LETRAMENTO: o difícil percurso de João e Maria
BORGES, Eliete ¹ (UNIOESTE, Cascavel)
RESUMO: Em nosso estudo científico, focalizamos o letramento, dentro do espaço escola
pública de Toledo, com o objetivo mais amplo de tentar compreender o letramento na relação
dos alunos com a escrita. As três perguntas chaves que nortearam nossa pesquisa foram:
Existe idade ideal para se viver um grande amor? Com que idade estamos maduros para se
assumir um compromisso amoroso? Quais as possíveis consequências de se assumir um
compromisso quando se é muito jovem? Trabalhamos, nesta pesquisa, com referências
teóricas baseadas nos estudos do letramento empreendidas por Magda Soares e Ângela B.
Kleiman. Numa perspectiva metodológica qualitativa e de abordagem etnográfica, o trabalho
de campo se caracterizou pelo uso das seguintes estratégias: oralidade, leitura e escrita de uma
turma de 20 alunos, do 9º ano B, do Colégio Estadual Jardim Europa. Análise e avaliação de
todos os dados coletados durante o desenvolvimento do trabalho.
Abstract
In our scientific study, we have focused on the literacy in a public scholl setting, with
the broader aim of trying to understand the literacy in the approach of students towards
writing.
The three key questions to guide our research were: There is a perfect age to live a
great love? When we are ready to have a mature relation ship? What are the possible
consequences to do this and When we are younger?
We have worked, throughout this research, with theoretical references based on
Magda Soares’s literacy studies and Ângela B. Kleiman’s literacy studies, too.
Under a qualitative metholological perspective and ethnographic approach, the field
word was characterized by the use of the following strategies: speaking, reading and writing
in a class wih twenty students, 9 th year B, of the Colégio Estadual Jardim Europa; analysis
and evaluation of all data collected during the development of the study.
1. O Letramento
“Ás margens de uma extensa mata existia, há muito tempo, uma cabana pobre, feita
de troncos de árvore, na qual moravam um lenhador com sua segunda esposa e seus
filhinhos, João e Maria.” ²
Inicialmente, torna-se imprescindível descrever como foi o caminho do letramento e,
para isso faremos um pequeno diálogo com grandes escritores. Em nosso país, o termo
letramento surgiu na década de 80 com o intuito de distinguir as práticas escolares de ler e
escrever das práticas sociais de leitura e escrita mais complexas.
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¹Aluna do Mestrado Profissional em Letras da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná).
²http://grimmstories.com/...João e Maria (Hansel e Gretel)...
Em 1980, juntaram-se às pesquisas construtivistas sobre o termo, os estudos dos
pesquisadores preocupados com questões de aprendizagem e ensino da língua materna. As
contribuições dessas pesquisas adicionaram ao termo a dimensão sócio-cultural. Então,
crianças encontram-se inseridas em um meio social, no qual apresentam práticas culturais
diversas que refletem esses meios. Dessa maneira, o letramento não poderia ser confundido
com alfabetização, pois supera a decodificação gráfica e sonora da língua.
Mas, afinal o que é letramento? “O letramento é abordado a partir de uma perspectiva
sócio-histórica, na qual as práticas sociais passam a ser o objeto estruturante da língua
materna” (Kleiman, 2007).
Magda Soares, em seu artigo “Letramento e alfabetização: as muitas facetas” define o
letramento como “desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema (sistema
convencional de escrita) em atividades de leitura e de escrita, nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita”.
2. A Organização do Trabalho Pedagógico (OTP)
“As crianças foram com o pai e a madrasta cortar lenha e lá foram abandonadas.”
Para que se possa estabelecer uma reflexão sobre o letramento, que segundo Soares
(2004), não deve estar dissociado da alfabetização é imprescindível a organização de um
trabalho pedagógico (OTP). Então, organiza-se o trabalho por meio de um projeto de
letramento que se constitui em “um conjunto de atividades que se origina de um interesse real
na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de
fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho
coletivo de alunos e professor, cada um segundo a sua capacidade” (Kleiman, 2000).
O processo de alfabetização/letramento - associados segundo Magda Soares – apresenta
cinco eixos fundamentais, a saber, compreensão e valorização da cultura escrita, leitura,
apropriação do sistema de escrita, produção de textos escritos e oralidade; e quatro categorias:
I – Introduzir, T – Trabalhar Sistematicamente, C – Consolidar e R – Retomar, utilizadas para
identificar o desenvolvimento das capacidades previstas para cada ano/série.
Além da OTP, a delimitação de como se processará a produção de textos escritos,
contribuirão para evitar esse total abandono das crianças na floresta. Luiz Antônio Marcuschi,
em sua obra: “Produção textual análise de gêneros e compreensão”, apresenta os gêneros
textuais, dentre os quais, o escolhido foi o artigo de opinião.
Além de Marcuschi, para o estudo do gênero artigo de opinião, fundamentamo-nos ainda
no conceito de Denise Terezinha Teis: “... o gênero artigo de opinião é elaborado a partir de
uma questão polêmica de relevância social, criada em torno de algum fato que foi notícia ou
que está em discussão na esfera social”.
3. Metodologia de Planejamento
“Ao caminhar para a floresta, João jogava as migalhas de pão no chão, para marcar o
caminho de volta”.
Inicialmente, descreveremos o: onde analisar, o que analisar e, posteriormente, o
como (a sequência das migalhas deixadas no caminho).
Essa reflexão sobre letramento consistiu em um estudo exploratório, descritivo, quantiqualitativo e de intervenção junto aos 33 alunos de 9º ano B, no qual eu trabalho, ministrando
a disciplina de Língua Portuguesa, no Colégio Estadual Jardim Europa, no município de
Toledo, através de uma sequência didática ³ envolvendo leitura para a produção do gênero
artigo de opinião.
A metodologia seguiu os passos do processo de alfabetização/letramento:
compreensão e valorização da cultura escrita, leitura, apropriação do sistema de escrita,
produção de textos escritos e oralidade. O eixo da compreensão e valorização da cultura
escrita foi contemplado a partir da atividade de oralidade, na qual se questionou sobre o
“amor”. Quais obras lidas pelos alunos falavam sobre o amor? O aluno gostou de lê-las?
Obras românticas são mais atraentes para os alunos que as científicas?
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³ “A sequência didática é um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de
certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos
alunos (Zaballa, 1998)
Em seguida, continuou-se a atividade com a leitura – segundo eixo - de um trecho do texto dramático:
Romeu e Julieta, escrito por William Shakespeare.
Logo em seguida, os alunos se apropriaram do sistema de escrita, respondendo aos seguintes
questionamentos em equipes formadas por eles:
Na época em que vive seu romance com Romeu, Julieta tem apenas 14 anos.
A Existe idade ideal para viver um grande amor?
B Com que idade estamos maduros para assumir um compromisso amoroso?
C Quais as possíveis consequências de assumir um compromisso quando se é muito jovem?
4. Identificar o desenvolvimento das capacidades previstas para cada ano/série.
“Todos os dias João tinha que mostrar o dedo para que ela (a bruxa) sentisse se ele
estava engordando”.
Verificaremos o letramento através do emprego adequado quanto à regência nominal e
verbal. Essa habilidade do letramento é verificada através do uso das preposições adequadas
aos nomes e aos verbos. A coleta de dados resultou de textos escritos por dez duplas a partir
dos seguintes questionamentos: (A) Existe idade ideal para se viver um grande amor? (B)
Com que idade estamos maduros para se assumir um compromisso amoroso? (C) Quais as
possíveis consequências de se assumir um compromisso quando se é muito jovem?
Os dados coletados em relação ao emprego da preposição foram os seguintes:
Questão (A):
Grupo A1: não houve emprego da preposição;
Grupo A2: não houve emprego da preposição;
Grupo A3: “... atento quanto aos filhos...”
Grupo A4: “... estar em um relacionamento... diante dessa...”
Grupo A5: não houve emprego da preposição.
Grupo A6: não houve emprego da preposição.
Grupo A7: “... não importa a idade e também porque ninguém manda no coração”.
Grupo A8: “... não tem idade para amar uma pessoa”.
Grupo A9: “Não existe idade ideal para duas pessoas se amarem. Basta um aos outra para os
dois se amar.”
Grupo A10: “Não, em qualquer idade... já esteje preparado para se ter um Relacionamento”.
Questão (B):
Grupo B1: “Aos 18 que a pessoa se trona dependente”.
Grupo B2: não houve emprego da preposição.
Grupo B3: “Depende da pessoa, do juízo...”
Grupo B4: não houve emprego da preposição.
Grupo B5: “Com 18 anos”.
Grupo B6: “Com 18 ou 19”.
Grupo B7: “Entre 14 e 15 anos”.
Grupo B8: “Na minha opinião a partir dos 17 anos...”
Grupo B9: “Com apenas 18 anos de idade”.
Grupo B10: não houve emprego da preposição.
Questão (C):
Grupo C1: “A ser responsável... pelos atos que seu filho jovem faz”.
Grupo C2: “... não se comprometer com...”
Grupo C3: “Estar ocupado em uma data, ter vinculo ou acordo com alguém”.
Grupo C4: “... pensando nessa pessoa, poderá brigar com os familiares...”
Grupo C5: não houve emprego da preposição.
Grupo C6: “Porque não sabemos definir o amor real pelo amor...”.
Grupo C7: “Não ser maduro o bastante para assumir um compromisso com alguém, acabar
magoando a pessoa e por ser muito jovem ainda não saber realmente o significado do amor.”.
Grupo C8: não houve emprego da preposição.
Grupo C9: “... uma a liberdade de quando se é jovem.”.
Grupo C10: “As principais consequências é de que quando se casa muito cedo já tem que se
lidar com despesas de casa... Para um casal muito jovem tem que pensar cedo antes de lidar
com um casamento.”.
5. Considerações Finais
“Quando os (João e Maria) viu, o pai ficou muito feliz e foi correndo abraçá-los.
Joãozinho e Maria mostraram-lhe toda a fortuna que traziam nos seus bolsos, agora não
haveria mais preocupação com dinheiro e comida e assim foram felizes para sempre.”
Tendo em vista o princípio da heterogeneidade proposto por Bortoni-Ricardo (2013), o
aluno apresentará resultados diferenciados quanto à produção escrita. Nossos alunos advém
de classes sociais distintas, com distorções de idade série e também transferidos de escolas
diferentes.
Além disso, aprendemos a partir daquilo que já sabemos. A partir disso, deve-se levar em
consideração os conhecimentos prévios trazidos pelo aluno, em todo momento de
aprendizagem.
O aluno, ao ingressar em uma determinada série, traz lacunas que devem ser preenchidas
com conhecimentos trabalhados nas séries anteriores.
As lacunas quanto ao emprego de preposições adequadas para que se estabeleça a regência
verbal e nominal, aqui analisadas, destacam que : embora
O aluno empregue a preposição adequada na maioria dos casos, discutir amplamente as
características do gênero abordado antes da atividade escrita; produzir um rascunho; refazer o
texto a partir dos aspectos gramaticais relacionados, torna-se imprescindível no processo de
ensino-aprendizagem. Além disso, discutir com o aluno sobre o suporte no qual veiculará o
texto, torna a atividade de escrita muito mais interessante e, quem sabe, com um final feliz.
6. Referências bibliográficas
BORTONI-RICARDO, Stela Maris e Veruska Ribeiro Machado. Os doze trabalhos de
Hércules : do oral para o escrito.Sâo Paulo: Parábola, 2013.
http://grimmstories.com/...João e Maria (Hansel e Gretel).
KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento.São Paulo: Mercado de Letras, 1995.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
SHAKESPEARE, Willian. In: Retrato do amor quando jovem: Dante, Shakespeare, Sheridan,
Goethe. Projeto e tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
p.117-122.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de
Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2004, nº 25.
TEIS, Denize Terezinha; MOSER, Fabiane. Gênero textual “Artigo de Opinião”. In.:
COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição; BAUMGARTNER, Carmen Teresinha.
Sequência didática: uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa nas séries/anos
iniciais. Cascavel – PR: ASSOESTE, 2009;
ZABALA, A. A prática educativa. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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