1 FACULDADE CEARENSE-FAC CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO MARIA DA COSTA MONTEIRO EMPREGADO DOMÉSTICO: EMENDA CONSTITUCIONAL N° 72/2013 E SOBREJORNADA FORTALEZA (CE) 2014 2 MARIA DA COSTA MONTEIRO EMPREGADO DOMÉSTICO: EMENDA CONSTITUCIONAL N° 72/2013 E SOBREJORNADA FORTALEZA (CE) 2014 3 INDICAÇAO DE APROVAÇAO 4 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho à memória da doutora Nely Delgado de Farias, que um dia me fez acreditar que eu era capaz. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, acima de tudo, por ter me permitido superar essa etapa. Agradeço também a Beatriz, minha filha, por seu amor, seu carinho, apoio, e principalmente por acreditar em mim. Ao querido companheiro Melo Filho, que muito me apoiou nessa caminhada, ajudando de forma constante na superação das adversidades, bem como na construção do presente trabalho. A minha orientadora, Ana Maria Tauchmann e aos estimados membros da banca, professores Péricles Moreira Chaves e professora Marina Lima. 6 RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo demonstrar a origem do trabalho doméstico no Brasil e sua evolução legislativa ate à emenda constitucional n° 72/2013, bem como o instituto das horas extras aplicado a estes trabalhadores. Para isso, será abordado no primeiro capítulo a origem do trabalho doméstico no Brasil e sua evolução legislativa. No segundo capitulo, será realizada uma breve diferenciação entre trabalho e emprego. Para melhor compreensão do assunto, também serão abordados os conceitos de empregado e empregador doméstico, bem como os requisitos gerais e específicos do labor doméstico e por fim serão explorados os princípios pertinentes às relações trabalhistas. No capítulo terceiro, tem-se por objetivo demonstrar as mudanças trazidas pela emenda constitucional n° 72/2013 nas relações trabalhistas de natureza doméstica, a norma reguladora das mudanças, a definição da jornada de trabalho e o instituto das horas extras e suas consequências, bem como as possíveis dificuldades. Dessa forma e diante da relevância do tema, busca-se compreender os benefícios e as dificuldades geradas com a nova legislação. Palavras-chave: empregado doméstico. Emenda Constitucional n° 72/2013. Horas extras. 7 ABSTRACT The present work aims to demonstrate the origin of the domestic work in Brazil and its legislative developments until the constitutional amendment No. 72/2013 as well as the institute overtime applied to these workers. To this will be covered in the first chapter the origin of domestic work in Brazil and its legislative developments. In the second chapter will be a brief differentiation between work and employment for better understanding of the subject, will also be discussed the concepts of domestic employer and employee, as well as the general and specific requirements of the domestic labor and finally the relevant principles are exploited labor relations . In the third chapter has aimed to show the changes brought about by constitutional amendment no. 72 on labor relations of domestic nature, the regulatory rule changes, setting of working hours and overtime institute and its consequences and possible difficulties. Thus, given the importance of the topic, we seek to understand the benefits and the difficulties generated by the new legislation. Keywords: domestic servant. Constitutional amendment number 72/2013. Overtime work. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 9 1 ASPECTOS HISTÓRICOS.....................................................................................10 1.1 Origem do trabalho doméstico no Brasil.........................................................10 1.2 Evolução legislativa...........................................................................................13 2 DIFERENÇA DE TRABALHO E EMPREGO........................................................20 2.1 Conceitos de empregado doméstico...............................................................20 2.2 Conceitos de empregador doméstico..............................................................21 2.3 Requisitos gerais da relação de emprego.......................................................22 2.4 Requisitos específicos do emprego doméstico..............................................23 2.5 Conceitos de princípios.....................................................................................26 2.6 Princípios trabalhistas.......................................................................................26 3 EMENDA CONSTITUCIONAL N° 72/2013.............................................................33 3.1 Da norma reguladora.........................................................................................34 3.2 Jornada de trabalho...........................................................................................35 3.3 Horas extras do empregado domestico...........................................................36 3.3.1 Acordo de prorrogação de horas.......................................................................37 3.3.2 Compensação de jornada.................................................................................37 3.3.3 Intervalo intrajornada.........................................................................................38 3.3.4 Intervalo interjornada.........................................................................................39 3.3.5 Horas in itinere..................................................................................................40 3.4. Das dificuldades na realidade fática....................................................................41 CONCLUSÃO............................................................................................................46 REFERÊNCIAS..........................................................................................................48 ANEXOS....................................................................................................................50 9 INTRODUÇÃO A origem do trabalho doméstico no Brasil está associada ao regime escravocrata, que serviu de base para uma evolução legislativa lenta e que de certa forma deixou por muito tempo os trabalhadores às margens de direitos que há muito tempo foram concedidos aos trabalhadores urbanos e rurais. Com isso, abordaremos inicialmente a origem do trabalho doméstico, depois sua evolução histórica e legislativa ao longo dos anos até a emenda constitucional n. 72/2013, que veio para corrigir as omissões legislativas relativas aos empregados domésticos. Também serão examinados os conceitos de empregado e empregador doméstico, os requisitos gerais e específicos da relação de emprego doméstico, os princípios norteadores das relações laborais. No capítulo terceiro serão estudadas as mudanças trazidas pela EC n° 72/2013, com enfoque no instituto das horas extras. Dessa forma, serão abordados os conceitos de jornada de trabalho e horas extras e as possibilidades de aferição na realidade fática. Serão ainda abordadas as dificuldades geradas pela emenda na realidade fática das relações laborais e suas consequências. Dessa forma, por meio do presente trabalho, pretendemos demonstrar, através de revisão bibliográfica, o instituto das horas extras, aplicáveis aos empregados domésticos, conforme a Emenda Constitucional nº 72/2013. Para dar fundamento ao assunto abordado, serão explorados, como suporte bibliográfico, os doutos: Mauricio Godinho Delgado, Sergio Pinto Martins e Vólia Cassar Bonfim. Também serão utilizados artigos publicados na internet. O interesse em estudar o assunto surgiu diante das indagações suscitadas em sala de aula pela professora de direito do trabalho, a respeito da viabilidade de aferir horas extras ao empregado doméstico. Com isso, surgiu o interesse em compreender se era possível, diante das peculiaridades que norteiam o labor doméstico, o cumprimento de jornada extraordinária. 10 1 ASPECTOS HISTÓRICOS 1.1 Origem do trabalho doméstico no Brasil O trabalho doméstico no Brasil tem como marco inicial a escravidão. Os negros capturados em países do continente africano eram trazidos para o Brasil para trabalhar como escravos nas lavouras e nas casas dos senhores de engenho. Os afazeres da casa grande eram desempenhados pelos escravos, que trabalhavam em diversos tipos de serviços domésticos. Chegavam a trabalhar mais de 12 horas por dia e não recebiam nenhum tipo de pagamento. Havia uma relação de exploração da mão de obra dessas pessoas, pois não eram vistas como sujeitos de direito, eram apenas objetos e como tais pertenciam ao seu senhor, a quem deviam obediência. Juridicamente, eram considerados como “coisas” e, portanto, os escravizados podiam ser doados, vendidos, trocados, legados nos testamentos de seus senhores e partilhados, como quaisquer outros bens. Os escravos não tinham nenhum direito porque não passavam da condição de coisas, conforme entendimento de Sergio Pinto Martins: A primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista. O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade do dominus. Nesse período constatase que o trabalho do escravo continuava no tempo, até de modo indefinido, ou mais precisamente até o momento em que o escravo vivesse ou deixasse de ter essa condição. Entretanto, não tinha nenhum direito, apenas o de trabalhar (MARTINS, 2012, p. 4). Embora vivessem em condições precárias e sem nenhum direito, os escravos que serviam à casa grande eram, de certa forma, privilegiados em relação aos que trabalhavam na lavoura. Eram escolhidos pelos seus senhores para exercer as funções domésticas, como mucamas, cozinheiras, ama de leite, parteira etc. Os escravos da casa grande acabavam se afeiçoando à família do seu senhor, resultando em uma relação diversa da que tinham os demais escravos que trabalhavam na lida da fazenda ou noutro serviço braçal. Havia um laço de ternura e afeto entre estes escravos e a família do seu senhor, pois, além das tarefas realizadas diariamente, ajudavam a cuidar dos filhos dos senhores, muitas vezes serviam de confidentes de suas senhoras, pois participavam diretamente da 11 intimidade da família. Não resta dúvida de que o escravo pertencente à casa grande tinha tratamento diferenciado dos demais, conforme se depreende da leitura de Leila Mezan Alegranti1: Mas houve senhores que reconheceram os fortes laços que os uniam a seus escravos no momento de preparar seus testamentos, concedendo-lhes a alforria, recomendando aos herdeiros que tratassem bem um filho que tiveram com uma escrava, ou até proibindo a separação de uma família cativa. Todas essas manifestações são sinais efetivos de que a relação entre senhores e escravos ia além da relação de produção. São inúmeros os registros sobre a presença de crianças escravas no espaço doméstico brincando com os filhos dos senhores e engatinhando pela casa, de escravos que serviam de pajens, de mucamas que dormiam no quarto de seus senhores, que levavam recados e faziam parte do séquito familiar quando este saía de casa. Isso sem contar os que serviam à mesa, introduziam as visitas, costuravam e teciam com suas senhoras. Portanto, conforme se depreende da leitura da historiadora Leila Mezan Alegranti, a história do negro doméstico não se confunde com a dos que trabalhavam na lavoura, pois aquele teve um tratamento diferenciado. O cativo da casa grande participava de forma direta da rotina de seus senhores. Os castigos infligidos aos escravos quase nunca se aplicavam aos cativos domésticos. Com a abolição da escravatura, não houve mudanças significativas nas estruturas vigentes a respeito do trabalho doméstico. As ofertas de emprego oferecidas continuavam as mesmas e muitas negras preferiram continuar na casa em que já estavam em troca de comida e moradia, só que não mais como escrava, mas sim como empregadas. Dessa forma, poucas foram as mudanças nas estruturas sociais dominantes. Os direitos dos libertos eram muito limitados, quase inexistentes. Pelo trabalho desenvolvido, recebiam como pagamento uma cama para dormir e a comida, que era controlada. Não havia hora para descanso, trabalhavam o dia inteiro, sem nenhuma remuneração. Embora estivessem livres, na realidade fática poucas foram as mudanças. Conforme se depreende da leitura de Flávio dos Santos Gomes e Olívia Maria dos Santos Gomes: 1 ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica. In: NOVAIS, Fernando A. (Org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada da América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, v.1, pp.131-132. 12 [...] A sujeição, a subordinação e a desumanização, que davam inteligibilidade à experiência do cativeiro, foram requalificadas num contexto posterior ao término formal da escravidão, no qual relações de trabalho, de hierarquias e de poder abrigaram identidades sociais se não idênticas, similares àquelas que determinada historiografia qualificou como exclusivas ou características das relações senhorescravo (GOMES, CUNHA, 2007, p. 11). Com isso, sem nenhuma preparação para o mercado de trabalho, o negro doméstico não tinha muitas opções, a não ser fazer o que já sabia, pois os serviços para os quais estava preparado eram os mesmos realizados como escravos na casa grande. Sem condições de competir com os brancos e buscar a ocupação de posições mais valorizadas, já que não tinham qualificação, restou continuar como antes, já que suas habilidades, normalmente, estavam atreladas aos afazeres domésticos. Com o decorrer do tempo, a atividade doméstica passou a ser exercida por moças jovens, solteiras, filhas de pequenos agricultores, geralmente pobres e analfabetas; sem perspectiva de conseguir um trabalho melhor, buscavam nos afazeres do lar sua subsistência. Recebiam em troca dos serviços prestados alimentação, vestuário, moradia e pequenas quantias como contraprestação pelo serviço desenvolvido. As jovens passavam a residir com a família para a qual trabalhavam e acabavam por estabelecer vínculos afetivos. Dessa forma, passavam de fato a integrar a estrutura familiar de seu patrão e só deixavam a família quando casavam. Por essa razão, o trabalho desenvolvido era permeado por certas particularidades. Não se tratava de um empregado comum e sim de um que se tornou parte da família. Dentro desse contexto histórico é que tem início o trabalho doméstico no Brasil, associado à escravidão, visto pela maioria da população como um trabalho indigno de ser executado pelas mulheres dos senhores, relegado às camadas mais pobres da sociedade, mas precisamente a mulheres de baixa renda e com baixo nível de escolaridade. A revolução industrial contribuiu de forma direta e significativa para a implementação do serviço assalariado. Assim, a mão de obra feminina foi absorvida pelo mercado manufatureiro. Os lares pertencentes às mulheres que trabalhavam nas indústrias passaram a ser administrados pelas empregadas domésticas. 13 Portanto, a origem do trabalho doméstico assalariado deve-se às mudanças trazidas pela revolução industrial, que abriu as portas a uma nova categoria de trabalhadores, as mulheres. Dessa forma, alguém precisava cuidar dos afazeres da vida do lar, porém, não mais como escravos, mas sim como empregados. Contudo, um trabalho desenvolvido às margens da legislação. Com o passar dos anos, o trabalho doméstico vai adquirindo novos contornos, pois, com a ascensão da mulher ao mercado de trabalho, bem como as mudanças nas estruturas familiares, acaba se tornando uma forma de as mulheres das classes menos favorecidas adentrarem ao mercado de trabalho, para garantir seu sustento e de sua família. Nesse processo histórico, destaca se o valor social do trabalho doméstico para o desenvolvimento da economia e da sociedade brasileira. Dessa forma, o trabalho doméstico ficou por um longo período imperceptível aos olhos das autoridades competentes, pois era visto como um trabalho sem importância, que não demandava grandes esforços, chegando a receber uma conotação depreciativa. Por ser um trabalho que não exigia habilidades intelectuais, era indigno de ser desenvolvido por aqueles que pertenciam às classes mais abastadas, ou mesmo aqueles que detinham algum conhecimento técnico. Dessa forma as legislações regulando tal relação se deram de forma gradativa conforme será demonstrado a seguir. 1.2 Evolução legislativa As primeiras leis aplicáveis aos domésticos foram as ordenações do reino, mais precisamente a ordenação filipina, que vigia a partir de 1603. Com isso, a lei de 13 de setembro de 1830, anterior à abolição do regime escravista, tratava sobre o contrato da prestação de serviço por tempo determinado , feito por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do império e que por ser uma lei de abrangência geral, alguns entendem que se aplicava ao trabalhador doméstico, conforme Sérgio Pinto Martins: A lei de 13-9-1830 regulou “o contrato por escrito sobre a prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do império”. Tal norma era muito genérica, compreendendo também os empregados domésticos (MARTINS, 2002, p. 18). Contudo, há que se levar em consideração que o trabalho doméstico nessa época era desenvolvido por escravos e sob tais condições eram 14 considerados, juridicamente, como coisas e não pessoas, portanto, a referida lei de fato não alcançou aqueles que eram obrigados à lida doméstica. Em 1886, em âmbito estadual, cria se o código de postura do município de São Paulo, que definiu as regras para as atividades dos criados e amas de leite. Para isso, definiu o criado de servir, em seu artigo 263, como sendo “toda pessoa de condição livre que mediante salário, tiver ou quiser ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro hortelão, de ama de leite, ama seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço domestico.” O empregado, de acordo com o código, era registrado junto à Secretaria de Policia, que emitia uma caderneta para identificação. Também previu o referido código os seguintes direitos: aviso prévio de cinco dias para o empregador e oito para o empregado nos contratos por prazo indeterminado. Também eram previstos os casos em que ensejaria a dispensa do empregado. Era considerada justa causa para despedir o empregado: a doença que o impedisse de trabalhar, ou caso o empregado saísse de casa a passeio ou negócio sem autorização do patrão, principalmente à noite. O inadimplemento contratual acarretava como punição a multa que podia ser convertida em prisão simples, quando não houvesse o pagamento. Em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea (Lei Imperial nº 3.353), que extinguiu o trabalho escravo no Brasil; daí em diante homens e mulheres estavam livres, mesmo que não tivessem noção do que fazer com a liberdade conquistada. Com isso, teve início um período de muitas dificuldades, pois os que antes eram escravos não tinham onde viver e nem mesmo o que comer. Dessa forma, muitos permaneceram exercendo as mesmas atividades da época de escravo, em troca de um lugar para viver e comida. A Lei acima mencionada, Lei Áurea, não foi consequência de um entendimento de que todos deviam ser livres e tratados de forma igualitária, não houve uma consciência social, de que o fim do regime escravista era o melhor a ser feito. Na realidade, foi um imperativo de ordem econômica, liderado pela Inglaterra, que via no sistema vigente uma barreira à expansão de sua produção industrial. Com o passar do tempo, o sistema jurídico brasileiro continuou sem legislação específica que regulasse o trabalho do empregado doméstico. Portanto, era aplicado o Código Civil de 1916 – Lei nº 3.071/1916, que disciplinou a relação dos contratos de trabalho relacionados à locação de serviços dos empregados e 15 aviso prévio, inclusive dos domésticos, sendo a estes aplicável dentro do que era cabível, conforme entende Sergio Pinto Martins: Em nosso sistema jurídico, não havia regulamentação específica para o trabalho doméstico, aplicando-se certos preceitos do código civil, no que diz respeito à locação de serviços, inclusive quanto a aviso prévio. O art. 1.216 do código civil prevê que “toda espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratado mediante retribuição”, abrangendo também o trabalho doméstico (MARTINS, 2002, p. 18). Em 1923 criou-se o decreto n.º 16.107/23, que conceituou os domésticos, incluindo como tais os cozinheiros e ajudantes de cozinha, copeiros, arrumadeiras, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, porteiros, serventes, amas-secas ou de leite, costureira, damas de companhia e equiparou alguns trabalhadores, cujos serviços fossem de natureza idêntica aos domésticos, mesmo que o trabalho fosse desenvolvido em hotéis, restaurantes, casas de pasto, pensões, bares, escritórios etc. O Decreto-Lei n° 3.078/1941 determinou que empregado doméstico fosse aquele que independente da profissão que tinha, prestava serviço em residência particular ou em benefício das mesmas mediante remuneração (MARTINS). Também versou sobre alguns direitos desses trabalhadores como: aviso prévio de oito dias, após um período de prova de seis meses. Permitia a rescisão contratual em caso de atentado a sua honra ou integridade física, mora salarial ou falta de cumprimento da obrigação do empregador em proporciona-lhe ambiente higiênico de alimentação e habitação, tendo direito à indenização correspondente a oito dias. É importante observar a diferença existente entre os decretos acima dispostos, pois, enquanto o decreto 16.107/03 equiparou aos domésticos os trabalhadores de restaurantes, pensões e demais pessoas jurídicas, o decreto 3.078/1941, por sua vez, foi taxativo ao determinar que, independente de profissão, o que importava era que o serviço fosse prestado em residências particulares ou em benefício destas. O decreto 5.452, de 1° de maio de 1943, institui a CLT, que embora conceituasse o empregado doméstico, o exclui de seu âmbito de regulação e trouxe de forma bastante clara, em seu artigo 7°, ao determinar a não aplicação do diploma consolidado ao empregado doméstico, conforme leitura do artigo: 16 Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas; A lei n° 605 de 5-1-1949 tratou a respeito do repouso semanal remunerado. Porém, de forma expressa vedou sua aplicação aos empregados domésticos. Portanto, o empregado que exercia suas funções para o lar não tinha o direito de usufruir o repouso semanal remunerado. A alínea a, do artigo 5°, da referida lei é taxativa ao determinar a não aplicação “aos empregados domésticos, assim considerados, de modo geral, os que prestam serviço de natureza não econômica à pessoa ou à família no âmbito residencial destas.” A referida alínea, atualmente, foi revogada pela Lei 11.324, de 2006. Em 23 de março de 1950 surge o decreto estadual paulista n° 19.216 que aprovou o regulamento da seção de registro dos empregados domésticos, do departamento de investigações. Tinha como escopo, o decreto, identificar o empregado doméstico e atestar seus antecedentes. Conforme previsão de seu artigo 5°: “Nas carteiras serão impressos os dispositivos referente aos deveres do empregador e do empregado de acordo com os termos do decreto lei federal n° 3.078, de 27-2-1941 (art. 12)”. Os empregados de edifícios residenciais que estivessem a serviço da administração do edifício eram equiparados aos domésticos, nos termos do decreto 16.107/23 foram excluídos do amparo da CLT, já que o diploma celetista não se aplicava ao doméstico. Em 1956, a Lei 2.757 tratou de eliminar do conceito de doméstico estes trabalhadores, que a partir de então foram considerados urbanos, fazendo jus aos direitos assegurados aos outros empregados. Para isso, basta que o serviço prestado seja para o condomínio. A lei n° 3.807, de 26-8-1960 (LOPS), Lei Orgânica da Previdência Social, determinou que o empregado doméstico pudesse filiar-se como segurado facultativo. Vale mencionar que a Lei n° 4.214, de 2-3-1963, Estatuto do Trabalhador Rural, também, como o diploma celetista, exclui de seu âmbito de incidência os domésticos, conforme artigo 8°, alínea a. 17 Art.8° Os preceitos desta lei, salvo determinação expressa em contrário, em cada caso, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de modo geral, os que prestem serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas; Finalmente, após anos sem uma legislação que tratasse da relação de trabalho doméstico, propriamente, veio a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, que dispõe sobre a profissão do empregado doméstico, conceituando-o e atribuindo-lhe direitos. A lei 5859/72, além de trazer os direitos da categoria, ainda tratou de incluí-los na condição de segurados obrigatórios da previdência social, determinando a forma de custeio por parte do empregado e empregador. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, concedeu outros direitos sociais aos empregados domésticos, tais como: salário mínimo; irredutibilidade salarial; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso prévio; aposentadoria e integração à previdência social. Contudo, muitos direitos concedidos aos outros trabalhadores a própria Carta Maior tratou de exclui os trabalhadores domésticos. Para ratificar o que a Carta Maior determinou a Lei 8.213, de 1991, em seu artigo 11, inciso II que incluiu o doméstico como segurado obrigatório da previdência social e o conceituou como: "Aquele que presta serviço de natureza contínua à pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos;” Já em 2001, a Lei nº. 10.208, traz dois institutos que são facultados ao empregador doméstico, trata-se do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do seguro-desemprego, devendo ocorrer conforme as referidas Resoluções. Apesar da possibilidade assegurada pela lei, na prática o referido instituto dependia da vontade de o empregador em fazer os depósitos correspondentes. Em 4 de outubro de 2000, vieram as Resoluções 253 e 254 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estabelecendo os critérios e também as finalidades para a concessão do seguro-desemprego ao empregado doméstico. Com a edição da Lei n.º 11.324, de 19 de julho de 2006, mais alguns direitos foram assegurados. 18 Os trabalhadores domésticos firmaram direito a férias de 30 dias, obtiveram a estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho. No plano internacional, a Convenção 189 e a Recomendação 201 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovadas em 2011, previram que os trabalhadores domésticos tivessem os mesmos direitos básicos que os outros trabalhadores, incluindo os horários de trabalho, o descanso semanal de pelo menos 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, um limite para pagamentos em espécie, bem como o respeito pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de associação e negociação coletiva. Em dezembro de 2012 foi apresentada proposta de emenda à Constituição PEC 66, que foi apelidada de PEC das Domésticas, cujo objetivo era alterar a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais. Em dois de abril de 2013 foi aprovada a Emenda Constitucional n° 72/2013, que será mais bem desenvolvida adiante, que inovou em se tratando dos direitos trabalhistas domésticos, pois alterou o parágrafo único do art. 7º, da CF/88, ampliando o rol de direitos do doméstico. Dentre os direitos concedidos, destaca-se o direito à jornada máxima de oito horas e 44 horas/semanais. A regulamentação da jornada do doméstico tornou-se, portanto, um marco para essa categoria de trabalhadores, já que, hoje, o empregador que não observar o limite da jornada deverá pagar ao empregado doméstico as horas extras que deverão ser, de no mínimo, 50% superior ao valor da hora normal. Os direitos previstos pela nova emenda com aplicação imediata são; salário mínimo fixado em lei; irredutibilidade salarial, salvo acordo ou convenção coletiva; garantia do salário nunca inferior ao mínimo; 13º salário, com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; duração do trabalho de oito horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horário e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos: remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal; férias remuneradas acrescidas de um terço; licença à 19 gestante; licença-paternidade; aviso prévio proporcional; redução dos riscos inerentes ao trabalho; aposentadoria; reconhecimento das convenções e acordos coletivos; proibição de diferença salarial; proibição de discriminação no tocante a salário e admissão de trabalhador com deficiência; proibição de trabalho perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e qualquer menor de 16 anos, salvo como aprendiz a partir dos 14 anos. Dentre os novos direitos albergados pela nova emenda existem os que dependem de lei complementar para ter aplicabilidade: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário; fundo de garantia do tempo de serviço; remuneração do trabalho noturno superior a do diurno; salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda; assistência gratuita aos filhos em creches e pré-escolas; seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador sem excluir, a obrigação de indenizar quando incorrer em dolo ou culpa. 20 2 DIFERENÇA DETRABALHO E EMPREGO Antes de adentrar ao conceito propriamente de empregado, é importante estabelecer a distinção entre empregado e trabalhador, pois embora ambos os institutos refiram-se à relação laboral, ou seja, ao desenvolvimento de uma atividade ou a prestação de um serviço, guardam suas respectivas particularidades. O instituto trabalho deve ser entendido em um contexto mais amplo que abrange todo tipo de vinculo jurídico através do qual uma pessoa executa obra ou serviço para outrem mediante uma contraprestação. A relação de trabalho é gênero e engloba diferentes vínculos laborais, dentre eles o emprego. A relação de emprego é uma relação de trabalho especial, pois para sua caracterização não basta o desenvolvimento da atividade laboral, é necessário que a prestação ou desenvolvimento da atividade seja executado dentro de um contexto próprio, obedecendo às condições necessárias à caracterização, não apenas do vinculo laboral, mas da relação empregatícia. Portanto, para que seja caracterizada uma relação de emprego é necessária a observação aos requisitos caracterizadores de tal vinculo, que uma vez presentes fazem com que se identifique uma relação de emprego e não apena uma relação de trabalho, pois, embora toda relação de emprego seja uma relação de trabalho, nem toda relação de trabalho configura vinculo de emprego. Pois trabalho é gênero do qual emprego é espécie. Assim, os elementos caracterizadores do vínculo de emprego têm natureza geral e devem estar presentes em toda relação que tenha por objetivo o enquadramento legal como empregado. Portanto, para que se tenha configurada uma relação empregatícia, são necessários os seguintes requisitos: pessoa física pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade. A ausência desses requisitos desconfigura-se o vínculo de emprego e tem-se uma atividade laboral diversa. 2.1 Conceito de empregado doméstico O vocábulo doméstico tem sua origem no latim domesticus, que significa da casa, do lar, família, de domus, lar, portanto, é a parte da cozinha onde se acende o fogo. Em um sentido amplo significa qualquer habitação. Portanto, 21 doméstica é a pessoa que trabalha para a família em sua habitação. A lei 5859/72 traz em seu artigo primeiro a definição de empregado doméstico como sendo “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.” Embora a lei que rege os empregados domésticos traga em sua redação os requisitos fáticos jurídicos específicos da relação empregatícia, não dispensa os requisitos gerais próprios de qualquer vínculo de emprego. Os requisitos gerais são: trabalho realizado por pessoa física; pessoalidade; onerosidade, subordinação e não eventualidade, embora esse último mereça maior atenção que será dada adiante. Dessa forma, aplicam-se os requisitos de natureza geral e os de natureza específica para caracterizar a relação de emprego doméstico. Nesse sentido, entende Mauricio Godinho Delgado: Tecnicamente, empregado domestico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza continua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família, em função do âmbito residencial destas (DELGADO, 2008, p.365). Vale salientar que por força do artigo I, da lei 2.756/56, os empregados porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais são regidos pelo diploma celetista, para isso, devem prestar seus serviços para a administração do prédio de forma geral, pois uma vez individualizado o serviço, descaracterizada está a relação celetista, podendo enquadrar se como uma relação laboral de natureza doméstica. 2.2 Conceito de empregador doméstico Embora a Lei 5.859/72 não especifique de forma clara o que vem a ser o empregador doméstico, ao conceituar o empregado acaba dando, ainda que indiretamente, o conceito de empregador. Nesse sentido, empregador doméstico é a pessoa física ou a família que recebe a prestação do serviço, de forma continua e sem finalidade lucrativa para seu âmbito residencial. Assim, para caracterizar o empregador doméstico, deve-se levar em consideração se o trabalho gera lucro ou não, caso possua lucro não será empregador doméstico, mas sim urbano ou rural. 22 2.3 Requisitos gerais da relação de emprego Pessoa física Por pessoa física entende-se toda pessoa natural, pois pessoa jurídica não pode figurar com obreiro. Pessoa jurídica não dispende força de trabalho, razão pela qual, não pode ser considerada empregado. É necessário para configurar a relação de emprego que o empregado seja uma pessoa física, caso contrário tem-se qualquer outro tipo de relação, menos uma relação empregatícia. Pessoalidade Pessoalidade significa que o serviço deverá ser prestado pelo próprio empregado contratado não podendo se fazer substituir por terceiro, pois para o obreiro, o contrato é ‘intuito personae.’ Caso o obreiro se faça substituir na prestação do serviço, tem-se uma relação de trabalho, sem, contudo, caracterizar uma relação empregatícia. Não eventualidade Não eventualidade deve se entender o trabalho prestado de forma contínua, duradoura, permanente, em que o empregado em regra se integra aos fins sociais desenvolvidos pela empresa. Na esfera trabalhista doméstica, o legislador, ao invés de usar a expressão não eventualidade, deu conformação jurídica diversa e optou pela expressão serviço de natureza contínua, o qual será mais bem abordado dentro dos requisitos de natureza específica. Subordinação Na subordinação o empregado é subordinado ao seu empregador. Contudo, a referida subordinação não é econômica ou técnica. Trata se de uma subordinação jurídica, que nasce com o contrato celebrado. Dessa forma, após firmar o contrato de emprego o obreiro fica subordinado ao empregador e para tanto deve acatar as ordens e determinações proferidas. Em razão dessa subordinação 23 nasce para o contratante, inclusive, a possibilidade de aplicar penalidades ao contratado em caso de descumprimento às ordens do patrão. Onerosidade Em relação à onerosidade, o empregado tem a obrigação de executar os serviços para o qual foi contratado e o direito de receber como contraprestação pelo serviço prestado a remuneração. A remuneração é o principal objeto dentro da relação de emprego, pois quem trabalha quer receber a contraprestação pelo serviço prestado. Dessa forma, a onerosidade gera direitos e deveres para ambas as partes, empregado e empregador, dentro da relação de emprego. 2.4 Requisitos específicos do empregado doméstico Com isso, percebe-se que, para que haja a configuração da relação de emprego doméstico, é necessária a presença dos cinco elementos fáticos jurídicos caracterizadores da relação de emprego, previstos de forma geral (pessoa física, pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade), acrescidos dos três elementos específicos (continuidade, finalidade não lucrativa por parte do empregador, bem como serviço prestado em âmbito residencial). Continuidade A Lei do Doméstico, Lei 5.859/72, em seu artigo 1°, utilizou a expressão natureza continua, ao invés da natureza não eventual usada pela CLT. Isso fez surgir duas interpretações diferentes. A primeira corrente entende que é irrelevante e que os critérios para apreciação do trabalho contínuo e eventual são os mesmos, na verdade, para essa corrente tratam-se de palavras sinônimas. O que importa para os adeptos desse entendimento é a necessidade permanente desta mão-de-obra, que é demonstrada pela repetição do trabalho enquanto durar o contrato. Para Sérgio Pinto Martins (2012), segundo entendimento seguido por Maurício Godinho Delgado (2008), compreende que o processo de interpretação do direito deve combinar o método linguístico, com os métodos sistemáticos e teleológicos. Dessa forma, descobrira-se o nexo lógico entre as expressões 24 normativas existentes e a unidade complexa do direito como um todo integrante e coerente. Portanto, ao deixar de adotar a expressão celetista, não eventual e optar pela natureza contínua, a Lei dos Domésticos, nº 5.859/72 firmou o conceito de trabalhador eventual doméstico nos moldes da teoria da descontinuidade. O entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário entende que o trabalho prestado por três ou mais dias da semana é um trabalho contínuo e tem por consequência o vinculo de emprego estabelecido. Finalidade não lucrativa De acordo com esse requisito, o empregador doméstico, jamais pode auferir algum tipo de lucro com a prestação do serviço de seu empregado, pois se obtiver lucro estará descaracterizada a relação empregatícia doméstica, dando lugar a uma relação de emprego urbano ou rural. Pessoa física ou família O empregador doméstico não pode ser pessoa jurídica, tem que ser pessoa física ou família. É importante estar atento para o fato de que o conceito de família é amplo, não se restringe apenas à família formada por homem e mulher, mas sim a todas as pessoas que convivem sob o mesmo teto. Neste sentido, entende Sérgio Pinto Martins: [...] A lei usa, porém, o termo família num sentido amplo, devendo se entender que são todas as pessoas que vivam na mesma residência, como ocorre com parentes que moram no mesmo local, como tio e sobrinhos ou irmãos e primos [....] (MARINS, 2002, p. 45). Entendimento semelhante é o da professora Volia Bonfim, que define o conceito de família de forma ampla e diz que deve ser compreendido como uma reunião espontânea de pessoas para habitarem em conjunto, ainda que não haja vinculo de parentesco entre elas. O serviço prestado para a família tem esta como sua real empregadora, contudo, em razão de o ente família não ter personalidade jurídica, a responsabilidade pela assinatura da CTPS ficara a cargo de um dos membros da família com capacidade para executar o ato. 25 Dessa forma, pode se depreender da leitura que o principal diferencial em relação aos requisitos caracterizadores da relação de emprego é a necessidade imposta pela lei de que não haja finalidade lucrativa por parte do empregador na relação laboral, que não seja de forma eventual e que seja prestado à pessoa ou a família em âmbito residencial. Portanto, diante da definição trazida pela legislação própria, pode se dar como exemplo a arrumadeira, faxineira, cozinheira, babá, cuidador de idoso, marinheiro particular, jardineiro, caseiro, motorista particular que transporta a família. Qualquer pessoa que preste seus serviços em âmbito familiar e que a atividade prestada não traga lucro ao seu empregador, será considerado empregado doméstico. 26 2.5 Dos princípios: conceito Antes de adentrar aos princípios propriamente que norteiam as relações de trabalho, faz se necessário um entendimento ainda que superficial do que é um principio. O vocábulo princípio vem do latim ‘principium’ e tem por significado a origem, o começo, ou seja, a fonte primeira onde se busca algo. Para o mundo jurídico os princípios são as proposições que dão fundamento ao direito, a base inspiradora e norteadora da norma jurídica. Nesse sentido preleciona Sergio Pinto Martins: Sustentam os princípios os sistemas jurídicos, dando-lhes unidade e solidez. São, portanto, vigas mestras do ordenamento jurídico. Princípio é a bussola que norteia a elaboração da regra, embasandoa e servindo de forma para sua interpretação. Os princípios influenciam as regras (MARTINS, 2011, p. 63). Existem princípios gerais aplicados aos outros ramos do direito que se aplicam também ao direito do trabalho. São princípios que por sua generalidade, norteiam a própria consciência do que é certo ou errado. Contudo, mesmo tendo aplicação abrangente, muitas vezes tais princípios requerem uma adaptação para que possa se ajustar ao ordenamento jurídico trabalhista. Os princípios exercem uma função informativa, normativa e interpretativa. Dentre os princípios gerais que podem ser aplicado às relações laborais, é o princípio da inalterabilidade contratual ou pacta sun servanda, que determina que o contrato faça lei entre as partes, pois aquilo que foi acordado deverá ser cumprido fielmente. O princípio da ‘boa fé contratual’ é aplicável a qualquer contrato e em qualquer ramo do direito, seja civil, comercial ou no direito do trabalho. Portanto, todo contrato deve ter como princípio basilar a boa-fé. Com isso, o empregado deve agir de forma honesta cumprindo aquilo a que esta obrigado dentro daquela relação contratual e o empregador deverá cumprir com a contraprestação devida pelo trabalho recebido. 2.5.1 Princípios trabalhistas Princípio da proteção 27 Pelo princípio da proteção, busca se proteger a parte mais fraca na relação laboral, ou seja, aquele que se encontra em condição de hipossuficiência dentro daquela estrutura de trabalho. O intervencionismo estatal é justamente para assegurar que regras mínimas sejam obedecidas, como forma de proteção ao obreiro, que é a parte mais vulnerável nessa relação. O princípio da proteção sofre um desdobramento em outros três, quais sejam: principio in dúbio pro operário; princípio da aplicação da norma mais favorável; princípio da condição mais benéfica. Principio in dubio pró-operário Por este principio, deve se aplicar a regra mais favorável ao empregado. Ao analisar uma norma e perceber que esta tem duas ou mais interpretações possíveis, que seja aplicada ao obreiro aquela que lhe favoreça. Contudo, vale salientar que tal princípio não se aplica de forma absoluta, pois em se tratando de matéria probatória não se admite o in dúbio pró-operário, pois aquele que alega o direito deve prover as provas constitutivas de seu direito, bem como ao que nega o direito do autor deve fazer prova de fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. Princípio da aplicação da norma mais favorável Por esse princípio, deve ser aplicada a norma mais favorável independente da posição que ocupe na escala hierárquica. A aplicação acontece em momentos distintos, ou seja, desde a elaboração da regra jurídica, em que as disposições legais devem criar regras mais favoráveis à parte mais fraca, o trabalhador. A norma mais favorável também deve ser empregada na hierarquização, portanto, havendo vários dispositivos legais regulando determinado fato aplicar-se-á aquele mais favorável ao obreiro, independente da posição hierárquica que ocupe. A norma mais favorável deverá ser observada no momento da interpretação das normas jurídicas. O interprete ao se confrontar com dois ou mais entendimentos a respeito de determinado dispositivo devera fazer valer aquele que seja mais favorável ao trabalhador. 28 Princípio da condição mais benéfica Pelo princípio da condição mais benéfica, entende-se que as determinações contratuais mais vantajosas ao obreiro, ou mesmo as oriundas de regulamento da empresa devem prevalecer em relação à norma superveniente, que disponha sobre a mesma matéria, estabelecendo um grau de proteção inferior ao que foi pactuado. Princípio da irrenunciabilidade de direitos Pelo princípio da irrenunciabilidade de direitos, ou princípio da indisponibilidade de direitos, trazidos no artigo 9° da Consolidação das Leis Trabalhistas, determina que: “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação”. Através desse princípio os direitos de natureza trabalhista são irrenunciáveis, indisponíveis e inderrogáveis. Portanto é possível constatar a importante proteção concedida ao trabalhador que não pode ficar a mercê do seu empregador e com isso sofrer pressões para não exercer seus direitos, ou mesmo deixar de reivindicar conquistas adquiridas com muita luta. Portanto o empregado não pode dispor das normas trabalhistas e desistir de direitos que lhes são assegurados por lei. Nesse sentido, Delgado entende: A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo direito do trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego [...] (DELGADO, 2008, p. 201). Princípio da continuidade da relação de emprego De acordo com tal princípio o contrato de trabalho, via de regra, é pactuado por prazo indeterminado e como exceção admite o contrato por prazo determinado. O obreiro ao ser contratado passa a integrar de forma permanente a estrutura da 29 empresa para a qual foi contratado. Interessa, portanto ao universo jurídico trabalhista que o contrato perdure o maior tempo possível. Apesar de nas relações contratatuais trabalhista a regra ser o contrato por prazo indeterminado, tal princípio sofre certa flexibilização com a introdução da lei 5.107/66 que institui de forma opcional, o fundo de garantia do tempo de serviço, FGTS, isso fragilizou um pouco o princípio em comento tornando, de certa forma, a dispensa do empregado direito potestativo do empregador. Com o advento da CF/88 o que antes era uma faculdade torna se obrigatório a todos os empregados, exceto aos domésticos, não mais existindo a modalidade opcional. A Constituição manteve um equilíbrio jurídico em relação ao referido principio, pois, por um lado estendeu a obrigatoriedade de forma geral do instituto do FGTS, que permite que o empregador despeça seu empregado de forma discricionária, encerrando assim o contrato de trabalho. Porém, como forma de proteção à parte hipossuficiente na relação de emprego e respeito ao princípio supramencionado, buscou mostrar que seria mais proveitosa para o empregador a manutenção do contrato de trabalho, uma vez que nas despedidas sem justa causa, onerou o empregador, criando institutos como indenização compensatória, aviso prévio proporcional, conforme o artigo 7º, incisos I e XXI da CF/88. Onerou, portanto, a dispensa do empregado, valorizando de forma significativa o princípio da continuidade da relação de emprego, conforme se verifica com a leitura do artigo 7°, incisos I e XXI da CF/88. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; 3.5.2 Princípio da primazia da realidade O princípio da primazia da realidade determina que nas relações de trabalho o operador do direito deva buscar a verdade real, correspondente aos fatos. No conflito, o operador deve investigar se as regras protetivas foram observadas 30 pelas partes. Assim, confrontando-se a verdade real e a formal, caso entenda o operador da norma jurídica que a verdade formal não corresponde aos fatos, que padece de algum vicio, deverá, em respeito ao princípio da primazia da realidade, afastar a verdade formal para se ater à real, como forma de proteção aos direitos do obreiro. O mencionado princípio encontra sua razão na proteção que é devida ao trabalhador, como forma de impedir comportamentos tendentes a fraudar direitos trabalhistas do empregado, como vínculo de emprego e até mesmo conferir direitos inferiores aos que o obreiro tem direito. 3.1.5 Princípio da inalterabilidade contratual lesiva O principio da inalterabilidade contratual tem sua origem no direito civil, mais precisamente no princípio civilista pacta sun servanda, que reza que o que for estipulado no contrato, em regra, deve ser observado pelas partes. Porém, é de extrema importância atentar para o fato de que no âmbito laboral o mencionado princípio não impera de forma absoluta, ao contrário, é mitigado, pois, na realidade o que se proíbe é a alteração contratual lesiva ao obreiro, ainda que com o seu consentimento. O artigo 468 da CLT, conforme se pode ver adiante, não proíbe a alteração se esta não causar prejuízo ao trabalhador. Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Princípio da intangibilidade salarial O empregado, ao ser contratado para desenvolver uma atividade ou prestar um serviço, coloca à disposição do seu empregador a sua mão de obra, vendendo sua força de trabalho e por isso recebe como contraprestação o valor correspondente ao seu trabalho, o salário. O princípio da intangibilidade salarial é extremamente importante, pois tem natureza alimentar, serve para garantir o sustento do obreiro e de sua família. Em respeito ao princípio em comento, o legislador criou institutos que pudessem resguardar o salário do empregado de condutas abusivas por parte de 31 seu empregador, através de regras jurídicas que evitem a retenção, o atraso a sonegação ou mesmos descontos de salários não permitidos, conforme os seguintes artigos da CLT: Art. 459 - O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações. Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. Art. 463 - A prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do País. Art. 464 - O pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo. Art. 465 - O pagamento dos salários será efetuado em dia útil e no local do trabalho, dentro do horário do serviço ou imediatamente após o encerramento deste, salvo quando efetuado por depósito em conta bancária, observado o disposto no artigo anterior (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997). Há também a proteção salarial em relação aos credores do próprio empregado, conforme se depreende da leitura do artigo 649, IV, do código de processo civil, que determina ser o salário do obreiro impenhorável. Protege ainda contra os credores do empregador. Em caso de falência ou dissolução da empresa, o artigo 449 da CLT dispõe sobre a manutenção dos direitos provenientes da existência do contrato de trabalho. Em entendimento semelhante à Lei n° 11.101/2005, Lei de falência, em seu artigo 83 determinou que em caso de falência da empresa os créditos trabalhistas de até 150 (cento e cinquenta) salários mínimos precedem aos demais. Em se tratando de proteger o salário do empregado doméstico, o legislador foi além e permitiu que até mesmo bens considerados por lei como impenhoráveis sofressem exceção em se tratando de dívidas de natureza laboral doméstica, conforme se vê a seguir através da leitura do artigo 3°, I, da Lei 8.009/92, Lei de impenhorabilidade do bem de família. Também se pode perceber a efetividade da referida lei através de alguns julgados dos tribunais regionais do trabalho, conforme a seguir: 32 Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; BENS DE FAMÍLIA – PENHORABILIDADE – A Lei 8.009/90, em seu art. 3º, I, declara que a impenhorabilidade do bem de família não é oponível no processo executivo trabalhista quando se trata dos “... créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias...”. Dispositivo aplicável quando à execução trata dos créditos da ex-empregada doméstica da executada (TRT 10ª R. – AP 0103/2000 – 2ª T. Relª Juíza Flávia Simões Falcão – DJU 30.06.2000 – p. 17. AGRAVO DE PETIÇÃO – BENS DE FAMÍLIA – PENHORABILIDADE – EMPREGADO DOMÉSTICO – Os bens que guarnecem o lar, mesmo que necessários, são passíveis de penhora, para garantir crédito devido a empregado doméstico, nos termos do inc. I, do art. 3º, da Lei nº 8.009/90. (TRT 3ª R. – AP 968/01 – 4ª T. – Rel. Juiz Luiz Otávio Linhares Renault – DJMG 21.04.2001 – p. 16). Não resta dúvida da preocupação do legislador em proteger o valor que é devido ao obreiro pelo serviço prestado. A proteção ao salário do trabalhador se justifica diante de sua natureza alimentícia. Dessa forma, pode-se concluir que cabe ao empregador doméstico observar e respeitar todos os direitos a que faz jus seu empregado, sob pena de ter a sua residência penhorada como forma de assegurar o que é devido ao obreiro. 33 3. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 72/2013 A importância dos afazeres domésticos esteve por muito tempo esquecida por parte do legislador e quando lembrada nunca era em condições de igualdade com os demais trabalhadores. Para corrigir as distorções que permeavam o mundo do labor doméstico surge a proposta de emenda à constituição nº 478/2010 (número na Câmara dos Deputados) e nº 66/2012 (número no Senado Federal), dando origem à emenda constitucional 72/2013, que alterou o parágrafo único do art. 7º da CF/88. Serviu de base para fomentar ainda mais a aprovação da emenda à centésima conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em junho de 2011 e teve por consequência a aprovação da Convenção Internacional do Trabalho n.º 189, que tem por escopo assegurar melhores condições de trabalho aos empregados domésticos no mundo. Portanto, a EC 72/2013 foi além de uma resposta a algumas demandas internas, também uma resposta rápida à convenção supracitada. A Emenda Constitucional n° 72/2013 teve como principal objetivo garantir aos empregados domésticos a igualdade material. A emenda veio como resposta aos anseios de uma classe trabalhadora, que durante anos tiveram seus direitos como empregados desprotegidos. Assim, no plano interno, a mídia também teve sua participação através de telenovelas que retratavam a rotina das empregadas domésticas. A aprovação da emenda foi muito festejada, pois elevou essa categoria de trabalhadores à mesma dos trabalhadores urbanos e rurais. Em um país democrático como o Brasil, estava mais do que na hora de amparar essa classe que sempre viveu às margens da observância das normas que emanam do Poder Legislativo. Anterior à emenda constitucional, o empregado doméstico podia trabalhar mais de oito horas diárias e 48 semanais, sem direito à percepção do valor correspondente às horas extras. Isso ocorria porque a própria carta maior deixou de contemplar com o mencionado instituto a categoria dos empregados do lar. Com isso, os empregados domésticos podiam trabalhar quantas horas o corpo aguentasse e o empregador exigisse sem que tal esforço fosse recompensado a titulo extraordinário. 34 A determinação do controle da jornada de trabalho dos domésticos tratase, na realidade, de uma necessidade básica, sendo de extrema relevância para a execução das atividades laborais de forma contínua e satisfatória. Com isso, o empregador, pode obter o atendimento das necessidades laborais com maior eficiência sem que haja esgotamento físico ou outros males à saúde do obreiro doméstico. Reconhece-se, portanto, o direito a percepção das vantagens decorrentes do trabalho realizado fora da jornada como compensação dos efeitos suportados pelo obreiro que desempenha suas atividades além da jornada prevista. Nesse caminho, obteve-se um passo importante. Determinou-se entre outros direitos a limitação da jornada de trabalho de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais e o adicional de horas extras. 3.1 Da norma reguladora Em razão do texto da emenda à constituição deixar claro os novos direitos que dependem de lei regulamentando, excluindo desse rol as horas extras, compreende-se que sua aplicabilidade é imediata. Com isso, surgem novas indagações, como, por exemplo, que lei vai ser aplicada, se é possível apropriar-se do que a CLT preconiza e aplicar aos domésticos já que a lei específica por ser uma lei de 1972, bem anterior à emenda, silencia sobre tal assunto. Nesse sentido, a professora Volia Cassar Bonfim1 entende que os direitos com aplicabilidade imediata deve fazer uso da CLT para garanti-los. Para tanto, usa como fundamento o artigo. 5º parágrafo 1º, da CF/88, que determina que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Os direitos contidos no artigo 7º da Constituição Federal são direitos fundamentais, logo, sua aplicação é imediata, portanto, a maioria dos novos direitos estendidos aos domésticos não depende de regulamentação e, por isso, podem ser aplicados imediatamente, como é o caso das horas extras. Entende a professora Vólia Bonfim que devem ser aplicada as normas da CLT naquilo que for compatível, portanto, o capítulo II do diploma celetista, que disciplina a duração do trabalho, deve ser aplicada ao doméstico. No mencionado capítulo, entre outros, tem- se as seguintes previsões: descontos salariais por atraso 35 ou limite para considerar hora extra, conforme artigo, 58 parágrafo 1°; as horas in itinere, artigo 58, paragrafo 2° da CLT; as limitações para o trabalho extraordinário, artigo 59, caput e as regras para o acordo de compensação, artigo 59, parágrafo 2°; o intervalo intrajornada e interjornada, artigos, 66, 71 e seguintes; as regras para adoção de controle da jornada do empregado, conforme artigo 74 da CLT. O empregado doméstico não se submetia a um horário rígido de entrada e saída, dessa forma podia trabalhar muito ou pouco a depender do serviço que iria executar. Diante da relação que se estabelecia entre empregado e empregador, que muitas vezes trata o empregado como alguém da família, dando liberdade a ele para que desenvolvesse suas atividades da forma mais conveniente, sem que o empregador precisasse fazer o controle de entrada e saída, ou mesmo intervalo para refeições. 3.2 Jornada de trabalho O vocábulo giornata em italiano quer dizer dia, o lapso temporal correspondente ao dia. Em Frances usa se a expressão jour que tem por significado dia e journee para jornada, portanto, aquilo que é diário. Sergio Pinto Martins define a jornada de trabalho como a quantidade de trabalho dispendido pelo empregado de forma diária, correspondendo ao número de horas em que o empregado presta seus serviços para o empregador, computando do seu início ate o término. O legislador limitou a jornada de trabalho do empregado como forma de proteção, tendo como fundamento a redução de acidentes envolvendo a atividade laboral. Para isso, utilizou pelo menos quatro critérios para justificar o controle da jornada, quais sejam: biológicos, que dizem respeitos aos efeitos causados ao empregado que trabalha cansado, fadigado; sociais, pois o empregado necessita ter tempo livre para a família e lazer; econômico, pois não seria justo que o empregador enriquecesse de forma ilícita, obrigando o empregado a trabalhar até a exaustão e também humano, pois o empregado precisa conservar seus direitos como pessoa. A Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 7° inciso XIII, determina que a duração do trabalho seja de 8 horas diárias e quarenta e quatro semanais, contudo a própria carta em seu artigo 7°, parágrafo único, determina que não se aplique a categoria dos empregados domésticos. Dessa forma 36 o trabalho exercido acima da jornada permitida de oito horas diárias devera ser remunerado a titulo extraordinário. Nesse mesmo sentido a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, preleciona em seu art. 58, a jornada de trabalho diária em oito horas, o que reforça a importância a ser dada ao controle e limitação do tempo de trabalho diário prestado pelo empregado. Vale ressalte-se que a CLT é de momento bem anterior a Constituição da República Federativa do Brasil. Contudo, embora tenham surgido décadas antes, já vislumbrava a necessidade de tal guarida. Como forma de proteger o empregado domestico, que afinal de contas, como os demais se cansam e sofrem todos os males oriundos de uma relação de trabalho. A emenda modificou o parágrafo único do artigo 7° da constituição federal garantiu aos domestico a aplicação do controle de jornada e as horas extras que, a partir de então, passam a fazer jus à percepção dos valores trabalhados além da jornada determinada. 3.3 Horas extras-empregado doméstico As horas extras são as horas de trabalho laboradas além das que estão previstas legalmente ou convencionada entre as partes no ato da celebração do contrato de trabalho. Portanto o trabalho prestado após o que foi estipulado, que devera ter duração máxima de oito horas, podendo as partes acordar de forma diferente desde que não ultrapassem as oito horas determinadas, devera ser remunerada como horas extras. Horas extras são as prestadas além do horário contratual, legal ou normativo, que devem ser remuneradas com o adicional respectivo. A hora extra pode ser realizada tanto antes do inicio do expediente, como após seu termino normal ou durante os intervalos destinados a repouso e alimentação (MARTINS, 2012, p. 533). Apesar de o instituto das horas extras serem uma garantia constitucional e legal não se aplicava ao empregado domestico, pois o próprio artigo 7° parágrafo único tratou de excluir de seu âmbito de incidência a categoria dos empregados domésticos. Com o advento da emenda constitucional n° 72/2013 que ampliou de forma significativa os direitos dos empregados domésticos, assegurando lhe direitos ate então previsto apenas para os trabalhadores urbanos e rurais, muitas mudanças 37 foram asseguradas a categoria. Dentre os novos direito previstos para os domestico esta as horas extras. Portanto a categoria dos empregados domésticos agora se submete a controle de jornada, qual seja de 8 horas diárias e quarenta e quatro semanais. As horas trabalhadas além das previstas serão pagas como hora extra. 3.3.1 Acordo de prorrogação de horas Acordo de prorrogação de horas é o ajuste do desejo entre as partes para que a jornada de trabalho possa ser prolongada além do limite imposto pela lei, recebendo o obreiro como contraprestação o pagamento de horas extras, conforme o artigo 59 da CLT. Art. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em numero não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. Dessa forma pode empregador e empregado domestico, acordar a prorrogação da jornada de trabalho além das 8 (oito) horas determinadas, basta que as partes assim convencionem e que respeitem o limite estabelecido pela lei. O acordo devera ser escrito e constar que a remuneração da hora extraordinária devera ser acrescida de 50% (cinquenta) por cento, conforme art.7°, XVI da constituição, em relação à hora normal. Vale salientar que o limite para prorrogação de horas depois de cumprida a jornada de oito horas é de duas horas por dia, totalizando dez horas. Porem caso o empregado venha a prestar mais de duas horas diárias devera ser remunerado, pois não seria justo que o empregador se locupletasse à custa do serviço alheio. Ademais as partes não poderiam voltar ao estado anterior, devolvendo ao obreiro a força de trabalho despendida. 3.3.2 Compensação da jornada de trabalho A compensação de jornada é o acordo feito entre empregador e empregado, para que este trabalhe mais horas em determinado dia e dessa forma em dia posterior trabalhar menos para compensar as excedentes prestadas anteriormente. Poderá, portanto o trabalhador trabalhar menos ou mais horas e 38 compensar depois, sem que isso lhe acarrete prejuízo salarial. Conforme art.59, parágrafo 2° da CLT: Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, a soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. Com isso, compreende-se que os sujeitos da relação empregatícia de natureza domestica, são livres, para dentro do limite legal, ajustarem a compensação de jornada, caso queiram, ou seja, mais conveniente a uma das partes e a outra concorde. Portanto o empregado doméstico pode acordar com seu empregador para que, por exemplo, trabalhe mais em um dia e no dia seguinte possa chegar mais tarde dando o desconto, ou seja, compensando as horas já trabalhadas. Na hipótese de o empregado ter seu contrato de trabalho encerrado sem que o empregador tenha lhe concedido a compensação da jornada de forma integral devera pagar as horas não compensadas a titulo de horas extras, conforme o art. 59, parágrafo 3° da CLT: a rescisão contratual sem que tenha sido concedida integralmente a compensação, fará jus o obreiro ao pagamento das horas extras, calculada sobre o valor da remuneração na data da rescisão. 3.3.3 Intervalos intrajornada Intervalo intrajornada é o intervalo que é feito dentro da própria jornada de trabalho, para que o empregado possa se alimentar ou descansar e dessa forma recompor seu organismo para que possa retomar suas atividades e continuar a jornada de trabalho. O intervalo tem que ser de no mínimo uma hora e no Máximo duas horas, conforme o art.71 da CLT. Art.71 Em qualquer trabalho continuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1(uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrario, não poderá exceder de 2 (duas) horas. Portanto, o doméstico tem direito ao intervalo para fazer suas refeições e descansar. Contudo, é importante esclarecer que anterior à emenda, normalmente, 39 o próprio empregado fazia seus horários para refeição e descanso. A partir da emenda devera o empregador estabelecer o horário de intervalo do empregado. Contudo não será tão simples uma vez que o empregador muitas vezes trabalha e não tem como fiscalizar se o empregado usufrui o intervalo, podendo futuramente ser demandado em juízo para pagar horas extras. No caso do domestico, que por alguma razão, desenvolva suas atividades no período noturno, ainda assim faz jus ao intervalo de pelo menos uma hora normal e não a hora noturna de 52 minutos e 30 segundos, pois o artigo 71 da CLT, não prevê distinção a respeito, tampouco o artigo 73 do diploma celetista trata do assunto. 3.3.4 Intervalo interjornada O intervalo de tempo interjornada corresponde ao espaço de tempo que precisa existir entre uma jornada e outra de trabalho. O objetivo desse intervalo é garantir que o obreiro descanse e refaça suas energias. O empregado descansado é mais produtivo. Portanto nos termos do art. 66 da CLT: Entre 2 (duas) jornadas de trabalho deverá haver um período mínimo de 11(onze) horas consecutivas para descanso. Caso o empregado esteja cumprindo jornada extraordinária, as 11(onze) horas previstas só serão contadas após o final da hora extra e não após o termino da jornada convencional. As horas correspondentes ao descanso interjornada, deverão ser computadas de forma consecutiva, qualquer interrupção volta se a computar novo período a partir do fim da jornada de trabalho. Dessa forma em suas relações com seu empregado domestico, deve o empregador observar o que determina o artigo 66 do diploma celetista, pois sua inobservância pode acarretar consequências como falta administrativa cometida pelo empregador, conforme artigo, 75 da CLT , bem como o pagamento de horas extras, conforme entendimento jurisprudencial. O tribunal superior do trabalho editou a orientação jurisprudencial 355, da SDBI-1, estabelecendo que as horas que forem subtraídas do intervalo interjornada serão pagas como horas extras, ou seja, a hora normal acrescida do adicional de 50% (cinquenta) por cento, conforme o teor da O.J 355: 40 Intervalo interjornadas. Inobservância. Horas extras. Período pago como sobrejornada. Art. 66 da CLT. Aplicação analógica do § 4º do art.71 da CLT. O desrespeito ao intervalo mínimo interjornadas previsto no§ 4° do art.71 da CLT e na sumula n° 110 do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional. Portanto, o empregador doméstico devera cumprir fielmente, concedendo ao seu empregado o lapso temporal legalmente previsto, para que o obreiro possa descansar e retomar suas forças, dando continuidade as suas atividades laborais, pois a inobservância dessa norma segundo o douto Mauricio Godinho Delgado implica em pelo menos falta administrativa do empregador, uma vez que a referida norma é imperativa, tornando sua aplicação obrigatória. ( Mauricio Godinho delgado, 2008,p. 937) 3.3.5 Horas in itinere Horas in itineres significa o tempo correspondente à ida e volta da residente do trabalhador até o seu local de trabalho em transporte fornecido pelo empregador, conforme se depreende da leitura do artigo 58, parágrafo 2°, do diploma celetista: O tempo despendido pelo empregado ate o local de trabalho e para o seu réu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte publico, o empregador fornecer a condução. Portanto, são necessários dois requisito para que o tempo gasto ate o local integre a jornada diária do empregado: o local tem que de difícil acesso ou não servido por transporte publico regular; o outro requisito é que o empregador deve fornecer a condução. Nesse sentido convém destacar as súmulas 90 e 320 do TST. Súmula 90 do TST-Horas in itinere, tempo de serviço. I o tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, ate o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte publico regular, e para o seu o seu retorno, é computável na jornada de trabalho. II a incompatibilidade entre os horários de inicio e termino da jornada do empregado e os dos transportes públicos regular é circunstancia que também gera o direito as horas in itineres. III a mera insuficiência de transporte publico não enseja o pagamento de horas in itinere. IV se houver transporte publico regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas in itinere remuneradas limitam se ao treco não alcançado pelo transporte publico. 41 V considerando que as horas itinere são computáveis na jornada de trabalho. o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. Súmula 320 do TST- horas in itinere. obrigatoriedade de computo na jornada de trabalho. o fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para o local de difícil acesso ou não servido por transporte regular não afasta á percepção das horas in itinere. Dessa forma, o empregado doméstico que se encontrar nas condições acima previstas devera ter incorporado a sua jornada, o tempo correspondente ao seu deslocamento. Assim, caso o obreiro cumpra uma jornada de 8 (oito) horas diárias, por exemplo, deverá ter sua jornada computada desde o início de seu deslocamento e não do momento que efetivamente entra no trabalho. As horas que excederem as previstas deverão ser remuneradas como extraordinárias. Vale mencionar que em se tratando do doméstico que presta seus serviços e reside na própria casa do empregador o instituto em questão é inaplicável. Contudo, aplica-se sem nenhum problema aos que moram em locais distantes e de difícil acesso. 3.4 Das dificuldades na realidade fática Não há duvida que a emenda veio para corrigir e regular as relações trabalhistas de uma classe trabalhadora que atravessou séculos trabalhando muito e recebendo pouco pelo trabalho prestado. Enfim, a tão sonhada igualdade bate a porta da categoria que ansiava por medidas igualitárias por parte do poder legislativo. Com a dinâmica empreendida em um mundo moderno e com uma visão voltada para o social, à mencionada emenda foi vista como medida de justiça. Com isso, várias dúvidas permeiam a cabeça, não apenas dos empregadores, mas também dos operadores do direito, pois, no que diz respeito à situação das horas extras e respectivo adicional, como poderão, em uma eventual demanda na justiça, ambas as parte provarem o seu direito. Como o empregador vai fazer para controlar a jornada a jornada de trabalho de um caseiro ou de uma pessoa que cuida de idosos? Como ficará a situação do doméstico que dorme na residência do patrão? O patrão deverá fiscalizar a hora que o empregado se acorda, que inicia e que finda o serviço, para evitar que futuramente, tenha que arcar com o pagamento de horas extras? Como fará esse controle quando o empregado está 42 acostumado a trabalhar de forma livre? Ou seja, o próprio empregado ao longo do dia faz os seus horários. Ônus da prova das horas extraordinárias Ônus da prova é a expressão utilizada para definir quem é a pessoa responsável por sustentar uma afirmação ou conceito. Isso significa que a pessoa responsável por uma determinada afirmação deve oferecer as provas necessárias para sustentá-la. Dessa forma toda afirmação precisa de sustentação, de provas para ser levada em consideração, e quando não são oferecidas, essa afirmação não tem valor argumentativo e deve ser desconsiderada, Conforme vê- se da leitura dos artigos 333, incisos I e II do CPC: 43 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Nas relações laborais domésticas é complicado determinar a quem cabe fazer prova das horas trabalhadas além das permitidas legalmente. Diferentemente de uma empresa em que o empregador fiscaliza pessoalmente, ou paga alguém para inspecionar a atividade desenvolvida por seu empregado. Na esfera laboral doméstica quase sempre o empregado passa o dia sozinho em casa, pois o empregador sai para trabalhar e entrega sua residência aos cuidados do doméstico. Com isso, surgem muitas dúvidas, já que o artigo 74, parágrafo 2° da CLT afirma que não é obrigado sua observância para o empregador com menos de 10 (dez) empregados. Em eventual demanda que o empregado pleiteasse horas extras poderia ocorrer a inversão e o empregador ter que provar hora de entrada e saída, bem como intervalo do empregado. Assim, deverá o empregador, como forma de precaução, manter algum tipo de registro que prove o efetivo tempo de trabalho do obreiro. É importante atentar para o fato de que a prova testemunhal também gera muitas dificuldades, pois não é fácil encontrar dentro do local de trabalho quem preste depoimento, já que é a residência do empregador e as pessoas que lá habitam compõem a sua família. A dificuldade é para ambas as partes, pois para o empregador terá pouca ou nenhuma credibilidade o depoimento prestado por alguém de sua própria família, nos termos do artigo 829 da CLT: “Art. 829 - A testemunha que for parenta até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes não prestará compromisso e seu depoimento valerá como simples informação.” Neste sentido, o ônus da prova seria daquele que alega fazer jus às horas extras, porém, corre-se o risco de no caso concreto entender que este é hipossuficiente e reverter o ônus, deixando-o ao cargo do empregador. Na realidade fática é necessário que o empregador se resguarde, através de algum tipo de controle da jornada do empregado, como forma de evitar aborrecimentos em demandas futuras. 44 Do trabalho doméstico informal A grande maioria da população apoiou a aprovação de emenda à constituição que ampliou o rol dos direitos dos trabalhadores domésticos. Contudo, é preciso estar atento às mudanças trazidas, pois o trabalho doméstico tem características diferenciadas dos demais. Assim é necessário estar atento também ao perfil do empregador doméstico, pois este, além de não auferir lucro com aquele empregado, na grande maioria das vezes é empregador de classe média que também vive de salário. Portanto, manter o empregado vai gerar um ônus muito pesado para estes empregadores. Com isso, vai ter uma aceitação maior pelas diaristas, de forma que não gerem vínculo de emprego, onerando de forma significativa o empregador. Vale salientar que conforme pesquisa veiculada pelo site R7 noticia2, embora exista o apoio popular, 89% dos entrevistados não contrata o serviço do empregado doméstico. Mesmo dando apoio à nova emenda constitucional, 68% dos entrevistados acredita que os empregadores domésticos terão dificuldades em se ajustar à nova realidade que a emenda impõe e dessa forma cumprir com todas as exigências legais. Dos que acreditam que os patrões terão pouca ou quase nenhuma dificuldade, totalizam 21% os outros 10% não souberam ou não quiseram emitir opinião a respeito. Diante da realidade que é a nova emenda, o empregador buscará meios alternativos para que continue a obter a prestação laboral de forma menos dispendiosa. Nesse sentido, recorrer aos serviços das diaristas, em vez de empregadas registradas, parece a opção mais procurada. Corroborando com esse entendimento, declara Camila Pansica: Desde novembro começou a enfraquecer a procura por domésticas. Agora está superfraco e o que recebemos são indicações para classes A e AAA que não têm problema em pagar R$ 2 mil para empregada. A classe C, que pagava entre R$ 800 a R$ 1 mil, não quer contratar mais, e já opta por 2 diarista.” Entendimento semelhante é o de Erle Mesquita Mendes, que diz que a nova legislação vai contribuir com o declínio do desemprego doméstico. Para o analista, a nova regulamentação vai tornar mais difícil as relações entre patrão e empregado, sobrecarregando o orçamento familiar dos empregadores. Acrescenta, 2 Camila Aragão Pansica, diretora-executiva da agência Gentil, que recruta trabalhadores domésticos em São Paulo (colocar nota de rodapé). 45 ainda, que apenas 10% (dez por cento) da população que trabalha, na cidade de Fortaleza, ganha mais de dois (dois) mil reais. Dessa forma, arcar com o salário do empregado doméstico de 672,00 (seiscentos e setenta e dois) reais, mais os encargos devidos seria insustentável. Por essa razão, o doméstico em tempo integral e devidamente registrado acaba perdendo espaço para as diaristas.3 Em outubro de 2013 foi realizada a (PED) pesquisa de emprego e desemprego na região metropolitana de Fortaleza. A pesquisa é realizada por meio de uma amostra domiciliar na área urbana de 13 municípios que compõem a região: Aquiraz, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Fortaleza, Guaiúba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape, Pacajus, Pacatuba e São Gonçalo do Amarante. São entrevistados mensalmente 2.500 domicílios para a coleta de dados e o trimestre avaliado foi o correspondente aos meses de agosto, setembro e outubro de 2013. De acordo com os dados divulgados, houve uma redução significativa de trabalhadores domésticos. Reduziu-se o emprego doméstico em aproximadamente (-4 mil ou -3,6%). A força de trabalho doméstico atualmente corresponde a 6,4% da força de trabalho, atuando nesse tipo de ocupação. Segundo Erle Mesquita, essa é a menor ocupação de toda a história da PED, em se tratando do contingente de empregados domésticos na região metropolitana de Fortaleza. Os empregadores vão procurar fazer as devidas adaptações como forma de garantir a redução de gastos com a empregada doméstica em tempo integral. Muitos operadores do direito da seara trabalhista entendem que os impactos trazidos pela EC 72 não se restringem apenas às dificuldades do empregador oriundo da nova gama de direitos trabalhistas domésticos. Haverá, portanto, impactos em outros setores da sociedade, como: imobiliário, pois as famílias irão preferir imóveis menores e fáceis de manter. O setor de alimentos também será influenciado, uma vez que as famílias irão preferir comer fora a manter uma empregada em tempo integral. Dessa forma, a emenda constitucional 72/2013 traz mudanças econômicas e sociais. 3 Erle Mesquita Mendes, coordenador de estudos e análises do mercado do Sine/IDT/ Fortaleza. 46 CONCLUSÃO Com a publicação dos novos direitos domésticos em abril de 2013, muitas foram as mudanças para os trabalhadores domésticos, especialmente em se tratando de jornada extraordinária. Dessa forma, a emenda 72/ 2013 foi considerada um grande avanço, pois colocou o Brasil entre os países com legislações trabalhistas mais avançadas no mundo. Dentre os novos direitos assegurados pela emenda está o instituto das horas extras, até então jamais previsto pelas legislações anteriores. Sem dúvida, foi um grande avanço, pois nada mais justo para aquele que trabalha além da jornada legalmente permitida, como forma de justiça e também para evitar o enriquecimento ilícito daqueles que se beneficiam desta mão de obra. Contudo, com a promulgação da emenda, muitas incertezas vieram à tona, pois o trabalho doméstico sempre foi uma atividade com peculiaridades próprias, que não se confundem com as demais. O empregado doméstico, normalmente é alguém com que o empregador confia e entrega sua casa, sem que haja a necessidade de o empregador fazer o controle de jornada. Dentro desse panorama, é preciso estar atento a vários fatores que contribuem para tornar essa questão ainda mais inquietante; não é que as pessoas que trabalham como empregados domésticos não mereçam ser bem remunerados, ou mesmo ter direitos, que são asseguradas às demais categorias, ampliadas a esta classe tão marginalizada, muito pelo contrario, não se podem negar as dificuldades que serão geradas. O legislador, na tentativa de assegurar muitos direitos aos empregados domésticos, corre o risco de tornar esses direitos ineficazes e acabar a referida categoria sem de fato nenhum direito, pois o mercado não terá como absorver essa mão de obra com tanto custo e sem nenhum retorno imediato. Dessa forma, vão ter que trabalhar mais na informalidade, como diaristas, fazendo com que, na prática, tais direitos não sejam cumpridos. Usando como argumento a igualdade de direitos entre os trabalhadores regidos pelo diploma celetista e o empregado doméstico, o legislador não ponderou acerca das consequências da emenda e os impactos que ela pode desencadear nas relações trabalhistas. Não atentou o criador da norma para as particularidades que cercam o empregado doméstico. 47 O especialista em direito do trabalho da OIT4 declarou à BBC Brasil que o Brasil é um dos países que possuem a legislação doméstica mais avançada no mundo. Apesar de reconhecer a evolução legislativa brasileira na área, acrescenta que é preciso que se criem mecanismos que garantam a sua aplicação. Atualmente, espera para ser aprovado o projeto de autoria do senador Romero Jucá do PMDB (RR), que dentre outros direitos determina que as 40 primeiras horas extras obrigatoriamente terão de ser pagas em dinheiro. O que exceder esse limite poderá ir para um banco de horas e ser compensado em folgas no prazo de, no máximo, um ano. A jornada também poderá ser flexível. Seguir, por exemplo, um regime de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Tudo isso como forma de efetivar o novo texto constitucional e fazer valer de fato a nova gama de direitos, principalmente em se tratando de jornada extraordinária. 4 Martin Oelz, em: <http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/brasil/2013/04/03/oit-diz-que-brasilda-exemplo-ao-mundo-com-legislacao-das-domesticas.html> Acessado em 17 de dezembro de 2013. 48 REFERÊNCIAS ALENCAR, Marcos. 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