Anteprojeto de Lei Geral de Transação Tributária Impactos sobre a Administração Tributária Marcelo Lettieri Siqueira AFRFB O Processo de discussão da Lei Geral de Transação Em 18/08/2008, foi enviado à equipe de transição da RFB um conjunto de atos legais que estavam na Casa Civil para serem encaminhados ao Congresso Nacional. Entre eles, o Anteprojeto de Lei Geral de Transação (EM Nº 00078/2008 – MF, de 21 de maio de 2008). Por solicitação da Secretária da RFB, o Sr. Ministro da Fazenda deu vistas ao projeto à nova administração e determinou que um grupo paritário formado por AFRFB e PFN examinasse o anteprojeto em epígrafe. Desde 08/09/2008 foram realizadas diversas reuniões. Aspectos Analisados Grupo Paritário I – Incompatibilidades com o ordenamento jurídico; II – Impactos sobre a Administração Tributária: a) Fragilização do sistema formal de arrecadação tributária; b) Expectativa de eficácia; c) Comprometimento da imagem pública da administração tributária; d) Riscos intrínsecos; e) Alternativas possíveis. III – Questões Pontuais – Algumas observações A Lei Geral de Transação Proposta Original da PGFN Art. 1º. Esta Lei estabelece as condições e os procedimentos que a União, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN e os sujeitos passivos de obrigação tributária, deverão observar para a realização de transação e arbitragem, as quais importarão em composição de conflitos ou terminação de litígio, para extinção do crédito tributário, nos termos dos arts. 156, inciso III, e 171, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. Transação no CTN “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) III - a transação;” “Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário. Restrições Constitucionais “Art. 146. Cabe à lei complementar: ... III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: ... b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;” Restrições Constitucionais “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) Fragilização do Sistema Formal de Arrecadação Tributária do País A arrecadação tributária espontânea atinge aproximadamente 96% da arrecadação total da União; Ou seja, para maior parte da arrecadação não há conflitos ou litígios; Tal espontaneidade decorre de inúmeras medidas que foram adotadas nos últimos anos. Fatores Fragilizados a) Sensação de risco imposto pela presença fiscal A realização de uma ação fiscal não tem por finalidade apenas a recuperação do crédito tributário não pago pelo contribuinte fiscalizado, mas, principalmente, a promoção do recolhimento espontâneo dos demais contribuintes. O projeto pode desqualificar este procedimento como fator de promoção da arrecadação espontânea, na medida em que cria expectativa permanente de que todos os seus efeitos poderão ser mitigados. Fatores Fragilizados b) Previsão legal da aplicação de sanções A existência das penalidades, por si só, não teria efeito algum, não fosse a sensação construída ao longo dos anos de que são inegociáveis. Eventuais e episódicos programas de anistia já demonstraram a fragilização deste fator, quando se cria a expectativa de redução de multas. O projeto, na forma como está apresentado, pode criar a sensação de que NÃO RECOLHER OS TRIBUTOS é sempre mais vantajoso, contrariando toda a lógica que sustenta a arrecadação espontânea. Expectativa de Eficácia Não há estudos sobre a qualidade dos créditos tributários e dos possíveis contribuintes que seriam beneficiados com esta medida, nem dos impactos de anistias e remissões sobre a arrecadação. Vislumbra-se, no entanto, pela experiência dos programas REFIS, PAES e PAEX, que há grande possibilidade de que sejam frustradas as expectativas arrecadatória. Uma amostra dos 500 maiores devedores mostra que a possibilidade de recuperação dos créditos é extremamente reduzida. Dados Relevantes Arrecadação e Programas PAES e PAEX ANO ARRECADAÇÃO TOTAL - Nominal ARRECADAÇÃO Variação Variação TOTAL - Real Nominal Real* 2000 234.256.995 384.375.249 - - 2001 263.269.220 400.010.000 12,38% 4,07% 2002 2003 317.129.188 455.453.056 356.006.816 447.043.000 20,46% 12,26% 13,86% -1,85% 2004 418.779.035 492.939.000 17,63% 10,27% 2005 2006 474.649.381 522.961.000 523.357.639 553.668.000 13,34% 10,26% 6,09% 5,87% 2007 602.816.806 615.043.000 15,18% 11,09% Comprometimento da imagem pública da administração tributária O presente projeto pode criar perante a opinião pública uma imagem negativa da Administração Tributária, pois coloca em xeque uma série de institutos, contra os quais não se apresentou críticas consistentes. São inúmeros procedimentos que têm sido constantemente aperfeiçoados: fiscalização, consultas, normatização, julgamentos administrativos nas DRJ especializadas e nas Câmaras do Conselho de Contribuintes. Tais institutos estariam sendo colocados, pelo projeto, como insuficientes para garantir a segurança jurídica e a liquidez e certeza do crédito. Alternativas possíveis a) Criação de grupo de análise (RFB e PGFN) para estudar a consistência dos créditos quanto a sua liquidez e certeza, existência e capacidade de pagamento dos devedores. - Identificando os efetivamente recuperáveis e eliminando os inconsistentes, e instituir, por Lei específica, programa de recuperação de créditos, com prazo de vigência limitado, mediante anistia parcial de penalidade, redução de juros e parcelamentos com taxas de juros de longo prazo. - O grupo deve procurar identificar os fatores que teriam gerado o acúmulo de créditos tributários incobráveis, propondo soluções para o aperfeiçoamento da legislação e procedimentos para evitar o surgimento de novos passivos. Alternativas possíveis b) Aperfeiçoar a legislação que trata da consulta sobre interpretação da legislação tributária no sentido de permitir maior participação do contribuinte e criar a possibilidade da realização de consultas gerais para dirimir conflitos de interpretação, com a participação da PGFN. Premissas da Nova Administração da RFB Desejo de participar do processo; Discutir a viabilidade da construção de modalidades tidas por exeqüíveis diante dos cenários jurídico e econômico; Afastar as modalidades tidas como não exeqüíveis pela RFB; Não burocratizar excessivamente a estrutura. Modalidades Exeqüíveis Transação em Processo Judicial p/ créditos já encaminhados à PGFN; Transação em Insolvência Tributária; Transação Administrativa por Adesão; Consulta Fiscal Geral (Coletiva). Modalidades Não Exeqüíveis Transação Administrativa Preventiva; Arbitragem; Transação por Recuperação Tributária. Questões Pontuais – Considerações Art. 6°. A transação nas modalidades previstas nesta Lei poderá dispor somente sobre multas, de mora e de oficio, juros de mora, encargo de sucumbência e demais encargos de natureza pecuniária, bem como valores oferecidos em garantia ou situações que a interpretação da legislação relativa a obrigações tributárias seja conflituosa ou litigiosa. Obs: muito abrangente, podendo sinalizar a permissão de transação em qualquer situação. Questões Pontuais – Considerações Art. 7°. A transação, ..., não poderá: (...) II – implicar negociação do montante do tributo devido. § 1º Não constitui negociação do montante dos tributos as reduções que decorram do procedimento de transação, quanto à interpretação de conceitos indeterminados do direito ou à identificação e relevância do fato, aplicáveis ao caso, cujo resultado seja a redução de parte do crédito tributário. Obs: A RFB entende que este parágrafo deve ser excluído, pois contraria o caput do inciso II ao possibilitar a redução do tributo que já foi definitivamente julgado na via administrativa ou judicial, retardando ainda mais a realização do crédito tributário e desqualificando todo o contencioso. Questões Pontuais – Considerações Art. 23. (...) § 3º A transação: I - é ato jurídico que se aperfeiçoa e extingue o crédito tributário após o cumprimento integral das cláusulas do termo de transação; (...) A RFB entende que tal dispositivo fere o CTN. A transação extingue o crédito, e o mero inadimplemento das obrigações pactuadas não teria o condão de promover a restauração do crédito original. Trata-se de um grave problema que atinge o âmago do instituto. Um Alerta Necessário O atual contexto da crise financeira no epicentro da economia mundial implica um espectro de cenários macroeconômicos que vão da nítida desaceleração até a recessão econômica. Neste passo, desaconselha-se o relaxamento dos mecanismos que sustentam o atual patamar da arrecadação espontânea, visto que todos os estudos existentes acusam impactos negativos na arrecadação, sempre que no horizonte dos agentes econômicos surge a expectativa de anistias ou remissões. FIM