UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS
MARCUS VINICIUS BITTENCOURT MARTINS
Biguaçu (SC), novembro de 2008.
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS
MARCUS VINICIUS BITTENCOURT MARTINS
Monografia apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito pela
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Centro de
Educação Biguaçu.
Orientador: Prof. Msc. Luiz César Silva Ferreira
Biguaçu (SC), novembro de 2008.
3
AGRADECIMENTO
Agradeço ao meu pai, Mário César Martins,
pela ajuda que me deu nesta monografia e por
ter ajudado a financiar meus estudos enquanto
na Universidade.
A minha irmã, Gabriela Bittencourt Martins,
pelo incentivo.
Aos amigos que fiz na Universidade, em
especial a minha amiga Sandra Pereira, pela
força que me deu durante os anos que
estudamos juntos.
Ao meu orientador, Professor MSc. Luiz César
Silva Ferreira.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu filho querido, Marcus Vinicius
Bittencourt Martins Filho, a companhia que eu
tanto esperei em minha vida.
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, novembro de 2008.
Marcus Vinicius Bittencourt Martins
Graduando
6
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, elaborada pelo graduando Marcus Vinicius Bittencourt Martins, sob o título de
A POSSIBILIDADE DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS, foi submetida em 10 de
novembro de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Msc. Luiz
César Silva Ferreira (Orientador e Presidente); Msc. Sólon D’Eça Neves (Membro); Esp.
Giancarlo Castelan (Membro), e aprovada com a nota 10,00 (Dez).
Área de Concentração: Direito Público, Direito Constitucional e Processual Penal
Biguaçu/SC, 10 de novembro de 2008
Prof. Msc. Luiz César Silva Ferreira
Orientador e Presidente da Banca
Helena Nastassya Paschoal Pitsíca
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................01
1. HABEAS CORPUS
1.1
CONCEITO DE HABEAS CORPUS............................................................................04
1.2
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS..................................................07
1.2.1 A Magna Carta Inglesa de 1215....................................................................................10
1.2.2 A Petição de direitos de 1628 “Petition of Rights”.......................................................13
1.2.3 O Habeas Corpus Act de 1679........................................................................................14
1.2.4 O Habeas Corpus Act de 1816........................................................................................16
1.2.5 O Habeas Corpus e Napoleão Bonaparte.....................................................................16
1.2.6 O Habeas Corpus nos Estados Unidos da América.....................................................17
1.2.7 O Habeas Corpus no Brasil Imperial e Republicano..................................................19
1.3 PRINCÍPIOS GARANTISTAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO
HABEAS CORPUS........................................................................................................25
1.3.1 Princípio do devido processo legal...............................................................................25
1.3.2 Princípio da presunção de inocência............................................................................26
1.3.3 Princípio da ampla defesa e do contraditório..............................................................29
1.3.4 Princípio da liberdade...................................................................................................31
1.3.5 Princípio da dignidade da pessoa humana..................................................................32
1.3.6 Princípio razoabilidade/proporcionalidade................................................................33
1.3.7 Princípio da inarredabilidade do controle jurisdicional............................................34
2. ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS
2.1
NATUREZA JURÍDICA...............................................................................................36
2.2
LEGITIMIDADE ATIVA.............................................................................................39
2.3
LEGITIMIDADE PASSIVA.........................................................................................42
2.4
TIPOS DE HABEAS CORPUS.....................................................................................44
2.5
PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS...............................................................................47
2.6
PROCESSO E PROCEDIMENTO DO HABEAS CORPUS.....................................49
2.7
COAÇÃO ILEGAL.......................................................................................................51
2.7.1 Cabimento.......................................................................................................................54
8
2.7.2 Cabimento quanto ao militar........................................................................................59
2.7.3 Cabimento no caso de prisão civil................................................................................61
2.7.4 Cabimento no estado de sítio........................................................................................63
2.8
TUTELA JURISDICIONAL........................................................................................64
2.8.1 Habeas Corpus de ofício................................................................................................66
3. A LIMINAR EM HABEAS CORPUS
3.1
TUTELA CAUTELAR.................................................................................................67
3.2
CONCEITO DE LIMINAR.........................................................................................71
3.3
PROCEDÊNCIA DA LIMINAR EM HABEAS CORPUS........................................73
3.3.1 O Mandado de Segurança e a analogia aplicada ao Habeas Corpus.........................80
3.3.2 Pressupostos de admissibilidade da liminar em Habeas Corpus................................82
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................86
9
RESUMO
A presente pesquisa trata-se de uma Monografia que tem como objetivo institucional: a
obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI; e como objetivo geral: a possibilidade da concessão de medida liminar na ação de
Habeas Corpus intentada no Brasil. Comenta um pouco da história do Habeas Corpus no
plano internacional e nacional, bem como suas transformações no Brasil e aponta os
pressupostos e as condições de procedibilidade tanto da ação como do deferimento da medida
liminar para fazer cessar o constrangimento ilegal a liberdade de locomoção. Foi usado o
Método Dedutivo de pesquisa para a busca e coleta dos dados. Utilizou-se para tanto, a lei
brasileira, conceitos doutrinários abordados em varias obras de autores brasileiros acerca do
tema, entendimentos e decisões jurisprudenciais dos nossos Tribunais aplicados em regra por
analogia a outras leis brasileiras, para então, compor e sustentar o tema pesquisado. O
referido estudo foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo cuida da evolução histórica
do Habeas Corpus e dos princípios relacionados a esse instituto; o segundo capítulo trata dos
aspectos processuais da ação de Habeas Corpus, como por exemplo, as partes envolvidas,
natureza jurídica da ação, tipos de HCs etc.; o terceiro e ultimo capítulo trata da liminar e da
possibilidade jurídica da aplicabilidade da liminar na ação de Habeas Corpus.
Palavras-chave: Habeas Corpus. HC. Writ. Ação mandamental. Impetrar. Impetrante. Coator.
Paciente. Liminar. Remedium juris. Remédio jurídico. Liberdade. Locomoção.
10
ABSTRACT
The present research is a Monograph that has as institutional objective: the obtaining of
Bachelor's title in Juridical Sciences for the University of the valley of Itajaí. UNIVALI; and
as general objective: the possibility of the restraining order concession in Habeas Corpus
action attempted in Brazil. Will be comment on a little of Habeas Corpus history in the
international and national plan, as well as their transformations in Brazil and will be point the
presuppositions and the procedibilidade conditions as much of the action as of the grant of the
restraining order to do to interrupt the illegal embarrassment the locomotion freedom. Was
used as methodology reference the notebook inform of elaboration of academic-scientific
works of UNIVALI. As research method was used the Deductive Method of research for the
search and collection of the data. Was used the Brazilian law, doctrinaire concepts approached
in you vary Brazilian authors' works concerning the theme, understandings and decisions
jurisprudenciais of our applied Tribunals in rule for analogy to other Brazilian laws, for then,
to compose and to sustain the researched theme. Referred him study was divided in three
chapters. The first chapter takes care of Habeas Corpus historical evolution and of the
beginnings related to that institute; the second chapter treats of the procedural aspects of
Habeas Corpus action, as for instance, the involved parts, juridical nature of the action, types
of HCs etc.; the third party and I finish chapter treats of the temporary restraining order and of
the juridical possibility of the applicability of the temporary restraining order in Habeas
Corpus action.
Keywords: Habeas Corpus. HC. Writ. Action mandamental. To petition. Petitioner. Coactive.
Patient. Preliminary. Remedium juris. Juridical medicine. Freedom. Locomotion.
1
INTRODUÇÃO
Nas
ultimas
décadas
houve
um
aumento
populacional
e
conseqüentemente um aumento de demandas judiciais, ocasionando assim, acúmulo de
processos e uma demora maior por parte do Estado-Juiz em dar solução a estes litígios, seja
pelos problemas de ordem pessoal ou material enfrentados pelo Poder Judiciário, seja pela
indiferença do Poder Legislativo em adequar o ordenamento jurídico brasileiro ao momento
histórico e social atual. Algumas dessas causas, pela natureza que comportam acarretam
graves danos, inclusive, danos irreversíveis para os envolvidos quando não solucionados
prontamente. É o caso, por exemplo, de uma pessoa inocente que tem sua liberdade de
locomoção restringida, onde, com a demora do Estado-Juiz em dar uma solução a tal
problema, deixa o inocente cair no esquecimento e sofrer uma dor irremediável, pagando por
algo que não fez.
Para evitar tal descaso, profissionais e cientistas do direito tem
procurado alternativas eficazes para combater as dificuldades enfrentadas pela “Justiça”,
dando assim, uma resposta mais rápida e segura aos casos que necessitam de imediata
solução, como é o caso da restrição ilegal da liberdade de locomoção, que agora, pode ser
rapidamente solucionada através da possibilidade de liminar na ação de Habeas Corpus.
Medida esta que vem para garantir o respeito à liberdade da pessoa humana e a correta
aplicação do princípio da legalidade, cerne de um Estado Democrático de Direito.
A presente pesquisa científica demonstrará que a liminar em Habeas
Corpus tem sido constantemente utilizada no Brasil para pronta e eficazmente cessar o
constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Este trabalho não tem como pretensão
exaurir a discussão sobre possibilidade de liminar em Habeas Corpus. Tem como objetivo
principal identificar qual o dispositivo legal ou fundamento jurídico judicial que está sendo
utilizado pelo Poder Judiciário para a concessão da medida extrema na ação de Habeas
Corpus.
Foi utilizado o método dedutível no desenvolvimento desta pesquisa
por ser o método de pesquisa que mais se mostrou eficaz, na opinião do autor, para a correta
2
comprovação do que se defende nesta Monografia, onde, ensina Pasold 1 à “[...] estabelecer
uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a
formulação geral [...]”. Para tanto, foram buscados dados na legislação ordinária brasileira, na
doutrina e por fim, na jurisprudência nacional, organizando de certa forma, todo material
didático coletado para que, através da leitura deste estudo, possa-se chegar a conclusão do que
se sustenta no tema desta pesquisa.
A pesquisa foi dividida em três capítulos. O primeiro capítulo inicia
conceituando o instituto do Habeas Corpus para em seguida descrever a história e trajetória
desse remédio heróico desde a Inglaterra de 1215, com a revolta dos barões contra o Rei JoãoSem-Terra, até a sua chegada e implantação no Brasil Império, onde foi desenvolvido e
aperfeiçoado até chegar ao seu conceito atual. Logo após e ainda no primeiro capítulo, foram
relacionados alguns princípios que na opinião do autor desta monografia, estão intimamente
relacionados com a defesa do instituto do Habeas Corpus, em particular, comprovando a
necessidade e possibilidade da liminar em sede de Habeas Corpus.
O segundo capítulo é mais técnico e trata dos aspectos processuais do
Habeas Corpus. Utiliza-se de embasamentos legais e doutrinários para se definir a natureza
jurídica desse instituto, as partes atuantes na impetração da ação, a forma de petição e seu
procedimento antes e após a entrada da ação em juízo na busca da tutela jurisdicional.
No terceiro e último capítulo, busca-se comprovar a possibilidade da
liminar em sede de Habeas Corpus. Inicia-se com uma pesquisa da tutela cautelar, da liminar,
para então se chegar ao assunto principal que a comprovação da possibilidade da liminar em
Habeas Corpus. Nesse capítulo, além da lei e da doutrina, se faz uso de entendimentos
jurisprudências de Tribunais nacionais, pelo fato de grande parte de estudiosos do assunto
acreditarem que a liminar em Habeas Corpus é uma criação judicial.
Adiante estão alguns conceitos operacionais que serão desenvolvidos
no presente estudo para que o leitor possa fazer sua leitura com maior facilidade:
1
PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito.
8. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 104.
3
Habeas Corpus: “O habeas corpus é remedium juris destinado a tutelar, de maneira rápida e
imediata, a liberdade de locomoção. Trata-se de verdadeira garantia constitucional para
amparar o direito à liberdade ambulatória [...]”2;
Paciente: “[...] quem sofre o constrangimento ilegal [...]3;
Coator: “[...] que exerce o constrangimento, a violência ou a coação sem fundamento
legal;”4;
Impetrante: “[...] é aquele que requer, ou impetra, a ordem de habeas corpus a favor do
paciente [...]”5;
Impetrar: “[...] É requerer ou solicitar a decretação de qualquer medida judicial, que venha
assegurar o exercício de um direito ou a execução de um ato.”6;
Detentor: “[...] Detentor pode ser qualquer indivíduo. Brasileiro ou estrangeiro, ou simples
particular, recrutador ou comandante de fortaleza, agente de força pública, ou quem quer que
seja, uma vez que detenha outrem em cárcere público ou privado [...]”7;
Ilegalidade: “[...] implica na falta de observância dos preceitos legais. Equivale à
injuridicidade; aquilo que é contrário ao direito.”8;
Liminar: “[...] as liminares, em qualquer tipo de processo, provocam uma antecipação, ainda
que provisória, da tutela pretendida principaliter. Elas são como que uma retroprojeção da
imagem que possivelmente será representada na sentença final.”9;
2
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 27. ed. rev. atual. e aum. – São Paulo:
Saraiva, 2006. 669.
3
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. 1. ed. – São Paulo:
Lawbook Editora, 2002. p. 15.
4
______. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. P. 15.
5
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. 6. ed. 2ª série –
Curitiba: Juruá, 1994. p. 38.
6
SILVA, De Plácido e.Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 23ª ed. –
Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 708.
7
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. 3. ed. – Campinas: Bookseller, 2007, tomo II.
p. 61.
8
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2002. p. 83.
4
1. HABEAS CORPUS
1.1 CONCEITO DE HABEAS CORPUS
Na atual Constituição da República Federativa do Brasil, o Habeas
Corpus está previsto como cláusula pétrea no Título II, onde fala Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, mais
especificamente no art. 5° inciso LXVIII, onde também podemos identificar sua gratuidade no
mesmo art. 5°, inciso LXXVII.10
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes nos País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXVIII – conceder-se-á “habeas-Corpus” sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
[...]
LXXVII – são gratuitas as ações de “habeas-corpus” e “habeas-data”, e, na
forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
O Habeas Corpus é a ação constitucional mais conhecida no Brasil
atual. Isso se dá não só pela repercussão histórica do instituto, mas contemporaneamente pelo
fato da mídia televisiva mostrar em suas várias reportagens criminais diárias a rapidez com
que um criminoso é preso pela polícia e posto em liberdade por seu advogado em fração de
minutos após sua prisão e impetração desse writ. Tal rapidez se dá ao seu procedimento
judicial e pela importância que tem na proteção da liberdade. Quanto à rapidez e eficiência do
instituto, Pontes de Miranda é categórico: “[...]remédio jurídico processual mais eficiente, em
todos os tempos: o Habeas Corpus.”11.
9
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A questão dos limites no poder cautelar geral apud LARA, Betina
Rizzato. Liminares no processo civil. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 21.
10
JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.22. ed. atual – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 863864.
11
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. 3. ed. – Campinas: Bookseller, 2007, tomo I.
p. 27.
5
Ao traduzir a palavra Habeas Corpus para o idioma brasileiro, Júlio
Fabbrini Mirabete12 ensina que “a expressão habeas corpus indica a essência do instituto pois,
literalmente, significa “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa e a apresente ao juiz, para
julgamento do caso [...]”.
Para Antonio Zetti Assunção 13 a palavra Habeas Corpus tem o
seguinte significado:
Procedente do latim, Habeas Corpus significa em sentido literal “Tome o
corpo”, que tem por objeto fundamental a tutela da liberdade física e
locomotiva do indivíduo. É remédio judicial que faz cessar violência ou
coação à liberdade decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.
E ainda observa que “com este remédio heróico, impugna-se atos
administrativos ou judiciários, coisa julgada e de particulares.”14.
Pacheco15
conceitua
Habeas
Corpus
como
“[...]
a
ação
constitucionalmente garantida a todo indivíduo, nacional ou estrangeiro, apta a impedir ou
fazer cessar uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade física, decorrente de
ilegalidade ou abuso de poder.”.
Para José Frederico Marques16, trata-se o Habeas Corpus de:
[....] remedium juris destinado a tutelar a liberdade de locomoção. Desde que
haja ilegalidade ou abuso de poder que atinja a liberdade de ir e vir, o habeas
corpus constitui o instrumento destinado a remover a coação contra aquele
direito subjetivo.
O instituto serve para proteger a liberdade da pessoa física, sendo que
“o sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão-somente à pessoa física.”17, não
se enquadrando a pessoa jurídica como sujeito ativo.
12
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. até dezembro de 2004 – São Paulo: Atlas,
2005. p. 770.
13
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 11.
14
______. Habeas Corpus: Teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 11.
15
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 22.
16
MARQUES, 2000 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002.
121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí,
Itajaí, 2002. p. 15.
17
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2005. p. 109.
6
Em decorrência dos vários atributos inerentes ao instituto do Habeas
Corpus, Mossin define-o como: “[...] remedium iuris de natureza constitucional voltado à
tutela da liberdade de locomoção do indivíduo, quando coarctada ou ameaçada de sê-lo por
violência ou coação decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.”18.
A palavra habeas corpus é latina e segundo Assunção19 significa:
““Habeas” – “habere”: Ter, trazer, tomar, exibir. “Corpus” – “corporis”: corpo.”. No mesmo
sentido, porém, acrescenta Plácido e Silva20, informando que a palavra habeas corpus “[...] É
locução composta do verbo latino habeas, de habeo (ter, tomar, andar com), e corpus (corpo),
de modo que se pode traduzir: ande com o corpo ou tenha o corpo.”, e que é um “[...] instituto
jurídico que tem a precípua finalidade de proteger a liberdade de locomoção ou direito de
andar com o corpo.”.
Diante do exposto acima, se comentou que alguns direitos e garantias
individuais estabelecidos na Constituição brasileira de 1988, como o direito de ir, vir, ficar e
permanecer, estão inclusos no conceito de habeas corpus bem como garantidos por ele. E
acrescenta Ferracini21 que, “o habeas corpus, faz parte dos Direitos e Garantias fundamentais
do cidadão. Segundo a sistemática constitucional brasileira, o tema em questão corresponde à
noção de declaração de direitos [...]”, onde,
“[...] os direitos individuais são considerados equivalentes aos direitos
naturais, correspondendo assim à idéia dos direitos que são próprios do ser
humano, e em razão disso, garantidos pelo Estado, com a sua consagração
nos textos constitucionais e legais [...]”.
Nas palavras de Tourinho Filho22: “O habeas corpus é remedium juris
destinado a tutelar, de maneira rápida e imediata, a liberdade de locomoção. Trata-se de
verdadeira garantia constitucional para amparar o direito à liberdade ambulatória.”.
18
19
20
21
22
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 89.
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 15.
SILVA, De Plácido e.Vocabulário jurídico. p. 671.
FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. 1ª ed. – São Paulo: LED,
1996. p. 11.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 669.
7
Mas e a ordem ou o próprio mandado contido na ação de Habeas
Corpus? Qual o sentido original dessa ação? Para responder essa pergunta, trazemos a tona os
ensinamentos de Pontes de Miranda23, que comenta que a ordem contida neste writ significa:
[...] mandado de tribunal, endereçado a indivíduo ou indivíduos, que tenham
em seu poder, ou sob sua guarda alguma pessoa, a fim de que a apresente ao
mesmo tribunal, que decidirá, depois de ouvir as informações produzidas
pelas partes, qual o destino a ser dado ao paciente [...]
Não podemos esquecer que atualmente, tal ordem contida dentro da
ação de Habeas Corpus também se aplica para proteger pessoa que não está presa, mas que há
um temor de que seja constrangida em sua liberdade de locomoção. Trata-se o caso de
Habeas Corpus preventivo, que será explicado mais adiante.
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS
Antes de percorremos a evolução histórica desse grande instituto,
importa salientar que o Habeas Corpus é o “[...] remédio jurídico processual mais eficiente,
em todos os tempos”24 e está intimamente, senão, totalmente contido no direito humano e na
liberdade de ir, vir, ficar ou permanecer. “A liberdade vem a ser um dos atributos mais
importantes do homem. É, em boa verdade, o próprio meio de expressão do caráter
humano.””25.
A maioria dos doutrinadores entende que o instituto do Habeas
Corpus nasceu concomitantemente com o amadurecimento do direito inglês britânico em
meados do ano de 1215, porém há doutrinadores como Capez que afirmam que o nascimento
do instituto do Habeas Corpus nasceu na época da Roma antiga, amadurecendo até tomar a
forma hoje conhecida. Leciona ele que:
O habeas corpus tem sua origem remota no direito romano, onde todo
cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por
meio de uma ação privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine
exhibendo.26
23
24
25
26
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 27.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I p. 27.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p.127.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 489.
8
Para Luiz Cesar Silva Ferreira27:
O período Romano é considerado pródigo em evoluções de cunho jurídico.
Nesta época foram criados novos institutos, bem como determinou-se regras
mais claras para os já existentes, mas é de ser observado que não se admitia
qualquer recurso visando garantia individual contra a decisão do imperador.
José Afonso da Silva28 acredita que o Habeas Corpus já era aplicado
antes da Magna Carta Inglesa, onde, “[...] denota-se sua presença na Inglaterra antes mesmo
da Magna Carta de 1215. Mas foi esta que lhe deu a primeira formulação escrita [...]”.
Pontes de Miranda em estudo acerca desse instituto informa que o
Habeas Corpus como é conhecido hoje, nasceu em 1215, junto ao texto da Magna Carta
Inglesa:
[...] Os princípios essenciais do habeas corpus vem, na Inglaterra, do ano
1215. Foi no § 29 da Magna Charta libertatum que se calcaram, através das
idades, as demais conquistas do povo inglês para a garantia prática, imediata
29
e utilitária da liberdade física [...] .
Em tempo, esclarece Pontes de Miranda que, “[...] temos de afastar
que a história do instituto seja a mesma do nome habeas corpus. Os nomes de homine
replegiando, mainprize e de odio et atia. Antecederam ao de habeas corpus [...]”30, referindose que tal dispositivo já era aplicado em época anterior ao ano 1215, mas, utilizando-se de
outros nomes, onde, “[...] o pacto de 1215 não fora lei de reforma; iniciava período novo, com
ser o produto de verdadeira conquista libertária, embora consistisse, em sua máxima parte, na
confirmação do velho direito saxônico [...]”31.
E continua Pontes de Miranda32 explicando que:
O pacto ratificou as leis de Eduardo, o confessor, e a Constituição dos
saxões, onde já havia a livre caução (frank pledge). Aboliu a jurisdição dos
27
28
29
30
31
32
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002. p. 16.
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual. – São Paulo:
Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 443.
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 38.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 39.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 39.
9
xerifes (sheriffs) reais em matéria penal. Proibiu a prisão injusta e
determinou que as pessoas livres só fossem julgadas por seus pares [...].
Alexandre de Morais33 demonstra que há divergência na doutrina
brasileira sobre a origem do Habeas Corpus ter se dado na Magna Carta inglesa de 1215:
A origem mais apontada pelos diversos autores é a Magna Carta, em seu
capítulo XXIX, onde, por pressão dos barões, foi outorgada pelo Rei João
sem Terra em 19 de junho de 1215 nos campos de Runnymed, na Inglaterra.
Por fim, outros autores apontam a origem do habeas corpus no reinado de
Carlos II, sendo editada a Petition of Rights, que culminou com o Habeas
Corpus Act de 1679 [...].
Guimarães ao explicar a origem do Habeas Corpus, comenta que o
direito inglês passou por um grande amadurecimento jurídico e político até se chegar na
feitura da Magna Carta.
[...] O peculiar corpus jurídico britânico, formou-se em concomitância com
seu amadurecimento político. Ou, melhor dizendo, ali estabeleceu-se uma
dialética entre o poder político e as exigências sociais (numa época em que
tal não se cogitava), propiciando a arquitetura de um direito que
correspondesse aos anseios de melhoramento. Para isto contou, também,
com a instituição do poder judicial, que se estruturou, pouco a pouco,
independente e soberano em suas decisões. Estes fatores iriam dar
conseqüência ao agregado de costumes e precedentes judiciais sedimentados
34
no common Law, de onde efetivamente o inglês retirou o habeas corpus.
E esclarece ainda que já haviam outros institutos que defendiam a
liberdade individual e se assemelhavam ao Habeas Corpus:
[...] Já existiam no Common Law do período anterior à Magna Charta três
procedimentos dirigidos à proteção da liberdade pessoal: a) o writ de homine
replegiando, que tratava de uma ordem judicial concessiva de liberdade
mediante fiança; b) o writ of mainprize, que era destinado ao sheriff, para
que estabelecesse as bases do livramento do detido mediante fiança; c) o writ
de odio et atia, segundo o qual o acusado de homicídio podia obter o
livramento através da decisão antecipada sobre os motivos da acusação.
Como observa R. J. Sharpe, estes “(...) não eram remédios de aplicação
geral, mas procedimentos especiais para situações especiais [...]”35.
33
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 108.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 156.
35
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 157.
34
10
Mas, esclarece Guimarães que, “[...] Nenhum daqueles writs se
prolongou para além da Idade Média, que é o referencial de sua decadência e, ao mesmo
tempo, o marco em que o habeas corpus assume o papel de proeminência na defesa da
liberdade pessoal.”36
Pela incerteza dos dados referentes ao nascimento do instituto do
Habeas Corpus, optou-se pela opinião da grande maioria dos doutrinadores que concordam
que o instituto como é conhecido hoje, nasceu em 1215 com a Magna Carta inglesa. Nessa
época gloriosa, nascia também com a Magna Carta inglesa, o princípio do devido processo
legal, princípio este adotado por muitos países e inclusive pelo Brasil. Tal princípio se
relaciona intimamente com o Habeas Corpus, pois limita o poder do Estado no uso de sua
força, onde, sua desobediência pode dar causa remedium iuris, veja:
Sua origem muito explica os vários e interligados aspectos, função e
utilidade do devido processo legal em nossos dias. Essa cláusula surgiu
como o resultado normativo de disputas políticas na Inglaterra dos séculos
XII e XIII e que culminaram com a submissão do Rei João Sem Terra ao
poder político-militar dos Barões pela assinatura da Magna Carta de 1215 e
cujos termos foram impostos pelos últimos àquele. No Capítulo 39 dessa
Carta Política foi inserida a expressão (latina per legem terrae e que foi
traduzida para o inglês law of the land) que, de há muito, consagrou-se como
due processo of law. Essa inserção, assim como toda a Magna Carta,
representou histórica limitação do poder real por força da norma escrita
[...]37 .
1.2.1 A Magna Carta de 1215
Há certa inclinação de alguns doutrinadores brasileiros em achar que a
Magna Carta Inglesa do ano de 1215 teria natureza constitucional, mas, para Albert Noblet,
ela se tratou apenas de uma carta de reivindicações de liberdades e de privilégios para os
nobres e as elites daquela época:
[...] longe de ser a Carta das liberdades nacionais, é, sobretudo, uma carta
feudal, feita para proteger os privilégios dos barões e os direitos dos homens
livres. Ora, os homens livres, nesse tempo, ainda eram tão poucos que
36
37
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 157.
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 1.
p. 240.
11
podiam contar-se, e nada de novo se fazia a favor dos que não eram livres
[...]38 .
Todavia, para Pontes de Miranda a Magna Carta de 1215 do direito
inglês, de onde saiu o Habeas Corpus, foi uma tentativa da nação inglesa de frear o poder
despótico e perverso do seu Monarca João-Sem-Terra. João foi sucessor de Ricardo I, onde,
“morto Ricardo I, sucedeu-lhe no trono de Inglaterra seu irmão João, com prejuízo de Artur
de Bretanha, filho de Henrique II [...]”39 e “[...] tão anárquico fora o reinado de João, que se
lhe atribuía outrora, como ainda nos nossos dias se repete, a decadência, então, de toda a
Inglaterra [...]”40.
Pela perversidade e má administração de seu reinado:
[...] O tempo que João esteve no poder (1199-1216), marca, por exemplo,
interrupção sensível na própria evolução da arquitetura inglesa, que antes
possuía monumentos góticos como o coro da catedral de Lincoln (Journal
des Savants, 1908, 66), ou da sé de Wells (Francis Bond, Gothic Architecture
in England, 105), que se construiu entre os anos 1174 e 1191[...]41.
O povo não agüentava mais a perversidade do monarca e “[...] Os
desastres, cincas e arbitrariedade do novo governo foram tão assoberbantes, que a nação,
sentido-lhe os efeitos envilecedores, se indispôs, e por seus representantes tradicionais reagiu
[...]”42. Foi “[...] por esses motivos e outros desregramentos de João, os condes e os barões
reuniram-se por ocasião de pretensa peregrinação a S. Edmund’s Bury [...]”43.
Com o descontentamento geral da nação, criação e aumento de
impostos, bem como a prisão não só de populares como a de nobres, começa a amadurecer a
revolução que imporia a João-Sem-Terra, a Cartas das Liberdades, onde, “os fatos levaram os
barões à atitude extrema: acordaram em que era preciso obter do rei, mesmo pela força, carta
de liberdades. [...]”44 e então aconteceu a grande revolução:
38
NOBLET, 1963 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e
atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 152.
39
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35.
40
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35.
41
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35-36.
42
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 35.
43
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 36.
44
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 37.
12
[...] Os revolucionários proclamaram-se exército de Deus, entraram em
Londres, a 24 de maio de 1215; e quase um mês depois, a 19 de junho (A.
Trognon, Histoire de France, I, 622; Ernest Glasson, Histoire du Drouit, III,
7), o rei assinou, no campo de Runnymead, ao sentir-se privado da capital, o
“ato” a que se chamaria de a Magna Carta [...]45
Estava estabelecida então a nova Carta de Direitos Inglesa que ficou
conhecida mundialmente como Magna Carta Inglesa de 1215 e com ela o instituto do Habeas
Corpus. Segundo historiadores, com a criação desta Carta de Direitos, ficava estabelecido
novo período no direito inglês, porém, a história não para por aí. Mesmo depois de outorgada
por João, a Magna Carta foi desrespeitada várias vezes não só por ele, mas também após sua
morte pelos seus sucessores, Henrique III e Eduardo I.
Em decorrência das violações da Magna Carta Inglesa, ela foi
confirmada duas vezes após sua promulgação. Em 1216 após a morte de João-Sem-Terra a
Magna Carta foi confirmada pelo sucessor de João, Henrique III, “[...] que aos nove anos,
quando se entronizara, a confirmou com algumas modificações secundárias [...]”46. Em 1255,
pela má administração do Governo de rei Henrique III, ela foi novamente confirmada “[...]
Daí a confirmação da magna Carta, em 1255, em reunião de prelados [...]”47. Em 1298,
Eduardo I que era rei da Inglaterra também foi compelido a assinar nova confirmação da
Magna Carta de 1215: “[...] Forçado, por fim, a ceder aos barões, Eduardo refugiou-se em
Gante [...] enquanto o Parlamento, convocado em 1297, pedia nova confirmação da Magna
Carta, o que se assinou a 5 de novembro de 1298 [...]”48.
Conforme Pontes de Miranda49, com a instituição da Magna Carta de
1215, foram criados vários remédios para proteger a liberdade. Entre alguns deles estão os
writs de habeas corpus ad respondendum, ad satisfaciendum, ad prosequendum, ad
faciendum et recipiendum e por fim o writ de habeas corpus ad subiibiendum que era o mais
eficiente de todos os writs nos casos de detenção ilegal ou constrangimento ilegal, pois podia
ser endereçado a qualquer pessoa que tivesse outrem em seu poder injustamente, obrigando o
detentor a apresentar o preso e comunicar o dia e a causa pela qual a pessoa foi presa para que
então, o juiz ou a corte resolvesse sobre a prisão.
45
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 37.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 42.
47
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 43.
48
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 45.
49
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 70.
46
13
[...] O habeas corpus ad subiiciendum vem, então,
relacionar-se de forma reflexa com os mencionados princípios, desde que, ao
proteger a liberdade pessoal, necessariamente expõe ao exame do judiciário
as causas de supressão da liberdade. Através do writ examina-se a legalidade
do ato restritivo de liberdade.50
1.2.2 A Petição de direitos de 1628 “Petition of Rights”
A Petição de direitos Inglesa foi redigida em 1628, durante o reinado
de Carlos I, que no ano de 1627, durante seu reinado:
[...] impôs aos ingleses o recolhimento de um novo imposto sem que, no
entanto, tivesse sido aprovado pelo Parlamento. Aos que recusaram o
pagamento do Tributo – e dentre eles destacaram-se Darnel e outros quatro
fidalgos – coube a detenção. Este ato foi executado per speciale mandatum
Regis, sem que nele estivesse prescrita a causa legal. A situação avivou-se
com a impetração do habeas corpus em que se pretendia o livramento dos
cinco cavalheiros, trazendo novamente à baila a questão dos limites do poder
real.51
O Writ de Habeas Corpus pedido por Darnel e outros, não foi
concedido pelos juízes que não queriam se opor ao rei, então, “[...] Sob Carlos I, monarca mal
aconselhado, que pretendia governar sem leis e sem nobreza (cp. Voltaire, Le Siècle de Louis
XIV, 11), a campanha dos povos ingleses recomeçou [...]”52. Então “[...] a insatisfação geral
contra Carlos I agravou-se, razão porque em 1628, após convocar a reunião do Parlamento,
teve de aceitar a Petition of Right que lhe apresentaram os membros das Câmaras [...]”53.
O governo de Carlos I tornava-se tão despótico que ele foi executado
em 30 de janeiro de 1649. Sua execução, que ocorrera enquanto ainda era rei, “[...] foi muito
censurada; entretanto, se não fosse assim, teria acontecido o mesmo às nossas liberdades
[...]”54. A petição de direitos nada mais pedia do que direitos e liberdades já reivindicados e
estabelecidos na Magna Carta de 1215.
50
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 158.
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 160-161.
52
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 71.
53
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 161.
54
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 71.
51
14
Sobre a Petição de Direitos de 1628, José Afonso da Silva comenta
que:
A Petição de Direitos (Petition of Rights, 1628), como o nome indica, é um
documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então
pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos
de sua majestade. A petição constituiu um meio de transação entre
Parlamento e rei, que este cedeu, porquanto aquele já detinha o poder
financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem
autorização parlamentar. Então, precisando de dinheiro, assentiu no pedido
[...]55 .
1.2.3 O Habeas Corpus Act de 1679
Ainda sob o reinado de Carlos I e antes de sua morte, atesta
Guimarães56 que os estatutos da Petição de Direitos de 1628 passam a ser desobedecidos pelo
próprio rei, desgastando ainda mais seu reinado e ocasionando com isso sua deposição e
posteriormente a proclamação do Habeas Corpus Act de 1640, o qual iniciaria as bases
processuais do Habeas Corpus, implementando regras de direito processual nas ações de
Habeas Corpus daquela época. Nessa época desencadeou-se o processo revolucionário inglês,
decorrente dos conflitos entre o Parlamento e o Rei.
Em decorrência desse ato de 1640, ocorrido no direito Inglês:
[...] extinguiram-se as conciliar courts, inclusive a Star Chamber, que
diretamente se relacionava com o absolutismo inglês. Ratificou os preceitos
de garantia da liberdade pessoal, dispondo que qualquer detido por ordem do
rei ou de seu conselho teria o direito a solicitar o writ de habeas corpus, para
ser imediatamente conduzido ante o tribunal, onde seria apreciada a
justificativa do ato [...]57.
Com a deposição do despotismo e a proclamação do ato de 1640, “[...]
O habeas corpus tornou-se o procedimento adequado para o exame da legalidade dos atos
restritivos de liberdade, sendo eficiente para sua restauração com ou sem fiança [...]”58. Foi-se
assim, preparando terreno para a chegada do Habeas Corpus Act de 1679, que “[...] veio então
55
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 152.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 162.
57
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 162.
58
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 163.
56
15
para solucionar estas questões, regulamentando o procedimento na área criminal [...]”59 e
marcando “[...] a passagem do procedimento para sua forma moderna [...]”60.
Ao comentar a ocorrência do ato de 1679, Pontes de Miranda61
assevera que: “Na Inglaterra, com o Habeas Corpus Act de 27 de maio de 1679, foi grande o
passo que se deu para a liberdade. Daí terem-no chamado “outra Magna Carta”. A violação da
liberdade passou a criar o “direito ao mandado”(right to the writ).”62. Comenta ainda Pontes
de Miranda63 que o caso Jenkes, que fora o caso de um cidadão de Londres que havia sido
preso por discursar contra a coroa, teria sido talvez, juntamente com outros atos de
desrespeitos a liberdades e garantias do povo inglês, o ato sugestivo para o surgimento do
Habeas Corpus Act de 1679.
Ao falar da natureza processual que se originou ao instituto do Habeas
Corpus Inglês com a chegada do Habeas Corpus Act de 1679, Guimarães argumenta que:
“[...] O Habeas Corpus Act não estabeleceu direito novo, mas apenas regulamentou o instituto
secular. Trata-se, portanto, de uma lei de natureza processual, que deu ao habeas corpus a
feição moderna pela qual é hoje conhecido.”64. Conforme Albert Noblet: “O Habeas Corpus
Act reforçou as reivindicações de liberdade, traduzindo-se, desde logo, e com as alterações
posteriores, na mais sólida garantia de liberdade individual, e tirando aos déspotas uma das
suas armas mais preciosas, suprimindo as prisões arbitrárias.”65.
Em 1688, ocorreu nova revolução na Inglaterra com a imposição da
Bill of Rights: “[...] que decorreu da Revolução de 1688, pela qual se firmara a supremacia do
Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme
III e Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e
por eles aceita [...]”66. Quanto ao Habeas Corpus: “Em 1789 foi incluído na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.” 67.
59
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 165.
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 166.
61
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 85.
62
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 85.
63
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 86-87.
64
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 163-164.
65
NOBLET, 1963 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. rev. e atual.
– São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 153.
66
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 153.
67
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 490.
60
16
1.2.4 O Habeas Corpus Act de 1816
Os Writs de Habeas Corpus anteriores somente serviam para livrar da
prisão as pessoas acusadas formalmente de crimes, não servindo para as pessoas “[...] detidas
por outras acusações ou meros pretextos. Nem sequer havia outro remédio com que
obtivessem das Casas uma decisão qualquer sobre a legalidade de sua encarceração.”68. Com
o Habeas Corpus Act de 1816 o rol de garantias contra o constrangimento ilegal foi ampliado.
Desde então, com o Habeas Corpus Act de 1816:
[...] estando uma pessoa presa ou detida por outros motivos diversos da
acusação criminal, começou a usar-se do habeas corpus para apressar a
decisão. Uma vez resolvida a questão da ilegalidade do constrangimento do
impetrante, restituía-lhe a liberdade, como antes se procedia relativamente às
detenções ilegais por suspeita de crime. [...] Dá-se habeas corpus por
exemplo: a indivíduo que continua preso, sem ordem legal do juiz; a criança
detida fora da casa dos pais; a pessoa sã que tenham internado, como louco
ou doente, em hospício [...].
Diante disso, a ordem de soltura agora podia ser dada a qualquer
pessoa, funcionário ou particular que detivesse outrem contra sua vontade. Leciona
Guimarães69 que: “[...] deve apontar-se que foi com o Habeas Corpus Act de 1816, fruto da
exigência jurisprudencial, que se estendeu a regulamentação aos casos não criminais [...]”.
1.2.5 Habeas Corpus e Napoleão Bonaparte
Há relatos de que Napoleão Bonaparte teria feito uso de Writ de
Habeas Corpus Inglês por volta de 1815. Em 1815, Napoleão governava na França no
chamado governo dos Cem dias. Deu-se tal nome por que:
Sua permanência no poder, entretanto, durou apenas cem dias. A coligação
de forças internacionais rapidamente se reorganizou e marchou contra a
França, conseguindo derrotar definitivamente Napoleão, na Batalha de
Waterloo, em 18 de junho de 1815. Preso pelos ingleses, Napoleão foi
exilado na ilha de Santa Helena, no oceano Atlântico, onde permaneceu até a
morte (1821).70
68
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 99.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 166-167.
70
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 5. ed. 3ª tiragem. – São Paulo: Saraiva, 2001, p. 269,
(grifo do autor).
69
17
E enquanto Napoleão era conduzido até a ilha de Santa Helena pelos
ingleses, o barco que lhe transportava havia aportado na Inglaterra. Napoleão que
permanecera aprisionado no interior do barco, havia recebido da justiça Inglesa, segundo as
memórias da Vida de José Liberado de Carvalho (145 seg.) publicadas em 1855 e citadas por
Pontes de Miranda, permissão para sair da Nau que lhe aprisionara e depor como testemunha
em um processo. Tal permissão se deu através de Writ de Habeas Corpus impetrado por
terceiro em favor de Napoleão. Vejamos:
[...] A nau, que o aprisionou, foi portar-se na costa da Inglaterra, defronte do
porto de Portsmouth; [...] o grande inimigo, que, enquanto poderoso, metera
tanto medo aos Ingleses, começou, depois de sua queda, a achar simpatia
entre eles... entre eles houve um que concedeu a atrevida idéia de o fazer
desembarcar, e talvez impedir que fosse para Santa Helena. [...] Em virtude
do notável ato denominado habeas corpus, fez requerimento ao magistrado
competente em que dizia precisar da presença de Napoleão para lhe servir de
testemunha em um processo em que andava. O magistrado, que lhe não
podia negar, segundo a lei, o que o homem lhe pedia, deferiu-lhe como
requeria. No mesmo instante, porém, deu aviso ao governo do que se
passava. Esse, pelo telégrafo, avisou logo o comandante da nau para se pôr
ao largo, em distância que se entendia não ser domínio da Inglaterra [...]71.
1.2.6 O Habeas Corpus nos Estados Unidos da América
Como no início os Estados Unidos fora uma colônia povoada por
ingleses, nada mais natural que esses colonos levassem consigo os ideais de justiça e
liberdade conquistados pela nação inglesa e na bagagem, estava também o Habeas Corpus,
veja:
Os ingleses que povoaram as colônias norte-americanas foram para ali com
uma consciência já arraigada dos princípios de liberdade. Conservaram e
adotaram as leis de matriz inglesa, estabelecendo uma cultura jurídica
baseada no respeito aos direitos absolutos e orientada pelo princípio
fundamental do due process of law. E a constituição de uma organização
jurídica fundada no ideário de que “todos os homens são por natureza
igualmente livres e independentes”, foi a conseqüência do elevado grau de
maturidade do direito anglo-saxão, do qual os colonos já não podiam
prescindir. Reagiram energicamente à tentativa de o Parlamento inglês
suprimir-lhes algumas das garantias ancestrais. E reclamaram a possibilidade
de utilizarem o habeas corpus.72
71
72
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 98.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 175.
18
Para Pontes de Miranda73, o Habeas Corpus “[...] Nos Estados Unidos
da América continuou de ser o que sempre foi na Inglaterra: remédio sumário contra as
violações da liberdade física [...]”. Vê-se nos comentários de Guimarães que o Habeas corpus
já era usado antes mesmo da independência das colônias dos Estados Unidos, ocorrida no ano
de 1776:
[...] Assim, em 1692 a Assembléia de Massachusetts adotou o Habeas
Corpus Act inglês de 1679. Em 1710 o ato chegava a Virgínia. Mesmo antes
de o habeas corpus ter sido reconhecido pelo Ato de Setembro de 1789,
alguns dos Estados-membros da recém independente nação norte-americana
já tinham regulamentado o procedimento [...]74.
No mesmo sentido, Pontes de Miranda75:
Não há negar a paixão da liberdade física que sempre teve o povo
americano. Mesmo nos tempos coloniais, há fato histórico que merece ser
lembrado: o ter-se estendido o privilégio do habeas corpus a uma das
colônias que o não possuía. Tal foi o ato do governador Spotswood em 1710,
que tornou aplicável na Virgínia o célebre remédio inglês (William Bryant e
Sidney Gay, History of the United States, III, 72).
Mas foi com o ato de 1791 que a liberdade passou a ser protegida
amplamente nos Estados Unidos da América: “Com a ratificação da Constituição dos Estados
Unidos da América, em 15 de dezembro de 1791, surgiu o termo “liberty”, em seu art. 5°:
“nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo
legal” [...]”76.
A Constituição Americana também estabeleceu alguns casos de
suspensão do privilégio do Writ de Habeas Corpus:
[...] A Constituição dos Estados Unidos da América estatui que o privilégio
de habeas corpus não poderia ser suspenso senão em casos de rebelião ou
invasão, quando a segurança pública o exigisse. É, portanto, o n° 2 da 9ª
seção do art. 1° que regula a suspensão, desde 17 de outubro de 1787 [...]77.
No mesmo sentido acerca da suspensão do Writ, explica Guimarães:
73
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 133.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 175.
75
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 127.
76
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 19.
77
______. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 19.
74
19
[...] É previsto de forma negativa no artigo 1°, da seção 9, que faz referência
à impossibilidade de suspensão por ato do Estado, a não ser em casos de
emergência: “O direito ao writ de habeas corpus não será suspenso, a não
ser quando nos casos de rebelião ou de invasão a segurança pública o
exigir”. Daqui emerge a ilação de que o habeas corpus se enquadra
harmoniosamente no contexto de direitos e garantias constitucionais. É
válido no sistema jurídico, só padecendo de exceção nos períodos em que a
segurança pública se impuser como contingência exclusiva [...]78.
O Habeas Corpus Norte Americano se diferenciou do inglês por atuar
também como instituto de controle de constitucionalidade, veja:
Outra condição de fundamental importância para a impetração do habeas
corpus perante uma Corte de Justiça Federal, consiste na dedução de queixa
baseada na violação de direito constitucional ou infraconstitucional do
requerente. [...] Pode-se concluir, assim, que este habeas corpus tem as
características de uma ação de controle de constitucionalidade.79
O Habeas Corpus Norte Americano: “[...] É desta forma, ao lado de
outras ações, um dos guardiões da Constituição dos Estados Unidos [...]”80.
1.2.7 O Habeas Corpus no Brasil Imperial e Republicano
O Habeas Corpus chegou de forma singela em nosso país. Antes de
sua chegada, em 1821, o que se usava eram institutos como as Cartas de Seguro e interditos
originados do direito português. “[...] As chamadas “Cartas de Seguro” eram correspondentes
ao habeas corpus de hoje, e entravam na lista das “Cartas de Guia”, que eram o salvo
conduto, o passaporte. A carta de seguro eximia alguém de prisão até que se julgasse
finalmente a causa [...]”81.
Mas foi com o Decreto de 23 de maio de 1821, que nascia o Habeas
Corpus em nosso ordenamento jurídico. O correu então que: “[...] Logo após a partida de D.
João VI para Portugal, foi expedido o Decreto de 23 de maio de 1821, referendado pelo
Conde dos Arcos [...]”82. Tal era a importância desse Decreto que na opinião de Pontes de
78
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p. 177.
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 181.
80
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 182.
81
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 153.
82
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 151.
79
20
Miranda, o Decreto era “[...] como se vê, a nossa “Magna Charta”, o primeiro grande marco
histórico das nossas liberdades. Com o atraso de alguns séculos [...]”83. Porém, esclarece
Guimarães que:
Apesar de toda influência liberal que girou em torno dos momentos que
antecederam a Constituição do Império, ai incluindo-se o mencionado
decreto de 1821, ainda não se havia introduzido aquilo que se pode
denominar de técnica de defesa dos direitos de liberdades, observada no
constitucionalismo norte-americano [...]84
Em 25 março de 1824, D. Pedro I outorga a primeira Constituição
brasileira que vai traçar: “[...] os primeiros contornos de importância sobre o direito à
liberdade física, que vão estreitamente conexionados à idéia de legalidade e de due process of
law [...]”85. Nesse momento constitucional: “A liberdade física adquiriu a categoria de direito
constitucional, fazendo parte do sistema de direitos individuais à abstenção de atuação estatal.
[...]”86. Apesar desta Constituição Imperial firmar direitos e garantias, nem todos podiam
usufruí-los, veja:
A Constituição afirmava a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas
a maioria da população permanecia escrava. Garantia-se o direito a
propriedade, mas 95% da população (segundo algumas estimativas), quando
não eram escravos, compunham-se de “moradores” de fazendas, em terras
alheias, que podiam ser mandados embora a qualquer momento. Garantia-se
a segurança individual, mas podia-se matar um homem sem punições.
Aboliam-se as torturas, mas nas senzalas os instrumentos de castigo como o
tronco, a gargalheira e o açoite continuavam sendo usados, e o senhor era o
supremo juiz da vida e da morte de seus homens.87
A Constituição Imperial brasileira de 1824, era “[...] baseada no
modelo de constitucionalismo da Europa continental, estabelecia o direito à liberdade física,
mas não a garantia correspondente, nem mesmo um sistema de controle da
constitucionalidade dos atos [...]”88. E, apesar de não prever o instituto do Habeas Corpus em
seu Texto:
[...] o seu art. 179, inc. 8°, era de liberalismo que podia conter,
perfeitamente, tal remédio jurídico: “Ninguém poderá ser preso sem culpa
83
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 153.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 185.
85
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 183.
86
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 183.
87
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. p. 312.
88
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 185.
84
21
formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de vinte e
quatro horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou
outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares
remotos, dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta à extensão
do território, o juiz por uma nota por ele assinada fará constar ao réu o
motivo da prisão, o nome do seu acusador e os das testemunhas, havendoas”.89
Conforme Luiz Cesar e citando Mossin, o Código Criminal Imperial
de 1830 mencionou o instituto do Habeas Corpus em seus artigos 183 e 184, porém, sem
regular seu procedimento:
Recusarem os juízes, a quem for permitido passar ordens de habeas corpus,
concedê-las quando lhes forem regulamente requeridas, nos casos em que
podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou
deixarem, de propósito, e com conhecimento de causa, de as passar,
independente de petição nos casos em que a lei determinar; Recusarem os
oficiais de justiça ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma
ordem de habeas corpus, que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das
outras diligências necessárias para que esta ordem surta efeito.90
Porquanto, a institucionalização legal da Ação de Habeas Corpus em
nosso ordenamento jurídico, se deu com a criação do Código de Processo Criminal de 1832
nos seus arts. 340 à 355, donde:
[...] O Código do Processo Criminal (Lei de 29 de novembro de 1832), em
que primeiro se regulou o habeas corpus, continha as seguintes regras
jurídicas, muitas das quais ainda em vigor na República (Constituição de
1891, art. 83), até o Código de Processo Penal de 1941; e outras foram
ampliadas e liberalizadas em épocas posteriores do Império e da República
[...] Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre prisão ou
constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir ordem
de habeas corpus em seu favor (art. 340). Corrigiu-se depois:
qualquer.91
Mas como se garantia a liberdade individual entre os anos de 1821 a
1832 no Brasil? De acordo com Pontes de Miranda92: “[...] antes do Código do Processo
Criminal do Império (1832), após o Decreto de 23 de maio de 1821, havia ação de
desconstrangimento, sem o nome de habeas corpus, mas classificável como tal. Juízes e
89
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 159.
MOSSIN, 2002 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121
f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
2002. p. 20.
91
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 163.
92
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 160.
90
22
tribunais atendiam aos pedidos de soltura, por ser ilegal a prisão.”. Tal procedimento se dava
porque, segundo Pontes de Miranda, o Habeas Corpus compreendido entre o período de 1821
e 1832 era apenas uma pretensão: “Habeas Corpus é pretensão, ação e remédio. A pretensão
data de 1830 (Código Criminal, arts. 183-188). A ação e o remédio, de 1832.”93.
O instituto do Habeas Corpus adquiriu algumas mudanças
características do direito brasileiro no seu escopo após sua introdução no Brasil. Teve também
grande influência do direito inglês, como se vê nos ensinamentos de Pontes de Miranda: “[...]
O Código do Processo Criminal de 1832 inspirou-se, como se vê, nos Habeas Corpus Acts
ingleses de 1679 e 1816, adquirindo, todavia, feitura características – e por que não no dizer?
– excelentemente nacional.”94. Algumas dessas modificações ocorreram em 1841 e 1842,
originando o recurso de ofício quando da concessão do Writ, veja Mossin95: “Posteriormente,
a legislação sobre o habeas corpus sofreu ligeiras modificações através da Lei de 03 de
dezembro de 1841; do Regulamento n.° 1.120 de 31 de janeiro de 1842, em que ficou previsto
o recurso de ofício quando a ordem fosse concedida.”.
Em 1871, foi ampliado o cabimento do Habeas Corpus, criando-se o
Habeas Corpus preventivo e legitimação do estrangeiro requerer para si esse remédio:
[...] A ameaça, porém, não orçava, então, em constrangimento, pois foi esse
o maior serviço que aos brasileiros prestou a Lei n° 2.033, de 20 de setembro
de 1871, no § 1° do art. 18: “Tem lugar o pedido de habeas corpus quando o
impetrante não tenha chegado a sofrer o constrangimento corporal, mas se
veja dele ameaçado” [...]96.
Quanto à possibilidade do estrangeiro requerer o Writ de Habeas
Corpus, a: “[...] Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, estatuiu no art. 18, § 8°: “Não é
vedado ao estrangeiro requerer para si ordem de habeas corpus, nos casos em que esta tem
lugar” [...]97.
93
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 160.
______. História e prática do Habeas Corpus. p. 166.
95
MOSSIN, 2002 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002. 121
f. Dissertação (Mestre em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
2002. p. 20.
96
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 168.
97
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 179.
94
23
Em 1891 foi promulgada a primeira Constituição Republicana do
Brasil, inspirada no modelo constitucional norte americano e, portanto, baseada no modelo
federalista de Estado. Essa Constituição trouxe no seu bojo o Habeas Corpus como garantia
constitucional. “[...] Antes simples remédio processual, extinguível pelos legisladores
ordinários, vai o habeas corpus adquirir, em seu novo nascedouro, o caráter de direito
constitucional, em regra jurídica inderrogável pelas leis ordinárias.”98. O que era lei ordinária
passou a ser garantia constitucional, mantido pelas constituições que se seguiram, e hoje, está
elencado na Constituição da Republica Federativa de 1988, mais especificamente no art. 5°,
LXVIII, tornando o instituto tão amplo e conhecido que: “[...] Quase todos, no próprio interior
do país, sabem que se pode pedir habeas corpus para si, ou para outrem, e – o que é mais
importante – que a denegação permite se vá até tribunal local ou ao próprio Supremo Tribunal
Federal.”99.
Entre os anos de 1891, ano em que o Habeas Corpus se tornou
garantia constitucional, e 1926, houve uma discussão entre dois dos maiores juristas nacionais
daquela época, Pedro Lessa e Ruy Barbosa, acerca da amplitude do instituto Habeas Corpus.
A discussão ocorrera porque o texto constitucional de 1891 tipificava que o instituto combatia
violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (ampliando o alcance) e não se
restringia apenas a liberdade de locomoção como hoje ocorre:
Interpretando diversamente o dispositivo, Pedro Lessa e Ruy Barbosa deram
causa a uma famosa polêmica. Pedro Lessa sustentava que o instituto se
limitava à defesa da liberdade de locomoção, não podendo ser empregado
para a defesa de outros direitos líquidos e certos; Ruy Barbosa entendia que,
no silêncio do texto constitucional, não se admitia interpretação restritiva do
remédio heróico, podendo o mesmo ser utilizado para a defesa de qualquer
direito. A posição de Ruy Barbosa sagrou-se vitoriosa no Supremo Tribunal
Federal, que interpretou amplamente o habeas corpus.100
O texto constitucional de 1891, que gerou no ano de 1926, a discussão
explicitada acima, dizia: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar
em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder.”101.
Para acabar com tal discussão e delimitar o alcance do dito remédio o legislador reformou o
texto constitucional nesse mesmo ano:
98
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 195.
______. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 200.
100
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 491.
101
______. Curso de processo penal. p. 491.
99
24
A reforma constitucional de 1926 esvaziou a discussão, restabelecendo a
finalidade clássica do writ, qual seja, a tutela exclusiva da liberdade
ambulatória. O art. 72, § 22, ficou com a seguinte redação: “Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou
constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção”. 102
Com a Constituição de 1934, foi modificado novamente o sentido e o
alcance legal do Habeas Corpus que ficou com o seguinte texto: “Dar-se-á habeas corpus
sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o
habeas corpus.”103. Nessa mesma ocasião também foi criado o mandado de segurança
individual, vejamos o que diz José Frederico Marques: “[…] Na Constituição de 1934, não se
falou em liberdade de locomoção; mas não se repetiu o texto de 1891, e se criou o mandado
de segurança […]”104.
Novamente em 1937, a Constituição desse ano deu novo conceito
legal ao Habeas Corpus que novamente passou a amparar apenas a liberdade de locomoção,
veja: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer
violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição
disciplinar.”105. Novamente em 1946 a Constituinte modificou o dispositivo que previa o dito
writ, acrescentando a possibilidade da ameaça ao direito de locomoção: “[...] assim dispõe o
art. 141, § 23: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus”.”106. Nos anos que vieram: “A
Constituição Federal de 1967, em seu art. 150, § 20, conservou a redação dada ao habeas
corpus pela de 1946, enquanto que a EC n° 1, de 17 de outubro de 1969, repetiu o regramento
dado por aquela constituição mais moderna (art. 153, § 20).”107.
102
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 491.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 50.
104
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000,
v. 4. p. 442.
105
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 52.
106
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 443.
107
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 54.
103
25
Com a Constituição de 1988, verificou-se que houve nova
modificação no dispositivo constitucional que prevê o Habeas Corpus, o artigo 5°, inciso
LXVIII é que passa a prever o remédio. Também se constata que não se fez mais menção à
proibição do instituto nas transgressões disciplinares. Com isso verifica-se que:
O habeas corpus integrou-se ao constitucionalismo brasileiro, mas
conservou-se regulado na lei adjetiva penal. E nela está estruturado
metodologicamente como recurso criminal, apesar de extrair-se de sua
definição um conteúdo muito mais vasto do que se pode encontrar nesta
natureza processual.
1.3 PRINCÍPIOS GARANTISTAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO
HABEAS CORPUS
1.3.1 Princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal está expressamente garantido na
Constituição brasileira de 1988 no art. 5°, LIV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
O princípio do devido processo legal nasceu com Magna Carta inglesa
no ano de 1215 e foi incorporado por muitos países, inclusive pelo Brasil. Para Alexandre de
Morais:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando
tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no
âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estadopersecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do
processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e
julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão
criminal).108
108
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 93.
26
O devido processo legal é cláusula que combate constitucionalmente
toda e qualquer omissão ou ilegalidade dos órgãos estatais para com as pessoas que se
encontre em seu território, limitando assim o poder do Estado na atuação de seus órgãos. Tem
como utilidade:
[...] fazer com que a atuação do Estado, em sua atividade persecutória ou em
sua atividade punitiva, sofra limitações em face dos direitos e garantias dos
cidadãos. Ao ente público (pouco importa se integrante do Executivo,
Legislativo ou Judiciário) não é dado descumprir, violar ou deixar de prestar
algo que a lei determine “devido” ao cidadão. Se o Estado assume para si o
monopólio da função de julgar e aplicar pena, não pode deixar de cumprir
esse mister segundo as regras de um atuar justo e predefinido em lei [...]
Para Francisco das Neves Baptista, o devido processo legal tem como
objeto a proteção da dignidade da pessoa humana e em segundo plano a proteção de bens
materiais:
O processo justo, pois, não se compadece com violação alguma da garantia
fundamental do indivíduo – devendo atentar-se para que as garantias
fundamentais têm por referencial a dignidade humana, não o patrimônio de
alguns. A verdade necessária à conclusão justa do processo é a que se pode
atingir sem arranhaduras na integridade humana do cidadão, não uma
verdade real arrancada a qualquer preço. 109
Conforme jurisprudência do STF, o devido processo legal é de
cumprimento obrigatório e irrenunciável: ““O devido processo legal é irrenunciável.
Incompreensível qualquer condenação, sem a observância prévia” (STJ – 6.ª T. – EDREsp.
23.503-4 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – j. 20.04.1993).”110.
1.3.2 Princípio da presunção de inocência
A presunção de inocência está previsto no art. XI da Declaração
Universal dos Direitos Humanos Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da
Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948111:
109
BAPTISTA, 2001 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. 2002.
121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Itajaí,
Itajaí, 2002. p. 51.
110
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 242.
111
Declaração
Universal
dos
Direitos
Humanos
(1948).
Disponível
em:
<http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 set. 2008.
27
Artigo XI
1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei,
em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.
Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da
prática, era aplicável ao ato delituoso.
Segundo Franco e Stoco, a presunção de inocência surgiu “[...] no
período iluminista como forma de limitar a atuação estatal do Antigo Regime (autoritário,
autocrático e despótico), é concebida como a base sobre a qual se deve assentar os principais
institutos do sistema processual penal [...]”112.
Tal princípio também foi adotado pela nossa Carta Política de 1988 no
art. 5°, inciso LVII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
Rocha comenta que não basta que seja facilitado o acesso ao judiciário
para que as partes recebam a prestação jurisdicional, sendo necessário que a jurisdição seja
exercida corretamente, obedecendo preceitos pré-estabelecidos no ordenamento jurídico,
onde: “Não basta às partes terem o direito de acesso ao Judiciário. Para que o socorro
jurisdicional seja efetivo é preciso que o órgão jurisdicional observe um processo que
assegure o respeito aos direitos fundamentais, o devido processo legal (CF, art. 5°, LIV).”113.
Esse princípio é tão importante que já houve uma tentativa de
despenalizaçao da lei penal cogitado por alguns juristas com base na presunção de inocência,
112
113
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. p. 696.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 6. ed. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA,
2002. p. 53.
28
onde, “[...] tal princípio, que levado às últimas conseqüências, não permitiria qualquer medida
coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo [...]”114.
Porém, o que ocorre apenas é: “[...] uma tendência à presunção de inocência, ou, mais
precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até
que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado [...]”115.
Para Moraes, apesar do referido princípio ter afastado legalmente
através da Constituição a possibilidade de prisão antes da sentença transitar em julgado,
judicialmente alguns tipos de prisões ainda são possíveis e bastante usuais:
A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a
constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo,
pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a
legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a
presunção juris tantum da não-culpabilidade dos réus, pode validamente
incidir sobre seu status libertatis [...]
Pelo princípio da presunção de inocência deve-se concluir segundo
Julio Fabbrini Mirabete que:
[...] (a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só
deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou
conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever
de provar sua inocência; cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para
condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele responsável
pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in
dubio pro reo) [...].
Conforme Luigi Ferrajoli, encerra-se afirmando que a presunção de
inocência:
[...] não é apenas uma garantia de ‘liberdade’ e de ‘verdade’, mas também
uma garantia de ‘segurança’ ou, se se deseja, de ‘defesa social’: daquela
específica ‘segurança’ fornecida pelo estado de direito e expressa pela
confiança dos cidadãos na justiça; e daquela específica ‘defesa’ a essa oferta
contra o arbítrio punitivo [...]
114
115
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 45.
FLORIAN, 1968 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. até dezembro de
2004 – São Paulo: Atlas, 2005. p. 45.
29
O Brasil aderiu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, o qual entrou em vigor para o
Brasil, em 25 de setembro de 1992 através do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992116.
Essa Convenção sobre direitos humanos, trás, em seu bojo, o princípio da presunção de
inocência:
Artigo 8
Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas
[...]117
1.3.3 Princípio da ampla defesa e do contraditório
O princípio da ampla defesa e do contraditório são garantias
fornecidas ao réu para que ele possa produzir toda a prova necessária a garantir sua defesa,
colocando-o assim, em igualdade com a acusação. Alexandre de Moraes ensina que:
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de
condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos
tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se
entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da
ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois
a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-selhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer
uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor [...]118
A Constituição Brasileira no art. 5°, LV, garantiu a ampla defesa e o
contraditório a toda e qualquer pessoa:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
116
BRASIL. Decreto n. 678 de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 15 set. 2008.
117
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de
1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/andec678-92.pdf>.
Acesso em: 15 set. 2008.
118
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 93.
30
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;
Ao comentar o art. 5°, LV da Constituição do Brasil de 1988, que fala
da ampla defesa e do contraditório, Ada Pellegrini Grinover afirma que:
[...] a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos
processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as
garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos,
119
ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes [...]
Todo acusado tem direito a um processo justo, e, para que isso ocorra,
é necessário que ele conheça seu acusador e a acusação que lhe é feita, para tanto, o art. 261
do Código de Processo Penal120, garante que pessoa alguma seja processada sem direito a
defesa, onde: “O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la,
evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido (audiatur et altera pars).[...]”121.
Segundo ainda o princípio do contraditório, “[...] Seu pressuposto é a idéia de que a verdade
só pode ser evidenciada pelas teses contrapostas das partes [...]”122.
O princípio do contraditório comporta uma exceção, ele inexiste no
processo inquisitivo, como por exemplo, no inquérito policial. Capez, ao comentar essa
exceção, informa: “[...] sendo o inquérito um procedimento inquisitivo, não haveria que se
falar em devido processo legal. [...] é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o inquérito
policial é mera peça de informação, cujos vícios não contaminam a ação penal [...]”123.
Segundo Rocha, o réu tem legitimamente o direito de defesa que é
concedido amplamente pelo ordenamento brasileiro, onde:
[...] O réu tem apenas o poder de pedir a rejeição da demanda do autor e de
produzir as razões e provas tendentes a demonstrar a procedência de seu
pedido. Além disso, o réu tem direito à citação, à intimação de todos os atos
do processo, a formular alegações e desenvolver argumentos em defesa de
119
GRINOVER, RDA 183/13 apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. – São
Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2006. p. 102.
120
BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro: artigo 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou
foragido, será processado ou julgado sem defensor.
121
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 29.
122
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 53.
123
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 69.
31
seus pontos de vista, à prova, à publicidade dos atos processuais, a uma
decisão justa, à prova, à publicidade dos atos processuais, a uma decisão
devidamente motivada e fundamentada no ordenamento jurídico, aos
recursos e à proibição da reformatio in pejus, entre outros.124
1.3.4 Princípio da liberdade
Sobre o princípio da liberdade em um Estado de direito, José Afonso
da Silva ensina que: “[...] a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e
imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e
legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe.”125.
Conforme Montesquieu126, a liberdade política consiste em fazer o que
é permitido pelas leis e não o que a pessoas bem entenderem, muito menos ser constrangido a
fazer o que não se deve querer. As leis estabelecerão os limites da liberdade.
A liberdade faz parte dos direito civis, direitos estes que devem ser
proporcionados pelo Estado para que seus cidadãos possam ter em vida o mínimo de
dignidade. Direitos Civis são aqueles que:
[...] mediante garantias mínimas de integridade física e moral, bem assim de
correção procedimental nas relações judicantes entre os indivíduos e o
Estado, asseguram uma esfera de autonomia individual de modo a
possibilitar o desenvolvimento da personalidade de cada um. Encontram-se
sob essa qualificação a liberdade em geral e as liberdades específicas como a
de consciência e religião, de expressão e imprensa, a ambulatória [...]127
A Carta Magna de 1988 no artigo 3°, tem como um dos fundamentos
básicos, a construção e manutenção de uma sociedade livre, justa e solidária: “Art. 3º
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;”128. A liberdade também está entre os direitos e garantias
fundamentais nesta mesma Constituição, mais especificamente no caput do art. 5° da nossa
124
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 184.
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 231.
126
MONTESQUIEU, 1956 apud DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed.
rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. p. 232.
127
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito fundamentais: retórica e historicidade. 1. ed. – Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. p. 260.
128
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
125
32
Magna Carta: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”129.
José Afonso da Silva comenta a existência de duas formas de
liberdade, quais sejam, a liberdade interna ou subjetiva que é a vontade interior do ser humano
para escolher entre o que acha ser certo ou errado e a liberdade externa ou objetiva que é a
exteriorização da vontade interior manifestada pela pessoa, expondo que:
[...] Liberdade interna (chamada também liberdade subjetiva, liberdade
psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre –
arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do
homem [...] liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer
individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coações, de modo que
o homem possa agir livremente. Por isso é que também se fala em liberdade
de fazer, poder de fazer tudo o que se quer.130
A liberdade é princípio básico para que qualquer sociedade cresça e
desenvolva-se sua personalidade normalmente. Sem liberdade não é possível exercer o direito
à vida, sendo os prejuízos irreparáveis, tanto para os governados quanto para os governantes,
que tem como destino, a destruição do seu governo a curto ou a longo prazo.
1.3.5 Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana está garantida entre os fundamentos da
Constituição da República Federativa do Brasil no artigo 1°, inciso III, e “[...] é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à
vida [...]”131:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
129
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
130
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 230-231.
131
______. Curso de direito constitucional positivo. p. 105.
em:
33
Apesar de positivada na Constituição Brasileira, a dignidade da pessoa
humana ainda continua a ser desrespeitada em proporção significante. Veja o que diz
Sampaio132:
Mesmo após 1988, a maioria da população continua sem ter acesso a muitos
dos direitos civis. Basta olharmos os números da violência ou a diferença de
acesso à justiça entre ricos e pobres e as condições das penitenciárias. Os
direitos sociais ainda dependem de muita água sobre a ponte. Os números da
moratória social são alarmantes: um alto índice de pobreza e de desigualdade
material convive com um número excessivo de analfabetos e de mortalidade
infantil [...]
Está também consubstanciado no artigo primeiro da Declaração
Universal dos Direitos Humanos:
Artigo I
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas
de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito
de fraternidade.133
Correlacionando a dignidade da pessoa humana ao sistema criminal,
Luiz Cesar ensina que:
Neste mesmo sentido, correlacionando a dignidade ao sistema criminal,
depreende-se que a liberdade é o meio pelo qual o cidadão desenvolve-se em
Sociedade, sendo que a coação é meio de exceção, somente compreensível
nos casos de extrema segurança social, respeita primeiramente a dignidade
humana.134
1.3.6 Princípio razoabilidade/proporcionalidade
Pelo princípio da razoabilidade as pessoas que representam o Estado
devem agir com a razão sem precipitação, tomando atitudes coerentes no exercício de suas
funções, pois seus atos devem ser sempre voltados para o bem comum. Em decorrência desse
princípio:
132
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito fundamentais: retórica e historicidade. p. 353.
Declaração
Universal
dos
Direitos
Humanos
(1948).
Disponível
<http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 set. 2008
134
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p.47.
133
em:
34
[...] a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a
critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso
normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a
outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro
que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas [...] as
condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com
desconsideração [...]135
Ao falar da função social e da adaptação ao momento histórico em que
deve ser analisado o princípio da razoabilidade, recomenda Di Pietro136 que:
[...] o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige
proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os
fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não
pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na
sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei,
mas diante do caso concreto [...]
O princípio da razoabilidade está intimamente ligado a ação de
Habeas Corpus, sendo que, tal ação tem como um de seus objetivos básicos, coibir excessos
de agentes públicos quando no exercício da atividade policial e judiciária. O princípio da
razoabilidade, “[...] objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a
evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão
aos direitos fundamentais [...] a razoabilidade envolve proporcionalidade, e vice-versa
[...]”137.
O princípio da proporcionalidade exige que o ato administrativo atinja
sua finalidade na medida certa, sem exageros e discrepâncias.
Este princípio enuncia a idéia – singela, alias, conquanto freqüentemente
desconsiderada – de que as competências administrativas só podem ser
validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja
realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a
que estão atreladas [...]138
1.3.7 Princípio da inarredabilidade do controle jurisdicional
135
BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros Editores LTDA. 2007. p. 105.
136
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 95-96. (grifo
do autor).
137
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. – São Paulo: Malheiros Editores
LTDA. 2006. p. 93.
138
BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. p. 107.
35
O artigo 5°, inciso XXXV da Constituição federal obriga o EstadoJuiz a apreciar qualquer ameaça ou lesão a direito individual ou coletivo mesmo que não
esteja amparado por lei:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
O dispositivo constitucional mencionado acima garante não só a
proteção aos direitos previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico brasileiro,
como também garante a proteção a qualquer outro direito não previsto no ordenamento, seja
por esquecimento do legislador, seja pelo aparecimento de novo fato ainda não regulado em
lei. Friede ensina que a Constituição promulgada em 1988 trouxe várias melhorias
significantes, entre as quais:
[...] inovou, ao ampliar o alcance do dispositivo, incorporando, ao lado das
lesões, as ameaças a direitos e a não-restrição às situações jurídicas que
envolvam a proteção dos direitos individuais, conferindo, desta feita, ao
Poder Judiciário possibilidades de alterações que até então não possuía e,
conseqüentemente, ampliando a sua esfera de inferência e seu poder
intrínseco, especialmente no que tange à aplicação de medidas liminares de
modo geral.139
Alexandre de Morais também é favorável que se houver necessidade e
razão para que certo direito não previsto no ordenamento seja apreciado, ele dever ser
apreciado e se for o caso, concedido pelo Poder Judiciário, pois direito algum pode ficar sem
amparo:
Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja
plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de
prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a
indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a
139
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 165. (grifo
nosso).
36
jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação
correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.140
Quanto a possibilidade de liminar para impedir lesão ou ameaça de
lesão a direito perquirido, vale os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:
Efetivamente é por demais evidente que determinadas pretensões somente se
compatibilizam com tutelas de urgência. E as liminares e as ações urgentes,
para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada
tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão ao
princípio da inafastabilidade [...]141
Betina Rizzato Lara emite opinião semelhante: “Todo e qualquer veto
à concessão de liminares, no nosso entender, é inconstitucional, mesmo que o motivo
justificador para tal vedação seja o interesse público [...]”142.
2. ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS
2.1 NATUREZA JURÍDICA
Além da Constituição do Brasil, o Habeas Corpus tem seu
procedimento descrito no Código de Processo Penal Brasileiro, mais especificamente no livro
III, título II “dos recursos em geral” no capítulo X, artigos 647 a 667. “[...] Mas, embora
encartado no CPP como recurso, toda a doutrina, quase sem discrepância, considera-o
verdadeira ação [...]”143, que é o que veremos adiante.
Muito já se discutiu acerca de o Habeas Corpus ser uma ação ou um
recurso, mas, grande parte da doutrina caminha com a opinião de que o Habeas Corpus é uma
ação popular e constitucional, como leciona Fernando Capez144:
140
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 72.
MARINONI, 1992 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de
segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. p. 165.
142
LARA, 1994 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de
segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. p. 168.
143
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 669.
144
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 492.
141
37
Ação penal popular com assento constitucional, voltada à tutela da liberdade
ambulatória, sempre que ocorrer qualquer dos casos elencados no art. 648 do
Código de Processo Penal.
E continua ainda o mestre Fernando Capez145, ensinando que o
Habeas Corpus é um instituto sui generes, adquirindo a feição de outros institutos, veja:
[...] Nas hipóteses previstas nos incisos II, III, IV e V, assume a função de
verdadeira ação penal cautelar. Nos incisos VI e VII, funciona como ação
rescisória (constitutiva negativa), se a sentença já tiver transitado em
julgado, ou como ação declaratória, se o processo estiver em andamento. No
inciso I, poderemos ter ação cautelar, declaratória ou constitutiva,
dependendo do caso.
Mirabete146 emite opinião semelhante ainda referenciando que esse
Remédio pode servir como recurso, “[...] Trata-se realmente de ação penal popular
constitucional, embora por vezes possa servir de recurso.”.
Pontes de Miranda, já ensinava que:
[...] o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação,
cuja classificação mostraremos mais tarde. A ação é preponderantemente
mandamental. Nasceu assim o instituto. Os dados históricos no-lo provarão.
Não se diga (a erronia seria imperdoável) que se trata de recurso. A
pretensão não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola ou
147
ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir [...] .
Em suma, “o habeas corpus é uma ação constitucional de caráter
penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visa evitar ou cessar violência ou
ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder [...]” 148.
Há autores que consideram o Habeas Corpus um recurso. É o caso,
por exemplo, de Lafayette Rodrigues Pereira e Gama Coelho149 que vêem no habeas corpus,
“um recurso extraordinário para, à falta de outro que os faça desaparecer ou os evite, fazer
cessar pronto e imediatamente a prisão ou o constrangimento ilegal.”.
145
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 492.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771.
147
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo I. p. 31.
148
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 111.
149
PEREIRA, Lafayette Rodrigues; COELHO, Gama , 1900 apud PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas
Corpus: prática, processo e jurisprudência. 6ª ed. 2ª série – Curitiba: Juruá, 1994. p. 22.
146
38
Na Inglaterra, durante alguns séculos o habeas corpus se assemelhou
com o recurso em geral, como podemos ver nos apontamentos de R. J. Sharpe citado por
Guimarães:
[...] durante os séculos XVIII e XIX, quando a Magisterial Law concedeu
um amplo poder aos justices para exercerem a jurisdição sobre os
procedimentos sumários, submetidos ao controle das cortes do Common
150
Law, o habeas corpus adquiriu nítidas feições de recurso [...]
Naquele país, atualmente ainda “[...] é possível detectar-se algum
traço deste caráter recursal nas matérias conexas aos casos de extradição quando, v.g., a
prisão do estrangeiro é determinada sem a obediência às regras procedimentais.”151
No Brasil, ele "[...] Também assume esta condição quando o habeas
corpus é interposto visando a declaração de nulidade processual.” 152,.
Entretanto, a posição de alguns autores de que o habeas corpus seja
um recurso é frágil, pois, “[...] Além de poder pedir-se reiteradamente pela concessão do writ,
a iniciativa do procedimento não se acha adstrita a limitações temporais [...]”153,
diferenciando-se assim dos recursos de um modo geral.
Ainda segundo os ensinamentos de Guimarães154, ao diferenciar o
habeas corpus de recurso, alega que o habeas corpus é:
[...] ao contrário do recurso, instrumento autônomo, podendo, pois, ter início
antes do processo (na fase de inquérito policial, v.g.) ou, mesmo, quando o
processo seja findo. E assume, consoante a providência que se requer,
natureza de ação declaratória, constitutiva ou cautelar.
O Habeas Corpus, “Constitui-se, portanto, em ação dirigida à tutela
do direito de liberdade individual, possuindo características equivalentes às demais ações
[...]”155.
150
1976 apud GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. – Curitiba: Juruá, 1999. p.
212.
151
SHARPE, 1976 apud ______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 212.
152
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 213.
153
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 213.
154
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 214.
39
Possui a ação de Habeas Corpus a natureza de rito sumaríssimo e tem
como sua característica principal, a de ser um remédio célere e eficaz no combate contra
qualquer violência ou coação a liberdade de locomoção. É uma ação de conhecimento, sendo
que: “[...] tende a provocar um juízo, no sentido preciso do termo, ou seja, um julgamento
sobre a situação jurídica afirmada pelo autor.”156. Ensina Tourinho Filho que a sentença que
concede ordem de Habeas Corpus pode ter natureza cautelar, constitutiva ou declaratória:
[...] Sempre que um habeas corpus preventivo for concedido, a sentença
terá, ineludivelmente, o caráter cautelar. Se, mercê de uma ordem de habeas
corpus, a sentença condenatória é anulada, a decisão concessiva do writ tem
caráter constitutivo. Finalmente, se o órgão jurisdicional, em razão de um
pedido de habeas corpus, decreta a extinção da punibilidade, inegável o
caráter declaratório da sentença que acolheu o pedido.157
2.2 LEGITIMIDADE ATIVA
O Habeas Corpus é visto pela grande maioria da doutrina como uma
ação constitucional popular e portanto,
Qualquer pessoa tem legitimação para se impetrar uma ordem de habeas
corpus, essa pessoa pode ser, maior ou menor, nacional ou estrangeiro, uma
vez que a propositura exige do autor a qualidade de cidadão.158
Guimarães entende que a regra do artigo 654, “caput”159 do Código de
Processo Penal, confere legitimidade de impetração a qualquer pessoa:
[...] O artigo 654 do Código de Processo Penal defere a qualquer pessoa a
legitimidade para aforar o pedido de habeas corpus, em seu favor ou de
outrem. E acrescenta a possibilidade de também o Ministério Público agir
nestas condições [...]160
Para Pacheco, em uma ação de Habeas Corpus pode-se identificar as
seguintes pessoas:
155
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 22.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 206.
157
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 670-671.
158
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 31.
159
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 654. O habeas
corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério
Público.
160
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 190.
156
40
[...] o impetrante, que é aquele que requer, ou impetra, a ordem de habeas
corpus a favor do paciente; o paciente, que é o indivíduo que sofre a coação,
a ameaça ou a violência consumada; o coator, que pratica ou ordena a prática
do ato coativo ou da violência; e o detentor, que mantém o paciente sob o
seu poder, ou o aprisiona. 161
Para Tourinho filho, qualquer pessoa com exceção do Juiz, pode
impetrar Habeas Corpus, sendo que: “[...] Se o paciente for analfabeto, alguém poderá assinálo a seu rogo [...]”162.
Para Luiz Cesar S. Ferreira, que leva em conta a possibilidade de
todos os membros da sociedade impetrar o Writ, alega ser o Habeas Corpus,
[...] Um remédio constitucional, amparado em sua natureza jurídica, instituto
que preserva o direito à liberdade do cidadão, caracteriza-se por ser uma
verdadeira ação penal popular, em que a sociedade tem legitimidade para
163
provocá-lo.
No Regimento Interno do STF, mais especificamente no art. 192, § ú,
no titulo VII das Garantias Constitucionais, onde fala do Habeas Corpus, se verifica que
quando o impetrante não der autorização para a impetração do Writ, este não será conhecido,
veja:
Art. 192. Instruído o processo e ouvido o Procurador-Geral em dois dias, o
Relator o colocará em mesa para julgamento na primeira sessão da Turma ou
do Plenário, observando-se, quanto à votação, o disposto nos arts. 146,
parágrafo único, e 150, § 3°.
Parágrafo único. Não se conhecerá do pedido se desautorizado pelo paciente.
Sobre a legitimidade ativa da pessoa jurídica, Mirabete164 ensina que:
Não há impedimento que pessoa jurídica impetre habeas corpus em favor de
quem está submetido a constrangimento ilegal na liberdade de locomoção, já
que o artigo citado faz referência a “qualquer pessoa”, compreendendo
inclusive aquela [...]
161
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 38.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 675.
163
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 32.
164 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p 772.
162
41
A pessoa jurídica pode impetrar o Writ em nome de terceiros. Para
Ferracini165, “não há dúvida de que a pessoa jurídica pode impetrar habeas corpus, mas
aquele que a representa legalmente deve, de plano, comprovar isso.”.
O mesmo não se aplica quando está a pessoa jurídica no pólo passivo
pois, “[...] o habeas corpus, por faltar o objeto da tutela, que é a liberdade ambulatória, não
pode ser impetrado em favor de uma pessoa jurídica.”166
Há discussão na doutrina acerca de ser possível a impetração do
referido writ por Magistrado. Na opinião de Tourinho Filho167:
O Juiz não pode impetrá-lo, a menos que ele seja o paciente. A função do
Juiz é postular. Pode, isto sim, quando no curso de um processo para o qual
tenha competência, verificando que alguém sofre ou está na iminência de
sofrer coação ilegal, expedir de ofício, isto é, sem provocação de quem quer
que seja, ordem de habeas corpus, tal como o permite o § 2° do art. 654 do
CPP [...]
Discordando do autor acima, entende Guimarães que há possibilidade
do juiz impetrar o writ na qualidade de cidadão em favor dele ou de terceira pessoa, porque:
[...] ao dispor no § 2° do artigo 654 sobre a concessão ex officio e ordem de
habeas corpus, o legislador pretendeu apenas estabelecer regra de
competência funcional. Não há no referido dispositivo uma vedação à
possibilidade de o Juiz, na qualidade de cidadão, impetrar o pedido [...]168
E completa ainda que apesar de o juiz estar constitucionalmente
impedido de exercer outra função que não seja a de magistério, como por exemplo a de
advogado, ele não fere tal disposição constitucional pois,
[...] o aforamento de habeas corpus, ao nosso ver, não caracteriza a proibição
constitucional por dois motivos. Primeiro porque não é ato privativo de
advogado. [...] Depois, porque a realização do pedido e seu aforamento não
caracterizam atos de advocacia [...]169
165
FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 41.
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 31.
167
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 675.
168
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 192.
169
______. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 192.
166
42
Quando versa sobre o Ministério Público, Julio Fabbrini Mirabete170
encontra restrições a legitimidade ativa do parquet quando estiver no juízo onde exerce suas
funções,
[...] pode o promotor de Justiça, em nome pessoal impetrar o habeas corpus
em qualquer Juízo ou Tribunal, com a única exceção do Juízo onde exerce
suas funções, pois nesse caso estaria provocando impedimento para oficiar
nos autos.
Outra restrição acerca do Ministério Público impetrar o Remédio em
nome de terceiro, é que, “[...] não se deve, porém, conhecer de impetração do Ministério
Público quando o pedido visa satisfazer a interesses do órgão da acusação.” 171.
Sobre a legitimidade ativa de outros Servidores Públicos, ensina Luiz
Cesar172 que, “impede-se também, nos casos de funcionários públicos e Delegado de Polícia,
no exercício da função, sendo-lhes direito constitucional no caso de pessoa física.”.
2.3 LEGITIMIDADE PASSIVA
O sujeito passivo é a pessoa que mantém alguém sob sua custódia
ilegalmente, impedindo sua liberdade de locomoção por abuso de poder ou pela força e contra
sua vontade. Para Antonio Zetti173 “[...] o pólo passivo é o coator, que é todo aquele que de
qualquer modo, exerce ou ameaça exercer o constrangimento ilegal, sendo omissivo ou
comissivo.”.
Quanto a localização do paciente, ensina Pacheco que:
[...] não é necessário que se saiba onde se encontra o paciente que sofre o
constrangimento ilegal, bastando que se indique qual a autoridade coatora
[...] a circunstância de se encontrar o paciente foragido não impede o
conhecimento e julgamento do habeas corpus. 174
170 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 772.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 772.
172
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 33.
173
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: Teoria, Legislação, Jurisprudência e Prática. p. 33.
174
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 40.
171
43
O constituinte não especificou que o sujeito passivo deveria ser
autoridade pública ou servidor público, entende Julio Fabbrini Mirabete175 que:
[...] é praticamente pacífico que se pode impetrar habeas corpus contra ato
de particular, mesmo porque a Constituição Federal menciona como fator de
violência ou coação não só o “abuso de poder”, mas também a “ilegalidade”,
podendo esta se praticada por qualquer pessoa [...]
No mesmo sentido, ensina Guimarães176 que,
[...] o rol de situações que configuram o constrangimento ilegal, abre a
possibilidade de reclamar-se a atuação ilegal ou com abuso de poder contra
diversos funcionários estaduais, e não apenas contra aqueles que exercem
função de autoridade [...]
Ao falar da possibilidade de particular exercer o constrangimento
ilegal contra a liberdade de locomoção de outra pessoa, Assunção177 alega que, “[...] o fato do
sujeito passivo ser um particular, é de que o constrangimento exercido por particular constitui
crimes no Código Penal [...]”
Júlio Fabbrini Mirabete178 menciona ainda que “[...] prevê, aliás, a
Constituição Federal a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de
habeas corpus quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição [...]”, e que
também “[...] tratando-se de ato solicitado por intermédio de carta precatória, a atribuição de
coação ilegal deve ser feita ao juízo deprecante e não ao deprecado.”.
Levando em conta o lado jurídico-social do Habeas Corpus, tal
instrumento é importantíssimo para que se evitem prisões arbitrárias pelas autoridades
públicas, afim sanar interesses pessoais destas. Evita até mesmo detenções para averiguações
da polícia, o que atualmente é proibido pela legislação brasileira, mas que ainda é comum
acontecer. Portanto, quando da entrada do pedido de Habeas Corpus no judiciário,
175
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 773-774.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 194.
177
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 33.
178
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 774.
176
44
Não só o coarctado ou ameaçado tem interesse na concessão do habeas
corpus, mas toda sociedade ou coletividade, porque da segurança da
liberdade individual dependem a ordem e a harmonia sociais.179
No mesmo sentido opina Guimarães180: “[...] o habeas corpus inserese como um referencial de segurança do direito à abstenção de atuação estatal [...]”, e
completa dizendo que, “[...] o habeas corpus é um elemento de intervenção no processo
dialógico entre o poder e a comunidade, nesta condição atuando como um contrapeso de
limitação do poder [...]”.
Quanto a possibilidade de pessoas indeterminadas figurar no pólo
ativo, afirma Ferracine181:
O habeas corpus não tem cabimento quando se tratar de pessoas
indeterminadas, v.g., os sócios de certa agremiação, os empregados de
determinado estabelecimento, os moradores de alguma casa, os membros de
indicada corporação, os componentes de uma classe, etc. [...]
Relativamente à possibilidade dos membros do Ministério Público,
figurarem no pólo passivo esclarece Mirabete182 que:
Também o Promotor de Justiça é autoridade coatora quando requisita a
instauração de inquérito policial, determina o indiciamento ou outras
diligências construtivas ou expede requisições ou notificações para
comparecimento. Evidentemente, quando a instauração do inquérito policial
decorre de requisição do Procurador Geral de Justiça é este a autoridade
coatora.
2.4 TIPOS DE HABEAS CORPUS
Segundo a doutrina pátria, podem-se estabelecer alguns tipos de
Habeas Corpus, porém, os principais são o Habeas Corpus liberatório ou repressivo e o
preventivo. Há autores ainda que comentam a existência do Habeas Corpus Profilático e o
processual como se verá adiante.
179
FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 59.
GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Habeas Corpus: críticas e perspectivas. p. 196.
181
FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 60.
182
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 775.
180
45
Quando alguém já sofreu ou estiver sofrendo violência contra seu
direito de locomoção, dár-se-á o Habeas Corpus Liberatório ou Repressivo. Nas palavras de
Mirabete: “Quando se destina a afastar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção já
existente, o habeas corpus é chamado de liberatório ou repressivo. Pode ser ele concedido a
pedido ou de ofício pelo Juiz ou Tribunal[...]”.183. O documento hábil que leva a ordem de
libertação do paciente é o Alvará de Soltura: “Se a ordem de habeas corpus for deferida, será
expedido um Alvará de Soltura pelo julgador, para que o paciente seja posto em liberdade
[...]”184.
Para Tourinho Filho 185, o Habeas Corpus pode ser apenas de duas
formas: “O habeas corpus poder ser liberatório ou sucessivo, e preventivo. O primeiro se dá
quando o paciente está sofrendo o constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção. O
segundo, quando há uma ilegal ameaça a essa mesma liberdade.”.
Desde a entrada do Habeas Corpus na legislação brasileira, mais
especificamente no Código de Processo Criminal em 1832, ele sofreu algumas alterações
sendo algumas de certa relevância social como é o caso do Habeas Corpus preventivo, que é
criação brasileira e fruto do amadurecimento político e social daquela época. Segundo
Assunção186, “o habeas corpus preventivo foi introduzido pela Lei n° 2.003 de 1.871, e é uma
criação nacional”. Continuando:
O habeas corpus preventivo é destinado a impedir um constrangimento
ilegal futuro, quando a sua liberdade de locomoção vem sendo de forma
ilegal. Sendo comprovado um perigo iminente à liberdade de locomoção do
paciente, a ordem de habeas corpus será deferida, isto é, aceita, sendo assim,
a autoridade competente, irá expedir um salvo conduto ordenando que o
beneficiário não seja preso pelo motivo apresentado no habeas corpus.187
Para a concessão do writ preventivo, “[...] não basta o simples receio
subjetivo de quem se julga com direito ao remédio. É necessário prova objetivo do iminente
constrangimento ilegal, que poderá ser produzida por todos os meios em direito admitidos, até
183
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771.
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 19.
185
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 711.
186
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 20.
187
______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 19.
184
46
mesmo os indiciários.”188. No mesmo sentido alerta Mirabete189 de que o “[...] Temor vago,
incerto, presumido, sem prova, ou ameaça remota, que pode ser evitada pelos meios comuns,
não dá lugar à concessão de habeas corpus preventivo [...]”.
Quanto à expedição do salvo-conduto, ensina Mossin que:
É oportuno esclarecer, outrossim, que nem sempre o provimento do pedido
preventivo de habeas corpus implica na expedição de salvo-conduto, já que
se a ameaça de coação ilegal advier de mandado de prisão, basta que a
autoridade judiciária concedente determine seu recolhimento, ou, em outros
casos, que se ordene a anulação do ato que constitua ameaça à liberdade de
locomoção do paciente.190
Tourinho Filho conceitua “salvo-conduto”:
[...] Salvo-conduto, do latim salvus (salvo), conductus (conduzido), dá a
precisa idéia de uma pessoa conduzida a salvo. Daí a expressão ‘salvoconduto’ para exprimir o documento emitido pela autoridade de que
conheceu do habeas corpus preventivo, visando a conceder livre trânsito ao
seu portador, de molde a impedir-lhe a prisão ou detenção pelo mesmo
motivo que ensejou o pedido de habeas corpus [...]191
Outro tipo de Habeas Corpus citado é o Habeas Corpus Processual,
que conforme o Prof. José Barcelos de Souza192:
Alem do habeas corpus constitucional, há também o habeas corpus
processual, que é um remédio processual contra constrangimento sem justa
causa no processo penal, para que possa ai ser utilizado, mesmo se o réu não
estiver preso e nem ameaçado concretamente de prisão.
No Habeas Corpus Processual é verificada a possibilidade de
trancamento da ação penal. No mesmo sentido, porém, com nome diferente e acrescentando,
188
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 23.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 771.
190
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 215.
191
TOURINHO FILHO, 1997 apud FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua
interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. p. 1735.
192
De Souza apud ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. 1.
ed. – São Paulo: Lawbook Editora, 2002. p. 20.
189
47
está o raciocínio de Constantino comentado por Luiz Cesar193, em que classifica o Habeas
Corpus em Profilático quando há apenas uma potencialidade de ocorrer à violência ou coação,
e neste caso, ele tranca não só a ação penal, como também o inquérito policial.
2.5 PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS
A petição para impetrar ação de Habeas Corpus ao judiciário deverá
ser dirigida ao juízo competente e “[...] pode ser o mais informal possível, tanto podendo ser
escrita à mão como à máquina.”194. Mas em regra, seguirá os requisitos descritos no parágrafo
primeiro do artigo 654 do Código de Processo Penal195:
654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
§ 1o A petição de habeas corpus conterá:
a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou
coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;
b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples
ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor;
c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber
ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências.
Ainda, quanto à petição de Habeas Corpus, assevera Celso Antonio
Bandeira de Mello que não há necessidade de capacidade postulatória para impetrar o Writ.
“[...] Sua impetração dispensa recurso a procurador judicial para tanto constituído e prescinde
de qualquer formalidade, sempre que, em face das circunstâncias, esta possa ser obstativa de
sua ampla utilização [...]”196.
Sobre a descrição do lugar que se encontra o paciente, Mirabete ensina
que: “[...] Não se exige que conste da Inicial a residência do paciente ou o local em que se
193
CONSTANTINO, 2001 apud FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus.
2002. 121 f. Dissertação (Mestre em Ciências Jurídicas) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do
Itajaí, Itajaí, 2002. p. 33.
194
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 45.
195
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
196
BANDEIRA de MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. – São Paulo:
Malheiros Editores LTDA. 2007. p. 918.
48
encontra, mas por vezes tal será necessário para a demonstração da existência da coação.”197.
Segundo Pontes de Miranda, também não é caso de nulidade o desconhecimento do nome do
paciente por parte do impetrante: “Cumpre adverti-se que o nome do paciente pode ser
desconhecido pelo impetrante, ou ser-lhe desconhecida a íntegra do nome. Isso não é causa de
nulidade, nem de despacho protelatório, se alegada a ignorância e feitas as indicações que
bastem para a identificação do paciente.”198.
A impetração pode ser feita por meio eletrônico. Explica Mirabete
que:
É possível, segundo a jurisprudência, que o requerimento seja feito por
telegrama, radiograma ou telex, embora se exija a sua autenticação, diante
do que dispõe o artigo 654, § 1°, c. A impetração do habeas corpus pode ser
feita com amparo na Lei n° 9.800 de 25-5-1999, que autoriza a utilização de
sistema de transmissão de dados e imagens, como o fac-símile ou similar
para a prática de atos processuais [...]199
O coator deve ser identificado na inicial, senão pelo nome, por
características pessoais, pois, sabendo quem é o coator, pode-se firmar a competência para
decidir o writ:
Deve também a exordial do habeas corpus indicar a autoridade que está
exercendo a violência, coação ou sua ameaça. Quando a coação tida como
ilegal emana do particular, deve a petição fazer menção precisa no sentido de
individualizá-la, assim como, desde que possível, onde possa ser encontrado.
No que tange à indicação da autoridade que exerce a coação ilegal ou sua
ameaça, não há necessidade de se mencionar o nome dessa autoridade [...]200
O artigo 654 do CPP não diz que deve haver algum tipo de prova para
a constatação da ilegalidade ou coação, mas para Julio Fabbrini Mirabete a petição deve
conter pelo menos alguma prova que mostre a ilegalidade ou coação para que seja deferida,
onde, a “[...] Impetração sem um mínimo de prova pré-constituída que demonstre ao julgado a
veracidade do fato que o impetrante aponta como ilegal e que configuraria, pelo menos em
tese, constrangimento indevido, não pode ser deferida.”201.
197
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 788.
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II p. 68.
199
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 789.
200
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 210-211.
201
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 789.
198
49
2.6 PROCESSO E PROCEDIMENTO DO HABEAS CORPUS
Inicialmente é importante salientar que a ação de Habeas Corpus
possui um rito de natureza sumaríssima e tem prioridade entre as demais ações: “A ação de
habeas corpus, exige um procedimento célere, por ser um instrumento adequado à tutela do
direito à liberdade de locomoção, visto ser um direito de cada indivíduo.”202. A petição de
ordem de Habeas Corpus, pode ser apresentada de dia ou à noite, sem hora marcada, isto é, a
qualquer hora: “[...] Sendo fora do expediente, deverá ser entregue ao juiz de plantão, ou da
comarca. [...] Sendo dentro do expediente, deverá ser ajuizado no protocolo ou ofício
criminal.”203. “Se não houver um juiz de plantão e se a comarca tiver um só juiz, ele poderá
entregar na casa do magistrado ou onde ele for encontrado.”204. Inclusive, pode se verificar no
Regimento do STF, como nos dos demais Tribunais, que o Habeas Corpus tem preferência
entre as demais ações e não depende de pauta, tendo caráter urgentíssimo, os artigos 83, § 1°,
III, art. 145, I e 149, I do Regimento Interno do Supremo Tribunal demonstra isso:
Art. 83. A publicação da pauta de julgamento antecederá quarenta e oito
horas, pelo menos, à sessão em que os processos possam ser chamados.
§ 1° Independem de pauta:
[...]
III – o julgamento de habeas corpus, de conflito de jurisdição ou
competência e de atribuições3, de embargos declaratórios, de agravo
regimental e de agravo de instrumento.
[...]
Art. 145. Terão prioridade, no julgamento do Plenário, observados os arts.
128 a 130 e 138:
I – os habeas corpus;
[...]
Art. 149. Terão prioridade, no julgamento, observados os arts. 128 a 130 e
138:
I – os habeas corpus;
Quanto a celeridade do procedimento, ensina Pontes de Miranda: “[...]
O processo tem rito mínimo. Pode ser expedida a ordem de ofício e sem qualquer forma
202
ASSUNÇÃO, Antonio Zetti. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41.
______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41.
204
______. Habeas Corpus: teoria, legislação, jurisprudência e prática. p. 41.
203
50
processual assente [...]”205. No mesmo sentido Mossin: “A relação jurídico-processual do
habeas corpus se movimenta através do procedimento sumaríssimo [...]”206
O Habeas Corpus é uma ação constitucional, e, portanto, antes de
impetrá-la a petição deve preencher certas condições de procedibilidade para que não seja
rejeitada por falta de requisitos ou por carência de ação. Conforme orientação de Julio
Fabbrini Mirabete: “Apresentada a petição ao juiz, pode ele rejeitá-la liminarmente se não
preenchidos os requisitos extrínsecos previstos pelo artigo 654, bem como se houver carência
de ação [...]”207.
Para que o direito a tutela jurisdicional possa ser exercido é necessário
algumas condições. Entre essas condições podemos citar o interesse de agir, a possibilidade
jurídica do pedido e legitimidade para a causa, que são as condições para que a ação possa ser
aceita pelo Estado-Juiz. Quanto ao interesse de agir, ele estará presente sempre que: “[...] a
parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, conseqüentemente, instaurar o
processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais,
sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático [...]”208.
Segundo Cintra, ainda no interesse de agir é preciso que haja necessidade e adequação:
Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a
satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado – ou porque a parte
contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela
[…] Adequação é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor
ao vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado […]209
Quanto ao interesse de agir na ação de Habeas Corpus: “Estará
ausente o legítimo interesse, se não houver ato de coação, ou de ameaça ao direito de ir e vir.
[...]”210.
205
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 269.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 187.
207
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 790.
208
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo de conhecimento.
7. ed rev. e atual. v. 1 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 140.
209
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores LTDA. p. 259.
210
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000,
v. 4. p. 476.
206
51
Outra condição da ação é possibilidade jurídica do pedido. “A
possibilidade jurídica do pedido é, justamente, essa exigência de que a situação afirmada pelo
autor seja, em tese, protegida pelo ordenamento jurídico para que possa ser suscetível de
merecer o conhecimento do juiz.”211.
Como ultima condição da ação de Habeas Corpus, temos a
legitimidade para causa, que no caso do dito remédio, há algumas diferenças da regra, pois
como visto, terceira pessoa pode impetrar a ordem a favor de outrem em nome próprio, o que
caracteriza em tese, substituição processual, ou ainda pode ser impetrante e paciente ao
mesmo tempo. Substituição processual: “[...] é o poder que a lei concede a alguém para, em
seu próprio nome, pleitear direito alheio, seja como autor, seja como réu.”212. Sobre o
conceito de legitimidade para a causa explica Cintra: “A legitimidade para agir consiste,
fundamentalmente, em saber, no caso concreto, quem pode promover a ação, e contra quem,
ou em face de quem, pode ser movida [...]”213.
2.7 COAÇÃO ILEGAL
As palavras violência e coação estão intimamente relacionadas, mas
há diferença no conceito de cada uma delas. Para Marques a palavra coação abrange
juridicamente a vis absoluta:
[...] o legislador ordinário, ao falar em violência ou coação ilegal, utiliza a
primeira como sendo a vis corporalis, o constrangimento físico; enquanto
que a coação implica na violência moral, na vis compulsiva. Em sentido
amplo, advirta-se, a palavra coação pode ser tida como nomem iuris de toda
e qualquer limitação à liberdade individual, abrangendo, assim, a
214
violência.
Rui Barbosa igualmente aponta diferenças entre coação e violência:
[…] coação pode ser definida como “a pressão empregada em condições de
eficácia contra a liberdade no exercício de um direito”, enquanto que a
211
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 193.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. p. 198.
213
______. Teoria Geral do Processo. p. 194.
214
MARQUES, 1965 MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de
impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. 6. ed. – São Paulo: Atlas,
2002. p. 83.
212
52
violência “é o uso da força material ou oficial, debaixo de qualquer das duas
formas, em grau eficiente para evitar, contrariar ou dominar o exercício de
um direito”.
Tourinho Filho explica violência e coação:
A lei fala em violência ou coação. Assim também o inciso LXVIII
do art. 5° da CF. A violência é a vis absoluta, que se traduz num
constrangimento físico, efetivo ou iminente (prisão, cárcere privado,
seqüestro), e coação na lição de Hungria, é o constrangimento de alguém,
por meios físicos ou morais, a um facere ou a um non facere (Comentários,
cit., v. 1, t. 1, p. 251). Tanto uma como outra geram um constrangimento.
Então se pode dizer que este é espécie de que são gêneros a violência e a
coação.
Verifica-se, portanto, que o legislador diferenciou no artigo 647 do
Código de Processo Penal, a coação ilegal da violência, veja: “Art. 647. Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação
ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”215.
Conforme Franco, a coação pode ser atual ou iminente, passada ou
superada, e futura:
[...] é mister que se afirme que o habeas corpus objetiva pôr paradeiro a
qualquer ameaça, atual, real, concreta ou, ao menos, iminente, ao direito de
liberdade do cidadão, não servindo, contudo, para protegê-lo em relação a
216
uma ameaça já passada ou que se argúi como futura.
Na coação atual, meras hipóteses de coação não dão lugar ao Writ
como explicitado no julgado adiante: “A ameaça ao direito de ir e vir, na expressão do Código
de Processo, deve ser atual ou iminente, ou ao menos próxima. Meras hipóteses sem
correspondência com situações reais não dão lugar ao remédio heróico (TACRIM-SP-HCRel. João Guzzo – RT 430/370).”217. Já a coação passada ou superada, não dá causa ao
remédio heróico: “Habeas corpus. – Não é remédio para coação passada mas para coação
215
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 de janeiro de 2008. grifo
nosso.
216
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1071.
217
______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p.
1082.
53
presente ou futura (STF – RHC – Rel. Amaral Santos – DJU 18.12.1970, p. 6326)”218, e
“Aplica-se o mandamus apenas para sanar constrangimento ilegal em termos de atualidade à
liberdade de ir e vir” (TACRIM-SP-HC-Rel. Ricardo Couto – JUTACRIM-SP 20/346).”219.
Quando trata-se de prevenir a coação, fala-se de coação futura e, portanto, o remédio iuris
será o Habeas Corpus:
Deve ser conhecido o habeas corpus quando, mesmo que de forma remota,
há possibilidade do paciente ter sua liberdade de locomoção restrita, sendo
irrelevante que, na prática, seja mais plausível a incidência de benefícios
legais alternativos ou a ocorrência da absolvição (TACRIM-SP – 2.ª C. – HC
438.892/6 – Rel. Silvério Ribeiro – j. 24.04.2003 – Rolo/flash 1573/393).220
José Frederico Marques, fala em coação processual que limita a
liberdade pessoal do indivíduo ou de seus bens, onde: “Durante o processo penal, ou em sua
fase prévia de investigação policial, providências podem ser tomadas que impliquem
diminuição da liberdade do indiciado ou do réu: tais medidas têm caráter coativo e daí serem
tidas como de coação processual pessoal.”221. Porém, tais atos coativos devem obedecer a
procedimentos descritos em lei e devem observar a necessidade de se requerer tal ato coativo.
Se verificar que o ato infringe norma jurídica ou que consiste em abuso por parte do Estado,
ele se transforma em coação sem justa causa, onde:
Os atos de coação pessoal estão submetidos a regime de estrita vinculação
legal e jurídica, tanto que a pessoa a eles submetidas pode lançar mão do
recurso de habeas corpus, desde que ilegal ou contra jus a restrição imposta
a seu direito de liberdade (Código de Processo Penal, art. 648).222
Fica-se com a opinião de que a coação ilegal abrange todo tipo de
violência a liberdade ambulatória. Os casos de coação ilegal estão descritos no art. 648 do
Código de Processo Penal223 e serão comentados um a um adiante:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
218
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1083.
219
______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p.
1083.
220
______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. v. 1. p.
1083.
221
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 177.
222
______. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 179.
223
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
54
I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei
a autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.
2.7.1 Cabimento
I – Quando não houver justa causa:
Mossin explica o significado da palavra justa causa: “A palavra justa
provém do latim Justus, a qual, como adjetivo, implica legítimo ou legal. [...] Por sua vez a
palavra causa sob o ponto de vista étimo significa motivo, razão.”224.
A falta de justa causa quando da restrição de liberdade alcança uma
gama de situações no habeas corpus., Julio Fabbrini Mirabete225 entende que a falta de justa
causa “[....] trata-se, portanto, da ausência do fumus boni júris para a prisão, inquérito ou ação
penal, ou qualquer constrangimento à liberdade de locomoção [...]”.
Para Pontes de Miranda, justa causa “[...] É a causa que, pelo direito,
bastaria, se ocorresse, para a coação. Assim, se não houve acusação por fato que constitua
crime, ou contravenção, ou, se houve, a pena é coercitiva da liberdade física, justa causa não
há para a coação [...]”226.
Para José Frederico Marques, todo o ato atentatório ao direito de
locomoção que for contrario ao ordenamento jurídico e que não estiver entre as hipóteses do
artigo 648 do Código de Processo Penal é falta de justa causa, inclusive alega o autor que os
preceitos enumerados nos incisos do art. 648, são também causas injustas, veja:
Em todas as hipóteses enumeradas nos n° II a VII, do mencionado art. 648,
registra-se a falta de justa causa. Funciona, portanto, o item ° I, como norma
224
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 91.
225
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 779.
226
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 172.
55
genérica ou de encerramento, porquanto toda coação antijurídica, que não se
enquadre nos demais itens do art. 648, será subsumível no preceito amplo
em que se fala na falta de justa causa. [...]227
II - Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a
lei:
Segundo Mossin, “[...] a prisão a que se refere o inciso transcrito é a
cautelar, advinda do flagrante ou preventiva, bem como a prisão temporária, que tem natureza
precipuamente investigatória.”228.
Quanto à contagem do tempo do réu preso no procedimento de rito
ordinário, para que não haja constrangimento ilegal ou, seja injusta a causa, ensina Capez que:
[...] Em regra, o processo de réu preso deve estar encerrado dentro do prazo
de oitenta e um dias. São dez para a conclusão do inquérito (art. 10), cinco
para a denúncia (art. 46), três para a defesa prévia (art. 395), vinte para a
inquirição de testemunhas (art. 401), dois para diligências do art. 499, dez
para o despacho do requerimento feito por ocasião do art. 499, seis para
alegações finais (art. 500), cinco para diligências ex officio (art. 502) e vinte
para a sentença..229
O entendimento de Mossin é o de que os prazos devem ser contados
em separado:
[...] se o legislador processual penal fixa prazos para o cumprimento dos atos
processuais, nada mais coerente que o descumprimento deles por parte do
juiz deva ter também uma conseqüência de ordem processual, a qual no
âmbito da análise é considerar configurado o constrangimento ilegal,
impondo a soltura do preso. Além disso, a liberdade física não pode se
sujeitar ao capricho ou ao desleixo do magistrado em deixar de cumprir o ato
processual no prazo determinado em lei [...]230
Informa Capez que:
[...] No Supremo Tribunal Federal, o entendimento dominante é no
sentido de que os prazos se contam separadamente, não sendo possível
227
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 465.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 105.
229
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 494-495.
230
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 105
228
56
considerar que o constrangimento ilegal surja apenas quando se tiver
excedido o total dos prazos, de modo que o excesso de uns possa ser
compensado com a economia de outros (RTJ, 62/303).231
No mesmo sentido, explica Fernando da Costa Tourinho Filho232:
No nosso entendimento, devem os prazos ser contados separadamente.
Afinal, se o Código estabeleceu o prazo de dez dias para a conclusão do
inquérito e remessa a juízo, estando preso o indiciado, seria postergar a lei
permitir a remessa no décimo sexto dia e, com açodamento, ser a denúncia
oferecida no dia seguinte, e assim por diante.
O Superior Tribunal de Justiça sumulou matéria referente ao excesso
de prazo após a pronúncia do réu no Tribunal do Júri: “Súmula: 21: Pronunciado o réu, fica
superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na
instrução.”233. Também entende esse Pretório Tribunal que na fase do art. 499 e 500 do
Código de Processo Penal, ou seja, após a instrução criminal, não há mais constrangimento
por excesso de prazo: “Súmula: 52: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação
de constrangimento por excesso de prazo.”234. Há entendimento jurisprudencial de que a
demora da defesa na realização de algum ato processual, não acarreta constrangimento ilegal
por excesso de prazo: “Súmula: 64: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo
na instrução, provocado pela defesa.”235.
Conforme os ensinamentos de Florêncio de Abreu: “A demora
provinda de atos pedidos pelo réu, no interesse de sua defesa, ou decorrente de força maior
(art. 403), não constitui constrangimento ilegal; e o mesmo dever ser dito de demora razoável
do juiz, para proferir sentença sobre o mérito da causa, ou de pronúncia.”236.
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo:
231
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 495
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 713-714.
233
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sumula 21. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso
em: 25 set. 2008.
234
______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 52. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso
em: 25 set. 2008
235
______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 64. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/#>. Acesso
em: 25 set. 2008.
236
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 470.
232
57
O artigo trata da competência para determinar a prisão de alguém. “A
coação ordenada por algum juiz incompetente, ou por autoridade outra a que faleça atribuição
para exercer, no caso, a potestas coercendi, deve ser considerada ilegal, ensejando, assim, o
habeas corpus.”237. Ainda informa Marques que: “A ilegalidade do constrangimento tanto
existirá no caso de incompetência material, como no de incompetência funcional, na de foro
como na de juízo, pois o ato coativo pressupõe, sempre, uma decisão, e esta nunca se
convalida, se provier de juiz incompetente [...]”238.
Para Tourinho Filho, “[…] toda e qualquer prisão determinada pela
Autoridade Policial, fora das hipóteses de flagrante delito, implica constrangimento ilegal,
porque lhe falece competência para determiná-la.”239.
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação:
Julio Fabbrini Mirabete enumera algumas hipóteses de que trata esse
inciso:
[…] a causa da prisão cessou de produzir efeito, mas o paciente continua
preso. Pode ocorrer por ter terminado de cumprir sua pena, por ter sido
anulado o auto de prisão em flagrante, por ter sido relaxada sua prisão, por
ter sido impronunciado ou absolvido, por ter obtido o sursis ou livramento
condicional etc.240
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em
que a lei a autoriza:
A não concessão de fiança pela autoridade policial ou judiciária nos
casos em que ela é cabível gera constrangimento ilegal combatido por via de Habeas Corpus.
Segundo Capez: “[...] as hipóteses em que a lei prevê a fiança encontram-se nos arts. 323,324
e 335 do CPP. A Constituição Federal, em seu art. 5°, LXVI, estabelece que ninguém pode
ser preso quando a lei admitir a prestação de fiança.”241. Ensina Marques que:
237
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 469.
______. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 469.
239
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 714.
240
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal.. p. 784.
241
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 495.
238
58
Se a fiança for negada em virtude de estar classificado, na denúncia ou
queixa, o fato delituoso, como infração inafiançável, pode ser pedida a
ordem de habeas corpus, com fundamento no erro da qualificação, desde
que existam elementos que revelem, de plano, que, se crime houve, é ele de
natureza afiançável, por não ser exata a tipificação contida na peça
acusatória.242
VI - quando o processo for manifestamente nulo:
O artigo 564 do Código de Processo Penal trata das nulidades em
geral e o artigo 572 do referido diploma separa as nulidades relativas das absolutas. Ensina
Marques que: “A nulidade precisa apresentar-se como nulidade manifesta, isto é, certa e
incontestável.”243. Informa ainda Pontes de Miranda que no inciso “[...] só se trata de nulidade
absoluta, pronunciável de ofício, ou de nulidade relativa, argüida em tempo hábil e não
sanada.”244.
Para Fernando Capez:
[...] a nulidade pode decorrer de qualquer causa, como falta de condição de
procedibilidade (representação nos crimes de ação penal pública
condicionada), ilegitimidade ad causam (ofendido propõe a ação penal
privada), incompetência do juízo, ausência de citação ou de concessão de
prazo para a defesa prévia, alegações finais etc.
Posição interessante é a de José Frederico Marques em que o Habeas
Corpus pode anular decisão de pronúncia ou condenação ainda que o processo já tenha sido
julgado (coisa julgada).
Se, apesar de manifestamente nulo o processo, sentença houver sido
proferida, ou de pronúncia ou de condenação, será ela anulável, através do
habeas corpus, com base no citado art. 648, n° IV, do Código de Processo
Penal, apesar da res judicata ou da preclusão [...] pelo que se caracterizará,
como sentença constitutiva, a que se contiver na ordem de habeas corpus.245
VII - quando extinta a punibilidade:
242
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 471.
______. Elementos de direito processual penal. p. 467.
244
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 209.
245
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 467.
243
59
O artigo 107 do Código Penal Brasileiro246 traz em seu texto as causas
de extinção de punibilidade:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de
ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
Ensina ainda Mossin que:
[...] a enumeração elencada no art. 107, do Código Penal, não se eleva à
condição de numerus clausus, eis que a extinção da punibilidade pode-se
verificar também nas seguintes hipóteses: ressarcimento do dano no peculato
culposo (art. 312, CP); morte do cônjuge induzido em erro (art. 236, CP); e
morte do cônjuge ofendido (art. 240, § 2°, CP).
Se o Estado perdeu o direito de punir por uma das hipóteses
enumeradas acima nesse inciso, passa então, a ser injusta a causa que atenta contra a liberdade
ambulatória do indivíduo.
2.7.2 Cabimento quanto ao militar
A Constituição Federal de 1988, no artigo 142, § 2°, veda o cabimento
do Habeas Corpus quando o constrangimento ou a coação provier de punição disciplinar
militar, para Alexandre de Moraes, “[…] Essa previsão constitucional deve ser interpretada no
sentido de que não haverá habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares
militares.”247. Veja o artigo 142, § 2° da Constituição:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
246
247
BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 124. (grifo do autor)
60
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.
[...]
§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares
militares.248
Completa ainda Alexandre de Moraes que: “[…] a Constituição
Federal não impede o exame pelo Poder Judiciário dos pressupostos de legalidade a saber:
hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena susceptível de ser aplicada
disciplinarmente.”249. No mesmo sentido ensina Mossin:
Relativamente àquela norma de caráter corporativista, há de se estabelecer
três situações jurídicas: (a) é ela inconstitucional, vez que a regra geral
contida no art. 5°, LXVIII ostenta um valor maior, devendo prevalecer; (b)
sua aplicabilidade deve ficar restrita às punições disciplinares verificadas
junto à Marinha, Exército e Aeronáutica, porquanto qualquer exceção à regra
geral em nível constitucional tem que ser expressa, não podendo ser feita por
interpretação extensiva ou por analogia; (c) mesmo se entendendo ser ela
constitucional, o mandamus pode ser impetrado quando houver ilegalidade
na punição decorrente da falta de competência da autoridade militar que a
aplicar ou quando se verificar abuso de poder. Logo, a ressalva só tem
incidência no mérito propriamente dito da sanção disciplinar.250
O artigo 647 do Código de Processo Penal também veda o acesso ao
Writ quando se tratar de punição disciplinar, englobando além do militar, o servidor público
em geral: “Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na
iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de
punição disciplinar.”251
Pontes de Miranda conceitua transgressão disciplinar:
[...] Quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente, a: a)
hierarquia, pela qual flui o dever de obediência e de conformidade com
instruções, regulamentos internos e recebimento de ordens; b) poder
disciplinar, que supõe a atribuição de direito de punir, disciplinarmente, cujo
caráter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em algum
248
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
249
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 124.
250
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 84
251
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
61
dos superiores hierárquicos c) ato ligado a função; d) pena, suscetível de ser
aplicada disciplinarmente, portanto sem ser pela justiça como justiça.252
A Constituição de 1988, no artigo 5°, inciso LXVIII, não recepcionou
a parte final do artigo 647 do CPP “salvo nos casos de punição disciplinar”, com a exceção da
punição disciplinar militar, que ainda possui restrições quanto ao remédio:
[...] houve revogação tácita da parte final do art. 647, do Código de Processo
Penal, devendo dela ser omitida a expressão salvo nos casos de punição
disciplinar; isso porque a norma constitucional deve sobrepor-se à norma
infraconstitucional. Em havendo conflitância entre uma e outra, deve
prevalecer a de maior hierarquia, que no caso é a constitucional.253
No mesmo sentido, Fernando Capez: “No caso de transgressão
disciplinar, só não cabe a impetração se a punição for militar (CF, art. 142, § 2°). [...]”254.
Completa ainda Mossin que:
[...] o cabimento do mandamus na hipótese de transgressão disciplinar é
plenamente cabível, estando presente qualquer ilegalidade, qualquer
desobediência à norma legal provinda da autoridade coatora, quer seja ela
competente ou não para a aplicação da sanção administrativa, com isso
limitando a liberdade física do acusado, seu ius manendi, ambulandi, eundi
ultro citroque, o remédio constitucional em tela tem emprego efetivo.255
Ao comentar a possibilidade da impetração do remédio heróico em
relação as punições disciplinares militares, ensina Mirabete que: “[…] a punição é ato
administrativo, deve ele atender aos requisitos necessários para sua validade, quais sejam os
da competência, motivo, forma, objeto e finalidade; sob pena de ser ilegal, abusivo ou
arbitrário, pode ele ser discutido no mandamus.”256.
2.7.3 Cabimento no caso de prisão civil
252
MIRANDA, Pontes de. História e prática do Habeas Corpus. tomo II. p. 193.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 84.
254
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 493.
255
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 149.
256
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 776.
253
62
O artigo 5°, inciso LXVII da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, ainda permite como exceção, a prisão por não pagamento de pensão
alimentícia e a prisão do depositário infiel:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
Ensina Mossin que qualquer liberdade ao direito de locomoção pode
ser combatida pela via de Habeas Corpus, inclusive a prisão civil, pois a Constituição não
limita o uso do remédio a nenhuma área jurídica:
Em linhas gerais, qualquer que seja o ato que limite o direito de ir, vir e ficar
do indivíduo, desde que contrário ao direito, quer pertina a área penal, quer
tenha incidência na extrapenal, o habeas corpus sempre será o instrumento
constitucional adequado para não permitir que a coação ilegal seja levada a
efeito, ou para fazer com que a mesma cesse, caso já tenha sido
concretizada.257
O artigo 650, § 2° do Código de Processo Penal258, impede o
cabimento do referido remédio constitucional por prisão administrativa a favor da Fazenda
Pública quando responsável por dinheiro ou valor pertencente a ela se omitiu no recolhimento
no prazo legal, porém, afirma Tourinho Filho que esse dispositivo não foi recepcionado pela
Constituição de brasileira de 1988:
[...] Não obstante, pelo que se infere do inciso LXI do art. 5° da Constituição
da República, já não existe prisão administrativa. A exceção do flagrante,
ninguém poderá ser recolhido à prisão sem ordem escrita e fundamentada da
Autoridade Judiciária competente. Assim, a regra do art. 650, § 2°, do CPP
perdeu toda a sua importância.259
257
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 150.
258
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 650. Competirá
conhecer, originariamente, do pedido de habeas corpus: § 2o Não cabe o habeas corpus contra a prisão
administrativa, atual ou iminente, dos responsáveis por dinheiro ou valor pertencente à Fazenda Pública,
alcançados ou omissos em fazer o seu recolhimento nos prazos legais, salvo se o pedido for acompanhado de
prova de quitação ou de depósito do alcance verificado, ou se a prisão exceder o prazo legal.
259
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 718-719.
63
2.7.4 Cabimento no estado de sítio
Em decorrência de limitações a liberdade de locomoção previstas
constitucionalmente em caso de estado de defesa ou estado de sítio, discute-se há ou não há
suspensão do direito de ação de Habeas Corpus. Para Alexandre de Moraes, o referido Writ
não pode ser suprimido em hipótese alguma, o que poderá acontecer é que: “[...] o âmbito de
atuação do habeas corpus poderá ser diminuído, inclusive com a permissão de prisões
decretadas pela autoridade administrativa. Nunca, porém, suprimido.”260. A suspensão ou
supressão do remédio constitucional é vedada por ser ele uma garantia constitucional de
natureza pétrea, não autorizada constitucionalmente, veja: “Art. 60. A Constituição poderá ser
emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.”261.
De acordo com os artigos 136, § 1°, I “a” e 139, I, II, III e IV da
Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil262, é possível restringir certos direitos
inerentes a liberdade ambulatorial, veja:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República
e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar
ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na
natureza.
§ 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e
limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art.
137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes
comuns;
260
261
262
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 116-117.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
em:
em:
64
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
Apesar de ter diminuída sua área de atuação, o Writ não fica em
hipótese alguma suspenso ou suprimido enquanto durar o Estado de exceção. Salienta
Alexandre de Moraes que:
[...] o Estado de Defesa e o Estado de Sítio não suspendem a garantia
fundamental do habeas corpus, mas diminuem sua abrangência, pois as
medidas excepcionais permitem uma maior restrição legal à liberdade de
locomoção, inclusive, repita-se, por ordem da autoridade administrativa.263
Verifica-se que mesmo com certa restrição da liberdade de locomoção
no estado de exceção, tal situação não pode dar causa para que o Estado ou seus servidores
cometam abusos e excessos. Para José Afonso da Silva, o lesado pode sim buscar do Poder
Judiciário uma solução para seu problema, mesmo que seu problema seja uma restrição a
liberdade ambulatorial:
O controle jurisdicional é amplo em relação aos limites de aplicação das
restrições autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio
cometerem abuso ou excesso de poder durante sua execução, é lógico que
seus atos ficam sujeitos a correção por via jurisdicional, quer por via de
mandado de segurança, quer por habeas corpus, que por outro meio judicial
hábil [...]264
2.8 TUTELA JURISDICIONAL
O Estado proibiu a autotutela dentro de seu território e assumiu a
responsabilidade de eliminar os conflitos sociais, preservando e protengendo os direitos
fundamentais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada e
valorada por um Estado de direito que tem como função precípua a pacificação com justiça e
em prol do bem comum. Nas palavras de Cintra:
Afirma-se que o objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem comum
e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção
particularizada do bem-comum nessa área é a pacificação com justiça. O
Estado brasileiro que uma ordem social que tenha como base o primado do
263
264
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 117.
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p.750.
65
trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193) e
considera-se responsável pela sua efetividade [...]265
Diz-se que a jurisdição estatal é secundária e instrumental. É
secundária “[...] porque, através dela, o Estado realiza coativamente uma atividade que
deveria ter sido primariamente exercida, de maneira pacífica e espontânea, pelos próprios
sujeitos da relação jurídica submetida à decisão.”266; é instrumental porque: “[...] não tendo
outro objetivo principal, senão o de dar atuação prática às regras do direito, nada mais é a
jurisdição do que um instrumento de que o próprio direito dispõe para impor-se à obediência
dos cidadãos.”267.
Portanto, o Estado é o responsável pela tutela jurisdicional e “Se
alguém exige a subordinação de interesse alheio próprio, surgindo assim a pretensão, e
invoca, para isso, a tutela estatal, é evidente que o órgão público destinado a examinar a
pretensão formulada irá decidir do caso aplicando as normas que o regulam.”268
O Estado é o legítimo detentor do exercício da jurisdição, que se faz
atuar através de seus representantes investidos legalmente para o exercício da função
jurisdicional. José Frederico Marques alega que: “Sendo o regime das jurisdições de direito
público, ninguém pode exercer a função jurisdicional, a não ser quando dela investido por ato
legítimo. [...]”269. E que: “[...] nenhum juiz pode subtrair-se ao exercício de seu ministério
jurisdicional. A delegação, por isso, é proibida, exceto nos casos taxativamente permitidos,
como por exemplo, na expedição de precatória.”270.
A Constituição brasileira de 1988 tem como um dos seus princípios a
não vedação de se buscar a tutela jurisdicional quando se sofrer lesão ou ameaça de lesão a
um direito, portanto, é vedado ao Poder Judiciário “[...] a não apreciação do pedido de Habeas
265
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. p. 37.
266
CALAMANDREI, Estúdios sobre el Processo Civil, 1945 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de
direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 43. ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2005, v. 1. p. 41.
267
LIEBMAN. Manuale di Diritto Processuale Civile, 1968 apud ______, Humberto. Curso de direito
processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 43. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2005, v. 1. p.41.
268
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 192.
269
______. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 199.
270
MASSARI, Eduardo. II Processo Penale nella Nuova Legislazione Italiana. 1934 apud ______. Elementos
de direito processual penal. 2. ed. – São Paulo: Millennium, 2000, v. 1. p. 199-200.
66
Corpus, mesmo no cumprimento de determinada Lei infraconstitucional, se antagônica for sua
temática em relação ao garantido na Constituição Federal de 1988, ocasionando uma
inconstitucionalidade [...]”271. O Estado, portanto, tem o dever de proteção para com seu povo
e não mera faculdade é “[...] o órgão constitucionalmente investido no poder de jurisdição tem
a obrigação de prestar a tutela jurisdicional e não a simples faculdade. Não pode recusar-se a
ela, quando legitimamente provocado, nem pode delegar a outros órgãos o seu exercício
[...]”272.
2.8.1 Habeas Corpus de ofício
O Habeas Corpus de oficio é uma das formas mais significantes de
tutela jurisdicional do Estado-Juiz a proteção do direito de liberdade, por meio do § 2° do art.
654 do CPP, o Juiz ou Tribunal pode, independentemente de provocação, expedir ordem de
Habeas Corpus para pessoa que esteja sofrendo qualquer violência ou coação a sua liberdade
de locomoção, veja:
Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
[...]
§ 2° Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem
de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém
sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Tal mecanismo ordinário está intimamente ligado a salvaguardar
através da tutela jurisdicional, o princípio constitucional do direito a liberdade, sua
importância é tal que:
[...] A importância da norma legal, vinculada ao direito de liberdade de ir, vir
e ficar, consagrado na Constituição Federal, é manifesta. Por ela, se
materializa a conexão Juiz-Constituição. Por ela, o juiz se apresenta como
garantidor das liberdades do cidadão. A todo juiz penal, além de sua natural
competência, está reservada, mercê de sua direta vinculação com as normas
materiais da Constituição, a jurisdição constitucional das liberdades. E tal
jurisdição, para a sobrevivência de uma sociedade democrática, tem de ser
necessariamente exercida. Ora, o § 2.° do art. 654 do CPP constitui uma das
mais significativas formas do exercício da jurisdição constitucional das
liberdades na medida em que atribui ao juiz ou ao tribunal, no curso do
271
272
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 74.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil
e processo de conhecimento. v. 1. p. 43.
67
processo, o papel de fazer cessar, sem nenhum tipo de provocação, a coação
ilegal que alguém sofra ou esteja em vias de sofrer.273
3. A LIMINAR EM HABEAS CORPUS
3.1 TUTELA CAUTELAR
As ações, processos ou medidas cautelares, apesar de diferentes
conceitos, possuem objetivo único, que é a preservação da “coisa” ou pessoa até que seja
pacificado o litígio. A tutela cautelar pode ser concedida através de liminares ou através de
ações cautelares autônomas, onde estas consistem: “[...] no direito de provocar, o interessado,
o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo
(pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao
interesse tutelado no processo principal [...]” 274. Com isso, inicia-se um processo cautelar que
é:
[...] um meio pronto e eficaz para assegurar a permanência ou conservação
do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio
último da prestação jurisdicional, [...] contenta-se em outorgar situação
provisória de segurança para os interesses dos litigantes. [...] Não dando
solução à lide, mas criando condições para que essa solução ocorra no plano
de maior justiça dentro do processo principal [...].275
Portanto, verifica-se que há diferenças entre as ações cautelares e as
medidas cautelares informais, como o caso da liminar. Nesse sentido, ensina Batalha que:
[...] há cautelares formais e cautelares informais. Aquelas obedecem a rito
processual próprio: são verdadeiras ações. Estas, as cautelares informais, não
tem rito próprio: são medidas liminares concedidas no início do processo, ou
durante sua tramitação, a prudente critério do juiz (ou do Relator, ou
Presidente, se se tratar de segundo grau de jurisdição). As simples medidas
cautelares dependem de requerimento do interessado, com ou sem audiência
da parte contrária, no início da lide ou no seu decurso, sendo revisíveis a
critério do julgador ou revogáveis mediante processo informal próprio [...]276
273
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1658.
274
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento
de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 40. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 2. p. 468.
275
______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo
cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 469.
276
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Cautelares e liminares. 3. ed. atual. – São Paulo: LTr, 1996. p. 106.
68
Opinião
interessante
emitiu
a
jurisprudência
paulista,
onde
diferenciaram liminar de providência cautelar:
Há uma diferença entre decisão liminar e decisão cautelar. Liminar é a
entrega antecipada e provisória do pedido. Já é satisfativa do direito. As
providências cautelares, diferentemente, são como que neutras com relação
ao resultado do processo, ou de seu desfecho, cuidando apenas de prevenir
riscos que possam impedir o êxito da execução futura (1° TACivSP, 4°
Câmara, AI 315.270, Rel. Juiz Penteado Manente, v. u., j. 14.9.83, RT
578/149). [...]277
O objetivo do processo e da ação é o correto exercício da jurisdição,
da qual faz parte a tutela cautelar, “Processo é o método de atuar a jurisdição e ação é o
direito da parte de fazer atuar o processo. [...] se existe um processo cautelar, como forma de
exercício da jurisdição, existe, também, uma ação cautelar, no sentido processual da
expressão [...]”278. Portanto, a ação cautelar é meio pelo qual a parte pede ao Estado-Juiz a
prestação jurisdicional e processo cautelar é o meio pelo qual o Estado-Juiz vai verificar a
possibilidade de prestar o que a parte pede, tomando assim uma medida, aqui no caso,
cautelar para fazer valer a sua lei. A medida cautelar é “[...] a providência concreta tomada
pelo órgão judicial para eliminar um situação de perigo para direito ou interesse do litigante,
mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o
tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal [...]”279.
José Frederico Marques informa que as providências cautelares são
medidas garantidoras para que ao final de um processo possa ser prestada a tutela
jurisdicional:
As providências cautelares possuem caráter instrumental: constituem meio e
modo de garantir-se o resultado da tutela jurisdicional a ser obtida através do
processo. [...] Destinam-se elas a impedir que o desenrolar demorado do
processo, com os trâmites do iter procedimental que a lei traça previamente,
possa tornar inócua a prestação jurisdicional que as partes procuram
conseguir.280
277
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Cautelares e liminares. p. 49.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento
de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 467-468.
279
______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo
cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 468.
280
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 11.
278
69
Para Grinover, “A tutela cautelar “visa assegurar imediatamente a
eficácia do próprio processo, protegendo o direito substancial apenas indiretamente”, o que
leva a um provimento sempre provisório”.[...]281.
José Alberto dos Reis ensina que: “[...] A providência cautelar não é
um fim, mas um meio; não se propõe a dar satisfação direta e imediata ao direito substancial,
mas tomar medidas que assegurem a eficácia de uma providência subseqüente, esta destinada
a atuação do direito material [...]”282.
As
providências
cautelares
possuem
pressupostos
que
são
fundamentais dos quais a tutela cautelar não se realizaria se eles não existissem. São eles o
periculum in mora e o fumus boni juris. O periculum in mora é o receio de que algum dano ou
prejuízo venha a ocorrer a pessoa ou a “coisa” antes da devida prestação jurisdicional. Para
Carlo Calvosa o periculum in mora é: “Perigo de dano próximo ou iminente é, por sua vez, o
que se relaciona com uma lesão que provavelmente deva ocorrer ainda durante o curso do
processo principal, isto é, antes da solução definitiva ou de mérito.”283. O conceito legal e
justificador do poder geral de cautela que se relaciona com o periculum in mora está
compreendido no art. 798 do Código de Processo Civil Brasileiro:
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código
regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas
provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão
grave e de difícil reparação.284
O fumus boni iuris ou fumaça do bom direito é outro pressuposto em
que a parte deve demonstrar a provável existência do direito que está a buscar. Nas palavras
de Willard de Castro Villar: “[...] constitui o denominado fumus boni iuris, ou seja, “o juízo
281
GRINOVER, 1984 apud FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua
interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. p. 1543.
282
DOS REIS, 1948 apud ______. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e
jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, v.1. p. 1543.
283
CALVOSA, 1970 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de
execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 40. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2006, v. 2. p. 478.
284
BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 15 set. 2008. (grifo nosso)
70
de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acerta”[...]”285. A jurisprudência
também entende na seguinte ementa que:
O fumus boni iuris consiste na probabilidade de existência do direito
invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado
aprofundadamente em termos de certeza, apenas no processo principal já
existente, ou então a ser instaurado. A existência do direito acautelado é, no
processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e, por isso, seu exame
é menos aprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio (do ac. unân. da
15ª Câm. do TJSP, de 7.6.89, na apel. 144.007-2, rel. dês. Ruy Camilo;
RJTJSP 121/104)286
José Albuquerque Rocha aponta como os elementos estruturais das
ações cautelares:
a) a provável existência do direito para o qual se pede a tutela em via
principal (fumus boni iuris);
b) o fundado temor de que, enquanto se espera aquela tutela, ocorra ao
direito posto em juízo lesão de difícil reparação (periculum in mora). Esses
dois elementos correspondem, respectivamente, à causa de pedir ativa e
passiva das ações cautelares. 287
Quanto a valoração da prova nas cautelares, Freide Reis informa que:
“O fumus boni iuris – correspondendo exatamente a um juízo específico de exame de
probabilidade de efetiva existência do direito material reclamado [...] ao lado do periculum in
mora, se constitui, portanto, no próprio e específico conteúdo meritório da providência
cautelar[...]”288.
Humberto Theodoro Júnior289 resume os requisitos da tutela cautelar
em: “[...] um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao
interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser
objetivamente apurável;” e também a “[...] plausibilidade do direito substancial invocado por
quem pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris.”.
285
VILLAR, 1971 apud FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de
segurança, ação cautelar, tutela específica e tutela antecipada. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. p. 222.
286
______. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela
específica e tutela antecipada. p. 223.
287
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 210-211.
288
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. p. 224.
289
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento
de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 477.
71
A tutela cautelar também tem como característica a provisoriedade, ou
seja, “Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação
preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo,
e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo definido [...]”290. Outra
característica é a revogabilidade, podendo a medida ser revogada a qualquer tempo quando do
desaparecimento da circunstância que levou a decretação da medida. Portanto, “[...] Se
desaparece a situação fática que levou o órgão jurisdicional a acautelar o interesse da parte,
cessa a razão de ser da precaução.”291.
3.2 CONCEITO DE LIMINAR
Calamandrei interpretado por Friede, comenta que a medida liminar é
uma forma de procedimento cautelar que se encaixa no grupo III pré-estabelecido pelo
próprio Calamandrei em um estudo que fez sobre a classificação das medidas cautelares, onde
Friede interpreta que são:
[...] medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a
provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva
[...] a natureza jurídica da medida liminar se encontra exatamente na medida
cautelar como provimento provisório judicial, que antecipa a decisão da lide,
ainda que carente de ratificação ou revogação subseqüente dada pela
sentença de mérito. 292
Deve-se distinguir aqui a figura da medida liminar que é meramente
procedimental e instrumentária da medida cautelar autônoma.
Fulgurante se faz disciplinar o objeto específico da medida liminar, que
deverá conter a relevância dos motivos do pedido da peça inicial e a
possibilidade de existência de lesão irreparável ao direito do autor.
Distingue-se a providência liminar da medida cautelar, pois a primeira é
meramente instrumentária, sendo a segunda, uma verdadeira ação, em que se
avalia o direito material. 293
290
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento
de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 469.
291
______. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo
cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 470.
292
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. 5. p. 105.
293
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 72.
72
Pode se dizer que as medidas liminares são cautelares informais ou
inespecíficas que:
[...] não seguem o rito das ações cautelares, caracterizando-se como
despachos concedendo efeitos suspensivos a atos, deliberações, ou
determinações de autoridades judiciárias ou administrativas [...] Entre as
medidas cautelares inespecíficas podemos mencionar a utilização de
mandados de segurança com efeito liminar para obtenção de suspensão de
efeitos de sentença sujeita a recurso com efeito meramente devolutivo [...]
Para Friede a liminar é:
[...] forma efetiva de revestimento instrumental de providências cautelares
em ações de conhecimento reputadas especiais (tais como habeas corpus,
mandado de segurança, ação popular, ação civil pública etc.), cujo objeto,
próprio e particular (alusivo a direitos fundamentais individuais e coletivos
(e também difusos)), acabou por influenciar o legislador no sentido de
procurar prover – de uma maneira mais segura – a plena efetividade
(inteireza) do pronunciamento jurisdicional final de caráter cognitivo. 294
Friede ainda define a natureza jurídica da liminar como:
“[...] uma natureza jurídica tipicamente administrativo-cautelar, com
conteúdo de julgamento discricionário, fundado na prudente valoração do
magistrado (e não no simples arbítrio) em torno da oportunidade e da
conveniência da decretação da medida, e com nítido objetivo de provisão
cautelar, por excelência, garantidora, em última análise, da efetividade da
sentença – sem almejar, por outro lado, tocar direitamente no seio do
conflito, ainda que o faça, de forma limitada e por vias transversas - , em
flagrante caráter excepcional, como antecipação parcial e provisória da
própria decisão meritória [...] mas que ao mesmo tempo e, em nenhuma
hipótese, pode ser confundida, em sua plenitude, com o mérito do pedido
principal [...]295
Apesar de ser uma providência judicial que serve para garantir o
correto desenrolar do processo, a medida liminar pode em um primeiro momento ter um
cunho satisfativo, mas tal medida não pode ser confundida com uma antecipação de tutela no
mérito, sendo que:
A providência liminar tem escopo satisfativo, que deverá ser analisado sob o
aspecto meramente substancial, mais especificamente, procedimental, sem
294
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. p. 93.
295
______. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar, tutela
específica e tutela antecipada. p. 102.
73
vincular-se ao mérito causae. Sua apreciação deverá ser tutelada pelo Poder
Judiciário, eis que, caso contrário, estaria este poder insurgindo-se contra o
sistema jurídico.296
Para conceder a medida liminar, o Magistrado faz uso do seu poder
geral de cautela em que ele pode inclusive agir ex officio, não funcionando a regra do ne
procedat judex ex officio: “Esse poder nunca compreende o de abrir um verdadeiro processo
cautelar: mas apenas consiste em tomar medidas cautelares avulsas, dentro de outros
processos já existentes, em situações adredemente reguladas pela lei.”297. Tal situação amplia,
porém, o poder discricionário do Juiz em grande proporção, mas que ainda, ficará adstrito aos
requisitos das providências cautelares, fumus boni juris e periculum in mora.
Lara diferencia a liminar da medida cautelar:
As liminares, conforme já referido, configuram sempre uma antecipação dos
efeitos fáticos da sentença. As medidas cautelares, no entanto, podem ou não
apresentar este caráter antecipatório. [...] As medidas cautelares somente
podem ser concedidas pelo juiz dentro de uma ação cautelar. As liminares,
ao contrário, podem ser deferidas nos mais diversos tipos de ação, como por
exemplo, nas ações possessórias, na ação civil pública, no mandado de
segurança, na ação de nunciação de obra nova, etc.298
E, finalizando, Reis Friede ensina que:
[...] Constitui-se, portanto, a medida liminar, em efetiva provisão judicial
obrigatória, se comprovado estiver que os efeitos imediatos do ato
impugnado – ou da omissão, caracterizadora de outra lesão de direito líquido
e certo ou equivalente – ameaçam frustrar os objetivos da própria ação
mandamental, popular, civil pública, entre outras ações que expressamente
admitem esta forma sui generis de provimento cautelar.299
3.3 PROCEDÊNCIA DA LIMINAR EM HABEAS CORPUS
Em determinados casos, quando, por exemplo, o acusado está preso
ou na iminência de sê-lo, o Habeas Corpus assume caráter cautelar exigindo uma rápida
296
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 73.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento
de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. 2. p. 480.
298
LARA, Betina Rizzato. Liminares no processo civil. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1994, p. 24.
299
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. p 97.
297
74
atuação do Estado-Juiz para que a liberdade ambulatória do indivíduo não seja afetada. Para
Marques, “Toda a vez em que o habeas corpus é concedido, ou para evitar prisão injusta, ou
para impedir prisão prolongada, embora sem pôr cobro à persecutio criminis, o seu caráter de
providência cautelar está presente. [...]”300. Mas apesar do caráter acautelatório do Habeas
Corpus, as dificuldades do Poder Judiciário, seja pela sua estrutura, seja pelo material humano
ou ainda pela enorme demanda de processos, impedem que a ação de Habeas Corpus seja
rapidamente decidida, ocasionando prejuízo para o paciente. E nessa opinião, comenta
Mossin:
O processo em questão, embora ostente um procedimento sumaríssimo, sofre
uma certa demora quanto à decisão definitiva de mérito nele a ser proferida,
quer à vez pela necessidade de apresentação do paciente, pela requisição de
informações da autoridade coatora, pela oitiva do Ministério Público.301
Por todas as dificuldades acima, inerentes ao Estado-Juiz em prover a
tutela jurisdicional a tempo e antes que a pessoa sofra um mal irreparável, deve-se conceder o
pedido liminar, portanto, ensina Mossin que:
Em circunstâncias desse matiz, quando estiver efetivamente delineado pela
prova que instrui o pedido de habeas corpus o constrangimento ilegal
incidente sobre o paciente (fumus bonis iuris), o pedido deve ser
liminarmente concedido, já que se aguardar in casu a futura decisão a ser
prolatada no processo gerará como resultante imutável grave dano de difícil
ou mesmo de impossível reparação à liberdade física do paciente (periculum
in mora). É que, prolongando-se no tempo o estado de coação ilegal que
incide sobre o ius libertatis do paciente, esta situação jamais poderá ser
corrigida pela sentença que der provimento ao pedido liberatório.302
Na mesma opinião do exposto acima menciona Franco 303:
[...] Da impetração até o julgamento, flui um espaço de tempo, maior ou
menor, na dependência da rapidez com que a autoridade, apontada como
coatora, preste as informações solicitadas e o Ministério Público exare seu
parecer. De permeio, situam-se outros atos cartoriais, que têm também uma
expressão temporal. É evidente, assim, que, apesar da tramitação mais
acelerada do remédio constitucional, em confronto com as ações previstas no
ordenamento processual penal, o direito de liberdade do cidadão é passível
300
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 454.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 222.
302
______. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos,
modelos de petição, jurisprudência. p. 222
303
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1543.
301
75
de sofrer flagrante coarctação ilegal e abusiva. Para obviar tal situação, foi
sendo construído, ao nível de habeas corpus, o instituto da liminar, tomada
de empréstimo do mandado de segurança, do qual é gêmeo idêntico [...]
Segundo Tourinho Filho, a primeira liminar em Habeas Corpus foi
pedida e concedida na Justiça Militar, ainda no século XX, mas sem especificar data: “[...]
cumpre registrar que tal providência – liminar em pedido de habeas corpus – foi concedida,
pela primeira vez, entre nós, pela Justiça Militar. Concedeu-a o Almirante José Espínola,
ilustre figura que perolou no STM (cf. RTJ, 33:590).”304. A segunda vez em que foi pedida e
concedida a medida liminar em Habeas Corpus, ocorreu também no século XX, no ano de
1964, em questão política e militar:
O segundo caso surgiu em novembro de 1964. A Auditoria da 4ª Região
Militar decretou a prisão de Mauro Borges, então Governador do Estado de
Goiás. As tropas sediadas em Anápolis-GO já estavam marchando em
direção a Goiânia para cumprimento da decisão. Impetrou-se habeas corpus,
que recebeu o n. 41.296, distribuído ao Relator, Ministro Gonçalves de
Oliveira. Como naquele dia não havia sessão no STF, quer do Plenário, quer
de usa Turmas, Sua Excelência o ex-Ministro Relator concedeu a liminar,
pois, do contrário, quando aquela Corte fosse apreciar o pedido, a violência
já estaria consumada [...]305
No segundo caso de concessão de liminar de Habeas Corpus, ora
exposta acima, o Relator ao conceder a liminar, se utilizou de analogia referindo-se ao
Mandado de Segurança e de pressupostos das medidas cautelares, como o fumus boni juris e o
periculum in mora, veja:
[...] E, na r. decisão, observou: “Se, no mandado de segurança, pode o
Relator conceder a liminar, até em casos em que está em jogo a liberdade
individual ou as liberdades públicas, a liminar, no habeas corpus preventivo,
não pudesse ser concedida”. Evidente que para a concessão da medida
extrema, observou o grande Magistrado – como era e é de rigor – , devem
estar patentes os pressupostos das cautelares, isto é, o periculum in mora e o
fumus boni juris.306
Hélio Tornaghi ensina que a medida liminar em Habeas Corpus é
concedida fazendo-se analogia com o Mandado de Segurança:
304
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. p. 721.
______. Prática de processo penal. p. 721.
306
______. Prática de processo penal. p. 721.
305
76
[...] Conquanto a lei não se refira à concessão de liminar em processo de
habeas corpus, alguns acórdãos vão insinuando essa medida em nossa vida
judiciária. Necessidades de ordem prática e semelhança com o mandado de
segurança, em que a providência aparece como medida acautelatória (Lei n.
1.533, de 31-12-1951, art. 7°, II) servem de base a essa prática [...]307
Luiz Alberto Ferracine alega que o precedente que deu origem a
possibilidade de liminar em Habeas Corpus é a Lei n. 2.033 de 20 de setembro de 1871,
reforma do judiciário, ocorrida ainda no Brasil Império:
Lei n° 2.033, de 20.9.1871, reforma judiciária, art. 18, atribui aos Juízes de
direito concederem ordem de habeas corpus independentemente de grau da
autoridade coatora; § 1°, introduz o habeas corpus preventivo, para evitar
ameaça a constrangimento pessoal; § 4°, negada a ordem de habeas corpus
pela autoridade inferior, poderá ela ser requerida perante a superior; § 5°,
concessão da ordem em caráter liminar se evidenciada de logo a ilegalidade
do constrangimento; § 6°, garantia do direito de justa indenização e, em todo
caso, das custas em tresdobro a favor de quem sofrer o constrangimento
ilegal, contra o responsável pelo abuso de poder.308
Ferracine, em sua declaração acima, afirma que o § 5° da Lei n. 2.033
de 20 de setembro de 1871, lei de reforma do judiciário, é que deu possibilidade a liminar em
Habeas Corpus, tal dispositivo se assemelha ao § 2° do artigo 660 do Código de Processo
Penal:
Art. 18. Os Juizes de Direito poderão expedir ordem de habeas-corpus a
favor dos que estiverem illegalmente presos, ainda quando o fossem por
determinação do Chefe de Policia ou de qualquer outra autoridade
administrativa, e sem exclusão dos detidos a titulo de recrutamento, não
estando ainda alistados como praças no exercito ou armada.
[...]
§ 5º Quando dos documentos apresentados se reconhecer evidentemente a
illegalidade do constrangimento, o Juiz a quem se impetrar a ordem de
habeas-corpus poderá ordenar a immediata cessação, mediante caução, até
que se resolva definitivamente.309
307
TORNAGHI, 1980 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 27. ed. rev.
atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 722.
308
FERRACINE, Luiz Alberto. Habeas corpus: doutrina, prática e jurisprudência. p. 52.
309
BRASIL. Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera diferentes disposições da legislação judiciária.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LIM/LIM2033.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008.
77
Para a concessão da liminar em Habeas Corpus, Fernando Capez
embasa-se no art. 660, § 2° do Código de Processo Penal310, no mandado de segurança e em
precedentes jurisprudenciais:
A liminar é admissível, se os documentos que instruírem a petição
evidenciarem a ilegalidade da coação (CPP, art. 660, § 2°). “De natureza
cautelar, ao contrário, é a concessão liminar do habeas corpus que, embora
não expressamente autorizada pela lei, se esboça em doutrina, na esteira da
concessão in limine do mandado de segurança” (RPGSP, 17/196, dez.
1980).311
Alexandre de Moraes alega ser cabível liminar tanto em Habeas
Corpus repressivo quanto em Habeas Corpus preventivo, onde: “Em ambas as espécies
haverá possibilidade de concessão de medida liminar, para se evitar possível constrangimento
à liberdade de locomoção irreparável [...]”312. A liminar concedida em sede de Habeas
Corpus, “[...] busca dar uma proteção mais eficaz ao direito de liberdade que, em muitas
situações, poderia vir a ser seriamente prejudicado pela intervenção tardia do aparelho
judiciário.”313.
A legislação brasileira não proíbe nem disciplina a possibilidade de
liminar em Habeas Corpus, já os princípios Constitucionais como o princípio da
inarredabilidade do controle jurisdicional, impele que uma ameaça de lesão a um direito não
pode ficar a deriva em um Estado de Direito sem a devida proteção estatal. Para Ferreira,
Caracterizado que a concessão da medida liminar no Habeas Corpus não
apresenta-se disciplinada na legislação infraconstitucional, sobejamente
evidenciada fica a existência de uma lacuna, pois também não existe
qualquer vedação ao deferimento liminar. O Código de Processo Penal, em
seus arts. 647 a 667, não proíbe a concessão não fere o direito processual
ordinário.314
Continua Ferreira afirmando ainda, que:
310
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 660. Efetuadas as
diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 vinte e quatro) horas.
[...] 2° Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal
ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.
311
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 498.
312
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 116.
313
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 47.
314
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 86.
78
Entende-se que a liminar em Habeas Corpus está plenamente
consubstanciada na Constituição Federal de 1988, pelo princípio da
inafastabilidade da jurisdição, e por não existir qualquer proibição na
315
legislação infraconstitucional, em especial no Código de Processo Penal.
Na mesma opinião, Franco e Stoco: “O silêncio legal não seria,
portanto, obstativo para o reconhecimento da liminar no habeas corpus. O direito à liberdade
pessoal é, inquestionavelmente, um dos direitos constitucionais fundamentais (art. 5.°, caput,
da CF/88) […]”316.
Retira-se da doutrina de Frederico Marques que:
O habeas corpus pode ser concedido de plano e liminarmente, sem
necessidade de ser apresentado o paciente, ou de se requisitarem
informações da autoridade coatora. Daí a regra expressa do art. 649 do
Código de Processo Penal, in verbis: “O juiz ou o Tribunal, dentro dos
limites da sua jurisdição, fará passar imediatamente a ordem impetrada, nos
casos em que tenha cabimento, seja qual for a autoridade coatora”. E o art.
660, § 2°, do Código de Processo Penal, ainda de modo mais claro estatui:
“Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da
coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o
constrangimento”.317
Ficar-se-á com a teoria de que a possibilidade de liminar em sede de
Habeas Corpus é aplicada com base em precedentes judiciais, através de analogia com a Lei
1.533, de 31/12/1951, art. 7°, II que trata do mandado de segurança quando verificado a
possibilidade de dano irreparável ao paciente ou de difícil reparação “periculum in mora” e
em respeito ao fumus boni juris. Onde, “[...] A liberdade individual não pode ficar dependente
da decisão final quando a privação da liberdade ou submissão a processo constituem
manifesta e inequívoca expressão de ilegalidade ou de abuso de poder [...]”318.
Os Juízes, Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores tem atualmente
concedido ordem liminar em Habeas Corpus quando constatado fragrante ilegalidade ou
coação por parte de autoridades públicas, o que veremos em alguns julgados a frente.
315
316
317
318
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 87.
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência v. 1. p. 1544.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 4. p. 498.
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência v. 1. p. 1544.
79
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina no processo de Habeas
corpus n. 02.014809-7 em 2002, de Balneário Camboriú, também concedeu HC em liminar
por manifesta ilegalidade de ato de autoridade policial, conforme verifica-se na ementa a
seguir transcrita:
EMENTA: Habeas-Corpus. Roubo. Almejado o trancamento da ação penal.
Pedido não conhecido por não haver nos autos comprovação do
oferecimento e recebimento da denúncia. Prisão Temporária. Medida
aplicável somente quando se tratar de crime arrolado no inciso III do artigo
1º da Lei nº 7.960/89. Constrangimento evidenciado. Ordem concedida. A
prisão temporária prevista na Lei nº 7.960/89 tem como pressuposto inicial a
prática de um dos crimes relacionados no seu artigo 1º, inciso III, devendo o
decreto que a determina, portanto, fundar-se em uma dessas hipóteses. [...] A
liminar em habeas corpus é medida excepcional que somente comporta
deferimento em face de manifesta ilegalidade. É, sem dúvida, o caso dos
autos, onde o ato judicial questionado foi decretado sem nenhum suporte em
qualquer dos hipóteses previstas no art. 1º da Lei 7.960/89.[...]319
Verificando ilegalidade ou constrangimento ilegal, o STF também tem
concedido liminar em Habeas Corpus, como se observa na ementa do julgado a seguir:
HABEAS CORPUS SUCESSIVOS - LIMINAR DEFERIDA - ALCANCE.
Ante o caráter temporário e precário, o deferimento de liminar em habeas
corpus impetrado no Supremo não implica o prejuízo de idêntica medida,
com o mesmo objeto, em curso no Superior Tribunal de Justiça. PRISÃO
PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO. Verificado o excesso de prazo,
considerados os elementos de certo processo, impõe-se a concessão de
ordem de ofício.320
Atualmente há até súmula do STF comentando sobre matéria de
liminar em Habeas Corpus. Tal súmula impede a supressão de instâncias:
Sumula n° 691. NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
CONHECER DE "HABEAS CORPUS" IMPETRADO CONTRA DECISÃO
DO RELATOR QUE, EM "HABEAS CORPUS" REQUERIDO A
TRIBUNAL SUPERIOR, INDEFERE A LIMINAR.321
319
320
321
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas corpus n. 02.014809-7. Data da decisão:
27/08/2002. Relator Des. Maurílio Moreira Leite. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia>.
Acesso em: 11 jun. 2008. (grifo nosso).
______. Supremo Tribunal Federal. HC 92544 / PE – Pernambuco. Julgamento: 10/06/2008. Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 03 set. 2008.
______. Supremo Tribunal Federal.
Súmula 691. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700>.
Acesso em: 10 set. 2008.
80
3.3.1 O Mandado de Segurança e a analogia aplicada ao Habeas Corpus
A Mandado de Segurança é fruto da ação de Habeas Corpus no direito
Brasileiro. Conta Di Pietro que:
Ele surgiu como decorrência do desenvolvimento da doutrina brasileira do
habeas corpus. Quando a Emenda de 1926 restringiu o uso dessa medida às
hipóteses de ofensa ao direito de locomoção, os doutrinadores passaram a
procurar outro instituto para proteger os demais direitos. Sob inspiração dos
writs do direito norte-americano e do juicio de amparo do direito mexicano,
instituiu-se o mandado de segurança.322
A Constituição Brasileira de 1988 prevê o Mandado de Segurança no
art. 5°, LXIX323:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Leciona Di Pietro que o:
Mandado de Segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer
pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça
de lesão ao direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem
habeas data, em decorrência de ato de autoridade, praticado com ilegalidade
ou abuso de poder.324
A Lei de numero 1.533 de 1951 é que disciplina esse instituto. O
artigo 7°, inciso II é que possibilita a concessão da liminar no Mandado de Segurança:
Art. 7º - Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
322
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 731.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008
324
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 731.
323
em:
81
II - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o
fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso
seja deferida.
Como se viu anteriormente, vários doutrinadores e inclusive os Juízes
de Direito sem embasam no dispositivo anterior para aplicar a liminar em Habeas Corpus,
pois “[...] A liminar em habeas corpus tem o mesmo caráter de medida de cautela que lhe é
atribuída no mandado de segurança.”325. Portanto, percebe-se que a precedência de liminar em
sede de habeas corpus vem através de analogia, sendo aplicada pelo judiciário com base na
Lei 1.533, de 31/12/1951, art. 7°, II que trata do mandado de segurança e posterior ao habeas
corpus. O artigo 3° do CPP permite aplicação de analogia quando necessária a aplicação do
direito: “Art. 3° A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica,
bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”326. Para Ferreira:
Está-se diante de um caso de analogia legis, em que o magistrado, poderá
utilizar a providência liminar, esculpida na ação mandamental (Lei n°
1.533/51, em seu art. 7°, II), aplicando a concessão da liminar, pelos mesmos
fundamentos procedimentais referentes ao Mandado de Segurança. 327
Quanto ao uso da analogia para sanar deficiências no ordenamento
jurídico, vê-se que é perfeitamente aceitável seu uso, inclusive a Lei de Introdução ao Código
Civil, que é universal e pode ser usada como referência no Direito Processual Penal, permite o
através do artigo 4° desta lei, o uso da analogia pelo Juiz de Direito: “Art. 4° Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.”328.
Encerra Ferreira com a seguinte dedução:
Depreende-se da lacuna existente quanto à providencia liminar no Habeas
Corpus, que fica evidente que o magistrado, na busca incessante do bem
comum da sociedade, poderá aplicar a analogia, legitimado pela legislação
ordinária, pois, como já demonstrado anteriormente, encontra-se amparado
nos princípios da Constituição Federal de 1988.329
325
FRANCO, A. S.; STOCO, R. (Coord). Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial:
doutrina e jurisprudência. v. 1. p. 1543.
326
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jan. 2008.
327
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 88.
328
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em:
<Brasil. http://www.planalto.gov.brCCIVILDecreto-LeiDel4657.htm>. Acesso em: 15 jul 2008
329
FERREIRA, Luiz César Silva. O deferimento de liminar em habeas corpus. p. 89.
82
3.3.2 Pressupostos de admissibilidade da liminar em Habeas Corpus
Por ser a liminar em sede de Habeas Corpus uma providência cautelar
com intuito de evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, ela exige os mesmos
pressupostos de uma ação cautelar, o periculum in mora e o fumus boni iuris:
A liminar, sendo, como de fato é, providência cautelar, exige, além daquelas
condições de toda e qualquer ação (possibilidade jurídica do pedido,
legitimidade para agir e interesse processual), o periculum in mora, ou seja,
aquele grave dano, ainda que provável, a que se referem os Regimentos dos
Tribunais, e o fumus boni juris (a plausibilidade do direito substancial
invocado por quem pretenda o writ). 330
Através do periculum in mora, tenta-se demonstrar que uma
providência tardia por parte do Poder Judiciário, pode afetar, senão, impedir que o processo
funcione normalmente ou tenha a mesma eficácia no final que teria se houvesse julgado o
mérito prontamente. É, portanto:
[...] no campo do mandamus liberatório, o periculum in mora como
pressuposto incindível de qualquer medida acautelatória é muito mais
consistente do que em qualquer outra situação que o comporte , porquanto
trata-se de mecanismo de defesa do ius manendi, eundi e veniendi do
paciente quando coarctado de forma antijurídica [...]331
No mesmo sentido Reis Friede:
O periculum in mora é sobremaneira a condição necessária – porém não
suficiente – para o eventual deferimento da medida liminar vindicada ou
mesmo para a concessão ex officio, operada através do denominado Poder
Cautelar Genérico, inerente à própria função do magistrado, na qualidade de
representante do Estado-Juiz.332
Pacheco afirma que a liminar é uma espécie de providência cautelar e
por isso possui os mesmos requisitos das medidas cautelares, fumus boni iuris e periculum in
mora, veja: “Ressalta-se que, como se trata de providência cautelar, deverá se revestir das
330
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. V. 2. p. 469.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo,
competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência. p. 222
332
FRIEDE, Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares: em mandado de segurança, ação cautelar,
tutela específica e tutela antecipada. . p. 217.
331
83
específicas condições para a sua concessão, quais sejam: periculum in mora, ou seja
probabilidade de grave dano; e fumus boni iuris, isto é, razoabilidade do direito invocado.”333.
333
PACHECO, José Ernani de Carvalho. Habeas Corpus: prática, processo e jurisprudência. p. 47.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa aprendeu-se um pouco sobre a história desse
instituto que é tão importante na salvaguarda da liberdade de locomoção. Apesar de haver
algum desentendimento acerca da origem do Habeas Corpus por parte de quase toda a
doutrina brasileira, consegue-se extrair que ele é fruto do amadurecimento político jurídico de
leis inglesas que tentavam frear o poder despótico dos monarcas entre os séculos XI e IX.
Depreende-se da pesquisa que antes do ano 1215 haviam outros
institutos que se assemelhavam na aquela época ao Habeas Corpus, como por exemplo, o
interdictum de libero homine exhibendo, homine replegiando, entre outros. Tais institutos,
também defendiam, de certa forma a liberdade ambulatorial, porém com certa limitação e para
casos específicos. Mas o importante é com o tempo o instituto foi sendo aperfeiçoado tanto no
direito inglês, como nos países que lhe copiaram posteriormente. No Brasil não foi diferente,
o Habeas Corpus foi inserido no ordenamento jurídico e sofreu modificações para que se
adapta-se ao momento social vivido pela sociedade no passado. Com a evolução e o passar
dos tempos, o homem está sempre em constante mudança, aperfeiçoando suas ferramentas
para que possa se desenvolver política e socialmente. A possibilidade de liminar em Habeas
Corpus é uma dessas ferramentas que deve ser desenvolvida e aplicada pelo Estado-Juiz para
que as pessoas possam viver com mais dignidade e segurança, protegidas de qualquer poder
abusivo ou ilegal.
Apesar de não estar legalmente estabelecida, o judiciário, verificando
a necessidade social de uma maior rapidez nas soluções em resguardar o direito de locomoção
através de ações de habeas corpus e também na tentativa de criar um maior controle do abusos
do poder estatal, estabeleceu judicialmente a possibilidade de aplicação da liminar em habeas
corpus, como meio de dar mais rapidez as soluções onde nitidamente se constatava violação a
liberdade de locomoção.
A concessão da medida liminar em sede de Habeas Corpus está
perfeitamente permitida pelo artigo 5°, inciso XXXV da Constituição da República Federativa
do Brasil, que veda a não apreciação pelo poder judiciário de ameaça ou lesão a direito. Pois
se assim não fosse, a população brasileira ficaria ao arbítrio do Poder Estatal, criando-se
85
assim, grande insegurança jurídica para casos que necessitem de pronto atendimento pelo
Judiciário.
Com essa pesquisa, compreende-se que o uso da analogia e dos
princípios gerais do direito estão perfeitamente permitidos pelo ordenamento jurídico
brasileiro, seja pela Constituição da Republica de 1988, seja pela possibilidade legal dos
artigos 3° do Código de Processo Penal e artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil.
Portanto, é admissível e legal a analogia em liminar no Mandado de Segurança com que o
Poder Judiciário se fundamenta para conceder a liminar em Habeas Corpus.
O artigo 7°, II da Lei 1.533, de 31/12/1951 que disciplina o Mandado
de Segurança não fala em liminar, mas se tira que implicitamente, a regra para a concessão
dessa providência cautelar está legalmente permitida. Igualmente se tira essa mesma
conclusão do artigo 660, § 2° do Código de Processo Penal Brasileiro, onde fala que se os
documentos que instruírem a ação de Habeas Corpus evidenciarem a coação ilegal, dever o
Tribunal prontamente ordena que cesse o constrangimento.
Percebe-se que o Poder Judiciário, quando na omissão Poder
Legislativo, deve continuar a criar mecanismos que suprem ou reduzam as deficiências
encontradas na legislação brasileira, combatendo assim a insegurança jurídica que tais
omissões possam ocasionar.
86
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