PARECER TÉCNICO Perspectivas e Recomendações para o Setor Elétrico Associação dos Servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica ASEA Brasília 2014 A elaboração deste Parecer Técnico tem o propósito de contribuir com o aperfeiçoamento do Setor Elétrico, oferecendo, para tanto, recomendações aos candidatos a mandatos eletivos nas próximas eleições. Este documento tornou-se possível unicamente em razão das contribuições de diversos servidores da ANEEL, aos quais a Diretoria da ASEA manifesta seu fraterno agradecimento. Esclarece-se que as premissas e conclusões aduzidas no presente parecer são estritamente lastreadas em dados públicos e análises técnicas, por conseguinte absolutamente divorciadas de afinidades ideológicas. Por fim, salienta-se que as manifestações a seguir consignadas não representam posicionamento da Agência Nacional de Energia Elétrica, mas tão somente da associação civil constituída por servidores. Aprovado pela Diretoria em deliberação realizada em 02.09.2014. Setembro, 2014 I. II. III. IV. V. II. SUMÁRIO Objetivo ................................................................................................................................................................................. 1 Histórico Setorial ................................................................................................................................................................... 1 Análise .................................................................................................................................................................................. 8 Recomendações Setoriais .................................................................................................................................................. 15 OBJETIVO 1. Promover avaliação técnica acerca da conjuntura atual do Setor Elétrico Brasileiro - SEB e de suas perspectivas, assim como propor medidas voltadas ao seu melhor desenvolvimento, de sua governança e normatização. 2. As proposições constantes deste parecer técnico buscam assinalar alternativas voltadas ao aperfeiçoamento da gestão de uma das áreas de infraestrutura mais sensíveis para o desenvolvimento e a sustentabilidade do país, a energia elétrica. III. HISTÓRICO SETORIAL 3. Visando proporcionar uma melhor compreensão sobre quão recorrentes são os problemas que afligem o SEB e as respectivas soluções, é importante anotar um breve histórico. Ressalta-se de antemão que o histórico será apresentado até o ano de 2001, de modo a enfatizar os problemas enfrentados pelo SEB durante esse período, bem como a recorrência dos diagnósticos, tão importantes para o entendimento dos problemas atuais. 4. Surgida ainda no período imperial, a eletricidade experimentou suas primeiras funcionalidades na segunda metade do século XIX, tendo sido utilizada no transporte, na iluminação pública e na indústria. 5. O SEB nasceu privado, sendo que o embrião de sua regulação sobreveio já no ano de 1903, com a Lei no 1.145 1 (31/12/1903) e o Decreto no 5.704 (10/12/1904), ao tempo da primeira carta magna republicana, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil 2 de 1891. 6. A primeira crise da qual se tem registro data de 1924, em que se impôs “a redução compulsória de fornecimento de energia, a diminuição da iluminação pública e particular, a quase paralisação da produção fabril, com a conseqüente restrição das horas de trabalho. Até o transporte público foi afetado pela redução do serviço de bondes"3. 7. Seguiu-se da quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 e do fim da chamada “cláusula ouro”, com a entrada em vigor do Decreto no 23.501 em 1933, pondo fim à indexação das tarifas ao câmbio. 8. Em meio à crise, já no governo de Getúlio Vargas, entraram em vigor o Código de Águas (10.07.1934) e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (16.07.1934), assegurando ao poder público a “Art. 23. O Governo promoverá o aproveitamento da força hydraulica para transformação em energia electrica applicada a serviços federaes, podendo autorizar o emprego do excesso da força no desenvolvimento da lavoura, das industrias e outros quaesquer fins, e conceder favores ás emprezas que se propuzerem a fazer esse serviço. Essas concessões serão livres, como determina a Constituição, de quaesquer onus estadoaes ou municipaes”. 2 Vide arts. 63, 64 e 68. 3 Fonte: http://www.climatempo.com.br/olhonotempo/153880/imaginem-uma-seca-dessa-em-tempos-atuais. Fonte: http://www.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2013/01/10/6E96F5B1-A196-4E60-BDEF-9242A236B179.pdf. Acessos em: 10/06/2014. 1 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” possibilidade de controlar rigorosamente as concessionárias de energia elétrica. Para ilustrar a recorrência das percepções (e dos fundamentos) ideológicas acerca dos problemas, colaciona-se o preâmbulo do Código de Águas: O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições que lhe confere o art. 1º do decreto nº 19.398, de 11/11/1930, e: Considerando que o uso das águas no Brasil tem-se regido até hoje por uma legislação obsoleta, em desacôrdo com as necessidades e interesse da coletividade nacional; Considerando que se torna necessário modificar esse estado de coisas, dotando o país de uma legislação adequada que, de acôrdo com a tendência atual, permita ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas; (...) (grifos nossos) 9. Com a edição do Decreto-Lei no 938 (08.12.1938), dependiam da autorização do Governo, para que pudessem funcionar, as sociedades que tiverem por objeto o aproveitamento industrial das minas ou jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica. 10. Com o incremento da intervenção estatal e outros efeitos decorrentes da segunda guerra mundial, o capital privado passa a ter disponibilidade reduzida. 11. Com a edição do Decreto-Lei no 3.128 (19.03.1941), estabeleceu-se o “custo histórico” 4 e a taxa de remuneração do investimento em 10%. 12. Já em 13 de maio de 1942, foi editado o Decreto-Lei no 4.295 5, estabelecendo medidas de emergência, transitórias, relativas à indústria da energia elétrica. Atribuía ao Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) tais competências. 13. Em 28 de fevereiro de 1950, mediante solicitação da concessionária The São Paulo Tramway, Light and Power Company Limited, foi publicada pelo CNAEE a Resolução 561 6, que estabeleceu restrições ao fornecimento de energia elétrica a todos os consumidores atendidos pela concessionária. Em novembro do mesmo ano, foram expedidas as Portarias 8 7, 9 e 10 8 pela Comissão de Racionamento de Energia Elétrica, a fim de aplicar a sanção de advertência as determinados consumidores. 14. Criado o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDE em 20.06.1952, pela Lei 1.628. 15. Em agosto de 1953, foi publicada pelo CNAEE a Resolução 906, estabelecendo como sistemática de racionamento o desligamento de circuitos, no lugar de cotas para os consumidores. 16. A Comissão de Racionamento de Energia Elétrica aprovou também o “escalonamento” da indústria no Rio de Janeiro, em que um dia por semana cada indústria deixava de utilizar energia elétrica, sendo sustada tal medida pouco tempo após pelo então Presidente da República. 17. Seguiram-se as medidas restritivas de consumo nos anos seguintes: Resolução CNAEE 954/1954, 1.091/1955 e 1.101/1955. 18. Foi instituído o Fundo Federal de Eletrificação e criado o imposto único sobre energia elétrica pela Lei 2.308, em 31 de agosto de 1954. 4 Investimento, a remunerar. “Art. 2º Enquanto não for possível, em certas zonas, atender a todas as necessidades do consumo de energia elétrica, o fornecimento será racionado segundo a importância das correspondentes finalidades, adotando-se, em cada caso concreto, uma seriação preferencial estabelecida pelo C. N. A. E. E.”. Vide: Decreto no 10.563 (02.10.1942), que regulamentou o art. 2o do decreto-lei n. 4.295/1942. 6 Vide DOSP - 28.02.1950 - fls.20. 7 Vide DOU - 25.11.1950 - fls.6 - Seção 1. 8 Vide DOU - 04.12.1950 - fls.15 - Seção 1 (portaria 9 e 10). 5 2 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 19. Em janeiro de 1957, o chefe do departamento jurídico do BNDE destaca, em memorando, a adoção do sistema de cláusula móvel em debêntures de empresas de eletricidade, representando um incentivo ao aumento da capitalização privada. 20. Com o Decreto 41.019, de 26 de fevereiro de 1957, a fixação de tarifas para concessionários, além da taxa de remuneração do investimento em 10% (regime do serviço pelo custo - histórico), passa a observar as modificações no mercado interno monetário e de títulos, bem como as diferenças em juros e amortização de empréstimo, com cláusula de correção monetária, tomados no BNDE (e futuramente na ELETROBRÁS). 21. Foi criado, em 22 de julho de 1960, o Ministério das Minas e Energia, incorporando o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. 22. Com a Lei 3.890-A, de 25 de abril de 1961, foi autorizada a constituição da Centrais Elétricas Brasileiras S. A. - ELETROBRÁS, vindo a absorver atribuições outrora de competência do CNAEE. 23. Em 6 de novembro de 1964, com a Lei 4.454, foi instituída a unificação de frequência nacional em 60 Hertz. A injeção do capital estatal, aliada à interligação dos subsistemas que otimizou sobremaneira o aproveitamento de nossos recursos hídricos, deu novo fôlego ao SEB. Entretanto, a indústria de energia prosseguiu em sua trajetória de investimento eminentemente estatal, num ritmo de crescimento que, pelo esgotamento da capacidade de financiamento, veio a se tornar muito aquém do necessário. 24. Em 16 de dezembro de 1988, foi expedida a Portaria MME 1.474 assim dispondo: O Ministro de Estado das Minas e Energia, usando de suas atribuições legais e, Considerando a necessidade de se estabelecer as condições e critérios para estimular a participação da iniciativa privada no sistema de oferta de energia elétrica, como uma das formas de redução dos riscos de "déficit" de energia, provocados por sucessivos atrasos na execução de obras decorrentes da escassez de recursos para investimentos; Considerando as conclusões do diagnóstico e dos relatórios parciais de recomendações no âmbito da Revisão Institucional do Setor Elétrico - REVISE; Considerando a necessidade de se aproveitar excedentes disponíveis de energia elétrica gerada por autoprodutores e, principalmente, estimular a prática de co-geração no País, como forma de melhorar a eficiência de utilização dos energéticos consumidos na produção de vapor para processos industriais; Considerando a conclusão dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria MME nº 661, de 08 de maio de 1987, RESOLVE: Art. 1º Aprovar a proposta da política de aquisição de energia elétrica excedente de autoprodutores pelos concessionários do serviço público de energia elétrica, formulada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria MME nº 661, de 08 de maio de 1987, e determinar ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE que tome providências, no sentido de regulamentar o assunto, estabelecendo condições e normas legais que possibilitem a operacionalização da proposta do referido Grupo de Trabalho a partir de 1º de janeiro de 1989. Art. 2º Determinar ao DNAEE que elabore um programa acelerando a definição de novos mercados a serem colocados em licitação nas Regiões Norte e Centro-Oeste, nos termos da Portaria MME nº 025, de 12.01.88, visando a redução da dependência de derivados de petróleo dos concessionários das regiões Norte e Centro-Oeste do País. Art. 3º Determinar ao DNAEE que desenvolva estudos no sentido de propor outras alternativas visando incrementar a participação da iniciativa privada no sistema de oferta de energia elétrica, os quais deverão conter propostas de ação, relativas aos seguintes pontos prioritários: (...) II - Estabelecimento de critérios específicos de aporte de capital de consumidores envolvendo a participação financeira, contribuição de novos consumidores e pré-venda de energia elétrica. III - Definição de critérios que permitam aumentar a capitalização das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. 3 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” Art. 4º Os estudos deverão ter como princípio a garantia de tarifas que assegurem a viabilidade do empreendimento, de forma a manter a atratividade para a iniciativa privada, sem causar prejuízo à sociedade. Art. 5º Os estudos deverão ser apresentados particularizados, por item do art. 3º desta Portaria, até 1º de julho de 1989. (grifos nossos) 25. Originado do Projeto de Lei 179/1990, o art. 175 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 8.987 (13.02.1995), dispondo sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. 26. Com a Lei 8.631 (04.03.1993), extinguiu-se o regime de remuneração garantida na fixação dos níveis das tarifas para o serviço público de energia elétrica. 27. Em complementação às alterações em curso, também de 13.02.1995, foi editada a Medida Provisória 890 que, reeditada pelas MP.937 (15.03.1995), MP.966 (12.04.1995) e MP.991 (11.05.1995), resultou na Lei 9.074 (07.07.1995), estabelecendo normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. Naquela ocasião, as figuras do Produtor Independente e do Consumidor Livre foram instituídas. 28. Em outubro de 1996, no âmbito do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico (RE-SEB) 9, o relatório “Estágio I - Plano de Emergência” assim anunciava: "1.1 Durante a visita que fizemos ao Brasil antes de preparar nossa proposta técnica, já estava claro que a probabilidade de déficits de energia elétrica no final da década de 90 no sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste estava em nível acima do aceitável. Propusemos, então, fornecer um breve relatório, além dos relatórios exigidos pelo Termo de Referência, para definir o que acreditamos ser os principais elementos de um Plano de Ação Urgente, delineando, assim, nosso trabalho inicial no Brasil. Este documento apresenta nossas constatações. O relatório de Avaliação Situacional confirmou que a probabilidade de déficits de energia aumenta à medida que a demanda excede o previsto e os projetos para ampliar a capacidade são adiados. (...) 2.1 O risco de déficit de curto-prazo enfrentado pelo setor elétrico brasileiro resulta principalmente de investimentos inadequados na expansão de instalações de geração e transmissão. De acordo com as informações do relatório que trata do Plano Decenal 1996-2005, no período que vai de 1990 a 1995, os requisitos totais de investimento do setor elétrico foram de US$ 6 bilhões por ano, sendo que de 1993 a 1995 foram investidos, por ano, US$4 bilhões. 2.2 A falta de investimentos no setor pode ser atribuída a: (a) queda gradual da tarifa de consumo em termos reais: as tarifas caíram em termos reais em 1993, reduzindo o fluxo de caixa disponível para investimento, encorajando desperdícios e perdas por parte dos consumidores. Atrasos nos pagamentos das distribuidoras e às geradoras também causaram problemas financeiros e conseqüentes atrasos na conclusão de projetos de geração; (b) a provisão da Constituição de 1988 e a legislação subseqüente sobre concessões: as normas constitucionais para licitação de todas as concessões de serviços públicos fizeram com que as concessionárias relutassem em investir em estudos de viabilidade e outros trabalhos de preparação de locais dentro de suas áreas. Além disso, estas provisões somente terminaram de ser regulamentadas em 1995 e só recentemente se realizaram as primeiras licitações. (c) falta de responsabilidades claras e distorção de incentivos no setor: as atuais concessões não deixam claro quais entidades do setor são responsáveis por assegurar geração adequada e os atuais procedimentos de definição de preço e contratos (obrigatórios desde 1993) entre as subsidiárias de geração da Eletrobrás desencorajam os distribuidores a contratar com fontes alternativas, dado que: (i) os preços se baseiam na média de usinas novas e velhas, bastante inferior ao de novas usinas oferecidos por outros geradores em potencial; (ii) os contratos dão aos compradores direito de variar os volumes após os três primeiros anos, sugerindo que mais energia a preço médio sempre estará disponível; Ministério de Minas e Energia. Eletrobrás. Coopers&Lybrand; Latham&Watkins; Coopers&Lybrand Consultores Ltda; MAIN Engenharia S/A; Engevix Engenharia S/C Ltda; Ulhôa Canto, Resende e Guerra Advogados; Rust Kennedy&Donkin Limited; Power anda Water System Consultants Limited. 9 4 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” (d) falta de regulamentações: há falta de regras claras para as atividades de Produtores Independentes, para cobrança pelo uso de sistemas de transmissão e distribuição e para a liquidação de vendas de energia a grandes clientes ligados aos sistemas de transmissão e distribuição. Ao mesmo tempo, o prospecto de acesso de concorrentes afetou a aceitação pelos distribuidores da responsabilidade sobre a obtenção de geração adicional; (e) regulamentação ambiental e pressões correlatas: a tendência internacional de se dar maior ênfase a questões ambientais também levou a exigências cada vez mais restritivas - algumas justificadas e outras burocráticas - e a maiores prazos para a obtenção de licenças ambientais; e (f) incerteza generalizada acerca da reestruturação: o padrão de alteração gradual do setor energético de 1990 em diante criou incerteza e, portanto, relutância em investir. 2.3 O efeito disto sobre o investimento manifesta-se através do grande número de projetos importantes cuja construção foi atrasada ou interrompida devido à falta de fundos disponíveis para seus promotores (concessionários). O fato destes projetos terem deixado de entrar em serviço como planejado está colocando forte pressão sobre o sistema existente à medida em que tenta lidar com o forte crescimento da demanda. Os riscos de surgimento de desabastecimento nos próximos três anos são substancialmente maiores do que os níveis normalmente aceitos para fins de planejamento da expansão e da operação." (grifos nossos) 29. Também em outubro de 1996, o relatório “Estágio I – Avaliação situacional e revisão dos trabalhos em desenvolvimento” do RE-SEB dispôs: “4.37 As leis a seguir definem a estrutura regulamentadora básica referente ao setor de eletricidade: (...) (d) DNAEE -- O Departamento Nacional de Abastecimento de Águas e Energia Elétrica ("DNAEE") foi criado em 1965 pela Lei 4904/65 e continua, até o momento, a definir os poderes do DNAEE (sic). O DNAEE é uma entidade federal, sob o controle do MME e responsável pelo planejamento, pela coordenação, supervisão, administração e regulamentação dos recursos hídricos e de energia elétrica. Atualmente,o DNAEE tem a responsabilidade de definir tarifas e de outorgar concessões, permissões e autorizações no setor. A seguir, salientamos questões relativas à autoridade de regulamentação do DNAEE. Muitas das preocupações serão aplicáveis a qualquer regulador que o suceda. (i) Não estão bem claras as tarefas e responsabilidades do DNAEE e do MME, respectivamente. De qualquer forma, parece claro que o DNAEE não tem o grau de autonomia necessária para regulamentação efetiva em um mercado competitivo. Por exemplo, o diretor do DNAEE tem seu posto à mercê do Ministro das Minas e Energia e do Presidente, e, portanto, pode ser removido a qualquer momento. Isso o transforma em uma criatura do processo político. (...) (iv) Há um conflito de interesse potencial entre o papel desempenhado pelo DNAEE como órgão regulador e seu papel como outorgante de concessões. Em nossa opinião, um órgão regulador normalmente não estaria envolvido como parte interessada nos procedimentos comerciais entre compradores e fornecedores de energia. Em um mercado competitivo, compradores e vendedores, por si próprios, determinarão que projetos devem ser desenvolvidos e implementados. (v) Investidores privados podem estar preocupados que o DNAEE aja com muita cautela quanto à extensão de concessões ou à modificação dos termos da concessão no momento da renovação. (...) Proposta de Lei ANEEL 4.53 Com o objetivo de facilitar a reestruturação do setor de eletricidade e a criação de um novo órgão regulador com alto grau de independência política, o governo federal propôs a criação de uma Agência Nacional de Energia Elétrica ("ANEEL"), que assumiria o papel anteriormente desempenhado pelo DNAEE. A ANEEL é um órgão separado, associado ao MME, com alto grau de independência. 4.54 (...) Conforme a versão atual, a lei proposta contém as seguintes propostas chaves e características: (a) A ANEEL deverá realizar licitações para concessões para direito de uso dos recursos hídricos, e para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. 5 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” (b) A ANEEL deverá “articular” com os órgãos reguladores relevantes os critérios para fixação de tarifas para o transporte de combustível a ser utilizado para a geração. (c) A ANEEL terá um sistema colegiado de tomada de decisão, composto por um Diretor Geral e quatro outros diretores. Os cinto diretores serão indicados pelo Presidente, com a aprovação do Senado, e servirão mandatos fixos de 4 anos, não concomitantes. Há, no entanto, um período inicial experimental de 4 meses durante os quais os diretores podem ser dispensados de seus cargos. (d) Ao expirar os mandatos, os diretores não poderão trabalhar para entidades controladas pela ANEEL por um prazo de 12 meses. Durante este período de 12 meses, estes mesmos exdiretores continuarão a ser remunerados pela ANEEL. (e) Há limitações para a contratação, por parte da ANEEL, de funcionários de companhias do setor elétrico. (f) Há uma cláusula para um contrato de gerenciamento entre o governo e a diretoria da ANEEL a ser elaborada. O TCU revisará tais contratos de gerenciamento. (g) O Projeto prevê participantes do mercado com direito a audiência pública com relação a decisões que afetem seus interesse. (h) A lei proposta não prevê apelos administrativos às decisões da ANEEL. Assim, quaisquer queixas relativas à ANEEL deverão ser resolvidas na justiça. (i) As fontes de renda da ANEEL estão definidas, e incluem a Taxa de Inspeção de Serviço de Energia Elétrica, que será cobrada das concessionárias a uma taxa de 0.5% dos ganhos (das atividades do setor). (j) O tipo de regulamentação a ser empregada pela ANEEL está especificada. (k) Há previsão de descentralização de regulamentação negociada aos estados (excluindo-se as unidades de transmissão e geração ligadas ao sistema interligado). Estas delegações deverão ser feitas à discrição da ANEEL através de um contrato de cooperação. É provável que a ANEEL delegue aos estados as atividades de regulamentação que requerem maior proximidade com o cliente fina. Supõe-se que a ANEEL detenha o direito de revogar os poderes delegados aos estados no caso de desaprovar o desempenho do órgão estadual. (l) O grau de competência da ANEEL na outorga de concessões está definido. As regras referentes às concessões, conforme disposto nas Leis 8666/93, 8987/95 e 9.074/95, permanecem aplicáveis; (m) O Ministério da Fazenda participará da ANEEL para a fixação e aprovação de tarifas por um período de transição de 3 anos. Daí em diante, as tarifas serão fixadas de acordo com a metodologia de “price cap”. (n) O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hidráulicos deverá ser mantido pela ANEEL, porém, com o tempo, deverá ser transferido ao Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos. (o) Haverá uma pessoa indicada como conselheiro geral juto à ANEEL, quando então a ANEEL terá que se transformar em pessoa jurídica.” (grifos nossos) 30. Em 26 de dezembro de 1996, foi instituída a ANEEL pela Lei 9.427, na ocasião com as atribuições de Poder Concedente e também de Regulador. 31. Por meio da Lei 9.478 (06.08.1997), foi criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, órgão vinculado à Presidência da República com atribuições consultivas e de assessoramento. 32. Em dezembro de 1997, o relatório “Estágio 7 - Sumário Executivo” do RE-SEB apontou: “1 Em meados de 1996 o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobrás selecionaram nosso Consórcio para realizar um estudo abrangente sobre a reforma do setor elétrico, o Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro. O objetivo desta reforma é, sobretudo, permitir ao Governo concentrar-se sobre suas funções de elaboração de políticas energéticas e de regulamentação do setor, propiciando a transferência da responsabilidade sobre operação e investimento ao setor privado. 2 O Edital (Termo de Referência) engloba quatro áreas genéricas: (a) o projeto dos novos arranjos comerciais para o setor, compreendendo a compra e venda de energia em grosso, o acesso às redes de transmissão e distribuição e os mecanismos 6 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” para assegurar planejamento e expansão do setor, especialmente no que se refere ao aproveitamento ótimo de novos potenciais hidrelétricos; (b) as medidas legais e regulamentares necessárias para permitir a reforma do setor, inclusive os ajustes ao quadro jurídico e regulamentar existente referente a concessões, regulamentação econômica de monopólios naturais, regulamentação para facilitar a concorrência e padrões técnicos e de atendimento ao cliente; (c) mudanças institucionais necessárias no governo e no setor para complementar os arranjos comerciais e o quadro regulamentar propostos. Estas mudanças incluem uma revisão do foco de responsabilidades ao nível do Ministério, o estabelecimento de um Órgão Regulador independente (a ANEEL), revisões do papel da Eletrobrás e mudanças estruturais das empresas do setor; e (d) análise sobre mecanismos de financiamento do setor, alocação de riscos e nível de retorno das diversas atividades. 3 O núcleo do Edital é uma lista de 34 questões-chave para as quais nossos trabalhos propõem soluções. 4 Nosso Relatório da Etapa VII do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro reuniu e consolidou em um conjunto consistente de recomendações os trabalhos desenvolvidos até meados de 1997. No período compreendido entre agosto a outubro de 1996 realizamos uma avaliação conjuntural detalhada e analisamos trabalhos anteriores, desenvolvemos análise preliminar das 34 questões-chave e estabelecemos, genericamente, idéias preliminares sobre opções e possíveis soluções. De outubro de 1996 a abril de 1997 preparamos uma série de 24 Working Papers sobre tópicos específicos, exaustivamente discutidos com profissionais do setor, tanto em grupos reduzidos quanto em reuniões plenárias. Fomos, assim, beneficiados por uma gama significativa de idéias e sugestões de profissionais do setor, tanto a nível político quanto a nível técnico, e, em muitas áreas, ajustamos nossas visões iniciais para levar em consideração as opiniões apresentadas, sempre que elas nos parecessem consistentes com os objetivos da reestruturação. 5 Cremos que este processo levou a que nossas propostas se baseassem em um sólido entendimento tanto da situação atual do setor como da experiência e argumentos daqueles que nele trabalham com relação ao seu futuro. Nossas propostas de baseiam, ainda, em nossa experiência e nosso conhecimento sobre reformas do setor elétrico em outros países da América Latina, Europa e nos mercados emergentes asiáticos. (...) Incentivo à concorrência 69 Recomendamos que a ANEEL assuma atitude pró-ativa no incentivo e desenvolvimento da concorrência sempre que isto for viável. As áreas envolvidas são: · outorga de concessões para geração hidrelétrica; · concorrência no mercado de atacado de contratos de energia; · outorga de novas concessões de transmissão; · licitação competitiva para novos projetos de transmissão de grande porte; e · comercialização no mercado livre. 70 Nossas principais recomendações para promover a concorrência são: (a) na área de concessões para geração: (i) o desenvolvimento ideal de potenciais hidrelétricos deve ser definido com base no inventário hídrico, tendo-se em mente as necessidades do empreendimento do capital privado; (ii) todas as concessões devem ser definidas como equivalentes à Produção Independente e licitadas; (iii) as licitações por concessões devem ser realizadas na ordem constante do plano indicativo, o que poderá variar se existir interesse de um investidor em ter uma concessão específica sendo licitada mais cedo que o planejado; (iv) as concessões serão relicitadas quando de seu vencimento, sendo o preço pago pela concessão em parte alocado à empresa original como compensação por ativos não amortizados e em parte para o Poder Concedente (Questão 20); (v) o limite de isenção de licitação deve ser elevado para 30 MW para permitir à ANEEL concentrar seus recursos nas concessões de maior importância; (...) (f) na área de concorrência na comercialização: 7 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” (i) exigir que geradores, concessionárias de D/C interessadas em suprir clientes livres fora de sua área e partes independentes se tornem Comercializadores Autorizados do Mercado Livre. A ANEEL outorgaria tais concessões de 1998 em diante; (ii) exigir aprovação da ANEEL para todas as condições e padrões que regem o acesso de terceiros às redes de transmissão e distribuição; (iii) anunciar a intenção de reduzir o limite mínimo do mercado livre de 3 MW por ponto de consumo para 300 kW por ponto de consumo em 2003; e” (grifos nossos) 33. Com a Lei 9.648 (27.05.1998), foram instituídos o Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE (que veio a originar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e o Operador Nacional de Energia Elétrica - ONS. 34. Instala-se mais um racionamento de energia elétrica no país com a edição das Medidas Provisórias 2.147 (15/05/2001), 2.148-1 (22.05.2001), 2.152-2 (01.06.2001), 2.198-3 (28.06.2001), 2.198-4 (27.07.2001) e 2.198-5 (24.08.2001). IV. ANÁLISE 35. Conforme ressaltado anteriormente, o histórico apresentado foi propositadamente interrompido em 2001, pois seu único intento foi demonstrar os percalços do SEB e a recorrência dos diagnósticos. 36. Trar-se-á à evidência que várias medidas desde então implementadas na condução do setor nos levam, em significativa medida, ao passado. 37. Longe de querer teorizar um corolário, considera-se inescapável que o SEB, sendo uma área de infraestrutura intensiva em capital, necessita do investimento privado para sua sustentabilidade. 38. Tal assertiva baseia-se tão somente na busca pela solução mais eficiente. Tomando-se por verdade absoluta sua intensividade em capital, este, em um Estado de direito, pode advir tão somente de: (i) pessoa jurídica de direito público; ou (ii) pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. 39. Como regra, a maior parte das riquezas encontram-se sob titularidade da iniciativa privada (que, diga-se, é quem lhe dá origem). Logo, são mais disponíveis no universo privado. Outrossim, sua captação é menos onerosa. 40. De outro modo, pode o investimento no SEB advir do Poder Público, cujos recursos têm origem majoritária nos tributos. 41. Nessa segunda opção, temos que: (i) gera-se ineficiência econômica própria da arrecadação de tributos; (ii) gera-se ineficiência em razão dos custos com a burocracia estatal; (iii) gasta-se mais pela utilização do recurso próprio, uma vez que é menos disponível que no universo privado (ou pelo custo do endividamento); e (iv) incorrese em custos de oportunidade, uma vez que o Poder Público deixa de aplicar os recursos próprios na realização de sua função pública e social. 42. Posto isso, remetemo-nos à exposição de motivos da Medida Provisória 144 (11.12.2003) que, convertida, originou a Lei 10.848 (15.03.2004): “Brasília, 11 de dezembro de 2003 Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência proposta de edição de Medida Provisória que altera os marcos institucional e regulatório do Setor Elétrico Brasileiro, modificando dispositivos das Leis no 5.655, de 20 de maio de 1971, no 8.631, de 4 de março de 1993, no 9.074, de 7 de julho de 1995, no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, no 9.478, de 6 de agosto de 1977, no 9.648, de 27 de maio de 1998, no 9.991, de 24 de julho de 2002 e no 10.438, de 26 de abril de 2002. 2. Os objetivos primordiais das mudanças propostas são a correção das deficiências diagnosticadas no Sistema Elétrico brasileiro e a adequação de rumos tomados no passado que comprometeram a eficácia do planejamento e inibiram os investimentos na expansão desse Setor, necessários para dar suporte ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social do País. 8 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 3. Os princípios básicos para um arranjo institucional adequado ao Setor Elétrico devem permitir atender às seguintes finalidades: modicidade tarifária para os consumidores; continuidade e qualidade na prestação do serviço; justa remuneração aos investidores, de modo a incentivá-los a expandir o serviço; universalização do acesso aos serviços de energia elétrica e do seu uso. 4. Além disso, em sua implantação, devem ser observados os seguintes pressupostos: respeitar os contratos existentes; minimizar os custos de transação durante o período de implantação; evitar pressões tarifárias adicionais para o consumidor e criar ambiente propício à retomada de investimentos. Com isso, assegura-se a normalidade do processo e garante-se a desejada segurança jurídica. 5. Saliento que a característica fundamental do sistema de geração elétrica do Brasil, que lhe dá vantagem comparativa relevante ao diferenciá-lo de outros países, é o forte predomínio da geração hidráulica, que alcança quase noventa por cento da capacidade de produção instalada e, em média, noventa e cinco da produção efetiva. Essa característica inerente ao Sistema brasileiro foi respeitada no novo modelo do Setor. 6. No âmbito da construção do novo marco institucional do Setor, propõe-se a criação de novos agentes - a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, sucessora do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE, e a Empresa de Pesquisa Energética - EPE, esta objeto de instrumento normativo próprio, separado desta Medida Provisória. 7. Pretende-se, com a criação dessas Entidades, dotar o Poder Executivo e o Setor Elétrico de instrumentos que confiram adequada proteção ao consumidor cativo das concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica, bem como capacidade de avaliar e propor, com a antecedência necessária, soluções que garantam maior segurança no abastecimento de energia, ao menor custo e com os mínimos impactos ambientais. 8. Altera-se, assim, as competências de alguns dos agentes já existentes: o próprio Ministério de Minas e Energia - MME, ao qual se restitui a condição de agente direto do Poder Concedente; o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, ao qual se atribui nova e relevante competência relativa à segurança do Sistema; a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que sofre ajuste em suas funções de regulação, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, no qual se corrigem deficiências na governança, de modo a conferir-lhe a reclamada independência, princípio que suportou sua criação. Tomadas em conjunto, essas modificações visam harmonizar a atuação desses vários agentes com vistas à implementação das políticas públicas para o crescimento do Setor, ao aumento da segurança do abastecimento e à modicidade tarifária. 9. No que tange à reestruturação do marco regulatório, busca-se modificações nas regras de comercialização da energia elétrica, de licitação para outorga de concessões, de obrigatoriedade da desverticalização das empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica, de relação dos entes com os chamados consumidores livres e regulados, dentre outras. Essas modificações objetivam proporcionar maior eficiência ao funcionamento do Sistema Elétrico brasileiro e ampliar o princípio da isonomia no tratamento dos consumidores e no acesso às fontes de energia. 10. Deve-se realizar de forma gradual e sem sobressaltos as alterações aqui propostas, estando sempre presente a preocupação em preservar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e considerando, também, a complexidade, a transição do atual para o novo modelo, que recebeu especial atenção, como expressa o texto desta Medida Provisória. 11. O primeiro dos quatro princípios enunciados - o da modicidade tarifária - é atendido com a estruturação do planejamento e a maior transparência nas regras de atuação das empresas concessionárias de distribuição, inclusive com a obrigatoriedade de licitação pelo critério de menor tarifa em toda contratação regulada da energia, visando ao atendimento dos consumidores cativos. No ambiente de livre contratação, é permitido o acesso dos grandes consumidores e dos autoprodutores às fontes hidrelétricas, reconhecidamente de menor custo, contribuindo para a maior competitividade da indústria nacional e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico e o social do País. Ademais, a coexistência dos dois ambientes de contratação constitui permanente referência de preços para os consumidores regulados. 12. O segundo princípio - o de continuidade e qualidade na prestação do serviço - é objeto de várias disposições específicas nesta Medida Provisória, destacando-se a obrigatoriedade de contratação, por parte dos agentes de consumo, de cem por cento de suas necessidades de energia; a realização de licitações simultâneas para a outorga de concessões e para a contratação de energia, permitindo que contratos de longo prazo viabilizem a construção de novas usinas e criem melhores condições para atração dos investimentos, e a institucionalização dos critérios de garantia de suprimento de energia elétrica. 9 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 13. O terceiro princípio - o da justa remuneração aos investidores de modo a incentivá-los a expandir o serviço - está consagrado não só na obrigatoriedade da licitação, bem como na contratação de longo prazo e na possibilidade de os agentes de geração atuarem tanto em ambiente de contratação regulada como em de livre contratação. 14. O quarto princípio - o da universalização do acesso e o do uso dos serviços de energia elétrica - foi recentemente objeto de importante iniciativa deste Governo, por meio do programa "Luz Para Todos", sendo meta fundamental de nossa política energética. 15. Para operacionalizar as mudanças na comercialização de energia elétrica, tratou-se da criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE. Este Ente jurídico sucederá integralmente ao Mercado Atacadista de Energia - MAE com a absorção de suas funções de contabilização e liquidação de contratos, sendo fundamental para viabilizar a contratação de compra de energia dos concessionários do serviço público de distribuição, sob a forma de rateio de contratos de longo prazo. 16. A natureza jurídica da CCEE será semelhante à do MAE, ou seja, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, objeto de autorização do Poder Executivo e de regulação e fiscalização pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. Tendo em vista seu papel na contratação de energia para as concessionárias de distribuição, a governança da CCEE adota dispositivos que garantem a necessária participação do Poder Concedente, quais sejam a indicação do Presidente de seu Conselho de Administração e também a de seu Diretor-Presidente. 17. As atribuições da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE serão administrar os contratos de compra e venda entre geradores e distribuidores, incluindo o cálculo das quantidades e dos preços da energia comercializada a cada ano; providenciar a execução das garantias contratuais; calcular e publicar os preços para a liquidação de diferenças contratuais; registrar os contratos de exportação de energia gerada por produtores independentes; dar publicidade a todos das informações referentes à contratação regulada realizada pelas empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de distribuição para atendimento a seus consumidores cativos, dentre as quais as quantidades contratadas, as tarifas praticadas, os prazos dos contratos, as inadimplências e os desvios de mercado. Entretanto, em favor da boa técnica legislativa, nem todas essas atribuições são objeto desta Medida Provisória, sendo a respectiva regulamentação remetida para o instrumento competente do Poder Executivo. 18. A contratação de energia operacionalizada pela CCEE será realizada em dois ambientes: - Ambiente de Contratação Regulada - ACR: compreende a contratação de energia elétrica pelos distribuidores para atendimento aos consumidores regulados (consumo cativo dos distribuidores) por meio de contratos regulados com o objetivo de assegurar a modicidade tarifária e - Ambiente de Contratação Livre - ACL: compreende a contratação de energia para atendimento aos consumidores livres por intermédio de contratos livremente negociados. Os contratos bilaterais em vigência, que envolvam distribuidores, ficarão no âmbito do ACL até sua expiração. 19. Todos os concessionários de serviço público de geração e produtores independentes de energia, incluídos os autoprodutores com excedentes, poderão comercializar nos dois ambientes, promovendo ampla competição no mercado de geração de energia elétrica. 20. As licitações para exploração de potencial hidráulico serão realizadas pela ANEEL, sob determinação do Poder Concedente, observando sempre o tipo "menor tarifa", sendo as outorgas a título oneroso. Essas concessões poderão ser outorgadas no regime de serviço público ou na forma de concessão de uso de bem público. 21. O vencedor de uma licitação poderá destinar parte da energia assegurada da usina hidrelétrica para uso próprio, comercializando a parte excedente no ambiente de contratação regulada. O detalhamento dessas regras se dará em regulamentação específica, sendo que o mecanismo visa aumentar a competitividade da expansão do Setor Elétrico, com conseqüentes benefícios para o consumidor final. 22. As licitações de projetos especiais, reconhecidamente essenciais para o Setor Elétrico, recomendados pelo MME, serão aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética - CNPE e conduzidas pela ANEEL, dentro de prazos e critérios indicados em regulamentação específica. 23. Estão previstos dois tipos básicos de contratação a se realizarem no Ambiente de Contratação Regulada - ACR: contratação da energia de novos empreendimentos e contratação de geração de empreendimentos já existentes. 10 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 24. A contratação da energia de novos empreendimentos ocorrerá em dois momentos - três e cinco anos antes da efetiva realização do mercado - e a duração dos contratos será de quinze a vinte anos, sendo esses prazos compatíveis com os tempos de construção e amortização de novos empreendimentos. Essa contratação será realizada separadamente das licitações da energia existente para atendimento ao mercado. 25. A contratação da geração existente visa atender à carga das concessionárias de distribuição a partir do ano seguinte ao ano em curso. Essa contratação será feita por meio de leilões, e os contratos terão duração de cinco a dez anos. 26. Outro tipo de contratação prevista são os contratos de ajustes destinados ao atendimento às necessidades de crescimento da demanda que não tenham sido contempladas na contratação de expansão. Esses contratos serão originários de licitação e terão duração de até dois anos. 27. A contratação no ACR será formalizada em contratos bilaterais entre gerador e distribuidor, por meio de instrumentos jurídicos padronizados, de conhecimento público que farão parte dos editais de licitação, efetuando-se diretamente entre as partes os pagamentos deles decorrentes. As exceções à regra serão: a energia proveniente de fontes alternativas, a geração distribuída e a Usina de Itaipu, cuja energia permanecerá sendo comercializada pela ELETROBRÁS exclusivamente aos distribuidores das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. 28. A função desempenhada pelo ONS é parte integrante e necessária à prestação do serviço público de energia elétrica. Nesse sentido, caberá ao Poder Executivo a definição das regras de organização e dos procedimentos necessários a seu funcionamento, com indicação de três de seus cinco diretores, os dois outros diretores serão indicados pelos próprios agentes. (...) 33. Para evitar subsídios cruzados entre os participantes do pool e os produtores independentes e os consumidores livres no ambiente de livre comercialização, os consumidores com carga igual ou superior a 3.000 kW, atendidos em qualquer nível de tensão, devem optar entre continuar sob o atendimento do distribuidor local, comprar energia diretamente de um produtor independente ou comprar energia por meio de um comercializador. O exercício das duas últimas opções caracterizará a condição de "consumidor livre". (...) 36. São essas as modificações introduzidas no Setor Elétrico pelo novo Modelo. Sua formatação jurídica buscou o aproveitamento da legislação existente, fazendo as alterações estritamente necessárias, limitando-as aos novos comandos legais absolutamente indispensáveis ao ordenamento do novo ambiente de comercialização, à criação da CCEE e à da EPE, bem como às modificações legais imprescindíveis para a implantação das novas regras de funcionamento do Setor Elétrico. 37. Entendo, Senhor Presidente, que tais alterações são imprescindíveis à adequação jurídica do novo modelo para o Setor de Energia Elétrica, que objetiva, principalmente, assegurar proteção ao consumidor cativo, parte hipossuficiente na relação de consumo estabelecida pela prestação desse serviço público. Além disso, essas medidas virão ao encontro da necessidade de estimular o aumento do investimento no Setor Elétrico, estratégico à sua expansão e à sua modernização, tornando-o mais competitivo e de mais qualidade, alcançando regiões até hoje não atendidas.” (grifos nossos) 43. De plano, cabe destacar que, tal como sempre, o SEB é submetido a mudanças profundas por meio de atos normativos excepcionais (Medidas Provisórias, Decretos-Lei, Decretos com força de lei). Por conseguinte, suprimese o debate público próprio de propostas legislativas ordinárias. Por mais que possa alegar que o Poder Legislativo não seja um foro especializado (que, diga-se, é uma falácia, haja vista os consultores legislativos que lá estão), a interação entre os agentes interessados (incluído o regulador) proporciona ao processo da gênese normativa seu enriquecimento. Aliás, essa é a prática cotidiana do regulador. 44. Afora isso, sem prejuízo das medidas positivas trazidas pelo (então) novo marco legal, a mais alta esfera do Poder Executivo sucumbe ao impulso de avocar competências e controlar instituições. Esse parêntese é altamente relevante, pois nos remete ao fato de que, ao invés de aperfeiçoar a burocracia estatal, a divisão de poderes e a especialização, acaba-se por afeiçoar as funções estatais às preferências do ocasional governante. 45. A avocação do Poder Concedente, conforme se demonstrará adiante, mais uma vez experimentou consequências. 11 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 46. Assim, a especialização das decisões, a equidistância dos interesses e a absoluta indiferença quanto à (im)popularidade de suas decisões são pilares indissociáveis da obtenção das decisões mais eficientes. E tal assertiva é que justificou a criação de agências reguladoras como entidades independentes da administração indireta. E permanecem justificando. 47. Se o investimento (e sua iniciativa) privado é indispensável ao SEB, a mutabilidade própria das questões sociais e políticas deve ser, tanto quanto possível, institucionalmente distanciada da atuação estatal reguladora e concedente. O investimento não se faz suficiente (muitas vezes nem se faz) na ausência de previsibilidade. E os custos afundados são inerentes aos investimentos setoriais. Não é recomendável que o investimento privado seja submetido a regras instáveis ou ambíguas, elaboradas sem discussão aprofundada ou com foco no curto prazo. 48. Mas em sentido contrário seguiu a MP 144 (11.12.2003), que logrou aproximar o Poder Concedente das afeições governamentais (o que não é necessariamente ruim, mas certamente redunda em imprevisibilidade), bem como consagrou sua absoluta proeminência na governança do Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS e na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE. 49. Sobrevindo alguns anos, não tardou para que a mudança de rumo passada experimentasse momentos críticos. Contemporaneamente, foram editadas a Portaria MME 455 (02.08.2012) e a Medida Provisória 579 (11.09.2012). 50. A segunda, após convertida na Lei 12.783 (11.01.2013), entre outras coisas, dispôs sobre a prorrogação das concessões de geração de energia elétrica. Vejamos, nessa esteira, sua exposição de motivos: “EM Interministerial nº 37 /MME/MF/AGU Brasília, 11 de setembro de 2012. Excelentíssima Senhora Presidenta da República, 1. Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência proposta de edição de Medida Provisória que altera dispositivos da legislação vigente com o objetivo de viabilizar a redução do custo da energia elétrica para o consumidor brasileiro, buscando, assim, não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de energia elétrica, como também tornar o setor produtivo ainda mais competitivo, contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil. 2. A proposta em tela dispõe sobre os contratos de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, outorgadas anteriormente à Lei nº 8.987, de 1995, e estabelece o regime de comercialização da energia gerada por usinas hidrelétricas, em complemento ao Novo Modelo do Setor Elétrico instituído pela Lei nº 10.848, de 2004. 3. O tratamento dessas concessões busca a captura da amortização e depreciação dos investimentos realizados nos empreendimentos de geração e nas instalações de transmissão e de distribuição de energia elétrica, alcançados pelos artigos 19 e 22 e pelo § 5º do art. 17 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, em benefício da modicidade tarifária, e visa garantir a segurança energética, pilares do modelo atual. 4. Estudos e avaliações sobre os ativos dessas concessões demonstraram que a maioria desses ativos encontra-se fortemente amortizada e depreciada, proporcionando aos consumidores de energia elétrica do País a possibilidade de se beneficiarem, agora, de menores tarifas para a utilização da energia elétrica, insumo básico para o setor produtivo e serviço essencial para a sociedade. 5. A experiência internacional, segundo estudos efetuados por Grupo de Trabalho específico instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, indica que a manutenção da exploração do serviço pelos concessionários, desde que esteja sendo prestado adequadamente, constitui forma apropriada para maximizar a captura de eficiência e dos ganhos proporcionados pela amortização e depreciação dos ativos já remunerados pelos usuários. 6. Nesse sentido, a Medida Provisória, ora proposta, estabelece a faculdade de a União prorrogar as concessões vincendas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica pelo prazo máximo de até 30 (trinta) anos e as concessões de geração de energia termelétrica pelo prazo máximo de até 20 (vinte) anos, por uma única vez, desde que as atuais concessionárias aceitem as novas condições específicas relativas à observância do princípio 12 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” da modicidade tarifária e à garantia da continuidade do suprimento de energia elétrica ao país, tudo sob o amparo do art. 21, XII, alínea “b”, do art. 22, IV, e do art. 175, parágrafo único, I, todos da Constituição Federal de 1988. (...) 8. A proposta também contempla o tratamento a ser conferido caso, por iniciativa do Poder Concedente ou opção do concessionário, as concessões não sejam prorrogadas, situação em que deverão ser licitadas. Nessa hipótese, estabelece-se que a licitação poderá ser realizada sem a reversão prévia dos bens vinculados à prestação do serviço, devendo o serviço ser prestado observando as mesmas condicionantes para o caso da prorrogação. 9. Estabelece-se, ainda, que o titular da concessão poderá permanecer responsável pela prestação do serviço até a assunção do novo concessionário vencedor do certame, com vistas a garantir a continuidade do serviço, desde que observadas as mesmas condicionantes estabelecidas para o caso da prorrogação. Na ausência de interesse do titular, a concessão será explorada por órgão ou entidade da administração pública federal, até que seja concluído o regular processo licitatório. 10. A Medida Provisória ora proposta também trata da questão da indenização dos investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados ou não depreciados dos segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica das concessões em tela, definindo-se que seu cálculo utilizará como base a metodologia de valor novo de reposição, tanto nos casos de prorrogação como de licitação. (...) 19. Em relação à urgência da medida, cabe mencionar o momento propício da adoção das medidas propostas, dado que as renovações das concessões serviriam como mais um instrumento indutor do desenvolvimento acelerado e sustentável, por meio da redução global dos custos da energia e ampliação da competitividade do setor produtivo. Justifica-se, ainda, a desobrigação do pagamento de RGR citada no Art. 21, a partir de 1º de janeiro de 2013, por meio de Medida Provisória, em função de a Aneel necessitar de prazo para calcular o impacto tarifário que a retirada do pagamento das quotas de RGR provocará. Em função de a medida impactar todas as distribuidoras e o processo de revisão tarifária ensejar a realização de audiências públicas, sua inclusão se justifica para que a Aneel possua prazo factível para implementar as mudanças previstas. No que tange à autorização da União celebrar contratos com a Eletrobrás, justifica-se a urgência da inclusão desta autorização em Medida Provisória em função de haver o objetivo de a operação surtir efeitos tarifários já a partir do início do exercício de 2013, havendo a necessidade de tempo hábil para implementar a operação. 20. Além disso, vale ressaltar que em 31 de dezembro de 2012, vencem os contratos de comercialização de um montante significativo de energia elétrica, em sua maioria proveniente dessas concessões. Estes contratos atendem ao mercado cativo das distribuidoras. A contratação dessa energia pelo mecanismo vigente, qual seja, o Leilão de Energia Existente, dificulta a captura do benefício resultante da amortização e depreciação dos ativos já em 2013 e pode comprometer o fornecimento de energia dado o exíguo prazo para sua realização. Nesse sentido, torna-se premente a adoção da solução proposta, permitindo a contratação da energia com a captura do benefício para a modicidade tarifária no próximo ano. 21. Em relação à relevância da medida, cumpre ressaltar que o Brasil dará continuidade à iniciativa estruturada de dotar o País de um sistema elétrico de baixo custo, que vem sendo implementada desde 2003, cujo princípio basilar é a modicidade tarifária. Dessa forma, os efeitos da redução do custo de energia elétrica, conforme citado anteriormente, trarão uma série de benefícios com destaque para a redução do custo para as empresas, o que propiciará o aumento do poder aquisitivo da sociedade com a redução de preços ao consumidor final. (...)” (grifos nossos) 51. Observando a exposição de motivos supra, salta aos olhos o fato de iniciar-se enunciando “o objetivo de viabilizar a redução do custo 10 da energia elétrica para o consumidor brasileiro”. Afinal, tal objetivo é mera consequência da apropriação dos ganhos proporcionados pela amortização e depreciação dos ativos. Consoante a Lei 8.987/1995, serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. A adequação advém da busca pelo equilíbrio mais eficiente dos demais fatores, pois eles, em si, constituem um verdadeiro trade off. 10 13 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” 52. Afirmou-se, adicionalmente, que “a experiência internacional (...) indica que a manutenção da exploração do serviço pelos concessionários (...) constitui forma apropriada para maximizar a captura de eficiência”. Alega-se então que a experiência internacional preconiza a “onisciência” do Poder Público que, concomitantemente, especifica a atividade concedida e também sua remuneração, dispensa o processo licitatório. Mas desconhecemos em qual teoria econômica se funda tal afirmação. 53. Adiante, aduz a “faculdade” de a União prorrogar as concessões vincendas “por uma única vez”. Mas se a premissa é que se trata da solução mais eficiente, supõe-se que deveria ser um ato vinculado e não por uma única vez. Afinal, não deixaria de ser a solução mais eficiente no futuro. 54. Considerando que a metodologia utilizada no ressarcimento de bens não amortizados e não depreciados é a mesma, havendo renovação ou licitação, a renovação na forma proposta não parece ter sido a medida mais eficiente. Ou se está a sobrerremunerar o concessionário de geração, ou se está a incentivar comportamentos indevidos do concessionário na tentativa de obter a remuneração almejada. É para isso que se presta a licitação, estabelecer uma relação equitativa e crível entre aquele que licita e o “melhor” ofertante. Não por outra razão, há previsão expressa para licitar no art. 175 da Constituição Federal, na Lei 8.987/1995 e na própria Lei 12.783/2013 (nos casos de não renovação). 55. A disciplina inaugurada com a MP 579, sob outro prisma, teve o condão de reviver o “regime pelo custo”. Ao invés de estabelecer uma licitação pelo maior lance, cujos recursos poderiam ser empregados no abatimento de algum encargo pago por consumidores (cativos e livres/especiais que, afinal, pagaram pelos ativos amortizados) e manter a sistemática então estabelecida pela Lei 10.848, instituiu-se metodologia há tempos sabida como ineficiente. 56. Alocou-se aos consumidores cativos o risco hidrológico que outrora acometia os geradores, sem lhes assegurar a possibilidade (contrapartida) de gerenciá-los adequadamente (tal como se dava com os geradores e que lhes assegurava um bom resultado financeiro), bem como incumbiu a gestão dos ativos de geração ao regulador. 57. Ao cabo, com a alocação de cotas de garantia física e cessão compulsória de Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado - CCEAR (para garantir uma redução uniforme das tarifas de todos os consumidores das diversas concessões), comprometeu-se ainda mais a exata delimitação do risco na gestão da contratação de energia pelos concessionários de distribuição, já intricada com a edição da Lei 10.848/2004, assim como acarretou insegurança jurídica e ainda maior complexidade à regulação tarifária (pelas circunstâncias novas não abrangidas pelos Contratos de Concessão em vigor). 58. Surpreende o fato de a Lei 12.783, ao tempo em que permitiu a antecipação dos efeitos da prorrogação das concessões e que foi levada a termo no caso da geração, em nada repercutiu no caso das concessões de distribuição. Mais da metade delas está por vencer e absolutamente nenhum critério foi discutido ou sequer foi sinalizado para o mercado. 59. Assim, é razoável inferir que, face à imprevisibilidade, pode haver significativos represamentos dos investimentos pelos concessionários atuais. Os investimentos são vultosos e, no mínimo, serão realizados a menor, uma vez que não são conhecidos os critérios para a indenização de bens não depreciados. 60. Pouco tempo à frente, o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, editou a Resolução 3 (06.03.2013) que, entre outras medidas, determinou o rateio transitório de custos que até então eram custeados por consumidores cativos, especiais e livres, custos estes conjunturalmente elevados. O resultado, até junho de 2014, era 56 ações judiciais, das quais 54 com decisões liminares em vigor sustando parcialmente seus efeitos (quanto ao rateio). A desordem foi tamanha que até uma associação de grandes consumidores obteve êxito, sendo que até então inexistia consumidor livre isento de tais pagamentos. 61. Conforme já referido no item 49, outra medida heterodoxa foi a Portaria MME 455 (02.08.2012). Esta, por seu turno, introduziu restrição à comercialização (registros ex-ante de contratos) tão severa que foi quase uma 14 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” unanimidade entre os agentes. Após ter sua implementação postergada pela Portaria MME 185 (04.06.2013) e Portaria MME 21 (14.01.2014), encontra-se atualmente impugnada por 2 decisões judiciais liminares. 62. Por fim, com base no Decreto 8.221 (01.04.2014), ao invés de se proceder à revisão extraordinária das tarifas das distribuidoras para repassar os custos excepcionais com a aquisição de energia elétrica no mercado de curto prazo, optou-se por efetivar soluções heterodoxas em que são aportados recursos do tesouro, emitidos títulos da dívida pública mobiliária federal e vultosas operações de mútuo realizadas pela CCEE, uma associação civil que não possui renda ou patrimônio. 63. Lembrando-se que a situação atual das distribuidoras decorre de: (i) a conjuntura hidrológica desfavorável; e (ii) as descontratações ocasionadas pela não renovação de algumas concessões de geração, não realização e frustração de leilões, bem como pelas alterações ao “mix” de contratos das distribuidoras. 64. Assim, ao invés de prover o sinal econômico adequado às tarifas de consumidores cativos, induzindo a economia de energia elétrica em um cenário hidrológico conjuntural desfavorável, apenas consumidores especiais e livres têm essa sinalização econômica. 65. Mediante todo o exposto, entendemos salutar a adoção das medidas a seguir enunciadas. V. RECOMENDAÇÕES SETORIAIS Poder Concedente Deve-se redefinir o papel das instituições do setor elétrico. Em especial, que à ANEEL seja restabelecido o Poder Concedente, mantidas as atribuições afim da Empresa de Pesquisa Energética - EPE e do Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS. É premente restabelecer uma pactuação crível com o mercado, a fim de restabelecer os fluxos de investimento privado nas quantidades requeridas e reduzir o spread decorrente da precificação dos riscos. Renovação das Concessões de Distribuição de Energia Elétrica A vencer mais da metade das concessões de distribuição de energia elétrica delas, é premente que sejam estabelecidos os critérios para sua eventual renovação, a fim de não se incentivar eventuais “represamentos” dos investimentos necessários. Leilões de Energia Elétrica As regras aplicáveis aos leilões, como no A-5, A-3, Fontes Alternativas, Reserva etc, precisam ser padronizadas consoante suas especificidades. Como as regras dos leilões são inteiramente desenvolvidas pelo MME, à ANEEL tem sido delegada a mera incumbência de operacionalizá-los. Contudo, a estrutura típica de órgãos ministeriais, diferentemente das Agências, torna-os susceptíveis à interferência política e a constantes modificações dessas regras, trazendo incertezas para a entrada de novo capital privado para o setor. Além disso, a ANEEL dispõe de mecanismos mais transparentes e participativos para a definição de novas regras e metodologias que impactam as instituições (agentes de geração, comercialização, distribuição, consumidores etc) participantes do SEB. Trata-se das Audiências e Consultas Públicas. O planejamento dos leilões de energia nova deve possibilitar sua realização por fonte e por região geoelétrica, o que poderá incentivar o desenvolvimento de determinadas fontes de geração regionais, reduzir os investimentos em transmissão (geração mais perto dos centros de carga) e aumentar a segurança de abastecimento. Deve-se avaliar a necessidade de adequação dos prazos para início de suprimento previstos nos contratos de energia, tomando-se por base a experiência adquirida com os prazos efetivamente incorridos, sabidamente superiores aos previstos nos leilões. O gráfico a seguir, elaborado com base em um conjunto de 15 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” empreendimentos vencedores de leilões de energia nova, explicita o tempo médio para entrada em operação em função de cada fonte. 11 Na licitação de centrais geradoras estruturantes, o leilão deveria abarcar a construção do sistema de transmissão correspondente, inclusive prevendo a transferência dos ativos a partir da operação comercial, sem compensação. A experiência obtida na construção dos últimos empreendimentos estruturantes (UHE Jirau e UHE Santo Antônio) demonstrou que o descasamento entre os prazos de construção dos sistemas de geração e transmissão traz severos impactos econômicos aos consumidores. Compra de Energia e Repasse Tarifário É necessário reavaliar a limitação (repasse às tarifas) atualmente imposta à contratação, por distribuidoras, de geração distribuída e por Leilões de Ajuste. O critério de limitação dos repasses às tarifas atualmente em vigor não é aderente (ou suficientemente dinâmico) a determinadas circunstâncias, como a de PLD alto e significativas descontratações. Consumidor Livre e Especial Deve-se proceder à unificação de consumidores especiais e livres, facultando a todos adquirir energia elétrica de qualquer fonte, remanescendo apenas a denominação “consumidor livre”. Adicionalmente, que o requisito atual para migração seja gradualmente flexibilizado e, quando possível, englobe até consumidores residenciais. Voltando a ANEEL a ser o Poder Concedente, ela própria poderá estabelecer essa flexibilização, observando-se as limitações técnicas e econômicas. É premente que se passe a privilegiar as soluções de mercado, voltadas ao incentivo e à eficiência. Com a ampliação do mercado livre, a flexibilidade que lhe é própria quanto à precificação e faturamento serão instrumentos excepcionais na indução do equilíbrio entre oferta e demanda (gerenciamento pelo lado da demanda). Planejamento Energético O planejamento do fornecimento de gás natural não pode estar dissociado do planejamento de sua utilização no SEB, lembrando que se está a tratar de um oligopólio (do gás). A expectativa no aumento da produção do gás natural, em decorrência do desenvolvimento do pré-sal e do início da exploração do gás de xisto (shale gas), traz como oportunidade explorar as sinergias entre esses dois mercados, com benefícios diretos na segurança do suprimento de energia elétrica e na consolidação de um mercado de gás natural robusto e saudável. A utilização de modelos computacionais para a definição da política de operação e preços de curto prazo precisa ser reestudada. E, em permanecendo, que sejam submetidos à atualização, abrindo-se ou não uma Corrobora essa recomendação o Relatório de Auditoria Operacional TC 029.387/2013-2, de lavra do Tribunal de Contas da União (09.06.2014). 11 16 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” concorrência para a escolha do modelo, mas que a abertura de seu código fonte seja total e irrestrita. Exemplificando a importância e atual situação do modelo computacional atualmente utilizado, entre o dia 22 de maio e 12 de junho de 2014, foram realizadas 3 atualizações dos preços semanais do submercado Sul, trazendo o preço do seu valor teto de R$ 822,83 / MWh para o seu valor mínimo de R$ 15,62 / MWh, o que afeta diretamente as operações do mercado de curto prazo de energia elétrica e vulnera as perspectivas futuras. Garantias Físicas de Centrais Geradoras Os parâmetros utilizados na definição das garantias físicas das centrais geradoras devem ser reavaliados periodicamente, compreendendo o levantamento batimétrico e sua real capacidade de produção de energia. Subsídios Tarifários Adotando-se prazo razoável, todos os subsídios12 cruzados (internos) aplicados às tarifas devem ser gradualmente descontinuados. Quanto mais se vale desse instituto para promover incentivos e justiça social, mais se onera as tarifas e novos subsídios tendem a ser instituídos. É um círculo vicioso que, ao cabo, se todos possuem algum tipo de subsídio que é custeado pelos demais, resulta-se em absoluta ineficácia. Subvenções sociais devem advir de recursos públicos (sendo assim priorizadas as medidas sociais mais relevantes, de forma transparente), bem assim outros incentivos deveriam advir de desoneração tributária (pela mesma razão anterior). Tributos A expressiva carga tributária aplicada à energia elétrica precisa ser reavaliada. Muito cobiçada em razão da eficiência proporcionada pela forma de arrecadação, ela imputa severa ineficiência aos setores produtivos e demais atividades econômicas. A energia proveniente de microgeração e a minigeração distribuída (assim definidas na Resolução Normativa 482/2012 pela ANEEL) carece ser absolutamente isenta de tributos, notadamente a solar fotovoltaica (mais adequada a soluções urbanas). Esse tipo de geração mitiga custos associados à expansão. Ademais, tal isenção deve ser estendida aos casos de futura migração para o mercado livre. Reservatórios de Usinas Hidrelétricas A premissa ambiental para construção de usinas a “fio d’água” deve ser técnica e profundamente reavaliada. O abandono da construção de reservatórios de acumulação implica a utilização de usinas térmicas para compensar a função reguladora outrora desempenhada pelos reservatórios. Não se trata de uma mera opção econômica. Com o asseveramento das mudanças climáticas e da variabilidade das vazões, traz-se à evidência aquilo que grande parte dos técnicos do SEB já anunciava, que esta opção está aumentando a emissão de gases associados ao popularmente conhecido “efeito estufa” e não é ambientalmente sustentável. Transparência As reuniões realizadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE 13, tal como as da Diretoria da ANEEL, devem ser transmitidas pela internet em tempo real. Além disso, sejam suas determinações para o Exemplo: subsídio aplicável às tarifas de uso do sistema, em razão da aquisição de energia por fontes incentivadas (art. 26 da Lei 9.427/1996). 13 Sua função precípua de acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético em todo o território nacional. Funções executivas lhe foram atribuídas pelo Decreto 5.175/2004. 12 17 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” despacho fora da ordem de mérito embasadas por Nota Técnica elaborada pelo ONS. Tal procedimento, embora já previsto 14 e definido, nunca foi cumprido. Descentralização de Atividades pela ANEEL A delegação das atividades de fiscalização aos Estados não tem se mostrado efetiva, sendo um modelo que carece ser gradualmente descontinuado. Tal mecanismo se demonstra ineficaz, do ponto de vista técnico e econômico, além de tornar a fiscalização mais susceptível a interferências políticas. Muitos profissionais destas agências usualmente fiscalizam não apenas os serviços de eletricidade como também de gás canalizado, rodovias, hidrovias, água e saneamento. Adicionalmente, o elevado grau de rotatividade faz com que os frequentes trabalhos de capacitação executados pela ANEEL junto às Agências Estaduais resultem improdutivos. Somente no ano de 2013, foram gastos pelos setores de fiscalização da ANEEL quase R$ 16,5 milhões com a descentralização (Agências Estaduais). Considerando-se 15 a remuneração mensal média de um especialista acrescida de 22% de encargos, chega-se à conclusão que este recurso seria suficiente para manter aproximadamente 70 novos especialistas. Para efeito de comparação, as três áreas de fiscalização da ANEEL possuem atualmente aproximadamente 76 especialistas. Ou seja, poder-se-ia quase dobrar o efetivo. Além disso, outros R$ 12,2 milhões foram gastos em 2013 pelos setores de fiscalização com consultorias de apoio à fiscalização. O reforço ao efetivo da ANEEL também contribuiria para diminuir esta dependência e para a economia de recursos. Quadro de Servidores da ANEEL Deve ser estudada e efetivada a ampliação do quadro de servidores da ANEEL, pois há muito não é compatível com as exigências e o crescimento do setor regulado. O quadro de servidores da ANEEL autorizado por Lei permanece inalterado há mais de 10 anos. O mercado, contudo, cresce elevadamente, conforme se demonstra. Especialista em Regulação de Serviços Públicos de Energia 365 Analista Administrativo 200 Técnico Administrativo 200 Participantes da Contabilização na CCEE 1164 29 45 74 153 244 449 616 45 45 28 593 jan/10 fev/14 Vide Resolução CNPE 8 (20.12.2007) e 3 (06.03.2013). A estimativa desconsidera custos com deslocamento, estadia e pagamento de diárias (na condição atual), assim como com futuras sedes regionais. 14 15 18 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO” Quantidade Cumulativa de Contratos 350 300 250 200 150 59 100 50 0 11 1 16 1 41 1 49 7 57 20 59 59 59 59 59 30 30 37 49 56 59 69 89 27 59 116 27 59 59 59 59 59 156 180 198 212 137 38 38 38 38 38 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Permissionárias de Distribuição Concessionárias de Transmissão Concessionárias de Distribuição 66. Concluída a exposição das medidas propostas para o aperfeiçoamento do Setor Elétrico Brasileiro, apesar da inevitável extensão do documento e da complexidade da matéria, almeja-se ter contribuído, em alguma medida, para o desenvolvimento do país e o progresso social. 19 “VEDADA A REPRODUÇÃO SEM CITAR A FONTE OU FORA DE CONTEXTO”