A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO: Fábio de Oliveira Camillo, Advogado mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/SP SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Positivação no Direito Brasileiro - 3. A Responsabilidade prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional – 4. Questões Processuais - 5. Conclusões – 6. Bibliografia. 1. Introdução: A atividade empresarial, para seu desenvolvimento, depende inexoravelmente das sociedades personificadas, visando o efetivo exercício das atividades econômicas, desvinculada das pessoas físicas de seus sócios, com o escopo de propiciar o desenvolvimento de relações comerciais com terceiros, sendo não só permitida, como incentivada, pela ordem jurídica positiva.1 Desta forma, conforme observa Amador Paes de Almeida: "A sociedade comercial, uma vez submetida às exigência legais, passa a ser vista com unidade jurídica distinta das pessoas físicas dos respectivos sócios, tem personalidade própria, sendo, então titular de seu patrimônio e responsável pelas suas obrigações e direitos”23. Vale dizer, o sistema jurídico atribui à pessoa jurídica personalidade própria, distinta da de seus membros. Por meio dessa ficção confere-se autonomia patrimonial ao novo ente fazendo com que o patrimônio empresarial não se confunda com o patrimônio dos sócios. Contudo, essa distinção patrimonial, embora indispensável e erigida como princípio basilar do direito comercial, propiciou, como de fato propicia, práticas abusivas e fraudulentas por parte dos sócios da pessoa Utilizando-se dos ensinamentos de Bobbio, Marçal Justen Filho nos leciona que: “reputamos que a personificação societária envolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico. Trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração da riqueza e a conjugação dos esforços inter-humanos afigura-se um resultado desejável não em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares mas ao próprio Estado.” (Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais. 1.987. p. 49). 2 Execução de bens dos sócios. Obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas. 2ª ed., Saraiva, p. 5. 3 No mesmo sentido já teve oportunidade de fixar o Superior Tribunal de Justiça: “A personalidade jurídica da sociedade não se confunde com a personalidade jurídica dos sócios. Constituem pessoas distintas. Distintos também os direitos e obrigações. O sócio, por isso, não pode postular em nome próprio direito da entidade. Ilegitimidade ativa ad causam.” (STJ/DF, MS 469, Reg. n. 900006576-3, rel. Min. Vicente Cernicchiaro. 1ª Seção, v.u., DJ, 12-11-1990, Ementário da Jurisprudência do STJ, n. 3, Ementa n. 428, p. 172). 1 jurídica, razão pela qual se desenvolveu a denominada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou disregard of legal entity no direito anglo-saxão; teoria da penetração no direito alemão ou ainda superamento della personalitá giuridica, no direito italiano, como forma de coibir o abuso de direito e a fraude no mau uso da sociedade. O douto professor Fábio Ulhoa Coelho, bem demonstra o relevante papel dessa elaboração doutrinária e jurisprudencial para o direito, ao asseverar que: “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa, justamente, a impedir que essas fraudes e esses abusos de direito, perpetrados com utilização do instituto da pessoa jurídica, se consumam. É uma elaboração teórica destinada à coibição das práticas fraudulentas que se vale da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o instituto da pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele. Ainda, é uma tentativa de resguardar a própria pessoa jurídica que foi utilizada na realização da fraude, ao atingir nunca a validade de seu ato constitutivo, mas apenas a sua eficácia episódica. Em suma, pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o direito pretende livrar-se da fraude e do abuso perpetrados através de uma pessoa jurídica, preservando-a, contudo, em sua autonomia patrimonial”4. O verdadeiro “leading case”, a que boa parte da doutrina se refere como paradigma do surgimento dessa teoria, se deu no julgamento do caso Salomon v. Salomon & Co. Ltda., proferido pela Casa dos Lordes inglesa, em última instância, no ano de 1897. Conforme o relato de Rubens Requião, trata-se de caso onde: “O comerciante Aaron Salomon havia constituído uma ‘Company’, em conjunto com outros seis componentes de sua família, e cedido o seu fundo de comércio à sociedade assim formada, recebendo 20.000 ações representativas de sua contribuição ao capital, enquanto para cada um dos outros membros foi distribuída uma ação apenas; para integralização do valor do aporte efetuado, Salomon recebeu ainda obrigações garantidas de dez mil libras esterlinas. A Companhia logo em seguida começou a atrasar os pagamentos, e um ano após, entrando em liquidação, verificou-se que seus bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações garantidas, sem que nada sobrasse para os credores quirografários. O liquidante, no interesse desses últimos credores sem garantia, sustentou que a atividade da company era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar a própria responsabilidade; em consequência Aaron Salomon devia ser condenado ao pagamento dos débitos da company, visando o pagamento de seu crédito após a satisfação dos demais credores quirografários. O magistrado que conheceu do caso em primeira instância, secundado depois pela Corte de Apelação, acolheu essa solicitação, julgando que a company era exatamente apenas uma fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu ´agent´ ou ´trustee´, que permanecera na verdade o efetivo proprietário 4 Desconsideração da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, 1.989, p. 13-14. do fundo de comércio. Nisto ficou a inauguração da doutrina do ‘disregard’, pois a Casa dos Lordes acolheu o recurso de Aaron Salomon, para reformar aquele entendimento das instâncias inferiores, na consideração de que a ‘company’ tinha sido validamente constituída, pois a lei simplesmente requeria a participação de 7 pessoas, que no caso não haviam perseguido nenhum intuito fraudulento. Esses acionistas, segundo os ‘Lords’, haviam dado vida a um sujeito diverso de si mesmos, e em última análise não poderia julgar-se que a ‘company’ fosse um ‘agent’ de Salomon. Em conseqüência não existia responsabilidade de Salomon para a ‘company’ e seus credores e era, conseqüentemente válido o seu crédito privilegiado”5. Nada obstante isso, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica desenvolveu-se fortemente, mais acentuadamente na jurisprudência americana do que na inglesa, fazendo surgir inúmeros precedentes jurisprudenciais, coibindo a utilização da empresa pelo sócio controlador, com o intuito de livrar-se de obrigações pessoais, transferindo todo o seu patrimônio para a sociedade. Conforme exemplo que nos é fornecido por Itamar Gaino: “Isso ocorreu no caso “Booth vs. Bunce”, no qual os sócios de uma sociedade de responsabilidade ilimitada fundaram uma corporation, para a qual transferiram todo o patrimônio das duas primitivas sociedades. O credor da sociedade limitada se confrontou com o credor da corporation. No litígio judicial surgido , entre ambos, deixou-se claro, antes de mais nada, que o primeiro poderia dirigir sua ação contra o patrimônio da corporation, embora na realidade ele fosse credor da sociedade ilimitada”6. Já em sede doutrinária, o primeiro a mencionar a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi o alemão Rolt Serick, no terceiro livro de sua obra Forma e Realidade da Pessoa Jurídica, afirmando que: “se se abusa da forma da pessoa jurídica, o juiz pode, a fim de impedir que se alcance o objetivo ilícito perseguido, não respeitar a forma, afastando-se, por conseguinte, do princípio que estabelece a distinção entre o sócios e a pessoa jurídica”7. No direito brasileiro, Rubens Requião foi o precursor, por ser o primeiro ao trazer a teoria como aplicável de forma sistematizada, seguido, ao depois, por vários juristas de escol, como Fábio Konder Comparato e Fábio Ulhoa Coelho, sendo certo que, para todos, independentemente de dispositivo Abuso de Direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, v. 410. Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada. Saraiva, p. 123. 7 Forma e realtà della persona giuridica. Milano, Giufrè, 1.966, p. 275. 5 6 legal específico, o véu da personalidade jurídica poderia ser desvendado para coibir o abuso ou a fraude no mau uso da sociedade8. O desenvolvimento da teoria da desconsideração busca, antes de mais nada, garantir que a pessoa jurídica atinja sua verdadeira finalidade. Isso porque a todo instituto jurídico cabe uma função, e o da personalidade jurídica certamente não é o de propiciar fraudes9, caso haja esse desvio, o ordenamento não só pode, como deve, coibir tal prática, ainda que afastando o princípio da autonomia patrimonial para determinados efeitos 10. Não é por menos, aliás, que o desvio de função ou finalidade é considerado, pela maioria dos autores, como o critério fundamental para se operar a desconsideração da personalidade jurídica. Com efeito, conforme a lição doutrinária de Suzy Elizabeth Cavalcante Koury: “reside no desvio de função da pessoa jurídica o caráter básico da desconsideração e que, no exame do caso concreto, deve-se ter sempre em conta os valores que inspiram o ordenamento jurídico, a fim de, em face destes valores, afastar-se o princípio da separação entre pessoas jurídicas e pessoas-membros, sempre que isso for necessário para evitar resultados juridicamente condenáveis”11. De se ver, portanto, que o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica – caso seja verificado o desvio de função, caracterizado pelo abuso de direito ou fraude – não só pode como deve ser desconsiderado, “para o efeito de atingir seu acervo social com a finalidade de cobertura de dívida do 8 Fábio Ulhoa Coelho além de asseverar que a aplicação da desconsideração independe de previsão legal, afirma que sua melhor interpretação “é a que prestigia a contribuição doutrinária, respeita o instituto da pessoa jurídica, reconhece a sua importância para o desenvolvimento das atividades econômicas e apenas admite a superação do princípio da autonomia patrimonial quando necessário à repressão de fraudes e à coibição do mau uso da forma da pessoa jurídica.” (Curso de direito comercial. v. 2. 5. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 54). 9 Conforme asssevera Rubens Requião: “quando o conceito de pessoa jurídica se emprega para defraudar os credores, para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas reais." (Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 58, v. 410, p. 14, dez. 1969). 10 Nesse sentido, observa Rubens Requião: “o mais curioso é que a disregard douctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro dos seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus outros fins legítimos.” (Curso de Direito Comercial, Vol. I, Saraiva, São Paulo, 1.977, p. 69). 11 A desconsideração da personalidade jurídica (“disregard douctrine”) e os grupos de empresas, 2. ed., Forense, 1.995, p. 111. sócio ou, em situação inversa, apreensão de bens particulares do sócio para cobertura de dívida contraída em nome dela, pessoa jurídica”12. 2. Positivação no Direito Brasileiro: 2.1. Desconsideração e outras hipóteses de responsabilidade dos sócios e administradores: A grande maioria dos autores, dentre eles Itamar Gaino 13 e Luciano Amaro, entende que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente foi consagrada no ordenamento jurídico brasileiro com o advento do Código de Defesa do Consumidor, posição da qual discordam outros tantos, como Domingos Afonso Kriger Filho14 e João Casillo15, os quais afirmam que as previsões contidas no artigo 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, artigos 115, 116 e 177 da Lei Federal 6.404/76, que regula as sociedades anônimas, artigo 34 da Lei 4.595/64, que regula o sistema financeiro, artigo 135 do Código Tributário Nacional, bem como os dispositivos das Leis 4.137/62 (repressão ao abuso do poder econômico), 4.729/65 (lei de sonegação fiscal), artigo 10 do anterior decreto 3.708/19 (regulava as sociedades por quotas de responsabilidade limitada) e Decreto 22.626/33 (lei da usura), já a previam, ainda que implicitamente. Contudo, para a doutrina de Luciano Amaro: “Nessas situações, não nos parece que se deva cogitar de aplicar-se a doutrina da desconsideração da pessoa jurídica, de que adiante falaremos, pois não há uma forma jurídica que deva ser desprezada pelo Juiz. Se a solução equânime, justa, axiologicamente adequada corresponde ao ditame do preceito legal (ou à convenção das partes), não há lacuna jurídica nem lacuna axiológica, pois o direito fornece já um meio legítimo que previne o abuso ou a fraude. A desconsideração da personalidade jurídica só é levada a efeito quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. Se a imputação pode ser direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de quem quer que seja, não há porque cogitar do superamento de sua autonomia”16. Não nos parece, no entanto, que seja desta forma. Embora concordemos que os dispositivos legais em questão tragam previsão de responsabilização direta do sócio, não deixam de se tratar de exceção ao Cf. Itamar Gaino, Ob. Cit. P. 117. Ob. Cit. 14 Aspectos da Desconsideração da Personalidade Societária na Lei do Consumidor. Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13, p. 78-86, jan/mar, 1995. 15 Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista dos Tribunais, v. 528, p. 24-40, outubro, 1979. 16 Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Ajuris, v. 20, n. 58, p. 69-84, julho, 1993, p. 73-74. 12 13 princípio da autonomia patrimonial, regra esta que somente pode ser superada pela fattispecie trazida pela norma, sendo certo que todas, sem exceção, buscam coibir o desvio de função da pessoa jurídica. Não se ignora o fato de que algumas hipóteses fogem do conceito clássico de fraude e abuso de direito caracterizados pelo desvio de função da sociedade, mas nem por isso podemos ignorar que sua existência não seja espécie de desconsideração do princípio da autonomia patrimonial, não nos parecendo incorreto afirmar que tais dispositivos, ainda que de forma tímida, inauguraram a positivação da disregard douctrine em nosso direito, possibilitando, posteriormente, o maior desenvolvimento da matéria. 2.2 Desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor: Nessas condições, embora não descartemos a positivação do instituto implicitamente em dispositivos legais anteriores, entendemos que o primeiro texto de lei a prever expressamente a desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo pátrio foi o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), dispondo da forma seguinte: “ Seção V Da desconsideração da personalidade jurídica Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração. § 1º. Vetado – A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sóciosgerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que o integram. § 2º. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 3º. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 4º. As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Pelo que se depreende da leitura acima, o Código de Defesa do Consumidor tratou da desconsideração da personalidade jurídica, somente no caput do artigo 28 e seu parágrafo 5º, sendo os demais parágrafos, a nosso ver, hipóteses de responsabilidade solidária por vício ou fato do produto. Portanto, segundo o Código de Defesa do Consumidor dar-se-á a desconsideração da personalidade jurídica quando houver: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e qualquer situação em que a pessoa jurídica seja obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. No entanto, entendemos que a hipótese prevista no § 5º, do art. 28 desvirtua por completo o instituto, porquanto o tão só fato de a personalidade se constituir em obstáculo ao ressarcimento do consumidor não pode dar ensejo à desconsideração, sem aquilo que se contém na cabeça da norma. Nesse sentido, aliás, com toda razão, observa o ilustre professor Itamar Gaino, ao colacionar os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho: “Nesse caso, pondera, a adoção da teoria da desconsideração não seria necessária, bastaria essa norma do § 5º, impondo responsabilidade direta à sociedade sempre que houvesse lesão a interesse do consumidor”17 18. Não é por menos que, mesmo em casos de relação de consumo, parte da jurisprudência, ainda que não pacificamente 19 , tem aplicado a Ob. Cit. p. 135. O mesmo autor traz ainda a opinião de Ada Pelegrini Grinover e outros, no sentido de que: “referido § 5º, em verdade, foi vetado, tendo havido equívoco de redação na referência à revogação do § 1º. (Ob. Cit. p. 134). 19 Não parece ser esse, contudo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já tendo deicidido que: “A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 17 18 desconsideração da personalidade jurídica, observando os limites previstos no caput da norma, conforme se depreende dos seguintes julgados, verbis: “CONSÓRCIO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS. PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. A aplicação da chamada "teoria da desconsideração da personalidade jurídica" está condicionada a demonstração inequívoca do uso fraudulento ou abusivo da personalidade jurídica, pelos sócios, e na inexistência de bens suficientes para garantir os compromissos por ela assumidos.” (TJMG; AC 1.0480.02.030513-6/001; Patos de Minas; Décima Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Valdez Leite Machado; Julg. 26/04/2007; DJMG 25/05/2007). “EXECUÇÃO. DECISÃO QUE NÃO DESCONSIDERA A PERSONALIDADE JURÍDICA DA AGRAVADA PARA ATINGIR OS BENS DOS SÓCIOS. A AFIRMAÇÃO DA AGRAVANTE DE TER A EMPRESA RECORRIDA ENCERRADO SUAS ATIVIDADES IRREGULARMENTE NÃO ESTÁ PROVADA NOS AUTOS, O QUE NÃO ENSEJA A DESCONSIDERAÇÃO. Sem a constatação de abuso da personalidade jurídica da agravante que caracterize desvio de finalidade ou confusão patrimonial, mais, excesso de poder, infração da Lei, fato ou ato ilícito ou violação do contrato social, não se justifica a aplicação do instituto conhecido como disregard doctrine, como previsto nos artigos 50, do Código Civil e 28, do Código de Defesa do Consumidor. Mudança da sede da agravada não comprovada. Decisão mantida. Conhecimento e improvimento do recurso.” (TJRJ; AI 2006.002.00188; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Raul Celso Lins e Silva; Julg. 22/02/2006). 2.3. Lei Antitruste: Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos." (REsp 279273/SP; RE 2000/0097184-7; DJ: 29.03.04, p. 00230; 3ª T.; Rel. Min. Ary Pargendler; Data da Decisão: 04.12.03). Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.884/94, denominada de Lei Antitruste, quase que repetindo o caput do art. 28 daquela Lei protetiva, assim dispôs em seu art. 18, verbis: “Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” 3.6. Lei do Meio Ambiente: Já a Lei 9.605/98, denominada Lei do Meio Ambiente, adotou plenamente a chamada teoria menor da desconsideração, repetindo o disposto no § 5º, do art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, utilizando-se do critério objetivo de responsabilização dos sócios em caso de insolvência da empresa, senão vejamos: “Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente.” Inobstante a importância do bem tutelado (meio-ambiente), ainda assim entendemos que não se pode aplicar validamente a desconsideração da personalidade jurídica dissociada da idéia de coibição de fraudes ou abuso de direito. 2.3. Código Civil: O novo Código Civil trouxe importante inovação na matéria, ainda que não tenha se referido expressamente à disregard douctrine, prescrevendo que: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Como se vê a nova Lei Civil contempla a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que não se refira a ela expressamente, fixando como pressuposto de sua aplicação o abuso, caracterizado que seja pela confusão patrimonial ou pelo desvio de finalidade. Sobre ser possível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica sob o fundamento da confusão patrimonial, assim já aduzia a doutrina de Amador Paes de Almeida: “Assim, o uso abusivo da sociedade, a fraude, como artifício para prejudicar terceiros, levados a efeito “dentro de presumida legalidade”, é que, a nosso ver, autorizam a aplicação da disregard. O mesmo ocorre com a denominada confusão patrimonial, que se dá com freqüência nas sociedades unipessoais ou naquelas em que o acionista controlador tem o domínio absoluto da companhia, de tal forma que o seu patrimônio confunde-se com o da sociedade que direta ou indiretamente dirige”20. De se ver, ainda, que esta hipótese de desconsideração é de larga verificação no âmbito do direito de família, onde não raramente ocorre de o patrimônio de um dos cônjuges confundir-se com o de sua empresa, em detrimento do direito de partilha do outro. Ademais, denota-se, além desses aspectos objetivos – desvio de finalidade ou confusão patrimonial –, um de ordem subjetiva, qual seja, o abuso de direito, já que “o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial consiste em situação fática indicativa do abuso, mas não suficiente para sua caracterização. É necessário que na situação fática transpareça a conduta ilícita do sócio, ou seja, sua intenção de abusar da pessoa jurídica com o objetivo de locupletar-se ou de causar prejuízo a terceiro”21. Nesse sentido, aliás, já vem se posicionando a jurisprudência, conforme se pode inferir dos mais recentes julgados, verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS. BENS DOS SÓCIOS. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. DESATIVAÇÃO DA EMPRESA E INEXISTÊNCIA DE BENS PARA GARANTIR O DÉBITO. Ainda que o artigo 596 do CPC reconheça a distinção patrimonial existente entre a pessoa jurídica e a pessoa física, o artigo 50 do Código Civil prevê a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para ampliar a responsabilidade dos sócios nas hipóteses em que ocorra abuso de poder, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Recurso não provido.” (TJPR; Ag Instr 398196-6; Ac. 7756; Curitiba; Décima Quinta Câmara Cível; Rel. 20 21 Ob. Cit. p.164. Cf. Itamar Gaino. Ob. Cit. p. 139. Des. Hamilton 27/04/2007). Mussi Correa; Julg. 18/04/2007; DJPR “AÇÃO DE EXECUÇÃO. NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE GARANTIR A EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. O ordenamento jurídico pátrio, mais precisamente o art. 50 do Código Civil, permite a adoção da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para alcançar aquele (administrador ou sócio) que, por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tentou se eximir de obrigação contraída por trás da personalidade jurídica. Tendo em vista os princípios da celeridade e economia processual, reputa-se válido o pedido de desconsideração de personalidade jurídica formulado no bojo da execução. Demonstrada a confusão estabelecida entre o patrimônio da agravada e de seus três sócios, e reputado o abuso da personalidade jurídica da referida empresa, afigura-se possível a desconsideração da personalidade jurídica requerida pelo agravante.” (TJMG; AG 1.0223.99.039127-6/001; Divinópolis; Décima Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Elpidio Donizetti; Julg. 13/03/2007; DJMG 23/03/2007). 2.4. Lei falimentar: A Lei 11.101, de 9-2-2005, não fala explicitamente da desconsideração, mas abre caminho para o ajuizamento de ação própria de responsabilização dos sócios, com base nas respectivas leis que a prevejam a hipótese, conforme previsto em seu art. 82: “Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.” § 1º. Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.” § 2º. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.” 2.5. Código Tributário Nacional: Embora boa parte da doutrina não considere a existência de previsão legal no Código Tributário Nacional relativa à disergard douctrinte no Código Tributário Nacional, entendemos concessa maxima venia diversamente, em vista de considerarmos a responsabilidade fiscal dos administradores como espécie de hipótese de desconsideração. Condorcet Rezende parece compartilhar da mesma opinião, ao asseverar que: “Nos sistemas de direito escrito, em que a competência dos tribunais é limitada pela lei, e nos quais as cortes gozam de muito menos liberdade de fazer justiça ‘a despeito da lei’, a aplicação da ‘desconsideração’ encontra obstáculos, às vezes intransponíveis, até que a lei disponha a respeito, integrando a ‘desconsideração’ no sistema jurídico de que se trate; em alguns sistemas esses obstáculos, sobretudo em matéria tributária, atingem nível constitucional, e apenas através de emenda à Constituição poderão os Tribunais aplicá-la. Dado o regime de estrita legalidade que prevalece entre nós em matéria tributária, podemos incluir o Brasil entre os países em que o recurso à ‘desconsideração da personalidade autônoma da pessoa jurídica’ em matéria fiscal depende de norma expressa. Aliás, se entendermos, como demonstra a maioria dos relatórios nacionais (do XLIII Congresso da Internacional Fiscal Association), que a responsabilidade fiscal dos administradores é um aspecto da aplicação do conceito de ‘desconsideração’, teremos no art. 135 do Código Tributário Nacional (CTN) regra expressa nesse sentido.22” Com efeito, sobre a responsabilidade fiscal dos sócios, assim dispõe o Código Tributário Nacional: “Art. 135 - São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Ora, com o devido respeito aos que pensam o contrário, o ato praticado pelo diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica com excesso de poderes, infração de lei contrato social ou estatutos, caracterizar-se-á inexoravelmente como abuso de poder ou desvio de finalidade, sendo tão somente espécies de um mesmo gênero, motivo pelo qual não vemos qualquer razão para dizer peremptoriamente que a previsão do art. 135, III, do Código Tributário Nacional não pode ser vista como hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, ou ao menos instituto semelhante, já que a conseqüência REZENDE, Condorcet. Aspectos da desconsideração da personalidade societária em matéria fiscal. Revista de Direito Administrativo n. 178. Pág. 130. Fundação Getúlio Vargas. 22 é justamente garantir o direito de crédito pela excussão dos bens pessoais dos sócios, ou no caso até aos diretores e gerentes. A jurisprudência, aliás, tem se firmado justamente nesse sentido, senão vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução fiscal - sociedade por quotas de responsabilidade limitada - estado pré-falimentar da devedora principal - evidenciada irregularidade das atividades sociais - integração dos sócios gerentes ao feito executivo admissibilidade - não demonstrado nenhum pagamento do débito tributário, nem a existência de bens da empresa à garantia do juízo - caracterização de excesso de poderes e infração da lei aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica agravo improvido - inteligência do art. 135, III, do CTN”. (Agravo de Instrumento n. 67.294-5 - Santo André - 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo- Relator: Jovino de Sylos 10.02.99). “EXECUÇÃO FISCAL-SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA-PENHORA DE BENS DE PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO QUE NÃO EXERCEU FUNÇÃO DE DIREÇÃO - ART. 135, III DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. I - A teoria da desconsideração da personalidade jurídica para coibir a fraude a credores há de ser utilizada, no direito brasileiro, de acordo com os precisos termos dos arts. 16 do Decreto lei 3.708 e 135 do Código Tributário Nacional. Vale dizer, somente os sócios que tenham deliberado contra as regras contratuais ou legais, com excesso de poderes, podem ser responsabilizados pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais e tributárias. II- É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada. (Apelação cível n.º 3675195/DF – Acórdão n.º 81247 – 3.ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Julg. Em 24/11/1995. Rel. Des. Nancy Andrighi. Publ. DJ/DF 19/12/1995, p. 19.351). Seja como for, não podemos ignorar a importância desse dispositivo para o direito tributário, devendo-se, no entanto, limitar seu campo de atuação, incluindo aí, se for o caso, as lições doutrinárias relativas à disregard douctrine. Nesse sentido, concordamos com as conclusões de Hugo de Brito Machado Segundo sobre o tema, ao discorrer que: “ I - Os artigos 135, III, do CTN, e 10 da Lei das Sociedades Limitadas, referem-se apenas aos diretores, gerentes e administradores de pessoas jurídicas. Não se aplicam ao sócio meramente quotista, que não administra a sociedade; II - O não pagamento de um tributo pela sociedade não consiste em infração à lei praticada pelo sóciogerente, capaz de fazer surgir a sua responsabilidade pessoal e ilimitada, como equivocadamente alguns têm afirmado; III - É irrelevante, para a responsabilização do sócio-gerente, ter havido ou não a repercussão do tributo; IV - O sócio-gerente somente terá responsabilidade tributária pessoal e ilimitadamente quando: a) o fato gerador da obrigação tributária for praticado pela pessoa natural do sócio-gerente fora dos poderes que lhe conferem a legislação societária e o contrato social. (v.g. realização de operação estranha ao objeto social); e também quando, b) a obrigação validamente contraída pela pessoa jurídica não for adimplida em virtude de ato da pessoa natural do sócio, praticado com abuso dos poderes que lhe conferem a legislação societária e o contrato social. (v.g. liquidação irregular da sociedade, apropriação do patrimônio da pessoa jurídica pela pessoa natural do gerente, etc.) 23”. Parece ser esse justamente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria de que aqui se trata: "TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA E/OU SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. LIMITES DA RESPONSABILIDADE DO DIRETOR E/OU DO SÓCIOGERENTE. Quem está obrigada a recolher os tributos devidos pela empresa é a pessoa jurídica, e, não obstante ela atue por intermédio de seu órgão, o diretor ou o sócio-gerente, a obrigação tributária é daquela, e não destes. Sempre, portanto, que a empresa deixa de recolher o tributo na data do respectivo vencimento, a impontualidade ou a inadimplência é da pessoa jurídica, não do diretor ou do sócio-gerente, que só respondem, e excepcionalmente, pelo débito, se resultar de atos praticados com excesso de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos, exatamente nos termos do que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Recurso especial conhecido, mas improvido." (Ac un da 2.ª T do STJ - Rel. Min. Ari Pargendler RESP 100739/SP - DJU 01/02/1999, p. 138). 3. Aspectos processuais: Repertório IOB de Jurisprudência, 1.ª quinzena de novembro de 2000, n.º 21/2000, c.1, texto 1/15319. 23 3.1. Natureza subsidiária da responsabilidade do sócio: O artigo 596 do Código de Processo Civil estabelece claramente que a responsabilidade dos sócios, quando reconhecida, deve ser subsidiária, é o que depreende da leitura do aludido dispositivo legal: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que seja primeiro excutidos os bens da sociedade. § 1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício desse artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma Comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito. § 2º Aplica-se aos casos deste artigo o disposto no parágrafo único do artigo anterior.”24 Vale dizer, mesmo se admitindo a distinção entre os casos legais de desconsideração da personalidade jurídica e de responsabilidade direta dos sócios, a regra processual é a do benefício de ordem ao sócio, somente podendo ter seus bens excutidos, na ausência de patrimônio da pessoa jurídica. Ademais, o sócio que pagar a dívida poderá haver da empresa o que desembolsou, mediante execução nos próprios autos, por força do disposto no § 2º, do art. 596 do Código de Processo Civil. O benefício de ordem deve ser exercido pelo sócio assim que citado para a execução, não o impedindo que o seja em embargos, sobretudo em face das novas disposições referentes ao processo de execução de títulos judiciais e extrajudiciais, onde não mais se confere ao devedor o direito de indicação de bens à penhora25, tampouco se exige a prévia segurança do juízo para a oposição dos embargos ou mesmo da denominada impugnação ao cumprimento da sentença. Conforme o parágrafo único do art. 595: “O fiador que pagar a dívida, poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo.” 25 A respeito do cumprimento de sentença, antiga execução por título judicial, diz o art. 475-J, do Código de Processo Civil: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, II, desta lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.” No mesmo sentido a previsão do art. 652 do CPC, sobre a execução de título extrajudicial: “O executado será citado para no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida. § 1º Não efetuado o pagamento, munido da segunda via de mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade o executado.” 24 3.2. Desnecessidade de ação própria para a desconsideração da personalidade jurídica e indispensabilidade de observância aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal: A par de não haver um procedimento especial previsto pela lei processual para que se reconheça tratar-se de hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, alguns autores, como Fábio Ulhoa Coelho26, entendem indispensável a propositura de ação própria para tanto. Afirma o ilustre professor que: “com vistas à teoria maior (baseada nos pressupostos de fraude e do abuso de direito) ou à teoria menor (lastreada em hipóteses excepcionais como as previstas no CDC), o interessado deve sempre acionar os integrantes da sociedade diretamente responsáveis pela lesão ao seu direito, não tendo a sociedade legitimidade passiva para a causa.” Ousamos, contudo, discordar dessa opinião, tendo em vista o disposto no art. 592, II, do Código de Processo Civil, que prescreve e possibilita ficarem sujeitos à execução os bens do sócio, nos termos da lei. No mesmo diapasão, ensina Pontes de Miranda: “a execução nos bens do sócio obedece a certos princípios em que se apóiam as regras de direito material, regras jurídicas que dão ao vencedor na ação a pretensão à cobrança – não ainda a de executar nesses bens. Sempre que a responsabilidade pelas dívidas sociais existe, segundo o direito material, existe pretensão do credor à condenação desse obrigado sócio e, em conseqüência, por força do art. 592, II, a pretensão de executar nos bens do sócio a dívida social”.27 Não se quer afirmar com isso, de maneira alguma, que seja possível ao credor munido de título executivo contra a sociedade, propor a execução diretamente contra o sócio, sem que se permita o exercício do contraditório e da ampla defesa, assim como sem a necessidade de prévio pronunciamento judicial a respeito28, o qual poderá se dar no bojo do próprio processo executivo. O procedimento mais adequado, ao que nos parece, é aquele afirmado por Teori Albino Zavascki, no sentido de que: “em qualquer dos casos de responsabilidade subsidiária, proposta a execução contra a pessoa jurídica e não tendo ela força patrimonial suficiente para suportar a obrigação, poderão os atos executivos ser ‘redirecionados’ contra o patrimônio do sócio responsável, ‘hipótese em que este deve ser preliminarmente citado em nome próprio para Curso de Direito Comercial, v. 2, p. 55. Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 566-611). Rio de Janeiro: Forense, 1.976. t. 9, p. 443. 28 “A despersonalização da pessoa jurídica é efeito da ação contra ela proposta; o credor não pode, previamente, despersonalizá-la, endereçando a ação contra os sócios” (REsp 282.266/RJ, Rel. Min. Ari Parglender, j. 18.4.2002, DJ 5.8.2002, p. 328). 26 27 se defender da responsabilidade imputada, cuja causa o credor deve traduzir em petição clara e precisa”29. Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem fixado: “Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma (RMS nº 16.274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 2.8.2004; AgRg no REsp nº 798.095/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJ de 1.8.2006; REsp nº 767.021/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 12.9.2005)”30. A nossa ver, portanto, a razão está com aqueles que defendem a possibilidade de aplicação da disregard douctrine, independentemente de uma ação de conhecimento com esse objetivo, mas dependente de uma decisão judicial específica para esse fim, sem se olvidar das garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 3.3. Da prova exigida para a desconsideração: Quanto a prova exigida para que se dê a desconsideração da personalidade societária, embora o ônus caiba ao credor, por força do disposto no art. 333, I, do Código de Processo Civil31, por se tratar de fato constitutivo de seu direito em ver excutidos os bens dos sócios, não é de se exigir demonstração cabal e pré-constituída dos requisitos de abuso, fraude ou mesmo confusão patrimonial, podendo ser até mesmo meramente indiciária. Com efeito, “desconsidera-se a personalidade jurídica com base nos elementos informativos existentes e que indicam a presença dos pressupostos legais. No curso do processo de embargos à execução, aí sim, viabiliza-se a produção de todas as provas, proferindo o juiz, então, um julgamento mais seguro e definitivo. Em caso de improcedência dos embargos (mantida, portanto, a desconsideração da personalidade jurídica), a execução retoma o seu curso contra os bens particulares do sócio. Em caso de procedência (afastada a desconsideração), excluem-se os sócios da execução, extinguindo-se o processo em relação a eles”32. 3.4. Do recurso cabível: Partindo-se da premissa de que foi instaurado o incidente no bojo do processo executivo, onde o credor manifestou seu interesse e requereu a Comentários ao Código de Processo Civil, (coord. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000. v. 8, p. 267. 30 REsp 331.478/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 24.10.2006, DJ 20.11.2006 p. 310 31 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – Ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito. 32 Conforme conclui com maestria o ilustre professor Itamar Gaino. Ob. Cit. p. 172-173. 29 despersonalização e o devedor teve a oportunidade de exercer o contraditório, não há dúvidas de que a decisão que desconsidera a personalidade jurídica caracteriza-se como decisão interlocutória desafiando o recurso de agravo de instrumento, na forma do art. 522 do Código de Processo Civil. Problema maior, contudo, reside na definição do ato decisório que indefere o pedido de desconsideração, por implicar na hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva, tendo, portanto, fundamento no disposto no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Antes da modificação introduzida pela Lei 11.232/2005 ao conceito de sentença33, parecia-nos claro que a decisão que indeferia o pedido de desconsideração também tinha natureza interlocutória atacável, desta forma, por agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do CPC. Ocorre, entretanto, que a lei acabou por acatar o critério do conteúdo em detrimento do da finalidade para definição do que se deve entender por cada ato decisório, de forma que o ato que agora indefere o pedido passou a ser caracterizado como sentença, por implicar em uma das situações previstas nos arts. 267 e 269, do Código de Processo Civil. Como o art. 513 do mesmo codex prescreve que da sentença caberá apelação, surge o problema de se saber qual é na realidade o recurso cabível desta decisão, se agravo de instrumento, por subsistir implicitamente no sistema o critério da finalidade da decisão, ou se apelação, prestigiando-se o critério do conteúdo do ato decisório. Não cremos que a alteração da definição gere grandes conseqüências, porquanto a redação original, embora passível de variadas críticas, já era interpretada em conjunto com o disposto nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil. Vale dizer, já se tinha a sentença como o ato do juiz que tinha por conteúdo o estabelecido nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, com o efeito de por fim ao procedimento em primeira instância. Destarte, conforme prelecionam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Corrêa de Almeida e Eduardo Talamini: “A mudança na redação do dispositivo legal definidor de sentença, a rigor, destinou-se apenas a torná-lo mais consentâneo com a interpretação que já lhe era dada. A rigor, os atos enquadráveis na noção de sentença continuam sendo os mesmos.”34 O art. 162, § 1º, do CPC passou a ter a seguinte redação: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei.” 34 Curso avançado de processo civil. 8a. ed. São Paulo: RT, 2007. vol. 1, pág. 149. 33 Portanto, entendemos, com a devida vênia das opiniões em e com apoio na lição doutrinária dos professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery36, que para definição do recurso cabível ainda é necessário o critério da finalidade em conjunto com o conteúdo do ato, razão pela qual sustentamos que o recurso cabível contra a decisão que indefere o pedido de desconsideração da personalidade jurídica continua sendo o agravo de instrumento, uma vez que não resolve o processo ou procedimento em primeiro grau de jurisdição. contrário 35 , 3.4. Meios de Defesa do sócio: Embargos de Terceiro; Embargos à Execução; Impugnação ao Cumprimento de Sentença e Exceção de préexecutividade: Após sua responsabilização nos autos, dispõe o sócio, de ordinários, dos seguintes meios de defesa ao processo de execução: a) de Embargos de Terceiro, caso não tenha sido incluído formalmente na execução, somente tendo seus bens penhorados (art. 1.046 do CPC); b) Embargos do devedor, caso tenha sido citado em nome próprio em Execução de título extrajudicial (art. 736 e seguintes do CPC) ou Execução fiscal e trabalhista (art. 16 da Lei 6.830/80); c) da Impugnação ao cumprimento de sentença caso tenha sido citado em nome próprio em Execução de título judicial (art. 475-J, § 1º, do CPC). Extraordinariamente, caberá a denominada objeção ou exceção de pré- executividade, somente argüível para os casos em que se verifique: “a) matérias que podem e devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, isto é, matérias de ordem pública (pressupostos processuais e condições da ação) tais defesas são argüíveis por meio de objeção de pré-executividade” e; b) matérias que devem ser objeto de alegação da parte, sendo, porém, desnecessária qualquer dilação probatória para sua demonstração; podem ser veiculadas pela chamada exceção de pré-executividade”37. Por fim, conforme lembra Itamar Gaino, com o surgimento da Lei de Recuperação e Falência, a desconsideração deverá ocorrer, segundo o art. 82, por ação própria com a finalidade de responsabilização dos sócios, ação essa de procedimento ordinário e de competência do juízo universal da falência. A Mesmo para estes, que defendem ser a sentença definida somente pelo conteúdo, dentre eles a ilustre professora Teresa Arruda Alvim Wambier, caberia, no caso, o recurso de agravo de instrumento por uma questão pragmática. 36 Para o ilustre professor paulista, mesmo após a alteração legislativa: “sentença é pronunciamento do juiz que contém alguma das circunstâncias descritas no CPC 267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou procedimento no primeiro grau de jurisdição, resolvendo ou não o mérito.” (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª ed. São Paulo:RT, 2006, p. 373). 37 Conforme definição dada pelo douto professor Sérgio Shimura (Título Executivo, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 70). 35 defesa dos sócios acontecerá, pois, no processo dessa ação, aplicando-se as regras próprias do referido procedimento (art. 297 e s. do CPC)”38. 5. Conclusões: De tudo quanto foi exposto, pode-se claramente inferir que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica aos poucos foi se incorporando ao direito positivo brasileiro, como forma eficaz de coibir as fraudes e abusos perpetrados pelos sócios das pessoas jurídicas, acarretando o desvio de sua finalidade pelo mau uso da sociedade. Embora o legislador nem sempre tenha sido feliz na disciplina da matéria, cabe à jurisprudência aplicá-la dentro dos limites da elaboração doutrinária para que não haja arbitrariedade em sua determinação, fazendo com que não seja desconsiderada a personalidade jurídica quando não se façam presentes os requisitos necessários, quais sejam: abuso ou fraude caracterizados pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Quanto aos aspectos processuais, parece não haver mais dúvidas, sobretudo em sede jurisprudencial, quanto a não ser necessário o ajuizamento de procedimento específico para declarar aplicável a disregard douctrine, assim como a indispensabilidade de declaração judicial a respeito, ainda que no bojo dos próprios autos do processo executivo e, ainda, quanto a natureza subsidiária da responsabilidade dos sócios. Mesmo com as inovações trazidas pelas recentes leis reformadoras do Código de Processo Civil, não houve substancial alteração em sua aplicação processual, já que mesmo aquelas que tornaram mais eficaz o processo de execução, sempre devem ser interpretadas com respeito aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, sendo certo que tanto a decisão que a defere como a que a indefere continua sendo impugnável pelo recurso de agravo de instrumento previsto no art. 522 do Código de Processo Civil. 6. Bibliografia: ALMEIDA, Amador Paes de. 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