MERCADO DE TRABALHO E NOVA DEMOGRAFIA Gilmar Mendes Lourenço A contínua e consistente queda das taxas de desemprego no Brasil, constatada na última década, ladeada recentemente pelo fenômeno de quase que generalizada escassez de mão de obra, acompanhada de elevação do salário real médio, em um ambiente de pronunciada desaceleração do ciclo de produção e de negócios, induziu os estudiosos do mercado de trabalho a passarem a incorporar, em suas análises e diagnósticos, variáveis menos atreladas ao cotidiano de padrão econômico, especialmente aquelas de natureza demográfica. De fato, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seis regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador) vem apurando rota cadente da desocupação, furando sucessivamente os pisos históricos, o que tem levando alguns observadores a proferir, de modo precipitado, a sentença de alcance do pleno emprego. É prudente assinalar que a retórica otimista brotada do modesto grau de desocupação vem acontecendo em meio a uma atmosfera de enfraquecimento da entrada de novos ofertantes de força de trabalho e de ausência de aprimoramentos expressivos em outros itens das relações entre patrões em empregados. Curiosamente, cerca de 57,0% dos recursos dos programas de emprego e renda, principal item de dispêndio do governo federal, compreende o seguro desemprego. Na mesma linha, as informações extraídas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), demonstram prosseguimento da tendência de geração líquida positiva de postos formais de trabalho em todo o País – ultrapassando a dinâmica essencialmente metropolitana –, puxada pelas atividades dos vários ramos de serviços, em resposta à mobilidade social e à disparada da construção civil. Só a título de ilustração, enquanto o emprego total com carteira assinada no Brasil cresceu 4,1%, entre janeiro e setembro de 2012, em relação ao mesmo tempo de 2011, a expansão em serviços foi de 4,3% e na construção civil de 9,5%. Ademais, serviços e construção civil responderam por 42,4% e 17,4%, respectivamente, das vagas totais criadas no citado intervalo. As apurações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, também confirmam essas tendências manifestadas, precisamente para o período de tempo compreendido entre 2003 e 2011, notadamente a diminuição da desocupação e da oferta de trabalho (ou da proporção de pessoas na busca de emprego) e o aumento da população não economicamente ativa, sobretudo de jovens e idosos. Tanto é assim que, conforme a pesquisa, o desemprego despencou de 9,7% da População Economicamente Ativa (PEA) em 2003 para 6,8% em 2011. Enquanto isso, a taxa de ocupação permaneceu praticamente inalterada, subindo timidamente de 55,4% da PEA em 2003 para 55,9% da PEA em 2011. Esse aparente paradoxo entre o decréscimo do desemprego e a estabilidade na ocupação, poderia ser atribuído, no curto prazo, à articulação fina entre a acentuada mudança no perfil de geração de vagas e a compressão da informalidade no mercado. Esse último aspecto, num contexto de rigidez da legislação, torna os expedientes de demissão, recontratação e treinamento de trabalhadores mais caros, estimulando a retenção transitória de quadros, a despeito dos riscos de declínio da produtividade média, o que revelaria a crença das empresas no fôlego de uma retomada sustentada dos níveis de atividade. A propósito da alteração na pauta de ocupações, convém ter em consideração que esta vem sendo caracterizada pela maior presença dos setores comerciais e de serviços, com maior poder de resposta às políticas de expansão do crédito doméstico, implementadas pelo governo federal desde a eclosão da crise financeira internacional de 2008, em detrimento do complexo manufatureiro, fragilizado pela concorrência dos importados e pelo custo Brasil. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 9, novembro 2012 |1 Contudo, em uma perspectiva estrutural, é lícito incorporar, entre os elementos determinantes do descompasso entre as velocidades do emprego e da economia, o encolhimento da taxa de atividade (parcela das pessoas em idade ativa ocupadas ou na busca de emprego) de 61,4% para 59,9%, resultando em acréscimo da população ocupada de 1,7% ao ano, repetindo o ritmo registrado entre 1995 e 2002. Em idêntica direção interpretativa, a ocupação dos jovens (faixa entre dez e dezessete anos) e dos idosos (com idade superior a sessenta anos) recuou de 18,2% para 12,4% e de 30,4% para 26,7%, do total de cada categoria, respectivamente. No caso dos jovens, o processo contém uma associação direta com a retração das taxas de fecundidade de 2,8 para 1,9 filhos por mulher entre os anos 1990 e os dias de hoje, além da extensão do tempo de dedicação dos componentes deste extrato às atividades escolares. Essa faceta virtuosa pode ser imputada à zona de conforto produzida por aspectos combinados como ampliação da renda familiar, universalização do ciclo de educação fundamental, alargamento e profissionalização do ensino médio e chances de obtenção de emprego com melhor remuneração no futuro. Já, para os idosos, o evento possui raízes na multiplicação dos patamares de rendimentos, acoplada primordialmente à proliferação dos programas oficiais de transferência de renda, sobretudo àqueles com laços nos benefícios previdenciários, ligados à recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo. A insuficiência de disponibilidade do fator trabalho vem ocasionando a inflação das cifras de oferta de remunerações nos balcões de contratações e a concessão de reajustes de salários e benefícios reais (descontada a inflação) superiores, na esmagadora maioria das situações, aos ganhos de produtividade e eficiência dos distintos ramos de atividade. Apenas para ilustrar, ainda de acordo com a PNAD, a remuneração média real anual superou em quase 1,0 ponto percentual a produtividade do trabalho entre 2003 e 2011 (3,2% a.a. versus 2,3% a.a.). Tal episódio é reforçado pela política de indexação do valor do salário mínimo, fixada em lei com validade até 2014, além da adoção de pisos regionais que superam os montantes praticados em âmbito nacional, nas unidades federadas detentoras de bases produtivas mais encorpadas. Tudo isso, acrescido da instantânea majoração dos encargos sociais e do acirramento da concorrência, em mercados abertos e encolhidos pela recessão externa e estagnação doméstica, provoca alteração de patamar do custo médio da mão de obra na matriz de dispêndios das organizações e, por extensão, a compressão das margens de rentabilidade e a suspensão, adiamento ou até desistência de projetos de investimento. Aliás, o acréscimo expressivo no volume de investimentos, englobando capacidade de oferta, infraestrutura, educação, formação e capacitação de mão de obra, configura condição essencial para a impulsão da produtividade e o abrandamento, ou mesmo a eliminação, das pressões adicionais sobre o custo unitário do trabalho no Brasil. Essa iniciativa seria crucial para sustentar a renovação das possibilidades de edificação do crescimento econômico em sólidos alicerces, em um cenário de reduzida ociosidade no mercado de ocupações e de eficácia duvidosa da estratégia seletiva do executivo federal de concessão de benesses do imposto sobre produtos industrializados (IPI) – contemplando indústria automobilística, de eletrodomésticos e eletrônicos e insumos para a construção civil – e a permuta da incidência de tributação na folha de pagamentos pela cobrança no faturamento. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 9, novembro 2012 |2