Jornal do Comércio - Porto Alegre 7 Segunda-feira, 25 de maio de 2015 Emprego Aumenta trabalho por conta própria no País Dados da Pnad e do IBGE apontam que 868 mil pessoas passaram a trabalhar por conta própria, ampliando para 21,773 milhões o contingente nessas condições, durante 12 meses de apuração entre 2014 e 2015 O emprego tradicional, com carteira assinada e patrão, está perdendo terreno para formas mais precárias de ocupação. A falta de vagas no mercado de trabalho, que vem despontando com mais força neste ano, empurrou boa parcela dos brasileiros para os serviços por conta própria, normalmente mais voláteis, imprevisíveis e com menor remuneração. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, mostram que, entre março do ano passado e março deste ano, 868 mil pessoas passaram a trabalhar por conta própria, ampliando para 21,773 milhões o contingente nessas condições. Na contrapartida, 740 mil pessoas perderam a condição de empregados, restando um saldo de 46,1 milhões de trabalhadores no setor privado, com e sem carteira assinada. Não fosse essa substituição, somada ao aumento de 359 mil empregados no período, o índice de desemprego no País, que chegou a 7,9% em março, teria ultrapassado os 9%, calcula o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Eduardo Zylberstajn. “Se todas as pessoas que optaram pelos serviços por conta própria estivessem procurando emprego, a taxa iria para 9,2%”, diz Zylberstajn. Ele pondera que muitos podem ter escolhido esse tipo de trabalho mesmo sem terem sido demitidos, mas ressalta tratar-se, em sua maioria, de uma ocupação “mais volátil, imprevisível e que prejudica o rendimento familiar”. Por um lado, essa situação contribuiu para que o saldo da população ocupada no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2014 continuasse positiva – cresceu 0,8%, para 92 milhões de pessoas. Por outro, traz mais instabilidade e reduz o índice de confiança dos consumidores. “Normalmente, o trabalho autônomo é mais precário que o emprego. O fluxo de rendimento é menos previsível, há uma incapacidade de projetar o futuro, de comprovar renda e, portanto, de obter crédito. É uma regressão”, afirma o pesquisador da Fipe. “Esse movimento não é o empreendedorismo como conhecemos; é um espelho da perda de ritmo da formalização”, diz Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria. “A pessoa sozinha ou com algum auxiliar começa um empreendimento como alternativa, já que o mercado de trabalho está muito ruim”, observa. Para Zylberstajn, esse quadro “reforça a leitura de que o mercado de trabalho finalmente sentiu a desaceleração econômica que vem ocorrendo desde 2011”. Em sua opinião, o ciclo de deterioração do emprego deve se manter por um tempo considerável. “Com certeza, antes de 2016 não sairemos dessa situação”, prevê. Por sete anos, Ulisses Santoro rodou a cidade de São Paulo todos os dias em busca de clientes para a empresa de telecomunicações na qual trabalhava. Hoje, aos 50 anos, continua rodando por aí, mas em uma missão diferente: fazer entregas de seu próprio serviço de marmitex e congelados. “Hoje, meu raio de atuação é um quilômetro. Antes, era a cidade toda”, conta ele. Após ser demitido com outros colegas, no início de 2014, montou com a esposa Teresa o próprio negócio de delivery, chamado Mama Maria Refeições – uma homenagem à sogra. “Não sou o melhor marido do mundo?”, brinca. O negócio funciona no próprio apartamento do casal, na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo. Eles contrataram uma cozinheira e, aos poucos, passaram a investir em equipamentos, como freezers e uma balança de precisão. “No total, gastei uns R$ 3 mil. Nem precisou de tanto investimento, é mais coragem, porque você fica meio receoso”, diz. A escolha da investida na área da alimentação não foi à toa. “Queria algo no ramo de comida, porque pode vir crise, pode parar a construção civil, o ramo de automóveis, pode mandar todo mundo embora, mas sempre alguém vai precisar comer.” Ulisses afirma que, apesar de o negócio ainda estar no início, ele consegue um faturamento próximo ao que tirava como empregado. Para ele, no momento atual do mercado, pensar em uma alternativa é necessário. Formadaemmoda,RenataBarbosa, que mora em Sorocaba (SP), ANTONIO PAZ/JC Entre março do ano passado e março deste ano, 740 mil pessoas perderam a condição de empregados não via grandes perspectivas na cidade para sua profissão. “Aqui há apenas duas confecções grandes. Eu já passei por ambas, e tinha duas opções: ou trabalhava no comércio ou ia para São Paulo”, diz ela. Para complementar a renda enquanto trabalhava como vendedora de uma loja de roupas, começou a confeccionar camisetas estampadas para amigos. Por falta de tempo, teve de parar com o negócio. Em abril, porém, foi demitida do emprego. Com o dinheiro da rescisão, cerca de R$ 2,5 mil, decidiu investir de vez no ramo de camisetas. Renata não sabe ainda quanto vai obter de renda, e conta que tem vários amigos na mesma situação. Especialista teme apagão de vagas e queda maior na renda O professor da Faculdade de Economia da USP, José Pastore, teme que o País, depois de ter vivenciado o apagão de mão de obra nos anos 2010 e 2011, com empresas tendo dificuldade em encontrar trabalhadores em áreas como engenharia e construção civil, enfrente agora o que chama de “apagão de empregos”. “O emprego está encolhendo rapidamente e não vejo sinais de reversão”, diz Pastore. “Quando temos uma taxa de desemprego elevada e crescente, e um tempo médio de 12 meses para se conseguir um novo emprego, é muito sério e preocupante.” Ele acredita que a taxa de desemprego da Pnad encerre o ano próxima a 9% e só aposta em um alívio no mercado de trabalho a partir de meados de 2016, “se o ajuste fiscal der certo”. Pastore vê como mais preocupante a indústria da transformação, duplamente complicada por estar perdendo empregos e pessoal qualificado. Outro setor em apuros é o da construção civil, há até pouco tempo carente de mão de obra. No primeiro trimestre, segundo dados da Pnad, foram cortadas 132 mil vagas nessa área. Além da redução do ritmo de obras residenciais, o setor enfrenta paradeira por causa da Operação Lava Jato. A alta no desemprego vai prejudicar ainda mais o poder de barganha dos trabalhadores em negociações salariais. Associada à aceleração da inflação, haverá uma perda significativa da renda, que já está em curso.