apresentar um paralelo com as demais tutelas de urgência enquanto institutos de
efetivação da prestação jurisdicional.
10
1 - A Tutela Jurisdicional
A tutela jurisdicional decorre do compromisso do Estado de apreciar as
lesões ou ameaças a direitos, eliminando os conflitos de interesses de modo
eficaz, e sujeitando a vontade de todos as suas decisões. O Estado assume o
papel de terceiro desinteressado, substituindo a atividade dos envolvidos em
conflitos, para aplicar concretamente à vontade da lei de forma imparcial,
realizando providências concretas necessárias à manutenção ou à reparação de
direitos.
Necessário demonstrar a diferença entre tutela e prestação jurisdicional,
uma vez que a tutela jurisdicional será prestada a aquele que demonstrar o
direito subjetivo material que se afirmou violado ou ameaçado de violação, ao
passo que a prestação jurisdicional independe da efetiva existência de tal direito.
A prestação jurisdicional é constitucionalmente devida a todo e qualquer
litigante (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal – princípio da inafastabilidade
da jurisdição), sendo cumprida e formalizada pelo magistrado com a prolação da
sentença que põe fim ao processo.
Como destaca Humberto Theodoro Júnior: “Na satisfação do direito à
composição do litígio (definição ou atuação da vontade concreta da lei diante do
conflito instalado entre as partes) consiste a prestação jurisdicional. Mas, além
11
dessa pacificação do litígio, a defesa do direito subjetivo ameaçado ou a
reparação da lesão já consumada sobre o direito da parte também incumbe a
função jurisdicional realizar, porque a justiça privada não é mais tolerada (salvo
excepcionalíssimas exceções) pelo sistema de direito objetivo moderno. Assim,
quando o provimento judicial reconhece e resguarda in concreto o direito
subjetivo da parte, vai além da simples prestação jurisdicional e, pois, realiza a
tutela jurisdicional. Todo litigante que ingressa em juízo, observando os
pressupostos processuais e as condições da ação, tem direito à prestação
jurisdicional (sentença de mérito ou prática de certo ato executivo); mas nem
todo litigante faz jus à tutela jurisdicional”. 1
Tradicionalmente a tutela jurisdicional visa à formulação e à atuação
prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar em determinada
situação. Primeiramente no processo há declaração de direito, para depois este
ser realizado. Quando há uma pretensão jurídica resistida, e para sua
composição, necessária a declaração da vontade concreta da lei, estamos diante
de um processo de conhecimento ou de cognição. Pois o exame do magistrado
consiste em certificar ou não a existência de um direito por meio de uma
sentença. Ao passo que, se a atividade se desenvolve no sentido de tornar efetivo
o direito certificado ou presumidamente existente, corresponde ao processo de
execução. Neste caso se tem a certeza do direito do credor, fundando-se a lide na
1
Humberto Theodoro Junior. Tutela jurisdicional de urgência. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001, p. 2.
12
insatisfação do crédito pretendido, buscando-se dessa forma, realizar a prestação
a que tem direito, por meio da coação estatal sobre o patrimônio do devedor.
Podemos acrescentar um tertium genus na classificação da tutela
jurisdicional. Trata-se do processo cautelar, o qual não busca satisfazer
diretamente a relação jurídica material que envolve as partes, mas apenas
garantir a tutela de conhecimento ou de execução, prevenindo possíveis
alterações de fato ou de direito, preservando a utilidade e eficiência do futuro e
eventual provimento.
Em regra a tutela de conhecimento precede a tutela executiva, mas há
situações em que elas podem ser prestadas simultaneamente, como no caso da
execução provisória prevista no art. 588 do Código de Processo Civil. Pode
ocorrer, também, que a tutela executiva seja prestada integralmente, antes
mesmo de ser iniciada a ação de embargos à execução (processo de
conhecimento), nos casos de títulos executivos extrajudiciais. No que se refere à
tutela cautelar, esta poderá ser prestada antes ou no curso do processo principal
(conhecimento ou execução), nos termos do art. 796 do Código de Processo
Civil.
13
1.1 - O tempo e o processo
O litigante ao buscar uma prestação jurisdicional que assegure a
composição do litígio e a reparação do dano que o titular do direito lesado
suportou, pretende que o Estado proporcione a concretização do direito da parte
que tem razão, de forma célere e objetiva. Entretanto, o decurso do tempo
muitas vezes pode provocar perecimentos de pretensões, uma vez que o juiz
necessita de tempo razoável para compreender o conflito de interesse e para
habilitar-se à bem fundamentar as decisões interlocutórias e, com maior
profundidade, a sentença.
A “lentidão da Justiça” constitui um grave problema social, uma vez que a
demora no andamento processual favorece as especulações e insolvência,
prejudicando os litigantes, principalmente o autor, que mesmo ao final vitorioso,
terá um largo período de privação de seu direito. Os demandantes utilizam-se do
direito constitucional do devido processo legal e da ampla defesa, insculpido no
art. 5º, LV, da Constituição Federal, para provocar prejuízos muitas vezes
irreversíveis, oferecendo dilações e recursos meramente protelatórios.
A morosidade no acertamento da lide, não pode comprometer a validade
prática da decisão. Não basta ter a certeza da ocorrência de um pronunciamento
final de mérito em um momento indefinido, é necessário que a decisão tenha
14
capacidade de afastar situações graves de risco de dano à efetividade do
processo. Neste sentido esclarece Cândido Rangel Dinamarco: “É muito antiga a
preocupação pela presteza da tutela que o processo possa oferecer a quem tem
razão. Os interdicta do direito romano clássico, medidas provisórias cuja
concessão se apoiava no mero pressuposto de serem verdadeiras as alegações de
quem pedia, já eram meios de oferecer proteção ao provável titular de um direito
lesado, em breve tempo e sem as complicações de um procedimento regular. No
direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas
são fatores de desprestígio do Poder Judiciário (como se a culpa fosse só sua) e
de sofrimento pessoal dos que necessitam da tutela jurisdicional”. 2
A tendência de agilizar os mecanismos de administração da justiça,
buscando racionalizar a distribuição do tempo no processo, inibindo defesas
abusivas ou procrastinatórias, que retardam a outorga da prestação jurisdicional,
tornou-se preocupação maior dos operadores do direito. O processo cautelar que
por muitas décadas mostrou-se como um instrumento adequado para aplicação
das prestações jurisdicionais de urgência, teve seu campo de incidência
regularizado, ou seja, houve uma purificação do processo cautelar, o qual
readquiriu a sua finalidade clássica de medida conservativa.
2
Cândido Rangel Dinamarco. A Reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros,
1997, p. 140.
15
Com o propósito de se agilizar a prestação jurisdicional, foi instituído, de
modo explicito e generalizado, no ordenamento processual brasileiro a
antecipação dos efeitos da tutela pretendida. O que antes somente era possível
no processo cautelar, em alguns procedimentos especiais, estendeu-se para todo
processo de conhecimento, consagrando o poder geral de cautela do juiz. As
tutelas cautelares satisfativas procuraram preencher uma lacuna no ordenamento
jurídico, o que não é mais necessário, ante a reforma processual ocorrida na
década de noventa, a qual introduziu no ordenamento jurídico a Lei n. 8.952/94.
A antecipação da tutela consagrada pelo art. 273 do Código de Processo
Civil constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do
processo, pois este novo expediente, autoriza o juiz antecipar a decisão de
mérito, antes mesmo de completar a instrução e o debate da causa,
proporcionando o provisório atendimento do pedido, no todo ou em parte.
Como bem ponderou Cândido Rangel Dinamarco: “Não se trata de obter
medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a
possibilidade de exercê-lo no futuro. A medida antecipatória conceder-lhe-á o
exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Na prática, a decisão com que o
juiz concede a tutela antecipada terá, no máximo, o mesmo conteúdo do
dispositivo da sentença que concede a definitiva e a sua concessão equivale,
16
mutatis mutandis, à procedência da demanda inicial – com a diferença
fundamental representada pela provisoriedade”. 3
Dessa forma, a demora no processo não pode acarretar prejuízo ao autor
que tem razão. Não basta ser assegurada a composição do litígio e a reparação
do dano, necessário que o processo esteja voltado a preservar a efetividade da
decisão, sem que o largo tempo do processo seja suportado unicamente pelo
autor.
3
Cândido Rangel Dinamarco. A Reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros,
1997, pp. 141-142.
17
2 - Histórico das Tutelas de Urgência
Por longo tempo, a história do direito processual demonstra uma
inquietação pela necessidade de evitar o perigo da demora no processo comum,
não permitindo que a tutela jurisdicional perdesse a sua efetividade.
Tradicionalmente, no direito europeu, o poder geral de cautela do
magistrado, passou a abranger as providências de urgência de natureza
satisfativa. Países como Alemanha, Suíça, França, Itália e Portugal, passaram a
conceber a tutela provisória tanto para conservar como para regular a situação
jurídica material das partes. Nas situações em que o retardamento na solução de
questões de mérito inviabilizaria o próprio direito da parte, a antecipação da
tutela passou-se a ser acolhida como forma de satisfazer o direito.
A legislação européia admite que as medidas provisórias, fundadas no
poder geral de cautela, tenham caráter satisfativo, desde que a antecipação dos
efeitos do possível julgamento de mérito não produzam efeitos irreversíveis,
como nos ensina o Professor Humberto Theodoro Junior. 4
O direito processual europeu trata a tutela cautelar e a tutela antecipada
como medidas de urgência únicas, permitindo que no âmbito dos procedimentos
18
cautelares possa se antecipar os efeitos, provisoriamente, de um possível
julgamento de mérito.
O direito processual brasileiro, também, procurou mitigar os problemas
surgidos com a espera do provimento jurisdicional definitivo, capaz de satisfazer
a pretensão deduzida pela parte. Dessa forma, procurou-se estabelecer medidas
que proporcionassem a aceleração na prestação jurisdicional, ainda que
provisoriamente.
Primeiramente, o legislador estabeleceu no art. 675 do Código de
Processo Civil de 1939, o que podemos afirmar como um poder geral de cautela
do magistrado, não admitido por parte da doutrina, como assim dispunha:
“Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá
determinar providências para acautelar o interesse das partes:
“I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou
violência entre os litigantes;
“II – quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos capazes
de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma das
partes;
“III – quando, no processo, a uma das partes for impossível produzir prova,
por não se achar na posse de determinada coisa”.
4
5
Humberto Theodor Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II.
p. 558.
5
Luiz Guilherme Marinoni. A Antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.119.
19
No Código de Processo Civil de 1973 em seu art. 798 o juiz passou a ter
efetivamente um poder geral de cautela, podendo determinar medidas
provisórias que julgar adequada, quando houver fundado receio de que uma
parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de
difícil reparação. Com a finalidade de se evitar o periculum in mora a doutrina
passou a dilatar o poder geral de cautela, inserindo toda a tutela de emergência
dentro do universo cautelar.
A jurisprudência adotou o posicionamento de que as medidas cautelares,
por meio do poder geral de cautela dos juízes, não poderiam ser de natureza
satisfativa, uma vez que a sua função é de apenas garantir e prevenir a eficácia
do processo principal.
A par disso, outra forma de impedir a ineficácia e inutilidade do
provimento judicial esperado foi a utilização da antecipação da tutela, por meio
de liminares satisfativas na forma de cognição sumária, introduzidas no processo
de conhecimento como medidas excepcionais e restritas a procedimentos
especiais, como nas ações possessórias (arts. 928 e 929, ambos do Código de
Processo Civil), na nunciação de obra nova (art. 937 do Código de Processo
Civil), no mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 7º, II, g), na ação civil
pública (Lei n. 7.347/85, art. 12, j), na ação popular (Lei n. 4.717/65, art. 5º, §
4º, i), entre outras.
20
A reforma do Código de Processo Civil de 1994, por meio da Lei n.
8.952, introduziu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida no
ordenamento jurídico nacional (art. 273 do Código de Processo Civil), de forma
a complementar o elenco do gênero “tutelas de urgência”, em razão da
necessidade de uma tutela sumária satisfativa que não fosse prestada no âmbito
do processo cautelar.
A ampla maioria da doutrina e dos tribunais não admitia a concessão da
tutela satisfativa com fundamento no dilatado poder geral de cautela do juiz, por
apresentar a ação cautelar inominada função meramente preventiva.
Com o advento da Lei n. 10.444, de 07.05.02, ampliou-se à possibilidade
da concessão da tutela antecipada para as ações que tenham por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, ou a entrega de coisa,
permitindo que o juiz conceda a tutela específica da obrigação liminarmente, ou
mediante justificação prévia após a citação do réu (arts. 461, § 3º e 461-A, § 3º,
ambos do Código de Processo Civil).
21
3 – Formas de cognição
Como bem observou Kazuo Watanabe: “A cognição é prevalentemente
um ato de inteligência, consiste em considerar, analisar e valorar as alegações e
as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito
que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do
judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”.6
A analise da cognição deve ser realizada em dois planos distintos, no
plano horizontal e plano vertical. O plano horizontal é caracterizado pela
extensão e amplitude das alegações, para que o juiz forme um juízo de valor,
tendo por limite os elementos objetivos do processo (pressupostos processuais,
condições da ação e mérito da causa).
Dentro da extensão permitida no plano horizontal, a cognição pode ser
plena (ilimitada) ou parcial (limitada), permitindo que o juiz conheça todas as
questões de modo superficial. Através da cognição plena, o juiz deve examinar a
lide que irá compor, de modo a analisar toda a extensão e amplitude sem
restrições, confrontando a pretensão do autor, com a defesa do réu, para decidir
a lide de modo definitivo. Na Cognição parcial ou limitada, a lide não é
inteiramente analisada, pois esta, ao se enquadrar no processo, sofre limitações.
6
Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, pp. 58-59.
22
No plano vertical a cognição deve ser encarada, segundo o grau de
profundidade das alegações, seguindo as provas efetivamente produzidas.
Classifica-se em exauriente (completa) ou sumária (incompleta).
3.1 – Cognição exauriente
Analisando a profundidade das alegações e das provas, no caso da
cognição exauriente, há um juízo de certeza para ser proferido o provimento
final em caráter definitivo. Representa o procedimento comum do processo,
permitindo a formação da coisa julgada material.7
Diferentemente da cognição exauriente, na cognição sumária, ocorre um
juízo de probabilidade, caracterizado pela provisioriedade do provimento
prestado nas medidas processuais de urgência.
3.2 – Cognição Sumária
A cognição Sumária por ser um juízo de probabilidade e de decisões
provisórias dá ao processo ordinário maior celeridade. Porém, este juízo,
relativamente a determinado objeto é possível uma variação no grau da
7
Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 115.
23
probabilidade. A variação referida baseia-se na escala do juízo de probabilidade,
classificada em possibilidade e verossimilhança.
O juízo de mera possibilidade examina aquilo que está sendo alegado
(causa petendi), diante do que foi trazido aos autos, pode ou não ser verdade,
autorizando a medida cautelar. É uma eventualidade de direito caracterizada
pelo fumus bonis iuris e o periculum in mora, ou seja, a iminência de dano
irreparável, de modo que a medida cautelar busca assegurar, os efeitos do
provimento jurisdicional. Não tendo caráter de satisfação antecipada do pedido,
apresentando um neutralidade visando sobretudo à garantia do provimento
jurisdicional requerido na petição inicial, que a instrumental tenda a acautelar.
Outra medida processual de urgência, que se utiliza de um provimento
provisório, decorrente da cognição sumária, é a tutela antecipada. Esta para que
seja proferida é necessário que o magistrado análise o pedido, e formule a sua
convicção por meio de um juízo de valor de verossimilhança, o qual estará
baseado na aparência de verdade.
A tutela antecipada tem por finalidade, já no início do processo, a própria
satisfação do direito material pretendido, que será de cognição exauriente no
final, proporcionando à parte o exercício imediato do conteúdo do próprio
direito por ela deduzido em juízo. Porém para que haja a antecipação decisória
24
dos efeitos da tutela sentencial, há de se observar os seus pressupostos
inafastáveis.8
8
Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, pp. 142-143.
25
4 - Conceito de Tutela Antecipada
Etimologicamente
“tutelar”
significa
ver,
olhar,
observar,
e
figuradamente, velar, vigiar, tem origem no latim tueor, tueri. A rigor da
exegese significa proteger, amparar, defender, assistir. Ao passo que “antecipar”
vem do latim anticipare, e significa adiantar no tempo, precipitar, anteceder, ou
seja, fazer ocorrer antes do tempo marcado.
Primeiramente,
necessário
informar
que
inobstante
a
utilização
disseminada na doutrina da expressão “Tutela Antecipatória”, entendemos que a
antecipatória não é a tutela, mas sim o ato judicial que defere desde logo a tutela
pretendida. O que se antecipa não é sequer a tutela, mas tão somente os efeitos
desta.
Denomina-se tutela antecipada, a decisão interlocutória exarada pelo juiz
a requerimento da parte, que proporciona a antecipação dos efeitos da tutela
pretendida, de forma total ou parcial, antes de completar a instrução e o debate
da causa. O juiz tem a possibilidade de atendidos certos requisitos, antecipar, em
qualquer processo de conhecimento, os efeitos da tutela definitiva de mérito.
Trata-se de uma medida satisfativa que busca proporcionar uma resposta
jurisdicional útil e eficaz para a solução do litígio, através do adiantamento dos
26
efeitos do provimento postulado. Mas para tanto, necessário que o magistrado
observe dois requisitos genéricos para a sua concessão, quais sejam, “prova
inequívoca” e “verossimilhança da alegação”.
A par dos referidos requisitos, a concessão da tutela antecipada está
condicionada ao preenchimento de mais dois requisitos previstos no art. 273 do
Código de Processo Civil, a serem observados de maneira alternativa, ou seja, o
requerente deverá demonstrar “o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação”, ou “o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório
do réu”.
Como bem expressou Athos Gusmão Carneiro: “A antecipação da tutela
depende de que a prova inequívoca convença o magistrado da verossimilhança
das alegações do autor. Mas tais pressupostos não são bastante. É mister que aos
mesmos se conjugue o fundado receio, com amparos em dados objetivos, de que
a previsível demora no andamento do processo cause ao demandante dano
irreparável ou de difícil reparação; ou, alternativamente, de que fique
caracterizado o abuso de direito de defesa, abuso que inclusive se pode revelar
pelo manifesto propósito protelatório revelado pela conduta do réu no processo
ou, até, extra processualmente”. 9
9
Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 17.
27
Nesse sentido esclarece Luiz Guilherme Marinoni: “A tutela antecipatória
constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do processo,
não só porque abre oportunidade para a realização urgente dos direitos em casos
de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mas também
porque permite a antecipação da realização dos direitos no caso de abuso de
direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”. 10
Necessário se faz consignar, que para a concessão do referido instituto
deve ser afastado o perigo da irreversibilidade da conseqüência fática que resulta
do provimento, “pois esta é que poderá correr o risco de não ser resposta no
status quo ante, ou não sê-lo em toda a sua inteireza, ou sê-lo somente a
elevadíssimo custo, que a parte por ele beneficiada não teria condições de
suportar”.
11
A provisoriedade do provimento, também é uma característica da
antecipação da tutela, pois representa uma solução não-definitiva, sendo passível
de revogação ou modificação, a qualquer tempo, mas sempre por decisão
fundamentada.
10
Luiz Guilherme Marinoni. A Antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.29.
J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 74.
11
28
O instituto previsto no art. 273 introduzido no Livro I do Código de
Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 8.952, de 13.12.94 e alterações
posteriores da Lei n. 10.444, de 07.05.02, procurou dar maior efetividade ao
processo, cuja redação assim se apresenta:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
“I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
“II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório do réu.
“§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e
preciso, as razões do seu convencimento.
“§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado.
“§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e
conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e
461-A.
“§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer
tempo, em decisão fundamentada.
“§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até
o final julgamento.
“§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais
dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
“§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de
natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos
pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo
ajuizado”.
Não se pode esquecer do novo fundamento para antecipar a tutela,
presente no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n.
29
10.444/02, que trata do pedido incontroverso, consistente na ausência de um
confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor, possibilitando
a antecipação da tutela nesse ponto.
Podemos afirmar que a tutela antecipada atinge o plano da atividade
executiva, uma vez que mesmo antes da sentença de mérito, realiza-se uma
provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito
de uma sentença por proferir.
30
5 – A natureza do provimento
O objetivo da tutela antecipada é eliminar os prejuízos e injustiças
decorrentes da morosidade da prestação jurisdicional. A medida não visa
antecipar o julgamento de mérito, mas sim, antecipar os efeitos da tutela de
mérito requerida na inicial (art. 273, caput, do Código de Processo Civil).
Portanto, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional visa impedir possíveis
lesões aos direitos das partes, ante a demora na solução do litígio.
A medida judicial que apenas antecipa os efeitos da tutela, sem conceder a
própria tutela pretendida, é uma mera decisão interlocutória, ou seja, uma
decisão não-terminativa (art. 162, § 2º, do Código de Processo Civil), passível
portanto, de recurso de agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do Código
de Processo Civil.
Nessa ordem de idéias, para que a antecipação dos efeitos da tutela
jurisdicional tenha eficácia, necessário que sejam tomadas medidas práticas,
com o fim de proteger o direito subjetivo da parte, mediante ordens e mandados
do órgão judicial. Somente com a realização prática de tais ordens e mandados é
que surtiram os efeitos da futura sentença do processo de conhecimento.
31
Com a antecipação da tutela a atividade executiva poderá ser operada
antes mesmo da sentença de mérito. Humberto Theodoro Junior, nos ensina, ao
tratar da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, “o que a lei permite, é,
em caráter liminar, a execução de alguma prestação positiva ou negativa, que
haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito e já no
campo da execução forçada ou de algo a esta equivalente. Promove-se, então,
uma provisória e condicional execução, total ou parcial, daquilo que se espera
virá a ser efeito de uma sentença ainda por proferir”. 12
A doutrina tradicional admite que todo provimento jurisdicional emanado
em um processo de conhecimento tem caráter declarativo em relação à
existência e à inexistência da relação jurídica. Porém o processo de
conhecimento pode ser dividido de acordo com o provimento pretendido pelo
autor, podendo ser um processo meramente declaratório, constitutivo ou
condenatório.
Quando a atividade judicial apenas declara o direito invocado estamos
diante de uma sentença meramente declaratória. A sentença constitutiva é aquela
que constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica anterior.
Por fim, a sentença condenatória impõe uma prestação à parte, pois acolhendo a
pretensão do autor, a decisão confirma a existência do direito e sua violação,
12
Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II,
32
aplicando a sanção correspondente. Somente a sentença condenatória possibilita
o acesso à via processual da execução forçada.
Além das sentenças supra mencionadas, podemos afirmar que existem
sentenças mandamentais e executivas lato sensu. Nas sentenças mandamentais o
juiz expede uma ordem dirigida a autoridade ou pessoa particular, a qual deverá
observar determinada conduta imposta pelo magistrado. Nas sentenças de
procedência, o juiz determina a prática de certos atos executivos por parte dos
agentes do Poder Judiciário, sem que a parte proponha ação de execução
forçada, correspondendo às sentenças executivas.
Há entendimento de que não cabe antecipação da tutela nas ações
declaratórias e constitutivas, uma vez que não há execução de suas sentenças.
Entretanto, os efeitos práticos decorrentes de qualquer tipo de ação de
conhecimento (declaratória, constitutiva e condenatória) podem ser antecipados,
por serem efeitos executivos e mandamentais, não se confundindo com os
efeitos normativos de qualquer sentença, tanto declaratória como constitutiva, os
quais não podem ser provisoriamente antecipados.
Humberto Theodoro Junior, ao tratar do assunto aduz que: “Qualquer
sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico,
p. 577.
33
que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um
comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado
ou constituído em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento
negativo ou omissivo em face do direito do autor que pode ser imposto por
antecipação de tutela, não só nas ações condenatórias, como também nas
meramente declaratórias e nas constitutivas”. 13
Nesta ordem de idéias, há possibilidade de se conceder decisões
antecipadas, mandamentais e executivas lato sensu, que não dependem de um
processo executivo autônomo, aglutinando, assim, as atividades de cognição e
de execução nas ações declaratórias, constitutivas e condenatórias.
O art. 273, § 3º faz menção aos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º e 461-A, todos
do Código de Processo Civil, abrindo-se a possibilidade do magistrado utilizarse de mediadas mandamentais e executivas lato sensu, a fim de dar maior
efetividade ao provimento antecipatório sumário, o qual, em certos casos, não
pode esperar a execução por meio das modalidades executivas tradicionais. O
legislador remete a execução da tutela antecipada ao artigo que trata da
execução provisória (art. 588 do Código de Processo Civil), ressalvando que
será aplicado “no que couber” as medias previstas nos arts. 461 e 461-A, ambos
do Código de Processo Civil.
13
Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II,
34
Dessa forma, a decisão que ordena sob pena de multa é mandamental,
impondo o adimplemento da obrigação, mesmo contra a vontade do demandado.
A decisão executiva é aquela que realiza o direito afirmado independente da
vontade do réu, sendo dispensada a propositura de uma ação de execução. 14
14
p. 579.
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 68.
35
6 – Diferenças entre as tutela de urgência
6.1 – Liminares e tutelas de urgência
Com a finalidade de afastar o risco de dano à efetividade do processo
decorrente da morosidade na prestação jurisdicional, as tutelas de urgência
passaram a ter grande utilidade, e serem largamente utilizadas para preservar a
efetividade do provimento.
A liminar configura-se como qualquer provimento judicial emitido pelo
juiz na abertura do processo, e em regra geral se dá antes da citação do réu, ou
seja, antes do debate em contraditório do tema do processo. Pode ser
considerada como liminar o provimento que – in limine litis – visa sanear o
processo suprindo defeitos da petição inicial ou até mesmo o seu indeferimento.
O critério para caracterizar a liminar é o temporal, não importando a
medida judicial expressada pelo juízo cognitivo, executivo, cautelar e até mesmo
administrativo, e como bem ponderou Humberto Theodoro Junior o “conteúdo
do ato decisório, como se vê, não tem influência alguma sobre a identificação da
liminar como categoria processual. Essa identificação liga-se apenas e tão
somente ao momento em que o provimento é decretado pelo juiz”.
15
15
Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II,
p. 533.
36
6.2 – Liminares e a antecipação da tutela
Podemos afirmar que toda liminar antecipa algum tipo de tutela, podendo
ser de mérito ou cautelar. Dessa forma, toda liminar pode ser considerada como
uma antecipação da tutela, pois possibilita a obtenção de uma decisão de mérito
provisoriamente exeqüível. Entretanto, nem toda antecipação da tutela pode ser
caracterizada como uma liminar, pois a antecipação dos efeitos da tutela
requerida não precisa ser necessariamente concedida no início do processo,
como é da essência das liminares.
A antecipação da tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil,
é uma medida que dá uma eficácia executiva provisória à decisão de mérito
normalmente desprovida desse efeito. Destina-se a assegurar o efeito jurídico,
total ou parcial, decorrente do acolhimento do pedido na sentença final de
mérito, podendo ocorrer de forma liminar, no início do processo, como em
qualquer momento antes do encerramento do processo de conhecimento.
6.3 – Julgamento antecipado e a antecipação da tutela
Existem certas circunstâncias que permitem ou até mesmo impõem a
abreviação do procedimento judicial autorizando a decisão de mérito, uma vez
que já há uma cognição plena e exauriente por parte do magistrado. Trata-se do
37
julgamento antecipado da lide previsto no art. 330 do Código de Processo Civil,
que não se confunde com a tutela antecipada, a qual baseia-se em cognição
sumária e que antecipa, provisoriamente, alguns ou todos os efeitos do
provimento requerido.
No julgamento antecipado da lide a persuasão racional do juiz já está
formada, permitindo que a sentença seja proferida, por se tratar de matéria
apenas jurídica, ou, ainda que também de fato, não se exija prova oral
suplementar que imponha designação de audiência de instrução e julgamento
(inc. I do art. 330 do Código de Processo Civil), como também nos casos de
revelia, a qual induz a presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor
(inc. II do art. 330 do Código de Processo Civil).
Dessa forma, o julgamento antecipado da lide trata da própria sentença de
mérito, ao passo que a antecipação da tutela, se presente os seus pressupostos,
tem por finalidade adiantar os efeitos de uma futura sentença de mérito,
propiciando sua imediata satisfação.
6.4 – Tutela cautelar e tutela antecipada
A tutela cautelar tem por finalidade assegurar a viabilidade de um direito,
diante de uma situação objetiva de perigo, procura preservar e garantir as provas
38
ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. O processo
cautelar caracteriza-se por ser um processo acessório, que busca obter medidas
de urgência, necessárias para preservar o desenvolvimento de um processo de
conhecimento ou de execução, ou seja, providências que visam a conservação
do estado de fato que envolve as partes.
A medida cautelar objetiva assegurar a eficácia e a utilidade do processo
principal, destituída de caráter satisfativo, pois há sempre a referibilidade a um
direito acautelado, diferentemente do que ocorre na tutela sumária satisfativa.
Na tutela antecipada o juiz concede antecipadamente a própria providência
jurisdicional de mérito ou seus efeitos postulada na ação de conhecimento.
Realiza o direito afirmado de forma antecipada, criando condições de
provisoriamente executar o direito subjetivo.
O processo cautelar caracteriza-se pela instrumentalidade, provisoriedade,
revogabilidade, autonomia e fungibilidade. Instrumental por que visa assegurar a
eficácia e a utilidade do processo principal, ligado a este por acessoriedade.
Provisório por não tem caráter satisfativo ou definitivo, sendo absorvido ou
substituído pela providência jurisdicional definitiva.
Na tutela cautelar não há solução do mérito da causa, apenas são
analisados a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora, podendo
39
ocorrer a qualquer tempo a substituição, revogação ou modificação do
provimento cautelar. Há autonomia técnica encerrando-se o processo com uma
sentença própria, fora do processo principal. Por fim, a fungibilidade do
processo cautelar se caracteriza pela possibilidade do juiz deferir a medida
cautelar mais adequada para proteger o direito da parte, não estando adstrito ao
seu pedido, o que não ocorre na antecipação da tutela.
Existem alguns aspectos em comum entre os institutos da tutela
antecipada e a tutela cautelar, mesmo havendo entendimento de que elas não se
confundem. Primeiramente, o caráter de provisoriedade não é exclusivo da tutela
cautelar, pois como bem observa Luiz Guilherme Marinoni: “Não basta,
portanto, que a tutela tenha sido concedida com base em cognição sumária. É
imprescindível que a tutela não satisfaça o direito material para que possa
adquirir o perfil de cautelar”. 16
Outro ponto comum entre as medidas é a previsão da revogabilidade e
modificabilidade, prescritas nos arts. 273, § 4º, 805 e 807, todos do Código de
Processo Civil. Assim como, a exigência da possibilidade de reversão do
provimento exarado pelo juiz, a qual deve estar presente em ambos os institutos.
As medidas preventivas estão sujeitas a dois pressupostos específicos:
16
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 126.
40
fumus boni iuri, que exige do requerente a demonstração da plausibilidade do
direito subjetivo invocado, representado pela aparência do bom direito e o
periculum in mora, representando o dano potencial, ou seja, o receio fundado de
dano grave ou de difícil reparação.
Os referidos pressupostos guardam certa relação com os requisitos da
tutela antecipada, a qual exige prova inequívoca do direito da parte e a
verossimilhança de suas alegações (art. 273, caput, do Código de Processo
Civil) - fumus boni iuris; e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação (art. 273, I, do Código de Processo Civil) - periculum in mora.
Entretanto, para concessão da tutela antecipada o juiz deve se convencer da
verossimilhança das alegações da parte, não bastando apenas o fumus boni iuris.
A tutela antecipada pode ser concedida pelo juiz sem a presença do risco
de dano imediato e irreparável, baseando-se no “abuso de direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu” (art. 273, II, do Código de Processo
Civil), o que não ocorre no âmbito das medidas cautelares.
Outra possibilidade de antecipação que não tem amparo no instituto da
tutela cautelar está prevista no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil,
referente a incontroversia de um ou mais pedidos cumulados ou parcelas dele,
introduzida no ordenamento jurídico processual pela Lei n. 10.444, de 07.05.02,
41
que permite a antecipação da tutela nos casos em que não houver um confronto
de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor.
42
7 - Direitos Fundamentais dos Litigantes
O direito nacional é caracterizado pela supremacia da Constituição
Federal, a qual estabelece princípios, básicos e fundamentais, para o nosso
ordenamento jurídico, fixando critérios e os limites da legislação ordinária. A
Constituição apresenta em seu art. 5º, direitos e garantias fundamentais, que
devem ser respeitados e cumpridos. As normas da legislação infraconstitucional
devem ser interpretadas e aplicadas de forma compatível com os princípios da
Constituição, concretizando e harmonizando os direitos fundamentais.
O aplicador do direito, freqüentemente se depara com situações, em que
princípios constitucionais apresentam aparentes conflitos uns com os outros.
Inexiste hierarquia a ser aventada entre as múltiplas garantias fundamentais,
cabendo ao interprete harmonizar estas colisões de princípios, ponderando bens
e valores concretamente tencionados, e elegendo qual irá prevalecer. Tanto pela
via da legislação ordinária, a qual pode prever certas tensões, como pela via
judicial direta, os conflitos entre as garantias fundamentais devem ser
harmonizados.
Para solucionar as tensões decorrentes dos conflitos de direitos, o
doutrinador Teori Albino Zavascki aponta três princípios básicos: o princípio da
necessidade, pelo qual deve ser real o conflito entre os diversos princípios
43
constitucionais, não podendo haver uma convivência simultânea; o princípio da
proporcionalidade, segundo o qual se busca a harmonização do conflito
restringindo-se de forma mínima o direito fundamental; por fim, o princípio da
salvaguarda do núcleo essencial, não admite como legítima a regra que elimine
um direito fundamental. 17
Pode-se afirmar que no instituto da tutela antecipada há conflitos de
valores constitucionais. A Constituição Federal garante o acesso pleno e
irrestrito de todos ao Poder Judiciário, não excluindo da sua apreciação e
solução nenhuma lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal). Mas a prestação da atividade jurisdicional deve ser revestida de
efetividade e tempestividade, proporcionando um resultado prático equivalente
ao direito subjetivo material que se afirmou violado ou ameaçado de violação.
Como bem ponderou o Professor Kazuo Watanabe: “O princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da
Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos
judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva
proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à
ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito
distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente
17
Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 63.
44
jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse
ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para
que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução”. 18
No instituto da tutela antecipada, o direito fundamental do devido
processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), muitas vezes, torna-se
incompatível com a efetividade da jurisdição, uma vez que o fator tempo,
invariavelmente, proporciona risco de perecimento do direito reclamado. Diante
disto, surgem conflitos entre os direitos fundamentais dos litigantes,
apresentando de um lado a efetividade da tutela jurisdicional, e de outro, o da
segurança jurídica.
7.1 - A efetividade da jurisdição
Todo litigante que ingressa em juízo têm direito a uma prestação
jurisdicional por parte do Estado, o qual têm o poder-dever de promover a
composição da lide em substituição da atividade dos envolvidos em conflito.
Com a finalidade de obter uma tutela jurisdicional que solucione o conflito de
interesse e proporcione a satisfação do direito, assegura-se ao indivíduo a
garantia de que a pretensão submetida à apreciação do Estado seja de modo
eficaz e célere correspondida.
18
Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
45
O Estado deve garantir uma sentença útil, capaz de propiciar ao litigante
vitorioso a concretização efetiva e prática da tutela. A jurisdição estatal somente
se tornará efetiva, se realizada de modo a permitir sua real implementação
prática, e desde que prestada em prazo razoável.
Os litigantes não podem sofrer a injustiça de ter inviabilizada toda eficácia
prática da tutela, ante dilações indevidas do prazo na busca da exaustão do
conhecimento. Muitas vezes, as amplas faculdades inerentes ao contraditório e a
ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal), asseguradas ao opositor,
apresentam-se como medidas antagônicas, no que se refere à celeridade da
prestação jurisdicional, impedindo que o titular do direito subjetivo obtenha uma
tutela útil e satisfatória.
7.2 - A segurança jurídica
A Constituição federal garante a todos os litigantes, que a sua liberdade e
seus bens, não serão privados, sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da
Constituição Federal), assim como, assegura o contraditório, a ampla defesa e a
interposição de recursos (art. 5º, LV, da Constituição Federal). É direito
fundamental dos litigantes a cognição completa exauriente, ou seja, a sentença
Paulo: Saraiva, 1996, p. 20.
46
de mérito somente se tornará imutável após ampla fase de discussão entre os
litigantes, e a formação definitiva do convencimento do magistrado.
O princípio do contraditório garante aos litigantes pleno direito de defesa
e de manifestação durante todo o curso do processo, possibilitando as partes
ampla participação, sob pena de nulidade. Entretanto, em certas situações, como
no caso das tutelas de urgência, o magistrado deve se pronunciar antes mesmo
da defesa do demandado, com a finalidade de garantir a efetividade da tutela
requerida. Nestes casos, o juiz não deixará de observar o contraditório, mas
apenas irá protelar o momento de seu exercício, para depois do acolhimento da
providência judicial de urgência.
O magistrado após assegurar o resultado útil e eficaz do processo, irá
estabelecer o contraditório e a ampla defesa antes da solução definitiva da causa.
Dessa forma, há apenas uma inversão no momento da aplicação dos princípios
da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica.
As partes litigantes têm a oportunidade de estabelecer pleno debate sobre
o interesse disputado, podendo justificar e comprovar o seu pleito, exaurindo-se
todas as formas de participação antes da prolação da decisão final imutável.
47
7.3 - Harmonização dos Direitos
Como restou demonstrado, os princípios fundamentais da efetividade da
jurisdição e da segurança jurídica, hierarquicamente importantes, são
mutuamente opostos e conflitantes. Pois o fator tempo, que para a
implementação da segurança jurídica é indispensável, torna-se um entrave para a
efetivação da prestação jurisdicional.
Para mitigar as tensões entre tais direitos fundamentais, o legislador
viabilizou ao juiz a possibilidade de estabelecer a prevalência do direito
fundamental à efetividade do processo sobre o da segurança jurídica, nas ações
com pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito. Assim como, o juiz
tem a possibilidade de utilizar-se do “poder geral de cautela” para deferir
medidas cautelares inominados. Cabe aos órgãos jurisdicionais conciliarem os
conflitos entre a efetividade jurisdicional e a segurança jurídica adequando ao
caso concreto e harmonizando a contradição entre os referidos princípios.
O juiz deverá observar o princípio da necessidade para protelar a garantia
do contraditório quando a prestação jurisdicional, requerida pela parte, estiver
comprovadamente em risco de perder sua utilidade. Neste caso, o magistrado
deverá inverter a seqüência cronológica dos atos a serem praticados, formulando
48
um provimento jurisdicional capaz de satisfazer a pretensão da parte, para em
um segundo momento observar o contraditório.
49
8 – Pressupostos
O julgador para aplicar o instituto da antecipação dos efeitos da tutela
deve observar todos os requisitos previstos no caput do art. 273 do Código de
Processo Civil, e mais um de seus incisos.
A antecipação da tutela depende de que “prova inequívoca” convença o
magistrado da “verossimilhança” das alegações da parte, conjugada com o
“fundado receio” de que a previsível demora no andamento processual cause ao
demandante “dano irreparável ou de difícil reparação”; ou, de forma alternativa,
esteja caracterizado o “abuso de direito de defesa”, podendo ser representado
pelo “manifesto propósito protelatório do réu”.
Podemos observar que para a concessão da antecipação dos efeitos da
tutela pretendida, necessário o preenchimento de pressupostos genéricos e
específicos.
Não cabe ao juiz agir de forma discricionária no exercício da jurisdição. O
magistrado, ao analisar os fatos do processo, deverá conceder a antecipação da
tutela se estiverem presentes os requisitos para sua implementação, não obstante
o uso da expressão “poderá” no caput do dispositivo legal.
50
Mas para a concessão da medida antecipada, diversamente da medida
cautelar, que admite em casos excepcionais a liminar de ofício (art. 797 do
Código de Processo Civil), a antecipação da tutela somente pode ser deferida a
requerimento da parte, permanecendo sempre sujeito ao interesse dos litigantes.
O requisito da provocação da parte interessada está insculpido no art. 2º
do Código de Processo Civil, o qual estabelece que a tutela jurisdicional
somente será prestada quando requerida pela parte. 19
8.1 – Legitimados a requerer a tutela antecipada
A tutela antecipada pode ser requerida tanto pelo autor como pelo réu
reconvinte. A reconvenção é uma ação proposta pelo réu contra o autor no
mesmo processo por este instaurado, pleiteando uma tutela jurisdicional. Dessa
forma, o réu reconvinte pode requerer a medida antecipada.
O réu também pode requerer a tutela antecipada nas ações dúplices, nas
quais pode formular pedido na própria contestação. Podemos citar como
exemplo de ações dúplices a ação revisional de aluguel prevista na Lei n.
8.245/91.
51
Assim como, a tutela antecipada pode ser requerida por meio do pedido
contraposto, sem a necessidade de utilizar-se do procedimento próprio da via
reconvencional, formulando-o na própria contestação. O exemplo de pedido
contraposto está previsto no art. 922 do Código de Processo Civil, no qual o réu
pode pleitear, na contestação das ações possessórias, a proteção e a indenização
pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.
Poderá, também, ser requerida a tutela antecipada pelo opoente, autor na
oposição; pelo devedor, na ação de embargos à execução; pelos intervenientes,
como assistente litisconsorcial e o Ministério Público como custos legis; pelo
autor contra o réu originário e os chamados ao processo.
Por fim, interessante apontar a divergência no pensamento de Athos
Gusmão Carneiro20 e Luiz Guilherme Marinoni21, no que tange a denunciação da
lide. O primeiro não admite a possibilidade de se conceder a antecipação da
tutela, por se tratar a denunciação de uma ação regressiva em caráter
condicional, não configurando o “juízo de verossimilhança” bem como a
“referência” na prevenção do dano. Já Marinoni entende ser possível a
antecipação em face do denunciado, quando esta já tenha sido deferida em face
do réu-denunciante.
19
“Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos
casos e formas legais”.
20
Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense,2002, pp. 57-58.
21
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 174-175.
52
8.2 – Prova inequívoca da alegação
A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional subordina-se aos
requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, dentre os quais a prova
inequívoca dos fatos sobre os quais incidirá a cognição do Juízo.
A palavra inequívoca diz respeito a algo certo, seguro, que não dá
margem a erro ou engano. Entretanto, prova alguma é inequívoca, porque
simplesmente não há prova que transmita certeza absoluta de um fato ou de um
acontecimento, pois o juízo sobre fatos no processo é juízo de verossimilhança e
não de certeza.
Como concluí J. E. Carreira Alvim, “ prova inequívoca deve ser
considerada aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu
respeito, não possa ser levantada qualquer dúvida, ou, em outros termos, cuja
autenticidade ou veracidade seja provável”. O respeitado doutrinador adverte
que inequívoco deve ser o fato, e não a prova, uma vez que esta não é senão o
meio de revelar aquele. 22
22
J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 67.
53
Exige-se uma prova robusta capaz de formar no convencimento do
julgador a verossimilhança da alegação da parte. Não é exigida a certeza, mas
também, não pode pairar a dúvida no convencimento do magistrado. O que se
busca é a probabilidade de que a versão aceita seja verdadeira, ainda que não
seja suficiente para a declaração da existência ou não do direito.
Como bem ponderou Kazuo Watanabe: “ prova inequívoca não é a mesma
coisa que ‘fumus boni iuris’ do processo cautelar. O juízo de verossimilhança
ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais
intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que
convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso
que o juízo em simples ‘fumaça’, que somente permite a visualização de mera
silhueta ou contorno sombreado de direito”.
23
Não se exige para a concessão da tutela antecipada apenas a constituição
de prova documental, a ser apresentada com a petição inicial, podendo ser
apresentada no curso do processo através de justificação ou antecipação da fase
probatória. As provas testemunhais, periciais, os laudos e pareceres de
especialistas, assim como, o requerimento de que sejam ouvidas testemunhas, ou
o próprio réu, podem ser utilizadas para incutir no espírito do julgador o juízo de
verossimilhança das alegações, capaz de autorizar a antecipação da tutela.
54
Interessante notar a divergência instalada entre os pensamentos de
Cândido Rangel Dinamarco e J. J. Calmon de Passos, no que tange o
pressuposto da prova inequívoca para a concessão dos efeitos da tutela
antecipada. O último entende que a prova inequívoca há de se apresentar com a
mesma carga de potencialidade com que há de ter para servir à decisão final
procedente.
24
Já o primeiro, defende que não há necessidade desse extremo
probante, sendo necessário apenas a revelação suficiente da solução do fato. 25
A prova inequívoca precisa formar o convencimento do magistrado
quanto a probabilidade da existência do direito afirmado, pois se for suficiente
para o juiz declarar a existência do direito material, o caso seria de julgamento
antecipado da lide e não de antecipação de tutela. Não se concebe a antecipação
sem que se entreveja como provável o julgamento da causa em favor do
requerente.
8.3 – Verossimilhança da alegação
23
Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, pp. 33-34.
24
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 192-193.
25
Cândido Rangel Dinamarco. A reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros,
1997, pp. 145-146.
55
O segundo requisito genérico, de natureza probatória, indispensável para a
concessão da tutela antecipada é a verossimilhança da alegação. Pode-se dizer
que verossímil é aquilo que parece verdadeiro, que tem aparência de verdade, ou
seja, o que tem probabilidade de ser verdadeiro.
Como já afirmado, o juízo de verossimilhança vai além do requisito do
“ fumus boni iuris” presente nas medidas cautelares, caracterizado pela aparência
do bom direito. Porém é menos do que a certeza, indispensável para o
julgamento antecipado da lide.
Ao tratarmos da verossimilhança da alegação, necessário se faz
estabelecer a diferença entre as noções de possibilidade e probabilidade.
J. E. Carreira Alvim ao tratar do assunto, aponta o ensinamento de
Malatesta, o qual tomou como base de cálculo do raciocínio a probabilidade, por
apresentar-se mais próxima da realidade, estabelecendo graus que vai do
“verossímil” (probabilidade mínima), passando pelo “provável” (probabilidade
média), e chegando no “probabilíssimo” (probabilidade máxima).
26
O pensamento de Calamandrei também é apontado por J. E. Carreira
Alvim, apresentando a verossimilhança mais próxima da probabilidade máxima.
56
O festejado doutrinador entende que “possível” é o que pode ser verdadeiro;
“verossímil” é o que tem aparência de verdadeiro; e “provável” é o que se pode
provar como verdadeiro. 27
Dessa forma, podemos afirmar que o juízo de verossimilhança tem um
grau de convencimento superior à possibilidade e inferior à probabilidade. O
fato de ter a lei vinculado o convencimento da verossimilhança da alegação à
prova
inequívoca,
é
sinal
de
que
a
probabilidade
identificada
na
verossimilhança, não significa de forma alguma um grau mínimo de provável
realidade da alegação. Ao contrário, tem-se que na tutela antecipada, o grau de
probabilidade que decorre da prova inequívoca se não é, está muito próximo do
máximo.
Importante ressaltar que a verossimilhança reflete o juízo intimo do
magistrado, representando um critério subjetivo da analise das alegações, dos
fatos e das provas.
8.4 – Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
26
J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 57.
27
J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, pp. 58-59.
57
A concessão da tutela antecipada visa evitar a demora da prestação
judicial. Para tanto, além da configuração da alta probabilidade existente no
juízo de verossimilhança, e a apresentação da prova inequívoca, o legislador
exigiu que diante da demora da prestação jurisdicional ficasse caracterizado o
“fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (inc. I do art. 273
do Código de Processo Civil).
Este requisito confunde-se com o já conhecido instituto inerente às
medidas cautelares, denominado “ periculum in mora”, ou seja, o perigo na
demora. O requisito da medida cautelar está previsto no art. 798 do Código de
Processo Civil,28 e se reporta ao fundado receio de “lesão grave e de difícil
reparação”.
Conforme nos ensina J. E. Carreira Alvim, o receio, que a lei prevê,
“traduz a apreensão de um dano ainda não ocorrido, mas prestes a ocorrer, pelo
que deve, para ser fundado, vir acompanhado de circunstâncias fáticas e
objetivas, a demonstrar que a falta dará ensejo à ocorrência do dano, e que este
será irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação”.
28
29
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro,
poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.
29
J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 70.
58
Assim, o perigo que possa justificar a ocorrência de dano irreparável ou
de difícil reparação deve ser cristalinamente demonstrado, não sendo suficiente
para a antecipação, o mero temor, desacompanhado de elementos que
corroborem para com as assertivas deduzidas no pedido.
Necessário demonstrar a relação de causa e efeito entre a demora na
emissão do provimento e os prejuízos que possam decorrer de tal demora, sob
pena de faltar interesse processual para o requerimento da antecipação da tutela.
Ao tratar do assunto, Teori Albino Zavaski, afirma: “O risco de dano
irreparável ou de difícil reparação, e que enseja antecipação assecuratória, é o
risco concreto (e não hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta
iminente no curso do processo), e grave (vale dizer, o potencialmente apto a
fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo
grave, não é iminente, não se justifica a antecipação da tutela”.
30
O juiz irá analisar a situação do autor, observando fatores meramente
objetivos, e decidirá se há necessidade de se conceder a antecipação da tutela,
sem que seja considerado o comportamento do réu.
8.5 – Abuso de direito de defesa
30
Teori Albino Zavaski. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 77.
59
O inc. II do art. 273 do Código de Processo Civil estabelece que poderá
ser concedida a antecipação da tutela, desde que presentes os requisitos do
caput, se ficar demonstrado o “abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu”.
O requisito previsto no inc. II desvinculou os pressupostos da urgência e
do dano, para a concessão da antecipação da tutela, ligando o requisito a
aparência do bom direito, derivado da falta de consistência na defesa
apresentada.
Para facilitar a interpretação dos requisitos, iremos analisá-los
separadamente.
No estudo do abuso de direito de defesa, encontramos a opinião de J. J.
Calmon de Passos, que nos ensina que: “Talvez a melhor maneira de definir o
abuso de direito seja dizer-se que ele ocorre quando exercita, além do limite
necessário, o direito que se tem, ou quando esse exercício objetiva não alcançar
a tutela que ele se associa e é devida a seu titular, sem outro fim, mesmo lícito
que seja ou moralmente justificável. Todo desvio de finalidade é um abuso”.
31
31
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 198.
60
Podemos compreender defesa como sendo qualquer manifestação do réu
no processo, e caracterizar o “abuso de direito de defesa”, quando esta é
utilizada de forma infundada visando retardar o desenvolvimento do processo,
com apresentação exceções, objeções e contestações sem fundamento.
O Código de Processo Civil prevê no art. 17 casos de litigância de má-fé.
Exemplos de abuso de direito de defesa estão previstos no referido artigo no
inciso I, o qual diz respeito a dedução de defesa contra texto expresso em lei ou
fato incontroverso, assim como, no inciso II, que trata da alteração da verdade
do fato.
8.6 – Manifesto propósito protelatório
A segunda parte do inc. II do art. 273 do Código de Processo Civil, trata
do “manifesto propósito protelatório do réu”. Caracterizado por ser a intenção
clara do demandado de procrastinar o andamento do processo, evidenciada pela
utilização exorbitante do direito de resposta, provocando incidentes, ou
praticando atos isolados temerários.
J. J, Calmon de Passos definiu como protelatório “tudo que retarda, sem
razão atendível, o andamento do feito. E esse intuito é manifesto quando
desprovido o ato, tido como protelatório, de justificação razoável, vale dizer,
61
quando dele não poderá resultar proveito processual lícito para o interessado em
sua prática”.
32
O que justifica na verdade a antecipação da tutela, não é a intenção de
protelar, mas a efetiva realização de atos ou omissões praticados pelo réu, com o
intuito de retardar o andamento do processo, oferecendo defesa, por exemplo,
apenas para impedir o julgamento antecipado da lide.
O exemplo que revela a intenção de procrastinar está previsto no inc. VI
do art. 17 do Código de Processo Civil, reputando-se à má-fé do litigante que
provoca incidentes manifestamente infundados.
8.7 – Pedido incontroverso
A Lei n. 10.444, de 07.05.02, introduziu o § 6º no art. 273 do Código de
Processo Civil, com a seguinte redação: “ A tutela antecipada também poderá
ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles,
mostrar-se incontroverso”.
O legislador possibilitou a antecipação da tutela quando não houver
questionamento de algum dos pontos de fato contidos na petição inicial. Não
32
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
62
será necessário demonstrar o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação”, nem tão pouco “o abuso de direito de defesa e o manifesto propósito
protelatório do réu” para que seja concedida a antecipação requerida.
Nos ensina Luiz Guilherme Marinoni, defensor ferrenho da “tutela
antecipatória através das técnicas da não-contestação e do reconhecimento
(parcial) do pedido”, ante a impossibilidade do julgamento antecipado de
parcela do pedido, informando que “caso o réu não conteste os fatos
constitutivos relativos a um dos pedidos apresentados pelo autor, e o juiz
entenda que dos fatos narrados decorre o direito pretendido, tal direito deve
poder ser realizado desde logo, não havendo razão para o autor ter que esperar a
instrução dilatória para o julgamento dos outros pedidos formulados”. 33
Dessa forma, não havendo um confronto de alegações em torno de um
fato alegado pelo autor, o juiz poderá conceder a antecipação dos efeitos da
tutela quanto a este pedido incontroverso, por meio de uma decisão
interlocutória.
33
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 199.
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.200.
63
9 – Necessidade de fundamentação do ato jurisdicional
Pode-se dizer que seria desnecessária a inserção do requisito expresso no
§ 1º do art. 273, o qual prevê que “na decisão que antecipar a tutela, o juiz
indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento”.
A exigência de se expor de forma clara e precisa as razões do
convencimento do julgador, já encontrava guarida no texto constitucional. O inc.
IX do art. 93 da Constituição Federal34 estabelece que todas as decisões judiciais
deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade.
A necessidade do magistrado fundamentar a sua decisão, também está
prevista no § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil.35
Luiz Guilherme Marinoni adverte sobre a necessidade da fundamentação
nas decisões irreversíveis, devendo o legislador apresentar de forma clara a
incidência, assim como, a aplicação do princípio da proporcionalidade aos
interesses em conflito, afirmando que: “Quando a tutela puder produzir um
34
“Art. 93. (...)
“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos,
às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”;
35
“Art. 273. (...)
“§ 4º A tutela antecipada pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.
64
efeito fático irreversível, deverá o juiz justificar a razão pela qual optou pelo
risco, inclusive considerando o valor dos bens envolvidos”.
36
Esta exigência serve como mecanismo de limitar possíveis abusos
praticados pelos órgãos jurisdicionais. A fundamentação dá uma maior garantia
as decisões prolatadas, de forma a explicitar as razões que fundaram o
convencimento do magistrado.
O juiz ao fundamentar a decisão que concede, bem como a que denega a
antecipação da tutela, estará pronunciando-se sobre as questões de fato e de
direito, apresentando o sentido geral do julgamento. Necessário frisar que as
decisões que não forem fundamentadas poderão ser tidas como nulas.
36
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.216.
65
10 – O perigo da irreversibilidade
A reversibilidade do provimento deve ser entendida como regra para a
concessão da tutela antecipada, podendo apenas em casos excepcionais não ser
observada. A referida regra está prevista no § 2º do art. 273 do Código de
Processo Civil, com o seguinte enunciado: “ Não se concederá a antecipação da
tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.
A lei impôs mais um requisito a ser observado para a concessão da
antecipação da tutela, ao lado dos requisitos previstos no caput e nos incisos do
art. 273 do Código de Processo Civil.
Deverá ser observada a possibilidade da situação fática afetada pela
decisão interlocutória possa ser devidamente recomposta, se a decisão vier a ser
reformada em grau de agravo ou cassada pela sentença.
Necessário advertir que irreversível não é o provimento, pois podemos
afirmar que o provimento pode ser revogado ou modificado, mas o que na
verdade é irreversível é a conseqüência fática que resulta desse provimento, o
qual corre o risco de não ser reposto no estado anterior.
66
Teori Albino Zavascki informa que “antecipar irreversivelmente seria
antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício
do seu direito fundamental de se defender, exercício este que, ante a
irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como
inútil seria, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo”. 37
Quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a
concessão da antecipação dos efeitos da tutela será inadmissível. Mas esta regra
deverá ser observada com critério, para não prejudicar um interesse maior.
Assim, como consta do Resp. n. 417005, Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, do qual foi relator Min. Ruy Rosado de Aguiar:
“ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Tratamento médico. Atropelamento.
Irreversibilidade do provimento. A regra do § 2º do art. 273 do CPC não
impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato
atendimento médico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que
exista o perigo de irreversibilidade do provimento antecipado” (DJU
19.12.2002, p. 368).
Para não obstar o deferimento da antecipação da tutela, privilegia-se o
direito provável em relação ao improvável. Podendo o juiz, em certas ocasiões,
prover-se de meios adequados à reversibilidade, como por exemplo, exigência
de caução, a fim de garantir a reparação de uma eventual indenização. Neste
37
Teori Albino Zavascki. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 97.
67
ponto a doutrina não é unânime, não admitindo como reversível a possibilidade
de ressarcimento mediante pecúnia.
11 – Revogação e modificação
O § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil prevê que “A tutela
antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada”.
O legislador autorizou o magistrado a modificar ou revogar as decisões
antecipatórias, a qualquer tempo, enquanto desenvolver-se a relação processual.
Face a precariedade do provimento antecipado, com base em um juízo provável,
há a possibilidade da decisão ser revogada ou modificada.
Por se tratar de uma decisão interlocutória que não põe termo ao processo,
a tutela antecipada pode ser revogada ou modificada em face de novas
circunstâncias apresentadas pela parte, assim como, com o surgimento de novas
evidências sobre a situação de fato, diante do desenvolvimento do contraditório.
O surgimento de novo fundamento de fato ou a mudança de estado da
prova, autoriza o magistrado a revogar a medida anteriormente concedida, ou
modificá-la de forma a ajustar a nova situação. Necessário frisar que assim
68
como para a sua concessão, o juiz somente poderá revogar a medida antecipada
em razão do requerimento da parte.
O magistrado não poderá agir de ofício, conforme entendimento de Luiz
Guilherme Marinoni.38 Entretanto, há posicionamento contrário defendendo a
possibilidade do juízo de retratação de ofício, representado por Athos Gusmão
Carneiro.39
Da decisão interlocutória poderá ser interposto agravo de instrumento. A
parte poderá agravar, requerendo ao relator a suspensão dos efeitos da decisão
antecipatória até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara, com base no
art. 558 do Código de Processo Civil, assim como, requerer o deferimento da
antecipação da tutela, com base no inc. III do art. 527 do Código de Processo
Civil.
No caso da revogação da medida antecipada, deverão ser restituídas as
coisas ao estado anterior, nos próprios autos, como ocorre nas execuções
provisórias, medida prevista no inc. III do art. 588 do Código de Processo Civil.
A tutela antecipada, como representante das tutelas provisórias, está
destinada a durar até que sobrevenha tutela definitiva que a sucederá com
38
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.218.
69
eficácia semelhante. A medida provisória está vinculada com a definitiva, pois
antecipa provisoriamente os efeitos desta.
O caráter temporário e precário da tutela provisória está previsto no § 5º
do art. 273 do Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte: “ Concedida
ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”.
O juiz ao julgar procedente o pedido, prolatando a sentença de mérito que
convalida a concessão da tutela antecipada, possibilitará que a eventual
execução provisória torne-se definitiva, se a satisfação não tenha se completado,
ou se a satisfação já se efetivou, a antecipação da tutela passará a ter a eficácia
da declaração contida na sentença, no momento em que esta transitar em
julgado. Nesse caso, o eventual recurso de apelação será recebido apenas no
efeito devolutivo, conforme o enunciado do inc. VII do art. 520 do Código de
Processo Civil.40
Conforme o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni, a sentença
condenatória não apenas substitui a decisão que concedeu a antecipação da
tutela. Há de se observar que quando “ocorre o trânsito em julgado da sentença
antes da plena realização do direito, a sentença de cognição exauriente e
39
40
Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105.
“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no
efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
“VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela”;
70
definitiva empresta carga declaratória à decisão proferida com base em cognição
sumária, transformando a tutela antecipada em tutela final. A ‘execução’
prossegue como definitiva não porque pode levar a realização do direito, mas
sim porque o direito em que se funda já foi declarado com força de coisa julgada
material”. 41
Já no caso dos efeitos da tutela terem sido concedidos antecipadamente e
posteriormente a sentença julgar o pedido improcedente, a tutela será revogada,
retornando as coisas ao estado anterior nos termos do inc. III do art. 588 do
Código de Processo Civil.42 Devendo-se aplicar de forma análoga a Súmula n.
405 do Supremo Tribunal Federal.43
Entretanto, há posicionamentos na doutrina que aceitam em hipóteses
excepcionais a possibilidade do juiz manter a medida antecipada até o trânsito
em julgado de um eventual recurso, nos casos em que haja receio de que
revogação da medida possa causar prejuízos irreparáveis. Neste ponto, informa
Athos Gusmão Carneiro que “não é de excluir, entretanto, que em casos
excepcionais o magistrado possa (= deva) manter a antecipação de tutela para
41
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 221.
Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes
normas:
“III – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindose as partes ao estado anterior”;
43
“Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem
efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”.
42
71
que seus efeitos persistam na pendência do recurso, assim o declarando
expressamente na sentença de improcedência”. 44
44
Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107.
72
12 – Fungibilidade
O legislador passou admitir a concessão de provimentos cautelares no
bojo do processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de um
processo com objetivo exclusivo de obter um provimento acautelatório.
A Lei 10.444, de 07.05.02, introduziu o § 7º no art. 273 do Código de
Processo Civil, com a seguinte redação: “ Se o autor, a título de antecipação da
tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando
presentes os respectivos pressupostos, deferir medida cautelar incidental do
processo ajuizado”.
O magistrado poderá admitir a medida cautelar, mesmo quando requerida
como tutela antecipada, se o pedido tem natureza cautelar e preencha os seus
requisitos. Trata-se do princípio da fungibilidade entre duas tutelas de urgência.
Ao interpretar o § 7º do art. 273, Luiz Guilherme Marinoni afirma que “Se
a tutela foi batizada de ‘antecipatória’, mas a sua substância é ‘cautelar’, ela
pode ser deferida no bojo do processo de conhecimento, desde que haja dúvida
fundada e razoável quanto à sua natureza”. 45
45
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 154.
73
Cândido Rangel Dinamarco afirma que a fungibilidade pode ser
concedida em um duplo sentido vetorial, advertindo que “O novo texto não deve
ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar
quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto
é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará
autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu
entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em
uma só mão de direção”. 46
46
Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. 5.ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 92.
74
13 – Procedimento
13.1 – Formalização do pedido
O requerimento de antecipação dos efeitos da tutela deverá ser formulado
no âmbito da própria ação em que se pleiteia a tutela definitiva. A parte deverá
requerer expressamente a antecipação, expondo os fatos e fundamentos de
direito da pretensão, sem que seja necessário inaugurar nova relação processual.
O juiz não poderá conceder a antecipação da tutela de ofício, estando esta
sempre dependente de requerimento da parte. Se requerida na inicial, o autor
deverá declinar os fundamentos que sustentam a sua pretensão, demonstrando de
plano a situação de perigo de dano, e os efeitos satisfativos que pretende ver
antecipado.
No caso da antecipação ser requerida no curso do processo, deverá ser
demonstrado o perigo de dano ou o comportamento abusivo ou protelatório do
réu, e para ambos os casos, também, devem ser requeridos os efeitos satisfativos
que a parte pretende antecipar.
A tutela antecipada pode ser concedida liminarmente, antes mesmo da
citação da parte contrária. Para tanto, deve se demonstrar que o perigo de dano
75
precede ou é contemporâneo ao ajuizamento da ação, e que haja necessidade de
se antecipar os efeitos satisfativos. Esse é o posicionamento de Teori Albino
Zavascki.47
No entendimento de J. J. Calmon de Passos: “Inexiste possibilidade de
antecipação da tutela, no processo de conhecimento, antes da citação do réu e
oferecimento de sua defesa ou transcurso do prazo para ele previsto”, 48 uma vez
que há necessidade de prova inequívoca para concessão da antecipação da tutela.
Entretanto, este posicionamento não reflete o entendimento de grande parte da
doutrina.
Ponto interessante a ser discutido, diz respeito à possibilidade da
concessão da tutela antecipada na própria sentença de mérito. Para Teori Albino
Zavascki há duas soluções possíveis. Não será necessário a concessão do
provimento antecipatório se a sentença não comportar reexame necessário e nem
apelação com efeito suspensivo, podendo nesse caso executar provisoriamente a
própria sentença. Entretanto, se a sentença comportar reexame necessário ou
apelação com efeito suspensivo, a antecipação da tutela será deferida na própria
sentença, “nada mais significará do que autorização para execução provisória”. 49
47
Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 80.
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 193.
49
Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 81.
48
76
Na opinião de Luiz Guilherme Marinoni, poderá ser concedida a tutela
antecipada concomitantemente com a decisão exauriente, “na mesma folha de
papel, e no mesmo momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória,
concedendo a tutela, e a sentença, que então confirmará a tutela já concedida, e
não poderá ser atacada através de recurso de apelação que deva ser recebido no
efeito suspensivo (nesta situação, então, aplica-se o art. 520, VII do Código de
Processo Civil)”. 50 Para o doutrinador, a possibilidade de se conceder a tutela
antecipada na própria sentença, permite que a apelação contra esta seja recebida
apenas no efeito devolutivo, por ter confirmado a concessão daquela. Ao passo
que a decisão interlocutória de concessão da antecipação será atacável por
intermédio de agravo de instrumento, recebido apenas no efeito devolutivo.
Para J. E. Carreira Alvim é possível à concessão da tutela antecipada em
qualquer momento do processo antes da sentença com fundamento no art. 273
do Código de Processo Civil, e inclusive por ocasião da sentença. Entretanto, o
jurista ao admitir a concessão da tutela antecipada na própria sentença, informa
que o juiz não “antecipa os efeitos da tutela”, mas sim “antecipa os efeitos da
sentença”, e no caso de interposição de eventual recurso de apelação, este será
recebido apenas no efeito devolutivo, uma vez que o magistrado tem a
50
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 189.
77
possibilidade de decidir quais efeitos irá receber o recurso, com base nos arts.
518 e 520, VII, ambos do Código de Processo Civil.51
No caso da tutela antecipada ser requerida após a sentença, parte da
doutrina entende que há possibilidade de se pleitear a medida satisfativa perante
ao tribunal competente. Caberá ao relator do recurso deferir ou não o pedido de
antecipação da tutela, se presente os seus pressupostos, uma vez que o juiz de
primeiro grau tendo proferido sentença, já completou sua atividade, não mais
podendo inovar no processo.
Atualmente, no recurso de agravo de instrumento, interposto em face da
decisão que denegou a concessão da tutela antecipada, poderá ser solicitado ao
relator que a antecipe liminarmente, representando a antecipação da tutela
recursal, prevista no inc III do art. 527 do Código de Processo Civil.
13.2 – Competência
Destacamos que a autoridade competente para apreciar o pedido de
antecipação da tutela é a mesma que tem competência para apreciar o mérito
sobre o objeto principal da demanda.
51
“Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado
para responder”.
“Parágrafo único. Apresentada a resposta, é facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade
do recurso”.
78
Nas palavras do jurista J. J. Calmon de Passos: “Competente para apreciar
o pedido de antecipação, portanto, aquele a quem tal pedido deve ser dirigido, é
o magistrado que, no iter processual em que o pedido de antecipação é
formulado, tenha competência para apreciar o mérito da causa cujo objeto é a
tutela que se pretende antecipar. Normalmente, o juiz da causa, até que profira
sua decisão definitiva”. 52
O eminente doutrinador, supra mencionado, entende que o magistrado que
já proferiu a sentença não tem competência para apreciar o requerimento de
antecipação da tutela.
O juiz que já prolatou a sentença somente poderá promover alterações na
decisão por força de oposição de embargos de declaração ou para corrigir
inexatidões materiais ou erros de cálculos.
No tocante a competência do segundo grau de jurisdição, Calmon de
Passos afirma que a tutela antecipada somente poderá ser deferida pelo órgão
colegiado, “ainda que dirigida ao relator, será objeto de tratamento
procedimental idêntico ao que se prevê para exame do mérito do recurso, em
52
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 202.
79
que se postula a tutela que se deseja ver antecipada”. 53 Afastando, assim, a
competência do relator, para a concessão, ou não da tutela antecipada.
Ao meu ver, nos casos do requerimento de antecipação da tutela dirigido
ao Tribunal, caberá ao Presidente da referida corte ou ao relator, conforme
previsão do regimento interno do órgão, deferi-la ou negá-la, observando todos
os pressupostos para a sua concessão.
Temos como características básicas das medidas antecipadas, a urgência e
provisoriedade, o que certamente só pode ocorrer quando estamos diante de uma
cognição sumária. Impor a decisão da antecipação da tutela para o momento
final do procedimento poderá acarretar a ineficácia da medida antecipada. A
decisão que confere ou denega a antecipação da tutela deve ser exercida em
momento anterior a cognição exauriente pela turma ou câmara do Tribunal.
13.3 - Recurso
Das decisões interlocutórias caberá recurso de agravo de instrumento, ou
seja, as decisões que não põem fim ao processo apenas resolvendo questões
incidentes no curso deste (art. 162, § 2º, do Código de Processo Civil). Dessa
forma, há possibilidade de continuação do procedimento, sem que os autos
53
J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
80
sejam encaminhados à estância superior, o que provocaria a procrastinação do
feito.
A concessão da antecipação da tutela, nessa ordem de idéias, é uma
decisão interlocutória que pode ser atacada por agravo de instrumento, o qual
deverá ser interposto no Tribunal no prazo de dez dias a partir da intimação da
decisão proferida.
A princípio o recurso de agravo de instrumento não tem efeito suspensivo.
Entretanto, o relator poderá atribuir o efeito suspensivo, ou, até mesmo,
conceder a antecipação da tutela, conforme prevê o inc. III do art. 527 do
Código de Processo Civil.
Ao relator, também é conferido o poder de suspender a decisão agravada
até a decisão definitiva, da turma ou câmara, quando requerido pelo agravante,
nos casos previstos no art. 558 do Código de Processo Civil, ou seja “nos casos
de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem
caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave ou de
difícil reparação, sendo relevante a fundamentação”. (grifo nosso)
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204.
81
Conforme exposto anteriormente, também é possível deferir a antecipação
da tutela na própria sentença de mérito, como capítulo desta. Neste caso,
somente será cabível o recurso de apelação, o qual será recebido apenas no
efeito devolutivo, no que tange a antecipação dos efeitos da tutela, e nos efeitos
suspensivo e devolutivo quanto aos demais pontos da sentença atacada.
82
14 – Os efeitos antecipados
A antecipação da tutela visa realizar o direito do autor, portanto, deve ser
concedida por ato judicial capaz de conduzir à efetividade do exercício do
direito. A medida antecipada tem por finalidade dar eficácia a tutela pretendida,
por meio de uma cognição sumária, buscando assim antecipar os efeitos
executivos da futura sentença de procedência, não podendo ficar restrita ao
processo de execução. Antecipar os efeitos significa satisfazer de forma concreta
o requerido pela parte.
Em se tratando de medida que visa garantir a efetividade do exercício do
direito, o § 3º do art. 273 do Código de Processo Civil, com a nova redação dada
pela Lei n. 10.444 de 07.05.02, estabelece como se realizará esta efetivação. O §
3º do referido artigo assim prescreve: “A efetivação da tutela antecipada
observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos
arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”.
Uma das características da antecipação da tutela é que para a sua
efetivação não se exige uma ação autônoma de execução. Entretanto, a
satisfação do direito poderá ser exercitada por meio de uma execução provisória
que realize o direito do autor, submetida no que couber nas determinações
previstas no art. 588 do Código de Processo Civil. Poderá ser utilizada conforme
83
a natureza da tutela antecipada, tanto nas hipóteses em que se deseja um fazer ou
um não-fazer, como nos casos em que se pretende soma em dinheiro.
Conforme pronunciou Luiz Guilherme Marinoni: “Provisório, na verdade,
é o título no qual pode se fundar a execução incompleta (dita provisória)”. 54
Com base nesse “título” a execução provisória poderá ser requerida, observando
as normas previstas nos incisos do art. 588 do Código de Processo Civil.
Primeiramente, o inc. I do art. 588 do Código de Processo Civil,
estabelece a possibilidade do exeqüente responder pelos danos causados pela
execução da tutela antecipada, sem que se perquira a existência de dolo ou
culpa. O inc. II, do mesmo artigo, obriga a prestação de caução idônea, como
requisito para possibilitar a prática de atos suscetíveis de causar dano grave ao
executado, nos casos de levantamento de depósito em dinheiro, e de alienação
de domínio. A lei dispensa a exigência de caução nos casos de crédito de
natureza alimentar, quando este não for superior a sessenta vezes o salário
mínimo (§ 2º do art. 273 do Código de Processo Civil).
Na execução provisória há previsão de se restituir as partes ao estado
anterior, quando a decisão que concedeu a antecipação da tutela for modificada
54
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 237.
84
ou anulada por acórdão superveniente (inc. III do art. 273 do Código de
Processo Civil).
O cumprimento da decisão que concede a antecipação da tutela também
poderá ocorrer na própria ação de conhecimento, desde que não tenha natureza
condenatória. Para tanto, o juiz estabelecerá desde logo os meios executórios
que poderão ser utilizados para a satisfação do direito.
Nas ações declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas lato
sensu a efetivação do direito não se fará mediante novo processo. Para Luiz
Guilherme Marinoni “é possível dizer que o provimento antecipatório tem
executividade intrínseca; ele não possui natureza condenatória e, assim, não
exige a propositura de uma ação de execução. A fase de atuação do provimento
antecipatório sumário não se separa – ou se destaca – do processo de
conhecimento; ela se insere no próprio processo de conhecimento”. 55
Dessa forma, afasta-se a execução autônoma ex intervallo, permitindo
uma maior celeridade a satisfação do processo, assegurando a efetividade da
função jurisdicional. Sempre que necessário, o magistrado utilizar-se-á dos
meios executivos previstos no art. 461, §§ 4º e 5º, assim como no art. 461-A,
ambos do Código de Processo Civil.
55
Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240.
85
O juiz, na decisão antecipatória liminar ou na sentença, tem a
possibilidade de aplicar multa diária ao réu, com a finalidade de coagi-lo a
satisfazer a obrigação. A aplicação da multa não depende do requerimento do
autor, sendo imposta para a efetivação da tutela pretendida, desde que suficiente
e compatível com a obrigação (§ 4º do art. 461 do Código de Processo Civil).
Também, está autorizado o magistrado determinar medidas necessárias
para a efetivação da tutela específica, assim como para a obtenção de resultado
prático equivalente, como previsto nos exemplos citados no § 5º do art. 461 do
Código de Processo Civil. Nestes casos, o juiz poderá agir de ofício ou a
requerimento da parte, de modo a impor multa por tempo de atraso, determinar a
busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, bem
como, o impedimento de atividade nociva, com requisição de força policial se
necessário.
Necessário ressaltar o posicionamento de Kazuo Watanabe, com relação a
conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato
sensu: “Dentre os vários meios de execução possíveis, certamente as medidas de
sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes.
Bem se percebe que não estamos falando de sub-rogação comum, que é a
conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumprida em perdas e danos. E
86
sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer
ou não fazer ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente”. 56
Os meios coativos disponíveis ao magistrado para dar cumprimento a
decisão antecipatória, representam um grande passo na busca de uma prestação
jurisdicional célere e eficaz, capaz de proporcionar ao jurisdicionado a
satisfação de seu direito.
56
Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 44.
87
15 – Tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer
Quando requeremos a prestação jurisdicional, buscamos a realização do
direito, de forma a satisfazer os nossos interesses o quanto antes possível. O
processo ideal, nas palavras de Teori Albino Zavascki, “é o que dispõe de
mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a
entrega da prestação efetivamente devida, da prestação in natura. E quando isso
é obtido, ou seja, quando se propicia, judicialmente, ao titular do direito, a
obtenção de tudo aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de
tutela jurisdicional específica”. 57
A tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, previstas no art.
461 do Código de Processo Civil, procuram dar efetividade a tutela jurisdicional
requerida pela parte, valendo-se de provimentos mandamentais ou executivos
lato sensu, e até mesmo da conjunção de ambos.
Trata-se de satisfação das obrigações de fazer ou de não fazer, que podem
ser representadas por tutelas preventivas dos direitos extrapatrimoniais, de
caráter absoluto. As obrigações podem ser decorrentes de atos de vontade
(negociais), assim como, nas que decorrem de imposição de lei, ou seja, deveres
jurídicos de abstenção, tolerância, permissão ou prática de fato ou ato.
57
Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 137.
88
Nas ações em que se postula a realização de uma obrigação de fazer ou de
não fazer, o juiz irá conceder a tutela específica da obrigação, ou irá assegurar o
resultado prático equivalente ao adimplemento, quando procedente o pedido. A
execução do comando judicial será posta em prática no próprio processo de
conhecimento, por meio de atos executivos lato sensu ou mandamentais, assim
como pela conjunção de ambos, sem a necessidade de uma ação autônoma de
execução.
Somente quando não for possível a concessão da tutela específica, ou a
realização de seu resultado prático equivalente, o juiz poderá converter a
obrigação em perdas e danos, bem como se o autor assim o requerer, nos termos
do § 1º do art; 461 do Código de Processo Civil
Como prevê o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil, a antecipação
da tutela será concedida “liminarmente ou mediante justificação prévia”,
podendo a qualquer tempo ser revogada ou modificada. Para tanto, necessário
que seja “relevante o fundamento da demanda” e haja “justificado receio da
ineficácia do provimento final”.
O juiz poderá aplicar medidas coercitivas indiretas com a finalidade de
obrigar o réu a cumprir a determinação da sentença, ou até mesmo a decisão que
89
concedeu a tutela antecipada, é o caso da multa diária que poderá ser imposta
pelo magistrado.
A luz do ensinamento de Kazuo Watanabe, a multa diária prevista no § 4º
do art. 461 do Código de Processo Civil, “é medida de coerção indireta imposta
com o objetivo de convencer o demandado a cumprir espontaneamente a
obrigação. Não tem finalidade compensatória, de sorte que, ao descumprimento
da obrigação, é ela devida independentemente da existência, ou não, de algum
dano”. 58
Além da multa prevista no § 4º do art. 461 do Código de Processo Civil, o
juiz poderá utilizar-se de meios sub-rogatórios para obtenção da tutela específica
ou do resultado prático equivalente. Trata-se das medias enumeradas no § 5º do
art. 461 do Código de Processo Civil.
Desse modo, o legislador estabeleceu meios executórios de coerção e subrogação, a fim de realizar o direito de modo específico, bem como previu a
possibilidade de satisfazer a tutela jurisdicional em tempo hábil.
Cabe ressaltar que a sistemática adotada para as obrigações de fazer e de
não fazer, no que tange a sua efetivação, também devem ser aplicadas às
90
sentenças de procedência fundadas nos pedidos de entrega de coisa previstas no
art. 461-A, e seus parágrafos, todos do Código de Processo Civil.
58
Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 47.
91
16 – Tutela antecipada em face da Fazenda Pública
Primeiramente, é necessário consignar que não há qualquer impedimento
para que o instituto da tutela antecipada seja utilizado em favor da Fazenda
Pública, não havendo dúvida acerca de sua aplicabilidade.
Também não há que se falar em reexame necessário contra decisão que
nega, no todo ou em parte, a antecipação da tutela, tendo em vista o caráter
interlocutório da decisão que concede ou não a antecipação. O reexame
necessário é aplicável tão somente às decisões definitivas ou terminativas, nos
casos previstos no art. 475 do Código de Processo Civil.59
No que tange a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, o
ordenamento jurídico, assim como a doutrina majoritária, garante a
possibilidade de sua ocorrência.
Conforme consta do Resp. n. 437518, da Quinta Turma do superior
Tribunal de Justiça, do qual foi relator o Min. Felix Fischer:
59
“Art. 475. Está sujeita a duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença:
“I – proferida contra a união, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e
fundações de direito público;”
92
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE FORMAÇÃO.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA
CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.
“I - A antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública pode ser
concedida, quando a situação não está inserida nas impeditivas hipóteses
da Lei 9.494/97. Precedentes.
“II - In casu, a decisão de antecipação da tutela em face da Fazenda
Pública, excepcionalmente, não se sujeita ao reexame necessário (art. 475,
caput, do CPC), mesmo porque o pretendido direito do autor pereceria ao
tempo da sentença confirmatória do duplo grau de jurisdição, tornando-a
inócua. (...)” (DJU de 12.08.2003, p. 251)
Podemos afirmar que a exigência do reexame necessário, contida no art.
475 do Código de Processo Civil, não é cabível contra decisão interlocutória que
concede tutela antecipada contra a Fazenda Pública, uma vez que somente em
face de sentença definitiva caberia tal medida.
Entretanto, a tutela antecipada concedida por meio de decisão
interlocutória, contra a Fazenda Pública, além de poder ser modificada ou
revogada pelo próprio juiz que a concedeu, tendo em vista o seu caráter
provisório, também, poderá ser suspensa pelo presidente do tribunal, se
configurar as circunstâncias previstas no art. 4º da Lei n. 8.437, de 30.06.92.60
60
“Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender,
em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movida contra o Poder Público ou seus agentes,
a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas”.
93
A lei n. 9.494, de 10.09.97, evidência em seu art. 1º61 a possibilidade da
concessão da antecipação da tutela em face do Poder Público, o que somente não
poderá ocorrer nas hipóteses referentes a “reclassificação ou equiparação de
servidores públicos”; “concessão de aumentos ou extensão de vantagens
pecuniárias aos servidores públicos”; “concessão ou acréscimo de vencimentos”;
“pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público”; e “em
situações das quais resulte o esgotamento, parcial ou total, a perda do objeto da
ação, desde que tais ações digam respeito, exclusivamente, a quaisquer das
matérias acima aludidas”, conforme a Recl. N. 1.967, rel. Min. Celso de Mello,
dec. de 19.10.2001, DJU de 14.10.2001, pp. 8-9, citado por Athos Gusmão
Carneiro.62
A antecipação da tutela poderá ser concedida contra a Fazenda Pública,
podendo ser expedido precatório para o pagamento de dívidas relativas ao
erário. O pagamento efetuado pela Fazendo por meio do precatório ficaria
depositado à ordem da autoridade judiciária, sendo entregue o valor ao credor
somente com a prolação da sentença de mérito, que condene o Poder Público.63
Todavia, em casos excepcionais em que a entrega do montante seja de extrema
urgência, poderá ser concedido o seu levantamento.
61
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos
arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n.
5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992”.
62
Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 94-95.
94
Quanto as prestações do Poder Público referentes as obrigações de dar, de
fazer e de não fazer, poderão ser realizadas de imediato, bastando que o juiz
intime a autoridade responsável para cumprir a determinação.
63
Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 91.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado tem o compromisso de prestar a tutela jurisdicional, de forma a
eliminar de modo eficaz os conflitos de interesse. A exigência da prestação
jurisdicional decorre do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal).
A morosidade no acertamento da lide pode provocar prejuízos
irreversíveis às partes no processo. Para evitar os problemas decorrentes da
demora da prestação jurisdicional, necessário a racionalização do tempo no
processo, a fim de preservar a efetividade da decisão. Dessa forma, é
indispensável à harmonização entre os direitos fundamentais da efetividade da
jurisdição e da segurança jurídica.
No direito processual europeu a tutela antecipada é admitida no âmbito
das tutelas cautelares, representando medida única de urgência. No Brasil, houve
um período em que a doutrina passou a dilatar o poder geral de cautela do
magistrado, conferindo as medidas cautelares a natureza satisfativa. Todavia, a
jurisprudência adotou posicionamento contrário, afastando das tutelas cautelares
o caráter satisfativo.
96
A tutela antecipada representa uma medida satisfativa que busca
proporcionar uma resposta jurisdicional útil e eficaz para a solução do litígio,
através do adiantamento dos efeitos do provimento postulado. A medida não
visa antecipar o julgamento de mérito, mas sim, antecipar os efeitos da tutela de
mérito requerida.
Podemos afirmar que liminar configura-se como qualquer provimento
judicial emitido pelo juiz na abertura do processo, podendo ser de mérito ou
cautelar. O que caracteriza a liminar é o momento em que a medida é proferida,
não importando o conteúdo da decisão. A medida liminar que dá eficácia
executiva provisória à decisão de mérito, corresponde a antecipação da tutela.
Não há identidade entre o julgamento antecipado da lide e a antecipação
da tutela, uma vez que o primeiro trata da própria sentença de mérito (cognição
exauriente), ao passo que a segunda tem por finalidade adiantar os efeitos de
uma futura sentença de mérito, proporcionando sua imediata satisfação
(cognição sumária).
A medida cautelar objetiva assegurar a eficácia e a utilidade do processo
principal, não apresentando o caráter satisfativo inerente a tutela antecipada. A
tutela cautelar não realiza o direito buscado na ação, apresentando como
requisito o fumus boni iuris e o periculum in mora, os quais também são
97
exigidos na tutela antecipada, mas para esta, não basta a aparência do bom
direito, é necessário que o juiz se convença da verossimilhança das alegações da
parte. Ambas as tutela (cautela e antecipada) são espécies das tutelas de
urgência. Destarte, a possibilidade da fungibilidade entre as tutelas, prevista no §
7° do art. 273 do Código de Processo Civil.
Para concessão da tutela antecipada prevista no art. 273 do Código de
Processo Civil, necessário a demonstração da “prova inequívoca”, a qual deve
convencer o juiz da “verossimilhança” das alegações da parte. Também se exige
a presença do “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou
alternativamente “o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do réu”, com a possibilidade do provimento ser modificado ou
revogado a qualquer tempo.
A atual redação do § 6° do art. 273 do Código de Processo Civil, também,
permite a concessão da antecipação da tutela fundada na ocorrência do pedido
incontroverso do autor.
Outro requisito para o deferimento da antecipação da tutela é a
irreversibilidade da conseqüência fática do provimento. Assim como, é
indispensável a fundamentação da decisão que concede ou nega a tutela
antecipada.
98
O instituto da antecipação da tutela visa antecipar os efeitos do
provimento requerido, proporcionando à efetividade do exercício do direito.
Para tanto, utiliza-se da execução provisória, e das medidas mandamentais e
executivas latu sensu, a fim de proporcionar a satisfação do direito requerido.
O magistrado poderá utilizar-se de meios coativos para obrigar o
demandado a satisfazer o direito do requerente, o que representa um grande
avanço na busca de uma prestação jurisdicional célere e eficaz.
Diante do exposto, concluímos que a tutela antecipada representa uma
medida eficaz para a satisfação da pretensão da partes. Pois, possibilita a
agilização na concessão do provimento jurisdicional, por meio de uma tutela
revestida de efetividade e tempestividade, capaz de proporcionar o resultado
prático equivalente ao direito subjetivo material que se afirmou violado ou
ameaçado de violação.
99
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CURSO DE DIREITO TUTELA ANTECIPADA LUIZ CARLOS