VINHO DE JAMBOLÃO (Syzygium cumini) ELABORADO POR DUAS FORMAS DE OBTENÇÃO DE POLPA Nádia Marta Soares1, Marcio Oliveira Hornes2, Francieli Simmi Perlin1, Daiane Tente Pereira1, Mariele dos Santos3 1 Alunas do curso Técnico em Alimentos do IFFarroupilha - Campus São Vicente do Sul Orientador IFFarroupilha, Campus São Vicente do Sul 3 Técnica do Laboratório de Bromatologia IFFarroupilha – Campus São Vicente do Sul 2 1 Introdução A planta vulgarmente conhecida por jambolão, jamelão, azeitona preta e outras denominações (Syzygium cumini) é uma espécie pertencente à família Myrtaceae, que compreende cerca de 100 gêneros e 3000 espécies com dois centros de dispersão, nas Américas e Austrália, embora ocorram em todo o mundo (Migliato et al., 2007; Luzia e Jorge, 2009). É uma árvore nativa da Ásia tropical, cujos frutos comestíveis apresentam forma ovóide e coloração roxa quando maduros. Sua pele é fina, lustrosa e aderente. A polpa é carnosa, de sabor adstringente, e envolve um caroço único e grande. A coloração roxa da polpa dos frutos é devido à presença de antocianinas, pigmentos, que apresentam como vantagem a alta solubilidade em misturas aquosas, e por isso tem o potencial de serem utilizadas na elaboração de bebidas, como vinhos e sucos. A frutificação ocorre nos meses de janeiro a maio e os frutos são do tipo baga, semelhantes às azeitonas (Loguercio et al., 2005; Lago et al., 2006; Migliato et al, 2007). No Brasil, o fruto é geralmente consumido in natura, porém pode ser processado na forma de compotas, licores, vinhos, vinagre, geléias, geleiadas, tortas e doces. O fruto do jambolão apresenta em torno de 88% de água, 0,34% de cinzas, 0,30% de lipídios, 0,67% de proteínas, 5,91% de acidez (ácido cítrico), 10,7% de carboidratos totais, 1% de açúcares redutores, 0,28% de fibra alimentar, 9,0 ºBrix e pH de 3,9. O principal mineral encontrado é o fósforo e a vitamina C. O fruto possui ainda ácido elágico, que apresenta propriedades antioxidantes e anticarcinogênicas (Luzia e Jorge, 2009). A adstringência da polpa de jambolão deve-se à presença de taninos, compostos fenólicos de alto peso molecular, que também estão presentes em frutas como o caju e a banana verde. Contudo, à medida que as frutas amadurecem, geralmente ocorre uma redução da adstringência, que é atribuída à perda de solubilidade do tanino. Em pequenas proporções ou em combinação com outros componentes do alimento, a adstringência pode contribuir para um sabor desejável, como ocorre em vinhos elaborados com cultivares de uvas pigmentadas (Lago et al., 2006; Migliato et al, 2007). Entretanto uma grande parte de suas frutas é desperdiçada na época da safra, em virtude da alta produção por árvore, da curta vida útil da fruta in natura e, principalmente, por falta de seu aproveitamento como um produto processado. Existem poucos trabalhos referentes à utilização deste fruto no processamento de alimentos, com destaque ao estudo realizado por Lago, Gomes e Silva (2006) na produção de geléia, com os demais voltados principalmente à composição química e os efeitos benéficos do jambolão, como o potencial antimicrobiano, diurético, anti-hipertensivo, antioxidante, bacteriológico e anti-inflamatório, sendo as suas propriedades medicinais diretamente ligadas ao alto conteúdo de compostos fenólicos, flavonóides e antocianinas. Dessa forma, a elaboração de produtos mais atrativos que o consumo da fruta in natura, que agregue valor de mercado e que mantenha os componentes benéficos presentes nos frutos, pode ser considerada uma alternativa viável. O presente trabalho teve por objetivo o processamento e caracterização físico-química do vinho de jambolão utilizando mosto obtido por esmagamento de polpa e extração a vapor. Este projeto tem o apoio do Instituto Federal Farroupilha 2 Material e Métodos 1. Produção do vinho de jambolão 1.1. Recepção e classificação dos frutos: Os frutos foram obtidos entre o mês de fevereiro e março na cidade de São Vicente do Sul – RS, através da coleta direta nas árvores locais, acondicionados em recipientes de PVC e encaminhados ao Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul, Laboratório da Agroindústria. Inicialmente foram pesados e classificados de acordo com o grau de maturação e para a separação dos frutos deteriorados. As amostras foram avaliadas quanto ao teor de açúcar (ºBrix), buscando-se a condição do melhor ponto de maturação, segundo Carvalho et al. (2008). Os frutos selecionados foram novamente pesados e lavados com água corrente em abundância (150 ppm de cloro livre) por imersão para a retirada de sujidades. Após foi realizada uma segunda lavagem e, em seguida, uma segunda seleção. Os frutos higienizados foram acondicionados em recipientes de PVC perfurados e colocados sobre uma mesa de aço inox para escoamento de toda a água de enxágüe. Finalmente os frutos selecionados e higienizados foram acondicionados em recipientes de PVC, congelados à -18ºC e armazenados a esta temperatura. 1.2 Obtenção da polpa: Os frutos foram inicialmente descongelados à temperatura ambiente e, para a obtenção da polpa de jambolão, foram cortados com faca de aço inoxidável e a separação dos caroços feita manualmente. As frutas foram homogeneizadas com água na proporção de 0,7:0,3 p/v (fruta:água) com o auxílio de um mixer. 1.3 Extração e preparo do mosto: A extração do suco foi realizada manualmente, através de prensagem e filtração em coador manual e tecido, permitindo-se a permanência da casca. O mosto foi ainda obtido por extração a vapor. Após foi adicionado metabissulfito de sódio a 15% p/v. 1.4 Correção do açúcar e acidez: Uma amostra foi retirada para leitura do ºBrix em refratômetro manual (Atago N-1E), previamente calibrado em banho termostatizado a 20ºC com água deionizada, com posterior correção até que seja atingido aproximadamente 24 ºBrix, buscando-se obter um vinho com graduação alcoólica de 12%. A determinação da acidez total foi feita por titulação volumétrica com solução de NaOH 0,1 mol/L, e a solução alcoólica de fenolftaleína a 1% como indicador. Utilizou-se em cada titulação 10 mL do mosto, diluído a 50 mL com água destilada. As correções de açúcar e acidez foram feitas com adição de sacarose e solução de CaCO3, respectivamente. 1.5 Preparo do inoculo: Utilizou-se a levedura Saccharomyces cerevisiae obtida na forma desidratada e concentração inicial aproximada de 15 g/hL de mosto. A mesma foi inicialmente ativada com 200 mL de mosto até ser observada a formação de espuma, indicando assim o início de sua atividade biológica. 1.6. Fermentação: A fermentação ocorreu em recipiente de polietileno com capacidade para 5 L e a temperatura ambiente. O término do processo fermentativo foi determinado em função da redução da concentração de açúcar (ºBrix). Este projeto tem o apoio do Instituto Federal Farroupilha 1.7. Filtração e trasfega: Após o processo fermentativo o meio foi filtrado em pano limpo e mantido em repouso por 60 min, para promover a decantação dos sólidos. Após esse período o fermentado foi transferido para outro recipiente, procurando-se preenche-lo totalmente para minimizar a quantidade de oxigênio, o qual poderia levar à formação de defeitos na bebida. 1.8. Engarrafamento e maturação: O vinho clarificado foi engarrafado em garrafas de vidro âmbar de 600 mL e arrolhados, tomando-se o cuidado para não ocorrer a incorporação excessiva de ar. Após as garrafas de vinho foram estocadas em ambiente escuro na posição horizontal por um período aproximado de 3 meses para o seu envelhecimento. 2 Determinação das características físico-químicas O processo fermentativo teve duração máxima de 180 h e durante este período foram retiradas alíquotas em intervalos de 12 horas as quais foram analisadas quanto ao pH, sólidos solúveis, densidade, acidez total, teor alcoólico e extrato seco. O pH foi determinado após filtração em papel filtro (porosidade de 14 µm) por medição direta em pHmetro digital (Marconi, modelo PA 200) previamente calibrado. Os sólidos solúveis foram determinados por medição direta em brixômetro. A densidade foi realizada por leitura direta em aerômetro a 20ºC. A acidez total foi determinada através da titulação com NaOH 0,1N utilizando como indicador fenolftaleína (IAL, 1985). O extrato seco foi determinado por evaporação direta de certa quantidade de vinho em cápsula de porcelana e secagem posterior em estufa a 105 ºC (IAL, 1985). A determinação do teor alcoólico foi por uso de alcoômetro de Gay-Lussac colocado diretamente em volume de 200 mL de destilado a 20ºC (IAL, 1985). 3 Resultados e discussão Os resultados preliminares mostraram que em todos os experimentos houve uma redução acima de 65% da concentração de açúcares (Tabelas 1 e 2), o que está diretamente ligado a uma considerável produção de álcool. O ajuste inicial médio de açúcar foi de 22,5°Brix, com redução após 180 h de cultivo para aproximadamente 7,0-7,5°Brix. A acidez total fornece uma estimativa da soma dos ácidos orgânicos tituláveis, como os ácidos tartárico, málico e cítrico, sem considerar a força dos ácidos livres. De acordo com Rizzon et al. apud Oliveira et al. (2011), a variação da acidez durante a fermentação tem grande influência na estabilidade e coloração das bebidas fermentadas. Em relação à acidez total, o valor encontrado ao final do processo fermentativo apresentou um valor médio de 73,5 mEq/L para o fermentado obtido da polpa esmagada e 73,1 mEq/L por extração a vapor. Os valores preteridos pela legislação brasileira para vinho de uva de mesa estão situados entre 55 e 130 mEq/L (Brasil, 1988). Tabela 1. Valores iniciais de sólidos solúveis (°Brix), concentração de açúcar adicionada e volume do mosto Mosto °Brix g açúcar/L mosto Volume de mosto (L) Esmagamento da polpa 22 - 3,15 Extração à vapor 23 153 2,75 O grau alcoólico médio encontrado foi de 13,5°GL e, comparando-o com os Este projeto tem o apoio do Instituto Federal Farroupilha apresentados para outros fermentados de fruta, principalmente com o vinho de uva ou pêssego, considera-se um pouco elevado. Destacam-se os trabalhos com fermentado de laranja (12,6°GL), cajú (8°GL), mandacaru (5,2°GL) e cajá (12°GL) (Filho et al, 2002; Dias et al., 2003; Parteca e Nieradka, 2006; Oliveira et al., 2011). Considera-se que o fermentado obtido seja classificado como seco, considerando-se que houve chaptalização, com adição de açúcar média de 150 g/L. Tabela 2. Caracterização físico-química do vinho de jambolão obtido a partir do mosto de esmagamento da polpa e de extração à vapor Mosto pH Acidez °Brix Densidade Extrato Seco Grau alcoólico (g/L) (g/L) (°GL) (mEq/mL) Esmagamento da 3,89 polpa 73,5 7 1,027 21,96 14 Extração à vapor 71,1 7,5 <1,000 28,61 13 3,49 A densidade encontrada para o fermentado de jaca foi de 1,03 g/L (Asquieri, Rabêlo e Silva, 2008), enquanto que para o vinho de caju foi de 1,020 g/L (Filho et al., 2002). Estes estão muito próximos ao encontrado para o vinho de jambolão quando utilizado como substrato o mosto obtido por esmagamento da polpa, cuja densidade média foi de 1,027 g/L. Por outro lado, para o mosto obtido por extração a vapor ficou abaixo de 1,0. De acordo com Filho et al. (2002), Asquieri et al. (2004) e Asquieri, Rabêlo e Silva (2008), isso é um indicativo que o fermentado obtido apresenta um teor de açúcar menor e maior concentração alcoólica. Dessa forma, à medida que decresce o teor de açúcar no vinho, sua densidade diminui, e nos vinhos completamente fermentados e isentos de açúcares a densidade é, geralmente, inferior a 1,0. 4 Conclusões O vinho obtido de frutos de jambolão (Syzygium cumini), tanto por obtenção do mosto por esmagamento da polpa como por extração a vapor, está apto para o consumo do ponto de vista físico-químico, uma vez que os parâmetros analisados estão de acordo com os limites estabelecidos pela legislação. A produção de fermentado de jambolão pode ser considerada uma alternativa de aproveitamento do fruto, evitando-se o desperdício na época de safra. 5 Referências bibliográficas ASQUIERI, E.R.; DAMIANI, C.; CANDIDO, M.A.; et al. Vino de jabuticaba (Myrciaria cauliflora Berg): Estudio de las características físico-químicas y sensoriales de los vinos tinto seco y dulce, fabricados com la fruta integral. Alimentaria, n. 355, p. 111-122, 2004. ASQUIERI, E.R.; RABÊLO, A.M.S.; SILVA, A.G.M. Fermentado de jaca: estudo das características físico-químicas e sensoriais. Ciência e Tecnologia de Alimentos. v. 28, p. 881887, 2008. BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Portaria n. 229, de 25 de outubro de 1988. Complementação dos padrões de identidade e qualidade do vinho. Este projeto tem o apoio do Instituto Federal Farroupilha DIAS, D. R.; SCHWAN, R.F.; LIMA, L.C.O. (2003). Metodologia para elaboração de fermentado de cajá (Spondias mombin L.). Ciência e Tecnologia de Alimentos, v. 23, p. 342350. FILHO, V.E.M.; SANTOS, A.A.; FILHO, J.E.M.; et al. Produção, processamento e análise bromatológica do vinho obtido de caju (Anacardium occidentale L.). Caderno de Pesquisa, v. 13, p. 46-59, 2002. Instituto Adolfo Lutz. Normas analíticas: métodos químicos e físicos para análises de alimentos. 3. ed. São Paulo, 1985. v.1, 533p. LAGO, E.S.; GOMES, E.; SILVA, R. (2006). Produção de geléia de jambolão (Syzygium cumini Lamarck): Processamento, parâmetros físico-químicos e avaliação sensorial. Ciência e Tecnologia de Alimentos. v. 26, p. 847-852. LOGUERCIO, A. P.; BATTISTIN, A.; VARGAS, A. C.; et al. (2005). Atividade antibacteriana de extrato hidro-alcoólico de folhas de jambolão (Syzygium cumini (L.) Skells), Ciência Rural, v. 35, p. 371-376. LUZIA, D. M. M.; JORGE, N. (2006). Composição centesimal, potencial antioxidante e perfil dos ácidos graxos de sementes de jambolão (Syzygium cumini). Revista Ciência Agronômica, v. 40, p. 219-223. MIGLIATO, K. F.; MOREIRA, R. R. D.; MELLO, J. C. P.; et al. (2007). Controle da qualidade do fruto de Syzygium cumini (L.) Skeels. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 17, p. 94-101. OLIVEIRA, A.S.; SANTOS, D. C.; OLIVEIRA, E. N. A.; et al. (2011). Produção de fermentado alcoólico do fruto de mandacaru sem espinhos (Cereus jamacaru). Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, v. 13, p. 269-275. PARTECA, S.; NIERADKA, M. (2006). Caracterização e obtenção de fermentado alcoólico de suco de laranja. Synergismus scyentifica UTFPR, v. 01, 285-295. RIZZON et al. (1994) apud OLIVEIRA, A.S.; SANTOS, D.C.; OLIVEIRA, E.N.A.; et al. Produção de fermentado alcoólico do fruto de mandacaru sem espinhos (cereus jamacaru). Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, v. 13, n. 3, p, 269-275, 2011. Agradecimentos Os autores agradecem ao Instituto Federal Farroupilha pela concessão de bolsa de estudo e apoio financeiro do projeto. Este projeto tem o apoio do Instituto Federal Farroupilha