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A IMPOSSIBILIDADE DO CREDOR FISCAL REQUERER
FALÊNCIA
Marcus Elidius Michelli de Almeida
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- Advogado em São Paulo - Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP – Professor
Doutor da Faculdade de Direito da PUC/SP e UNIMESP– FAAP – EPD - Professor do
LLM em Direito Societário do IBMEC-SP - Especializado em Direito Empresarial
Europeu pela European University.
SUMÁRIO
1- FALÊNCIA: Legitimidade Ativa e Passiva.
2- O CREDOR FISCAL.
-2.1- A Fazenda Pública na condição de credora.
2.2- A legitimidade ativa do credor fiscal para o pedido de falência.
3- A TEORIA DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA FRENTE.
A POSIÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA.
4- JURSIPRUDÊNCIA.
5- CONCLUSÕES.
6- BIBLIOGRAFIA.
1. FALÊNCIA : Legitimidade Ativa e Passiva
O Decreto Lei nº 7.661 de 21 de junho de 1945, mais
conhecido como Lei de Falências, tratava da questão relativa ao processo
falimentar, determinando o direito dos credores frente ao devedor
insolvente1, hoje o processo falimentar é regido pela Lei nº 11.1001/2005.
1
- Vale destacar que a nova Lei de Falência aprovada pelo Congresso Nacional e que entrou em vigor em
2005, estabelece como sujeito passivo da falência o empresário insolvente e não mais o comerciante.
2
A falência é, portanto, um processo de execução judicial
universal e coletivo dirigido em face de um devedor qualificado pela
condição de empresário insolvente, onde todos os seus bens (ativo) são
arrecadados para a venda judicial forçada com a distribuição proporcional
do ativo para pagamento de suas dívidas (passivo).
Desta feita, a lei impõe para que seja decretada a
quebra, a necessidade de superar dois requisitos em especial no que tange
ao requerido, quais sejam, deverá este ser empresário e insolvente.
Verifica-se, que nossa legislação só aceita a falência de
empresário (seja ele regular ou irregular), e que seja insolvente.
O direito contempla várias situações que caracterizam a
insolvência, sendo certo, que a lei brasileira, adotou os sistemas da
Impontualidade (previsto no artigo 94, inc. I), o sistema dos Atos
Enumerados em Lei (previsto na Nova Lei nos incisos II e III do artigo
94), e ainda a auto falência (prevista no artigo 97, inc. I cc. artigo 105 a
107).
Nesse sentido as palavras de RUBENS REQUIÃO 2:
“ A Lei de Falências para configurar o estado de insolvência, que dá azo
à declaração judicial da quebra, não segue um sistema puro. Adota com
efeito, além da confissão do devedor (insolvência confessada), um sistema
misto, pois tanto a impontualidade como atos exteriores legalmente
enumerados, fazem presumir a insolvência, que determina a eclosão
judicial da falência.”
Assim sendo, nos artigos da lei acima mencionados
encontramos as hipóteses onde poderá ser declarada a falência, concluindo
que a legitimidade passiva do processo falimentar recai sobre o empresário
insolvente.
Outro ponto que merece destaque diz respeito à questão
da legitimidade ativa, ou seja quem pode requerer a falência.
2
- Requião, Rubens - Curso de Direito Falimentar - 1º Vol. - 13ª Edição - São Paulo - Editora Saraiva 1989 - p. 62.
3
Nos termos do artigo 97 da Nova Lei de Falência, tem
legitimidade para requerer a falência via de regra o credor, seja ele civil ou
credor empresário, porém tendo esta última qualidade, deverá ser instruído
o pedido, com a prova de ter firma devidamente inscrita (ser empresário
regular).
A lei prevê ainda as hipótese da falência ser requerida
pelo próprio empresário (auto falência), pelo cônjuge sobrevivente, pelos
herdeiros ou pelo inventariante, além do sócio ou acionista (art. 97 da
Nova Lei de Falências).
Desta forma, cabe agora, feitas as considerações
preliminares encarar o tema proposto, ou seja, a situação do credor fiscal
frente ao pedido de falência.
2. O CREDOR FISCAL
Entende-se como credor fiscal a Fazenda Pública, ou
seja, será considerado credor fiscal todo aquele ente jurídico que possua
um título que o legitime para uma ação de execução fiscal.
Desta feita, enquadra-se na condição de credor fiscal a
União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, além de suas respectivas
autarquias.
2.1- A FAZENDA PÚBLICA NA CONDIÇÃO DE CREDORA
A condição que a Fazenda Pública adota como credora
no processo falimentar é incontroversa, uma vez que seu crédito ganha
preferência frente todos os demais, salvo os créditos trabalhistas (até o
limite de 150 salários mínimos) e de acidentes do trabalho e agora na Nova
Lei os créditos com garantia real (art.83, inc. I,II e III).
4
O crédito tributário deve constar da classificação no
quadro geral de credores. Todos os créditos que se cobram do patrimônio
falimentar devem constar do quadro geral de credores. O administrador
judicial sobre eles prestará contas e os credores ou terceiros interessados,
tomam conhecimento da existência dos credores e valor dos créditos
habilitados.
No que tange aos créditos fiscais, existe ainda um ponto
que merece destaque, qual seja a ordem de preferência entre eles.
O Código Tributário Nacional estabelece uma ordem
entre os créditos tributários (Parágrafo Único do art 187 do CTN), de tal
sorte que a União tem prioridade frente aos Estados e Distrito Federal e
estes frente aos Municípios.
A regra imposta pelo Código, foi motivo de discórdia,
sendo certo que o Supremo Tribunal Federal ao se manifestar sobre o
assunto, declarou a constitucionalidade do critério adotado pelo CTN.
Nesse sentido o RE nº 79.661 SP, Relator Min. Djaci
Falcão:
“O concurso de preferência entre créditos tributários, na falência,
segundo a ordem prevista no Código Tributário Nacional, não constitui
privilégio que afronte o princípio da uniformidade determinado pelo art.
9º, I do Estatuto Maior, e sim, norma de natureza tributária, editada pela
pessoa de direito público interno competente para fazê-lo.”
Os chamados créditos parafiscais (INSS, SESC, SENAI,
etc.) estão equiparados em tudo aos créditos tributários, gozando dos
mesmos privilégios. Não estão sujeitos, por igual, à habilitação de crédito
no processo da falência do devedor. 3
3
- Requião, Rubens - op. cit. p. 287.
5
2.2 - A LEGITIMIDADE ATIVA DO CREDOR FISCAL PARA O
PEDIDO DE FALÊNCIA.
A questão ora tratada, diz respeito a um dos pontos mais
controvertidos ligados ao direito falimentar, tendo sido objeto de grandes
debates desde a década de setenta, até a presente data.
A doutrina encontra posições no sentido favorável e
contrário à possibilidade do requerimento da falência ser feito pela
Fazenda.
Sobre o tema, o Prof. Rubens Requião assim se
manifestou:
“A fim de enfrentar com mais severidade os devedores
relapsos, andou o fisco estadual paulista empenhado em constrangê-los a
liquidar seus débitos fiscais, sob ameaça de requerimento de falência.
Passou-se, então, a indagar se o direito falimentar brasileiro comportava
tal iniciativa da Fazenda Pública.
A tese mereceu dois importantes estudos jurídicos,
largamente divulgados na imprensa e nas revistas especializadas, sendo
inclusive enfeixados numa publicação da Secretaria da Fazenda do
Estado de São Paulo. Opinaram afirmativamente os juristas J. Neto
Armando e Fábio Konder Comparato (Falência de Contribuinte
Promovida pelo Fisco, Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo).
De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a
Fazenda Pública no requerimento de falência do devedor por tributos.
Segundo o Código Tributário Nacional os créditos fiscais não estão
sujeitos ao processo concursal, e a declaração da falência não obsta o
ajuizamento do executivo fiscal (art.187 do CTN), hoje de processamento
comum. À Fazenda Pública falece, ao nosso entender, legítimo interesse
econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor.
6
A ação pretendida pela Fazenda Pública tem, isso sim,
nítido sentido de coação moral, dadas as repercussões que um pedido de
falência tem em relação às empresas solventes.”4
Percebe-se que o Prof. Requião, com toda a sua
maturidade, concluiu de forma clara, sobre a impossibilidade da Fazenda
em requerer a falência, por afronta ao legítimo interesse econômico e
moral, previsto no artigo 76 do Código Civil de 1916.5
Vale lembrar ainda, outro ponto defendido pelos autores
contrários a teses da legitimidade da Fazenda em requerer a falência, qual
seja, a existência de lei especial para a cobrança do débito tributário.
No dizer de Milton Flaks, a cobrança da dívida ativa é
regida por lei especial, a qual não concede à fazenda uma faculdade, mas
sim um poder-dever que corresponde a uma imposição de utilizá-la.6
De forma contrária ao entendimento até então
apresentado, temos a posição defendida pela Fazenda, com base em
parecer da lavra do Prof. Fábio Konder Comparato, que trata da
legitimidade processual da Fazenda em requerer a falência do devedor.
Em seu estudo, Comparato afirma que o pedido de
falência é em última análise também uma forma judicial de cobrança, e por
isso não haveria nenhuma abusividade no procedimento escolhido pelo
fisco, quando o fundamento for a impontualidade.
Senão Vejamos:
“O credor que requer a falência está pedindo“ipso
facto” o reconhecimento da insolvência do devedor, da qual a
impontualidade constitui mero sinal exterior, como de resto os demais
4
- Requião, Rubens - op. cit. 94/95.
- Art. 76 - Para propor , ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral.
Parágrafo Único: O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua
família.
Vale destacar que o atual Código Civil não apresenta dispositivo no mesmo sentido, sendo omisso a
respeito.
6
- Flaks, Milton - Comentários à lei de Execução Fiscal - Rio de Janeiro - Ed. Forense - 1981 - p. 275.
5
7
fatos arrolados no art. 2º da lei. Ora, no procedimento da ação de falência
por impontualidade, dado que o sinal exterior da insolvência consiste
num inadimplemento, o legislador abre ao réu a possibilidade de elidir a
presunção de insolvência decorrente do protesto, pelo depósito, no prazo
de defesa, “da quantia correspondente ao crédito reclamado”(art. 11,
par. 2º), o que não suprime a instância, mas converte o pedido inicial em
ação propriamente executiva. A Expressão “crédito reclamado” é
significativa: o interesse do credor é unicamente a satisfação do seu
crédito, seja qual for a via judicial que acabar prevalecendo, falencial ou
executiva. O legislador brasileiro, muito mais realista nessa matéria do
que o estrangeiro, reconhece claramente que a ação de falência é exercida
no interesse próprio do autor.
Por conseguinte, a ação de falência com base na
impontualidade é também uma forma judicial de cobrança de dívidas,
cobrança que tomará a forma de execução singular, se o réu fizer o
depósito elisivo, ou redundará em execução coletiva, se a insolvência do
devedor vier a ser a final reconhecida”. 7
Alerta porém, em seu parecer, que o pedido de falência
feito pela Fazenda com base na impontualidade (art. 1º da Lei/45
atualmente art. 94, inc. I da Nova Lei) deverá ser instruído com a certidão
da dívida ativa, devidamente protestada, afim de atender ao determinado
no artigo 10 do Decreto Lei nº 7.661/45 e agora no parágrafo 3º do artigo
94 da Nova Lei 8.
Desta feita, na linha de pensamento da Fazenda, a
conclusão lógica é a de que o credor privilegiado tem interesse e
legitimidade para pedir a falência, pois somente nela é que o atributo do
privilégio de seu crédito produz efeitos jurídicos. 9
7
- Comparato, Fábio Konder - Falência - Legitimidade da Fazenda Pública para requerê-la - in. RT 442 p. 52.
8
- Art. 10 - Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente
Lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para seu registro.
Art.94 – Par. 3º Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os
títulos executivos na forma do par. único do art.9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos
respectivos instrumentos de protesto para fins falimentares nos termos da legislação específica.
9
- Valverde, Trajano de Miranda - 4ª Edição - Vol. I - Atualizadores : J.A Penalva Santos e Paulo
Panalva Santos - Rio de Janeiro - Editora Forense - p. 52.
8
Outro ponto que pode ser objeto de estudo diz respeito
ao requerimento de falência formulado pela Fazenda Pública, com
fundamento nos atos enumerados, indicados de forma taxativa no artigo 2º
do Decreto Lei nº 7.661/45 e agora nos incisos II e III do artigo 94 da
Nova Lei de Falências.
Conforme já mencionamos o referido artigo trata da
insolvência com base no sistema dos atos enumerados em lei.
Sobre o tema já se manifestou J. Neto Armando em
Parecer dado à Fazenda do Estado de São Paulo, onde afirma ter a mesma
legitimidade, ponderando:
“ Apesar das garantias que o atual Código Tributário Nacional encerra
no tocante à defesa do crédito fiscal, notadamente a partir do seu Título
III, ou seja, dos arts. 139 e 193, ainda assim existem certos contribuintes
cuja atividade é lesiva ao Erário Público e que não hesitam em utilizar-se
dos meios mais escusos possíveis na prática da sonegação de impostos.”
“ ...
Vê-se, portanto e com refulgente clareza, que o Estado tem interesse
econômico e social em requerer a falência de tais contribuintes.” 10
Conforme as colocações feitas, percebe-se de pronto o
total conflito entre as posições da doutrina.
3 –A INCOMPATIBILIDADE DA TEORIA DA PRESERVAÇÃO DA
EMPRESA FRENTE A POSIÇÃO DA FAZENDA
A Teoria de Preservação da Empresa, tem por objetivo
justamente preservar a empresa frente a situações que tenham por
finalidade por fim a sua personalidade jurídica.
10
- Armando, J. Neto - Falência de Contribuinte a Requerimento do Fisco - in. RT 451 - p. 56.
9
A falência, como sabemos é o instituto que mais
atemoriza a empresa, uma vez que uma das conseqüências é por fim à
personalidade jurídica da falida, para que dessa forma não mais opere no
mercado.
Portanto, dentro desse duelo, temos de um lado uma
teoria que tenta preservar a empresa e de outro um instituto jurídico cuja
finalidade é extinguir a personalidade da empresa.
Desta feita, a teoria da preservação da empresa atua
sobre o pedido de falência com o intuito de afastar a quebra quando outra
solução possa ser encontrada.
O pilar da teoria tem seu fundamento na distinção dos
sócios (proprietários) da pessoa jurídica e ela própria, ou seja, a empresa
deve ser vista como pessoa totalmente distinta de seus donos, de tal sorte
que os interesses da empresa devem estar acima dos interesses particulares
sejam daqueles que a controlam, ou de qualquer outro.
Assim, o pedido de falência deve observar o interesse
econômico e moral, não só do credor ou do devedor, mas da empresa.
É a empresa que gera empregos diretos e indiretos,
impostos, movimenta a economia, cria condições sociais de estabilidade
para o Estado, de tal sorte que, não pode ser afrontada por interesses
particulares que poderiam, certamente serem atingidos, sem por em risco a
própria vida da empresa.
No mais, não há o que se falar que uma empresa
insolvente não esta gerando impostos, isso é uma verdadeira falácia ! A
empresa mesmo que devedora, ao pagar os salários, comprar matéria prima
de seus fornecedores, utilizar energia elétrica, etc. está sendo tributada e
pagando impostos, mesmo que indiretamente e, portanto, levando recursos
para o Estado.
Desta feita, o pedido de falência, usado em detrimento
da empresa, quando poder-se-ia escolher outro meio menos danoso e de
igual valia para o credor, é totalmente contrario a teoria de preservação da
empresa.
10
A Teoria ora estudada, encontra amparo ainda na
questão do abuso do direito.
De fato, ocorre abuso do direito, toda vez que “o titular
de um direito que, entre vários meios de realizá-los escolhe precisamente o
que, sendo mais danoso para outrem, não é o mais útil para si, ou mais
adequado ao espírito da instituição, comete, sem dúvida, um ato abusivo,
atentando contra a justa medida dos interesses em conflito e contra o
equilíbrio das relações jurídicas.” 11
Percebe-se assim, que a Fazenda, tendo outros meios
para cobrar o devedor escolhe justamente aquele que é mais danoso, uma
vez que poderá por fim a empresa, sem que seja o mais útil para si, já que
havendo a quebra o Estado terá para si o espólio de mais desemprego,
menos impostos indiretos e maior caos social, pratica sem a menor dúvida
um ato de abuso de direito.
A posição defendida pela Fazenda, não encontra amparo
na Teoria da Preservação da Empresa, uma vez que visa apenas seu
interesse próprio no caso concreto, pondo de lado a justa medida dos
interesses e contrariando o equilíbrio das relações jurídicas.
Deveria a Fazenda, buscar seu direito pelas outras
formas possíveis ao seu alcance (Execução Fiscal) e nunca pela mais
danosa à empresa.
Quem sabe justamente em face dos pontos levantados é
que o Prof. Comparato em seu parecer levanta a seguinte ressalva:
“ Advirta-se, desde logo, que continuamos tratando aqui do interesse
processual, e não do “legítimo interesse econômico ou moral” ( CC. art.
76; CPC, art. 2º), que se confunde com o próprio direito material
invocado em juízo.” 12
11
- Requião, Rubens - Aspectos Modernos de Direito Comercial - 1º Volume - São Paulo - Editora
Saraiva - 1988 - p. 73.
12
- Comparato, Fábio Conder - Op. cit. p. 52.
11
Vale lembrar ainda que a Constituição Federal
estabelece o principio da livre iniciativa e da livre concorrência. A
utilização por parte da Fazenda de um eventual direito ao pedido de
falência teria que ser estendida a todos os devedores do fisco, sob pena de
não se respeitar o princípio da isonomia causando verdadeiro ato de
concorrência desleal praticado por interposta pessoa, uma vez que alguns
devedores estariam sujeitos ao pedido de falência e outros, a critério do
próprio fisco, não.
Diante do exposto, parece claro que a teoria de
preservação da empresa coloca-se em posição contrária a defendida pela
Fazenda.
4- DA JURISPRUDÊNCIA
Cabe agora, verificar a jurisprudência sobre o tema.
A tese defendida pela Fazenda não merece melhor sorte
frente a mais recente posição jurisprudencial, muito embora, obteve parcial
sucesso em alguns de nossos Tribunais.
Ao efetuar uma pesquisa sobre a matéria verificamos
que existem decisões favoráveis às duas correntes doutrinárias, merecendo
destaque em favor da Fazenda, a decisão proferida pelo E. Superior
Tribunal de Justiça, onde, com base no voto do Relator Min. Costa Leite,
entendeu sobre a legitimidade da Fazenda Pública em requerer a falência
de devedor, reformando Acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
No julgado do STJ 13, o Ministro Relator, em
determinado momento de seu voto, demonstrando a controvérsia do tema
afirmou:
13
- Revista do Superior Tribunal de Justiça - RESP nº 10.660-0 - MG - 12/12/1995.
12
“Em verdade, o tema é dos mais controvertidos na doutrina, o que se
reflete nos pretórios, apresentando-se o acórdão, como se viu, afinado
com o entendimento de expressiva corrente doutrinária. Tenho, porém,
que os acórdãos trazidos a cotejo estampam a melhor interpretação,
respaldada, por igual, por ilustres comercialistas, destacando-se Trajano
Valverde, J. Neto Armando e Fábio Konder Comparato.”
Para depois concluir pela legitimidade da Fazenda.
No mesmo caminho seguiu o Ministro Eduardo Ribeiro,
que em seu voto afirmou:
“Ora, o pedido de falência pode a ela interessar e muito, data venia das
opiniões em contrário. A circunstância de o crédito ser privilegiado e
mesmo de ser possível o ajuizamento da execução, no curso da falência,
não afasta a conveniência de, em certas circunstâncias, se pleitear seja
decretada a quebra. Além de a falência propiciar uma investigação mais
abrangente da situação econômica do devedor, vale assinalar que enseja,
por exemplo, a ação revocatória que pode ser muito importante para os
credores.”
No mesmo julgado, a posição do Ministro Cláudio
Santos, foi contrária a tese defendida pela Fazenda, expondo:
“ É consabido privilegiar nosso ordenamento constitucional a igualdade,
a liberdade de iniciativa, a livre concorrência, não sendo compatíveis com
esses princípios conferir-se ao Estado o direito de destruir a empresa,
segundo a livre determinação e escolha de seus agentes administrativos,
por força de impontualidade no pagamento de um tributo. A legislação
falimentar brasileira está em descompasso com a realidade social e
econômica, é atrasada e iníqua, ao considerar presumidamente insolvente
em benefício do credor um caso de simples mora ou de mera
impontualidade. A sua nova disciplina em tramitação no Congresso
Nacional atenua um pouco o rigor da lei em vigor e agasalha um
princípio de grande significação que é o interesse pela recuperação da
13
empresa e não pela liquidação de seu ativo para pagamento de suas
dívidas.”
Recentemente, o mesmo Superior Tribunal de Justiça,
pacificou a questão por meio da Segunda Seção, adotando entendimento
que a Fazenda Pública não tem legitimidade, e nem interesse de agir,
para requerer a falência do devedor fiscal.
A referida posição foi externada no acórdão proferido
nos autos do RESP 164389/MG publicado no DJ de 16/08/2004 – p.130
onde afastou a possibilidade de falência requerida pela Fazenda Pública de
Minas Gerais.
O Ministro Ruy Rosado de Aguiar em seu voto bem
ponderou:
“De um modo geral, no País, dificilmente encontraremos empresas que
não tenham débitos com a Fazenda Pública, seja estadual, federal ou
municipal, seja com relação às outras entidades que também cobram
tributos. Se o Estado requerer a falência de todos os seus devedores, será
o caos; se tiver o direito de escolher uns devedores e não outros, será um
caos pior”.
Mais adiante arremata, citando o Ministro Cláudio
Santos:
“Conferir ao Estado uma medida judicial desse potencial aniquilador é,
sem dúvida, contrariar aqueles princípios orientadores da ordem
econômica no País, e consagrar uma coação reprovável pela moral e pela
política.
Por tudo, como já declarou a Corte local, falta à Fazenda interesse
econômico e moral para requerer a falência do devedor”
No mesmo julgado, destaca-se na mesma linha, o voto
do Ministro Pádua Ribeiro, no seguinte sentido:
14
“Não se pode, pois, admitir que, dispondo de procedimento próprio – e
privilegiado – para a cobrança de sua dívida ativa, o Estado venha a
postular medida que afeta tão gravemente a saúde da empresa privada,
como meio de cobrar uma dívida constante de um título por ele mesmo
elaborado e que estampa um quantum por ele mesmo definido.”
Portanto, da jurisprudência tendo por base a posição da
Segunda Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de
afastar a legitimidade da Fazenda Pública frente ao pedido de falência.
5 - CONCLUSÃO
A nova Lei de Falências que entrou em vigor em
2005, também não trata da questão de forma específica, porém, podemos
concluir que isso não afasta os argumentos contrários a legitimidade da
Fazenda Pública em requerer falência.
Em seu artigo 9714, elenca aqueles que têm
legitimidade ativa para requerer a falência, sendo que no inciso IV
estabelece que qualquer credor possui essa legitimidade.
Percebe-se que, sendo qualquer credor a Fazenda
como credora também teria, em tese, legitimidade para tanto. Porém, vale
destacar que as mesmas ressalvas continuam valendo no que diz respeito
ao abuso do direito, bem como a teoria de preservação da empresa e ainda,
em especial a posição do Superior Tribunal de Justiça por sua Segunda
Seção.
No mais nossa posição continua sendo no mesmo
sentido do professor Rubens Requião bem como do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça, em afirmar que a Fazenda, muito embora não haja
restrição expressa na lei, encontra obstáculo para o pedido de falência,
fundado no abuso do direito, na preservação da empresa, nos princípios
14
- Art.97. Podem requerer a falência do devedor: ... IV- qualquer credor.
15
constitucionais já mencionados e na interpretação sistemática da nova lei,
que aponta sempre para a preservação da empresa.
6- BIBLIOGRAFIA
- ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de – Nova Lei de falências e
Recuperação de Empresas – Confrontada e com breves anotações – São
Paulo – Ed. Quartier Latin – 2005.
- COMPARATO, Fábio Konder - Falência - Legitimidade da Fazenda
Pública para requerê-la - in RT 442 - p. 52.
- FREITAS, Vladimir Passos de - Organizador - Execução Fiscal Doutrina e Jurisprudência - São Paulo - Editora Saraiva - 1998.
- FLAKS, Milton - Comentários à Lei da Execução Fiscal - Rio de Janeiro
- Editora Forense - 1981.
- LACERDA, José Cândido Sampaio - Manual de Direito Falimentar - 13ª
Edição - Rio de Janeiro - Editora Freitas Bastos - 1996
- REQUIÃO, Rubens - Curso de Direito Falimentar - 1º Vol. - 13ª Edição São Paulo - Editora Saraiva -1989 - p. 62.
- Aspectos Modernos de Direito Comercial - 1º Volume - São Paulo Editora Saraiva - 1988 - p. 73
- VALVERDE, Trajano de Miranda - 4ª Edição - Vol. I - Atualizadores :
J.A Penalva Santos e Paulo Panalva Santos - Rio de Janeiro - Editora
Forense - 1999.
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