CURSO DE DIREITO TUTELA ANTECIPADA LUIZ CARLOS DE ANDRADE LOPES RA: 442.826-0 Turma: 319-D Tel: 4702-4147 E-mail: [email protected] SÃO PAULO 2004 LUIZ CARLOS DE ANDRADE LOPES Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Paulo Dimas Bellis Mascaretti. SÃO PAULO 2004 BANCA EXAMINADORA: Professor Orientador:_________________________________ Paulo Dimas Bellis Mascaretti Professor Argüidor:__________________________________ Professor Argüidor:__________________________________ Agradeço, os meus pais pelo incentivo e todo o amor dedicado, e a minha namorada Paula Bocchile Suelotto por sua cooperação. SINOPSE O presente estudo visa apresentar o instituto da tutela antecipada como uma medida capaz de tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional. Busca-se de forma simples e objetiva demonstrar a importância desta tutela satisfativa, introduzida no ordenamento jurídico nacional por meio da Lei n. 8.952, de 13.12.94. Ao discorrer sobre a importância da tutela de urgência, de seus princípios constitucionais, e de sua natureza, este trabalho procura esmiuçar as principais características do instituto da tutela antecipada, apontando as diversas posições sustentadas pela doutrina sobre o tema. Aborda, também, o procedimento e os efeitos do ato judicial que aprecia o pedido da tutela antecipada. Por fim, aponta algumas peculiaridades da tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer. SUMÁRIO Sinopse.............................................................................................................5 Sumário............................................................................................................ 6 Introdução........................................................................................................8 1 – A Tutela Jurisdicional..............................................................................11 1.1 – O tempo e o processo.....................................................................14 2 – Histórico das Tutelas de Urgência...........................................................18 3 – Formas de cognição.................................................................................22 3.1 – Cognição exauriente ......................................................................23 3.2 – Cognição Sumária..........................................................................23 4 – Conceito de Tutela Antecipada ...............................................................26 5 – A natureza do provimento .......................................................................31 6 – Diferenças entre as Tutelas de Urgência .................................................36 6.1 - Liminares e tutelas de urgência......................................................36 6.2 - Liminares e a antecipação da tutela ...............................................37 6.3 - Julgamento antecipado e a antecipação da tutela...........................37 6.4 - Tutela cautelar e tutela antecipada .................................................38 7 – Direitos Fundamentais dos Litigantes .....................................................43 7.1 – A efetividade da jurisdição............................................................45 7.2 – A segurança jurídica ......................................................................46 7.3 – Harmonização dos Direitos ...........................................................48 8 – Pressupostos ............................................................................................50 8.1 – Legitimados a requerer a tutela antecipada...................................51 8.2 – Prova inequívoca da alegação .......................................................53 8.3 – Verossimilhança da alegação ........................................................55 8.4 – Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação .........57 8.5 – Abuso de direito de defesa ............................................................59 8.6 – Manifesto propósito protelatório...................................................61 8.7 – Pedido incontroverso.....................................................................62 9 – Necessidade de fundamentação do ato jurisdicional...............................64 10 – O perigo da irreversibilidade.................................................................66 11 – Revogação e modificação......................................................................68 12 – Fungibilidade.........................................................................................72 13 – Procedimento.........................................................................................74 13.1 – Formalização do pedido ..............................................................74 13.2 – Competência................................................................................77 13.3 – Recurso ........................................................................................79 14 – Os efeitos antecipados...........................................................................82 15 – Tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer......................87 16 – Tutela antecipada em face da Fazenda Pública.....................................91 Considerações finais......................................................................................95 Bibliografia....................................................................................................99 Introdução O objetivo deste trabalho é analisar o instituto da tutela antecipada, introduzido no ordenamento processual brasileiro, no Livro I – Do Processo de Conhecimento, por força da Lei n. 8.952, de 13.12.94, a qual conferiu nova redação ao art. 273, do Código de Processo Civil. Com o propósito de simplificar, agilizar e principalmente dar efetividade à prestação jurisdicional, diante da morosidade do curso normal do processo, o legislador introduziu no ordenamento jurídico o instituto da antecipação da tutela. O Estado como detentor do monopólio da jurisdição tem o poder-dever de resolver os conflitos de interesses de seus jurisdicionados, apresentando prestações jurisdicionais efetivas, céleres e capazes de solucionarem os litígios entre os homens de maneira confiável, atribuindo, via reflexa, ao Poder Judiciário, o respeito que lhe é devido, por sustentáculo imprescindível do Estado de Direito. Para evitar o perigo da demora do procedimento cognitivo comum na satisfação do direito subjetivo material da parte vencedora, a tutela antecipada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, e se corretamente utilizada, proporcionará a restauração da igualdade no procedimento. 8 Como bem sabemos, a morosidade na prestação jurisdicional provoca lesão ao princípio da igualdade entre as partes. Com a finalidade de mitigar o risco da demora do provimento jurisdicional, a tutela satisfativa, a qual realiza o direito antecipadamente, já vinha sendo outorgada por meio de medidas cautelares inominadas, e em casos específicos, como por exemplo, no pedido de liminar de reintegração de posse, art. 928, caput, do Código de Processo Civil. A tutela antecipada autoriza o juiz conceder a parte um provimento imediato, provisoriamente, de forma a antecipar, no todo ou em parte, os efeitos da futura sentença de procedência, tornando o processo apto a realizar os seus objetivos e melhor servir a sociedade. Trata-se de adiantamento do provimento que se busca no mérito da causa, ou seja, a parte que requer a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, busca uma medida satisfativa de urgência, em caráter provisório, que reconheça o direito material e lhe proporcione o respectivo exercício. O presente estudo irá analisar os requisitos e condições exigidas para a concessão da medida antecipatória. Abordando os reflexos das alterações trazidas pela Lei n. 10.444, de 07.05.02, ao instituto da tutela antecipada, em seus §§ 3°, 6° e 7°, do art. 273, e da tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, art. 461 e 461-A, todos do Código de Processo Civil. Analisaremos a evolução histórica, pressupostos e características do instituto, buscando 9 apresentar um paralelo com as demais tutelas de urgência enquanto institutos de efetivação da prestação jurisdicional. 10 1 - A Tutela Jurisdicional A tutela jurisdicional decorre do compromisso do Estado de apreciar as lesões ou ameaças a direitos, eliminando os conflitos de interesses de modo eficaz, e sujeitando a vontade de todos as suas decisões. O Estado assume o papel de terceiro desinteressado, substituindo a atividade dos envolvidos em conflitos, para aplicar concretamente à vontade da lei de forma imparcial, realizando providências concretas necessárias à manutenção ou à reparação de direitos. Necessário demonstrar a diferença entre tutela e prestação jurisdicional, uma vez que a tutela jurisdicional será prestada a aquele que demonstrar o direito subjetivo material que se afirmou violado ou ameaçado de violação, ao passo que a prestação jurisdicional independe da efetiva existência de tal direito. A prestação jurisdicional é constitucionalmente devida a todo e qualquer litigante (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal – princípio da inafastabilidade da jurisdição), sendo cumprida e formalizada pelo magistrado com a prolação da sentença que põe fim ao processo. Como destaca Humberto Theodoro Júnior: “Na satisfação do direito à composição do litígio (definição ou atuação da vontade concreta da lei diante do conflito instalado entre as partes) consiste a prestação jurisdicional. Mas, além 11 dessa pacificação do litígio, a defesa do direito subjetivo ameaçado ou a reparação da lesão já consumada sobre o direito da parte também incumbe a função jurisdicional realizar, porque a justiça privada não é mais tolerada (salvo excepcionalíssimas exceções) pelo sistema de direito objetivo moderno. Assim, quando o provimento judicial reconhece e resguarda in concreto o direito subjetivo da parte, vai além da simples prestação jurisdicional e, pois, realiza a tutela jurisdicional. Todo litigante que ingressa em juízo, observando os pressupostos processuais e as condições da ação, tem direito à prestação jurisdicional (sentença de mérito ou prática de certo ato executivo); mas nem todo litigante faz jus à tutela jurisdicional”. 1 Tradicionalmente a tutela jurisdicional visa à formulação e à atuação prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar em determinada situação. Primeiramente no processo há declaração de direito, para depois este ser realizado. Quando há uma pretensão jurídica resistida, e para sua composição, necessária a declaração da vontade concreta da lei, estamos diante de um processo de conhecimento ou de cognição. Pois o exame do magistrado consiste em certificar ou não a existência de um direito por meio de uma sentença. Ao passo que, se a atividade se desenvolve no sentido de tornar efetivo o direito certificado ou presumidamente existente, corresponde ao processo de execução. Neste caso se tem a certeza do direito do credor, fundando-se a lide na 1 Humberto Theodoro Junior. Tutela jurisdicional de urgência. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001, p. 2. 12 insatisfação do crédito pretendido, buscando-se dessa forma, realizar a prestação a que tem direito, por meio da coação estatal sobre o patrimônio do devedor. Podemos acrescentar um tertium genus na classificação da tutela jurisdicional. Trata-se do processo cautelar, o qual não busca satisfazer diretamente a relação jurídica material que envolve as partes, mas apenas garantir a tutela de conhecimento ou de execução, prevenindo possíveis alterações de fato ou de direito, preservando a utilidade e eficiência do futuro e eventual provimento. Em regra a tutela de conhecimento precede a tutela executiva, mas há situações em que elas podem ser prestadas simultaneamente, como no caso da execução provisória prevista no art. 588 do Código de Processo Civil. Pode ocorrer, também, que a tutela executiva seja prestada integralmente, antes mesmo de ser iniciada a ação de embargos à execução (processo de conhecimento), nos casos de títulos executivos extrajudiciais. No que se refere à tutela cautelar, esta poderá ser prestada antes ou no curso do processo principal (conhecimento ou execução), nos termos do art. 796 do Código de Processo Civil. 13 1.1 - O tempo e o processo O litigante ao buscar uma prestação jurisdicional que assegure a composição do litígio e a reparação do dano que o titular do direito lesado suportou, pretende que o Estado proporcione a concretização do direito da parte que tem razão, de forma célere e objetiva. Entretanto, o decurso do tempo muitas vezes pode provocar perecimentos de pretensões, uma vez que o juiz necessita de tempo razoável para compreender o conflito de interesse e para habilitar-se à bem fundamentar as decisões interlocutórias e, com maior profundidade, a sentença. A “lentidão da Justiça” constitui um grave problema social, uma vez que a demora no andamento processual favorece as especulações e insolvência, prejudicando os litigantes, principalmente o autor, que mesmo ao final vitorioso, terá um largo período de privação de seu direito. Os demandantes utilizam-se do direito constitucional do devido processo legal e da ampla defesa, insculpido no art. 5º, LV, da Constituição Federal, para provocar prejuízos muitas vezes irreversíveis, oferecendo dilações e recursos meramente protelatórios. A morosidade no acertamento da lide, não pode comprometer a validade prática da decisão. Não basta ter a certeza da ocorrência de um pronunciamento final de mérito em um momento indefinido, é necessário que a decisão tenha 14 capacidade de afastar situações graves de risco de dano à efetividade do processo. Neste sentido esclarece Cândido Rangel Dinamarco: “É muito antiga a preocupação pela presteza da tutela que o processo possa oferecer a quem tem razão. Os interdicta do direito romano clássico, medidas provisórias cuja concessão se apoiava no mero pressuposto de serem verdadeiras as alegações de quem pedia, já eram meios de oferecer proteção ao provável titular de um direito lesado, em breve tempo e sem as complicações de um procedimento regular. No direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas são fatores de desprestígio do Poder Judiciário (como se a culpa fosse só sua) e de sofrimento pessoal dos que necessitam da tutela jurisdicional”. 2 A tendência de agilizar os mecanismos de administração da justiça, buscando racionalizar a distribuição do tempo no processo, inibindo defesas abusivas ou procrastinatórias, que retardam a outorga da prestação jurisdicional, tornou-se preocupação maior dos operadores do direito. O processo cautelar que por muitas décadas mostrou-se como um instrumento adequado para aplicação das prestações jurisdicionais de urgência, teve seu campo de incidência regularizado, ou seja, houve uma purificação do processo cautelar, o qual readquiriu a sua finalidade clássica de medida conservativa. 2 Cândido Rangel Dinamarco. A Reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 140. 15 Com o propósito de se agilizar a prestação jurisdicional, foi instituído, de modo explicito e generalizado, no ordenamento processual brasileiro a antecipação dos efeitos da tutela pretendida. O que antes somente era possível no processo cautelar, em alguns procedimentos especiais, estendeu-se para todo processo de conhecimento, consagrando o poder geral de cautela do juiz. As tutelas cautelares satisfativas procuraram preencher uma lacuna no ordenamento jurídico, o que não é mais necessário, ante a reforma processual ocorrida na década de noventa, a qual introduziu no ordenamento jurídico a Lei n. 8.952/94. A antecipação da tutela consagrada pelo art. 273 do Código de Processo Civil constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do processo, pois este novo expediente, autoriza o juiz antecipar a decisão de mérito, antes mesmo de completar a instrução e o debate da causa, proporcionando o provisório atendimento do pedido, no todo ou em parte. Como bem ponderou Cândido Rangel Dinamarco: “Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro. A medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Na prática, a decisão com que o juiz concede a tutela antecipada terá, no máximo, o mesmo conteúdo do dispositivo da sentença que concede a definitiva e a sua concessão equivale, 16 mutatis mutandis, à procedência da demanda inicial – com a diferença fundamental representada pela provisoriedade”. 3 Dessa forma, a demora no processo não pode acarretar prejuízo ao autor que tem razão. Não basta ser assegurada a composição do litígio e a reparação do dano, necessário que o processo esteja voltado a preservar a efetividade da decisão, sem que o largo tempo do processo seja suportado unicamente pelo autor. 3 Cândido Rangel Dinamarco. A Reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 141-142. 17 2 - Histórico das Tutelas de Urgência Por longo tempo, a história do direito processual demonstra uma inquietação pela necessidade de evitar o perigo da demora no processo comum, não permitindo que a tutela jurisdicional perdesse a sua efetividade. Tradicionalmente, no direito europeu, o poder geral de cautela do magistrado, passou a abranger as providências de urgência de natureza satisfativa. Países como Alemanha, Suíça, França, Itália e Portugal, passaram a conceber a tutela provisória tanto para conservar como para regular a situação jurídica material das partes. Nas situações em que o retardamento na solução de questões de mérito inviabilizaria o próprio direito da parte, a antecipação da tutela passou-se a ser acolhida como forma de satisfazer o direito. A legislação européia admite que as medidas provisórias, fundadas no poder geral de cautela, tenham caráter satisfativo, desde que a antecipação dos efeitos do possível julgamento de mérito não produzam efeitos irreversíveis, como nos ensina o Professor Humberto Theodoro Junior. 4 O direito processual europeu trata a tutela cautelar e a tutela antecipada como medidas de urgência únicas, permitindo que no âmbito dos procedimentos 18 cautelares possa se antecipar os efeitos, provisoriamente, de um possível julgamento de mérito. O direito processual brasileiro, também, procurou mitigar os problemas surgidos com a espera do provimento jurisdicional definitivo, capaz de satisfazer a pretensão deduzida pela parte. Dessa forma, procurou-se estabelecer medidas que proporcionassem a aceleração na prestação jurisdicional, ainda que provisoriamente. Primeiramente, o legislador estabeleceu no art. 675 do Código de Processo Civil de 1939, o que podemos afirmar como um poder geral de cautela do magistrado, não admitido por parte da doutrina, como assim dispunha: “Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das partes: “I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes; “II – quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma das partes; “III – quando, no processo, a uma das partes for impossível produzir prova, por não se achar na posse de determinada coisa”. 4 5 Humberto Theodor Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II. p. 558. 5 Luiz Guilherme Marinoni. A Antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.119. 19 No Código de Processo Civil de 1973 em seu art. 798 o juiz passou a ter efetivamente um poder geral de cautela, podendo determinar medidas provisórias que julgar adequada, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Com a finalidade de se evitar o periculum in mora a doutrina passou a dilatar o poder geral de cautela, inserindo toda a tutela de emergência dentro do universo cautelar. A jurisprudência adotou o posicionamento de que as medidas cautelares, por meio do poder geral de cautela dos juízes, não poderiam ser de natureza satisfativa, uma vez que a sua função é de apenas garantir e prevenir a eficácia do processo principal. A par disso, outra forma de impedir a ineficácia e inutilidade do provimento judicial esperado foi a utilização da antecipação da tutela, por meio de liminares satisfativas na forma de cognição sumária, introduzidas no processo de conhecimento como medidas excepcionais e restritas a procedimentos especiais, como nas ações possessórias (arts. 928 e 929, ambos do Código de Processo Civil), na nunciação de obra nova (art. 937 do Código de Processo Civil), no mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, art. 7º, II, g), na ação civil pública (Lei n. 7.347/85, art. 12, j), na ação popular (Lei n. 4.717/65, art. 5º, § 4º, i), entre outras. 20 A reforma do Código de Processo Civil de 1994, por meio da Lei n. 8.952, introduziu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida no ordenamento jurídico nacional (art. 273 do Código de Processo Civil), de forma a complementar o elenco do gênero “tutelas de urgência”, em razão da necessidade de uma tutela sumária satisfativa que não fosse prestada no âmbito do processo cautelar. A ampla maioria da doutrina e dos tribunais não admitia a concessão da tutela satisfativa com fundamento no dilatado poder geral de cautela do juiz, por apresentar a ação cautelar inominada função meramente preventiva. Com o advento da Lei n. 10.444, de 07.05.02, ampliou-se à possibilidade da concessão da tutela antecipada para as ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, ou a entrega de coisa, permitindo que o juiz conceda a tutela específica da obrigação liminarmente, ou mediante justificação prévia após a citação do réu (arts. 461, § 3º e 461-A, § 3º, ambos do Código de Processo Civil). 21 3 – Formas de cognição Como bem observou Kazuo Watanabe: “A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consiste em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”.6 A analise da cognição deve ser realizada em dois planos distintos, no plano horizontal e plano vertical. O plano horizontal é caracterizado pela extensão e amplitude das alegações, para que o juiz forme um juízo de valor, tendo por limite os elementos objetivos do processo (pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa). Dentro da extensão permitida no plano horizontal, a cognição pode ser plena (ilimitada) ou parcial (limitada), permitindo que o juiz conheça todas as questões de modo superficial. Através da cognição plena, o juiz deve examinar a lide que irá compor, de modo a analisar toda a extensão e amplitude sem restrições, confrontando a pretensão do autor, com a defesa do réu, para decidir a lide de modo definitivo. Na Cognição parcial ou limitada, a lide não é inteiramente analisada, pois esta, ao se enquadrar no processo, sofre limitações. 6 Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, pp. 58-59. 22 No plano vertical a cognição deve ser encarada, segundo o grau de profundidade das alegações, seguindo as provas efetivamente produzidas. Classifica-se em exauriente (completa) ou sumária (incompleta). 3.1 – Cognição exauriente Analisando a profundidade das alegações e das provas, no caso da cognição exauriente, há um juízo de certeza para ser proferido o provimento final em caráter definitivo. Representa o procedimento comum do processo, permitindo a formação da coisa julgada material.7 Diferentemente da cognição exauriente, na cognição sumária, ocorre um juízo de probabilidade, caracterizado pela provisioriedade do provimento prestado nas medidas processuais de urgência. 3.2 – Cognição Sumária A cognição Sumária por ser um juízo de probabilidade e de decisões provisórias dá ao processo ordinário maior celeridade. Porém, este juízo, relativamente a determinado objeto é possível uma variação no grau da 7 Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 115. 23 probabilidade. A variação referida baseia-se na escala do juízo de probabilidade, classificada em possibilidade e verossimilhança. O juízo de mera possibilidade examina aquilo que está sendo alegado (causa petendi), diante do que foi trazido aos autos, pode ou não ser verdade, autorizando a medida cautelar. É uma eventualidade de direito caracterizada pelo fumus bonis iuris e o periculum in mora, ou seja, a iminência de dano irreparável, de modo que a medida cautelar busca assegurar, os efeitos do provimento jurisdicional. Não tendo caráter de satisfação antecipada do pedido, apresentando um neutralidade visando sobretudo à garantia do provimento jurisdicional requerido na petição inicial, que a instrumental tenda a acautelar. Outra medida processual de urgência, que se utiliza de um provimento provisório, decorrente da cognição sumária, é a tutela antecipada. Esta para que seja proferida é necessário que o magistrado análise o pedido, e formule a sua convicção por meio de um juízo de valor de verossimilhança, o qual estará baseado na aparência de verdade. A tutela antecipada tem por finalidade, já no início do processo, a própria satisfação do direito material pretendido, que será de cognição exauriente no final, proporcionando à parte o exercício imediato do conteúdo do próprio direito por ela deduzido em juízo. Porém para que haja a antecipação decisória 24 dos efeitos da tutela sentencial, há de se observar os seus pressupostos inafastáveis.8 8 Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000, pp. 142-143. 25 4 - Conceito de Tutela Antecipada Etimologicamente “tutelar” significa ver, olhar, observar, e figuradamente, velar, vigiar, tem origem no latim tueor, tueri. A rigor da exegese significa proteger, amparar, defender, assistir. Ao passo que “antecipar” vem do latim anticipare, e significa adiantar no tempo, precipitar, anteceder, ou seja, fazer ocorrer antes do tempo marcado. Primeiramente, necessário informar que inobstante a utilização disseminada na doutrina da expressão “Tutela Antecipatória”, entendemos que a antecipatória não é a tutela, mas sim o ato judicial que defere desde logo a tutela pretendida. O que se antecipa não é sequer a tutela, mas tão somente os efeitos desta. Denomina-se tutela antecipada, a decisão interlocutória exarada pelo juiz a requerimento da parte, que proporciona a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, de forma total ou parcial, antes de completar a instrução e o debate da causa. O juiz tem a possibilidade de atendidos certos requisitos, antecipar, em qualquer processo de conhecimento, os efeitos da tutela definitiva de mérito. Trata-se de uma medida satisfativa que busca proporcionar uma resposta jurisdicional útil e eficaz para a solução do litígio, através do adiantamento dos 26 efeitos do provimento postulado. Mas para tanto, necessário que o magistrado observe dois requisitos genéricos para a sua concessão, quais sejam, “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação”. A par dos referidos requisitos, a concessão da tutela antecipada está condicionada ao preenchimento de mais dois requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil, a serem observados de maneira alternativa, ou seja, o requerente deverá demonstrar “o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou “o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”. Como bem expressou Athos Gusmão Carneiro: “A antecipação da tutela depende de que a prova inequívoca convença o magistrado da verossimilhança das alegações do autor. Mas tais pressupostos não são bastante. É mister que aos mesmos se conjugue o fundado receio, com amparos em dados objetivos, de que a previsível demora no andamento do processo cause ao demandante dano irreparável ou de difícil reparação; ou, alternativamente, de que fique caracterizado o abuso de direito de defesa, abuso que inclusive se pode revelar pelo manifesto propósito protelatório revelado pela conduta do réu no processo ou, até, extra processualmente”. 9 9 Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 17. 27 Nesse sentido esclarece Luiz Guilherme Marinoni: “A tutela antecipatória constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do processo, não só porque abre oportunidade para a realização urgente dos direitos em casos de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mas também porque permite a antecipação da realização dos direitos no caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”. 10 Necessário se faz consignar, que para a concessão do referido instituto deve ser afastado o perigo da irreversibilidade da conseqüência fática que resulta do provimento, “pois esta é que poderá correr o risco de não ser resposta no status quo ante, ou não sê-lo em toda a sua inteireza, ou sê-lo somente a elevadíssimo custo, que a parte por ele beneficiada não teria condições de suportar”. 11 A provisoriedade do provimento, também é uma característica da antecipação da tutela, pois representa uma solução não-definitiva, sendo passível de revogação ou modificação, a qualquer tempo, mas sempre por decisão fundamentada. 10 Luiz Guilherme Marinoni. A Antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.29. J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 74. 11 28 O instituto previsto no art. 273 introduzido no Livro I do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 8.952, de 13.12.94 e alterações posteriores da Lei n. 10.444, de 07.05.02, procurou dar maior efetividade ao processo, cuja redação assim se apresenta: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: “I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou “II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. “§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. “§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. “§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. “§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. “§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até o final julgamento. “§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. “§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. Não se pode esquecer do novo fundamento para antecipar a tutela, presente no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 29 10.444/02, que trata do pedido incontroverso, consistente na ausência de um confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor, possibilitando a antecipação da tutela nesse ponto. Podemos afirmar que a tutela antecipada atinge o plano da atividade executiva, uma vez que mesmo antes da sentença de mérito, realiza-se uma provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito de uma sentença por proferir. 30 5 – A natureza do provimento O objetivo da tutela antecipada é eliminar os prejuízos e injustiças decorrentes da morosidade da prestação jurisdicional. A medida não visa antecipar o julgamento de mérito, mas sim, antecipar os efeitos da tutela de mérito requerida na inicial (art. 273, caput, do Código de Processo Civil). Portanto, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional visa impedir possíveis lesões aos direitos das partes, ante a demora na solução do litígio. A medida judicial que apenas antecipa os efeitos da tutela, sem conceder a própria tutela pretendida, é uma mera decisão interlocutória, ou seja, uma decisão não-terminativa (art. 162, § 2º, do Código de Processo Civil), passível portanto, de recurso de agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do Código de Processo Civil. Nessa ordem de idéias, para que a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional tenha eficácia, necessário que sejam tomadas medidas práticas, com o fim de proteger o direito subjetivo da parte, mediante ordens e mandados do órgão judicial. Somente com a realização prática de tais ordens e mandados é que surtiram os efeitos da futura sentença do processo de conhecimento. 31 Com a antecipação da tutela a atividade executiva poderá ser operada antes mesmo da sentença de mérito. Humberto Theodoro Junior, nos ensina, ao tratar da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, “o que a lei permite, é, em caráter liminar, a execução de alguma prestação positiva ou negativa, que haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito e já no campo da execução forçada ou de algo a esta equivalente. Promove-se, então, uma provisória e condicional execução, total ou parcial, daquilo que se espera virá a ser efeito de uma sentença ainda por proferir”. 12 A doutrina tradicional admite que todo provimento jurisdicional emanado em um processo de conhecimento tem caráter declarativo em relação à existência e à inexistência da relação jurídica. Porém o processo de conhecimento pode ser dividido de acordo com o provimento pretendido pelo autor, podendo ser um processo meramente declaratório, constitutivo ou condenatório. Quando a atividade judicial apenas declara o direito invocado estamos diante de uma sentença meramente declaratória. A sentença constitutiva é aquela que constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica anterior. Por fim, a sentença condenatória impõe uma prestação à parte, pois acolhendo a pretensão do autor, a decisão confirma a existência do direito e sua violação, 12 Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, 32 aplicando a sanção correspondente. Somente a sentença condenatória possibilita o acesso à via processual da execução forçada. Além das sentenças supra mencionadas, podemos afirmar que existem sentenças mandamentais e executivas lato sensu. Nas sentenças mandamentais o juiz expede uma ordem dirigida a autoridade ou pessoa particular, a qual deverá observar determinada conduta imposta pelo magistrado. Nas sentenças de procedência, o juiz determina a prática de certos atos executivos por parte dos agentes do Poder Judiciário, sem que a parte proponha ação de execução forçada, correspondendo às sentenças executivas. Há entendimento de que não cabe antecipação da tutela nas ações declaratórias e constitutivas, uma vez que não há execução de suas sentenças. Entretanto, os efeitos práticos decorrentes de qualquer tipo de ação de conhecimento (declaratória, constitutiva e condenatória) podem ser antecipados, por serem efeitos executivos e mandamentais, não se confundindo com os efeitos normativos de qualquer sentença, tanto declaratória como constitutiva, os quais não podem ser provisoriamente antecipados. Humberto Theodoro Junior, ao tratar do assunto aduz que: “Qualquer sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico, p. 577. 33 que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado ou constituído em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento negativo ou omissivo em face do direito do autor que pode ser imposto por antecipação de tutela, não só nas ações condenatórias, como também nas meramente declaratórias e nas constitutivas”. 13 Nesta ordem de idéias, há possibilidade de se conceder decisões antecipadas, mandamentais e executivas lato sensu, que não dependem de um processo executivo autônomo, aglutinando, assim, as atividades de cognição e de execução nas ações declaratórias, constitutivas e condenatórias. O art. 273, § 3º faz menção aos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º e 461-A, todos do Código de Processo Civil, abrindo-se a possibilidade do magistrado utilizarse de mediadas mandamentais e executivas lato sensu, a fim de dar maior efetividade ao provimento antecipatório sumário, o qual, em certos casos, não pode esperar a execução por meio das modalidades executivas tradicionais. O legislador remete a execução da tutela antecipada ao artigo que trata da execução provisória (art. 588 do Código de Processo Civil), ressalvando que será aplicado “no que couber” as medias previstas nos arts. 461 e 461-A, ambos do Código de Processo Civil. 13 Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, 34 Dessa forma, a decisão que ordena sob pena de multa é mandamental, impondo o adimplemento da obrigação, mesmo contra a vontade do demandado. A decisão executiva é aquela que realiza o direito afirmado independente da vontade do réu, sendo dispensada a propositura de uma ação de execução. 14 14 p. 579. Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da Tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 68. 35 6 – Diferenças entre as tutela de urgência 6.1 – Liminares e tutelas de urgência Com a finalidade de afastar o risco de dano à efetividade do processo decorrente da morosidade na prestação jurisdicional, as tutelas de urgência passaram a ter grande utilidade, e serem largamente utilizadas para preservar a efetividade do provimento. A liminar configura-se como qualquer provimento judicial emitido pelo juiz na abertura do processo, e em regra geral se dá antes da citação do réu, ou seja, antes do debate em contraditório do tema do processo. Pode ser considerada como liminar o provimento que – in limine litis – visa sanear o processo suprindo defeitos da petição inicial ou até mesmo o seu indeferimento. O critério para caracterizar a liminar é o temporal, não importando a medida judicial expressada pelo juízo cognitivo, executivo, cautelar e até mesmo administrativo, e como bem ponderou Humberto Theodoro Junior o “conteúdo do ato decisório, como se vê, não tem influência alguma sobre a identificação da liminar como categoria processual. Essa identificação liga-se apenas e tão somente ao momento em que o provimento é decretado pelo juiz”. 15 15 Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil. 35.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 533. 36 6.2 – Liminares e a antecipação da tutela Podemos afirmar que toda liminar antecipa algum tipo de tutela, podendo ser de mérito ou cautelar. Dessa forma, toda liminar pode ser considerada como uma antecipação da tutela, pois possibilita a obtenção de uma decisão de mérito provisoriamente exeqüível. Entretanto, nem toda antecipação da tutela pode ser caracterizada como uma liminar, pois a antecipação dos efeitos da tutela requerida não precisa ser necessariamente concedida no início do processo, como é da essência das liminares. A antecipação da tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, é uma medida que dá uma eficácia executiva provisória à decisão de mérito normalmente desprovida desse efeito. Destina-se a assegurar o efeito jurídico, total ou parcial, decorrente do acolhimento do pedido na sentença final de mérito, podendo ocorrer de forma liminar, no início do processo, como em qualquer momento antes do encerramento do processo de conhecimento. 6.3 – Julgamento antecipado e a antecipação da tutela Existem certas circunstâncias que permitem ou até mesmo impõem a abreviação do procedimento judicial autorizando a decisão de mérito, uma vez que já há uma cognição plena e exauriente por parte do magistrado. Trata-se do 37 julgamento antecipado da lide previsto no art. 330 do Código de Processo Civil, que não se confunde com a tutela antecipada, a qual baseia-se em cognição sumária e que antecipa, provisoriamente, alguns ou todos os efeitos do provimento requerido. No julgamento antecipado da lide a persuasão racional do juiz já está formada, permitindo que a sentença seja proferida, por se tratar de matéria apenas jurídica, ou, ainda que também de fato, não se exija prova oral suplementar que imponha designação de audiência de instrução e julgamento (inc. I do art. 330 do Código de Processo Civil), como também nos casos de revelia, a qual induz a presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor (inc. II do art. 330 do Código de Processo Civil). Dessa forma, o julgamento antecipado da lide trata da própria sentença de mérito, ao passo que a antecipação da tutela, se presente os seus pressupostos, tem por finalidade adiantar os efeitos de uma futura sentença de mérito, propiciando sua imediata satisfação. 6.4 – Tutela cautelar e tutela antecipada A tutela cautelar tem por finalidade assegurar a viabilidade de um direito, diante de uma situação objetiva de perigo, procura preservar e garantir as provas 38 ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. O processo cautelar caracteriza-se por ser um processo acessório, que busca obter medidas de urgência, necessárias para preservar o desenvolvimento de um processo de conhecimento ou de execução, ou seja, providências que visam a conservação do estado de fato que envolve as partes. A medida cautelar objetiva assegurar a eficácia e a utilidade do processo principal, destituída de caráter satisfativo, pois há sempre a referibilidade a um direito acautelado, diferentemente do que ocorre na tutela sumária satisfativa. Na tutela antecipada o juiz concede antecipadamente a própria providência jurisdicional de mérito ou seus efeitos postulada na ação de conhecimento. Realiza o direito afirmado de forma antecipada, criando condições de provisoriamente executar o direito subjetivo. O processo cautelar caracteriza-se pela instrumentalidade, provisoriedade, revogabilidade, autonomia e fungibilidade. Instrumental por que visa assegurar a eficácia e a utilidade do processo principal, ligado a este por acessoriedade. Provisório por não tem caráter satisfativo ou definitivo, sendo absorvido ou substituído pela providência jurisdicional definitiva. Na tutela cautelar não há solução do mérito da causa, apenas são analisados a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora, podendo 39 ocorrer a qualquer tempo a substituição, revogação ou modificação do provimento cautelar. Há autonomia técnica encerrando-se o processo com uma sentença própria, fora do processo principal. Por fim, a fungibilidade do processo cautelar se caracteriza pela possibilidade do juiz deferir a medida cautelar mais adequada para proteger o direito da parte, não estando adstrito ao seu pedido, o que não ocorre na antecipação da tutela. Existem alguns aspectos em comum entre os institutos da tutela antecipada e a tutela cautelar, mesmo havendo entendimento de que elas não se confundem. Primeiramente, o caráter de provisoriedade não é exclusivo da tutela cautelar, pois como bem observa Luiz Guilherme Marinoni: “Não basta, portanto, que a tutela tenha sido concedida com base em cognição sumária. É imprescindível que a tutela não satisfaça o direito material para que possa adquirir o perfil de cautelar”. 16 Outro ponto comum entre as medidas é a previsão da revogabilidade e modificabilidade, prescritas nos arts. 273, § 4º, 805 e 807, todos do Código de Processo Civil. Assim como, a exigência da possibilidade de reversão do provimento exarado pelo juiz, a qual deve estar presente em ambos os institutos. As medidas preventivas estão sujeitas a dois pressupostos específicos: 16 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 126. 40 fumus boni iuri, que exige do requerente a demonstração da plausibilidade do direito subjetivo invocado, representado pela aparência do bom direito e o periculum in mora, representando o dano potencial, ou seja, o receio fundado de dano grave ou de difícil reparação. Os referidos pressupostos guardam certa relação com os requisitos da tutela antecipada, a qual exige prova inequívoca do direito da parte e a verossimilhança de suas alegações (art. 273, caput, do Código de Processo Civil) - fumus boni iuris; e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do Código de Processo Civil) - periculum in mora. Entretanto, para concessão da tutela antecipada o juiz deve se convencer da verossimilhança das alegações da parte, não bastando apenas o fumus boni iuris. A tutela antecipada pode ser concedida pelo juiz sem a presença do risco de dano imediato e irreparável, baseando-se no “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu” (art. 273, II, do Código de Processo Civil), o que não ocorre no âmbito das medidas cautelares. Outra possibilidade de antecipação que não tem amparo no instituto da tutela cautelar está prevista no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, referente a incontroversia de um ou mais pedidos cumulados ou parcelas dele, introduzida no ordenamento jurídico processual pela Lei n. 10.444, de 07.05.02, 41 que permite a antecipação da tutela nos casos em que não houver um confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor. 42 7 - Direitos Fundamentais dos Litigantes O direito nacional é caracterizado pela supremacia da Constituição Federal, a qual estabelece princípios, básicos e fundamentais, para o nosso ordenamento jurídico, fixando critérios e os limites da legislação ordinária. A Constituição apresenta em seu art. 5º, direitos e garantias fundamentais, que devem ser respeitados e cumpridos. As normas da legislação infraconstitucional devem ser interpretadas e aplicadas de forma compatível com os princípios da Constituição, concretizando e harmonizando os direitos fundamentais. O aplicador do direito, freqüentemente se depara com situações, em que princípios constitucionais apresentam aparentes conflitos uns com os outros. Inexiste hierarquia a ser aventada entre as múltiplas garantias fundamentais, cabendo ao interprete harmonizar estas colisões de princípios, ponderando bens e valores concretamente tencionados, e elegendo qual irá prevalecer. Tanto pela via da legislação ordinária, a qual pode prever certas tensões, como pela via judicial direta, os conflitos entre as garantias fundamentais devem ser harmonizados. Para solucionar as tensões decorrentes dos conflitos de direitos, o doutrinador Teori Albino Zavascki aponta três princípios básicos: o princípio da necessidade, pelo qual deve ser real o conflito entre os diversos princípios 43 constitucionais, não podendo haver uma convivência simultânea; o princípio da proporcionalidade, segundo o qual se busca a harmonização do conflito restringindo-se de forma mínima o direito fundamental; por fim, o princípio da salvaguarda do núcleo essencial, não admite como legítima a regra que elimine um direito fundamental. 17 Pode-se afirmar que no instituto da tutela antecipada há conflitos de valores constitucionais. A Constituição Federal garante o acesso pleno e irrestrito de todos ao Poder Judiciário, não excluindo da sua apreciação e solução nenhuma lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Mas a prestação da atividade jurisdicional deve ser revestida de efetividade e tempestividade, proporcionando um resultado prático equivalente ao direito subjetivo material que se afirmou violado ou ameaçado de violação. Como bem ponderou o Professor Kazuo Watanabe: “O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente 17 Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 63. 44 jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução”. 18 No instituto da tutela antecipada, o direito fundamental do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), muitas vezes, torna-se incompatível com a efetividade da jurisdição, uma vez que o fator tempo, invariavelmente, proporciona risco de perecimento do direito reclamado. Diante disto, surgem conflitos entre os direitos fundamentais dos litigantes, apresentando de um lado a efetividade da tutela jurisdicional, e de outro, o da segurança jurídica. 7.1 - A efetividade da jurisdição Todo litigante que ingressa em juízo têm direito a uma prestação jurisdicional por parte do Estado, o qual têm o poder-dever de promover a composição da lide em substituição da atividade dos envolvidos em conflito. Com a finalidade de obter uma tutela jurisdicional que solucione o conflito de interesse e proporcione a satisfação do direito, assegura-se ao indivíduo a garantia de que a pretensão submetida à apreciação do Estado seja de modo eficaz e célere correspondida. 18 Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São 45 O Estado deve garantir uma sentença útil, capaz de propiciar ao litigante vitorioso a concretização efetiva e prática da tutela. A jurisdição estatal somente se tornará efetiva, se realizada de modo a permitir sua real implementação prática, e desde que prestada em prazo razoável. Os litigantes não podem sofrer a injustiça de ter inviabilizada toda eficácia prática da tutela, ante dilações indevidas do prazo na busca da exaustão do conhecimento. Muitas vezes, as amplas faculdades inerentes ao contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal), asseguradas ao opositor, apresentam-se como medidas antagônicas, no que se refere à celeridade da prestação jurisdicional, impedindo que o titular do direito subjetivo obtenha uma tutela útil e satisfatória. 7.2 - A segurança jurídica A Constituição federal garante a todos os litigantes, que a sua liberdade e seus bens, não serão privados, sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), assim como, assegura o contraditório, a ampla defesa e a interposição de recursos (art. 5º, LV, da Constituição Federal). É direito fundamental dos litigantes a cognição completa exauriente, ou seja, a sentença Paulo: Saraiva, 1996, p. 20. 46 de mérito somente se tornará imutável após ampla fase de discussão entre os litigantes, e a formação definitiva do convencimento do magistrado. O princípio do contraditório garante aos litigantes pleno direito de defesa e de manifestação durante todo o curso do processo, possibilitando as partes ampla participação, sob pena de nulidade. Entretanto, em certas situações, como no caso das tutelas de urgência, o magistrado deve se pronunciar antes mesmo da defesa do demandado, com a finalidade de garantir a efetividade da tutela requerida. Nestes casos, o juiz não deixará de observar o contraditório, mas apenas irá protelar o momento de seu exercício, para depois do acolhimento da providência judicial de urgência. O magistrado após assegurar o resultado útil e eficaz do processo, irá estabelecer o contraditório e a ampla defesa antes da solução definitiva da causa. Dessa forma, há apenas uma inversão no momento da aplicação dos princípios da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica. As partes litigantes têm a oportunidade de estabelecer pleno debate sobre o interesse disputado, podendo justificar e comprovar o seu pleito, exaurindo-se todas as formas de participação antes da prolação da decisão final imutável. 47 7.3 - Harmonização dos Direitos Como restou demonstrado, os princípios fundamentais da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica, hierarquicamente importantes, são mutuamente opostos e conflitantes. Pois o fator tempo, que para a implementação da segurança jurídica é indispensável, torna-se um entrave para a efetivação da prestação jurisdicional. Para mitigar as tensões entre tais direitos fundamentais, o legislador viabilizou ao juiz a possibilidade de estabelecer a prevalência do direito fundamental à efetividade do processo sobre o da segurança jurídica, nas ações com pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito. Assim como, o juiz tem a possibilidade de utilizar-se do “poder geral de cautela” para deferir medidas cautelares inominados. Cabe aos órgãos jurisdicionais conciliarem os conflitos entre a efetividade jurisdicional e a segurança jurídica adequando ao caso concreto e harmonizando a contradição entre os referidos princípios. O juiz deverá observar o princípio da necessidade para protelar a garantia do contraditório quando a prestação jurisdicional, requerida pela parte, estiver comprovadamente em risco de perder sua utilidade. Neste caso, o magistrado deverá inverter a seqüência cronológica dos atos a serem praticados, formulando 48 um provimento jurisdicional capaz de satisfazer a pretensão da parte, para em um segundo momento observar o contraditório. 49 8 – Pressupostos O julgador para aplicar o instituto da antecipação dos efeitos da tutela deve observar todos os requisitos previstos no caput do art. 273 do Código de Processo Civil, e mais um de seus incisos. A antecipação da tutela depende de que “prova inequívoca” convença o magistrado da “verossimilhança” das alegações da parte, conjugada com o “fundado receio” de que a previsível demora no andamento processual cause ao demandante “dano irreparável ou de difícil reparação”; ou, de forma alternativa, esteja caracterizado o “abuso de direito de defesa”, podendo ser representado pelo “manifesto propósito protelatório do réu”. Podemos observar que para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, necessário o preenchimento de pressupostos genéricos e específicos. Não cabe ao juiz agir de forma discricionária no exercício da jurisdição. O magistrado, ao analisar os fatos do processo, deverá conceder a antecipação da tutela se estiverem presentes os requisitos para sua implementação, não obstante o uso da expressão “poderá” no caput do dispositivo legal. 50 Mas para a concessão da medida antecipada, diversamente da medida cautelar, que admite em casos excepcionais a liminar de ofício (art. 797 do Código de Processo Civil), a antecipação da tutela somente pode ser deferida a requerimento da parte, permanecendo sempre sujeito ao interesse dos litigantes. O requisito da provocação da parte interessada está insculpido no art. 2º do Código de Processo Civil, o qual estabelece que a tutela jurisdicional somente será prestada quando requerida pela parte. 19 8.1 – Legitimados a requerer a tutela antecipada A tutela antecipada pode ser requerida tanto pelo autor como pelo réu reconvinte. A reconvenção é uma ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo por este instaurado, pleiteando uma tutela jurisdicional. Dessa forma, o réu reconvinte pode requerer a medida antecipada. O réu também pode requerer a tutela antecipada nas ações dúplices, nas quais pode formular pedido na própria contestação. Podemos citar como exemplo de ações dúplices a ação revisional de aluguel prevista na Lei n. 8.245/91. 51 Assim como, a tutela antecipada pode ser requerida por meio do pedido contraposto, sem a necessidade de utilizar-se do procedimento próprio da via reconvencional, formulando-o na própria contestação. O exemplo de pedido contraposto está previsto no art. 922 do Código de Processo Civil, no qual o réu pode pleitear, na contestação das ações possessórias, a proteção e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor. Poderá, também, ser requerida a tutela antecipada pelo opoente, autor na oposição; pelo devedor, na ação de embargos à execução; pelos intervenientes, como assistente litisconsorcial e o Ministério Público como custos legis; pelo autor contra o réu originário e os chamados ao processo. Por fim, interessante apontar a divergência no pensamento de Athos Gusmão Carneiro20 e Luiz Guilherme Marinoni21, no que tange a denunciação da lide. O primeiro não admite a possibilidade de se conceder a antecipação da tutela, por se tratar a denunciação de uma ação regressiva em caráter condicional, não configurando o “juízo de verossimilhança” bem como a “referência” na prevenção do dano. Já Marinoni entende ser possível a antecipação em face do denunciado, quando esta já tenha sido deferida em face do réu-denunciante. 19 “Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais”. 20 Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense,2002, pp. 57-58. 21 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 174-175. 52 8.2 – Prova inequívoca da alegação A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional subordina-se aos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, dentre os quais a prova inequívoca dos fatos sobre os quais incidirá a cognição do Juízo. A palavra inequívoca diz respeito a algo certo, seguro, que não dá margem a erro ou engano. Entretanto, prova alguma é inequívoca, porque simplesmente não há prova que transmita certeza absoluta de um fato ou de um acontecimento, pois o juízo sobre fatos no processo é juízo de verossimilhança e não de certeza. Como concluí J. E. Carreira Alvim, “ prova inequívoca deve ser considerada aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser levantada qualquer dúvida, ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável”. O respeitado doutrinador adverte que inequívoco deve ser o fato, e não a prova, uma vez que esta não é senão o meio de revelar aquele. 22 22 J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 67. 53 Exige-se uma prova robusta capaz de formar no convencimento do julgador a verossimilhança da alegação da parte. Não é exigida a certeza, mas também, não pode pairar a dúvida no convencimento do magistrado. O que se busca é a probabilidade de que a versão aceita seja verdadeira, ainda que não seja suficiente para a declaração da existência ou não do direito. Como bem ponderou Kazuo Watanabe: “ prova inequívoca não é a mesma coisa que ‘fumus boni iuris’ do processo cautelar. O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo em simples ‘fumaça’, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de direito”. 23 Não se exige para a concessão da tutela antecipada apenas a constituição de prova documental, a ser apresentada com a petição inicial, podendo ser apresentada no curso do processo através de justificação ou antecipação da fase probatória. As provas testemunhais, periciais, os laudos e pareceres de especialistas, assim como, o requerimento de que sejam ouvidas testemunhas, ou o próprio réu, podem ser utilizadas para incutir no espírito do julgador o juízo de verossimilhança das alegações, capaz de autorizar a antecipação da tutela. 54 Interessante notar a divergência instalada entre os pensamentos de Cândido Rangel Dinamarco e J. J. Calmon de Passos, no que tange o pressuposto da prova inequívoca para a concessão dos efeitos da tutela antecipada. O último entende que a prova inequívoca há de se apresentar com a mesma carga de potencialidade com que há de ter para servir à decisão final procedente. 24 Já o primeiro, defende que não há necessidade desse extremo probante, sendo necessário apenas a revelação suficiente da solução do fato. 25 A prova inequívoca precisa formar o convencimento do magistrado quanto a probabilidade da existência do direito afirmado, pois se for suficiente para o juiz declarar a existência do direito material, o caso seria de julgamento antecipado da lide e não de antecipação de tutela. Não se concebe a antecipação sem que se entreveja como provável o julgamento da causa em favor do requerente. 8.3 – Verossimilhança da alegação 23 Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 33-34. 24 J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 192-193. 25 Cândido Rangel Dinamarco. A reforma do Código de Processo Civil. 4.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 145-146. 55 O segundo requisito genérico, de natureza probatória, indispensável para a concessão da tutela antecipada é a verossimilhança da alegação. Pode-se dizer que verossímil é aquilo que parece verdadeiro, que tem aparência de verdade, ou seja, o que tem probabilidade de ser verdadeiro. Como já afirmado, o juízo de verossimilhança vai além do requisito do “ fumus boni iuris” presente nas medidas cautelares, caracterizado pela aparência do bom direito. Porém é menos do que a certeza, indispensável para o julgamento antecipado da lide. Ao tratarmos da verossimilhança da alegação, necessário se faz estabelecer a diferença entre as noções de possibilidade e probabilidade. J. E. Carreira Alvim ao tratar do assunto, aponta o ensinamento de Malatesta, o qual tomou como base de cálculo do raciocínio a probabilidade, por apresentar-se mais próxima da realidade, estabelecendo graus que vai do “verossímil” (probabilidade mínima), passando pelo “provável” (probabilidade média), e chegando no “probabilíssimo” (probabilidade máxima). 26 O pensamento de Calamandrei também é apontado por J. E. Carreira Alvim, apresentando a verossimilhança mais próxima da probabilidade máxima. 56 O festejado doutrinador entende que “possível” é o que pode ser verdadeiro; “verossímil” é o que tem aparência de verdadeiro; e “provável” é o que se pode provar como verdadeiro. 27 Dessa forma, podemos afirmar que o juízo de verossimilhança tem um grau de convencimento superior à possibilidade e inferior à probabilidade. O fato de ter a lei vinculado o convencimento da verossimilhança da alegação à prova inequívoca, é sinal de que a probabilidade identificada na verossimilhança, não significa de forma alguma um grau mínimo de provável realidade da alegação. Ao contrário, tem-se que na tutela antecipada, o grau de probabilidade que decorre da prova inequívoca se não é, está muito próximo do máximo. Importante ressaltar que a verossimilhança reflete o juízo intimo do magistrado, representando um critério subjetivo da analise das alegações, dos fatos e das provas. 8.4 – Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação 26 J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 57. 27 J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 58-59. 57 A concessão da tutela antecipada visa evitar a demora da prestação judicial. Para tanto, além da configuração da alta probabilidade existente no juízo de verossimilhança, e a apresentação da prova inequívoca, o legislador exigiu que diante da demora da prestação jurisdicional ficasse caracterizado o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (inc. I do art. 273 do Código de Processo Civil). Este requisito confunde-se com o já conhecido instituto inerente às medidas cautelares, denominado “ periculum in mora”, ou seja, o perigo na demora. O requisito da medida cautelar está previsto no art. 798 do Código de Processo Civil,28 e se reporta ao fundado receio de “lesão grave e de difícil reparação”. Conforme nos ensina J. E. Carreira Alvim, o receio, que a lei prevê, “traduz a apreensão de um dano ainda não ocorrido, mas prestes a ocorrer, pelo que deve, para ser fundado, vir acompanhado de circunstâncias fáticas e objetivas, a demonstrar que a falta dará ensejo à ocorrência do dano, e que este será irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação”. 28 29 “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”. 29 J. E. Carreira Alvim. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 70. 58 Assim, o perigo que possa justificar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação deve ser cristalinamente demonstrado, não sendo suficiente para a antecipação, o mero temor, desacompanhado de elementos que corroborem para com as assertivas deduzidas no pedido. Necessário demonstrar a relação de causa e efeito entre a demora na emissão do provimento e os prejuízos que possam decorrer de tal demora, sob pena de faltar interesse processual para o requerimento da antecipação da tutela. Ao tratar do assunto, Teori Albino Zavaski, afirma: “O risco de dano irreparável ou de difícil reparação, e que enseja antecipação assecuratória, é o risco concreto (e não hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo), e grave (vale dizer, o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente, não se justifica a antecipação da tutela”. 30 O juiz irá analisar a situação do autor, observando fatores meramente objetivos, e decidirá se há necessidade de se conceder a antecipação da tutela, sem que seja considerado o comportamento do réu. 8.5 – Abuso de direito de defesa 30 Teori Albino Zavaski. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 77. 59 O inc. II do art. 273 do Código de Processo Civil estabelece que poderá ser concedida a antecipação da tutela, desde que presentes os requisitos do caput, se ficar demonstrado o “abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. O requisito previsto no inc. II desvinculou os pressupostos da urgência e do dano, para a concessão da antecipação da tutela, ligando o requisito a aparência do bom direito, derivado da falta de consistência na defesa apresentada. Para facilitar a interpretação dos requisitos, iremos analisá-los separadamente. No estudo do abuso de direito de defesa, encontramos a opinião de J. J. Calmon de Passos, que nos ensina que: “Talvez a melhor maneira de definir o abuso de direito seja dizer-se que ele ocorre quando exercita, além do limite necessário, o direito que se tem, ou quando esse exercício objetiva não alcançar a tutela que ele se associa e é devida a seu titular, sem outro fim, mesmo lícito que seja ou moralmente justificável. Todo desvio de finalidade é um abuso”. 31 31 J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 198. 60 Podemos compreender defesa como sendo qualquer manifestação do réu no processo, e caracterizar o “abuso de direito de defesa”, quando esta é utilizada de forma infundada visando retardar o desenvolvimento do processo, com apresentação exceções, objeções e contestações sem fundamento. O Código de Processo Civil prevê no art. 17 casos de litigância de má-fé. Exemplos de abuso de direito de defesa estão previstos no referido artigo no inciso I, o qual diz respeito a dedução de defesa contra texto expresso em lei ou fato incontroverso, assim como, no inciso II, que trata da alteração da verdade do fato. 8.6 – Manifesto propósito protelatório A segunda parte do inc. II do art. 273 do Código de Processo Civil, trata do “manifesto propósito protelatório do réu”. Caracterizado por ser a intenção clara do demandado de procrastinar o andamento do processo, evidenciada pela utilização exorbitante do direito de resposta, provocando incidentes, ou praticando atos isolados temerários. J. J, Calmon de Passos definiu como protelatório “tudo que retarda, sem razão atendível, o andamento do feito. E esse intuito é manifesto quando desprovido o ato, tido como protelatório, de justificação razoável, vale dizer, 61 quando dele não poderá resultar proveito processual lícito para o interessado em sua prática”. 32 O que justifica na verdade a antecipação da tutela, não é a intenção de protelar, mas a efetiva realização de atos ou omissões praticados pelo réu, com o intuito de retardar o andamento do processo, oferecendo defesa, por exemplo, apenas para impedir o julgamento antecipado da lide. O exemplo que revela a intenção de procrastinar está previsto no inc. VI do art. 17 do Código de Processo Civil, reputando-se à má-fé do litigante que provoca incidentes manifestamente infundados. 8.7 – Pedido incontroverso A Lei n. 10.444, de 07.05.02, introduziu o § 6º no art. 273 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: “ A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. O legislador possibilitou a antecipação da tutela quando não houver questionamento de algum dos pontos de fato contidos na petição inicial. Não 32 J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. 62 será necessário demonstrar o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, nem tão pouco “o abuso de direito de defesa e o manifesto propósito protelatório do réu” para que seja concedida a antecipação requerida. Nos ensina Luiz Guilherme Marinoni, defensor ferrenho da “tutela antecipatória através das técnicas da não-contestação e do reconhecimento (parcial) do pedido”, ante a impossibilidade do julgamento antecipado de parcela do pedido, informando que “caso o réu não conteste os fatos constitutivos relativos a um dos pedidos apresentados pelo autor, e o juiz entenda que dos fatos narrados decorre o direito pretendido, tal direito deve poder ser realizado desde logo, não havendo razão para o autor ter que esperar a instrução dilatória para o julgamento dos outros pedidos formulados”. 33 Dessa forma, não havendo um confronto de alegações em torno de um fato alegado pelo autor, o juiz poderá conceder a antecipação dos efeitos da tutela quanto a este pedido incontroverso, por meio de uma decisão interlocutória. 33 São Paulo: Saraiva, 1996, p. 199. Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.200. 63 9 – Necessidade de fundamentação do ato jurisdicional Pode-se dizer que seria desnecessária a inserção do requisito expresso no § 1º do art. 273, o qual prevê que “na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento”. A exigência de se expor de forma clara e precisa as razões do convencimento do julgador, já encontrava guarida no texto constitucional. O inc. IX do art. 93 da Constituição Federal34 estabelece que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade. A necessidade do magistrado fundamentar a sua decisão, também está prevista no § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil.35 Luiz Guilherme Marinoni adverte sobre a necessidade da fundamentação nas decisões irreversíveis, devendo o legislador apresentar de forma clara a incidência, assim como, a aplicação do princípio da proporcionalidade aos interesses em conflito, afirmando que: “Quando a tutela puder produzir um 34 “Art. 93. (...) “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”; 35 “Art. 273. (...) “§ 4º A tutela antecipada pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. 64 efeito fático irreversível, deverá o juiz justificar a razão pela qual optou pelo risco, inclusive considerando o valor dos bens envolvidos”. 36 Esta exigência serve como mecanismo de limitar possíveis abusos praticados pelos órgãos jurisdicionais. A fundamentação dá uma maior garantia as decisões prolatadas, de forma a explicitar as razões que fundaram o convencimento do magistrado. O juiz ao fundamentar a decisão que concede, bem como a que denega a antecipação da tutela, estará pronunciando-se sobre as questões de fato e de direito, apresentando o sentido geral do julgamento. Necessário frisar que as decisões que não forem fundamentadas poderão ser tidas como nulas. 36 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.216. 65 10 – O perigo da irreversibilidade A reversibilidade do provimento deve ser entendida como regra para a concessão da tutela antecipada, podendo apenas em casos excepcionais não ser observada. A referida regra está prevista no § 2º do art. 273 do Código de Processo Civil, com o seguinte enunciado: “ Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. A lei impôs mais um requisito a ser observado para a concessão da antecipação da tutela, ao lado dos requisitos previstos no caput e nos incisos do art. 273 do Código de Processo Civil. Deverá ser observada a possibilidade da situação fática afetada pela decisão interlocutória possa ser devidamente recomposta, se a decisão vier a ser reformada em grau de agravo ou cassada pela sentença. Necessário advertir que irreversível não é o provimento, pois podemos afirmar que o provimento pode ser revogado ou modificado, mas o que na verdade é irreversível é a conseqüência fática que resulta desse provimento, o qual corre o risco de não ser reposto no estado anterior. 66 Teori Albino Zavascki informa que “antecipar irreversivelmente seria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício este que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo”. 37 Quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela será inadmissível. Mas esta regra deverá ser observada com critério, para não prejudicar um interesse maior. Assim, como consta do Resp. n. 417005, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, do qual foi relator Min. Ruy Rosado de Aguiar: “ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Tratamento médico. Atropelamento. Irreversibilidade do provimento. A regra do § 2º do art. 273 do CPC não impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato atendimento médico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que exista o perigo de irreversibilidade do provimento antecipado” (DJU 19.12.2002, p. 368). Para não obstar o deferimento da antecipação da tutela, privilegia-se o direito provável em relação ao improvável. Podendo o juiz, em certas ocasiões, prover-se de meios adequados à reversibilidade, como por exemplo, exigência de caução, a fim de garantir a reparação de uma eventual indenização. Neste 37 Teori Albino Zavascki. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 97. 67 ponto a doutrina não é unânime, não admitindo como reversível a possibilidade de ressarcimento mediante pecúnia. 11 – Revogação e modificação O § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil prevê que “A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. O legislador autorizou o magistrado a modificar ou revogar as decisões antecipatórias, a qualquer tempo, enquanto desenvolver-se a relação processual. Face a precariedade do provimento antecipado, com base em um juízo provável, há a possibilidade da decisão ser revogada ou modificada. Por se tratar de uma decisão interlocutória que não põe termo ao processo, a tutela antecipada pode ser revogada ou modificada em face de novas circunstâncias apresentadas pela parte, assim como, com o surgimento de novas evidências sobre a situação de fato, diante do desenvolvimento do contraditório. O surgimento de novo fundamento de fato ou a mudança de estado da prova, autoriza o magistrado a revogar a medida anteriormente concedida, ou modificá-la de forma a ajustar a nova situação. Necessário frisar que assim 68 como para a sua concessão, o juiz somente poderá revogar a medida antecipada em razão do requerimento da parte. O magistrado não poderá agir de ofício, conforme entendimento de Luiz Guilherme Marinoni.38 Entretanto, há posicionamento contrário defendendo a possibilidade do juízo de retratação de ofício, representado por Athos Gusmão Carneiro.39 Da decisão interlocutória poderá ser interposto agravo de instrumento. A parte poderá agravar, requerendo ao relator a suspensão dos efeitos da decisão antecipatória até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara, com base no art. 558 do Código de Processo Civil, assim como, requerer o deferimento da antecipação da tutela, com base no inc. III do art. 527 do Código de Processo Civil. No caso da revogação da medida antecipada, deverão ser restituídas as coisas ao estado anterior, nos próprios autos, como ocorre nas execuções provisórias, medida prevista no inc. III do art. 588 do Código de Processo Civil. A tutela antecipada, como representante das tutelas provisórias, está destinada a durar até que sobrevenha tutela definitiva que a sucederá com 38 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p.218. 69 eficácia semelhante. A medida provisória está vinculada com a definitiva, pois antecipa provisoriamente os efeitos desta. O caráter temporário e precário da tutela provisória está previsto no § 5º do art. 273 do Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte: “ Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”. O juiz ao julgar procedente o pedido, prolatando a sentença de mérito que convalida a concessão da tutela antecipada, possibilitará que a eventual execução provisória torne-se definitiva, se a satisfação não tenha se completado, ou se a satisfação já se efetivou, a antecipação da tutela passará a ter a eficácia da declaração contida na sentença, no momento em que esta transitar em julgado. Nesse caso, o eventual recurso de apelação será recebido apenas no efeito devolutivo, conforme o enunciado do inc. VII do art. 520 do Código de Processo Civil.40 Conforme o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni, a sentença condenatória não apenas substitui a decisão que concedeu a antecipação da tutela. Há de se observar que quando “ocorre o trânsito em julgado da sentença antes da plena realização do direito, a sentença de cognição exauriente e 39 40 Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105. “Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: “VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela”; 70 definitiva empresta carga declaratória à decisão proferida com base em cognição sumária, transformando a tutela antecipada em tutela final. A ‘execução’ prossegue como definitiva não porque pode levar a realização do direito, mas sim porque o direito em que se funda já foi declarado com força de coisa julgada material”. 41 Já no caso dos efeitos da tutela terem sido concedidos antecipadamente e posteriormente a sentença julgar o pedido improcedente, a tutela será revogada, retornando as coisas ao estado anterior nos termos do inc. III do art. 588 do Código de Processo Civil.42 Devendo-se aplicar de forma análoga a Súmula n. 405 do Supremo Tribunal Federal.43 Entretanto, há posicionamentos na doutrina que aceitam em hipóteses excepcionais a possibilidade do juiz manter a medida antecipada até o trânsito em julgado de um eventual recurso, nos casos em que haja receio de que revogação da medida possa causar prejuízos irreparáveis. Neste ponto, informa Athos Gusmão Carneiro que “não é de excluir, entretanto, que em casos excepcionais o magistrado possa (= deva) manter a antecipação de tutela para 41 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 221. Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: “III – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindose as partes ao estado anterior”; 43 “Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”. 42 71 que seus efeitos persistam na pendência do recurso, assim o declarando expressamente na sentença de improcedência”. 44 44 Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107. 72 12 – Fungibilidade O legislador passou admitir a concessão de provimentos cautelares no bojo do processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de um processo com objetivo exclusivo de obter um provimento acautelatório. A Lei 10.444, de 07.05.02, introduziu o § 7º no art. 273 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: “ Se o autor, a título de antecipação da tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir medida cautelar incidental do processo ajuizado”. O magistrado poderá admitir a medida cautelar, mesmo quando requerida como tutela antecipada, se o pedido tem natureza cautelar e preencha os seus requisitos. Trata-se do princípio da fungibilidade entre duas tutelas de urgência. Ao interpretar o § 7º do art. 273, Luiz Guilherme Marinoni afirma que “Se a tutela foi batizada de ‘antecipatória’, mas a sua substância é ‘cautelar’, ela pode ser deferida no bojo do processo de conhecimento, desde que haja dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza”. 45 45 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 154. 73 Cândido Rangel Dinamarco afirma que a fungibilidade pode ser concedida em um duplo sentido vetorial, advertindo que “O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção”. 46 46 Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. 5.ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 92. 74 13 – Procedimento 13.1 – Formalização do pedido O requerimento de antecipação dos efeitos da tutela deverá ser formulado no âmbito da própria ação em que se pleiteia a tutela definitiva. A parte deverá requerer expressamente a antecipação, expondo os fatos e fundamentos de direito da pretensão, sem que seja necessário inaugurar nova relação processual. O juiz não poderá conceder a antecipação da tutela de ofício, estando esta sempre dependente de requerimento da parte. Se requerida na inicial, o autor deverá declinar os fundamentos que sustentam a sua pretensão, demonstrando de plano a situação de perigo de dano, e os efeitos satisfativos que pretende ver antecipado. No caso da antecipação ser requerida no curso do processo, deverá ser demonstrado o perigo de dano ou o comportamento abusivo ou protelatório do réu, e para ambos os casos, também, devem ser requeridos os efeitos satisfativos que a parte pretende antecipar. A tutela antecipada pode ser concedida liminarmente, antes mesmo da citação da parte contrária. Para tanto, deve se demonstrar que o perigo de dano 75 precede ou é contemporâneo ao ajuizamento da ação, e que haja necessidade de se antecipar os efeitos satisfativos. Esse é o posicionamento de Teori Albino Zavascki.47 No entendimento de J. J. Calmon de Passos: “Inexiste possibilidade de antecipação da tutela, no processo de conhecimento, antes da citação do réu e oferecimento de sua defesa ou transcurso do prazo para ele previsto”, 48 uma vez que há necessidade de prova inequívoca para concessão da antecipação da tutela. Entretanto, este posicionamento não reflete o entendimento de grande parte da doutrina. Ponto interessante a ser discutido, diz respeito à possibilidade da concessão da tutela antecipada na própria sentença de mérito. Para Teori Albino Zavascki há duas soluções possíveis. Não será necessário a concessão do provimento antecipatório se a sentença não comportar reexame necessário e nem apelação com efeito suspensivo, podendo nesse caso executar provisoriamente a própria sentença. Entretanto, se a sentença comportar reexame necessário ou apelação com efeito suspensivo, a antecipação da tutela será deferida na própria sentença, “nada mais significará do que autorização para execução provisória”. 49 47 Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 80. J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 193. 49 Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 81. 48 76 Na opinião de Luiz Guilherme Marinoni, poderá ser concedida a tutela antecipada concomitantemente com a decisão exauriente, “na mesma folha de papel, e no mesmo momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela, e a sentença, que então confirmará a tutela já concedida, e não poderá ser atacada através de recurso de apelação que deva ser recebido no efeito suspensivo (nesta situação, então, aplica-se o art. 520, VII do Código de Processo Civil)”. 50 Para o doutrinador, a possibilidade de se conceder a tutela antecipada na própria sentença, permite que a apelação contra esta seja recebida apenas no efeito devolutivo, por ter confirmado a concessão daquela. Ao passo que a decisão interlocutória de concessão da antecipação será atacável por intermédio de agravo de instrumento, recebido apenas no efeito devolutivo. Para J. E. Carreira Alvim é possível à concessão da tutela antecipada em qualquer momento do processo antes da sentença com fundamento no art. 273 do Código de Processo Civil, e inclusive por ocasião da sentença. Entretanto, o jurista ao admitir a concessão da tutela antecipada na própria sentença, informa que o juiz não “antecipa os efeitos da tutela”, mas sim “antecipa os efeitos da sentença”, e no caso de interposição de eventual recurso de apelação, este será recebido apenas no efeito devolutivo, uma vez que o magistrado tem a 50 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 189. 77 possibilidade de decidir quais efeitos irá receber o recurso, com base nos arts. 518 e 520, VII, ambos do Código de Processo Civil.51 No caso da tutela antecipada ser requerida após a sentença, parte da doutrina entende que há possibilidade de se pleitear a medida satisfativa perante ao tribunal competente. Caberá ao relator do recurso deferir ou não o pedido de antecipação da tutela, se presente os seus pressupostos, uma vez que o juiz de primeiro grau tendo proferido sentença, já completou sua atividade, não mais podendo inovar no processo. Atualmente, no recurso de agravo de instrumento, interposto em face da decisão que denegou a concessão da tutela antecipada, poderá ser solicitado ao relator que a antecipe liminarmente, representando a antecipação da tutela recursal, prevista no inc III do art. 527 do Código de Processo Civil. 13.2 – Competência Destacamos que a autoridade competente para apreciar o pedido de antecipação da tutela é a mesma que tem competência para apreciar o mérito sobre o objeto principal da demanda. 51 “Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder”. “Parágrafo único. Apresentada a resposta, é facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso”. 78 Nas palavras do jurista J. J. Calmon de Passos: “Competente para apreciar o pedido de antecipação, portanto, aquele a quem tal pedido deve ser dirigido, é o magistrado que, no iter processual em que o pedido de antecipação é formulado, tenha competência para apreciar o mérito da causa cujo objeto é a tutela que se pretende antecipar. Normalmente, o juiz da causa, até que profira sua decisão definitiva”. 52 O eminente doutrinador, supra mencionado, entende que o magistrado que já proferiu a sentença não tem competência para apreciar o requerimento de antecipação da tutela. O juiz que já prolatou a sentença somente poderá promover alterações na decisão por força de oposição de embargos de declaração ou para corrigir inexatidões materiais ou erros de cálculos. No tocante a competência do segundo grau de jurisdição, Calmon de Passos afirma que a tutela antecipada somente poderá ser deferida pelo órgão colegiado, “ainda que dirigida ao relator, será objeto de tratamento procedimental idêntico ao que se prevê para exame do mérito do recurso, em 52 J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 202. 79 que se postula a tutela que se deseja ver antecipada”. 53 Afastando, assim, a competência do relator, para a concessão, ou não da tutela antecipada. Ao meu ver, nos casos do requerimento de antecipação da tutela dirigido ao Tribunal, caberá ao Presidente da referida corte ou ao relator, conforme previsão do regimento interno do órgão, deferi-la ou negá-la, observando todos os pressupostos para a sua concessão. Temos como características básicas das medidas antecipadas, a urgência e provisoriedade, o que certamente só pode ocorrer quando estamos diante de uma cognição sumária. Impor a decisão da antecipação da tutela para o momento final do procedimento poderá acarretar a ineficácia da medida antecipada. A decisão que confere ou denega a antecipação da tutela deve ser exercida em momento anterior a cognição exauriente pela turma ou câmara do Tribunal. 13.3 - Recurso Das decisões interlocutórias caberá recurso de agravo de instrumento, ou seja, as decisões que não põem fim ao processo apenas resolvendo questões incidentes no curso deste (art. 162, § 2º, do Código de Processo Civil). Dessa forma, há possibilidade de continuação do procedimento, sem que os autos 53 J. J. Calmon de Passos. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. 80 sejam encaminhados à estância superior, o que provocaria a procrastinação do feito. A concessão da antecipação da tutela, nessa ordem de idéias, é uma decisão interlocutória que pode ser atacada por agravo de instrumento, o qual deverá ser interposto no Tribunal no prazo de dez dias a partir da intimação da decisão proferida. A princípio o recurso de agravo de instrumento não tem efeito suspensivo. Entretanto, o relator poderá atribuir o efeito suspensivo, ou, até mesmo, conceder a antecipação da tutela, conforme prevê o inc. III do art. 527 do Código de Processo Civil. Ao relator, também é conferido o poder de suspender a decisão agravada até a decisão definitiva, da turma ou câmara, quando requerido pelo agravante, nos casos previstos no art. 558 do Código de Processo Civil, ou seja “nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave ou de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação”. (grifo nosso) São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204. 81 Conforme exposto anteriormente, também é possível deferir a antecipação da tutela na própria sentença de mérito, como capítulo desta. Neste caso, somente será cabível o recurso de apelação, o qual será recebido apenas no efeito devolutivo, no que tange a antecipação dos efeitos da tutela, e nos efeitos suspensivo e devolutivo quanto aos demais pontos da sentença atacada. 82 14 – Os efeitos antecipados A antecipação da tutela visa realizar o direito do autor, portanto, deve ser concedida por ato judicial capaz de conduzir à efetividade do exercício do direito. A medida antecipada tem por finalidade dar eficácia a tutela pretendida, por meio de uma cognição sumária, buscando assim antecipar os efeitos executivos da futura sentença de procedência, não podendo ficar restrita ao processo de execução. Antecipar os efeitos significa satisfazer de forma concreta o requerido pela parte. Em se tratando de medida que visa garantir a efetividade do exercício do direito, o § 3º do art. 273 do Código de Processo Civil, com a nova redação dada pela Lei n. 10.444 de 07.05.02, estabelece como se realizará esta efetivação. O § 3º do referido artigo assim prescreve: “A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”. Uma das características da antecipação da tutela é que para a sua efetivação não se exige uma ação autônoma de execução. Entretanto, a satisfação do direito poderá ser exercitada por meio de uma execução provisória que realize o direito do autor, submetida no que couber nas determinações previstas no art. 588 do Código de Processo Civil. Poderá ser utilizada conforme 83 a natureza da tutela antecipada, tanto nas hipóteses em que se deseja um fazer ou um não-fazer, como nos casos em que se pretende soma em dinheiro. Conforme pronunciou Luiz Guilherme Marinoni: “Provisório, na verdade, é o título no qual pode se fundar a execução incompleta (dita provisória)”. 54 Com base nesse “título” a execução provisória poderá ser requerida, observando as normas previstas nos incisos do art. 588 do Código de Processo Civil. Primeiramente, o inc. I do art. 588 do Código de Processo Civil, estabelece a possibilidade do exeqüente responder pelos danos causados pela execução da tutela antecipada, sem que se perquira a existência de dolo ou culpa. O inc. II, do mesmo artigo, obriga a prestação de caução idônea, como requisito para possibilitar a prática de atos suscetíveis de causar dano grave ao executado, nos casos de levantamento de depósito em dinheiro, e de alienação de domínio. A lei dispensa a exigência de caução nos casos de crédito de natureza alimentar, quando este não for superior a sessenta vezes o salário mínimo (§ 2º do art. 273 do Código de Processo Civil). Na execução provisória há previsão de se restituir as partes ao estado anterior, quando a decisão que concedeu a antecipação da tutela for modificada 54 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 237. 84 ou anulada por acórdão superveniente (inc. III do art. 273 do Código de Processo Civil). O cumprimento da decisão que concede a antecipação da tutela também poderá ocorrer na própria ação de conhecimento, desde que não tenha natureza condenatória. Para tanto, o juiz estabelecerá desde logo os meios executórios que poderão ser utilizados para a satisfação do direito. Nas ações declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas lato sensu a efetivação do direito não se fará mediante novo processo. Para Luiz Guilherme Marinoni “é possível dizer que o provimento antecipatório tem executividade intrínseca; ele não possui natureza condenatória e, assim, não exige a propositura de uma ação de execução. A fase de atuação do provimento antecipatório sumário não se separa – ou se destaca – do processo de conhecimento; ela se insere no próprio processo de conhecimento”. 55 Dessa forma, afasta-se a execução autônoma ex intervallo, permitindo uma maior celeridade a satisfação do processo, assegurando a efetividade da função jurisdicional. Sempre que necessário, o magistrado utilizar-se-á dos meios executivos previstos no art. 461, §§ 4º e 5º, assim como no art. 461-A, ambos do Código de Processo Civil. 55 Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240. 85 O juiz, na decisão antecipatória liminar ou na sentença, tem a possibilidade de aplicar multa diária ao réu, com a finalidade de coagi-lo a satisfazer a obrigação. A aplicação da multa não depende do requerimento do autor, sendo imposta para a efetivação da tutela pretendida, desde que suficiente e compatível com a obrigação (§ 4º do art. 461 do Código de Processo Civil). Também, está autorizado o magistrado determinar medidas necessárias para a efetivação da tutela específica, assim como para a obtenção de resultado prático equivalente, como previsto nos exemplos citados no § 5º do art. 461 do Código de Processo Civil. Nestes casos, o juiz poderá agir de ofício ou a requerimento da parte, de modo a impor multa por tempo de atraso, determinar a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, bem como, o impedimento de atividade nociva, com requisição de força policial se necessário. Necessário ressaltar o posicionamento de Kazuo Watanabe, com relação a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu: “Dentre os vários meios de execução possíveis, certamente as medidas de sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes. Bem se percebe que não estamos falando de sub-rogação comum, que é a conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumprida em perdas e danos. E 86 sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer ou não fazer ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente”. 56 Os meios coativos disponíveis ao magistrado para dar cumprimento a decisão antecipatória, representam um grande passo na busca de uma prestação jurisdicional célere e eficaz, capaz de proporcionar ao jurisdicionado a satisfação de seu direito. 56 Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 44. 87 15 – Tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer Quando requeremos a prestação jurisdicional, buscamos a realização do direito, de forma a satisfazer os nossos interesses o quanto antes possível. O processo ideal, nas palavras de Teori Albino Zavascki, “é o que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da prestação efetivamente devida, da prestação in natura. E quando isso é obtido, ou seja, quando se propicia, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de tutela jurisdicional específica”. 57 A tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, previstas no art. 461 do Código de Processo Civil, procuram dar efetividade a tutela jurisdicional requerida pela parte, valendo-se de provimentos mandamentais ou executivos lato sensu, e até mesmo da conjunção de ambos. Trata-se de satisfação das obrigações de fazer ou de não fazer, que podem ser representadas por tutelas preventivas dos direitos extrapatrimoniais, de caráter absoluto. As obrigações podem ser decorrentes de atos de vontade (negociais), assim como, nas que decorrem de imposição de lei, ou seja, deveres jurídicos de abstenção, tolerância, permissão ou prática de fato ou ato. 57 Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 137. 88 Nas ações em que se postula a realização de uma obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz irá conceder a tutela específica da obrigação, ou irá assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento, quando procedente o pedido. A execução do comando judicial será posta em prática no próprio processo de conhecimento, por meio de atos executivos lato sensu ou mandamentais, assim como pela conjunção de ambos, sem a necessidade de uma ação autônoma de execução. Somente quando não for possível a concessão da tutela específica, ou a realização de seu resultado prático equivalente, o juiz poderá converter a obrigação em perdas e danos, bem como se o autor assim o requerer, nos termos do § 1º do art; 461 do Código de Processo Civil Como prevê o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela será concedida “liminarmente ou mediante justificação prévia”, podendo a qualquer tempo ser revogada ou modificada. Para tanto, necessário que seja “relevante o fundamento da demanda” e haja “justificado receio da ineficácia do provimento final”. O juiz poderá aplicar medidas coercitivas indiretas com a finalidade de obrigar o réu a cumprir a determinação da sentença, ou até mesmo a decisão que 89 concedeu a tutela antecipada, é o caso da multa diária que poderá ser imposta pelo magistrado. A luz do ensinamento de Kazuo Watanabe, a multa diária prevista no § 4º do art. 461 do Código de Processo Civil, “é medida de coerção indireta imposta com o objetivo de convencer o demandado a cumprir espontaneamente a obrigação. Não tem finalidade compensatória, de sorte que, ao descumprimento da obrigação, é ela devida independentemente da existência, ou não, de algum dano”. 58 Além da multa prevista no § 4º do art. 461 do Código de Processo Civil, o juiz poderá utilizar-se de meios sub-rogatórios para obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente. Trata-se das medias enumeradas no § 5º do art. 461 do Código de Processo Civil. Desse modo, o legislador estabeleceu meios executórios de coerção e subrogação, a fim de realizar o direito de modo específico, bem como previu a possibilidade de satisfazer a tutela jurisdicional em tempo hábil. Cabe ressaltar que a sistemática adotada para as obrigações de fazer e de não fazer, no que tange a sua efetivação, também devem ser aplicadas às 90 sentenças de procedência fundadas nos pedidos de entrega de coisa previstas no art. 461-A, e seus parágrafos, todos do Código de Processo Civil. 58 Kazuo Watanabe. in Reforma do código de processo civil/ coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 47. 91 16 – Tutela antecipada em face da Fazenda Pública Primeiramente, é necessário consignar que não há qualquer impedimento para que o instituto da tutela antecipada seja utilizado em favor da Fazenda Pública, não havendo dúvida acerca de sua aplicabilidade. Também não há que se falar em reexame necessário contra decisão que nega, no todo ou em parte, a antecipação da tutela, tendo em vista o caráter interlocutório da decisão que concede ou não a antecipação. O reexame necessário é aplicável tão somente às decisões definitivas ou terminativas, nos casos previstos no art. 475 do Código de Processo Civil.59 No que tange a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, o ordenamento jurídico, assim como a doutrina majoritária, garante a possibilidade de sua ocorrência. Conforme consta do Resp. n. 437518, da Quinta Turma do superior Tribunal de Justiça, do qual foi relator o Min. Felix Fischer: 59 “Art. 475. Está sujeita a duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: “I – proferida contra a união, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;” 92 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE FORMAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. “I - A antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública pode ser concedida, quando a situação não está inserida nas impeditivas hipóteses da Lei 9.494/97. Precedentes. “II - In casu, a decisão de antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, excepcionalmente, não se sujeita ao reexame necessário (art. 475, caput, do CPC), mesmo porque o pretendido direito do autor pereceria ao tempo da sentença confirmatória do duplo grau de jurisdição, tornando-a inócua. (...)” (DJU de 12.08.2003, p. 251) Podemos afirmar que a exigência do reexame necessário, contida no art. 475 do Código de Processo Civil, não é cabível contra decisão interlocutória que concede tutela antecipada contra a Fazenda Pública, uma vez que somente em face de sentença definitiva caberia tal medida. Entretanto, a tutela antecipada concedida por meio de decisão interlocutória, contra a Fazenda Pública, além de poder ser modificada ou revogada pelo próprio juiz que a concedeu, tendo em vista o seu caráter provisório, também, poderá ser suspensa pelo presidente do tribunal, se configurar as circunstâncias previstas no art. 4º da Lei n. 8.437, de 30.06.92.60 60 “Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movida contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. 93 A lei n. 9.494, de 10.09.97, evidência em seu art. 1º61 a possibilidade da concessão da antecipação da tutela em face do Poder Público, o que somente não poderá ocorrer nas hipóteses referentes a “reclassificação ou equiparação de servidores públicos”; “concessão de aumentos ou extensão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos”; “concessão ou acréscimo de vencimentos”; “pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público”; e “em situações das quais resulte o esgotamento, parcial ou total, a perda do objeto da ação, desde que tais ações digam respeito, exclusivamente, a quaisquer das matérias acima aludidas”, conforme a Recl. N. 1.967, rel. Min. Celso de Mello, dec. de 19.10.2001, DJU de 14.10.2001, pp. 8-9, citado por Athos Gusmão Carneiro.62 A antecipação da tutela poderá ser concedida contra a Fazenda Pública, podendo ser expedido precatório para o pagamento de dívidas relativas ao erário. O pagamento efetuado pela Fazendo por meio do precatório ficaria depositado à ordem da autoridade judiciária, sendo entregue o valor ao credor somente com a prolação da sentença de mérito, que condene o Poder Público.63 Todavia, em casos excepcionais em que a entrega do montante seja de extrema urgência, poderá ser concedido o seu levantamento. 61 “Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992”. 62 Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 94-95. 94 Quanto as prestações do Poder Público referentes as obrigações de dar, de fazer e de não fazer, poderão ser realizadas de imediato, bastando que o juiz intime a autoridade responsável para cumprir a determinação. 63 Athos Gusmão carneiro. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 91. 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado tem o compromisso de prestar a tutela jurisdicional, de forma a eliminar de modo eficaz os conflitos de interesse. A exigência da prestação jurisdicional decorre do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). A morosidade no acertamento da lide pode provocar prejuízos irreversíveis às partes no processo. Para evitar os problemas decorrentes da demora da prestação jurisdicional, necessário a racionalização do tempo no processo, a fim de preservar a efetividade da decisão. Dessa forma, é indispensável à harmonização entre os direitos fundamentais da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica. No direito processual europeu a tutela antecipada é admitida no âmbito das tutelas cautelares, representando medida única de urgência. No Brasil, houve um período em que a doutrina passou a dilatar o poder geral de cautela do magistrado, conferindo as medidas cautelares a natureza satisfativa. Todavia, a jurisprudência adotou posicionamento contrário, afastando das tutelas cautelares o caráter satisfativo. 96 A tutela antecipada representa uma medida satisfativa que busca proporcionar uma resposta jurisdicional útil e eficaz para a solução do litígio, através do adiantamento dos efeitos do provimento postulado. A medida não visa antecipar o julgamento de mérito, mas sim, antecipar os efeitos da tutela de mérito requerida. Podemos afirmar que liminar configura-se como qualquer provimento judicial emitido pelo juiz na abertura do processo, podendo ser de mérito ou cautelar. O que caracteriza a liminar é o momento em que a medida é proferida, não importando o conteúdo da decisão. A medida liminar que dá eficácia executiva provisória à decisão de mérito, corresponde a antecipação da tutela. Não há identidade entre o julgamento antecipado da lide e a antecipação da tutela, uma vez que o primeiro trata da própria sentença de mérito (cognição exauriente), ao passo que a segunda tem por finalidade adiantar os efeitos de uma futura sentença de mérito, proporcionando sua imediata satisfação (cognição sumária). A medida cautelar objetiva assegurar a eficácia e a utilidade do processo principal, não apresentando o caráter satisfativo inerente a tutela antecipada. A tutela cautelar não realiza o direito buscado na ação, apresentando como requisito o fumus boni iuris e o periculum in mora, os quais também são 97 exigidos na tutela antecipada, mas para esta, não basta a aparência do bom direito, é necessário que o juiz se convença da verossimilhança das alegações da parte. Ambas as tutela (cautela e antecipada) são espécies das tutelas de urgência. Destarte, a possibilidade da fungibilidade entre as tutelas, prevista no § 7° do art. 273 do Código de Processo Civil. Para concessão da tutela antecipada prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, necessário a demonstração da “prova inequívoca”, a qual deve convencer o juiz da “verossimilhança” das alegações da parte. Também se exige a presença do “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou alternativamente “o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”, com a possibilidade do provimento ser modificado ou revogado a qualquer tempo. A atual redação do § 6° do art. 273 do Código de Processo Civil, também, permite a concessão da antecipação da tutela fundada na ocorrência do pedido incontroverso do autor. Outro requisito para o deferimento da antecipação da tutela é a irreversibilidade da conseqüência fática do provimento. Assim como, é indispensável a fundamentação da decisão que concede ou nega a tutela antecipada. 98 O instituto da antecipação da tutela visa antecipar os efeitos do provimento requerido, proporcionando à efetividade do exercício do direito. Para tanto, utiliza-se da execução provisória, e das medidas mandamentais e executivas latu sensu, a fim de proporcionar a satisfação do direito requerido. O magistrado poderá utilizar-se de meios coativos para obrigar o demandado a satisfazer o direito do requerente, o que representa um grande avanço na busca de uma prestação jurisdicional célere e eficaz. Diante do exposto, concluímos que a tutela antecipada representa uma medida eficaz para a satisfação da pretensão da partes. Pois, possibilita a agilização na concessão do provimento jurisdicional, por meio de uma tutela revestida de efetividade e tempestividade, capaz de proporcionar o resultado prático equivalente ao direito subjetivo material que se afirmou violado ou ameaçado de violação. 99 BIBLIOGRAFIA ALVIM, José Eduardo Carneiro. Código de processo civil reformado. 5.ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2003. ALVIM, Luciana Gontijo Carreira. Tutela antecipada na sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2003. BÜTTENBENDER, Carlos Francisco. A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida. 1.ed. Porto Alegre: Síntese, 1997. CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação da tutela no processo civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. CINTRA, A. C. A.; DINAMARCO, C. R.; GRINOVER, A. P. Teoria Geral do Processo. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. DIDIER JUNIOR, F.; JORGE, F. 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