UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS MARCUS VINICIUS BITTENCOURT MARTINS Biguaçu (SC), novembro de 2008. 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS MARCUS VINICIUS BITTENCOURT MARTINS Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Prof. Msc. Luiz César Silva Ferreira Biguaçu (SC), novembro de 2008. 3 AGRADECIMENTO Agradeço ao meu pai, Mário César Martins, pela ajuda que me deu nesta monografia e por ter ajudado a financiar meus estudos enquanto na Universidade. A minha irmã, Gabriela Bittencourt Martins, pelo incentivo. Aos amigos que fiz na Universidade, em especial a minha amiga Sandra Pereira, pela força que me deu durante os anos que estudamos juntos. Ao meu orientador, Professor MSc. Luiz César Silva Ferreira. 4 DEDICATÓRIA Ao meu filho querido, Marcus Vinicius Bittencourt Martins Filho, a companhia que eu tanto esperei em minha vida. 5 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, novembro de 2008. Marcus Vinicius Bittencourt Martins Graduando 6 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Marcus Vinicius Bittencourt Martins, sob o título de A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS, foi submetida em 10 de novembro de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Msc. Luiz César Silva Ferreira (Orientador e Presidente); Msc. Sólon D’Eça Neves (Membro); Esp. Giancarlo Castelan (Membro), e aprovada com a nota 10,00 (Dez). Área de Concentração: Direito Público, Direito Constitucional e Processual Penal Biguaçu/SC, 10 de novembro de 2008 Prof. Msc. Luiz César Silva Ferreira Orientador e Presidente da Banca Helena Nastassya Paschoal Pitsíca Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................01 1. HABEAS CORPUS 1.1 CONCEITO DE HABEAS CORPUS............................................................................04 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS..................................................07 1.2.1 A Magna Carta Inglesa de 1215....................................................................................10 1.2.2 A Petição de direitos de 1628 “Petition of Rights”.......................................................13 1.2.3 O Habeas Corpus Act de 1679........................................................................................14 1.2.4 O Habeas Corpus Act de 1816........................................................................................16 1.2.5 O Habeas Corpus e Napoleão Bonaparte.....................................................................16 1.2.6 O Habeas Corpus nos Estados Unidos da América.....................................................17 1.2.7 O Habeas Corpus no Brasil Imperial e Republicano..................................................19 1.3 PRINCÍPIOS GARANTISTAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO HABEAS CORPUS........................................................................................................25 1.3.1 Princípio do devido processo legal...............................................................................25 1.3.2 Princípio da presunção de inocência............................................................................26 1.3.3 Princípio da ampla defesa e do contraditório..............................................................29 1.3.4 Princípio da liberdade...................................................................................................31 1.3.5 Princípio da dignidade da pessoa humana..................................................................32 1.3.6 Princípio razoabilidade/proporcionalidade................................................................33 1.3.7 Princípio da inarredabilidade do controle jurisdicional............................................34 2. ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS 2.1 NATUREZA JURÍDICA...............................................................................................36 2.2 LEGITIMIDADE ATIVA.............................................................................................39 2.3 LEGITIMIDADE PASSIVA.........................................................................................42 2.4 TIPOS DE HABEAS CORPUS.....................................................................................44 2.5 PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS...............................................................................47 2.6 PROCESSO E PROCEDIMENTO DO HABEAS CORPUS.....................................49 2.7 COAÇÃO ILEGAL.......................................................................................................51 2.7.1 Cabimento.......................................................................................................................54 8 2.7.2 Cabimento quanto ao militar........................................................................................59 2.7.3 Cabimento no caso de prisão civil................................................................................61 2.7.4 Cabimento no estado de sítio........................................................................................63 2.8 TUTELA JURISDICIONAL........................................................................................64 2.8.1 Habeas Corpus de ofício................................................................................................66 3. A LIMINAR EM HABEAS CORPUS 3.1 TUTELA CAUTELAR.................................................................................................67 3.2 CONCEITO DE LIMINAR.........................................................................................71 3.3 PROCEDÊNCIA DA LIMINAR EM HABEAS CORPUS........................................73 3.3.1 O Mandado de Segurança e a analogia aplicada ao Habeas Corpus.........................80 3.3.2 Pressupostos de admissibilidade da liminar em Habeas Corpus................................82 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................86 9 RESUMO A presente pesquisa trata-se de uma Monografia que tem como objetivo institucional: a obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; e como objetivo geral: a possibilidade da concessão de medida liminar na ação de Habeas Corpus intentada no Brasil. Comenta um pouco da história do Habeas Corpus no plano internacional e nacional, bem como suas transformações no Brasil e aponta os pressupostos e as condições de procedibilidade tanto da ação como do deferimento da medida liminar para fazer cessar o constrangimento ilegal a liberdade de locomoção. Foi usado o Método Dedutivo de pesquisa para a busca e coleta dos dados. Utilizou-se para tanto, a lei brasileira, conceitos doutrinários abordados em varias obras de autores brasileiros acerca do tema, entendimentos e decisões jurisprudenciais dos nossos Tribunais aplicados em regra por analogia a outras leis brasileiras, para então, compor e sustentar o tema pesquisado. O referido estudo foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo cuida da evolução histórica do Habeas Corpus e dos princípios relacionados a esse instituto; o segundo capítulo trata dos aspectos processuais da ação de Habeas Corpus, como por exemplo, as partes envolvidas, natureza jurídica da ação, tipos de HCs etc.; o terceiro e ultimo capítulo trata da liminar e da possibilidade jurídica da aplicabilidade da liminar na ação de Habeas Corpus. Palavras-chave: Habeas Corpus. HC. Writ. Ação mandamental. Impetrar. Impetrante. Coator. Paciente. Liminar. Remedium juris. Remédio jurídico. Liberdade. Locomoção. 10 ABSTRACT The present research is a Monograph that has as institutional objective: the obtaining of Bachelor's title in Juridical Sciences for the University of the valley of Itajaí. UNIVALI; and as general objective: the possibility of the restraining order concession in Habeas Corpus action attempted in Brazil. Will be comment on a little of Habeas Corpus history in the international and national plan, as well as their transformations in Brazil and will be point the presuppositions and the procedibilidade conditions as much of the action as of the grant of the restraining order to do to interrupt the illegal embarrassment the locomotion freedom. Was used as methodology reference the notebook inform of elaboration of academic-scientific works of UNIVALI. As research method was used the Deductive Method of research for the search and collection of the data. Was used the Brazilian law, doctrinaire concepts approached in you vary Brazilian authors' works concerning the theme, understandings and decisions jurisprudenciais of our applied Tribunals in rule for analogy to other Brazilian laws, for then, to compose and to sustain the researched theme. Referred him study was divided in three chapters. The first chapter takes care of Habeas Corpus historical evolution and of the beginnings related to that institute; the second chapter treats of the procedural aspects of Habeas Corpus action, as for instance, the involved parts, juridical nature of the action, types of HCs etc.; the third party and I finish chapter treats of the temporary restraining order and of the juridical possibility of the applicability of the temporary restraining order in Habeas Corpus action. Keywords: Habeas Corpus. HC. Writ. Action mandamental. To petition. Petitioner. Coactive. Patient. Preliminary. Remedium juris. Juridical medicine. Freedom. Locomotion. 1 INTRODUÇÃO Nas ultimas décadas houve um aumento populacional e conseqüentemente um aumento de demandas judiciais, ocasionando assim, acúmulo de processos e uma demora maior por parte do Estado-Juiz em dar solução a estes litígios, seja pelos problemas de ordem pessoal ou material enfrentados pelo Poder Judiciário, seja pela indiferença do Poder Legislativo em adequar o ordenamento jurídico brasileiro ao momento histórico e social atual. Algumas dessas causas, pela natureza que comportam acarretam graves danos, inclusive, danos irreversíveis para os envolvidos quando não solucionados prontamente. É o caso, por exemplo, de uma pessoa inocente que tem sua liberdade de locomoção restringida, onde, com a demora do Estado-Juiz em dar uma solução a tal problema, deixa o inocente cair no esquecimento e sofrer uma dor irremediável, pagando por algo que não fez. Para evitar tal descaso, profissionais e cientistas do direito tem procurado alternativas eficazes para combater as dificuldades enfrentadas pela “Justiça”, dando assim, uma resposta mais rápida e segura aos casos que necessitam de imediata solução, como é o caso da restrição ilegal da liberdade de locomoção, que agora, pode ser rapidamente solucionada através da possibilidade de liminar na ação de Habeas Corpus. Medida esta que vem para garantir o respeito à liberdade da pessoa humana e a correta aplicação do princípio da legalidade, cerne de um Estado Democrático de Direito. A presente pesquisa científica demonstrará que a liminar em Habeas Corpus tem sido constantemente utilizada no Brasil para pronta e eficazmente cessar o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Este trabalho não tem como pretensão exaurir a discussão sobre possibilidade de liminar em Habeas Corpus. Tem como objetivo principal identificar qual o dispositivo legal ou fundamento jurídico judicial que está sendo utilizado pelo Poder Judiciário para a concessão da medida extrema na ação de Habeas Corpus. Foi utilizado o método dedutível no desenvolvimento desta pesquisa por ser o método de pesquisa que mais se mostrou eficaz, na opinião do autor, para a correta 2 comprovação do que se defende nesta Monografia, onde, ensina Pasold 1 à “[...] estabelecer uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral [...]”. Para tanto, foram buscados dados na legislação ordinária brasileira, na doutrina e por fim, na jurisprudência nacional, organizando de certa forma, todo material didático coletado para que, através da leitura deste estudo, possa-se chegar a conclusão do que se sustenta no tema desta pesquisa. A pesquisa foi dividida em três capítulos. O primeiro capítulo inicia conceituando o instituto do Habeas Corpus para em seguida descrever a história e trajetória desse remédio heróico desde a Inglaterra de 1215, com a revolta dos barões contra o Rei JoãoSem-Terra, até a sua chegada e implantação no Brasil Império, onde foi desenvolvido e aperfeiçoado até chegar ao seu conceito atual. Logo após e ainda no primeiro capítulo, foram relacionados alguns princípios que na opinião do autor desta monografia, estão intimamente relacionados com a defesa do instituto do Habeas Corpus, em particular, comprovando a necessidade e possibilidade da liminar em sede de Habeas Corpus. O segundo capítulo é mais técnico e trata dos aspectos processuais do Habeas Corpus. Utiliza-se de embasamentos legais e doutrinários para se definir a natureza jurídica desse instituto, as partes atuantes na impetração da ação, a forma de petição e seu procedimento antes e após a entrada da ação em juízo na busca da tutela jurisdicional. No terceiro e último capítulo, busca-se comprovar a possibilidade da liminar em sede de Habeas Corpus. Inicia-se com uma pesquisa da tutela cautelar, da liminar, para então se chegar ao assunto principal que a comprovação da possibilidade da liminar em Habeas Corpus. Nesse capítulo, além da lei e da doutrina, se faz uso de entendimentos jurisprudências de Tribunais nacionais, pelo fato de grande parte de estudiosos do assunto acreditarem que a liminar em Habeas Corpus é uma criação judicial. Adiante estão alguns conceitos operacionais que serão desenvolvidos no presente estudo para que o leitor possa fazer sua leitura com maior facilidade: 1 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 104. 3 Habeas Corpus: “O habeas corpus é remedium juris destinado a tutelar, de maneira rápida e imediata, a liberdade de locomoção. Trata-se de verdadeira garantia constitucional para amparar o direito à liberdade ambulatória [...]”2; Paciente: “[...] quem sofre o constrangimento ilegal [...]3; Coator: “[...] que exerce o constrangimento, a violência ou a coação sem fundamento legal;”4; Impetrante: “[...] é aquele que requer, ou impetra, a ordem de habeas corpus a favor do paciente [...]”5; Impetrar: “[...] É requerer ou solicitar a decretação de qualquer medida judicial, que venha assegurar o exercício de um direito ou a execução de um ato.”6; Detentor: “[...] Detentor pode ser qualquer indivíduo. Brasileiro ou estrangeiro, ou simples particular, recrutador ou comandante de fortaleza, agente de força pública, ou quem quer que seja, uma vez que detenha outrem em cárcere público ou privado [...]”7; Ilegalidade: “[...] implica na falta de observância dos preceitos legais. Equivale à injuridicidade; aquilo que é contrário ao direito.”8; Liminar: “[...] as liminares, em qualquer tipo de processo, provocam uma antecipação, ainda que provisória, da tutela pretendida principaliter. Elas são como que uma retroprojeção da imagem que possivelmente será representada na sentença final.”9; 2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 27. ed. rev. atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2006. 669. 3 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. 1. ed. – São Paulo: Lawbook Editora, 2002. p. 15. 4 ______. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. P. 15. 5 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. 6. ed. 2ª série – Curitiba: Juruá, 1994. p. 38. 6 SILVA, De Plácido e.Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 23ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 708. 7 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. 3. ed. – Campinas: Bookseller, 2007, tomo II. p. 61. 8 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2002. p. 83. 4 1. HABEAS CORPUS 1.1 CONCEITO DE HABEAS CORPUS Na atual Constituição da República Federativa do Brasil, o Habeas Corpus está previsto como cláusula pétrea no Título II, onde fala Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, mais especificamente no art. 5° inciso LXVIII, onde também podemos identificar sua gratuidade no mesmo art. 5°, inciso LXXVII.10 Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes nos País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXVIII – conceder-se-á “habeas-Corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; [...] LXXVII – são gratuitas as ações de “habeas-corpus” e “habeas-data”, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. O Habeas Corpus é a ação constitucional mais conhecida no Brasil atual. Isso se dá não só pela repercussão histórica do instituto, mas contemporaneamente pelo fato da mídia televisiva mostrar em suas várias reportagens criminais diárias a rapidez com que um criminoso é preso pela polícia e posto em liberdade por seu advogado em fração de minutos após sua prisão e impetração desse writ. Tal rapidez se dá ao seu procedimento judicial e pela importância que tem na proteção da liberdade. Quanto à rapidez e eficiência do instituto, Pontes de Miranda é categórico: “[...]remédio jurídico processual mais eficiente, em todos os tempos: o Habeas Corpus.”11. 9 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A questão dos limites no poder cautelar geral apud LARA, Betina Rizzato. Liminares no processo civil. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 21. 10 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.22. ed. atual – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 863864. 11 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. 3. ed. – Campinas: Bookseller, 2007, tomo I. p. 27. 5 Ao traduzir a palavra Habeas Corpus para o idioma brasileiro, Júlio Fabbrini Mirabete12 ensina que “a expressão habeas corpus indica a essência do instituto pois, literalmente, significa “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa e a apresente ao juiz, para julgamento do caso [...]”. Para Antonio Zetti Assunção 13 a palavra Habeas Corpus tem o seguinte significado: Procedente do latim, Habeas Corpus significa em sentido literal “Tome o corpo”, que tem por objeto fundamental a tutela da liberdade física e locomotiva do indivíduo. É remédio judicial que faz cessar violência ou coação à liberdade decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. E ainda observa que “com este remédio heróico, impugna-se atos administrativos ou judiciários, coisa julgada e de particulares.”14. Pacheco15 conceitua Habeas Corpus como “[...] a ação constitucionalmente garantida a todo indivíduo, nacional ou estrangeiro, apta a impedir ou fazer cessar uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade física, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.”. Para José Frederico Marques16, trata-se o Habeas Corpus de: [....] remedium juris destinado a tutelar a liberdade de locomoção. Desde que haja ilegalidade ou abuso de poder que atinja a liberdade de ir e vir, o habeas corpus constitui o instrumento destinado a remover a coação contra aquele direito subjetivo. O instituto serve para proteger a liberdade da pessoa física, sendo que “o sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão-somente à pessoa física.”17, não se enquadrando a pessoa jurídica como sujeito ativo. 12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. até dezembro de 2004 – São Paulo: Atlas, 2005. p. 770. 13 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 11. 14 ______. Habeas Corpus: Teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 11. 15 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 22. 16 MARQUES, 2000 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 15. 17 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2005. p. 109. 6 Em decorrência dos vários atributos inerentes ao instituto do Habeas Corpus, Mossin define-o como: “[...] remedium iuris de natureza constitucional voltado à tutela da liberdade de locomoção do indivíduo, quando coarctada ou ameaçada de sê-lo por violência ou coação decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.”18. A palavra habeas corpus é latina e segundo Assunção19 significa: ““Habeas” – “habere”: Ter, trazer, tomar, exibir. “Corpus” – “corporis”: corpo.”. No mesmo sentido, porém, acrescenta Plácido e Silva20, informando que a palavra habeas corpus “[...] É locução composta do verbo latino habeas, de habeo (ter, tomar, andar com), e corpus (corpo), de modo que se pode traduzir: ande com o corpo ou tenha o corpo.”, e que é um “[...] instituto jurídico que tem a precípua finalidade de proteger a liberdade de locomoção ou direito de andar com o corpo.”. Diante do exposto acima, se comentou que alguns direitos e garantias individuais estabelecidos na Constituição brasileira de 1988, como o direito de ir, vir, ficar e permanecer, estão inclusos no conceito de habeas corpus bem como garantidos por ele. E acrescenta Ferracini21 que, “o habeas corpus, faz parte dos Direitos e Garantias fundamentais do cidadão. Segundo a sistemática constitucional brasileira, o tema em questão corresponde à noção de declaração de direitos [...]”, onde, “[...] os direitos individuais são considerados equivalentes aos direitos naturais, correspondendo assim à idéia dos direitos que são próprios do ser humano, e em razão disso, garantidos pelo Estado, com a sua consagração nos textos constitucionais e legais [...]”. Nas palavras de Tourinho Filho22: “O habeas corpus é remedium juris destinado a tutelar, de maneira rápida e imediata, a liberdade de locomoção. Trata-se de verdadeira garantia constitucional para amparar o direito à liberdade ambulatória.”. 18 19 20 21 22 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 89. ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 15. SILVA, De Plácido e.Vocabulário jurídico. p. 671. FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. 1ª ed. – São Paulo: LED, 1996. p. 11. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 669. 7 Mas e a ordem ou o próprio mandado contido na ação de Habeas Corpus? Qual o sentido original dessa ação? Para responder essa pergunta, trazemos a tona os ensinamentos de Pontes de Miranda23, que comenta que a ordem contida neste writ significa: [...] mandado de tribunal, endereçado a indivíduo ou indivíduos, que tenham em seu poder, ou sob sua guarda alguma pessoa, a fim de que a apresente ao mesmo tribunal, que decidirá, depois de ouvir as informações produzidas pelas partes, qual o destino a ser dado ao paciente [...] Não podemos esquecer que atualmente, tal ordem contida dentro da ação de Habeas Corpus também se aplica para proteger pessoa que não está presa, mas que há um temor de que seja constrangida em sua liberdade de locomoção. Trata-se o caso de Habeas Corpus preventivo, que será explicado mais adiante. 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS Antes de percorremos a evolução histórica desse grande instituto, importa salientar que o Habeas Corpus é o “[...] remédio jurídico processual mais eficiente, em todos os tempos”24 e está intimamente, senão, totalmente contido no direito humano e na liberdade de ir, vir, ficar ou permanecer. “A liberdade vem a ser um dos atributos mais importantes do homem. É, em boa verdade, o próprio meio de expressão do caráter humano.””25. A maioria dos doutrinadores entende que o instituto do Habeas Corpus nasceu concomitantemente com o amadurecimento do direito inglês britânico em meados do ano de 1215, porém há doutrinadores como Capez que afirmam que o nascimento do instituto do Habeas Corpus nasceu na época da Roma antiga, amadurecendo até tomar a forma hoje conhecida. Leciona ele que: O habeas corpus tem sua origem remota no direito romano, onde todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine exhibendo.26 23 24 25 26 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 27. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I p. 27. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p.127. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 489. 8 Para Luiz Cesar Silva Ferreira27: O período Romano é considerado pródigo em evoluções de cunho jurídico. Nesta época foram criados novos institutos, bem como determinou-se regras mais claras para os já existentes, mas é de ser observado que não se admitia qualquer recurso visando garantia individual contra a decisão do imperador. José Afonso da Silva28 acredita que o Habeas Corpus já era aplicado antes da Magna Carta Inglesa, onde, “[...] denota-se sua presença na Inglaterra antes mesmo da Magna Carta de 1215. Mas foi esta que lhe deu a primeira formulação escrita [...]”. Pontes de Miranda em estudo acerca desse instituto informa que o Habeas Corpus como é conhecido hoje, nasceu em 1215, junto ao texto da Magna Carta Inglesa: [...] Os princípios essenciais do habeas corpus vem, na Inglaterra, do ano 1215. Foi no § 29 da Magna Charta libertatum que se calcaram, através das idades, as demais conquistas do povo inglês para a garantia prática, imediata 29 e utilitária da liberdade física [...] . Em tempo, esclarece Pontes de Miranda que, “[...] temos de afastar que a história do instituto seja a mesma do nome habeas corpus. Os nomes de homine replegiando, mainprize e de odio et atia. Antecederam ao de habeas corpus [...]”30, referindose que tal dispositivo já era aplicado em época anterior ao ano 1215, mas, utilizando-se de outros nomes, onde, “[...] o pacto de 1215 não fora lei de reforma; iniciava período novo, com ser o produto de verdadeira conquista libertária, embora consistisse, em sua máxima parte, na confirmação do velho direito saxônico [...]”31. E continua Pontes de Miranda32 explicando que: O pacto ratificou as leis de Eduardo, o confessor, e a Constituição dos saxões, onde já havia a livre caução (frank pledge). Aboliu a jurisdição dos 27 28 29 30 31 32 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 16. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 443. MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 38. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 39. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 39. 9 xerifes (sheriffs) reais em matéria penal. Proibiu a prisão injusta e determinou que as pessoas livres só fossem julgadas por seus pares [...]. Alexandre de Morais33 demonstra que há divergência na doutrina brasileira sobre a origem do Habeas Corpus ter se dado na Magna Carta inglesa de 1215: A origem mais apontada pelos diversos autores é a Magna Carta, em seu capítulo XXIX, onde, por pressão dos barões, foi outorgada pelo Rei João sem Terra em 19 de junho de 1215 nos campos de Runnymed, na Inglaterra. Por fim, outros autores apontam a origem do habeas corpus no reinado de Carlos II, sendo editada a Petition of Rights, que culminou com o Habeas Corpus Act de 1679 [...]. Guimarães ao explicar a origem do Habeas Corpus, comenta que o direito inglês passou por um grande amadurecimento jurídico e político até se chegar na feitura da Magna Carta. [...] O peculiar corpus jurídico britânico, formou-se em concomitância com seu amadurecimento político. Ou, melhor dizendo, ali estabeleceu-se uma dialética entre o poder político e as exigências sociais (numa época em que tal não se cogitava), propiciando a arquitetura de um direito que correspondesse aos anseios de melhoramento. Para isto contou, também, com a instituição do poder judicial, que se estruturou, pouco a pouco, independente e soberano em suas decisões. Estes fatores iriam dar conseqüência ao agregado de costumes e precedentes judiciais sedimentados 34 no common Law, de onde efetivamente o inglês retirou o habeas corpus. E esclarece ainda que já haviam outros institutos que defendiam a liberdade individual e se assemelhavam ao Habeas Corpus: [...] Já existiam no Common Law do período anterior à Magna Charta três procedimentos dirigidos à proteção da liberdade pessoal: a) o writ de homine replegiando, que tratava de uma ordem judicial concessiva de liberdade mediante fiança; b) o writ of mainprize, que era destinado ao sheriff, para que estabelecesse as bases do livramento do detido mediante fiança; c) o writ de odio et atia, segundo o qual o acusado de homicídio podia obter o livramento através da decisão antecipada sobre os motivos da acusação. Como observa R. J. Sharpe, estes “(...) não eram remédios de aplicação geral, mas procedimentos especiais para situações especiais [...]”35. 33 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 108. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 156. 35 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 157. 34 10 Mas, esclarece Guimarães que, “[...] Nenhum daqueles writs se prolongou para além da Idade Média, que é o referencial de sua decadência e, ao mesmo tempo, o marco em que o habeas corpus assume o papel de proeminência na defesa da liberdade pessoal.”36 Pela incerteza dos dados referentes ao nascimento do instituto do Habeas Corpus, optou-se pela opinião da grande maioria dos doutrinadores que concordam que o instituto como é conhecido hoje, nasceu em 1215 com a Magna Carta inglesa. Nessa época gloriosa, nascia também com a Magna Carta inglesa, o princípio do devido processo legal, princípio este adotado por muitos países e inclusive pelo Brasil. Tal princípio se relaciona intimamente com o Habeas Corpus, pois limita o poder do Estado no uso de sua força, onde, sua desobediência pode dar causa remedium iuris, veja: Sua origem muito explica os vários e interligados aspectos, função e utilidade do devido processo legal em nossos dias. Essa cláusula surgiu como o resultado normativo de disputas políticas na Inglaterra dos séculos XII e XIII e que culminaram com a submissão do Rei João Sem Terra ao poder político-militar dos Barões pela assinatura da Magna Carta de 1215 e cujos termos foram impostos pelos últimos àquele. No Capítulo 39 dessa Carta Política foi inserida a expressão (latina per legem terrae e que foi traduzida para o inglês law of the land) que, de há muito, consagrou-se como due processo of law. Essa inserção, assim como toda a Magna Carta, representou histórica limitação do poder real por força da norma escrita [...]37 . 1.2.1 A Magna Carta de 1215 Há certa inclinação de alguns doutrinadores brasileiros em achar que a Magna Carta Inglesa do ano de 1215 teria natureza constitucional, mas, para Albert Noblet, ela se tratou apenas de uma carta de reivindicações de liberdades e de privilégios para os nobres e as elites daquela época: [...] longe de ser a Carta das liberdades nacionais, é, sobretudo, uma carta feudal, feita para proteger os privilégios dos barões e os direitos dos homens livres. Ora, os homens livres, nesse tempo, ainda eram tão poucos que 36 37 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 157. FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. p. 240. 11 podiam contar-se, e nada de novo se fazia a favor dos que não eram livres [...]38 . Todavia, para Pontes de Miranda a Magna Carta de 1215 do direito inglês, de onde saiu o Habeas Corpus, foi uma tentativa da nação inglesa de frear o poder despótico e perverso do seu Monarca João-Sem-Terra. João foi sucessor de Ricardo I, onde, “morto Ricardo I, sucedeu-lhe no trono de Inglaterra seu irmão João, com prejuízo de Artur de Bretanha, filho de Henrique II [...]”39 e “[...] tão anárquico fora o reinado de João, que se lhe atribuía outrora, como ainda nos nossos dias se repete, a decadência, então, de toda a Inglaterra [...]”40. Pela perversidade e má administração de seu reinado: [...] O tempo que João esteve no poder (1199-1216), marca, por exemplo, interrupção sensível na própria evolução da arquitetura inglesa, que antes possuía monumentos góticos como o coro da catedral de Lincoln (Journal des Savants, 1908, 66), ou da sé de Wells (Francis Bond, Gothic Architecture in England, 105), que se construiu entre os anos 1174 e 1191[...]41. O povo não agüentava mais a perversidade do monarca e “[...] Os desastres, cincas e arbitrariedade do novo governo foram tão assoberbantes, que a nação, sentido-lhe os efeitos envilecedores, se indispôs, e por seus representantes tradicionais reagiu [...]”42. Foi “[...] por esses motivos e outros desregramentos de João, os condes e os barões reuniram-se por ocasião de pretensa peregrinação a S. Edmund’s Bury [...]”43. Com o descontentamento geral da nação, criação e aumento de impostos, bem como a prisão não só de populares como a de nobres, começa a amadurecer a revolução que imporia a João-Sem-Terra, a Cartas das Liberdades, onde, “os fatos levaram os barões à atitude extrema: acordaram em que era preciso obter do rei, mesmo pela força, carta de liberdades. [...]”44 e então aconteceu a grande revolução: 38 NOBLET, 1963 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 152. 39 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35. 40 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35. 41 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35-36. 42 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35. 43 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 36. 44 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 37. 12 [...] Os revolucionários proclamaram-se exército de Deus, entraram em Londres, a 24 de maio de 1215; e quase um mês depois, a 19 de junho (A. Trognon, Histoire de France, I, 622; Ernest Glasson, Histoire du Drouit, III, 7), o rei assinou, no campo de Runnymead, ao sentir-se privado da capital, o “ato” a que se chamaria de a Magna Carta [...]45 Estava estabelecida então a nova Carta de Direitos Inglesa que ficou conhecida mundialmente como Magna Carta Inglesa de 1215 e com ela o instituto do Habeas Corpus. Segundo historiadores, com a criação desta Carta de Direitos, ficava estabelecido novo período no direito inglês, porém, a história não para por aí. Mesmo depois de outorgada por João, a Magna Carta foi desrespeitada várias vezes não só por ele, mas também após sua morte pelos seus sucessores, Henrique III e Eduardo I. Em decorrência das violações da Magna Carta Inglesa, ela foi confirmada duas vezes após sua promulgação. Em 1216 após a morte de João-Sem-Terra a Magna Carta foi confirmada pelo sucessor de João, Henrique III, “[...] que aos nove anos, quando se entronizara, a confirmou com algumas modificações secundárias [...]”46. Em 1255, pela má administração do Governo de rei Henrique III, ela foi novamente confirmada “[...] Daí a confirmação da magna Carta, em 1255, em reunião de prelados [...]”47. Em 1298, Eduardo I que era rei da Inglaterra também foi compelido a assinar nova confirmação da Magna Carta de 1215: “[...] Forçado, por fim, a ceder aos barões, Eduardo refugiou-se em Gante [...] enquanto o Parlamento, convocado em 1297, pedia nova confirmação da Magna Carta, o que se assinou a 5 de novembro de 1298 [...]”48. Conforme Pontes de Miranda49, com a instituição da Magna Carta de 1215, foram criados vários remédios para proteger a liberdade. Entre alguns deles estão os writs de habeas corpus ad respondendum, ad satisfaciendum, ad prosequendum, ad faciendum et recipiendum e por fim o writ de habeas corpus ad subiibiendum que era o mais eficiente de todos os writs nos casos de detenção ilegal ou constrangimento ilegal, pois podia ser endereçado a qualquer pessoa que tivesse outrem em seu poder injustamente, obrigando o detentor a apresentar o preso e comunicar o dia e a causa pela qual a pessoa foi presa para que então, o juiz ou a corte resolvesse sobre a prisão. 45 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 37. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 42. 47 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 43. 48 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 45. 49 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 70. 46 13 [...] O habeas corpus ad subiiciendum vem, então, relacionar-se de forma reflexa com os mencionados princípios, desde que, ao proteger a liberdade pessoal, necessariamente expõe ao exame do judiciário as causas de supressão da liberdade. Através do writ examina-se a legalidade do ato restritivo de liberdade.50 1.2.2 A Petição de direitos de 1628 “Petition of Rights” A Petição de direitos Inglesa foi redigida em 1628, durante o reinado de Carlos I, que no ano de 1627, durante seu reinado: [...] impôs aos ingleses o recolhimento de um novo imposto sem que, no entanto, tivesse sido aprovado pelo Parlamento. Aos que recusaram o pagamento do Tributo – e dentre eles destacaram-se Darnel e outros quatro fidalgos – coube a detenção. Este ato foi executado per speciale mandatum Regis, sem que nele estivesse prescrita a causa legal. A situação avivou-se com a impetração do habeas corpus em que se pretendia o livramento dos cinco cavalheiros, trazendo novamente à baila a questão dos limites do poder real.51 O Writ de Habeas Corpus pedido por Darnel e outros, não foi concedido pelos juízes que não queriam se opor ao rei, então, “[...] Sob Carlos I, monarca mal aconselhado, que pretendia governar sem leis e sem nobreza (cp. Voltaire, Le Siècle de Louis XIV, 11), a campanha dos povos ingleses recomeçou [...]”52. Então “[...] a insatisfação geral contra Carlos I agravou-se, razão porque em 1628, após convocar a reunião do Parlamento, teve de aceitar a Petition of Right que lhe apresentaram os membros das Câmaras [...]”53. O governo de Carlos I tornava-se tão despótico que ele foi executado em 30 de janeiro de 1649. Sua execução, que ocorrera enquanto ainda era rei, “[...] foi muito censurada; entretanto, se não fosse assim, teria acontecido o mesmo às nossas liberdades [...]”54. A petição de direitos nada mais pedia do que direitos e liberdades já reivindicados e estabelecidos na Magna Carta de 1215. 50 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 158. ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 160-161. 52 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 71. 53 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 161. 54 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 71. 51 14 Sobre a Petição de Direitos de 1628, José Afonso da Silva comenta que: A Petição de Direitos (Petition of Rights, 1628), como o nome indica, é um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. A petição constituiu um meio de transação entre Parlamento e rei, que este cedeu, porquanto aquele já detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização parlamentar. Então, precisando de dinheiro, assentiu no pedido [...]55 . 1.2.3 O Habeas Corpus Act de 1679 Ainda sob o reinado de Carlos I e antes de sua morte, atesta Guimarães56 que os estatutos da Petição de Direitos de 1628 passam a ser desobedecidos pelo próprio rei, desgastando ainda mais seu reinado e ocasionando com isso sua deposição e posteriormente a proclamação do Habeas Corpus Act de 1640, o qual iniciaria as bases processuais do Habeas Corpus, implementando regras de direito processual nas ações de Habeas Corpus daquela época. Nessa época desencadeou-se o processo revolucionário inglês, decorrente dos conflitos entre o Parlamento e o Rei. Em decorrência desse ato de 1640, ocorrido no direito Inglês: [...] extinguiram-se as conciliar courts, inclusive a Star Chamber, que diretamente se relacionava com o absolutismo inglês. Ratificou os preceitos de garantia da liberdade pessoal, dispondo que qualquer detido por ordem do rei ou de seu conselho teria o direito a solicitar o writ de habeas corpus, para ser imediatamente conduzido ante o tribunal, onde seria apreciada a justificativa do ato [...]57. Com a deposição do despotismo e a proclamação do ato de 1640, “[...] O habeas corpus tornou-se o procedimento adequado para o exame da legalidade dos atos restritivos de liberdade, sendo eficiente para sua restauração com ou sem fiança [...]”58. Foi-se assim, preparando terreno para a chegada do Habeas Corpus Act de 1679, que “[...] veio então 55 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 152. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 162. 57 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 162. 58 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 163. 56 15 para solucionar estas questões, regulamentando o procedimento na área criminal [...]”59 e marcando “[...] a passagem do procedimento para sua forma moderna [...]”60. Ao comentar a ocorrência do ato de 1679, Pontes de Miranda61 assevera que: “Na Inglaterra, com o Habeas Corpus Act de 27 de maio de 1679, foi grande o passo que se deu para a liberdade. Daí terem-no chamado “outra Magna Carta”. A violação da liberdade passou a criar o “direito ao mandado”(right to the writ).”62. Comenta ainda Pontes de Miranda63 que o caso Jenkes, que fora o caso de um cidadão de Londres que havia sido preso por discursar contra a coroa, teria sido talvez, juntamente com outros atos de desrespeitos a liberdades e garantias do povo inglês, o ato sugestivo para o surgimento do Habeas Corpus Act de 1679. Ao falar da natureza processual que se originou ao instituto do Habeas Corpus Inglês com a chegada do Habeas Corpus Act de 1679, Guimarães argumenta que: “[...] O Habeas Corpus Act não estabeleceu direito novo, mas apenas regulamentou o instituto secular. Trata-se, portanto, de uma lei de natureza processual, que deu ao habeas corpus a feição moderna pela qual é hoje conhecido.”64. Conforme Albert Noblet: “O Habeas Corpus Act reforçou as reivindicações de liberdade, traduzindo-se, desde logo, e com as alterações posteriores, na mais sólida garantia de liberdade individual, e tirando aos déspotas uma das suas armas mais preciosas, suprimindo as prisões arbitrárias.”65. Em 1688, ocorreu nova revolução na Inglaterra com a imposição da Bill of Rights: “[...] que decorreu da Revolução de 1688, pela qual se firmara a supremacia do Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles aceita [...]”66. Quanto ao Habeas Corpus: “Em 1789 foi incluído na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.” 67. 59 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 165. ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 166. 61 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 85. 62 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 85. 63 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 86-87. 64 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 163-164. 65 NOBLET, 1963 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 153. 66 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 153. 67 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 490. 60 16 1.2.4 O Habeas Corpus Act de 1816 Os Writs de Habeas Corpus anteriores somente serviam para livrar da prisão as pessoas acusadas formalmente de crimes, não servindo para as pessoas “[...] detidas por outras acusações ou meros pretextos. Nem sequer havia outro remédio com que obtivessem das Casas uma decisão qualquer sobre a legalidade de sua encarceração.”68. Com o Habeas Corpus Act de 1816 o rol de garantias contra o constrangimento ilegal foi ampliado. Desde então, com o Habeas Corpus Act de 1816: [...] estando uma pessoa presa ou detida por outros motivos diversos da acusação criminal, começou a usar-se do habeas corpus para apressar a decisão. Uma vez resolvida a questão da ilegalidade do constrangimento do impetrante, restituía-lhe a liberdade, como antes se procedia relativamente às detenções ilegais por suspeita de crime. [...] Dá-se habeas corpus por exemplo: a indivíduo que continua preso, sem ordem legal do juiz; a criança detida fora da casa dos pais; a pessoa sã que tenham internado, como louco ou doente, em hospício [...]. Diante disso, a ordem de soltura agora podia ser dada a qualquer pessoa, funcionário ou particular que detivesse outrem contra sua vontade. Leciona Guimarães69 que: “[...] deve apontar-se que foi com o Habeas Corpus Act de 1816, fruto da exigência jurisprudencial, que se estendeu a regulamentação aos casos não criminais [...]”. 1.2.5 Habeas Corpus e Napoleão Bonaparte Há relatos de que Napoleão Bonaparte teria feito uso de Writ de Habeas Corpus Inglês por volta de 1815. Em 1815, Napoleão governava na França no chamado governo dos Cem dias. Deu-se tal nome por que: Sua permanência no poder, entretanto, durou apenas cem dias. A coligação de forças internacionais rapidamente se reorganizou e marchou contra a França, conseguindo derrotar definitivamente Napoleão, na Batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815. Preso pelos ingleses, Napoleão foi exilado na ilha de Santa Helena, no oceano Atlântico, onde permaneceu até a morte (1821).70 68 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 99. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 166-167. 70 COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 5. ed. 3ª tiragem. – São Paulo: Saraiva, 2001, p. 269, (grifo do autor). 69 17 E enquanto Napoleão era conduzido até a ilha de Santa Helena pelos ingleses, o barco que lhe transportava havia aportado na Inglaterra. Napoleão que permanecera aprisionado no interior do barco, havia recebido da justiça Inglesa, segundo as memórias da Vida de José Liberado de Carvalho (145 seg.) publicadas em 1855 e citadas por Pontes de Miranda, permissão para sair da Nau que lhe aprisionara e depor como testemunha em um processo. Tal permissão se deu através de Writ de Habeas Corpus impetrado por terceiro em favor de Napoleão. Vejamos: [...] A nau, que o aprisionou, foi portar-se na costa da Inglaterra, defronte do porto de Portsmouth; [...] o grande inimigo, que, enquanto poderoso, metera tanto medo aos Ingleses, começou, depois de sua queda, a achar simpatia entre eles... entre eles houve um que concedeu a atrevida idéia de o fazer desembarcar, e talvez impedir que fosse para Santa Helena. [...] Em virtude do notável ato denominado habeas corpus, fez requerimento ao magistrado competente em que dizia precisar da presença de Napoleão para lhe servir de testemunha em um processo em que andava. O magistrado, que lhe não podia negar, segundo a lei, o que o homem lhe pedia, deferiu-lhe como requeria. No mesmo instante, porém, deu aviso ao governo do que se passava. Esse, pelo telégrafo, avisou logo o comandante da nau para se pôr ao largo, em distância que se entendia não ser domínio da Inglaterra [...]71. 1.2.6 O Habeas Corpus nos Estados Unidos da América Como no início os Estados Unidos fora uma colônia povoada por ingleses, nada mais natural que esses colonos levassem consigo os ideais de justiça e liberdade conquistados pela nação inglesa e na bagagem, estava também o Habeas Corpus, veja: Os ingleses que povoaram as colônias norte-americanas foram para ali com uma consciência já arraigada dos princípios de liberdade. Conservaram e adotaram as leis de matriz inglesa, estabelecendo uma cultura jurídica baseada no respeito aos direitos absolutos e orientada pelo princípio fundamental do due process of law. E a constituição de uma organização jurídica fundada no ideário de que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes”, foi a conseqüência do elevado grau de maturidade do direito anglo-saxão, do qual os colonos já não podiam prescindir. Reagiram energicamente à tentativa de o Parlamento inglês suprimir-lhes algumas das garantias ancestrais. E reclamaram a possibilidade de utilizarem o habeas corpus.72 71 72 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 98. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 175. 18 Para Pontes de Miranda73, o Habeas Corpus “[...] Nos Estados Unidos da América continuou de ser o que sempre foi na Inglaterra: remédio sumário contra as violações da liberdade física [...]”. Vê-se nos comentários de Guimarães que o Habeas corpus já era usado antes mesmo da independência das colônias dos Estados Unidos, ocorrida no ano de 1776: [...] Assim, em 1692 a Assembléia de Massachusetts adotou o Habeas Corpus Act inglês de 1679. Em 1710 o ato chegava a Virgínia. Mesmo antes de o habeas corpus ter sido reconhecido pelo Ato de Setembro de 1789, alguns dos Estados-membros da recém independente nação norte-americana já tinham regulamentado o procedimento [...]74. No mesmo sentido, Pontes de Miranda75: Não há negar a paixão da liberdade física que sempre teve o povo americano. Mesmo nos tempos coloniais, há fato histórico que merece ser lembrado: o ter-se estendido o privilégio do habeas corpus a uma das colônias que o não possuía. Tal foi o ato do governador Spotswood em 1710, que tornou aplicável na Virgínia o célebre remédio inglês (William Bryant e Sidney Gay, History of the United States, III, 72). Mas foi com o ato de 1791 que a liberdade passou a ser protegida amplamente nos Estados Unidos da América: “Com a ratificação da Constituição dos Estados Unidos da América, em 15 de dezembro de 1791, surgiu o termo “liberty”, em seu art. 5°: “nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal” [...]”76. A Constituição Americana também estabeleceu alguns casos de suspensão do privilégio do Writ de Habeas Corpus: [...] A Constituição dos Estados Unidos da América estatui que o privilégio de habeas corpus não poderia ser suspenso senão em casos de rebelião ou invasão, quando a segurança pública o exigisse. É, portanto, o n° 2 da 9ª seção do art. 1° que regula a suspensão, desde 17 de outubro de 1787 [...]77. No mesmo sentido acerca da suspensão do Writ, explica Guimarães: 73 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 133. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 175. 75 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 127. 76 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 19. 77 ______. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 19. 74 19 [...] É previsto de forma negativa no artigo 1°, da seção 9, que faz referência à impossibilidade de suspensão por ato do Estado, a não ser em casos de emergência: “O direito ao writ de habeas corpus não será suspenso, a não ser quando nos casos de rebelião ou de invasão a segurança pública o exigir”. Daqui emerge a ilação de que o habeas corpus se enquadra harmoniosamente no contexto de direitos e garantias constitucionais. É válido no sistema jurídico, só padecendo de exceção nos períodos em que a segurança pública se impuser como contingência exclusiva [...]78. O Habeas Corpus Norte Americano se diferenciou do inglês por atuar também como instituto de controle de constitucionalidade, veja: Outra condição de fundamental importância para a impetração do habeas corpus perante uma Corte de Justiça Federal, consiste na dedução de queixa baseada na violação de direito constitucional ou infraconstitucional do requerente. [...] Pode-se concluir, assim, que este habeas corpus tem as características de uma ação de controle de constitucionalidade.79 O Habeas Corpus Norte Americano: “[...] É desta forma, ao lado de outras ações, um dos guardiões da Constituição dos Estados Unidos [...]”80. 1.2.7 O Habeas Corpus no Brasil Imperial e Republicano O Habeas Corpus chegou de forma singela em nosso país. Antes de sua chegada, em 1821, o que se usava eram institutos como as Cartas de Seguro e interditos originados do direito português. “[...] As chamadas “Cartas de Seguro” eram correspondentes ao habeas corpus de hoje, e entravam na lista das “Cartas de Guia”, que eram o salvo conduto, o passaporte. A carta de seguro eximia alguém de prisão até que se julgasse finalmente a causa [...]”81. Mas foi com o Decreto de 23 de maio de 1821, que nascia o Habeas Corpus em nosso ordenamento jurídico. O correu então que: “[...] Logo após a partida de D. João VI para Portugal, foi expedido o Decreto de 23 de maio de 1821, referendado pelo Conde dos Arcos [...]”82. Tal era a importância desse Decreto que na opinião de Pontes de 78 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p. 177. ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 181. 80 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 182. 81 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 153. 82 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 151. 79 20 Miranda, o Decreto era “[...] como se vê, a nossa “Magna Charta”, o primeiro grande marco histórico das nossas liberdades. Com o atraso de alguns séculos [...]”83. Porém, esclarece Guimarães que: Apesar de toda influência liberal que girou em torno dos momentos que antecederam a Constituição do Império, ai incluindo-se o mencionado decreto de 1821, ainda não se havia introduzido aquilo que se pode denominar de técnica de defesa dos direitos de liberdades, observada no constitucionalismo norte-americano [...]84 Em 25 março de 1824, D. Pedro I outorga a primeira Constituição brasileira que vai traçar: “[...] os primeiros contornos de importância sobre o direito à liberdade física, que vão estreitamente conexionados à idéia de legalidade e de due process of law [...]”85. Nesse momento constitucional: “A liberdade física adquiriu a categoria de direito constitucional, fazendo parte do sistema de direitos individuais à abstenção de atuação estatal. [...]”86. Apesar desta Constituição Imperial firmar direitos e garantias, nem todos podiam usufruí-los, veja: A Constituição afirmava a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas a maioria da população permanecia escrava. Garantia-se o direito a propriedade, mas 95% da população (segundo algumas estimativas), quando não eram escravos, compunham-se de “moradores” de fazendas, em terras alheias, que podiam ser mandados embora a qualquer momento. Garantia-se a segurança individual, mas podia-se matar um homem sem punições. Aboliam-se as torturas, mas nas senzalas os instrumentos de castigo como o tronco, a gargalheira e o açoite continuavam sendo usados, e o senhor era o supremo juiz da vida e da morte de seus homens.87 A Constituição Imperial brasileira de 1824, era “[...] baseada no modelo de constitucionalismo da Europa continental, estabelecia o direito à liberdade física, mas não a garantia correspondente, nem mesmo um sistema de controle da constitucionalidade dos atos [...]”88. E, apesar de não prever o instituto do Habeas Corpus em seu Texto: [...] o seu art. 179, inc. 8°, era de liberalismo que podia conter, perfeitamente, tal remédio jurídico: “Ninguém poderá ser preso sem culpa 83 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 153. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 185. 85 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 183. 86 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 183. 87 COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. p. 312. 88 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 185. 84 21 formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada fará constar ao réu o motivo da prisão, o nome do seu acusador e os das testemunhas, havendoas”.89 Conforme Luiz Cesar e citando Mossin, o Código Criminal Imperial de 1830 mencionou o instituto do Habeas Corpus em seus artigos 183 e 184, porém, sem regular seu procedimento: Recusarem os juízes, a quem for permitido passar ordens de habeas corpus, concedê-las quando lhes forem regulamente requeridas, nos casos em que podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou deixarem, de propósito, e com conhecimento de causa, de as passar, independente de petição nos casos em que a lei determinar; Recusarem os oficiais de justiça ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma ordem de habeas corpus, que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das outras diligências necessárias para que esta ordem surta efeito.90 Porquanto, a institucionalização legal da Ação de Habeas Corpus em nosso ordenamento jurídico, se deu com a criação do Código de Processo Criminal de 1832 nos seus arts. 340 à 355, donde: [...] O Código do Processo Criminal (Lei de 29 de novembro de 1832), em que primeiro se regulou o habeas corpus, continha as seguintes regras jurídicas, muitas das quais ainda em vigor na República (Constituição de 1891, art. 83), até o Código de Processo Penal de 1941; e outras foram ampliadas e liberalizadas em épocas posteriores do Império e da República [...] Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir ordem de habeas corpus em seu favor (art. 340). Corrigiu-se depois: qualquer.91 Mas como se garantia a liberdade individual entre os anos de 1821 a 1832 no Brasil? De acordo com Pontes de Miranda92: “[...] antes do Código do Processo Criminal do Império (1832), após o Decreto de 23 de maio de 1821, havia ação de desconstrangimento, sem o nome de habeas corpus, mas classificável como tal. Juízes e 89 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 159. MOSSIN, 2002 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 20. 91 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 163. 92 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 160. 90 22 tribunais atendiam aos pedidos de soltura, por ser ilegal a prisão.”. Tal procedimento se dava porque, segundo Pontes de Miranda, o Habeas Corpus compreendido entre o período de 1821 e 1832 era apenas uma pretensão: “Habeas Corpus é pretensão, ação e remédio. A pretensão data de 1830 (Código Criminal, arts. 183-188). A ação e o remédio, de 1832.”93. O instituto do Habeas Corpus adquiriu algumas mudanças características do direito brasileiro no seu escopo após sua introdução no Brasil. Teve também grande influência do direito inglês, como se vê nos ensinamentos de Pontes de Miranda: “[...] O Código do Processo Criminal de 1832 inspirou-se, como se vê, nos Habeas Corpus Acts ingleses de 1679 e 1816, adquirindo, todavia, feitura características – e por que não no dizer? – excelentemente nacional.”94. Algumas dessas modificações ocorreram em 1841 e 1842, originando o recurso de ofício quando da concessão do Writ, veja Mossin95: “Posteriormente, a legislação sobre o habeas corpus sofreu ligeiras modificações através da Lei de 03 de dezembro de 1841; do Regulamento n.° 1.120 de 31 de janeiro de 1842, em que ficou previsto o recurso de ofício quando a ordem fosse concedida.”. Em 1871, foi ampliado o cabimento do Habeas Corpus, criando-se o Habeas Corpus preventivo e legitimação do estrangeiro requerer para si esse remédio: [...] A ameaça, porém, não orçava, então, em constrangimento, pois foi esse o maior serviço que aos brasileiros prestou a Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, no § 1° do art. 18: “Tem lugar o pedido de habeas corpus quando o impetrante não tenha chegado a sofrer o constrangimento corporal, mas se veja dele ameaçado” [...]96. Quanto à possibilidade do estrangeiro requerer o Writ de Habeas Corpus, a: “[...] Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, estatuiu no art. 18, § 8°: “Não é vedado ao estrangeiro requerer para si ordem de habeas corpus, nos casos em que esta tem lugar” [...]97. 93 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 160. ______. História e prática do Habeas Corpus. p. 166. 95 MOSSIN, 2002 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestre em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 20. 96 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 168. 97 ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 179. 94 23 Em 1891 foi promulgada a primeira Constituição Republicana do Brasil, inspirada no modelo constitucional norte americano e, portanto, baseada no modelo federalista de Estado. Essa Constituição trouxe no seu bojo o Habeas Corpus como garantia constitucional. “[...] Antes simples remédio processual, extinguível pelos legisladores ordinários, vai o habeas corpus adquirir, em seu novo nascedouro, o caráter de direito constitucional, em regra jurídica inderrogável pelas leis ordinárias.”98. O que era lei ordinária passou a ser garantia constitucional, mantido pelas constituições que se seguiram, e hoje, está elencado na Constituição da Republica Federativa de 1988, mais especificamente no art. 5°, LXVIII, tornando o instituto tão amplo e conhecido que: “[...] Quase todos, no próprio interior do país, sabem que se pode pedir habeas corpus para si, ou para outrem, e – o que é mais importante – que a denegação permite se vá até tribunal local ou ao próprio Supremo Tribunal Federal.”99. Entre os anos de 1891, ano em que o Habeas Corpus se tornou garantia constitucional, e 1926, houve uma discussão entre dois dos maiores juristas nacionais daquela época, Pedro Lessa e Ruy Barbosa, acerca da amplitude do instituto Habeas Corpus. A discussão ocorrera porque o texto constitucional de 1891 tipificava que o instituto combatia violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (ampliando o alcance) e não se restringia apenas a liberdade de locomoção como hoje ocorre: Interpretando diversamente o dispositivo, Pedro Lessa e Ruy Barbosa deram causa a uma famosa polêmica. Pedro Lessa sustentava que o instituto se limitava à defesa da liberdade de locomoção, não podendo ser empregado para a defesa de outros direitos líquidos e certos; Ruy Barbosa entendia que, no silêncio do texto constitucional, não se admitia interpretação restritiva do remédio heróico, podendo o mesmo ser utilizado para a defesa de qualquer direito. A posição de Ruy Barbosa sagrou-se vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, que interpretou amplamente o habeas corpus.100 O texto constitucional de 1891, que gerou no ano de 1926, a discussão explicitada acima, dizia: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder.”101. Para acabar com tal discussão e delimitar o alcance do dito remédio o legislador reformou o texto constitucional nesse mesmo ano: 98 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 195. ______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 200. 100 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 491. 101 ______. Curso de processo penal. p. 491. 99 24 A reforma constitucional de 1926 esvaziou a discussão, restabelecendo a finalidade clássica do writ, qual seja, a tutela exclusiva da liberdade ambulatória. O art. 72, § 22, ficou com a seguinte redação: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção”. 102 Com a Constituição de 1934, foi modificado novamente o sentido e o alcance legal do Habeas Corpus que ficou com o seguinte texto: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus.”103. Nessa mesma ocasião também foi criado o mandado de segurança individual, vejamos o que diz José Frederico Marques: “[…] Na Constituição de 1934, não se falou em liberdade de locomoção; mas não se repetiu o texto de 1891, e se criou o mandado de segurança […]”104. Novamente em 1937, a Constituição desse ano deu novo conceito legal ao Habeas Corpus que novamente passou a amparar apenas a liberdade de locomoção, veja: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”105. Novamente em 1946 a Constituinte modificou o dispositivo que previa o dito writ, acrescentando a possibilidade da ameaça ao direito de locomoção: “[...] assim dispõe o art. 141, § 23: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus”.”106. Nos anos que vieram: “A Constituição Federal de 1967, em seu art. 150, § 20, conservou a redação dada ao habeas corpus pela de 1946, enquanto que a EC n° 1, de 17 de outubro de 1969, repetiu o regramento dado por aquela constituição mais moderna (art. 153, § 20).”107. 102 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 491. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 50. 104 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000, v. 4. p. 442. 105 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 52. 106 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 443. 107 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 54. 103 25 Com a Constituição de 1988, verificou-se que houve nova modificação no dispositivo constitucional que prevê o Habeas Corpus, o artigo 5°, inciso LXVIII é que passa a prever o remédio. Também se constata que não se fez mais menção à proibição do instituto nas transgressões disciplinares. Com isso verifica-se que: O habeas corpus integrou-se ao constitucionalismo brasileiro, mas conservou-se regulado na lei adjetiva penal. E nela está estruturado metodologicamente como recurso criminal, apesar de extrair-se de sua definição um conteúdo muito mais vasto do que se pode encontrar nesta natureza processual. 1.3 PRINCÍPIOS GARANTISTAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO HABEAS CORPUS 1.3.1 Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal está expressamente garantido na Constituição brasileira de 1988 no art. 5°, LIV: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; O princípio do devido processo legal nasceu com Magna Carta inglesa no ano de 1215 e foi incorporado por muitos países, inclusive pelo Brasil. Para Alexandre de Morais: O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estadopersecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).108 108 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 93. 26 O devido processo legal é cláusula que combate constitucionalmente toda e qualquer omissão ou ilegalidade dos órgãos estatais para com as pessoas que se encontre em seu território, limitando assim o poder do Estado na atuação de seus órgãos. Tem como utilidade: [...] fazer com que a atuação do Estado, em sua atividade persecutória ou em sua atividade punitiva, sofra limitações em face dos direitos e garantias dos cidadãos. Ao ente público (pouco importa se integrante do Executivo, Legislativo ou Judiciário) não é dado descumprir, violar ou deixar de prestar algo que a lei determine “devido” ao cidadão. Se o Estado assume para si o monopólio da função de julgar e aplicar pena, não pode deixar de cumprir esse mister segundo as regras de um atuar justo e predefinido em lei [...] Para Francisco das Neves Baptista, o devido processo legal tem como objeto a proteção da dignidade da pessoa humana e em segundo plano a proteção de bens materiais: O processo justo, pois, não se compadece com violação alguma da garantia fundamental do indivíduo – devendo atentar-se para que as garantias fundamentais têm por referencial a dignidade humana, não o patrimônio de alguns. A verdade necessária à conclusão justa do processo é a que se pode atingir sem arranhaduras na integridade humana do cidadão, não uma verdade real arrancada a qualquer preço. 109 Conforme jurisprudência do STF, o devido processo legal é de cumprimento obrigatório e irrenunciável: ““O devido processo legal é irrenunciável. Incompreensível qualquer condenação, sem a observância prévia” (STJ – 6.ª T. – EDREsp. 23.503-4 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – j. 20.04.1993).”110. 1.3.2 Princípio da presunção de inocência A presunção de inocência está previsto no art. XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948111: 109 BAPTISTA, 2001 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 51. 110 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 242. 111 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 set. 2008. 27 Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Segundo Franco e Stoco, a presunção de inocência surgiu “[...] no período iluminista como forma de limitar a atuação estatal do Antigo Regime (autoritário, autocrático e despótico), é concebida como a base sobre a qual se deve assentar os principais institutos do sistema processual penal [...]”112. Tal princípio também foi adotado pela nossa Carta Política de 1988 no art. 5°, inciso LVII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; Rocha comenta que não basta que seja facilitado o acesso ao judiciário para que as partes recebam a prestação jurisdicional, sendo necessário que a jurisdição seja exercida corretamente, obedecendo preceitos pré-estabelecidos no ordenamento jurídico, onde: “Não basta às partes terem o direito de acesso ao Judiciário. Para que o socorro jurisdicional seja efetivo é preciso que o órgão jurisdicional observe um processo que assegure o respeito aos direitos fundamentais, o devido processo legal (CF, art. 5°, LIV).”113. Esse princípio é tão importante que já houve uma tentativa de despenalizaçao da lei penal cogitado por alguns juristas com base na presunção de inocência, 112 113 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. p. 696. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 6. ed. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2002. p. 53. 28 onde, “[...] tal princípio, que levado às últimas conseqüências, não permitiria qualquer medida coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo [...]”114. Porém, o que ocorre apenas é: “[...] uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado [...]”115. Para Moraes, apesar do referido princípio ter afastado legalmente através da Constituição a possibilidade de prisão antes da sentença transitar em julgado, judicialmente alguns tipos de prisões ainda são possíveis e bastante usuais: A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum da não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis [...] Pelo princípio da presunção de inocência deve-se concluir segundo Julio Fabbrini Mirabete que: [...] (a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever de provar sua inocência; cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dubio pro reo) [...]. Conforme Luigi Ferrajoli, encerra-se afirmando que a presunção de inocência: [...] não é apenas uma garantia de ‘liberdade’ e de ‘verdade’, mas também uma garantia de ‘segurança’ ou, se se deseja, de ‘defesa social’: daquela específica ‘segurança’ fornecida pelo estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça; e daquela específica ‘defesa’ a essa oferta contra o arbítrio punitivo [...] 114 115 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 45. FLORIAN, 1968 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. até dezembro de 2004 – São Paulo: Atlas, 2005. p. 45. 29 O Brasil aderiu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, o qual entrou em vigor para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 através do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992116. Essa Convenção sobre direitos humanos, trás, em seu bojo, o princípio da presunção de inocência: Artigo 8 Garantias judiciais 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas [...]117 1.3.3 Princípio da ampla defesa e do contraditório O princípio da ampla defesa e do contraditório são garantias fornecidas ao réu para que ele possa produzir toda a prova necessária a garantir sua defesa, colocando-o assim, em igualdade com a acusação. Alexandre de Moraes ensina que: Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-selhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor [...]118 A Constituição Brasileira no art. 5°, LV, garantiu a ampla defesa e o contraditório a toda e qualquer pessoa: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 116 BRASIL. Decreto n. 678 de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 15 set. 2008. 117 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/andec678-92.pdf>. Acesso em: 15 set. 2008. 118 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 93. 30 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Ao comentar o art. 5°, LV da Constituição do Brasil de 1988, que fala da ampla defesa e do contraditório, Ada Pellegrini Grinover afirma que: [...] a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, 119 ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes [...] Todo acusado tem direito a um processo justo, e, para que isso ocorra, é necessário que ele conheça seu acusador e a acusação que lhe é feita, para tanto, o art. 261 do Código de Processo Penal120, garante que pessoa alguma seja processada sem direito a defesa, onde: “O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido (audiatur et altera pars).[...]”121. Segundo ainda o princípio do contraditório, “[...] Seu pressuposto é a idéia de que a verdade só pode ser evidenciada pelas teses contrapostas das partes [...]”122. O princípio do contraditório comporta uma exceção, ele inexiste no processo inquisitivo, como por exemplo, no inquérito policial. Capez, ao comentar essa exceção, informa: “[...] sendo o inquérito um procedimento inquisitivo, não haveria que se falar em devido processo legal. [...] é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o inquérito policial é mera peça de informação, cujos vícios não contaminam a ação penal [...]”123. Segundo Rocha, o réu tem legitimamente o direito de defesa que é concedido amplamente pelo ordenamento brasileiro, onde: [...] O réu tem apenas o poder de pedir a rejeição da demanda do autor e de produzir as razões e provas tendentes a demonstrar a procedência de seu pedido. Além disso, o réu tem direito à citação, à intimação de todos os atos do processo, a formular alegações e desenvolver argumentos em defesa de 119 GRINOVER, RDA 183/13 apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2006. p. 102. 120 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro: artigo 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. 121 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 29. 122 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 53. 123 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 69. 31 seus pontos de vista, à prova, à publicidade dos atos processuais, a uma decisão justa, à prova, à publicidade dos atos processuais, a uma decisão devidamente motivada e fundamentada no ordenamento jurídico, aos recursos e à proibição da reformatio in pejus, entre outros.124 1.3.4 Princípio da liberdade Sobre o princípio da liberdade em um Estado de direito, José Afonso da Silva ensina que: “[...] a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe.”125. Conforme Montesquieu126, a liberdade política consiste em fazer o que é permitido pelas leis e não o que a pessoas bem entenderem, muito menos ser constrangido a fazer o que não se deve querer. As leis estabelecerão os limites da liberdade. A liberdade faz parte dos direito civis, direitos estes que devem ser proporcionados pelo Estado para que seus cidadãos possam ter em vida o mínimo de dignidade. Direitos Civis são aqueles que: [...] mediante garantias mínimas de integridade física e moral, bem assim de correção procedimental nas relações judicantes entre os indivíduos e o Estado, asseguram uma esfera de autonomia individual de modo a possibilitar o desenvolvimento da personalidade de cada um. Encontram-se sob essa qualificação a liberdade em geral e as liberdades específicas como a de consciência e religião, de expressão e imprensa, a ambulatória [...]127 A Carta Magna de 1988 no artigo 3°, tem como um dos fundamentos básicos, a construção e manutenção de uma sociedade livre, justa e solidária: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”128. A liberdade também está entre os direitos e garantias fundamentais nesta mesma Constituição, mais especificamente no caput do art. 5° da nossa 124 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 184. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 231. 126 MONTESQUIEU, 1956 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 232. 127 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito fundamentais: retórica e historicidade. 1. ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 260. 128 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 125 32 Magna Carta: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”129. José Afonso da Silva comenta a existência de duas formas de liberdade, quais sejam, a liberdade interna ou subjetiva que é a vontade interior do ser humano para escolher entre o que acha ser certo ou errado e a liberdade externa ou objetiva que é a exteriorização da vontade interior manifestada pela pessoa, expondo que: [...] Liberdade interna (chamada também liberdade subjetiva, liberdade psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre – arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem [...] liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente. Por isso é que também se fala em liberdade de fazer, poder de fazer tudo o que se quer.130 A liberdade é princípio básico para que qualquer sociedade cresça e desenvolva-se sua personalidade normalmente. Sem liberdade não é possível exercer o direito à vida, sendo os prejuízos irreparáveis, tanto para os governados quanto para os governantes, que tem como destino, a destruição do seu governo a curto ou a longo prazo. 1.3.5 Princípio da dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana está garantida entre os fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil no artigo 1°, inciso III, e “[...] é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida [...]”131: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; 129 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 130 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 230-231. 131 ______. Curso de direito constitucional positivo. p. 105. em: 33 Apesar de positivada na Constituição Brasileira, a dignidade da pessoa humana ainda continua a ser desrespeitada em proporção significante. Veja o que diz Sampaio132: Mesmo após 1988, a maioria da população continua sem ter acesso a muitos dos direitos civis. Basta olharmos os números da violência ou a diferença de acesso à justiça entre ricos e pobres e as condições das penitenciárias. Os direitos sociais ainda dependem de muita água sobre a ponte. Os números da moratória social são alarmantes: um alto índice de pobreza e de desigualdade material convive com um número excessivo de analfabetos e de mortalidade infantil [...] Está também consubstanciado no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.133 Correlacionando a dignidade da pessoa humana ao sistema criminal, Luiz Cesar ensina que: Neste mesmo sentido, correlacionando a dignidade ao sistema criminal, depreende-se que a liberdade é o meio pelo qual o cidadão desenvolve-se em Sociedade, sendo que a coação é meio de exceção, somente compreensível nos casos de extrema segurança social, respeita primeiramente a dignidade humana.134 1.3.6 Princípio razoabilidade/proporcionalidade Pelo princípio da razoabilidade as pessoas que representam o Estado devem agir com a razão sem precipitação, tomando atitudes coerentes no exercício de suas funções, pois seus atos devem ser sempre voltados para o bem comum. Em decorrência desse princípio: 132 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito fundamentais: retórica e historicidade. p. 353. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 set. 2008 134 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p.47. 133 em: 34 [...] a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas [...] as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração [...]135 Ao falar da função social e da adaptação ao momento histórico em que deve ser analisado o princípio da razoabilidade, recomenda Di Pietro136 que: [...] o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto [...] O princípio da razoabilidade está intimamente ligado a ação de Habeas Corpus, sendo que, tal ação tem como um de seus objetivos básicos, coibir excessos de agentes públicos quando no exercício da atividade policial e judiciária. O princípio da razoabilidade, “[...] objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais [...] a razoabilidade envolve proporcionalidade, e vice-versa [...]”137. O princípio da proporcionalidade exige que o ato administrativo atinja sua finalidade na medida certa, sem exageros e discrepâncias. Este princípio enuncia a idéia – singela, alias, conquanto freqüentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas [...]138 1.3.7 Princípio da inarredabilidade do controle jurisdicional 135 BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2007. p. 105. 136 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 95-96. (grifo do autor). 137 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2006. p. 93. 138 BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. p. 107. 35 O artigo 5°, inciso XXXV da Constituição federal obriga o EstadoJuiz a apreciar qualquer ameaça ou lesão a direito individual ou coletivo mesmo que não esteja amparado por lei: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; O dispositivo constitucional mencionado acima garante não só a proteção aos direitos previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico brasileiro, como também garante a proteção a qualquer outro direito não previsto no ordenamento, seja por esquecimento do legislador, seja pelo aparecimento de novo fato ainda não regulado em lei. Friede ensina que a Constituição promulgada em 1988 trouxe várias melhorias significantes, entre as quais: [...] inovou, ao ampliar o alcance do dispositivo, incorporando, ao lado das lesões, as ameaças a direitos e a não-restrição às situações jurídicas que envolvam a proteção dos direitos individuais, conferindo, desta feita, ao Poder Judiciário possibilidades de alterações que até então não possuía e, conseqüentemente, ampliando a sua esfera de inferência e seu poder intrínseco, especialmente no que tange à aplicação de medidas liminares de modo geral.139 Alexandre de Morais também é favorável que se houver necessidade e razão para que certo direito não previsto no ordenamento seja apreciado, ele dever ser apreciado e se for o caso, concedido pelo Poder Judiciário, pois direito algum pode ficar sem amparo: Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a 139 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 165. (grifo nosso). 36 jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.140 Quanto a possibilidade de liminar para impedir lesão ou ameaça de lesão a direito perquirido, vale os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni: Efetivamente é por demais evidente que determinadas pretensões somente se compatibilizam com tutelas de urgência. E as liminares e as ações urgentes, para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão ao princípio da inafastabilidade [...]141 Betina Rizzato Lara emite opinião semelhante: “Todo e qualquer veto à concessão de liminares, no nosso entender, é inconstitucional, mesmo que o motivo justificador para tal vedação seja o interesse público [...]”142. 2. ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS 2.1 NATUREZA JURÍDICA Além da Constituição do Brasil, o Habeas Corpus tem seu procedimento descrito no Código de Processo Penal Brasileiro, mais especificamente no livro III, título II “dos recursos em geral” no capítulo X, artigos 647 a 667. “[...] Mas, embora encartado no CPP como recurso, toda a doutrina, quase sem discrepância, considera-o verdadeira ação [...]”143, que é o que veremos adiante. Muito já se discutiu acerca de o Habeas Corpus ser uma ação ou um recurso, mas, grande parte da doutrina caminha com a opinião de que o Habeas Corpus é uma ação popular e constitucional, como leciona Fernando Capez144: 140 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 72. MARINONI, 1992 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 165. 142 LARA, 1994 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 168. 143 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 669. 144 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 492. 141 37 Ação penal popular com assento constitucional, voltada à tutela da liberdade ambulatória, sempre que ocorrer qualquer dos casos elencados no art. 648 do Código de Processo Penal. E continua ainda o mestre Fernando Capez145, ensinando que o Habeas Corpus é um instituto sui generes, adquirindo a feição de outros institutos, veja: [...] Nas hipóteses previstas nos incisos II, III, IV e V, assume a função de verdadeira ação penal cautelar. Nos incisos VI e VII, funciona como ação rescisória (constitutiva negativa), se a sentença já tiver transitado em julgado, ou como ação declaratória, se o processo estiver em andamento. No inciso I, poderemos ter ação cautelar, declaratória ou constitutiva, dependendo do caso. Mirabete146 emite opinião semelhante ainda referenciando que esse Remédio pode servir como recurso, “[...] Trata-se realmente de ação penal popular constitucional, embora por vezes possa servir de recurso.”. Pontes de Miranda, já ensinava que: [...] o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação, cuja classificação mostraremos mais tarde. A ação é preponderantemente mandamental. Nasceu assim o instituto. Os dados históricos no-lo provarão. Não se diga (a erronia seria imperdoável) que se trata de recurso. A pretensão não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola ou 147 ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir [...] . Em suma, “o habeas corpus é uma ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder [...]” 148. Há autores que consideram o Habeas Corpus um recurso. É o caso, por exemplo, de Lafayette Rodrigues Pereira e Gama Coelho149 que vêem no habeas corpus, “um recurso extraordinário para, à falta de outro que os faça desaparecer ou os evite, fazer cessar pronto e imediatamente a prisão ou o constrangimento ilegal.”. 145 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 492. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771. 147 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 31. 148 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 111. 149 PEREIRA, Lafayette Rodrigues; COELHO, Gama , 1900 apud PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. 6ª ed. 2ª série – Curitiba: Juruá, 1994. p. 22. 146 38 Na Inglaterra, durante alguns séculos o habeas corpus se assemelhou com o recurso em geral, como podemos ver nos apontamentos de R. J. Sharpe citado por Guimarães: [...] durante os séculos XVIII e XIX, quando a Magisterial Law concedeu um amplo poder aos justices para exercerem a jurisdição sobre os procedimentos sumários, submetidos ao controle das cortes do Common 150 Law, o habeas corpus adquiriu nítidas feições de recurso [...] Naquele país, atualmente ainda “[...] é possível detectar-se algum traço deste caráter recursal nas matérias conexas aos casos de extradição quando, v.g., a prisão do estrangeiro é determinada sem a obediência às regras procedimentais.”151 No Brasil, ele "[...] Também assume esta condição quando o habeas corpus é interposto visando a declaração de nulidade processual.” 152,. Entretanto, a posição de alguns autores de que o habeas corpus seja um recurso é frágil, pois, “[...] Além de poder pedir-se reiteradamente pela concessão do writ, a iniciativa do procedimento não se acha adstrita a limitações temporais [...]”153, diferenciando-se assim dos recursos de um modo geral. Ainda segundo os ensinamentos de Guimarães154, ao diferenciar o habeas corpus de recurso, alega que o habeas corpus é: [...] ao contrário do recurso, instrumento autônomo, podendo, pois, ter início antes do processo (na fase de inquérito policial, v.g.) ou, mesmo, quando o processo seja findo. E assume, consoante a providência que se requer, natureza de ação declaratória, constitutiva ou cautelar. O Habeas Corpus, “Constitui-se, portanto, em ação dirigida à tutela do direito de liberdade individual, possuindo características equivalentes às demais ações [...]”155. 150 1976 apud GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p. 212. 151 SHARPE, 1976 apud ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 212. 152 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 213. 153 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 213. 154 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 214. 39 Possui a ação de Habeas Corpus a natureza de rito sumaríssimo e tem como sua característica principal, a de ser um remédio célere e eficaz no combate contra qualquer violência ou coação a liberdade de locomoção. É uma ação de conhecimento, sendo que: “[...] tende a provocar um juízo, no sentido preciso do termo, ou seja, um julgamento sobre a situação jurídica afirmada pelo autor.”156. Ensina Tourinho Filho que a sentença que concede ordem de Habeas Corpus pode ter natureza cautelar, constitutiva ou declaratória: [...] Sempre que um habeas corpus preventivo for concedido, a sentença terá, ineludivelmente, o caráter cautelar. Se, mercê de uma ordem de habeas corpus, a sentença condenatória é anulada, a decisão concessiva do writ tem caráter constitutivo. Finalmente, se o órgão jurisdicional, em razão de um pedido de habeas corpus, decreta a extinção da punibilidade, inegável o caráter declaratório da sentença que acolheu o pedido.157 2.2 LEGITIMIDADE ATIVA O Habeas Corpus é visto pela grande maioria da doutrina como uma ação constitucional popular e portanto, Qualquer pessoa tem legitimação para se impetrar uma ordem de habeas corpus, essa pessoa pode ser, maior ou menor, nacional ou estrangeiro, uma vez que a propositura exige do autor a qualidade de cidadão.158 Guimarães entende que a regra do artigo 654, “caput”159 do Código de Processo Penal, confere legitimidade de impetração a qualquer pessoa: [...] O artigo 654 do Código de Processo Penal defere a qualquer pessoa a legitimidade para aforar o pedido de habeas corpus, em seu favor ou de outrem. E acrescenta a possibilidade de também o Ministério Público agir nestas condições [...]160 Para Pacheco, em uma ação de Habeas Corpus pode-se identificar as seguintes pessoas: 155 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 22. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 206. 157 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 670-671. 158 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 31. 159 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. 160 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 190. 156 40 [...] o impetrante, que é aquele que requer, ou impetra, a ordem de habeas corpus a favor do paciente; o paciente, que é o indivíduo que sofre a coação, a ameaça ou a violência consumada; o coator, que pratica ou ordena a prática do ato coativo ou da violência; e o detentor, que mantém o paciente sob o seu poder, ou o aprisiona. 161 Para Tourinho filho, qualquer pessoa com exceção do Juiz, pode impetrar Habeas Corpus, sendo que: “[...] Se o paciente for analfabeto, alguém poderá assinálo a seu rogo [...]”162. Para Luiz Cesar S. Ferreira, que leva em conta a possibilidade de todos os membros da sociedade impetrar o Writ, alega ser o Habeas Corpus, [...] Um remédio constitucional, amparado em sua natureza jurídica, instituto que preserva o direito à liberdade do cidadão, caracteriza-se por ser uma verdadeira ação penal popular, em que a sociedade tem legitimidade para 163 provocá-lo. No Regimento Interno do STF, mais especificamente no art. 192, § ú, no titulo VII das Garantias Constitucionais, onde fala do Habeas Corpus, se verifica que quando o impetrante não der autorização para a impetração do Writ, este não será conhecido, veja: Art. 192. Instruído o processo e ouvido o Procurador-Geral em dois dias, o Relator o colocará em mesa para julgamento na primeira sessão da Turma ou do Plenário, observando-se, quanto à votação, o disposto nos arts. 146, parágrafo único, e 150, § 3°. Parágrafo único. Não se conhecerá do pedido se desautorizado pelo paciente. Sobre a legitimidade ativa da pessoa jurídica, Mirabete164 ensina que: Não há impedimento que pessoa jurídica impetre habeas corpus em favor de quem está submetido a constrangimento ilegal na liberdade de locomoção, já que o artigo citado faz referência a “qualquer pessoa”, compreendendo inclusive aquela [...] 161 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 38. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 675. 163 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 32. 164 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p 772. 162 41 A pessoa jurídica pode impetrar o Writ em nome de terceiros. Para Ferracini165, “não há dúvida de que a pessoa jurídica pode impetrar habeas corpus, mas aquele que a representa legalmente deve, de plano, comprovar isso.”. O mesmo não se aplica quando está a pessoa jurídica no pólo passivo pois, “[...] o habeas corpus, por faltar o objeto da tutela, que é a liberdade ambulatória, não pode ser impetrado em favor de uma pessoa jurídica.”166 Há discussão na doutrina acerca de ser possível a impetração do referido writ por Magistrado. Na opinião de Tourinho Filho167: O Juiz não pode impetrá-lo, a menos que ele seja o paciente. A função do Juiz é postular. Pode, isto sim, quando no curso de um processo para o qual tenha competência, verificando que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal, expedir de ofício, isto é, sem provocação de quem quer que seja, ordem de habeas corpus, tal como o permite o § 2° do art. 654 do CPP [...] Discordando do autor acima, entende Guimarães que há possibilidade do juiz impetrar o writ na qualidade de cidadão em favor dele ou de terceira pessoa, porque: [...] ao dispor no § 2° do artigo 654 sobre a concessão ex officio e ordem de habeas corpus, o legislador pretendeu apenas estabelecer regra de competência funcional. Não há no referido dispositivo uma vedação à possibilidade de o Juiz, na qualidade de cidadão, impetrar o pedido [...]168 E completa ainda que apesar de o juiz estar constitucionalmente impedido de exercer outra função que não seja a de magistério, como por exemplo a de advogado, ele não fere tal disposição constitucional pois, [...] o aforamento de habeas corpus, ao nosso ver, não caracteriza a proibição constitucional por dois motivos. Primeiro porque não é ato privativo de advogado. [...] Depois, porque a realização do pedido e seu aforamento não caracterizam atos de advocacia [...]169 165 FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 41. ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 31. 167 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 675. 168 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 192. 169 ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 192. 166 42 Quando versa sobre o Ministério Público, Julio Fabbrini Mirabete170 encontra restrições a legitimidade ativa do parquet quando estiver no juízo onde exerce suas funções, [...] pode o promotor de Justiça, em nome pessoal impetrar o habeas corpus em qualquer Juízo ou Tribunal, com a única exceção do Juízo onde exerce suas funções, pois nesse caso estaria provocando impedimento para oficiar nos autos. Outra restrição acerca do Ministério Público impetrar o Remédio em nome de terceiro, é que, “[...] não se deve, porém, conhecer de impetração do Ministério Público quando o pedido visa satisfazer a interesses do órgão da acusação.” 171. Sobre a legitimidade ativa de outros Servidores Públicos, ensina Luiz Cesar172 que, “impede-se também, nos casos de funcionários públicos e Delegado de Polícia, no exercício da função, sendo-lhes direito constitucional no caso de pessoa física.”. 2.3 LEGITIMIDADE PASSIVA O sujeito passivo é a pessoa que mantém alguém sob sua custódia ilegalmente, impedindo sua liberdade de locomoção por abuso de poder ou pela força e contra sua vontade. Para Antonio Zetti173 “[...] o pólo passivo é o coator, que é todo aquele que de qualquer modo, exerce ou ameaça exercer o constrangimento ilegal, sendo omissivo ou comissivo.”. Quanto a localização do paciente, ensina Pacheco que: [...] não é necessário que se saiba onde se encontra o paciente que sofre o constrangimento ilegal, bastando que se indique qual a autoridade coatora [...] a circunstância de se encontrar o paciente foragido não impede o conhecimento e julgamento do habeas corpus. 174 170 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 772. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 772. 172 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 33. 173 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. p. 33. 174 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 40. 171 43 O constituinte não especificou que o sujeito passivo deveria ser autoridade pública ou servidor público, entende Julio Fabbrini Mirabete175 que: [...] é praticamente pacífico que se pode impetrar habeas corpus contra ato de particular, mesmo porque a Constituição Federal menciona como fator de violência ou coação não só o “abuso de poder”, mas também a “ilegalidade”, podendo esta se praticada por qualquer pessoa [...] No mesmo sentido, ensina Guimarães176 que, [...] o rol de situações que configuram o constrangimento ilegal, abre a possibilidade de reclamar-se a atuação ilegal ou com abuso de poder contra diversos funcionários estaduais, e não apenas contra aqueles que exercem função de autoridade [...] Ao falar da possibilidade de particular exercer o constrangimento ilegal contra a liberdade de locomoção de outra pessoa, Assunção177 alega que, “[...] o fato do sujeito passivo ser um particular, é de que o constrangimento exercido por particular constitui crimes no Código Penal [...]” Júlio Fabbrini Mirabete178 menciona ainda que “[...] prevê, aliás, a Constituição Federal a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de habeas corpus quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição [...]”, e que também “[...] tratando-se de ato solicitado por intermédio de carta precatória, a atribuição de coação ilegal deve ser feita ao juízo deprecante e não ao deprecado.”. Levando em conta o lado jurídico-social do Habeas Corpus, tal instrumento é importantíssimo para que se evitem prisões arbitrárias pelas autoridades públicas, afim sanar interesses pessoais destas. Evita até mesmo detenções para averiguações da polícia, o que atualmente é proibido pela legislação brasileira, mas que ainda é comum acontecer. Portanto, quando da entrada do pedido de Habeas Corpus no judiciário, 175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 773-774. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 194. 177 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 33. 178 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 774. 176 44 Não só o coarctado ou ameaçado tem interesse na concessão do habeas corpus, mas toda sociedade ou coletividade, porque da segurança da liberdade individual dependem a ordem e a harmonia sociais.179 No mesmo sentido opina Guimarães180: “[...] o habeas corpus inserese como um referencial de segurança do direito à abstenção de atuação estatal [...]”, e completa dizendo que, “[...] o habeas corpus é um elemento de intervenção no processo dialógico entre o poder e a comunidade, nesta condição atuando como um contrapeso de limitação do poder [...]”. Quanto a possibilidade de pessoas indeterminadas figurar no pólo ativo, afirma Ferracine181: O habeas corpus não tem cabimento quando se tratar de pessoas indeterminadas, v.g., os sócios de certa agremiação, os empregados de determinado estabelecimento, os moradores de alguma casa, os membros de indicada corporação, os componentes de uma classe, etc. [...] Relativamente à possibilidade dos membros do Ministério Público, figurarem no pólo passivo esclarece Mirabete182 que: Também o Promotor de Justiça é autoridade coatora quando requisita a instauração de inquérito policial, determina o indiciamento ou outras diligências construtivas ou expede requisições ou notificações para comparecimento. Evidentemente, quando a instauração do inquérito policial decorre de requisição do Procurador Geral de Justiça é este a autoridade coatora. 2.4 TIPOS DE HABEAS CORPUS Segundo a doutrina pátria, podem-se estabelecer alguns tipos de Habeas Corpus, porém, os principais são o Habeas Corpus liberatório ou repressivo e o preventivo. Há autores ainda que comentam a existência do Habeas Corpus Profilático e o processual como se verá adiante. 179 FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 59. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 196. 181 FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 60. 182 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 775. 180 45 Quando alguém já sofreu ou estiver sofrendo violência contra seu direito de locomoção, dár-se-á o Habeas Corpus Liberatório ou Repressivo. Nas palavras de Mirabete: “Quando se destina a afastar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção já existente, o habeas corpus é chamado de liberatório ou repressivo. Pode ser ele concedido a pedido ou de ofício pelo Juiz ou Tribunal[...]”.183. O documento hábil que leva a ordem de libertação do paciente é o Alvará de Soltura: “Se a ordem de habeas corpus for deferida, será expedido um Alvará de Soltura pelo julgador, para que o paciente seja posto em liberdade [...]”184. Para Tourinho Filho 185, o Habeas Corpus pode ser apenas de duas formas: “O habeas corpus poder ser liberatório ou sucessivo, e preventivo. O primeiro se dá quando o paciente está sofrendo o constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção. O segundo, quando há uma ilegal ameaça a essa mesma liberdade.”. Desde a entrada do Habeas Corpus na legislação brasileira, mais especificamente no Código de Processo Criminal em 1832, ele sofreu algumas alterações sendo algumas de certa relevância social como é o caso do Habeas Corpus preventivo, que é criação brasileira e fruto do amadurecimento político e social daquela época. Segundo Assunção186, “o habeas corpus preventivo foi introduzido pela Lei n° 2.003 de 1.871, e é uma criação nacional”. Continuando: O habeas corpus preventivo é destinado a impedir um constrangimento ilegal futuro, quando a sua liberdade de locomoção vem sendo de forma ilegal. Sendo comprovado um perigo iminente à liberdade de locomoção do paciente, a ordem de habeas corpus será deferida, isto é, aceita, sendo assim, a autoridade competente, irá expedir um salvo conduto ordenando que o beneficiário não seja preso pelo motivo apresentado no habeas corpus.187 Para a concessão do writ preventivo, “[...] não basta o simples receio subjetivo de quem se julga com direito ao remédio. É necessário prova objetivo do iminente constrangimento ilegal, que poderá ser produzida por todos os meios em direito admitidos, até 183 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771. ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 19. 185 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 711. 186 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 20. 187 ______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 19. 184 46 mesmo os indiciários.”188. No mesmo sentido alerta Mirabete189 de que o “[...] Temor vago, incerto, presumido, sem prova, ou ameaça remota, que pode ser evitada pelos meios comuns, não dá lugar à concessão de habeas corpus preventivo [...]”. Quanto à expedição do salvo-conduto, ensina Mossin que: É oportuno esclarecer, outrossim, que nem sempre o provimento do pedido preventivo de habeas corpus implica na expedição de salvo-conduto, já que se a ameaça de coação ilegal advier de mandado de prisão, basta que a autoridade judiciária concedente determine seu recolhimento, ou, em outros casos, que se ordene a anulação do ato que constitua ameaça à liberdade de locomoção do paciente.190 Tourinho Filho conceitua “salvo-conduto”: [...] Salvo-conduto, do latim salvus (salvo), conductus (conduzido), dá a precisa idéia de uma pessoa conduzida a salvo. Daí a expressão ‘salvoconduto’ para exprimir o documento emitido pela autoridade de que conheceu do habeas corpus preventivo, visando a conceder livre trânsito ao seu portador, de molde a impedir-lhe a prisão ou detenção pelo mesmo motivo que ensejou o pedido de habeas corpus [...]191 Outro tipo de Habeas Corpus citado é o Habeas Corpus Processual, que conforme o Prof. José Barcelos de Souza192: Alem do habeas corpus constitucional, há também o habeas corpus processual, que é um remédio processual contra constrangimento sem justa causa no processo penal, para que possa ai ser utilizado, mesmo se o réu não estiver preso e nem ameaçado concretamente de prisão. No Habeas Corpus Processual é verificada a possibilidade de trancamento da ação penal. No mesmo sentido, porém, com nome diferente e acrescentando, 188 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 23. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771. 190 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 215. 191 TOURINHO FILHO, 1997 apud FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. p. 1735. 192 De Souza apud ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. 1. ed. – São Paulo: Lawbook Editora, 2002. p. 20. 189 47 está o raciocínio de Constantino comentado por Luiz Cesar193, em que classifica o Habeas Corpus em Profilático quando há apenas uma potencialidade de ocorrer à violência ou coação, e neste caso, ele tranca não só a ação penal, como também o inquérito policial. 2.5 PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS A petição para impetrar ação de Habeas Corpus ao judiciário deverá ser dirigida ao juízo competente e “[...] pode ser o mais informal possível, tanto podendo ser escrita à mão como à máquina.”194. Mas em regra, seguirá os requisitos descritos no parágrafo primeiro do artigo 654 do Código de Processo Penal195: 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. § 1o A petição de habeas corpus conterá: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor; c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências. Ainda, quanto à petição de Habeas Corpus, assevera Celso Antonio Bandeira de Mello que não há necessidade de capacidade postulatória para impetrar o Writ. “[...] Sua impetração dispensa recurso a procurador judicial para tanto constituído e prescinde de qualquer formalidade, sempre que, em face das circunstâncias, esta possa ser obstativa de sua ampla utilização [...]”196. Sobre a descrição do lugar que se encontra o paciente, Mirabete ensina que: “[...] Não se exige que conste da Inicial a residência do paciente ou o local em que se 193 CONSTANTINO, 2001 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação (Mestre em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 33. 194 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 45. 195 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 196 BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2007. p. 918. 48 encontra, mas por vezes tal será necessário para a demonstração da existência da coação.”197. Segundo Pontes de Miranda, também não é caso de nulidade o desconhecimento do nome do paciente por parte do impetrante: “Cumpre adverti-se que o nome do paciente pode ser desconhecido pelo impetrante, ou ser-lhe desconhecida a íntegra do nome. Isso não é causa de nulidade, nem de despacho protelatório, se alegada a ignorância e feitas as indicações que bastem para a identificação do paciente.”198. A impetração pode ser feita por meio eletrônico. Explica Mirabete que: É possível, segundo a jurisprudência, que o requerimento seja feito por telegrama, radiograma ou telex, embora se exija a sua autenticação, diante do que dispõe o artigo 654, § 1°, c. A impetração do habeas corpus pode ser feita com amparo na Lei n° 9.800 de 25-5-1999, que autoriza a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens, como o fac-símile ou similar para a prática de atos processuais [...]199 O coator deve ser identificado na inicial, senão pelo nome, por características pessoais, pois, sabendo quem é o coator, pode-se firmar a competência para decidir o writ: Deve também a exordial do habeas corpus indicar a autoridade que está exercendo a violência, coação ou sua ameaça. Quando a coação tida como ilegal emana do particular, deve a petição fazer menção precisa no sentido de individualizá-la, assim como, desde que possível, onde possa ser encontrado. No que tange à indicação da autoridade que exerce a coação ilegal ou sua ameaça, não há necessidade de se mencionar o nome dessa autoridade [...]200 O artigo 654 do CPP não diz que deve haver algum tipo de prova para a constatação da ilegalidade ou coação, mas para Julio Fabbrini Mirabete a petição deve conter pelo menos alguma prova que mostre a ilegalidade ou coação para que seja deferida, onde, a “[...] Impetração sem um mínimo de prova pré-constituída que demonstre ao julgado a veracidade do fato que o impetrante aponta como ilegal e que configuraria, pelo menos em tese, constrangimento indevido, não pode ser deferida.”201. 197 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 788. MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II p. 68. 199 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 789. 200 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 210-211. 201 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 789. 198 49 2.6 PROCESSO E PROCEDIMENTO DO HABEAS CORPUS Inicialmente é importante salientar que a ação de Habeas Corpus possui um rito de natureza sumaríssima e tem prioridade entre as demais ações: “A ação de habeas corpus, exige um procedimento célere, por ser um instrumento adequado à tutela do direito à liberdade de locomoção, visto ser um direito de cada indivíduo.”202. A petição de ordem de Habeas Corpus, pode ser apresentada de dia ou à noite, sem hora marcada, isto é, a qualquer hora: “[...] Sendo fora do expediente, deverá ser entregue ao juiz de plantão, ou da comarca. [...] Sendo dentro do expediente, deverá ser ajuizado no protocolo ou ofício criminal.”203. “Se não houver um juiz de plantão e se a comarca tiver um só juiz, ele poderá entregar na casa do magistrado ou onde ele for encontrado.”204. Inclusive, pode se verificar no Regimento do STF, como nos dos demais Tribunais, que o Habeas Corpus tem preferência entre as demais ações e não depende de pauta, tendo caráter urgentíssimo, os artigos 83, § 1°, III, art. 145, I e 149, I do Regimento Interno do Supremo Tribunal demonstra isso: Art. 83. A publicação da pauta de julgamento antecederá quarenta e oito horas, pelo menos, à sessão em que os processos possam ser chamados. § 1° Independem de pauta: [...] III – o julgamento de habeas corpus, de conflito de jurisdição ou competência e de atribuições3, de embargos declaratórios, de agravo regimental e de agravo de instrumento. [...] Art. 145. Terão prioridade, no julgamento do Plenário, observados os arts. 128 a 130 e 138: I – os habeas corpus; [...] Art. 149. Terão prioridade, no julgamento, observados os arts. 128 a 130 e 138: I – os habeas corpus; Quanto a celeridade do procedimento, ensina Pontes de Miranda: “[...] O processo tem rito mínimo. Pode ser expedida a ordem de ofício e sem qualquer forma 202 ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41. ______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41. 204 ______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41. 203 50 processual assente [...]”205. No mesmo sentido Mossin: “A relação jurídico-processual do habeas corpus se movimenta através do procedimento sumaríssimo [...]”206 O Habeas Corpus é uma ação constitucional, e, portanto, antes de impetrá-la a petição deve preencher certas condições de procedibilidade para que não seja rejeitada por falta de requisitos ou por carência de ação. Conforme orientação de Julio Fabbrini Mirabete: “Apresentada a petição ao juiz, pode ele rejeitá-la liminarmente se não preenchidos os requisitos extrínsecos previstos pelo artigo 654, bem como se houver carência de ação [...]”207. Para que o direito a tutela jurisdicional possa ser exercido é necessário algumas condições. Entre essas condições podemos citar o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido e legitimidade para a causa, que são as condições para que a ação possa ser aceita pelo Estado-Juiz. Quanto ao interesse de agir, ele estará presente sempre que: “[...] a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, conseqüentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático [...]”208. Segundo Cintra, ainda no interesse de agir é preciso que haja necessidade e adequação: Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela […] Adequação é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor ao vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado […]209 Quanto ao interesse de agir na ação de Habeas Corpus: “Estará ausente o legítimo interesse, se não houver ato de coação, ou de ameaça ao direito de ir e vir. [...]”210. 205 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 269. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 187. 207 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 790. 208 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo de conhecimento. 7. ed rev. e atual. v. 1 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 140. 209 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA. p. 259. 210 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000, v. 4. p. 476. 206 51 Outra condição da ação é possibilidade jurídica do pedido. “A possibilidade jurídica do pedido é, justamente, essa exigência de que a situação afirmada pelo autor seja, em tese, protegida pelo ordenamento jurídico para que possa ser suscetível de merecer o conhecimento do juiz.”211. Como ultima condição da ação de Habeas Corpus, temos a legitimidade para causa, que no caso do dito remédio, há algumas diferenças da regra, pois como visto, terceira pessoa pode impetrar a ordem a favor de outrem em nome próprio, o que caracteriza em tese, substituição processual, ou ainda pode ser impetrante e paciente ao mesmo tempo. Substituição processual: “[...] é o poder que a lei concede a alguém para, em seu próprio nome, pleitear direito alheio, seja como autor, seja como réu.”212. Sobre o conceito de legitimidade para a causa explica Cintra: “A legitimidade para agir consiste, fundamentalmente, em saber, no caso concreto, quem pode promover a ação, e contra quem, ou em face de quem, pode ser movida [...]”213. 2.7 COAÇÃO ILEGAL As palavras violência e coação estão intimamente relacionadas, mas há diferença no conceito de cada uma delas. Para Marques a palavra coação abrange juridicamente a vis absoluta: [...] o legislador ordinário, ao falar em violência ou coação ilegal, utiliza a primeira como sendo a vis corporalis, o constrangimento físico; enquanto que a coação implica na violência moral, na vis compulsiva. Em sentido amplo, advirta-se, a palavra coação pode ser tida como nomem iuris de toda e qualquer limitação à liberdade individual, abrangendo, assim, a 214 violência. Rui Barbosa igualmente aponta diferenças entre coação e violência: […] coação pode ser definida como “a pressão empregada em condições de eficácia contra a liberdade no exercício de um direito”, enquanto que a 211 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 193. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. p. 198. 213 ______. Teoria Geral do Processo. p. 194. 214 MARQUES, 1965 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2002. p. 83. 212 52 violência “é o uso da força material ou oficial, debaixo de qualquer das duas formas, em grau eficiente para evitar, contrariar ou dominar o exercício de um direito”. Tourinho Filho explica violência e coação: A lei fala em violência ou coação. Assim também o inciso LXVIII do art. 5° da CF. A violência é a vis absoluta, que se traduz num constrangimento físico, efetivo ou iminente (prisão, cárcere privado, seqüestro), e coação na lição de Hungria, é o constrangimento de alguém, por meios físicos ou morais, a um facere ou a um non facere (Comentários, cit., v. 1, t. 1, p. 251). Tanto uma como outra geram um constrangimento. Então se pode dizer que este é espécie de que são gêneros a violência e a coação. Verifica-se, portanto, que o legislador diferenciou no artigo 647 do Código de Processo Penal, a coação ilegal da violência, veja: “Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”215. Conforme Franco, a coação pode ser atual ou iminente, passada ou superada, e futura: [...] é mister que se afirme que o habeas corpus objetiva pôr paradeiro a qualquer ameaça, atual, real, concreta ou, ao menos, iminente, ao direito de liberdade do cidadão, não servindo, contudo, para protegê-lo em relação a 216 uma ameaça já passada ou que se argúi como futura. Na coação atual, meras hipóteses de coação não dão lugar ao Writ como explicitado no julgado adiante: “A ameaça ao direito de ir e vir, na expressão do Código de Processo, deve ser atual ou iminente, ou ao menos próxima. Meras hipóteses sem correspondência com situações reais não dão lugar ao remédio heróico (TACRIM-SP-HCRel. João Guzzo – RT 430/370).”217. Já a coação passada ou superada, não dá causa ao remédio heróico: “Habeas corpus. – Não é remédio para coação passada mas para coação 215 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 de janeiro de 2008. grifo nosso. 216 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1071. 217 ______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1082. 53 presente ou futura (STF – RHC – Rel. Amaral Santos – DJU 18.12.1970, p. 6326)”218, e “Aplica-se o mandamus apenas para sanar constrangimento ilegal em termos de atualidade à liberdade de ir e vir” (TACRIM-SP-HC-Rel. Ricardo Couto – JUTACRIM-SP 20/346).”219. Quando trata-se de prevenir a coação, fala-se de coação futura e, portanto, o remédio iuris será o Habeas Corpus: Deve ser conhecido o habeas corpus quando, mesmo que de forma remota, há possibilidade do paciente ter sua liberdade de locomoção restrita, sendo irrelevante que, na prática, seja mais plausível a incidência de benefícios legais alternativos ou a ocorrência da absolvição (TACRIM-SP – 2.ª C. – HC 438.892/6 – Rel. Silvério Ribeiro – j. 24.04.2003 – Rolo/flash 1573/393).220 José Frederico Marques, fala em coação processual que limita a liberdade pessoal do indivíduo ou de seus bens, onde: “Durante o processo penal, ou em sua fase prévia de investigação policial, providências podem ser tomadas que impliquem diminuição da liberdade do indiciado ou do réu: tais medidas têm caráter coativo e daí serem tidas como de coação processual pessoal.”221. Porém, tais atos coativos devem obedecer a procedimentos descritos em lei e devem observar a necessidade de se requerer tal ato coativo. Se verificar que o ato infringe norma jurídica ou que consiste em abuso por parte do Estado, ele se transforma em coação sem justa causa, onde: Os atos de coação pessoal estão submetidos a regime de estrita vinculação legal e jurídica, tanto que a pessoa a eles submetidas pode lançar mão do recurso de habeas corpus, desde que ilegal ou contra jus a restrição imposta a seu direito de liberdade (Código de Processo Penal, art. 648).222 Fica-se com a opinião de que a coação ilegal abrange todo tipo de violência a liberdade ambulatória. Os casos de coação ilegal estão descritos no art. 648 do Código de Processo Penal223 e serão comentados um a um adiante: Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: 218 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1083. 219 ______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1083. 220 ______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1083. 221 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 177. 222 ______. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 179. 223 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 54 I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade. 2.7.1 Cabimento I – Quando não houver justa causa: Mossin explica o significado da palavra justa causa: “A palavra justa provém do latim Justus, a qual, como adjetivo, implica legítimo ou legal. [...] Por sua vez a palavra causa sob o ponto de vista étimo significa motivo, razão.”224. A falta de justa causa quando da restrição de liberdade alcança uma gama de situações no habeas corpus., Julio Fabbrini Mirabete225 entende que a falta de justa causa “[....] trata-se, portanto, da ausência do fumus boni júris para a prisão, inquérito ou ação penal, ou qualquer constrangimento à liberdade de locomoção [...]”. Para Pontes de Miranda, justa causa “[...] É a causa que, pelo direito, bastaria, se ocorresse, para a coação. Assim, se não houve acusação por fato que constitua crime, ou contravenção, ou, se houve, a pena é coercitiva da liberdade física, justa causa não há para a coação [...]”226. Para José Frederico Marques, todo o ato atentatório ao direito de locomoção que for contrario ao ordenamento jurídico e que não estiver entre as hipóteses do artigo 648 do Código de Processo Penal é falta de justa causa, inclusive alega o autor que os preceitos enumerados nos incisos do art. 648, são também causas injustas, veja: Em todas as hipóteses enumeradas nos n° II a VII, do mencionado art. 648, registra-se a falta de justa causa. Funciona, portanto, o item ° I, como norma 224 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 91. 225 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 779. 226 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 172. 55 genérica ou de encerramento, porquanto toda coação antijurídica, que não se enquadre nos demais itens do art. 648, será subsumível no preceito amplo em que se fala na falta de justa causa. [...]227 II - Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei: Segundo Mossin, “[...] a prisão a que se refere o inciso transcrito é a cautelar, advinda do flagrante ou preventiva, bem como a prisão temporária, que tem natureza precipuamente investigatória.”228. Quanto à contagem do tempo do réu preso no procedimento de rito ordinário, para que não haja constrangimento ilegal ou, seja injusta a causa, ensina Capez que: [...] Em regra, o processo de réu preso deve estar encerrado dentro do prazo de oitenta e um dias. São dez para a conclusão do inquérito (art. 10), cinco para a denúncia (art. 46), três para a defesa prévia (art. 395), vinte para a inquirição de testemunhas (art. 401), dois para diligências do art. 499, dez para o despacho do requerimento feito por ocasião do art. 499, seis para alegações finais (art. 500), cinco para diligências ex officio (art. 502) e vinte para a sentença..229 O entendimento de Mossin é o de que os prazos devem ser contados em separado: [...] se o legislador processual penal fixa prazos para o cumprimento dos atos processuais, nada mais coerente que o descumprimento deles por parte do juiz deva ter também uma conseqüência de ordem processual, a qual no âmbito da análise é considerar configurado o constrangimento ilegal, impondo a soltura do preso. Além disso, a liberdade física não pode se sujeitar ao capricho ou ao desleixo do magistrado em deixar de cumprir o ato processual no prazo determinado em lei [...]230 Informa Capez que: [...] No Supremo Tribunal Federal, o entendimento dominante é no sentido de que os prazos se contam separadamente, não sendo possível 227 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 465. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 105. 229 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 494-495. 230 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 105 228 56 considerar que o constrangimento ilegal surja apenas quando se tiver excedido o total dos prazos, de modo que o excesso de uns possa ser compensado com a economia de outros (RTJ, 62/303).231 No mesmo sentido, explica Fernando da Costa Tourinho Filho232: No nosso entendimento, devem os prazos ser contados separadamente. Afinal, se o Código estabeleceu o prazo de dez dias para a conclusão do inquérito e remessa a juízo, estando preso o indiciado, seria postergar a lei permitir a remessa no décimo sexto dia e, com açodamento, ser a denúncia oferecida no dia seguinte, e assim por diante. O Superior Tribunal de Justiça sumulou matéria referente ao excesso de prazo após a pronúncia do réu no Tribunal do Júri: “Súmula: 21: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.”233. Também entende esse Pretório Tribunal que na fase do art. 499 e 500 do Código de Processo Penal, ou seja, após a instrução criminal, não há mais constrangimento por excesso de prazo: “Súmula: 52: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.”234. Há entendimento jurisprudencial de que a demora da defesa na realização de algum ato processual, não acarreta constrangimento ilegal por excesso de prazo: “Súmula: 64: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.”235. Conforme os ensinamentos de Florêncio de Abreu: “A demora provinda de atos pedidos pelo réu, no interesse de sua defesa, ou decorrente de força maior (art. 403), não constitui constrangimento ilegal; e o mesmo dever ser dito de demora razoável do juiz, para proferir sentença sobre o mérito da causa, ou de pronúncia.”236. III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo: 231 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 495 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 713-714. 233 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sumula 21. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso em: 25 set. 2008. 234 ______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 52. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso em: 25 set. 2008 235 ______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 64. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso em: 25 set. 2008. 236 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 470. 232 57 O artigo trata da competência para determinar a prisão de alguém. “A coação ordenada por algum juiz incompetente, ou por autoridade outra a que faleça atribuição para exercer, no caso, a potestas coercendi, deve ser considerada ilegal, ensejando, assim, o habeas corpus.”237. Ainda informa Marques que: “A ilegalidade do constrangimento tanto existirá no caso de incompetência material, como no de incompetência funcional, na de foro como na de juízo, pois o ato coativo pressupõe, sempre, uma decisão, e esta nunca se convalida, se provier de juiz incompetente [...]”238. Para Tourinho Filho, “[…] toda e qualquer prisão determinada pela Autoridade Policial, fora das hipóteses de flagrante delito, implica constrangimento ilegal, porque lhe falece competência para determiná-la.”239. IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação: Julio Fabbrini Mirabete enumera algumas hipóteses de que trata esse inciso: […] a causa da prisão cessou de produzir efeito, mas o paciente continua preso. Pode ocorrer por ter terminado de cumprir sua pena, por ter sido anulado o auto de prisão em flagrante, por ter sido relaxada sua prisão, por ter sido impronunciado ou absolvido, por ter obtido o sursis ou livramento condicional etc.240 V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza: A não concessão de fiança pela autoridade policial ou judiciária nos casos em que ela é cabível gera constrangimento ilegal combatido por via de Habeas Corpus. Segundo Capez: “[...] as hipóteses em que a lei prevê a fiança encontram-se nos arts. 323,324 e 335 do CPP. A Constituição Federal, em seu art. 5°, LXVI, estabelece que ninguém pode ser preso quando a lei admitir a prestação de fiança.”241. Ensina Marques que: 237 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 469. ______. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 469. 239 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 714. 240 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal.. p. 784. 241 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 495. 238 58 Se a fiança for negada em virtude de estar classificado, na denúncia ou queixa, o fato delituoso, como infração inafiançável, pode ser pedida a ordem de habeas corpus, com fundamento no erro da qualificação, desde que existam elementos que revelem, de plano, que, se crime houve, é ele de natureza afiançável, por não ser exata a tipificação contida na peça acusatória.242 VI - quando o processo for manifestamente nulo: O artigo 564 do Código de Processo Penal trata das nulidades em geral e o artigo 572 do referido diploma separa as nulidades relativas das absolutas. Ensina Marques que: “A nulidade precisa apresentar-se como nulidade manifesta, isto é, certa e incontestável.”243. Informa ainda Pontes de Miranda que no inciso “[...] só se trata de nulidade absoluta, pronunciável de ofício, ou de nulidade relativa, argüida em tempo hábil e não sanada.”244. Para Fernando Capez: [...] a nulidade pode decorrer de qualquer causa, como falta de condição de procedibilidade (representação nos crimes de ação penal pública condicionada), ilegitimidade ad causam (ofendido propõe a ação penal privada), incompetência do juízo, ausência de citação ou de concessão de prazo para a defesa prévia, alegações finais etc. Posição interessante é a de José Frederico Marques em que o Habeas Corpus pode anular decisão de pronúncia ou condenação ainda que o processo já tenha sido julgado (coisa julgada). Se, apesar de manifestamente nulo o processo, sentença houver sido proferida, ou de pronúncia ou de condenação, será ela anulável, através do habeas corpus, com base no citado art. 648, n° IV, do Código de Processo Penal, apesar da res judicata ou da preclusão [...] pelo que se caracterizará, como sentença constitutiva, a que se contiver na ordem de habeas corpus.245 VII - quando extinta a punibilidade: 242 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 471. ______. Elementos de direito processual penal. p. 467. 244 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 209. 245 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 467. 243 59 O artigo 107 do Código Penal Brasileiro246 traz em seu texto as causas de extinção de punibilidade: Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Ensina ainda Mossin que: [...] a enumeração elencada no art. 107, do Código Penal, não se eleva à condição de numerus clausus, eis que a extinção da punibilidade pode-se verificar também nas seguintes hipóteses: ressarcimento do dano no peculato culposo (art. 312, CP); morte do cônjuge induzido em erro (art. 236, CP); e morte do cônjuge ofendido (art. 240, § 2°, CP). Se o Estado perdeu o direito de punir por uma das hipóteses enumeradas acima nesse inciso, passa então, a ser injusta a causa que atenta contra a liberdade ambulatória do indivíduo. 2.7.2 Cabimento quanto ao militar A Constituição Federal de 1988, no artigo 142, § 2°, veda o cabimento do Habeas Corpus quando o constrangimento ou a coação provier de punição disciplinar militar, para Alexandre de Moraes, “[…] Essa previsão constitucional deve ser interpretada no sentido de que não haverá habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares militares.”247. Veja o artigo 142, § 2° da Constituição: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à 246 247 BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 124. (grifo do autor) 60 garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [...] § 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares.248 Completa ainda Alexandre de Moraes que: “[…] a Constituição Federal não impede o exame pelo Poder Judiciário dos pressupostos de legalidade a saber: hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente.”249. No mesmo sentido ensina Mossin: Relativamente àquela norma de caráter corporativista, há de se estabelecer três situações jurídicas: (a) é ela inconstitucional, vez que a regra geral contida no art. 5°, LXVIII ostenta um valor maior, devendo prevalecer; (b) sua aplicabilidade deve ficar restrita às punições disciplinares verificadas junto à Marinha, Exército e Aeronáutica, porquanto qualquer exceção à regra geral em nível constitucional tem que ser expressa, não podendo ser feita por interpretação extensiva ou por analogia; (c) mesmo se entendendo ser ela constitucional, o mandamus pode ser impetrado quando houver ilegalidade na punição decorrente da falta de competência da autoridade militar que a aplicar ou quando se verificar abuso de poder. Logo, a ressalva só tem incidência no mérito propriamente dito da sanção disciplinar.250 O artigo 647 do Código de Processo Penal também veda o acesso ao Writ quando se tratar de punição disciplinar, englobando além do militar, o servidor público em geral: “Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”251 Pontes de Miranda conceitua transgressão disciplinar: [...] Quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente, a: a) hierarquia, pela qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimento de ordens; b) poder disciplinar, que supõe a atribuição de direito de punir, disciplinarmente, cujo caráter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em algum 248 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 249 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 124. 250 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 84 251 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 61 dos superiores hierárquicos c) ato ligado a função; d) pena, suscetível de ser aplicada disciplinarmente, portanto sem ser pela justiça como justiça.252 A Constituição de 1988, no artigo 5°, inciso LXVIII, não recepcionou a parte final do artigo 647 do CPP “salvo nos casos de punição disciplinar”, com a exceção da punição disciplinar militar, que ainda possui restrições quanto ao remédio: [...] houve revogação tácita da parte final do art. 647, do Código de Processo Penal, devendo dela ser omitida a expressão salvo nos casos de punição disciplinar; isso porque a norma constitucional deve sobrepor-se à norma infraconstitucional. Em havendo conflitância entre uma e outra, deve prevalecer a de maior hierarquia, que no caso é a constitucional.253 No mesmo sentido, Fernando Capez: “No caso de transgressão disciplinar, só não cabe a impetração se a punição for militar (CF, art. 142, § 2°). [...]”254. Completa ainda Mossin que: [...] o cabimento do mandamus na hipótese de transgressão disciplinar é plenamente cabível, estando presente qualquer ilegalidade, qualquer desobediência à norma legal provinda da autoridade coatora, quer seja ela competente ou não para a aplicação da sanção administrativa, com isso limitando a liberdade física do acusado, seu ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque, o remédio constitucional em tela tem emprego efetivo.255 Ao comentar a possibilidade da impetração do remédio heróico em relação as punições disciplinares militares, ensina Mirabete que: “[…] a punição é ato administrativo, deve ele atender aos requisitos necessários para sua validade, quais sejam os da competência, motivo, forma, objeto e finalidade; sob pena de ser ilegal, abusivo ou arbitrário, pode ele ser discutido no mandamus.”256. 2.7.3 Cabimento no caso de prisão civil 252 MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 193. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 84. 254 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 493. 255 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 149. 256 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 776. 253 62 O artigo 5°, inciso LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ainda permite como exceção, a prisão por não pagamento de pensão alimentícia e a prisão do depositário infiel: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; Ensina Mossin que qualquer liberdade ao direito de locomoção pode ser combatida pela via de Habeas Corpus, inclusive a prisão civil, pois a Constituição não limita o uso do remédio a nenhuma área jurídica: Em linhas gerais, qualquer que seja o ato que limite o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, desde que contrário ao direito, quer pertina a área penal, quer tenha incidência na extrapenal, o habeas corpus sempre será o instrumento constitucional adequado para não permitir que a coação ilegal seja levada a efeito, ou para fazer com que a mesma cesse, caso já tenha sido concretizada.257 O artigo 650, § 2° do Código de Processo Penal258, impede o cabimento do referido remédio constitucional por prisão administrativa a favor da Fazenda Pública quando responsável por dinheiro ou valor pertencente a ela se omitiu no recolhimento no prazo legal, porém, afirma Tourinho Filho que esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de brasileira de 1988: [...] Não obstante, pelo que se infere do inciso LXI do art. 5° da Constituição da República, já não existe prisão administrativa. A exceção do flagrante, ninguém poderá ser recolhido à prisão sem ordem escrita e fundamentada da Autoridade Judiciária competente. Assim, a regra do art. 650, § 2°, do CPP perdeu toda a sua importância.259 257 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 150. 258 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 650. Competirá conhecer, originariamente, do pedido de habeas corpus: § 2o Não cabe o habeas corpus contra a prisão administrativa, atual ou iminente, dos responsáveis por dinheiro ou valor pertencente à Fazenda Pública, alcançados ou omissos em fazer o seu recolhimento nos prazos legais, salvo se o pedido for acompanhado de prova de quitação ou de depósito do alcance verificado, ou se a prisão exceder o prazo legal. 259 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 718-719. 63 2.7.4 Cabimento no estado de sítio Em decorrência de limitações a liberdade de locomoção previstas constitucionalmente em caso de estado de defesa ou estado de sítio, discute-se há ou não há suspensão do direito de ação de Habeas Corpus. Para Alexandre de Moraes, o referido Writ não pode ser suprimido em hipótese alguma, o que poderá acontecer é que: “[...] o âmbito de atuação do habeas corpus poderá ser diminuído, inclusive com a permissão de prisões decretadas pela autoridade administrativa. Nunca, porém, suprimido.”260. A suspensão ou supressão do remédio constitucional é vedada por ser ele uma garantia constitucional de natureza pétrea, não autorizada constitucionalmente, veja: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.”261. De acordo com os artigos 136, § 1°, I “a” e 139, I, II, III e IV da Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil262, é possível restringir certos direitos inerentes a liberdade ambulatorial, veja: Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: I - obrigação de permanência em localidade determinada; II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; 260 261 262 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 116-117. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. em: em: 64 III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; IV - suspensão da liberdade de reunião; Apesar de ter diminuída sua área de atuação, o Writ não fica em hipótese alguma suspenso ou suprimido enquanto durar o Estado de exceção. Salienta Alexandre de Moraes que: [...] o Estado de Defesa e o Estado de Sítio não suspendem a garantia fundamental do habeas corpus, mas diminuem sua abrangência, pois as medidas excepcionais permitem uma maior restrição legal à liberdade de locomoção, inclusive, repita-se, por ordem da autoridade administrativa.263 Verifica-se que mesmo com certa restrição da liberdade de locomoção no estado de exceção, tal situação não pode dar causa para que o Estado ou seus servidores cometam abusos e excessos. Para José Afonso da Silva, o lesado pode sim buscar do Poder Judiciário uma solução para seu problema, mesmo que seu problema seja uma restrição a liberdade ambulatorial: O controle jurisdicional é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso de poder durante sua execução, é lógico que seus atos ficam sujeitos a correção por via jurisdicional, quer por via de mandado de segurança, quer por habeas corpus, que por outro meio judicial hábil [...]264 2.8 TUTELA JURISDICIONAL O Estado proibiu a autotutela dentro de seu território e assumiu a responsabilidade de eliminar os conflitos sociais, preservando e protengendo os direitos fundamentais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada e valorada por um Estado de direito que tem como função precípua a pacificação com justiça e em prol do bem comum. Nas palavras de Cintra: Afirma-se que o objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem-comum nessa área é a pacificação com justiça. O Estado brasileiro que uma ordem social que tenha como base o primado do 263 264 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 117. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p.750. 65 trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193) e considera-se responsável pela sua efetividade [...]265 Diz-se que a jurisdição estatal é secundária e instrumental. É secundária “[...] porque, através dela, o Estado realiza coativamente uma atividade que deveria ter sido primariamente exercida, de maneira pacífica e espontânea, pelos próprios sujeitos da relação jurídica submetida à decisão.”266; é instrumental porque: “[...] não tendo outro objetivo principal, senão o de dar atuação prática às regras do direito, nada mais é a jurisdição do que um instrumento de que o próprio direito dispõe para impor-se à obediência dos cidadãos.”267. Portanto, o Estado é o responsável pela tutela jurisdicional e “Se alguém exige a subordinação de interesse alheio próprio, surgindo assim a pretensão, e invoca, para isso, a tutela estatal, é evidente que o órgão público destinado a examinar a pretensão formulada irá decidir do caso aplicando as normas que o regulam.”268 O Estado é o legítimo detentor do exercício da jurisdição, que se faz atuar através de seus representantes investidos legalmente para o exercício da função jurisdicional. José Frederico Marques alega que: “Sendo o regime das jurisdições de direito público, ninguém pode exercer a função jurisdicional, a não ser quando dela investido por ato legítimo. [...]”269. E que: “[...] nenhum juiz pode subtrair-se ao exercício de seu ministério jurisdicional. A delegação, por isso, é proibida, exceto nos casos taxativamente permitidos, como por exemplo, na expedição de precatória.”270. A Constituição brasileira de 1988 tem como um dos seus princípios a não vedação de se buscar a tutela jurisdicional quando se sofrer lesão ou ameaça de lesão a um direito, portanto, é vedado ao Poder Judiciário “[...] a não apreciação do pedido de Habeas 265 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. p. 37. 266 CALAMANDREI, Estúdios sobre el Processo Civil, 1945 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 43. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 1. p. 41. 267 LIEBMAN. Manuale di Diritto Processuale Civile, 1968 apud ______, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 43. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 1. p.41. 268 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 192. 269 ______. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 199. 270 MASSARI, Eduardo. II Processo Penale nella Nuova Legislazione Italiana. 1934 apud ______. Elementos de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000, v. 1. p. 199-200. 66 Corpus, mesmo no cumprimento de determinada Lei infraconstitucional, se antagônica for sua temática em relação ao garantido na Constituição Federal de 1988, ocasionando uma inconstitucionalidade [...]”271. O Estado, portanto, tem o dever de proteção para com seu povo e não mera faculdade é “[...] o órgão constitucionalmente investido no poder de jurisdição tem a obrigação de prestar a tutela jurisdicional e não a simples faculdade. Não pode recusar-se a ela, quando legitimamente provocado, nem pode delegar a outros órgãos o seu exercício [...]”272. 2.8.1 Habeas Corpus de ofício O Habeas Corpus de oficio é uma das formas mais significantes de tutela jurisdicional do Estado-Juiz a proteção do direito de liberdade, por meio do § 2° do art. 654 do CPP, o Juiz ou Tribunal pode, independentemente de provocação, expedir ordem de Habeas Corpus para pessoa que esteja sofrendo qualquer violência ou coação a sua liberdade de locomoção, veja: Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. [...] § 2° Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. Tal mecanismo ordinário está intimamente ligado a salvaguardar através da tutela jurisdicional, o princípio constitucional do direito a liberdade, sua importância é tal que: [...] A importância da norma legal, vinculada ao direito de liberdade de ir, vir e ficar, consagrado na Constituição Federal, é manifesta. Por ela, se materializa a conexão Juiz-Constituição. Por ela, o juiz se apresenta como garantidor das liberdades do cidadão. A todo juiz penal, além de sua natural competência, está reservada, mercê de sua direta vinculação com as normas materiais da Constituição, a jurisdição constitucional das liberdades. E tal jurisdição, para a sobrevivência de uma sociedade democrática, tem de ser necessariamente exercida. Ora, o § 2.° do art. 654 do CPP constitui uma das mais significativas formas do exercício da jurisdição constitucional das liberdades na medida em que atribui ao juiz ou ao tribunal, no curso do 271 272 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 74. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. v. 1. p. 43. 67 processo, o papel de fazer cessar, sem nenhum tipo de provocação, a coação ilegal que alguém sofra ou esteja em vias de sofrer.273 3. A LIMINAR EM HABEAS CORPUS 3.1 TUTELA CAUTELAR As ações, processos ou medidas cautelares, apesar de diferentes conceitos, possuem objetivo único, que é a preservação da “coisa” ou pessoa até que seja pacificado o litígio. A tutela cautelar pode ser concedida através de liminares ou através de ações cautelares autônomas, onde estas consistem: “[...] no direito de provocar, o interessado, o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal [...]” 274. Com isso, inicia-se um processo cautelar que é: [...] um meio pronto e eficaz para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional, [...] contenta-se em outorgar situação provisória de segurança para os interesses dos litigantes. [...] Não dando solução à lide, mas criando condições para que essa solução ocorra no plano de maior justiça dentro do processo principal [...].275 Portanto, verifica-se que há diferenças entre as ações cautelares e as medidas cautelares informais, como o caso da liminar. Nesse sentido, ensina Batalha que: [...] há cautelares formais e cautelares informais. Aquelas obedecem a rito processual próprio: são verdadeiras ações. Estas, as cautelares informais, não tem rito próprio: são medidas liminares concedidas no início do processo, ou durante sua tramitação, a prudente critério do juiz (ou do Relator, ou Presidente, se se tratar de segundo grau de jurisdição). As simples medidas cautelares dependem de requerimento do interessado, com ou sem audiência da parte contrária, no início da lide ou no seu decurso, sendo revisíveis a critério do julgador ou revogáveis mediante processo informal próprio [...]276 273 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1658. 274 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 40. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 2. p. 468. 275 ______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 469. 276 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Cautelares e liminares. 3. ed. atual. – São Paulo: LTr, 1996. p. 106. 68 Opinião interessante emitiu a jurisprudência paulista, onde diferenciaram liminar de providência cautelar: Há uma diferença entre decisão liminar e decisão cautelar. Liminar é a entrega antecipada e provisória do pedido. Já é satisfativa do direito. As providências cautelares, diferentemente, são como que neutras com relação ao resultado do processo, ou de seu desfecho, cuidando apenas de prevenir riscos que possam impedir o êxito da execução futura (1° TACivSP, 4° Câmara, AI 315.270, Rel. Juiz Penteado Manente, v. u., j. 14.9.83, RT 578/149). [...]277 O objetivo do processo e da ação é o correto exercício da jurisdição, da qual faz parte a tutela cautelar, “Processo é o método de atuar a jurisdição e ação é o direito da parte de fazer atuar o processo. [...] se existe um processo cautelar, como forma de exercício da jurisdição, existe, também, uma ação cautelar, no sentido processual da expressão [...]”278. Portanto, a ação cautelar é meio pelo qual a parte pede ao Estado-Juiz a prestação jurisdicional e processo cautelar é o meio pelo qual o Estado-Juiz vai verificar a possibilidade de prestar o que a parte pede, tomando assim uma medida, aqui no caso, cautelar para fazer valer a sua lei. A medida cautelar é “[...] a providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar um situação de perigo para direito ou interesse do litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal [...]”279. José Frederico Marques informa que as providências cautelares são medidas garantidoras para que ao final de um processo possa ser prestada a tutela jurisdicional: As providências cautelares possuem caráter instrumental: constituem meio e modo de garantir-se o resultado da tutela jurisdicional a ser obtida através do processo. [...] Destinam-se elas a impedir que o desenrolar demorado do processo, com os trâmites do iter procedimental que a lei traça previamente, possa tornar inócua a prestação jurisdicional que as partes procuram conseguir.280 277 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Cautelares e liminares. p. 49. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 467-468. 279 ______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 468. 280 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 11. 278 69 Para Grinover, “A tutela cautelar “visa assegurar imediatamente a eficácia do próprio processo, protegendo o direito substancial apenas indiretamente”, o que leva a um provimento sempre provisório”.[...]281. José Alberto dos Reis ensina que: “[...] A providência cautelar não é um fim, mas um meio; não se propõe a dar satisfação direta e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia de uma providência subseqüente, esta destinada a atuação do direito material [...]”282. As providências cautelares possuem pressupostos que são fundamentais dos quais a tutela cautelar não se realizaria se eles não existissem. São eles o periculum in mora e o fumus boni juris. O periculum in mora é o receio de que algum dano ou prejuízo venha a ocorrer a pessoa ou a “coisa” antes da devida prestação jurisdicional. Para Carlo Calvosa o periculum in mora é: “Perigo de dano próximo ou iminente é, por sua vez, o que se relaciona com uma lesão que provavelmente deva ocorrer ainda durante o curso do processo principal, isto é, antes da solução definitiva ou de mérito.”283. O conceito legal e justificador do poder geral de cautela que se relaciona com o periculum in mora está compreendido no art. 798 do Código de Processo Civil Brasileiro: Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.284 O fumus boni iuris ou fumaça do bom direito é outro pressuposto em que a parte deve demonstrar a provável existência do direito que está a buscar. Nas palavras de Willard de Castro Villar: “[...] constitui o denominado fumus boni iuris, ou seja, “o juízo 281 GRINOVER, 1984 apud FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. p. 1543. 282 DOS REIS, 1948 apud ______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v.1. p. 1543. 283 CALVOSA, 1970 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 40. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 2. p. 478. 284 BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 15 set. 2008. (grifo nosso) 70 de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acerta”[...]”285. A jurisprudência também entende na seguinte ementa que: O fumus boni iuris consiste na probabilidade de existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado aprofundadamente em termos de certeza, apenas no processo principal já existente, ou então a ser instaurado. A existência do direito acautelado é, no processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e, por isso, seu exame é menos aprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio (do ac. unân. da 15ª Câm. do TJSP, de 7.6.89, na apel. 144.007-2, rel. dês. Ruy Camilo; RJTJSP 121/104)286 José Albuquerque Rocha aponta como os elementos estruturais das ações cautelares: a) a provável existência do direito para o qual se pede a tutela em via principal (fumus boni iuris); b) o fundado temor de que, enquanto se espera aquela tutela, ocorra ao direito posto em juízo lesão de difícil reparação (periculum in mora). Esses dois elementos correspondem, respectivamente, à causa de pedir ativa e passiva das ações cautelares. 287 Quanto a valoração da prova nas cautelares, Freide Reis informa que: “O fumus boni iuris – correspondendo exatamente a um juízo específico de exame de probabilidade de efetiva existência do direito material reclamado [...] ao lado do periculum in mora, se constitui, portanto, no próprio e específico conteúdo meritório da providência cautelar[...]”288. Humberto Theodoro Júnior289 resume os requisitos da tutela cautelar em: “[...] um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável;” e também a “[...] plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris.”. 285 VILLAR, 1971 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 222. 286 ______. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. p. 223. 287 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 210-211. 288 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. p. 224. 289 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 477. 71 A tutela cautelar também tem como característica a provisoriedade, ou seja, “Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo definido [...]”290. Outra característica é a revogabilidade, podendo a medida ser revogada a qualquer tempo quando do desaparecimento da circunstância que levou a decretação da medida. Portanto, “[...] Se desaparece a situação fática que levou o órgão jurisdicional a acautelar o interesse da parte, cessa a razão de ser da precaução.”291. 3.2 CONCEITO DE LIMINAR Calamandrei interpretado por Friede, comenta que a medida liminar é uma forma de procedimento cautelar que se encaixa no grupo III pré-estabelecido pelo próprio Calamandrei em um estudo que fez sobre a classificação das medidas cautelares, onde Friede interpreta que são: [...] medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva [...] a natureza jurídica da medida liminar se encontra exatamente na medida cautelar como provimento provisório judicial, que antecipa a decisão da lide, ainda que carente de ratificação ou revogação subseqüente dada pela sentença de mérito. 292 Deve-se distinguir aqui a figura da medida liminar que é meramente procedimental e instrumentária da medida cautelar autônoma. Fulgurante se faz disciplinar o objeto específico da medida liminar, que deverá conter a relevância dos motivos do pedido da peça inicial e a possibilidade de existência de lesão irreparável ao direito do autor. Distingue-se a providência liminar da medida cautelar, pois a primeira é meramente instrumentária, sendo a segunda, uma verdadeira ação, em que se avalia o direito material. 293 290 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 469. 291 ______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 470. 292 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. p. 105. 293 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 72. 72 Pode se dizer que as medidas liminares são cautelares informais ou inespecíficas que: [...] não seguem o rito das ações cautelares, caracterizando-se como despachos concedendo efeitos suspensivos a atos, deliberações, ou determinações de autoridades judiciárias ou administrativas [...] Entre as medidas cautelares inespecíficas podemos mencionar a utilização de mandados de segurança com efeito liminar para obtenção de suspensão de efeitos de sentença sujeita a recurso com efeito meramente devolutivo [...] Para Friede a liminar é: [...] forma efetiva de revestimento instrumental de providências cautelares em ações de conhecimento reputadas especiais (tais como habeas corpus, mandado de segurança, ação popular, ação civil pública etc.), cujo objeto, próprio e particular (alusivo a direitos fundamentais individuais e coletivos (e também difusos)), acabou por influenciar o legislador no sentido de procurar prover – de uma maneira mais segura – a plena efetividade (inteireza) do pronunciamento jurisdicional final de caráter cognitivo. 294 Friede ainda define a natureza jurídica da liminar como: “[...] uma natureza jurídica tipicamente administrativo-cautelar, com conteúdo de julgamento discricionário, fundado na prudente valoração do magistrado (e não no simples arbítrio) em torno da oportunidade e da conveniência da decretação da medida, e com nítido objetivo de provisão cautelar, por excelência, garantidora, em última análise, da efetividade da sentença – sem almejar, por outro lado, tocar direitamente no seio do conflito, ainda que o faça, de forma limitada e por vias transversas - , em flagrante caráter excepcional, como antecipação parcial e provisória da própria decisão meritória [...] mas que ao mesmo tempo e, em nenhuma hipótese, pode ser confundida, em sua plenitude, com o mérito do pedido principal [...]295 Apesar de ser uma providência judicial que serve para garantir o correto desenrolar do processo, a medida liminar pode em um primeiro momento ter um cunho satisfativo, mas tal medida não pode ser confundida com uma antecipação de tutela no mérito, sendo que: A providência liminar tem escopo satisfativo, que deverá ser analisado sob o aspecto meramente substancial, mais especificamente, procedimental, sem 294 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. p. 93. 295 ______. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. p. 102. 73 vincular-se ao mérito causae. Sua apreciação deverá ser tutelada pelo Poder Judiciário, eis que, caso contrário, estaria este poder insurgindo-se contra o sistema jurídico.296 Para conceder a medida liminar, o Magistrado faz uso do seu poder geral de cautela em que ele pode inclusive agir ex officio, não funcionando a regra do ne procedat judex ex officio: “Esse poder nunca compreende o de abrir um verdadeiro processo cautelar: mas apenas consiste em tomar medidas cautelares avulsas, dentro de outros processos já existentes, em situações adredemente reguladas pela lei.”297. Tal situação amplia, porém, o poder discricionário do Juiz em grande proporção, mas que ainda, ficará adstrito aos requisitos das providências cautelares, fumus boni juris e periculum in mora. Lara diferencia a liminar da medida cautelar: As liminares, conforme já referido, configuram sempre uma antecipação dos efeitos fáticos da sentença. As medidas cautelares, no entanto, podem ou não apresentar este caráter antecipatório. [...] As medidas cautelares somente podem ser concedidas pelo juiz dentro de uma ação cautelar. As liminares, ao contrário, podem ser deferidas nos mais diversos tipos de ação, como por exemplo, nas ações possessórias, na ação civil pública, no mandado de segurança, na ação de nunciação de obra nova, etc.298 E, finalizando, Reis Friede ensina que: [...] Constitui-se, portanto, a medida liminar, em efetiva provisão judicial obrigatória, se comprovado estiver que os efeitos imediatos do ato impugnado – ou da omissão, caracterizadora de outra lesão de direito líquido e certo ou equivalente – ameaçam frustrar os objetivos da própria ação mandamental, popular, civil pública, entre outras ações que expressamente admitem esta forma sui generis de provimento cautelar.299 3.3 PROCEDÊNCIA DA LIMINAR EM HABEAS CORPUS Em determinados casos, quando, por exemplo, o acusado está preso ou na iminência de sê-lo, o Habeas Corpus assume caráter cautelar exigindo uma rápida 296 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 73. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 480. 298 LARA, Betina Rizzato. Liminares no processo civil. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 24. 299 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. p 97. 297 74 atuação do Estado-Juiz para que a liberdade ambulatória do indivíduo não seja afetada. Para Marques, “Toda a vez em que o habeas corpus é concedido, ou para evitar prisão injusta, ou para impedir prisão prolongada, embora sem pôr cobro à persecutio criminis, o seu caráter de providência cautelar está presente. [...]”300. Mas apesar do caráter acautelatório do Habeas Corpus, as dificuldades do Poder Judiciário, seja pela sua estrutura, seja pelo material humano ou ainda pela enorme demanda de processos, impedem que a ação de Habeas Corpus seja rapidamente decidida, ocasionando prejuízo para o paciente. E nessa opinião, comenta Mossin: O processo em questão, embora ostente um procedimento sumaríssimo, sofre uma certa demora quanto à decisão definitiva de mérito nele a ser proferida, quer à vez pela necessidade de apresentação do paciente, pela requisição de informações da autoridade coatora, pela oitiva do Ministério Público.301 Por todas as dificuldades acima, inerentes ao Estado-Juiz em prover a tutela jurisdicional a tempo e antes que a pessoa sofra um mal irreparável, deve-se conceder o pedido liminar, portanto, ensina Mossin que: Em circunstâncias desse matiz, quando estiver efetivamente delineado pela prova que instrui o pedido de habeas corpus o constrangimento ilegal incidente sobre o paciente (fumus bonis iuris), o pedido deve ser liminarmente concedido, já que se aguardar in casu a futura decisão a ser prolatada no processo gerará como resultante imutável grave dano de difícil ou mesmo de impossível reparação à liberdade física do paciente (periculum in mora). É que, prolongando-se no tempo o estado de coação ilegal que incide sobre o ius libertatis do paciente, esta situação jamais poderá ser corrigida pela sentença que der provimento ao pedido liberatório.302 Na mesma opinião do exposto acima menciona Franco 303: [...] Da impetração até o julgamento, flui um espaço de tempo, maior ou menor, na dependência da rapidez com que a autoridade, apontada como coatora, preste as informações solicitadas e o Ministério Público exare seu parecer. De permeio, situam-se outros atos cartoriais, que têm também uma expressão temporal. É evidente, assim, que, apesar da tramitação mais acelerada do remédio constitucional, em confronto com as ações previstas no ordenamento processual penal, o direito de liberdade do cidadão é passível 300 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 454. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 222. 302 ______. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 222 303 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1543. 301 75 de sofrer flagrante coarctação ilegal e abusiva. Para obviar tal situação, foi sendo construído, ao nível de habeas corpus, o instituto da liminar, tomada de empréstimo do mandado de segurança, do qual é gêmeo idêntico [...] Segundo Tourinho Filho, a primeira liminar em Habeas Corpus foi pedida e concedida na Justiça Militar, ainda no século XX, mas sem especificar data: “[...] cumpre registrar que tal providência – liminar em pedido de habeas corpus – foi concedida, pela primeira vez, entre nós, pela Justiça Militar. Concedeu-a o Almirante José Espínola, ilustre figura que perolou no STM (cf. RTJ, 33:590).”304. A segunda vez em que foi pedida e concedida a medida liminar em Habeas Corpus, ocorreu também no século XX, no ano de 1964, em questão política e militar: O segundo caso surgiu em novembro de 1964. A Auditoria da 4ª Região Militar decretou a prisão de Mauro Borges, então Governador do Estado de Goiás. As tropas sediadas em Anápolis-GO já estavam marchando em direção a Goiânia para cumprimento da decisão. Impetrou-se habeas corpus, que recebeu o n. 41.296, distribuído ao Relator, Ministro Gonçalves de Oliveira. Como naquele dia não havia sessão no STF, quer do Plenário, quer de usa Turmas, Sua Excelência o ex-Ministro Relator concedeu a liminar, pois, do contrário, quando aquela Corte fosse apreciar o pedido, a violência já estaria consumada [...]305 No segundo caso de concessão de liminar de Habeas Corpus, ora exposta acima, o Relator ao conceder a liminar, se utilizou de analogia referindo-se ao Mandado de Segurança e de pressupostos das medidas cautelares, como o fumus boni juris e o periculum in mora, veja: [...] E, na r. decisão, observou: “Se, no mandado de segurança, pode o Relator conceder a liminar, até em casos em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades públicas, a liminar, no habeas corpus preventivo, não pudesse ser concedida”. Evidente que para a concessão da medida extrema, observou o grande Magistrado – como era e é de rigor – , devem estar patentes os pressupostos das cautelares, isto é, o periculum in mora e o fumus boni juris.306 Hélio Tornaghi ensina que a medida liminar em Habeas Corpus é concedida fazendo-se analogia com o Mandado de Segurança: 304 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 721. ______. Prática de processo penal. p. 721. 306 ______. Prática de processo penal. p. 721. 305 76 [...] Conquanto a lei não se refira à concessão de liminar em processo de habeas corpus, alguns acórdãos vão insinuando essa medida em nossa vida judiciária. Necessidades de ordem prática e semelhança com o mandado de segurança, em que a providência aparece como medida acautelatória (Lei n. 1.533, de 31-12-1951, art. 7°, II) servem de base a essa prática [...]307 Luiz Alberto Ferracine alega que o precedente que deu origem a possibilidade de liminar em Habeas Corpus é a Lei n. 2.033 de 20 de setembro de 1871, reforma do judiciário, ocorrida ainda no Brasil Império: Lei n° 2.033, de 20.9.1871, reforma judiciária, art. 18, atribui aos Juízes de direito concederem ordem de habeas corpus independentemente de grau da autoridade coatora; § 1°, introduz o habeas corpus preventivo, para evitar ameaça a constrangimento pessoal; § 4°, negada a ordem de habeas corpus pela autoridade inferior, poderá ela ser requerida perante a superior; § 5°, concessão da ordem em caráter liminar se evidenciada de logo a ilegalidade do constrangimento; § 6°, garantia do direito de justa indenização e, em todo caso, das custas em tresdobro a favor de quem sofrer o constrangimento ilegal, contra o responsável pelo abuso de poder.308 Ferracine, em sua declaração acima, afirma que o § 5° da Lei n. 2.033 de 20 de setembro de 1871, lei de reforma do judiciário, é que deu possibilidade a liminar em Habeas Corpus, tal dispositivo se assemelha ao § 2° do artigo 660 do Código de Processo Penal: Art. 18. Os Juizes de Direito poderão expedir ordem de habeas-corpus a favor dos que estiverem illegalmente presos, ainda quando o fossem por determinação do Chefe de Policia ou de qualquer outra autoridade administrativa, e sem exclusão dos detidos a titulo de recrutamento, não estando ainda alistados como praças no exercito ou armada. [...] § 5º Quando dos documentos apresentados se reconhecer evidentemente a illegalidade do constrangimento, o Juiz a quem se impetrar a ordem de habeas-corpus poderá ordenar a immediata cessação, mediante caução, até que se resolva definitivamente.309 307 TORNAGHI, 1980 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 27. ed. rev. atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 722. 308 FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 52. 309 BRASIL. Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera diferentes disposições da legislação judiciária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LIM/LIM2033.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. 77 Para a concessão da liminar em Habeas Corpus, Fernando Capez embasa-se no art. 660, § 2° do Código de Processo Penal310, no mandado de segurança e em precedentes jurisprudenciais: A liminar é admissível, se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação (CPP, art. 660, § 2°). “De natureza cautelar, ao contrário, é a concessão liminar do habeas corpus que, embora não expressamente autorizada pela lei, se esboça em doutrina, na esteira da concessão in limine do mandado de segurança” (RPGSP, 17/196, dez. 1980).311 Alexandre de Moraes alega ser cabível liminar tanto em Habeas Corpus repressivo quanto em Habeas Corpus preventivo, onde: “Em ambas as espécies haverá possibilidade de concessão de medida liminar, para se evitar possível constrangimento à liberdade de locomoção irreparável [...]”312. A liminar concedida em sede de Habeas Corpus, “[...] busca dar uma proteção mais eficaz ao direito de liberdade que, em muitas situações, poderia vir a ser seriamente prejudicado pela intervenção tardia do aparelho judiciário.”313. A legislação brasileira não proíbe nem disciplina a possibilidade de liminar em Habeas Corpus, já os princípios Constitucionais como o princípio da inarredabilidade do controle jurisdicional, impele que uma ameaça de lesão a um direito não pode ficar a deriva em um Estado de Direito sem a devida proteção estatal. Para Ferreira, Caracterizado que a concessão da medida liminar no Habeas Corpus não apresenta-se disciplinada na legislação infraconstitucional, sobejamente evidenciada fica a existência de uma lacuna, pois também não existe qualquer vedação ao deferimento liminar. O Código de Processo Penal, em seus arts. 647 a 667, não proíbe a concessão não fere o direito processual ordinário.314 Continua Ferreira afirmando ainda, que: 310 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 660. Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 vinte e quatro) horas. [...] 2° Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento. 311 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 498. 312 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 116. 313 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 47. 314 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 86. 78 Entende-se que a liminar em Habeas Corpus está plenamente consubstanciada na Constituição Federal de 1988, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, e por não existir qualquer proibição na 315 legislação infraconstitucional, em especial no Código de Processo Penal. Na mesma opinião, Franco e Stoco: “O silêncio legal não seria, portanto, obstativo para o reconhecimento da liminar no habeas corpus. O direito à liberdade pessoal é, inquestionavelmente, um dos direitos constitucionais fundamentais (art. 5.°, caput, da CF/88) […]”316. Retira-se da doutrina de Frederico Marques que: O habeas corpus pode ser concedido de plano e liminarmente, sem necessidade de ser apresentado o paciente, ou de se requisitarem informações da autoridade coatora. Daí a regra expressa do art. 649 do Código de Processo Penal, in verbis: “O juiz ou o Tribunal, dentro dos limites da sua jurisdição, fará passar imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha cabimento, seja qual for a autoridade coatora”. E o art. 660, § 2°, do Código de Processo Penal, ainda de modo mais claro estatui: “Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento”.317 Ficar-se-á com a teoria de que a possibilidade de liminar em sede de Habeas Corpus é aplicada com base em precedentes judiciais, através de analogia com a Lei 1.533, de 31/12/1951, art. 7°, II que trata do mandado de segurança quando verificado a possibilidade de dano irreparável ao paciente ou de difícil reparação “periculum in mora” e em respeito ao fumus boni juris. Onde, “[...] A liberdade individual não pode ficar dependente da decisão final quando a privação da liberdade ou submissão a processo constituem manifesta e inequívoca expressão de ilegalidade ou de abuso de poder [...]”318. Os Juízes, Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores tem atualmente concedido ordem liminar em Habeas Corpus quando constatado fragrante ilegalidade ou coação por parte de autoridades públicas, o que veremos em alguns julgados a frente. 315 316 317 318 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 87. FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência v. 1. p. 1544. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 498. FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência v. 1. p. 1544. 79 O Tribunal de Justiça de Santa Catarina no processo de Habeas corpus n. 02.014809-7 em 2002, de Balneário Camboriú, também concedeu HC em liminar por manifesta ilegalidade de ato de autoridade policial, conforme verifica-se na ementa a seguir transcrita: EMENTA: Habeas-Corpus. Roubo. Almejado o trancamento da ação penal. Pedido não conhecido por não haver nos autos comprovação do oferecimento e recebimento da denúncia. Prisão Temporária. Medida aplicável somente quando se tratar de crime arrolado no inciso III do artigo 1º da Lei nº 7.960/89. Constrangimento evidenciado. Ordem concedida. A prisão temporária prevista na Lei nº 7.960/89 tem como pressuposto inicial a prática de um dos crimes relacionados no seu artigo 1º, inciso III, devendo o decreto que a determina, portanto, fundar-se em uma dessas hipóteses. [...] A liminar em habeas corpus é medida excepcional que somente comporta deferimento em face de manifesta ilegalidade. É, sem dúvida, o caso dos autos, onde o ato judicial questionado foi decretado sem nenhum suporte em qualquer dos hipóteses previstas no art. 1º da Lei 7.960/89.[...]319 Verificando ilegalidade ou constrangimento ilegal, o STF também tem concedido liminar em Habeas Corpus, como se observa na ementa do julgado a seguir: HABEAS CORPUS SUCESSIVOS - LIMINAR DEFERIDA - ALCANCE. Ante o caráter temporário e precário, o deferimento de liminar em habeas corpus impetrado no Supremo não implica o prejuízo de idêntica medida, com o mesmo objeto, em curso no Superior Tribunal de Justiça. PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO. Verificado o excesso de prazo, considerados os elementos de certo processo, impõe-se a concessão de ordem de ofício.320 Atualmente há até súmula do STF comentando sobre matéria de liminar em Habeas Corpus. Tal súmula impede a supressão de instâncias: Sumula n° 691. NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONHECER DE "HABEAS CORPUS" IMPETRADO CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE, EM "HABEAS CORPUS" REQUERIDO A TRIBUNAL SUPERIOR, INDEFERE A LIMINAR.321 319 320 321 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas corpus n. 02.014809-7. Data da decisão: 27/08/2002. Relator Des. Maurílio Moreira Leite. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em: 11 jun. 2008. (grifo nosso). ______. Supremo Tribunal Federal. HC 92544 / PE – Pernambuco. Julgamento: 10/06/2008. Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 03 set. 2008. ______. Supremo Tribunal Federal. Súmula 691. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700>. Acesso em: 10 set. 2008. 80 3.3.1 O Mandado de Segurança e a analogia aplicada ao Habeas Corpus A Mandado de Segurança é fruto da ação de Habeas Corpus no direito Brasileiro. Conta Di Pietro que: Ele surgiu como decorrência do desenvolvimento da doutrina brasileira do habeas corpus. Quando a Emenda de 1926 restringiu o uso dessa medida às hipóteses de ofensa ao direito de locomoção, os doutrinadores passaram a procurar outro instituto para proteger os demais direitos. Sob inspiração dos writs do direito norte-americano e do juicio de amparo do direito mexicano, instituiu-se o mandado de segurança.322 A Constituição Brasileira de 1988 prevê o Mandado de Segurança no art. 5°, LXIX323: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; Leciona Di Pietro que o: Mandado de Segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de lesão ao direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em decorrência de ato de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder.324 A Lei de numero 1.533 de 1951 é que disciplina esse instituto. O artigo 7°, inciso II é que possibilita a concessão da liminar no Mandado de Segurança: Art. 7º - Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: 322 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 731. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008 324 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 731. 323 em: 81 II - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida. Como se viu anteriormente, vários doutrinadores e inclusive os Juízes de Direito sem embasam no dispositivo anterior para aplicar a liminar em Habeas Corpus, pois “[...] A liminar em habeas corpus tem o mesmo caráter de medida de cautela que lhe é atribuída no mandado de segurança.”325. Portanto, percebe-se que a precedência de liminar em sede de habeas corpus vem através de analogia, sendo aplicada pelo judiciário com base na Lei 1.533, de 31/12/1951, art. 7°, II que trata do mandado de segurança e posterior ao habeas corpus. O artigo 3° do CPP permite aplicação de analogia quando necessária a aplicação do direito: “Art. 3° A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”326. Para Ferreira: Está-se diante de um caso de analogia legis, em que o magistrado, poderá utilizar a providência liminar, esculpida na ação mandamental (Lei n° 1.533/51, em seu art. 7°, II), aplicando a concessão da liminar, pelos mesmos fundamentos procedimentais referentes ao Mandado de Segurança. 327 Quanto ao uso da analogia para sanar deficiências no ordenamento jurídico, vê-se que é perfeitamente aceitável seu uso, inclusive a Lei de Introdução ao Código Civil, que é universal e pode ser usada como referência no Direito Processual Penal, permite o através do artigo 4° desta lei, o uso da analogia pelo Juiz de Direito: “Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”328. Encerra Ferreira com a seguinte dedução: Depreende-se da lacuna existente quanto à providencia liminar no Habeas Corpus, que fica evidente que o magistrado, na busca incessante do bem comum da sociedade, poderá aplicar a analogia, legitimado pela legislação ordinária, pois, como já demonstrado anteriormente, encontra-se amparado nos princípios da Constituição Federal de 1988.329 325 FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1543. 326 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008. 327 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 88. 328 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em: <Brasil. http://www.planalto.gov.brCCIVILDecreto-LeiDel4657.htm>. Acesso em: 15 jul 2008 329 FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 89. 82 3.3.2 Pressupostos de admissibilidade da liminar em Habeas Corpus Por ser a liminar em sede de Habeas Corpus uma providência cautelar com intuito de evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, ela exige os mesmos pressupostos de uma ação cautelar, o periculum in mora e o fumus boni iuris: A liminar, sendo, como de fato é, providência cautelar, exige, além daquelas condições de toda e qualquer ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir e interesse processual), o periculum in mora, ou seja, aquele grave dano, ainda que provável, a que se referem os Regimentos dos Tribunais, e o fumus boni juris (a plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda o writ). 330 Através do periculum in mora, tenta-se demonstrar que uma providência tardia por parte do Poder Judiciário, pode afetar, senão, impedir que o processo funcione normalmente ou tenha a mesma eficácia no final que teria se houvesse julgado o mérito prontamente. É, portanto: [...] no campo do mandamus liberatório, o periculum in mora como pressuposto incindível de qualquer medida acautelatória é muito mais consistente do que em qualquer outra situação que o comporte , porquanto trata-se de mecanismo de defesa do ius manendi, eundi e veniendi do paciente quando coarctado de forma antijurídica [...]331 No mesmo sentido Reis Friede: O periculum in mora é sobremaneira a condição necessária – porém não suficiente – para o eventual deferimento da medida liminar vindicada ou mesmo para a concessão ex officio, operada através do denominado Poder Cautelar Genérico, inerente à própria função do magistrado, na qualidade de representante do Estado-Juiz.332 Pacheco afirma que a liminar é uma espécie de providência cautelar e por isso possui os mesmos requisitos das medidas cautelares, fumus boni iuris e periculum in mora, veja: “Ressalta-se que, como se trata de providência cautelar, deverá se revestir das 330 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. V. 2. p. 469. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 222 332 FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. . p. 217. 331 83 específicas condições para a sua concessão, quais sejam: periculum in mora, ou seja probabilidade de grave dano; e fumus boni iuris, isto é, razoabilidade do direito invocado.”333. 333 PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 47. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa aprendeu-se um pouco sobre a história desse instituto que é tão importante na salvaguarda da liberdade de locomoção. Apesar de haver algum desentendimento acerca da origem do Habeas Corpus por parte de quase toda a doutrina brasileira, consegue-se extrair que ele é fruto do amadurecimento político jurídico de leis inglesas que tentavam frear o poder despótico dos monarcas entre os séculos XI e IX. Depreende-se da pesquisa que antes do ano 1215 haviam outros institutos que se assemelhavam na aquela época ao Habeas Corpus, como por exemplo, o interdictum de libero homine exhibendo, homine replegiando, entre outros. Tais institutos, também defendiam, de certa forma a liberdade ambulatorial, porém com certa limitação e para casos específicos. Mas o importante é com o tempo o instituto foi sendo aperfeiçoado tanto no direito inglês, como nos países que lhe copiaram posteriormente. No Brasil não foi diferente, o Habeas Corpus foi inserido no ordenamento jurídico e sofreu modificações para que se adapta-se ao momento social vivido pela sociedade no passado. Com a evolução e o passar dos tempos, o homem está sempre em constante mudança, aperfeiçoando suas ferramentas para que possa se desenvolver política e socialmente. A possibilidade de liminar em Habeas Corpus é uma dessas ferramentas que deve ser desenvolvida e aplicada pelo Estado-Juiz para que as pessoas possam viver com mais dignidade e segurança, protegidas de qualquer poder abusivo ou ilegal. Apesar de não estar legalmente estabelecida, o judiciário, verificando a necessidade social de uma maior rapidez nas soluções em resguardar o direito de locomoção através de ações de habeas corpus e também na tentativa de criar um maior controle do abusos do poder estatal, estabeleceu judicialmente a possibilidade de aplicação da liminar em habeas corpus, como meio de dar mais rapidez as soluções onde nitidamente se constatava violação a liberdade de locomoção. A concessão da medida liminar em sede de Habeas Corpus está perfeitamente permitida pelo artigo 5°, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil, que veda a não apreciação pelo poder judiciário de ameaça ou lesão a direito. Pois se assim não fosse, a população brasileira ficaria ao arbítrio do Poder Estatal, criando-se 85 assim, grande insegurança jurídica para casos que necessitem de pronto atendimento pelo Judiciário. Com essa pesquisa, compreende-se que o uso da analogia e dos princípios gerais do direito estão perfeitamente permitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, seja pela Constituição da Republica de 1988, seja pela possibilidade legal dos artigos 3° do Código de Processo Penal e artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil. Portanto, é admissível e legal a analogia em liminar no Mandado de Segurança com que o Poder Judiciário se fundamenta para conceder a liminar em Habeas Corpus. O artigo 7°, II da Lei 1.533, de 31/12/1951 que disciplina o Mandado de Segurança não fala em liminar, mas se tira que implicitamente, a regra para a concessão dessa providência cautelar está legalmente permitida. Igualmente se tira essa mesma conclusão do artigo 660, § 2° do Código de Processo Penal Brasileiro, onde fala que se os documentos que instruírem a ação de Habeas Corpus evidenciarem a coação ilegal, dever o Tribunal prontamente ordena que cesse o constrangimento. Percebe-se que o Poder Judiciário, quando na omissão Poder Legislativo, deve continuar a criar mecanismos que suprem ou reduzam as deficiências encontradas na legislação brasileira, combatendo assim a insegurança jurídica que tais omissões possam ocasionar. 86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. 1. ed. – São Paulo: Lawbook Editora, 2002. 485p. BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. 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