Direitos e obrigações no regime da comunhão parcial de bens Como cediço, o regime matrimonial de bens é o complexo de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do casamento, consistindo, portanto, no estatuto que regulará as relações patrimoniais entre os cônjuges, e entre estes e terceiros. O regime de comunhão parcial está previsto pelos artigos 1.658 a 1.666 do Código Civil, e é também chamado de regime legal, tendo em vista que, na ausência de Pacto Antenupcial que estabeleça outro regime, será este que vigorará na relação dos cônjuges, além de que, será ele o aplicado em caso de União Estável. Nesse regime, o objetivo central é polarizar os bens dos cônjuges, dividindo-os entre bens comuns e bens particulares. Assim, os bens adquiridos onerosamente durante a relação matrimonial formam os bens comuns ao casal, que se comunicam. No outro pólo, estão os considerados bens particulares, os adquiridos antes do inicio da relação matrimonial, ou cuja aquisição seja conseqüência de uma causa anterior à relação. Cite-se como exemplo a aquisição de um imóvel, cujo compromisso de compra e venda foi firmado antes do casamento. A princípio, esse bem não se comunica, salvo se houver prova de que o outro cônjuge contribuiu para sua aquisição. Neste compasso, os bens recebidos por herança ou doação também não se comunicam – a menos que tenham sido recebidos expressamente em favor de ambos os cônjuges. Conseqüentemente, o bem adquirido durante o casamento, com recursos comprovadamente recebidos por herança, também integra o patrimônio particular. Por expressa disposição legal do Art. 1.659, inc. III, excluem-se da comunhão as obrigações contraídas antes da constância do casamento, “hipótese em que a responsabilidade civil será pessoal daquele que as contraiu, que responderá, exclusivamente, com seus bens particulares ou com os que trouxe para a sociedade conjugal.” 1 Portanto, para determinar se os bens comuns do casal responderão pelas dívidas contraídas por um dos cônjuges, será de suma importância determinar o momento no qual 1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 05º Vol. 21ª ed. Ed. Saraiva. P. 169. elas foram contraídas. Se a dívida for anterior ao casamento, em hipótese alguma os bens do outro cônjuge responderão por ela. Esse é o entendimento da jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - PENHORA - MEAÇÃO – DÍVIDA ANTERIOR AO CASAMENTO CONTRAÍDA PELO CÔNJUNGE - REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - A agravante, até prova em contrário, não responde pelos débitos adquiridos pelo seu marido, débitos estes contraídos antes do surgimento da sociedade conjugal. Contudo, após a celebração do casamento, em virtude do regime a ele inerente, em regra, os bens adquiridos em sua constância, comunicam-se e devem responder pelos débitos existentes, inclusive, anteriores, ressalvando-se, neste aspecto, apenas, proteção à meação cabível em favor da agravante. Recurso não provido”. (Apelação nº - São Paulo – 24ª Câmara de Direito Privado - Relator: Roberto Mac Cracken, j. 28/02/2008) “EMBARGOS DE TERCEIRO - Ação de execução movida por instituição bancária em face do marido da embargante - Embargante que afirma que adquiriu o imóvel antes do casamento e comprova o fato documentalmente - Regime da comunhão parcial de bens Incomunicabilidade do bem - Levantamento do ato de constrição judicial - Litigância de má-fé da instituição bancária, que havia sustentado que o bem fora adquirido apôs a constância da sociedade conjugai - Sentença reformada - Apelação provida”. (Apelação nº 7141384600 Ribeirão Preto - 16ª Câmara de Direito Privado - Relator: Luís Eduardo Scarabelli – j. 25/02/2008) Por corolário lógico, se as dívidas forem contraídas após o início da relação conjugal, responsabilizarão os bens comuns, seqüencialmente os particulares daquele que assumiu a dívida e, finalmente, os particulares do outro cônjuge, na medida de seu proveito (Art. 1663, § 1º). “Responsabilidade pelo pagamento de dívidas. Cada cônjuge responderá pelos débitos contraídos antes do matrimônio, mas, quanto às dívidas subseqüentes ao casamento, contraídas pelo cônjuge, que for o administrador dos bens do casal, responderão pelo pagamento delas primeiro os bens comuns, e, depois de esgotados estes, os seus bens particulares. Os bens do outro cônjuge apenas responderão na proporção do proveito que seu titular tenha tido.”2 Isto se explica por uma presunção iuris tantum, ou seja, relativa - que admite prova em contrário - de que essas obrigações foram contraídas em benefício da família. Exemplificando, se um determinado imóvel – do patrimônio comum - for constrito por uma dívida contraída por apenas um dos cônjuges durante o casamento, o outro poderá embargar, mas terá o ônus de provar que a dívida não foi revertida em benefício da família. Se conseguir essa prova, terá direito ao resguardo de sua meação. Sobre o assunto, insta trazer à baila alguns interessantes julgados: EMBARGOS DE TERCEIRO – Penhora – Cônjuge – Alegação da embargante de que o valor correspondente ao empréstimo contraído pelo marido e que originou a dívida executada não reverteu em benefício de sua família – Desacolhimento – Hipótese em que, independentemente do valor ter sido utilizado em benefício direto da família ou para pagamento de dívidas da empresa que integrava como sócio, o valor do empréstimo reverteu em proveito da economia familiar – Sentença mantida – Recurso improvido (TJ/SP, Apelação Cível n. 1.023.384-0 – Marília – 24ª Câmara de Direito Privado – Relator: Des. Ana de Lourdes Pistilli – 03.08.06 – V.U. – Voto n. 510) EMBARGOS DE TERCEIRO - Homem casado - Pretensão de exclusão de sua meação Tratando-se de aval prestado pela mulher em empréstimo feito por terceiro, não prevalece a presunção de que a família tenha se beneficiado do numerário - Independentemente de o patrimônio do casal ser superior ao valor da dívida, a meação do cônjuge deve ser observada em cada um dos bens, e não apenas na totalidade do patrimônio - Embargos procedentes Recurso improvido. (TJ/SP, Apelação 1318758300 – Andradina – 16ª Câmara de Direito Privado – Relator: Windor Santos – j.04.12.07 Por fim, cumpre informar que essa presunção se estende, principalmente, aos atos necessários à economia doméstica, aos quais dispensa-se a outorga uxória, ou seja, a anuência do cônjuge para sua efetivação. 2 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 10ª edição. Ed. Saraiva. P. 1238. Portanto, para as obrigações contraídas com o intuito de prover a subsistência doméstica - as compras do dia a dia, por exemplo - ainda que a crédito, ou por meio de empréstimo, é desnecessária a concordância do outro cônjuge (Art. 1643, incisos I e II do Código Civil) - e a responsabilidade do casal pelo pagamento é solidária, obrigando o patrimônio de ambos, na ordem seqüencial apontada supra. Do acima exposto, verifica-se que o regime de comunhão parcial tem por fim último resguardar os direitos individuais dos cônjuges, ou seja, dar a cada um o que lhe é efetivamente de direito: dividindo-se aquilo que tenha sido adquirido com a contribuição de ambos, e resguardando o outro dos direitos e, principalmente, das obrigações adquiridas por apenas um deles. Janaina Daloia Ruzzante São Paulo, 15 de maio de 2008.