PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES: ESTUDO SOBRE O ART. 977 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. Autor: Bruno Carvalho Castelo Branco Orientador: Prof. Amaury Walquer Ramos de Moraes BRUNO CARVALHO CASTELO BRANCO Sociedade entre cônjuges: estudo sobre o art. 977 do Código Civil de 2002. Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Amaury Walquer Ramos de Moraes Brasília 2009 Monografia de autoria de Bruno Carvalho Castelo Branco, intitulada “Sociedade entre cônjuges: estudo sobre o art. 977 do Código Civil de 2002”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em _____/_____/__________, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________________ Prof.ª Amaury Walquer Ramos de Moraes Orientador _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB _________________________________________ Professor Curso de Direito – UCB Brasília 2009 Dedico esta monografia a Raimundo e Maria Luisa, pais maravilhosos, que me auxiliam sempre. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, criador de tudo, que por meio de Seu Filho Jesus Cristo, concedeu-me força, ânimo, paciência e perseverança, ao longo da graduação. Agradeço também ao Professor Amaury Walquer Ramos de Moraes pela orientação na elaboração deste trabalho e, por fim, aos meus pais Raimundo e Maria Luisa cujo apoio foi essencial. Atualmente a realidade é outra, em que a mulher conquistou o seu verdadeiro lugar perante o direito, com paridade com o esposo, ou melhor: como colaboradora dele, sob todos os aspectos. ZORTÉA, Alberto João. A Sociedade Comercial entre Marido e Mulher no Sistema Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1981. p. 187 RESUMO CASTELO BRANCO, Bruno Carvalho. Sociedade entre cônjuges: estudo sobre o art. 977 do Código Civil de 2002. Brasília. 2009. 68 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. Antes da vigência do Novo Código Civil, o Código Comercial de 1850 não regulamentava de forma expressa a hipótese de sociedade entre cônjuges, contudo, versava sobre a impossibilidade da mulher casada em se tornar comerciante. Condição que somente foi alterada com a edição do Estatuto da Mulher Casada, que ofereceu a possibilidade para a esposa não necessitar da autorização prévia do marido para comerciar. No plano da doutrina, a princípio, a matéria não se encontrava pacificada. Entretanto, esta foi caminhando para a compreensão de que a sociedade empresarial entre consortes é lícita. Opinião que encontrou amparo no NCC, revogando a primeira parte do Código Comercial e uniu o direito civil e o comercial. Contudo, o Código Civil de 2002 delimita a contratação deste tipo de sociedade, obstaculiza aqueles casados pelo regime da comunhão universal e o da separação obrigatória, face a suspeita de fraude no regime de bens do casamento. Destarte, cogitou-se que esta determinação, contida no art. 977 do CC/2002, não encontra posição na elaboração da doutrina e da jurisprudência atual, considerando a liberdade entre a sociedade conjugal e a empresarial, e que deste modo, alterações no dispositivo supracitado são reivindicadas, existindo, a propósito, o Projeto de Lei 6.960/2002, apesar de arquivado em 2007. Igualmente, sustenta-se que as sociedades constituídas antes do início da vigência do NCC, visto que válidas no período, originaram ato jurídico perfeito, contrariando, por conseqüência, a obrigação de ajustamento das sociedades no prazo previsto do art. 2.031 do NCC. Palavras-chave: Sociedade empresarial. Cônjuges. Regimes de bens. Art. 977 CC/2002. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 11 1.1 ATIVIDADE EMPRESÁRIA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................... 11 1.2 HISTÓRICO SOBRE A SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES................................ 14 1.2.1 No direito comparado .................................................................................... 14 1.2.2 No Brasil.......................................................................................................... 18 1.3 REGIMES DE BENS ........................................................................................... 21 1.3.1 Comunhão parcial .......................................................................................... 21 1.3.2 Comunhão universal ...................................................................................... 23 1.3.3 Participação final nos aqüestos .................................................................... 24 1.3.4 Separação de bens ......................................................................................... 24 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 27 2.1 ASPECTOS GERAIS DO ART. 977 DO CC/2002 .............................................. 27 2.1.1 A prevenção contra o regime da comunhão universal de bens ................. 31 2.1.2 A prevenção contra o regime da separação obrigatória de bens .............. 34 2.2 DAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DO ART. 977 DO CC/2002 ....................... 36 2.2.1 Cônjuge casado no regime de comunhão universal de bens, ou na da separação obrigatória não pode contratar sociedade com seu cônjuge e/ou com terceiros ........................................................................................................... 37 2.2.2 Os cônjuges não podem contratar sociedade entre si ............................... 37 2.3 O ATO JURÍDICO PERFEITO APLICADO AO NCC .......................................... 39 2.4 APLICABILIDADE DO ART. 2.031 DO CC/2002 EM RELAÇÃO A SOCIEDADES CONSTITUÍDAS NA FORMA VEDADA PELO ART. 977 DO CC/2002 .................... 41 CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 46 3.1 A SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES E A CF/1988 ............................................ 46 3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 977 DO CC/2002 ............................... 47 3.3 O ART. 977 DO CC/2002 E A QUESTÃO NA PRÁTICA .................................... 55 3.4 SOLUÇÕES PROPOSTAS PARA ADAPTAÇÃO DAS SOCIEDADES CONJUGAIS ............................................................................................................. 57 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 62 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64 8 INTRODUÇÃO Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o Novo Código Civil Brasileiro, cujo Livro II, da Parte Especial, revolucionou o antigo Direito Comercial pátrio, revogando na sua totalidade a Parte Primeira do Código Comercial Brasileiro de 1850, que tratava, entre outras matérias, do comércio em geral, dos contratos e obrigações mercantis, dos títulos de crédito e das antigas sociedades comerciais. Com o surgimento do Novo Código Civil, inúmeras questões passaram a ter interpretações imprecisas provocando debates no mundo jurídico. Da mesma forma, no Direito Empresarial, muitos são os temas controvertidos e a posição dos tribunais e dos órgãos competentes ainda não se materializaram de forma a causar soluções convincentes e categóricas para algumas questões. No caso particular da sociedade constituída por cônjuges, tema principal deste trabalho, o conjunto de problemas é ainda maior por não serem tratados apenas valores jurídicos. A própria emancipação da mulher e o relacionamento desta com seu esposo vem passando por transformações expressivas, modificações estas que se reproduzem em nosso ordenamento jurídico. As normas anteriores, não só no Brasil, mas em diversas regiões do mundo continham em seus textos artigos que não só distinguiam a mulher como a tratavam de maneira inferior e por vezes degradante, a capacidade relativa da mulher, o consentimento marital para a vida mercantil entre outros princípios de outros ramos do direito como por exemplo a mulher honesta no Direito Penal legalizaram injustiças e ofenderam a posição da mulher na sociedade. O art. 977 do Novo Código Civil ainda é um ponto muito debatido pela doutrina, elemento que, por contradizer determinadas constituições doutrinárias de briosos juristas, tem ocasionado certa inquietação, pois tal dispositivo tem a repercussão junto daqueles cônjuges que contraíram sociedade comercial, agora empresarial, entre si, casados pelo regime de bens da comunhão universal ou da separação obrigatória, e que, a princípio, estão obrigados a adaptarem a sociedade pelo regramento em vigor. 9 O tema em estudo possui ampla importância prática, pois há empresas já constituídas que, à luz da nova legislação, não poderiam ser registradas nas juntas comerciais, da mesma maneira que consortes submetidos às presunções de limitação podem querer formar uma sociedade limitada, por exemplo, e verem sua demanda rechaçada, o que pode vir a ser debatido diante o Judiciário. Será demonstrada a inconstitucionalidade da limitação instituída pelo dispositivo de lei em análise, entretanto, sem privar-se de demonstrar, em consideração àqueles que a julgarem constitucional, a teoria existente que mais se adéqua às conclusões obtidas, haja vista não ser pretensão encerrar o debate proposto. Da mesma forma, é objetivo do trabalho, elucidar qual a interpretação é a mais aplicável dentro da conjuntura do direito empresarial. E como está sendo feita a sua aplicação. Este assunto merece uma especial atenção por ser tratar de tópico que ainda não esgotou suas possibilidades. Pois, está contido em uma legislação relativamente nova, que possui muitos pontos controversos e assim passiveis de discussão no âmbito científico. Com a realização deste estudo será possível trazer possibilidades de solução para o problema em questão, bem como ampliar as teorias já existentes sobre o assunto. Ante a proposta evidenciada, o “Capítulo 1” trata da origem do Direito Comercial e sua evolução ao decorrer da história, traz o histórico das sociedades entre cônjuges tanto no direito comparado como no Brasil e por fim uma abordagem sobre os tipos de regimes de bens admitidos na legislação brasileira. Por vez, no “Capítulo 2” adentra-se na questão do art. 977 do Código Civil de 2002 demonstrando os seus aspectos gerais e explicando o que levou o legislador a criar a limitação do artigo supra, expõe, também, as interpretações possíveis pra esse dispositivo, a ocorrência do ato jurídico perfeito e a aplicabilidade do art. 2.031 nas sociedades, formadas por cônjuges abrangidos pelo art. 977, constituídas antes da edição do Novo Código. Finalmente, o “Capítulo 3”, trata das sociedades entre cônjuges e sua relação com a Constituição Federal de 1988 abordando, inclusive, o aspecto inconstitucional da norma em estudo. 10 O “Capítulo 3” também aborda como está sendo a adaptação das sociedades já formadas antes de 2002 ao novo preceito introduzido pelo legislador. O trabalho será realizado sob o ponto de vista "sistêmico" que é uma forma de abordagem da realidade e não nega a racionalidade científica, mas acredita que ela não oferece parâmetros suficientes para o desenvolvimento humano. Procurase relacionar a sociedade empresarial de cônjuges, através de fatos, com os problemas do sistema social para, a partir dela, mostrar as mudanças positivas que interferem no sistema. Será utilizado o método geral hipotético-dedutivo. A partir de um conjunto de elementos teóricos identificadores do problema, notadamente a efetiva aplicabilidade da norma que regulamenta a sociedade entre cônjuges, e a sua ligação com a Constituição Federal, assumindo a forma de hipóteses de trabalho que serão verificadas no transcorrer de sua atividade indagativa e pela experiência para se comprovar as hipóteses e chegar a conclusões em nível particular. Em acréscimo, insta ressaltar que no desenvolvimento deste trabalho, será utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica, consultas a livros jurídicos, jurisprudências, Constituição Federal, Código Civil, leis esparsas e artigos específicos sobre o tema, cuja publicação se deu em revistas jurídicas e na internet. 11 CAPÍTULO 1 1.1 ATIVIDADE EMPRESÁRIA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA De essencial valor para a concepção contemporânea de empresário, através da disseminação da Teoria da Empresa, é o estudo histórico do desenvolvimento das atividades comerciais, assim como das primeiras articulações jurídicas sobre o tema, responsáveis pelo amadurecimento da acepção que vigora hoje no Brasil por força da Lei nº 10.406/2002, o Novo Código Civil. Propõe-se, então, delinear alguns paralelos entre a atividade comercial no decorrer da própria história do homem e o progresso do próprio Direito Comercial. Supõe-se que, a partir do progresso da razão humana, tenha havido o Direito; ou seja, ubi societas, ibi ius. Dentre as regras rudimentares que prevaleciam nas civilizações antigas, fundamentadas no culto aos antepassados e, assim, com grande apelo à moral e ao medo individual, é altamente compreensível que tenha havido regras para a disciplina da atividade comercial. Destarte, o Código de Manu na índia e o Código de Hamurábi na Babilônia, bem como as Lex Rhodia de Iactu romanas acolhidas dos fenícios (REQUIÃO, 2009, p. 8,). A atividade comercial, em Roma, era praticada principalmente por estrangeiros, os quais se submetiam diante o praetor peregrinus, que aplicava o jus gentium. A atividade mercantil era considerada indigna, e era proibida aos senadores e patrícios; porém, estes vieram a praticá-la, efetivamente, durante a queda do Império Romano, causando um abrandamento no direito obrigacional romano. (REQUIÃO, 2009, p. 9). O Direito Romano, após as invasões bárbaras, cede ao territorial, ocorrendo às vezes sobreposição, às vezes fusão, de regras jurídicas. As relações jurídicas feudais que prosseguiram, não por acaso, encontravam-se nele fundadas (REQUIÃO, 2009, p. 9). 12 A Baixa Idade Média exprimiu a gradativa queda do sistema feudal e a troca da atividade auto-suficiente pelo comércio. A Europa Ocidental, a partir do século X conheceu um sensível desenvolvimento demográfico, fazendo com que os senhores feudais expulsassem o excedente populacional de seus latifúndios. Esta categoria que ficou à margem, em maioria, instalava-se em povoados e constituía os primeiros pólos de comércio, fortificados ainda mais em conseqüência das Cruzadas. A retomada do Mar Mediterrâneo permitiu a recuperação do contato com a parte leste do continente europeu, intensificando ainda mais os relacionamentos comerciais. De acordo com Requião (2009, p. 9), os comerciantes começaram a se arranjar em categorias, os colégios, e as organizações de mercadores obtiveram bons resultados e atingiram importantes vitórias políticas, conquistando autonomia para determinados centros comerciais, como Gênova, Florença e Veneza, cidades da Itália que, por sua privilegiada localização, realizavam um grande volume de permutas comercias, em comparação às feiras. Este fato repetiu-se na Europa Ocidental em sua totalidade, principalmente nas regiões que apresentavam sua repartição de terras mais fragmentária. A partir do século XII há a constituição das hansas, associações comerciais formadas entre cidades para a prática de trocas comerciais em ampla escala, e ainda a mudança da rota comercial para o Mar Mediterrâneo começando da Itália rumo ao Oriente, acontecimento responsável pela elevada captação de posses por parte de Portugal, um verdadeiro "ponto de parada" aos viajantes. Em torno do século XIV, boa parte dos habitantes da Europa já se voltava à prática comercial e os centros urbanos embalavam, com o desenvolvimento dos burgos, cidades cercadas por muralhas, com presença em regiões de feudos e unidos aos reis para a concessão da liberdade. As cidades que se tornavam independentes organizavam-se por meio das cartas de franquia, e formalizavam os seus direitos que freqüentemente eram confundidas e até sobrepostas pelas leis orgânicas das corporações, de ofício e de mercadores. Surge aqui o capitalismo e se torna necessário o fortalecimento das monarquias nacionais para anular o sistema feudal europeu. 13 Assim, o Direito Comercial começa a se fortalecer, reduzido de forma direta das regras das entidades e dos apontamentos jurisprudenciais dos julgamentos dos juízes nomeados pela corporação para suprimir os assuntos oriundos da atividade mercantil que desempenhavam, os cônsules, que se amparavam em um direito habitual, apesar do conjunto de leis romanas restantes. Consistindo em um direito autônomo, profissional, subjetivista, consuetudinário, corporativo e próprio. Entretanto, corroborava-se a necessidade de um conceito que envolvesse a questão comercial, se bem que esta era a única compreendida pelos tribunais consulares (REQUIÃO, 2009). Ainda, segundo Requião (2009, p. 12), houve uma passagem do sistema subjetivo do Direito Comercial para o sistema objetivo. Vivante, citado por Rubens Requião descreve essa mudança: ...passou-se do sistema subjetivo ao objetivo, valendo-se da ficção segundo a qual deve reputar-se comerciante qualquer pessoa que atue em juízo por motivo comercial. Essa ficção favoreceu a extensão do direito especial dos comerciantes a todos os atos de comércio, fosse quem fosse seu autor, do mesmo modo que hoje a ficção que atribui, por ordem do legislador, o caráter de ato de comércio àquele que verdadeiramente não o tem, serve para estender os benefícios da lei mercantil aos institutos que não pertencem ao comércio (VIVANTE apud REQUIÃO, 2009, p.12). É dessa fase o Código de Savary de 1673, em seguida o Código Napoleônico de 1807, manifestando a finalidade da Revolução Francesa de 1789, trazendo a formulação da teoria dos atos de comércio, garantindo a plena liberdade profissional e a supressão das regalias de classe reunidas pelas corporações, distanciando da pessoa do comerciante o conceito de ato de comércio. Com a vocação de predominância do espírito mercantil do Direito Civil acaba por surgir a idéia de ato de comércio como fundamentada no escopo de especulação e na intenção de lucro, sobretudo nos últimos tempos. “O art. 632 do Código francês, não se desprende dos atos de comércio, pois por empresa se entendia a repetição desses atos em cadeia.” (REQUIÃO, 2009, p. 14). Desde então, buscou-se edificar um conceito subjetivo do Direito Comercial moderno. O primeiro passo foi o Código Comercial da Alemanha, de 1897, que pela definição do art. 343, atos de comércio são todos os atos de um comerciante que sejam relativos a sua atividade comercial. 14 No Brasil, a legislação de Portugal regulava as relações jurídicas comerciais, imperavam, portanto, as Ordenações Filipinas. Proclamada a Independência foi convocada uma comissão para a elaboração do Código Comercial, após uma morosa tramitação foi promulgado e regulamentado em 1850 pelo Regulamento 737. (REQUIÃO, 2009, p. 15-17). A Teoria da Empresa, especialmente na representação do italiano Alberto Asquini, que propôs a empresa como fato econômico formado por várias faces, formado pelos perfis funcional (atividade), subjetivo (empresário), corporativo (instituição) e objetivo (estabelecimento), é introduzida, ainda que não em sua totalidade, pelo Código Civil brasileiro de 2002. É demonstrado que não se identifica uma definição unitária de empresa, nem positivamente e nem doutrinariamente, mesmo que se possa ponderá-la, na expressão do mestre italiano, como um acontecimento meramente econômico, sujeito a ser analisado juridicamente em várias facetas. 1.2 HISTÓRICO SOBRE A SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES A doutrina de todo o mundo discute há muito tempo sobre a hipótese ou não dos cônjuges formarem sociedade empresária, assim como de ingressarem em uma sociedade já organizada, de maneira especial nas sociedades de responsabilidade limitada, em que o problema é mais relevante. Há aqueles que defendem, com boas sustentações, em ambos os sentidos. Na vigência da norma brasileira anterior, que regeu o assunto até a entrada em eficácia do CC de 2002, formou-se no Brasil um vivo debate sobre o tema. É sob esse prisma que daremos partida neste tópico da pesquisa. 1.2.1 No direito comparado Vejamos o que diz o direito comparado sobre as questões acima analisadas. 15 Um dos primeiros países que se discutiu o tema da sociedade entre cônjuges foi na França, tanto na doutrina como na jurisprudência (ZORTÉA, 1981). Ali ocorreu o fato e ocasionou polêmica e controvérsias. Afinal tomou uma posição de pioneirismo e liderança, resultando do confronto dos seculares Códigos Franceses, com o advento de novas teorias sociológicas do direito, propensas à proteção maior dos francos. (ZÓRTEA, 1981, p. 118). Segundo Jean Escarra (1952, p. 306 e 307 apud ZORTÉA, 1981, p. 118), a França era rigorosa quanto à proibição dessa espécie societária, “a jurisprudência condenava as sociedades entre os consortes, porque eles são incapazes de formálas, seja qual for o regime de casamento, inclusive o da separação de bens”. A maior dificuldade apontada para a legalidade da sociedade entre cônjuges, refere a (sic) doutrina e jurisprudência francesa, consiste na imutabilidade das convenções matrimoniais, previstas no art. 1.395 do Código Civil, o que não foi modificado pelas leis de 1938 e nem na de 1942. (ZÓRTEA, 1981, p. 118). A vedação deste modelo de sociedade não se devia a proibição legal mas sim pelo art. 1.595 do Código Civil francês que impedia o comércio entre cônjuges, desta forma a jurisprudência predominante as julgavam nulas. (ZORTÉA, 1981, p. 118). As correntes opositoras principais asseguravam que as sociedades entre marido e mulher desobedeceriam o principio da imutabilidade das convenções matrimoniais e mais que isso, possibilitaria a fraude contra credores. (ZORTÉA, 1981, p. 118-119). Não obstante a oposição da legislação, da jurisprudência, e da doutrina, a realidade social não só da França, demonstrava inúmeras sociedades desta espécie obrigando o legislador criar por meio da Ordenança de 19 de dezembro de 1958 o necessário fulcro legal para que estas atuassem. A nova legislação trazia consigo, entretanto, várias lacunas e dúvidas no corpo do seu texto. A legislação da França não apontou inovação e pioneirismo somente no que se reporta ao direito comercial, essas modificações foram importantes para as mulheres uma vez que segue rumo à sua “emancipação perante a sociedade moderna.” (ZORTÉA, 1981, p. 121). 16 Sobre esse tema Luiz Guilherme Loureiro expões em sua obra: A Lei sobre Regimes Matrimoniais de 1965 exclui da comunhão os bens que tenham caráter pessoal e os que estejam exclusivamente ligados à pessoa, ainda que obtidos durante o casamento. A doutrina se dividiu quanto à qualificação da participação societária, isso é, se seria um bem de caráter pessoal. Quanto às sociedades de pessoas, surgiram três correntes doutrinais. A primeira apóia-se justamente no novo art. 1.424, modificado pela lei supracitada, para atribuir às participações em sociedades de pessoas a qualidade de bens próprios, portanto, incomunicáveis. A segunda corrente defende que as participações sociais em sociedades de pessoas são comuns e repudia a qualificação mista da participação social. Baseando-se no dispositivo que afirmava que o marido não podia, sem permissão da mulher, alienar ou onerar "direitos sociais não negociáveis" (art. 1.424, § 1.0, do CC), afirmavam os autores que se filiavam a essa doutrina, que todos os direitos sociais não negociáveis, inclusive as participações sociais numa sociedade de pessoas, entram na comunhão. Finalmente, um grupo de autores defende a manutenção da distinção entre titre e finance ("quota social" e "quota patrimonial") visto que as novas regras de gestão não postulam obrigatoriamente que os bens que elas visam sejam necessariamente comuns na totalidade: pode perfeitamente admitir-se a aplicação do art. 1.424 a bens que só entram na comunhão pelo seu valor. (LOUREIRO, 2004, p. 240). Na França, esse tema foi finalmente normatizado pela Lei de 10 de julho de 1982, que introduziu o art. 1.832 do Code Civil, segundo a qual "a qualidade de sócio é reconhecido àquele dos esposos que faz o aporte ou realiza a aquisição". O reconhecimento do atributo de sócio, entretanto, é apenas temporário, pois o outro poderá, de acordo com o mesmo artigo, reivindicar metade das participações sociais comuns, ficando ele próprio sócio. (LOUREIRO, 2004, p. 241). As novidades francesas se refletiram por todo o mundo jurídico, dessa forma diversos países também admitiram e regularizaram este tipo societário. No direito português essa questão se assemelha ao sistema jurídico brasileiro como demonstra Loureiro: Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça, em uma decisão de 12.06.1966, entendeu que "a quota social de um sócio é comunicável ao seu cônjuge meeiro, comunicação essa que abrange a qualidade de sócio". Esta afirmação refere-se não só às sociedades de capitais, como também às sociedades de pessoas. O acórdão condena expressamente a doutrina que sustenta a incomunicabilidade da qualidade de sócio nas sociedades de pessoas ao expressar que: "a afirmação de que a realidade comunicável entre os cônjuges é a quota-valor e não quotasocial tem 17 como conseqüência considerar a quota-valor uma realidade distinta da quota-social; se o sócio retivesse para si a quota-social e comunicasse apenas a quota-valor haveria um desdobramento da quota que a lei não admite". Os juízes portugueses repudiaram, ainda, a idéia de que o cônjuge feminino fosse apenas um agregado à quota de seu marido: "As relações entre sócio e agregado são de natureza obrigacional ou creditória; o agregado adquire direitos de crédito contra o sócio, sem adquirir os direitos sociais deste - situação incompatível com a natureza da comunhão conjugal". Tal decisão, ao nosso ver, amolda-se ao sistema jurídico brasileiro. Embora a participação social represente um "feixe de direitos" ou um direito complexo que inclui o direito à participação nos lucros da sociedade, o direito de administração, o direito à prestação de contas, o direito de voto, dentre outros, não há como se separar tais direitos em patrimoniais e sociais, de forma a comunicar apenas parte deles ao cônjuge. Também no direito brasileiro a quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, mas não se pode cingir a "quota patrimonial" da "quota social" (art. 1.056). (LOUREIRO, 2004, p. 239-240). Na Alemanha a sociedade entre cônjuges é tradicional, havendo uma boa quantidade delas em funcionamento, na espécie de limitadas, constituídas exclusivamente por cônjuges. (ZORTÉA, 1981, p. 127). De forma idêntica na Itália tanto no antigo regime legal quanto pelo Novo Código Civil de 1942, principalmente depois da Lei de 17 de julho de 1919, nº 1.176, que derrogou a instituição marital, os arts. 13 a 15 do Código de Comércio de 134 a 137 do revogado Código Civil. (ZORTÉA, 1981, p. 128). Ainda sobre o Direito alemão Loureiro explana: [...] a doutrina alemã não vê grandes dificuldades na disciplina da quota social que entra para a comunhão: ambos os cônjuges são considerados sócios. O problema é deslocado para o campo da administração da quota: quem administra a quota comum? A opinião dominante parece ser a de que são aplicáveis, desde logo, as regras da administração dos bens do casal: se nada se tiver disposto convencionalmente, a administração é conjunta e estará então subordinada às regras sobre condomínio. (LOUREIRO, 2004, p. 243). Na Itália, sempre foram admitidas tais sociedades e quando existir qualquer violação legal, a doutrina e a jurisprudência não as contemplavam senão como causa de irregularidade e não nulidade desde que não fosse infringido o art. 1.385 18 do Código Civil antigo e nº 162 vigente, que diz respeito à imutabilidade das convenções matrimoniais. (ZORTÉA, 1981, p. 128). Luiz Guilherme Loureiro disciplina sobre a sociedade entre cônjuges na Itália o seguinte: A preocupação do legislador italiano foi de garantir ao cônjuge ilimitadamente responsável a plena disponibilidade dos bens destinados ao exercício da empresa, sem correr o risco de que os eventuais direitos do outro cônjuge sobre aqueles bens venham a coartar a sua liberdade na direção da atividade da empresa. Sendo assim, esta justificação deve valer também para a hipótese em que exercício da empresa se faça sob a forma coletiva, pois também aqui será importante assegurar ao cônjuge que deve prover a gestão da empresa, a mesma liberdade de ação; e não se vê qual a diferença entre a hipótese em que o cônjuge haja destinado certos bens à constituição de uma nova empresa individual e a hipótese em que os destinou antes à constituição de uma sociedade com terceiros ou à aquisição de uma participação numa sociedade já operante. Todavia, torna-se necessário distinguir o tipo de sociedade em causa. E isso porque do art. 178 resulta que os bens só estarão excluídos da comunhão imediata quando sejam destinados à atividade empresarial de um 'dos cônjuges pela qual este deve responder ilimitadamente. Parece, pois, que tal regra aplicase apenas às sociedades de pessoas - as quais em regra implicam uma interferência direta na gestão e na responsabilidade direta do sócio - e que devem ser assimiladas à atividade empresarial individual do cônjuge. A contrario sensu, constituem objeto de comunhão as quotas de uma sociedade limitada, ou ainda as quotas dos sócios comanditados numa sociedade em comandita, que não implicam na responsabilidade ilimitada destes. (LOUREIRO, 2004, p. 241-242). Os países sul-americanos também foram atingidos por essa evolução jurídica. Recepcionaram em suas legislações mais atuais medidas legais de tornar as mulheres independentes, entretanto, quanto à sociedade entre cônjuges, há nestes países posições contrárias, certos países como a Colômbia e a Argentina permitem e regulamentam ao passo que outros como o Chile e o Uruguai as vedam expressamente. 1.2.2 No Brasil No século XIX, as relações comerciais entre cônjuges eram regidas pelo Código Comercial de 1850. Nesta época a mulher casada só poderia realizar 19 atividade mercantil separadamente de seu marido, ocasião em que deveria ser autorizada por este a comerciar (art. 1º, n. 4). (FIÚZA, 2004, p. 898). Sob a égide do Código Civil de 1916, as sociedades comerciais estavam sob a vigência do Código Comercial de 1850. Esta norma não regulamentava propriamente sobre a sociedade entre cônjuges, mas abarcava no seu interior a ausência de isonomia na capacidade da mulher em comerciar. Pode-se notar, nos artigos 287 a 310 do Código Comercial, que as disposições gerais sobre as sociedades comerciais, não impediam a sociedade entre cônjuges, desde que respeitado o que preceitua o Art. 287: É da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria. (BRASIL, LEI Nº 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850). Delineando-se uma descrição histórica da sociedade entre consortes, vale ressaltar que anteriormente ao Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121, de 1962), pelo Código Comercial em seu artigo 1º alínea 4: As mulheres casadas maiores de 18 (dezoito) anos, com autorização de seus maridos para poderem comerciar em seu próprio nome, provada por escritura pública. As que se acharem separadas da coabitação dos maridos por sentença de divórcio perpétuo, não precisam da sua autorização. (BRASIL, LEI Nº 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850). Posicionamento debatido pela doutrina daquela época, pois ponto de vista que recusava tal possibilidade era amparada por célebres como J. X. Carvalho de Mendonça e contraposta por outros, também ilustres, como Egberto Lacerda Teixeira. É importante lembrar que dissolvida a sociedade conjugal, não podendo ser confundida com o instituto do divórcio que somente passou a existir com a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977 por meio do “desquite”, provocava a condição em que a autorização para os atos do comércio tornava-se dispensável. (BULGARELLI, 2000. p. 139–141). A Junta Comercial do então Distrito Federal (a cidade do Rio de Janeiro), em 1927, criou um alvoroço ao negar o registro a uma sociedade mercantil que teria por sócios marido e mulher, causando um debate que envolveu o Instituto dos 20 Advogados do Brasil (a OAB somente seria criada na década seguinte), que, em sessão realizada naquele mesmo ano, chegou à conclusão, sob a relatoria de Izidoro Campos, que “perante os princípios legais e doutrinários, a constituição de sociedade mercantil composta de marido e mulher, casados sob o regime de comunhão, não é legítima”. (MAMEDE, 2008, p. 55). A decisão da Junta Comercial e o parecer não alcançaram unanimidade, obtendo apoio de Carvalho de Mendonça, Valdemar Ferreira e Spencer Vampré, mas o combate de Antônio Pereira Braga. Posteriormente , as juntas, evitando o debate, simplesmente passaram a aceitar a sociedade entre cônjuges, mesmo se casados no regime de comunhão universal. (FARIA apud MAMEDE, 2008, p. 55). No entanto, com a vinda da Lei nº 4.121, permitiu-se “a mulher ingressar em sociedade de pessoas livremente”. (BULGARELLI, 2000, p. 139). Fran Martins analisa que a lei supracitada provém de uma seqüência de conquistas, “no campo político-social”, tendo posteriores efeitos legais. (MARTINS, 1998, p. 157) A Lei nº 4.121, de 17 de agosto de 1962, estabelecendo sobre a conjuntura jurídica da mulher casada, procedeu na revogação de parte do item IV do art. 233 do Código Civil de 1916 bem como o nº 7 do art. 242. Chegando ao fim, deste modo, a incapacidade relativa para o desempenho de profissão lucrativa, possibilitando, dessa maneira, a mulher exercer atividade mercantil ou fazer parte de sociedade comercial sem necessitar de autorização marital. No entanto, pelos deveres assumidos com o exercício do comércio ou com a participação em sociedade comercial, respondem somente os bens privativos da esposa e os bens comuns do casal até o limite de sua meação, conforme expressamente estabelece o art. 3º da Lei 4.121. (MARTINS, 1998, p. 157) Por causa da lacuna no Código Comercial a respeito da legalidade da sociedade entre cônjuges, a hipótese da mulher contratar sociedade ou não com o marido era cercado de divergências. Bulgarelli destaca que sempre se discutiu no direito brasileiro a possibilidade da sociedade entre consortes. (BULGARELLI, 2000, p. 140). Segundo Almeida, havia diversas correntes de pensamento acerca deste tema, como podemos ver a seguir: uma destas linhas de pensamento julga ser nula esta sociedade, máxima adotada por Spencer Vampré e Carvalho de Mendonça. 21 Outra vertente, formada por Alfredo Bernardes e Cândido Mendes de Almeida, ponderavam serem válidas e perfeitas as sociedades comerciais entre marido e mulher. E, por último, uma que afirma ser legítimo o contrato de sociedade comercial entre os cônjuges, desde que não implique na alteração do regime de bens do casamento e que esse regime seja legal ou convencional. (ALMEIDA, 1995, p. 41). Atualmente, dispõe-se com os admiráveis ensinamentos de Rubens Requião, Tavares Paes, Cristiano Graeff Júnior dentre outros que sustentam a “segunda corrente”: da legalidade da sociedade entre marido e mulher. 1.3 REGIMES DE BENS O presente tópico tem por objetivo a análise dos regimes de bens adotados no Brasil, por ser o modo de normatização patrimonial entre os cônjuges e, inclusive, em função de seu valor prático para os empresários casados e ao estudo do art. 977 do CC1. 1.3.1 Comunhão parcial A comunhão universal não tem amparo em todos os sistemas jurídicos. Alguns adotam a comunhão limitada, como vigente na falta de convenção dos interessados. Outros permitem combinações mais ou menos imaginosas, em que prevalece a comunicação de alguns e a separação de outros bens. E desta associação resulta a “comunhão parcial. (PEREIRA, 2004, p. 212). Os regulamentos relativos à comunhão parcial foram parcialmente alterados do Código de 1916 para o de 2002. 1 Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. 22 O Código Civil de 2002 cita no art. 1659 o que se exclui da comunhão. Inicialmente, excluem-se da comunhão os bens que cada cônjuge possuía ao contrair matrimônio, formando, dessa forma, os bens particulares de cada um. Incluem-se na mesma categoria os que cada cônjuge, na constância do casamento, receber por herança ou por doação, e os sub-rogados em seu lugar. Cada cônjuge se responsabiliza pelas dívidas adquiridas antes do casamento. Contudo, entende-se que haverá comunicação das dívidas anteriores no caso de se favorecer o cônjuge que não as tinha, “como na hipótese de dívida contraída na aquisição de bens de que lucram ambos”. (PEREIRA, 2004, p. 215). Ainda, cada cônjuge responde pelas obrigações derivadas de ilícitos cometidos por ele. Não se comunicam os bens de uso pessoal e os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge. Acrescenta-se, também, nos incomunicáveis as pensões2, meio-soldos3, montepios4 e outros rendimentos semelhantes. O art. 1660 traz os bens que fazem parte da comunhão. No Código de 1916 o marido era administrador de todos os bens: os seus próprios, os da mulher e os comuns, salvo quando à mulher era reservado o direito de administrar alguns bens determinados ou de todos que lhe pertencem. Tal benefício foi abolido com o novo ponto de vista constitucional, em que a gestão dos bens comuns cabe ao casal; ou, no caso de malservação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um deles (art. 1663, § 3º, CC). Interrompendo-se o regime pelo falecimento de um dos cônjuges, pela separação judicial, pelo divórcio ou anulação do matrimônio, os bens que não se comunicam se cominam a cada um respectivamente ou aos herdeiros, e os que eram comuns efetiva-se a divisão do ativo e passivo e a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro é cessada. 2 Pensões: são quantias pagas mensalmente a alguém para a sua subsistência. (GONÇALVES, 2007, p. 148) 3 Meio-soldo: é a metade do soldo que o Estado paga ao militares reformados. (GONÇALVES, 2007, p. 148) 4 Montepio: é a pensão devida pelo instituto previdenciário aos herdeiros do devedor falecido. (GONÇALVES, 2007, p. 148) 23 1.3.2 Comunhão universal Presente no Código Civil de 2002 nos arts. 1667 a 1671 tem origem nos costumes dos primórdios da nação portuguesa, consagrada posteriormente nas Ordenações Afonsinas, às Manuelinas e às Filipinas. Defendido pelas influências de Clóvis Bevilaqua, o Código de 1916 consagrou o regime da comunhão universal e, até 26 de dezembro de 1977, foi o regime legal, deixando de sê-lo a partir da promulgação da Lei do Divórcio. Sílvio Rodrigues leciona: [...] os patrimônios dos cônjuges se fundem em um só, passando marido e mulher, a figurar como condôminos daquele patrimônio. Trata-se de condomínio peculiar, pois que, insuscetível de divisão antes da dissolução conjugal, extinguindo-se inexoravelmente nesse instante [...]. (RODRIGUES, 2002a, p. 197). Deste modo, na comunhão universal, os bens adquiridos antes da constância do casamento são do casal, assim como os recebidos por herança ou doação e as dívidas posteriores ao casamento (art. 1667, CC). Exclui-se da comunhão os bens previstos no art. 1668, dentre eles os bens de uso pessoal e lucros do trabalho por terem efeitos personalíssimos ou devido a sua própria natureza. Com a extinção da comunhão (art. 1671, CC), efetiva-se a divisão segundo as regras da partilha no regime da comunhão parcial. Não foram incluídos os bens reservados da mulher, adquiridos com os seus próprios recursos financeiros e que eram considerados de sua exclusiva propriedade, prerrogativa esta presente no art. 263, XII, do Código Civil de 1916 e que já havia sido tacitamente revogado pelo art. 226, §5ª da Constituição de 19885. (GONÇALVES, 2007, p. 151). Não se nota grandes mudanças neste regime do Código de anterior para o de 2002 além das hipóteses de exclusão de bens e dívidas da comunhão universal, no qual o Código de 2002 foi mais limitado. 5 Art. 226 § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 24 1.3.3 Participação final nos aqüestos O Novo Código Civil inseriu esta nova e pouco disseminada modalidade de regime de bens em seus arts. 1672 a 1686. Originário do direito húngaro, adotado pelos países da Escandinávia, também foi recepcionado na Alemanha como regime supletivo desde 1957 e no Código francês em 1965. (PEREIRA, 2004). No direito brasileiro foi inserido mesclando regras dos regimes da comunhão e da separação. Cada cônjuges possui patrimônio próprio e lhe cabe, “à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento” (art. 1672, CC). É, na realidade, um regime de separação de bens, enquanto durar a sociedade conjugal, tendo cada cônjuge a privativa administração dos seus bens pessoais, integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título na constância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo da autorização do outro para os imóveis (art. 1.673, parágrafo único, CC). Somente após a dissolução da sociedade conjugal serão apurados os bens de cada cônjuge, cabendo a cada um deles (ou a seus herdeiros, em caso de morte, como dispõe o art. 1.685, CC) a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. Em caso de separação judicial ou divórcio, "verificarse-á o montante dos aqüestos à data em que cessou a convivência" (art. 1.683, CC). 1.3.4 Separação de bens Trata-se de um regime em que cada cônjuge conserva a posse, a administração e o domínio de seus bens atuais e os futuros, inclusive as dívidas anteriores e posteriores ao casamento. Deste modo, cada consorte mantém seu patrimônio original, exprimindo-se na incomunicabilidade, inclusive do que contrair 25 na constância do casamento, existindo uma total separação de patrimônio dos cônjuges. Em decorrência desta incomunicabilidade, pode-se alienar e gravar os bens de ônus real livremente. Esta disposição é inovação do Código Civil de 2002 (art. 1687), já que o Código de 1916 proibia tal ação sem a anuência ou autorização do cônjuge. Hoje, por conta do princípio constitucional da isonomia, ambos os cônjuges são obrigados a cooperar para os dispêndios do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens. Entretanto, podem acordar em contrato solene o pacto antenupcial6, a quota de participação de cada um ou sua dispensa do encargo (art. 1688, CC), bem como fixar normas sobre a administração do encargo. Em relação as suas formas, temos a classificação da separação de bens em legal (obrigatório) e convencional (absoluta). A separação de bens legalmente imposta se dá nos casos previstos no art. 1641 do Código Civil – inobservância de causas suspensivas da celebração do casamento, casamento de pessoas maiores de sessenta anos e daqueles que dependerem de autorização judicial para casar.Já, a convencional é a determinada pelo art. 1687, CC e fixada por intermédio de pacto antenupcial. No que se diz a determinação legal do art. 1641 do Código Civil à adesão ao regime da separação de bens cabe destacar que, em relação às causas suspensivas da celebração do casamento e das pessoas que dependerem de autorização judicial, uma vez supridas referidas condições ali impostas e adquirida a maioridade civil, nada impede a admissibilidade de alteração do regime matrimonial de bens constante do art. 1639, § 2º. Por efeito, conclui-se que a única situação em que a lei impõe absolutamente o referido regime é no casamento em que um dos cônjuges é maior de sessenta anos. Por fim, com a chegada do Código Civil de 2002, pairaram dúvidas quanto à aplicabilidade da Súmula 3777 do Supremo Tribunal Federal adotada quando da vigência do Código de 1916. 6 Pacto antenupcial: é um contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas desde a data do patrimônio. (RODRIGUES, 1983, p. 167). 26 Os que apóiam a inaplicabilidade da referida súmula após 2002, baseiam-se no Novo Código Civil por não conter a regra do art. 259 do Código Civil anterior, que dispunha: “embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”. Os que defendem sua aplicabilidade, alegam que não há motivo para que os bens sejam de propriedade exclusivamente de um dos cônjuges quando reproduzem trabalho e economia de ambos. No início essa súmula foi aplicada com amplitude. Em seguida, no entanto, a sua aplicação ficou limitada aos bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges, reconhecendo-se a existência de uma verdadeira sociedade de fato. Deste modo, passou a decidir o Superior Tribunal de Justiça (RSTJ, 39:413; RT, 691:194; RF, 320:84). O STJ também reconheceu ao cônjuge o direito à meação dos bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, no regime da separação convencional. (GONÇALVES, 2007, p.146). 7 Súmula 377 do STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. 27 CAPÍTULO 2 2.1 ASPECTOS GERAIS DO ART. 977 DO CC/2002 O advento da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 instituiu o Novo Código Civil no ordenamento jurídico brasileiro, passando a tratar no seu texto o Direito Empresarial e, em função disso, as sociedades empresárias e as não empresárias. Ao acolher a Teoria da Empresa, sobreveio algumas inovações. Uma delas é a delimitação estabelecida pelo artigo 977: proibi-se aos cônjuges casados no regime de comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória a faculdade de contratar sociedade. Uma inovação retrógrada esta que consta no artigo 977 que, de forma categórica, permite aos cônjuges constituírem sociedade empresarial com terceiros ou entre si, mas que depende de uma condição, ou seja, desde que o regime de bens do matrimônio não seja o da separação obrigatória de bens ou da comunhão universal. Há empresas já estabelecidas que, à luz da nova legislação, não teriam a possibilidade de ser registradas nas juntas comerciais, da mesma maneira que cônjuges incluídos nas conjeturas de limitação podem desejar constituir uma sociedade limitada e verem seu pleito não aceito, o que teria possibilidade de vir a ser ventilado na justiça. Afirma-se que a novidade foi retrógrada visto que antes da chegada do novo código a própria jurisprudência e a doutrina, de forma predominante, tinham o entendimento pela hipótese de os cônjuges poderem contratar sociedade com terceiros ou entre si, independentemente do regime de bens escolhido, até mesmo porque o artigo 3º da Lei nº 4.121/19628 (Estatuto da Mulher Casada), claramente, 8 Art. 3º. Pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casado pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação. 28 diferenciava o patrimônio de cada cônjuge, ainda que o regime adotado fosse o da comunhão universal. A apresentação de motivos do Código Civil de 2002 foi omissa quanto às justificativas que pudessem fundamentar a proibição à contratação de sociedades empresárias entre cônjuges casados sob os regimes da comunhão universal ou da separação obrigatória. Destarte, resta-nos recorrer na jurisprudência e na doutrina argumentos que pudessem ser utilizados para embasar a preferência legislativa. São apontados, em geral, dois motivos principais, que são: impossibilitar a fraude tanto contra credores, principalmente para a hipótese das sociedades formadas por cônjuges casados sob o regime da comunhão universal, quanto ao regime de bens, principalmente nos casos de separação obrigatória. Embora inseridas em outro cenário jurídico, assim já indicavam as obras clássicas dos eminentes J. X. Carvalho de Mendonça e Waldemar Ferreira: Interessante questão é a seguinte: podem os esposos contrair sociedade comercial entre si? Parece-nos que não. [...] Se o casamento é sob o regimen (sic) da comunhão de bens, não há vantagem na sociedade, quer relativamente aos cônjuges, quer relativamente aos credores. Quanto aos primeiros, porque os lucros dos negócios seriam comuns, houvesse ou não a sociedade. Quanto aos segundos, porque as suas garantias não melhorariam. Se o casamento obedece a outra regimen (sic), a sociedade fraudaria a lei reguladora dos pactos antenupciais, tornando comuns, em virtude do contrato de sociedade, bens que o ato antenupcial separara. (MENDONÇA, 1958, p. 118). Se o casamento é sociedade universal, na qual mercê da comunhão, os direitos e as autorizações do marido são direitos e obrigações da mulher, pertencendo a ambos o mesmo patrimônio — a constituição, por eles, de sociedade mercantil importa na existência de duas sociedades com os mesmos sócios, patrimônio, direitos e obrigações. Não passará do desdobramento da sociedade conjugal em sociedade mercantil, operando debaixo de firma social. Duas sociedades autônomas, com o mesmo acervo. Ou, melhor, sociedade bifronte: civil de um lado, comercial do outro. Isto, se o regime for da comunhão geral de bens. Esta sociedade, sendo outro o regime de bens do casal, importa, sem dúvida, na sua modificação. Rompe com o principio da imutabilidade das convenções matrimoniais. [...] 29 Sendo irrevogável, a sociedade entre os cônjuges subverte o regime da separação. Torna comuns as dívidas da sociedade, dívidas dos cônjuges, respondendo por elas os bens de um e de outro, tornados eles solidários no seu cumprimento. (FERREIRA, 1960, p. 150). Nenhuma dessas teses se sustenta. O legislador fez predominar como regra situações que constituem exceção, sendo que instituiu uma suposição de fraude juris et de jure na contratação de sociedades empresárias entre consortes casados sob os regimes que ele descreve. Não aparenta ser acertada a opção legislativa nesse tema, conforme afirma Egberto Lacerda Teixeira, "a fraude à lei não se pode presumir juris et de jure. É indispensável estudar, em cada caso, a posição das partes e dos terceiros." (TEIXEIRA, 1956, p. 45-46). A simples contratação de sociedade entre cônjuges não significa o funcionamento de uma fraude, desse modo, não deve ser digno de uma censura preliminar do direito positivo. O ordenamento jurídico atual possui dispositivos inteiramente eficazes para corrigir e conter quaisquer situações evidenciadas de fraude e de depreciação da virtude do instituto da pessoa jurídica seja quem for os membros da sociedade e, na hipótese de sociedade contratada entre cônjuges, qualquer que seja o regime de bens adotado. Sobre esse assunto, vale ressaltar a respeito de dispositivos já arraigados no direito civil brasileiro como os que disciplinam acerca da fraude à lei, os defeitos do negócio jurídico e a simulação, com destaque, para os fins desta monografia, a fraude contra credores, bem como institutos que vem se consolidando na cultura jurídica do Brasil, como, por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor9 e no art. 50 do Código Civil de 200210. 9 Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 10 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de 30 Aparenta ser exagerada a limitação imposta aos cônjuges casados sob os regimes da comunhão universal de bens e da separação obrigatória, sendo que objetivo pretendido pelo legislador ao introduzir tal proibição pode ser plenamente abrangida, certamente de modo menos enérgico, por institutos já regulamentados pelo ordenamento jurídico atual. Nesse sentido, mais especificamente no que se trata à justificativa de que a contratação de sociedade entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória consideraria uma fraude ao regime de bens aplicado legalmente, sustenta Alfredo de Assis Gonçalves Neto, em contestação aos supostos motivos que amparam a vedação trazida pelo mencionado artigo 977: Na separação obrigatória, por igual, cada cônjuge subscreve sua participação com seus recursos oriundos de seus patrimônios pessoais; assim, a participação de um não se mistura com a do outro e o regime continua sendo respeitado. Se houver burla ao regime de bens, o problema não será decorrente do ajuste societário, mas do ato ilícito que provocou a quebra do ajuste matrimonial (ou que utilizou a sociedade para fins diversos daqueles que justificaram sua constituição, facultando-se, nesse caso, sua desconsideração). (GONÇALVES NETO, 2004, p. 64) Da mesma maneira, o argumento de que a contratação de sociedades entre cônjuges unidos sob o regime da comunhão universal poderia representar fraude contra o regime de bens é contraposta de forma motivada no já citado ensinamento de Alfredo de Assis Gonçalves Neto: A circunstância de os cônjuges serem casados sob as regras da comunhão universal não os inibe de celebrar sociedade, já que há o direito de meação de cada um deles incidindo sobre o conjunto dos bens do casal. Isso significa que é indiferente verificar se em uma determinada sociedade os cônjuges têm participação igualitária ou desigual, pois o regime do casamento não sofre nenhuma distorção; se a participação é igual, simplesmente retrata o ajuste matrimonial; se desigual (90 do marido e 10 da mulher, por exemplo) nada também muda quanto ao regime, já que em cada uma dessas participações há a meação do consorte (da mulher nos 90 do marido e deste nos 10 dela). (GONÇALVES NETO, 2004, p. 63-64) obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 31 Cabe tecer algumas sucintas exposições sobre outros argumentos que hipoteticamente fundamentam a vedação da contratação de sociedade entre cônjuges casados pelo regime da comunhão universal de bens. Primeiramente, distancia-se de imediato a asseveração extraída das obras de Waldemar Ferreira e de Carvalho de Mendonça na definição da inutilidade da sociedade entre cônjuges casados sob tal regime: a) porque se fundamenta em suposição equivocada, já que, como supracitado, a lei admite que cada cônjuge seja proprietário de bens particulares, excluídos do patrimônio conjugal comum; b) porque tal série de alegações jamais poderia explicar a nulidade de uma sociedade assim formada, mas somente ter em vista discutir a sua pertinência sob uma visão econômica. Inoportuno, também, o argumento de que casuais credores seriam lesados ao acordar com uma sociedade formada por cônjuges já que, ao invés de estarem assegurados por dois patrimônios distintos, existiria um único patrimônio (o do casal) a afiançar as obrigações da pessoa jurídica. Nas sociedades de responsabilidade limitada, como as sociedades anônimas e as sociedades limitadas, que são os tipos de sociedade mais corriqueiros na prática empresarial do Brasil, os sócios não se responsabilizam pelas obrigações da sociedade, localizando-se nos bens da sociedade e, adicionalmente, no capital social da empresa, a garantia dos credores. Nas sociedades qualificadas como sendo de responsabilidade ilimitada, os sócios só respondem pelas dívidas da sociedade em casos excepcionais, de forma secundária, e, mesmo assim, não há que se falar em lesão aos credores, em razão de haver bens próprios dos consortes. 2.1.1 A prevenção contra o regime da comunhão universal de bens O regime da comunhão universal de bens está previsto no art. 1.677. Nesse regime comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas com as exceções do art. 1.688. Os conhecidos comentários acerca do impedimento à constituição de sociedade empresarial entre cônjuges, 32 sob o regime da comunhão total, resumem-se no argumento de que neste regime a existência da sociedade seria uma espécie de ficção, porque "a titularidade das quotas do capital de cada cônjuge na sociedade não estaria patrimonialmente separada no âmbito da sociedade conjugal, da mesma maneira que todos os demais bens não excluídos pelo art. 1.668, a ambos pertencentes" (FIUZA, 2004, p. 899). Por meio deste entendimento, e ocorrendo uma circunstância em que os bens dos sócios devam garantir os compromissos sociais, o que se encontraria ao invadir-se o patrimônio das pessoas? Apenas uma única massa de bens (bens dos sócios que sustentam subsidiariamente as obrigações da sociedade de pessoas com bens de pessoas também sócias entre si na sociedade conjugal). Em outras palavras, seria muito difícil separar os patrimônios mesmo porque ele é "comum". Daí o argumento de que tal regime seria um facilitador para o cometimento de fraudes. (TONIN, 2004, p. 294). O legislador do Novo Código Civil, ao limitar a formação de sociedade empresária entre cônjuges, porque casados sob o regime da comunhão de bens, firmou uma espécie de "presunção de fraude", impondo-lhes o desfazimento da mesma ou a mudança de regime(?).(TONIN, 2004, p. 294). Nas palavras do magistrado Pablo Stolze Gagliano: a condição de casados, por si só, ou a adoção deste ou daquele regime, não poderia interferir na formação de uma sociedade, sob o argumento da existência de fraude. Toda fraude deve ser apreciada in concreto, e não segundo critérios apriorísticos injustificadamente criados pelo legislador. (GAGLIANO apud TONIN, 2004, p. 294) Além disso, não se pode acolher o argumento de que tal sociedade é fictícia porque o patrimônio que a compõe é comum. Se assim o fosse, também não se poderia permitir sua contratação sob o regime da comunhão parcial. Isto ocorre porque quando o casamento é realizado mediante o regime da comunhão parcial, e a empresa é formada após o matrimônio, os bens amealhados na constância do casamento é "comum", observados os bens excluídos deste regime (art. 1.659), cuja exceção também serve para o regime da comunhão universal, ex vi do art. 1.668, V. (TONIN, 2004, p. 294). 33 Tanto na comunhão parcial quanto na comunhão total, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (arts. 1.659, inc. VI e 1.668, inc. V, respectivamente) são excluídos da comunhão. O Código Civil de 1916, mesmo com a chegada da Lei 4.121/62, não fez constar esta exclusão no regime da comunhão total, avançando a Lei 10.406/02 para, também, excluir aqueles proventos deste regime. (TONIN, 2004, p. 294). Portanto, sob este argumento, o legislador do Código Civil de 2002 não poderia restringir a contratação de empresa aos cônjuges casados sob o regime da comunhão total, pois não o fez em relação à comunhão parcial. Destarte, se a preservação dos rendimentos do trabalho individual de cada cônjuge é garantia de que este bem não entre na comunhão, deixando de ser bem "comum" para ser visto como uma garantia pessoal, não só dos cônjuges, mas também dos credores da empresa, eis que os bens particulares respondem pela dívida firmada por um só dos cônjuges (Lei 4.121/62, art. 3°). (TONIN, 2004, p. 295). O Código Civil contemplou os regimes da comunhão parcial e da comunhão total com este preceito. Sendo assim, não é justo que essa mesma legislação faça discriminação entre eles para restringir os cônjuges unidos sob o regime da comunhão total, o livre exercício da atividade econômica. A objeção mais proeminente à contratação de sociedade entre casados pelo regime da comunhão universal está na confusão dos patrimônios dos cônjuges, o que não pode haver na sociedade, onde cada sócio distingue seu patrimônio em relação ao dos demais sócios. (TONIN, 2004, p. 298). Contudo, tal oposição não tem razão de existir, uma vez que o regime de comunhão universal não torna o patrimônio indivisível eternamente, mas somente enquanto durar a sociedade conjugal, havendo, enquanto tal não se dá, a previsão da meação, sempre defensável perante terceiros e reciprocamente entre os consortes. Ademais, há bens que, malgrado seja a comunhão o regime patrimonial, não se comunicam, como ocorre nos casos do art. 1.668, não havendo qualquer impedimento suficiente para valer a restrição legal. (TONIN, 2004, p. 298). 34 2.1.2 A prevenção contra o regime da separação obrigatória de bens É conveniente que se identifique as ocasiões previstas no Código Civil de 2002 para o regime da separação obrigatória de bens para que se possa compreender a segunda restrição imposta pelo art. 977. Há situações em que a vontade dos nubentes não é importante, incumbindo à lei impor o regime da separação obrigatória, quando·o casamento se realiza contra a recomendação do legislador de que "não devem casar". São as causas suspensivas11, tidas como "injustificáveis" e até "inconstitucionais". (TONIN, 2004, p. 295). Determina o art. 1.641, CC, que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; e III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. A justificação dessa restrição seria a de que a sociedade poderia ser usada como meio de burlar a separação obrigatória, especialmente nos casos da qual ela foi imposta àqueles com mais de 60 anos. Este regime representa uma intervenção do Estado em relação à autonomia dos sujeitos e tem seu fundamento na manutenção da individualidade dos patrimônios entre os cônjuges, pois que ela existe como meio de proteção de interesse de terceiros, envolvendo as causas suspensivas do casamento; para que se evite o chamado "casamento por interesse", e das pessoas cujo suprimento judicial é exigido para o casamento. (TONIN, 2004, p. 295). Ocorrendo as situações de cláusulas suspensivas, o juiz pode permitir o casamento por qualquer regime de bens, desde que fique demonstrada a 11 Art. 1.523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. 35 inexistência de prejuízo, conforme parágrafo único do art. 1.52312. Quando superada a cláusula determinada, os cônjuges poderão requerer ao juiz autorização para pleitear a alteração do regime de bens13. (TONIN, 2004, p. 296) Suposição de casamento de adolescente entre 16 e 18 anos: a) o Código possibilita a escolha do regime desde que com autorização dos representantes legais; b) aos que necessitam de autorização judicial para o casamento porque não obtiveram consentimento de seus representantes legais, bem como aos menores de 16 anos, a fim de evitar pena criminal ou em caso de gravidez (casos em que é exigida autorização judicial), o regime é o da separação obrigatória de bens. Quando atingida a maioridade, o casal pode requerer alteração do regime. (TONIN, 2004, p. 296). Se as duas situações anteriores não proporcionam maiores problemas, tendo o legislador flexibilizado as normas que obrigam o casamento pelo regime da separação legal, perdeu-se a grande chance de rever a regra preconceituosa, e inconstitucional, que subtrai do maior de 60 anos a capacidade de escolha do regime. Manteve uma redução de direito contra o idoso. (TONIN, 2004, p. 296). A Desembargadora do TJ/RS, Maria Berenice Dias, expressa o que pensa: Certamente a mais cruel das sanções de incomunicabilidade de patlimônio é quando um dos nubentes é maior de 60 anos (CC, art. 1.641, inc. Il). Além de flagrante afronta à Lei 10.741/03, conhecida como Estatuto do Idoso, inexiste a possibilidade de afastar a imposição legal por se tratar de hipótese não excepcionada no parágrafo único do art. 1.523 do CC. Nesses casos, pode ser afastada a incomunicabilidade por decisão judicial, possibilidade que inexiste quando um dos noivos for um idoso. Sequer é admitida a comunhão de aqüestos. Porém, ainda que o legislador vede a comunicabilidade dos bens adquiridos durante o casamento, é imperioso que se reconheça que permanece em vigor a Súmula 377 do STF, que presume o estado condominial dos bens amealhados na vigência da união. Assim, mesmo diante da imposição legal para impedir o locupletamento injustificado de um dos cônjuges em detrimento do outro, mister afirmar a existência do direito à meação sobre o patrimônio amealhado durante o casamento, a ser atribuído ao cônjuge sobrevivente. (DIAS, apud TONIN, 2004, p. 296) 12 Art. 1.523 Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. 13 o Art. 1.639 § 2 . É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. 36 A proibição de constituir-se sociedade entre cônjuges casados sob o regime da separação obrigatória dos bens, na visão do legislador, é basilar, pois se fosse permitida a sociedade entre ambos, poderia anular a separação obrigatória dos bens através da gerência da sociedade, ficando o cônjuge livre para dispor de parte dos bens do outro através da empresa. (TONIN, 2004, p. 297). Enquanto estiver vigorando o inc. 11, do art. 1.641, também criticado como "inadequado" pela advogada Marilene Silveira Guimarães: [...] os casados pelo regime da separação legal de bens estarão impedidos de constituir empresa entre si, pois não poderão promover a alteração do regime de bens como os demais, uma vez que sua idade não retrocederá. Essas pessoas deverão separar-se e passar a viver em união estável, ou um deles deverá retirar-se da empresa. (GUIMARÃES apud Tonin, 2004, p. 297). Analisados os regimes excetuados pelo art. 977, faz-se necessário também verificar como é interpretado o referido dispositivo legal. 2.2 DAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DO ART. 977 DO CC/2002 Primeiramente, para podermos nos ater à análise das interpretações do artigo 977 do CC, convém transcrevê-lo: Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime de comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. A falta de precisão do legislador manifestou, para Rodrigo Dantas Coêlho da Silva, as seguintes interpretações: (i) um cônjuge casado em um dos citados regimes não pode contratar sociedade com terceiros; ou, (ii) se apenas os cônjuges não podem contratar sociedade entre si, isto é, esposo e esposa, ambos com terceiros ou entre si apenas, formando sociedade com personalidade jurídica própria. (SILVA, 2004). 37 Com isso, seguiremos ao exame das duas mais notórias interpretações do artigo 977 do Código Civil. 2.2.1 Cônjuge casado no regime de comunhão universal de bens, ou na da separação obrigatória não pode contratar sociedade com seu cônjuge e/ou com terceiros Alguns Cartórios e Juntas Comerciais, num primeiro momento, seguiram a primeira interpretação exposta e, por conseguinte, não registravam sociedades em que qualquer um dos sócios fosse casado em regime de comunhão universal ou de separação obrigatória. Dessa forma, tal entendimento é fruto de uma interpretação meramente literal e bastante contestável do citado dispositivo legal, sem levar em conta o espírito da lei, desprezando o que dispõe para os operadores do Direito, em especial para o Judiciário, o artigo 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), Decreto-Lei n.º 4.657/1942, na medida em que não atenderam aos fins sociais a que se dirige o mencionado artigo, bem como às exigências do bem comum. O que resulta em uma afronta ao direito de contratar, constituir, sociedade. (SILVA, 2004). 2.2.2 Os cônjuges não podem contratar sociedade entre si Há os que entendem que a limitação do artigo 977 do CC está restrita a sociedades formadas por apenas os cônjuges nos regimes específicos citados entre si e por ambos com terceiros em uma mesma sociedade. Ricardo Fiuza em suas anotações no “Novo Código Civil Comentado”, explica: 38 A norma do art. 977 proíbe a sociedade entre cônjuges quando o regime for o da comunhão universal (art. 1.667) ou o da separação obrigatória (art. 1.641). No primeiro caso, o da comunhão total, a sociedade seria uma espécie de ficção, já que a titularidade das quotas do capital de cada cônjuge na sociedade não estaria patrimonialmente separada no âmbito da sociedade conjugal, da mesma maneira que todos os demais bens não excluídos pelo art. 1.668, a ambos pertencentes. No que tange ao regime da separação obrigatória, a vedação ocorre por disposição legal, nos casos em que sobre o casamento possam ser levantadas dúvidas ou questionamentos acerca do cumprimento das formalidades ou pela avançada idade de qualquer dos cônjuges. Estando os cônjuges casados pelos regimes da separação total ou da comunhão parcial, podem constituir sociedade, entre si ou com terceiros. Permite-se, assim, a sociedade entre cônjuges nos regimes de comunhão parcial e da separação total, em que ambos os cônjuges podem fazer suas contribuições individuais para a formação do patrimônio social, desde que não haja abuso da personalidade jurídica societária com a intenção de prejudicar credores. A partir do Novo Código Civil, o ordenamento jurídico permite, expressamente, a constituição de sociedade empresária ou simples entre marido e mulher, superando, assim, lacuna existente em nossa legislação e as divergências jurisprudenciais que vinham sendo objeto de acalorados debates pela doutrina. (FIUZA, 2004, p. 899) Esse posicionamento é adotado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), órgão vinculado à Secretaria do Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que através do Parecer Jurídico DNRC nº 50/03, exarado por sua Coordenadora Jurídica, Rejanne Darc B. de Moraes Castro, expôs seu entendimento, conforme abaixo transcrito: EMENTA: Impedimento constante do art. 977 do Código Civil, restringe-se aos cônjuges entre si ou de ambos com terceiros em uma mesma sociedade. Esse dispositivo do NCC não se encontra dentre aqueles suscitadores de polêmica, tanto que quase nada foi escrito sobre o assunto por parte da doutrina jurídica. Inobstante,entendemos, por ser no mínimo razoável em face do princípio da autonomia da vontade vigente no direito brasileiro, que a restrição da norma ali inserta, limita tão-somente a constituição de sociedade entre os cônjuges casados no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória ou desses conjuntamente com terceiros, não indo tão longe ao ponto de proibir que pessoas bastando serem casadas nesses regimes de bens, estariam impedidas de individualmente contratarem sociedade, ainda que sem qualquer vínculo entre si. (Parecer Jurídico DNRC/COJUR/Nº 050/03). Essa é a interpretação que fora adotada pela doutrina e jurisprudência para a aplicação do referido dispositivo legal. 39 2.3 O ATO JURÍDICO PERFEITO APLICADO AO NCC Existem várias linhas de interpretação, ressaltaremos as duas mais relevantes e conflitantes entre si. Há uma corrente que sustenta a retroatividade da lei civil, quando o benefício a ser protegido é social, em detrimento da vantagem do particular. Nas palavras de Sílvio Rodrigues, "devem ser preservadas tão-somente as situações em que o interesse individual prevalece" (RODRIGUES, 2002b, p. 26-27), originando-se, desta forma, o ato jurídico perfeito, instituição proveniente da Constituição. Contudo, há os que alegam que a lei civil é irretroativa, não podendo lesar o ato jurídico perfeito, ou seja, "as situações concluídas sob a égide de uma lei civil, mesmo que produzam efeitos futuros, constituem atos jurídicos perfeitos". (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2002, p. 78-79). De acordo com esta teoria, as partes possuem direito adquirido no emprego da lei vigente quando de sua concepção, não podendo, nem mesmo o Estado, aspirar retroagir os efeitos de uma nova lei para atingir condições terminantemente formadas por lei anterior. O artigo 2.031 diz que os atos constitutivos e modificativos deverão ser adaptados aos dispositivos do novo código. Não há, porém, qualquer determinação de uma sanção pelo descumprimento do prazo, mas é certo que dificuldades para o funcionamento das sociedades ocorrerão, especialmente junto aos órgãos públicos, sejam eles da administração direta ou indireta. Aqui se encaixa a JUCESP, que a princípio disse não haver qualquer burocracia ou problema de ordem maior, caso as alterações não sigam exatamente os ditames da nova lei. (MOHRIAK, 2003). O artigo 2.035 do Código Civil, em seu parágrafo único14, reafirma que é inevitável o cumprimento rigoroso das regras da legislação agora em vigor. Para Miguel Reale: 14 Art. 2.035. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. 40 "o respeito aos atos praticados conforme estabelecido pela legislação então vigente é regra básica do ordenamento jurídico; seus efeitos devem seguir a nova ordem vigente; ressalva-se a prática que atenda à autonomia da vontade das partes, mas condicionada ao respeito à ‘ordem pública’" (REALE apud PALMA, 2003, p. 473). O artigo 5º da CF/88 no seu inciso XXXVI preceitua que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". É notória a contrariedade entre a lei federal e a lei constitucional, predominando, a princípio, a última em detrimento da primeira (em decorrência da hierarquia das leis). É de conhecimento geral que uma lei federal não pode ser antagônica a regulamentos de ordem constitucional. Este enfrentamento gera várias incertezas quanto ao procedimento. Se considerarmos taxativamente que uma lei nova não pode revogar (abrogar ou derrogar) uma lei anterior, não haveria qualquer razão para o legislador avançar juntamente às mudanças sociais e criar novas normas. As leis novas são supostamente superiores e melhores (ou mais atuais) que as leis antigas e sua razão de ser é esta. Invariavelmente, uma lei mais recente tratará temas não antes mencionados, até por falta de previsão de que aconteçam na vida prática. Diante desse ponto de vista, não haveria como negar validade a normas mais recentes, desde que compatíveis com outras normas e não contrárias à moral e aos bons costumes (também preceitos da Constituição Federal), por sua inegável contribuição social. (MOHRIAK, 2003). O Novo Código Civil é o primeiro código do ocidente a mencionar de forma explicita a função social dos contratos. Outros países, como a França, a Itália e a Alemanha, implicitamente sugeriam a consideração à função social dos contratos, mas o código brasileiro determina expressamente15, ainda que sua aplicabilidade gere descrença. Destarte, mais que examinar apenas o texto de um contrato, a manifestação de vontade das partes, ou a pretensão do legislador, há que se investigar a real inserção social de um contrato na sociedade para qual ele foi originado. Tanto a norma constitucional como a norma federal são cogentes, ou de ordem pública, o que lhes implica valor absoluto, devendo ser seguidas e cumpridas em sua integralidade por todos, salvo exceções previstas legalmente. O que deve ser feito aqui é sopesar o que é um ato jurídico 15 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 41 perfeito e as implicações para o cumprimento do ato no futuro, ainda que decorrente de lei anterior. (MOHRIAK, 2003). A formação de uma sociedade em que os seus sócios são unidos no regime de comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória trata-se de ato jurídico perfeito. Os efeitos de tal ato não podem ser considerados perfeitos, justamente pelo fato de serem projetados no futuro. Por fim, não se pode argumentar que um ato que iniciou e terminou em determinado instante (o ato exclusivo da constituição da sociedade) seja considerado perfeito, se tantos outros decorrem dele, mas com execução e aperfeiçoamento tão imprevisíveis e tão "distantes". 2.4 APLICABILIDADE DO ART. 2.031 DO CC/2002 EM RELAÇÃO A SOCIEDADES CONSTITUÍDAS NA FORMA VEDADA PELO ART. 977 DO CC/2002 Neste tópico do trabalho a questão anteriormente suscitada terá uma abordagem mais voltada aos acontecimentos posteriores à edição do Novo Código Civil. Frente à verificação que o prazo determinado pelo artigo 2.031, CC, anteriormente se encontrava assim: Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários. Desta forma, o prazo ajustado pelo legislador não seria o bastante. Inicialmente esse era o prazo conferido às fundações, sociedade e associações para se adequarem às disposições do Novo Código. Em seguida veio a Lei 10.838 de 30 de janeiro de 2004, estendendo o prazo original: 42 Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de 2 (dois) anos para se adaptar às disposições deste Código, a partir de sua vigência igual prazo é concedido aos empresários. Por fim, com a Lei 11.127 de 28 de julho de 2005, concede-se um novo período para a modificação dos atos constitutivos, prorrogando o prazo até 11 de janeiro de 2007: Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007 O prazo inicial seria até 11 de janeiro de 2004 e por fim se estendeu até 11 de janeiro de 2007, ou seja, o prazo foi ampliado por mais três anos para que fossem feitos os ajustes. Ainda com a expansão do prazo para que sobreviessem as adaptações exigidas pelo Novo Código, brota a questão se verdadeiramente deverá ser cumprida a norma do artigo 977 pelas sociedades formadas nos ditames da lei anterior. É relevante a análise a respeito da eficácia da Lei no tempo. A Lei de Introdução do Código Civil, o Decreto-Lei 4.657/42 em seu artigo 6º, § 1º, determina a não retroatividade das Leis a respeito do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Sobre esta, o ato jurídico perfeito, o § 1º estabelece: reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Deste modo, a sustentação da proposição da não necessidade de adaptação dos atos formalizados de sociedades anteriormente à validade do Código Civil atual em apreço ao instituto do "ato jurídico perfeito" encontra amparo no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), norma transcrita a seguir: Art. 5º [...] [...] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 43 Tal suposição é inaceitável em sujeitar que as sociedades legalmente instituídas entre cônjuges casados no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória sobre a égide da lei anterior, adéqüem-se pela coação do Novo Código, mesmo considerada a bom intuito do legislador. Como ensina a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o risco de se retroagir a lei sobre enganosas justificativas: Nem mesmo o Estado poderá pretender retroagir os efeitos de uma nova Lei para atingir situações definitivamente constituídas,razão por que nos insurgimos, com todas as nossas forças, e por amor à Constituição Federal, contra a falaciosa justificativa de que se deve reconhecer a retroação de efeitos somente às leis de “ordem pública”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 72). Destaca-se que Silvio Rodrigues confirma no mesmo sentido com os autores acima mencionados: Tratando-se de normas, na grande maioria, de ordem pública, a vigência do Novo Código Civil traz sua imediata aplicação à situação jurídica vigente, respeitada a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. (RODRIGUES, 2004, p. 16). É nesse propósito, o modo de ver do Ministro Néri da Silveira, do STF, publicado em voto proferido nos Autos de Recurso Extraordinário: [...] Essa liberdade de o legislador dispor sobre a sorte dos negócios jurídicos, de índole contratual, neles intervindo, com modificações decorrentes de disposições legais novas não pode ser visualizada, com idêntica desenvoltura, quando o sistema jurídico prevê, em norma de hierarquia constitucional, limite à ação do legislador, de referência aos atos jurídicos perfeitos. Ora, no Brasil, estipulando o sistema constitucional, no art. 5.º, XXXVI, da Carta Política de 1988, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, não logra assento, assim, na ordem jurídica, a assertiva segundo a qual certas leis estão excluídas da incidência do preceito maior mencionado. (STF, RExtr. n.º 198.993-9, Rel. Min. Néri da Silveira). Seguindo este entendimento jurisprudencial o DNRC, por meio do Parecer Jurídico DNRC/COJUR n.º 125/03, expediu elogiável opinião na seguinte forma: 44 ASSUNTO: Sociedade empresária entre cônjuges constituída antes da vigência do Código Civil, de 2002. [...] De outro lado, em respeito ao ato jurídico perfeito, essa proibição não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código, alcançando, tão somente, as que viessem a ser constituídas posteriormente. Desse modo, não há necessidade de se promover alteração do quadro societário ou mesmo da modificação do regime de casamento dos sócios-cônjuges, em tal hipótese. (Parecer Jurídico DNRC/COJUR/Nº 125/03). Sobre o assunto Rubens Requião leciona: As sociedades empresárias, entre marido e mulher, casados em regime de comunhão universal especialmente, multiplicaram-se às centenas de milhares, sem risco de erro. Invariavelmente alcançaram seus objetivos econômicos e sociais com plena licitude, estimuladas inclusive pela exacerbação da atuação do Fisco, que de certo modo inviabiliza o exercício de atividades profissionais pela pessoa física. A tendência natural é, pois, a união entre os cônjuges, para o exercício da empresa, inclusive em regime de atividades uniprofissionais. Nem sempre é possível ou recomendável a convocação de um estranho ou parente mais distante para compor uma sociedade. A escolha da esposa ou do marido é natural e aconselhável. Pode-se dizer que o recrutamento das esposas como sócias é um apanágio da ascensão jurídica, econômica, social e profissional das mulheres. Por outro lado, o regime legal do casamento não é mais o de comunhão universal, o que tornou relativamente raros casamentos em tais condições, dependente da prévia e expressa opção dos futuros cônjuges. O mesmo ocorre com o regime de separação obrigatória. Portanto, a ocorrência de fraudes contra tais regimes é mínima, pela sua própria natureza excepcional, não justificando a opção do legislador. O Código Civil, sem base técnica que seja evidente, interfere em situação socialmente consolidada, legislando em face de exceções. A violação do regime de casamento, se eventualmente verificada, pode ser combatida, nos casos específicos, por via da teoria da superação da personalidade jurídica, da teoria das nulidades, ou em razão de vícios de vontade. Não se justifica a generalização do impedimento, adotado pelo Código. As sociedades entre cônjuges, casados com comunhão universal ou em regime de separação obrigatória, constituídas antes da sanção do Código Civil, não serão extintas ou dissolvidas, pois os sócios, e a própria sociedade, têm direito adquirido ao seu status, e a sociedade à própria existência, pois foram constituídas antes da vigência da abstrusa proibição. Seria absurdo que tais sociedades entrassem em dissolução após a vigência do Novo Código Civil, pelos motivos indicados, e, em especial, pela tendência moderna de preservação da empresa. A Instrução Normativa nº 98, de 23 de dezembro de 2003, no item 3.2.5, reconhece que os cônjuges, sócios antes do advento do Código Civil, não precisam alterar sua condição de sócios. Mas no item 1.2.11 cataloga nos impedimentos para ser sócio os cônjuges casados no regime da comunhão universal ou separação obrigatória, naturalmente nas sociedades limitadas criadas após a sanção do Código Civil. (REQUIÃO, 2009, p.512). 45 É oportuno, porém, lembrar que quando contratada a sociedade por sócios unidos pelo regime de comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória ao tempo da norma anterior, estavam reunidos todas as condições necessárias, o ato se aperfeiçoou, estavam plenamente aptos os contratantes, enquanto, esquivaram-se aos efeitos do Código de 2002 em submissão ao ato jurídico perfeito. Por fim, as modificações em seu contrato social, posterior a validade do Novo Código Civil, estas, devem estar de acordo com as inovações do legislador. 46 CAPÍTULO 3 3.1 A SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES E A CF/1988 Vimos ao decorrer deste trabalho que a apreciação do desenvolvimento das interpretações sobre o assunto nos faz acreditar que os operadores do Direito, já há algum tempo, almejavam proteger o cumprimento das imposições por parte da sociedade, pela limitação de, até então, a mulher fazer contrato de sociedade com seu marido Levando em consideração que não era assegurado à mulher o direito de meação dos bens do casamento cujo regime da comunhão universal de bens era o mais comum até o início da vigência da Lei do Divórcio, Lei n.º 6.515, nem a mulher era em regra titular de bens a fazer parte da sociedade ou para responsabilizar frente a terceiros na insuficiência ou ausência de patrimônio social. Neste contexto histórico, a restrição se emoldurava. Destarte, tais acontecimentos, em conjunto a outros também, promoveram o aparecimento de teorias como a da desconsideração da personalidade jurídica, exatamente para investir contra os sócios de pessoas jurídicas que, agindo com intenção de violar a lei, depreciam direitos de terceiros na administração destas pessoas jurídicas, o que dá ao terceiro agravado o direito de ajuizar ação no Poder Judiciário para ter reparado um dano fortuito. O que torna, por si, de um todo dispensável a exceção cominada pelo artigo 977 do CC. De outra maneira, temos o ensinamento de Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza que, ao tempo em que o Relator do Projeto do Código Civil fundamenta a restrição, e a explica. Em seguida, Fiuza dá solução alternativa para o caso de os cônjuges sob a limitação do artigo 977 do CC que almejarem contratar sociedade entre si conforme obra já citada no tópico 2.2.2 desse trabalho. Faz-se necessário avisar que não visualizamos, pela interpretação isolada do Código Civil de 2002, a probabilidade de contratação de sociedade empresária ou simples entre consortes unidos nos regimes de comunhão parcial e da separação total. 47 É imprescindível recordarmos, o artigo 977 do Código Civil está disposto no seu Livro II, Título I, Capítulo II, ou seja, onde se trata da capacidade do empresário (conceito do artigo 966 do CC16 que deve ser interpretado amplamente), possibilitando ao artigo em estudo a hipótese de restringir o direito desses cônjuges formarem sociedade, sendo que de nada valeria o ato de constituir uma sociedade que, por tal restrição, poderia vir a ser declarado nulo por infração ao artigo 166 do CC. Tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 6.960/2002, de autoria do Deputado Federal Ricardo Fiuza, pelo qual pretendeu a alteração do artigo 977, CC para retirar a injusta limitação do referido Código, nas palavras do Autor do citado PL/2002: "permitindo que os cônjuges possam livremente contratar sociedade, entre si ou com terceiros". (FIUZA, 2004, p.899). Pelo explanado, é visível que a proibição criada pelo artigo 977 do CC, além de se encontrar incontextualizada quanto aos aspectos sociais e jurídicos, transgride a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5.º, incisos I17 e, até mesmo, LVII18, pois confere uma limitação a um conjunto de pessoas pela singela averiguação de que os sócios poderiam vir a cometer fraude contra terceiros em nome da sociedade, e que estes lesados se deparariam com dificuldades na busca da devida reparação. 3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 977 DO CC/2002 A supremacia normativa dos princípios em relação às regras não é mais questionada. É crescente a aplicação dos princípios por parte dos magistrados, especialmente os princípios constitucionais ao solucionar uma lide, tornando-os a fonte primária, devendo, dessa forma, o intérprete lançar mão antes de qualquer diferente. 16 Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 17 Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 18 Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; 48 Além disso, as leis foram editadas em referência aos princípios e não o oposto, situando os princípios no topo do ordenamento jurídico. Os princípios tornam as normas coesas e revelam os importantes valores éticos, que são a base para a interpretação das normas. Os princípios possibilitam levar em consideração os valores e interesses, conforme o seu mérito e a consideração de outros princípios casualmente incompatíveis, não se utilizando exclusivamente o que estabelece a lei; por outro lado, as regras não facultam outro tipo de solução, pois se há uma regra e esta é válida deverá ser cumprida na literalidade das suas disposições. Seguindo está lógica pode-se assegurar que o art. 977 do Novo Código Civil que proíbe a constituição da sociedade entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens, ou no regime da separação obrigatória, é inconstitucional. Junta-se a isso a ocorrência do artigo 2031, CC (modificado pela Lei 11.127/05), que determina que associações, sociedades, fundações e empresários, constituídos na vigência do antigo Código, deverão se adaptar ao que regula o Código de 2002 até a data limite de 11 de janeiro de 2007. Uma autêntica interferência na vida privada ao se virarmos para o conjunto de problemas do art. 977, CC, além da desobediência aos princípios constitucionais. Em defesa da inconstitucionalidade citada podemos mostrar o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62) que foi de extrema importância nos direitos da mulher e na proteção de seu patrimônio, traz em seu art. 3°: Art. 3º. Pelos títulos da dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime da comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação. Este dispositivo de lei consagra os bens separados da esposa e do marido, mesmo que o regime adotado fosse o da comunhão universal. Quanto à separação obrigatória, não se deve esquecer a incidência da Súmula 377 do STF: no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. 49 A Súmula não aponta quais são os tipos de bens. Há diversos julgados do STJ que, a propósito, não refletem sobre o tão discutido ‘esforço comum’ dos cônjuges, pelo contrário, ele é presumido, sendo este o entendimento majoritário do Judiciário como por exemplo no Resp nº 154.896-RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais contempla inclusive os valores individuais em conta corrente de cada consorte como se sobrevindos do esforço comum, ainda que a separação seja a legal (vide Apelação Cível nº 1.0491.04.911595-0/001, Relª Des.ª Vanessa Verdolim Hudson Andrade, j. em 29.03.05). A ocorrência do art. 977, CC proibir a formação da sociedade entre cônjuges unidos sob os regimes da comunhão universal de bens e o da separação legal, não obriga as empresas constituídas anteriormente ao início da vigência do Novo Código Civil tenham que modificar seu quadro social, mesmo considerando o art. 2031, CC posto originar-se de norma prevista no art. 5º, II da Constituição Federal brasileira: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei." As sociedades constituídas antes do Novo Código Civil são legais, não é exigido qualquer modificação, sob pena de confrontar o princípio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF/88). Ou seja, lex non habet oculos retro19 é aplicável no caso real, vale ainda ressaltar a máxima do direito que estabelece que ato é regido pelo tempo em que foi feito (tempus regit actum). Dessa forma, nota-se novamente, que as sociedades formadas antes da vigência do Novo Código Civil devem ser geridas pela lei do momento de sua contratação, no caso, o código de 1916, não se fala em qualquer ilegitimidade. Hans Kelsen entende da mesma forma: As leis retroativas são consideradas censuráveis e indesejáveis porque fere nosso sentimento da justiça infligir uma sanção, especialmente uma punição, a um indivíduo por causa de uma ação ou omissão às quais o indivíduo não poderia saber que se vincularia tal sanção. (KELSEN, 1998, p. 61). 19 A lei não olha para trás. 50 Os contratos das sociedades entre consortes unidos sob o regime da comunhão universal de bens é julgado como ato jurídico perfeito e o direito destes cônjuges de ter a empresa da qual são donos regida pela legislação da ocasião em que foi contratada denomina-se direito adquirido. O Código Civil que hoje em dia abrange grande parte da legislação comercial não pode retroagir, conforme se entende dos dizeres de Antônio Jeová dos Santos: Nada disso, porém, pode servir como pretexto de se emprestar efeito retroativo às regras do Código Civil de 2.002, porque a insegurança seria muito mais deletéria do que eventual imobilismo e estratificação do Direito. Os jurisdicionados necessitam estar seguros e terem certeza de que a lei posterior em nada modificará sua vida de relação e seus negócios, desde que tenham sido concretizados à época da lei revogada. Como é notório no âmbito jurídico, as normas legais infraconstitucionais (mesmo que de ordem pública) não podem retroagir para alcançar contratos, como por exemplo, de constituição de sociedade comercial estabelecidos antes de sua vigência, sob pena de afrontar os princípios da irretroatividade da lei, segurança jurídica, estabilidade e paz social. (SANTOS, 2003, p. 51). Luiz Antônio Rizzato Nunes conclui: [...] tem havido certa confusão, especialmente em decisões judiciais, relativamente ao aspecto da retroatividade da norma jurídica, pelo fato de ela ser pública ou privada. Mas acontece que não é a qualidade da lei que faz com que ela possa ou não retroagir. A Constituição Federal não deixa margem a dúvidas: as garantias estabelecidas contra a retroatividade das leis (o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, aplicam-se indistintamente contra qualquer espécie de lei. Não é porque uma lei é de ordem pública que ela pode retroagir, ferindo aquelas garantias. A Carta Constitucional fala apenas em ‘lei’, donde se deve inferir que está tratando de ‘toda espécie de lei. (NUNES, 2008, p. 171). O emprego do art. 2.031 do CC aos efeitos dos contratos formalizados antes do Novo Código Civil seria o que a jurisprudência e a doutrina chamam de “retroatividade mínima”, expressamente proibida quando for abordada lei infraconstitucional. Almejar aplicar os arts. 2.031 e o art. 977 do Código Civil aos contratos de sociedade regidos pelo Código anterior, causaria proposição de retroatividade máxima, que é não é admitida no Brasil por confrontar o art. 5º, XXXVIII, CF/88. 51 A retroatividade máxima acontece quando alcança o próprio fato que se realizou pro completo, a sua própria natureza. Sérgio Campinho sustenta que a privação da contratação de sociedade entre cônjuges sob o regime da comunhão de bens apenas se aplica às sociedades formadas após o início da vigência do Novo Código Civil: Porém a nova ordem só se aplica às sociedades que venha a se constituir após a vigência do novo Código, não se fulminando de nulidade as sociedades validamente contratadas segundo as regras contemporâneas ao seu surgimento, nas quais não havia a restrição ora traçada. E isso se faz em atenção ao princípio constitucional que garante não poder a lei prejudicar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI). (CAMPINHO, 2003, p. 56). Ainda que o grande doutrinador supracitado mereça reverência, não deve progredir a tese de que os art. 977 e 2031 do Novo Código Civil terão aplicação apenas às novas sociedades, ou seja, àquelas constituídas após a vigência do dispositivo legal. Isto ocorre porque ele, ao atestar o acima exposto, o fez exclusivamente fundamentado na letra da lei, ao molde dos civilistas puros, não dando importância os princípios constitucionais que resguardam as empresas após a chegada da lei. Em sua obra, com grande destaque, Alfredo de Assis Gonçalves Neto ressalta que as legislações ordinárias estão submissas e devem respeitar os princípios constitucionais, visto que ao observá-los têm papel crucial na obtenção e interpretação dos mesmos. Ele diz: Nossa Lei fundamental destaca, dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito que adotou, a livre iniciativa (art. 1º, inc. IV), a liberdade de trabalho, ofício e profissão (art. 5º, incs. XIII e XVII). Mais adiante, ao regular a atividade econômica, garante a propriedade privada dos meios de produção, a livre concorrência, a defesa do meio ambiente e a busca do pleno emprego (art. 170 e incisos). (GONÇALVES NETO, 2002, p. 61-62). O art. 977 do CC teria o objetivo de atacar os princípios constitucionais limitando a livre iniciativa, a liberdade do exercício do trabalho, e a liberdade de associar-se? Quer acabar de vez com a autonomia da vontade? Ou talvez atropelar o direito pleno à cidadania? 52 Não se pode falar em democracia efetiva quando ocorre o caso de nova lei ferir princípios constitucionais e fundamentais, isso sem mencionar a ofensa ao princípio maior da Constituição Federal, aquele do qual todos decorrem, o princípio da dignidade da pessoa humana. Tudo isso não foi considerado porque o legislador acreditou que estaria resguardando a sociedade ao situar os cônjuges como se fossem se associar para fraudar terceiros caso o regime de casamento sejam os do art. 977 do Código Civil. O desrespeito é evidente, não se pode presumir uma fraude, e muito menos o que quer este artigo vem proteger terceiros. O Código Civil de 2002 deixou escapar uma grande chance de inserir no país a limitação da responsabilização do empresário individual como meio de estímulo à exploração da atividade econômica de menor volume através da limitação dos riscos do comércio. Essa ausência serviu de incentivo à criação de empresas de fachada, em outras palavras, empresas que há um dos cônjuges como sócio detentor de 99% do capital da empresa e um terceiro com apenas 1% de participação. Na realidade, os sócios, na sua grande parte, permanecem sendo somente os cônjuges. Constituiu-se no país sociedade empresária pro forma, caso uma pessoa resolvida a empreender uma atividade econômica forma uma sociedade limitada junto com um sócio empenhado para não se submeter, de maneira ilimitada, aos riscos próprios da atividade comercial. É trivial se deparar no nosso país com sociedades limitadas formadas somente por marido e mulher com a finalidade específica de conseguir a limitação da responsabilidade na exploração da atividade econômica. Ainda, existe mais uma razão para discutir-se a vedação do artigo 977: as esposas dos sócios podem, por si, formarem uma sociedade, já que não são casadas entre si, e dessa forma, não importa à lei o regime de casamento delas com os respectivos maridos. Com isso, as duas podem ser casadas nos regimes de bens citados no art. 977 com seus cônjuges e serem sócias de forma lícita, mas na realidade, quem vai administrar aquela sociedade será somente um dos casais, e não as esposas. 53 Matéria de grande importância para o direito comercial encontra-se previsto no art. 50 do Novo Código Civil e que torna a existência do art. 977 do Código Civil não justificável. Trata-se da teoria da desconsideração da personalidade jurídica que pode ser conceituada como a teoria designada ao aprimoramento da pessoa jurídica, autorizando que o juiz despreze a personalidade jurídica da sociedade empresária nos casos claros de fraude e de abuso de direito para alcançar os bens particulares do sócio que operou de forma imprópria. A intenção da teoria da desconsideração é permitir a repressão de fraude e de abusos, sem implicar o próprio instituto da pessoa jurídica e sem discutir a regra da divisão da personalidade e do patrimônio da sociedade empresária em relação aos de seus sócios. A teoria objetiva resguarda a pessoa jurídica e a sua autonomia, sem deixar desprezados terceiros que possam vir a se tornar vítimas de abuso de confiança. A personalidade jurídica da sociedade é desconsiderada somente para os casos constatados em que foi usada de forma imprópria, continuando válida e eficaz para os demais atos não alistados com o ilícito cometido. A aplicação dessa teoria não constitui a nulidade ou a abolição da personalidade jurídica, mas somente a sua suspensão temporária. O grande benefício da desconsideração em comparação aos demais mecanismos de repressão de fraude previstos pelo Direito é o resguardo da pessoa jurídica naquilo não relacionado com o ilícito cometido, conservando a sociedade empresária e os reais interesses abrangidos, como são os dos outros sócios, funcionários e da própria sociedade. Atualmente, o art. 50 do Código Civil estabelece que: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Ao formar o ordenamento jurídico das relações particulares, o legislador se depara diante alternativas cabíveis: ou dá prioridade aos valores coletivos, dando 54 impulso a socialização dos contratos; ou, então, toma uma atitude intermédia, pactuando o individual com o social de modo complementar, segundo regras ou cláusulas abertas favoráveis a soluções justas e reais, ou, por fim, determina as relações privadas fundamentando-se, especialmente, nos princípios constitucionais. Não há dúvida que a terceira alternativa não foi considerada pelo legislador do Novo Código Civil. Ademais, não é o regime de bens que traz legitimidade e eficácia para os negócios jurídicos realizados por uma sociedade comercial consistindo a união de marido e mulher simples constituição da sociedade empresária. Não se pode deixar de se considerar o amparo dado à família pelo art. 226 da CF. Assistência esta que estimula tanto a vida em sociedade, tanto quanto a sociedade empresarial doméstica. O Novo Código Civil ignorou princípios constitucionais que são mais imperativos que qualquer lei possa almejar ser. Neste sentido, cabe até parafrasear Ripert nas palavras de Maria Berenice Dias: “A lei não está imitando a vida. E, quando ocorre esse desrespeito, é necessário olvidar o que a lei diz, pois, quando o direito ignora a realidade, a realidade se volta contra o direito, ignorando o direito.” (DIAS, 2004). Os princípios revelam os valores mais preciosos à sociedade organizada e se oferecem a nortear o legislador na preparação de leis, assim como auxiliam o juiz na interpretação e aplicação da lei. Vem daí seu valor primacial, não consentindo deste modo que o legislador possa atuar com falta de supervisão sobre as relações privadas na elaboração de leis. Além disso, vale ressaltar que para o jurista norte-americano Ronald Dworkin os princípios, além de se diferirem das normas do ponto de vista estrutural e lógico, concebem um ponto de justaposição entre o Direito e a Moral. Segundo o jurista, um princípio é um standard que necessita ser obrigatoriamente examinado, não porque beneficie ou garanta uma condição política, econômica ou social avaliada desejável, mas, principalmente porque é um pedido urgente de justiça. 55 3.3 O ART. 977 DO CC/2002 E A QUESTÃO NA PRÁTICA É simples compreender que uma sociedade comercial constituída por sócios casados entre si não colocará, de maneira alguma, o regime de bens adotado no casamento em risco. Para afirmar categoricamente essa idéia, passaremos a avaliar um exemplo de sócios casados. No primeiro exemplo, Miguel é casado com Nadir sob o regime da comunhão universal de bens. Ambos são sócios de uma sociedade comercial, sendo que Miguel é dono de 70% das quotas e Nadir dos outros 30%. No regime da comunhão universal, todos os bens do casal, sejam amealhados durante a constância do casamento, sejam anteriores ao casamento, são divisíveis entre os dois. (NERILO, 2004). Vale dizer, tudo o que Miguel possuía antes de se casar passa a fazer parte do patrimônio do casal, e tudo o que Nadir era dona antes do casamento faz parte do patrimônio comum. Deste modo, em caso de separação, eles terão que dividir também esses bens trazidos à comunhão. As quotas de Miguel fazem parte do patrimônio comum do casal; as de Nadir, idem. (NERILO, 2004). Nota-se, nesse caso, que Nadir é, em tese detentora de metade das quotas pertencentes a Miguel, e que por sua vez, em teoria, seria dono de metade das quotas a ela pertencentes. Não há nenhuma fraude, nenhum risco ao regime de bens. No segundo caso, se eles forem casados sob o regime da separação parcial de bens, farão parte do patrimônio do casal todos os bens contraídos durante a constância do casamento. Esse mesmo regime vigora para as uniões estáveis, nas quais é divisível o patrimônio amealhado durante a convivência. (NERILO, 2004). Deste modo, se os recursos que compõem o capital social suceder do patrimônio do casal, das quotas que pertencem a Miguel será meeira Nadir, e viceversa. Por fim, ambos acabam tendo o mesmo número de quotas, meio a meio, ainda que o contrato social atribua proporções distintas a cada um deles. Como se vê, não há fraude ao regime de casamento, salvo se ponderada a afirmação de que, sendo sócia do marido, a mulher terá direitos que afrontavam o instituto do poder marital. (NERILO, 2004). 56 Acompanhemos agora notícia publicada em 31 de junho de 2009 de decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca da sociedade constituída por cônjuges casados nos regimes apontados no art. 977, CC: É impossível contratação de sociedade a cônjuges casados em comunhão de bens Cônjuges em regime de comunhão universal de bens não podem contratar sociedade entre si. Esse é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, negou o pedido de uma empresa do Rio Grande do Sul (RS) que buscava alterar a decisão que impedia casal de ingressar em sociedade simples. O Registro de Imóveis da 2ª Zona de Porto Alegre questionou a possibilidade de o casal participar como sócios da empresa. A decisão de primeiro grau julgou procedente a dúvida apresentada e proibiu o registro dos cônjuges na sociedade simples. A decisão foi aplicada devido ao artigo 977 do Código Civil (CC), que veda a constituição de qualquer tipo de sociedade entre cônjuges em comunhão universal de bens. A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), afirmando que a decisão se restringiria apenas à sociedade empresária (exercício de atividade que exige registro específico de seus integrantes). O Tribunal julgou o pedido improcedente com base no texto legal em vigor. Inconformada, a empresa apelou ao STJ alegando controvérsia na determinação do artigo 977 do CC. Segundo interpretação da defesa, a lei se aplica apenas à constituição de sociedades empresárias e não se estende às sociedades simples. A relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, analisou a controvérsia apontada em dois aspectos. A ministra afirmou que as características que distinguem os tipos de sociedade – simples e empresária – não justificam a aplicação do referido artigo a apenas um deles. Além disso, ressaltou que o artigo utiliza apenas a expressão “sociedade”, sem estabelecer qualquer especificação, o que impossibilita o acolhimento da tese de que essa sociedade seria apenas a empresária. Para a ministra, as restrições determinadas pela lei evitam a utilização das sociedades como instrumento para encobrir fraudes ao regime de bens do casamento. Segundo ela, a ausência de qualquer distinção relevante entre as sociedades em sua forma de organização justifica a decisão firmada pelo TJRS, baseada no artigo do Código Civil. (STJ, 2009). Infelizmente ainda é esse o entendimento que os tribunais do Brasil tem sobre essa questão. E pela decisão referida notamos que a interpretação dado ao art. 977, CC abrange não só as sociedades empresárias, mas também as sociedades simples. 57 3.4 SOLUÇÕES PROPOSTAS PARA ADAPTAÇÃO DAS SOCIEDADES CONJUGAIS É certo que aguardar por outra tentativa de mudança no art. 977 do Código Civil, como a proposta por Ricardo Fiuza que tramitou no Congresso Nacional sob o Projeto de Lei n.º 6.960/2002, não será das tarefas mais fáceis. Fiuza propôs a seguinte mudança no dispositivo de lei em estudo: “Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros.” (PL6.960/2002). A justificativa para tal mudança segue na íntegra a seguir: Art. 977: A alteração proposta pretende suprimir a restrição a que os cônjuges casados pelo regime da comunhão universal de bens celebrem contrato de sociedade. Como bem observou o Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, nas judiciosas sugestões que ofereceu a este parlamentar, “a vida dos cônjuges nada tem a ver com o direito de família. São empresários e dirigem, ou não, a sociedade, de acordo com sua participação nela. O regime de bens valerá para ser argüido no momento da dissolução da sociedade conjugal (separação, divórcio e morte de um ou de ambos os cônjuges). Os cônjuges não podem ser privados de realizar o negócio societário, sem restrições”. (PL-6.960/2002). Infelizmente tal proposição foi infrutífera, com o fim da legislatura do referido deputado, o projeto de lei foi arquivado em 31/01/2007. Diante dessa situação serão abordados nesse tópico os modos pelos quais as sociedades entre cônjuges podem se adaptar à regra do dispositivo normativo supracitado. A primeira forma na qual refletimos sobre a regularização das sociedades entre cônjuges seria a mais clara e prudente, qual seja a exclusão de um dos cônjuges da sociedade. Esse método se torna de fácil funcionamento caso haja, além dos cônjuges, pelo menos outro sócio no quadro societário da empresa. A remoção de um deles, nesse caso, se fará sem prejudicar os negócios sociais, apurando-se os bens do sócio a se retirar em conformidade com o contrato ou estatuto social ou, subsidiariamente, (SCHEINMAN, 2004, p. 158-159). conforme o vigente Código Civil. 58 No caso mencionado, a empresa facilmente se adaptará à nova realidade se por ventura houver um terceiro sócio no contrato social dessa sociedade. E se a empresa for constituída única e exclusivamente pelo quinhão dos cônjuges? Poderá ela continuar existindo com apenas um sócio? A resposta está no inciso IV do art. 1.033 do Código Civil de 2002: Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: [...] IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; Nas palavras de Rubens Requião: “A sociedade se forma pela manifestação da vontade de duas ou mais pessoas, que se propõem unir os seus esforços e cabedais para a consecução de um fim comum.” (REQUIÃO, 2009, p. 395). Ainda nas palavras do professor Requião: “O contrato é uma relação na qual se envolvem duas ou mais pessoas. Partindo dessa evidência a pluralidade de partes constitui um elemento essencial dos contratos de sociedade comercial.” (REQUIÃO, 2009, p. 419). Portanto, caso os cônjuges optem por essa opção, a sociedade se extinguirá no prazo de 180 dias se outro sócio não for incluído no contrato social da empresa. O cônjuge que permanecesse poderia, ainda, escolher por se tornar um empresário individual, mas as regalias da responsabilidade limitada, estariam vetadas a este empresário, o que constitui limitação ao direito constitucional à livre iniciativa. O caso mais comum que tem acontecido é colocar no lugar do cônjuge que sai um filho ou parente próximo, ou mesmo, na realização de contrato com sócio com mínima quota de participação, apenas para conceber a sociedade pluripessoal. Maurício Scheinman suscita outra hipótese: Poderia ainda se argumentar sobre a possibilidade de constituição de sociedade entre um sócio e uma outra sociedade, composta de seu cônjuge e terceiro. Porém não nos parece plausível essa possibilidade, 59 uma vez que se estariam burlando os preceitos tuteladores dos valores estipulados no Novo Código Civil. (SCHEINMAN, 2004, p. 159). Há também a possibilidade, para regularização desse tipo societário, de alteração do regime de bens anterior ao NCC pactuado entre os cônjuges, para que, dessa maneira, não incidam nos regimes de bens que impossibilitem as sociedades entre cônjuges. Destarte, vale ressaltar que o art. 1.639, §2º do Novo Código Civil reconhece a alteração do regime bens na constância do casamento, regra inexistente no Código de 1916: Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. o § 1 O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. o § 2 É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Luiz Edson Fachin, antes mesmo de 2002, já defendia a idéia da revisão judicial dos regimes de bens. Diz ele: Mesmo objetivando a imutabilidade, para proteger a boa-fé de terceiros e a estabilidade conjugal, a tendência consolidou a admissão, de comum acordo, com as devidas cautelas, da mudança do regime. Tal alteração, em nosso ver, alcança todas as relações jurídicas em curso, a teor do art. 2.035 do novo CCB de 2002, não tendo força de afastamento o previsto no art. 2.039 do novo CCB. (FACHIN apud TONIN, 2004, p. 303). No entanto, fica a questão de como ficariam aqueles casais que são obrigados por lei ao regime da separação obrigatória. Pois, dessa forma, eles estariam impossibilitados de alterarem o regime de bens do casamento. Marta Marília Tonim comenta sobre esse ponto: [...]. Na separação obrigatória, a própria Lei trata de proteger o patrimônio separado do nubentes, podendo haver a alteração do regime quando superadas as causas suspensivas e alcançada a maioridade nos casos de autorização para o casamento. A única exceção é aquela feita ao cônjuge maior de 60 anos, que tem sua autonomia patrimonial cerceada pela regra do art. 1.641, inc. II, já citado. Até que não surja acórdão declarando-o 60 inconstitucional, continua a restrição aos cônjuges adultos maduros de constituírem empresa entre si, pois não poderão promover a alteração do regime de bens [...], uma vez que sua idade não retrocederá. (TONIM, 2004, p. 304). Assim sendo, tratando-se o regime de bens de instituição patrimonial de eficácia continuada, subtendendo-se assim a geração de efeitos desde seu estabelecimento até o momento da dissolução da sociedade conjugal, munidos os requerentes-cônjuges de pedido motivado que justifique a finalidade da alteração do regime, é vedado ao magistrado o indeferimento da alteração do regime de bens do casal. (SCHEINMAN, 2004, p. 160). Entende-se que a continuação ou mesmo a regularização fática legal de uma sociedade entre cônjuges justifica o deferimento, pelo magistrado investido da decisão, da alteração do regime legal. (SCHEINMAN, 2004, p. 160). Apesar de que lacunosa se faz a jurisprudência nesse propósito devido à recente positivação dessa norma e, ainda mais recentes debates gerados, vale mencionar a decisão monocrática transitada em julgado na 3ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, cujo trecho segue abaixo transcrito (SCHEINMAN, 2004): “[...] O pedido está motivado no fato do casal ser sócio de uma empresa, e ao tentarem abrir filiais desta empresa, sua pretensão esbarrou na negativa do Registro Civil das Pessoas Jurídicas desta Capital, em razão dos sócios serem casados pelo regime da comunhão universal de bens, pois o art. 977 do novo Código Civil, vedou que cônjuges casados por esse regime sejam sócios, entretanto, a mesma lei abriu a possibilidade para que eles possam alterar o regime de bens. [...] Ante ao exposto, defiro o pedido e determino a alteração do regime bens do casamento de XX e XX, passando este a ser o regime comunhão parcial de bens.” (Processo n.º 00113454988, da 3ª Vara Família e Sucessões de Porto Alegre. Decisão proferida em 16 de julho 2003 apud SCHEINMAN, 2004, p. 161). de da de de Perante ato público que permita lesão para a sociedade formada entre cônjuges, poderá se invocar ato jurídico perfeito, decorrendo numa ação para a aquisição da tutela jurídica. Contudo, tem que se ter em mente a incerteza da tutela, que poderá não satisfazer à pretensão material, assim como a questão dos custos próprios e a lentidão característica do Judiciário. (MATTE, 2004). 61 Esta terceira hipótese é a que se adere. Apesar das “vantagens” da primeira situação supracitada, a visão acadêmica opta por amparar o argumento de ato jurídico perfeito, pois “se o ato se completou, na vigência de determinada lei, nenhuma lei posterior pode incidir sobre ele, tirando-o do mundo jurídico, porque ‘perfeição’, aqui, é sinônimo de ‘conclusão’” (CRETELLA JR apud MATTE, 2004). Alternativas deveriam ser pensadas para que um dispositivo legal implantado não viesse a causar prejuízo, de qualquer forma, às sociedades entre cônjuges que efetivamente trouxeram alguma benfeitoria quer seja para seus sócios, desprovidos de qualquer intenção fraudulenta na sua concepção, quer seja à coletividade que usufrui de sua estrutura e casualmente de seus resultados. (SCHEINMAN, 2004, p. 161). 62 CONCLUSÃO O Direito Empresarial após o Código Civil de 2002 muda expressivamente sua disposição acadêmica, anuindo à teoria da empresa e colocando-se cada vez mais próximo do Direito das Obrigações em termos positivos. O Novo Código Civil integrou as matérias do Direito Civil e do Direito Comercial, revogando o Livro I do Código Comercial, efetivando, assim, a unificação do direito privado há muito demandada pela doutrina. Uma inovação trazida pelo Código novel é o art. 977 que veda a sociedade entre cônjuges quando o regime de bens adotado for o da comunhão universal (art. 1667) ou o da separação obrigatória de bens (art. 1641). Verifica-se que ele se aplica somente a sociedade entre marido e mulher contratada entre si. Havia a opinião pela obrigação de ajustamento das sociedades já formadas, no prazo de um ano, conforme o art. 2.031, NCC. Os cônjuges poderiam questionar em juízo a modificação do regime, com base no art. 1.639, §2º, eis que os seus efeitos jurídico-patrimoniais penetrariam a incidência do novo diploma, submetendo-se às suas normas. Contudo, sustenta-se, que, não obstante desta interpretação, segundo significativa doutrina e do próprio consenso do DNRC, a sociedade, que possui seus atos de constituição legítimos, antes do início da vigência do NCC, está protegida pelo princípio constitucional do ato jurídico perfeito, não retroagindo a nova lei, mesma se de caráter público for, conforme entendimento do STF. Dessa forma, o comando do dispositivo legal em estudo que limita a sociedade entre cônjuges, em face do regime de bens adotado no casamento, não se aplica àquelas sociedades legitimamente contratadas até o dia 11 de janeiro de 2003. Não é imprescindível a colocar outra pessoa no lugar de um dos sócios cônjuges, ou mesmo desfazimento da sociedade, em conseqüência do regulamento incluso no art. 977 do CC/2002. No caso em que as Juntas Comerciais exigirem imerecidamente tal amoldamento, poderão os sócios consortes contraporem a mencionada cobrança mostrando cópia do Parecer Jurídico DNCR/COJUR nº 125/03. Pelo motivo de que 63 em matéria de registro comercial e Direito Comercial, as Juntas Comerciais estão subordinadas ao DNCR (Departamento Nacional de Registro do Comércio). Além disso, a doutrina entende que a fraude ao regime de bens, que originou a proibição abarcada pelo art. 977, precisaria ser algo debatido no âmbito dos litígios em que o problema da fraude fosse exibido, circunstância que dever ser evidenciada e não apenas prevista, competindo utilizar-se da instituição da despersonalização da pessoa jurídica (art. 50, CC) nos eventos em que a fraude for averiguada no caso real; Mister se faz que distanciemos de formalismos improfícuos perante os embaraços presentes em diversos assuntos do Novo Código, visando produzir completa eficácia à nova lei, sem perda da mobilidade das vinculações econômicas, e, especialmente, o que dita a Constituição, a modelo da livre iniciativa e da valorização social do trabalho. A dúvida deveria, sobre toda maneira, ser evitada pelo legislador, perante o grande valor prático desse tema. Acredita-se que se Projeto de Lei n.º 6.960/2002, de autoria do ex-Deputado Federal Ricardo Fiúza, que visava suprimir a restrição abordada neste trabalho, tivesse sido aprovado e sancionado, seria a melhor saída para os questionamentos aqui demonstrados, pois pouparia a discussão da matéria em nossos Tribunais, economizando tempo tanto da Justiça quanto das partes que fossem procurar o reconhecimento do direito reduzido pelo artigo 977 do CC. Evidentemente esse tema ainda gerará muita dúvida, contudo a prioridade dos legisladores e dos Tribunais precisa todo tempo ser no propósito de estimular a atividade empresarial, sem que para isso os princípios jurídicos sejam desobedecidos, por sua função social e relevância na economia do país. A elevada carga tributária dentre outros obstáculos por vezes dificulta e impossibilita o desenvolvimento de algumas sociedades. Ademais, a legislação não deve tornar-se outro impedimento, ainda mais se versando de um modelo societário familiar. Distante do anseio de esgotar as matérias aqui ventiladas, buscou-se estimular os leitores a uma discussão sobre o tema. A expectativa é de que o presente trabalho tenha cooperado para a percepção de alguns dos novéis balizamentos, incluídos no novo ordenamento civil, no que se refere ao Direito Empresarial. 64 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 8 ed. São Paulo: Saraiva. 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. Lei Nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM556.htm>. Acesso em 15 jul. 2009. ______. Lei Nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada (Estatuto da Mulher Casada). Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. 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