PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PIAUÍ TRIBUNAL PLENO HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA IMPETRANTE : VALDÍLIO SOUZA FALCÃO FILHO. PACIENTES : MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY E JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA. COATOR : DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. RELATOR : DES. EDVALDO PEREIRA DE MOURA. VOTO-VISTA : DES. FRANCISCO ANTÔNIO PAES LANDIM FILHO. Voto-Vista O Excelentíssimo Senhor Desembargador FRANCISCO ANTÔNIO PAES LANDIM FILHO (voto-vista): I. MÉRITO – ANÁLISE DA LEGALIDADE DAS INTIMAÇÕES REALIZADAS PELO DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL Conforme relatado, na oportunidade da apreciação das preliminares, em que votei vencido, VALDÍLIO SOUZA FALCÃO FILHO impetrou Habeas Corpus, com pedido de liminar, em favor de MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY e de JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA “por se encontrarem sofrendo constrangimento ilegal em razão de ato praticado pelo Delegado de Polícia Federal, investido na função de polícia judiciária do Estado do Piauí, Dr. JANDERLYER GOMES DE LIMA” (fls. 02 – vol. I). No que diz respeito ao mérito do presente Habeas Corpus, ou seja, à ilegalidade ou abusividade do ato que, supostamente, ameaça a liberdade pessoal de ir, vir, e permanecer, dos Pacientes deste writ, o Impetrante alega o seguinte: i) o Delegado de Polícia Federal, ora apontado como coator, mesmo em face da suspensão do prazo para a conclusão do Inquérito, e apesar de não dispor dos autos deste procedimento, que se encontravam conclusos ao então Relator, continuou “a praticar, normalmente, atos investigativos, os quais não são urgentes, pois relativos à oitiva de Investigados e de HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 1 testemunhas (…)” (fls. 06 – vol. I); ii) o Paciente – o Sr. JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA – foi intimado para comparecer a interrogatório e apresentar dados que pudessem “auxiliá-lo durante a oitiva” (fls. 06); iii) “os outros Investigados [com exceção do Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY, que não foi intimado para qualquer ato do inquérito] também foram intimados para comparecerem à Superintendência Regional da Polícia Federal, em dia e hora designados, unilateralmente, pelo Delegado de Polícia, Autoridade Coatora, apesar de exercerem mandato eletivo de Deputado Estadual, o que lhes confere o exercício da prerrogativa prevista no art. 221, do CPP, cabendo-lhes, por isso, o direito de serem inquiridas 'em local, dia e hora previamente ajustados', na qualidade de testemunhas ou de investigados.” (fls. 07 – vol. I); iv) assim, “(...) a convocação do segundo Paciente [que é o Sr. JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA], ou de qualquer dos Investigados, para interrogatório policial não constitui ato urgente, impostergável (...)”, razão pela qual os atos praticados pela Autoridade Coatora “configuram constrangimento ilegal dos Pacientes” (fls. 07 – vol. I), já que, segundo o Impetrante, deveriam estar obstados, seja pela “suspensão da investigação” determinada pelo Relator do Inquérito (que na verdade suspendeu apenas o transcurso do prazo para conclusão do inquérito), seja em face de uma série de agravos regimentais e outros incidentes, interpostos contra outras decisões, daquela mesma relatoria, principalmente pelo fato de que os autos do inquérito sequer se encontravam em poder do Delegado de Polícia Federal, porquanto conclusos, naquela oportunidade, ao eminente Relator; v) ainda consoante as alegações do Impetrante, a convocação do segundo Paciente – o Sr. JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA – para interrogatório constitui constrangimento ilegal, que ameaça a sua liberdade pessoal de ir, vir, ficar, permanecer, na medida em que o art. 260 do CPP prevê a possibilidade de condução coercitiva do investigado que não atender à intimação para interrogatório; vi) os atos praticados pela Autoridade Coatora (Delegado de Polícia Federal, como reconheceu, por maioria, este Eg. TJ-PI) – quais sejam, intimações para interrogatório e prestação de depoimentos – não são urgentes, porque, quanto a estes meios de prova, não há risco de perecimento das provas, nem de comprometimento irreversível da investigação ou do processo penal; vii) ademais, a prática urgente de tais atos, pela Autoridade Coatora, não se reveste de utilidade alguma, já que a jurisprudência do STF já consagrou o direito ao silêncio a “qualquer pessoa que sofre investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado (...)” (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO); viii) além disso, a HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 2 produção antecipada de prova testemunhal apenas é admitida, por expressa previsão do art. 225 do CPP, nas hipóteses em que o testemunho possa se tornar faticamente inviável, por ausência, enfermidade ou velhice da testemunha, de modo que o STF “tem concedido Habeas Corpus para anular o ato questionado (…)” (fls. 15 – vol. I); ix) a norma do art. 225 do CPP “embora se referindo a processo judicial, (…) tem aplicação no inquérito policial” (fls. 15 – vol. I), porque, como o ilustre Relator, em. Des. HAROLDO OLIVEIRA REHEM, excepcionou “a prática dos atos reputados urgentes” (fls. 37 – vol. I), “induvidoso que se devem adotar [para a espécie] as mesmas normas que regem a matéria na fase judicial”; x) tanto a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito, em 90 (noventa) dias, como a posterior suspensão deste prazo, denotam a inexistência de urgência na colheita de elementos de convicção e provas, antes do julgamento dos incidentes provocados; xi) falece competência à Autoridade Coatora para a prática dos atos de intimação dos Pacientes, a fim de que compareçam a interrogatório, pois as supostas infrações penais investigadas não se enquadram em nenhuma das categorias previstas no art. 144, § 1º, da CF/1988, que autorizam a atuação da Polícia Federal; xviii) por isso mesmo o Relator do Inquérito no TRF-1, o em. Juiz TOURINHO NETO, acolhendo parecer do MPF, determinou o envio de cópia dos autos a este Eg. TJ-PI, para prosseguimento das investigações; xii) consequentemente, a apuração dos supostos crimes deve ser efetivada pela Polícia Civil do Estado do Piauí, já que “sem previsão normativa, a Polícia Federal não pode ser investida nas atribuições de Polícia Judiciária Estadual, sob pena de quebra do princípio da autonomia dos Estados na organização do serviço de segurança pública (art. 25, CF) […], o que também mostra o constrangimento a que estão sendo submetidos os Pacientes, investigado(s) por quem não possui atribuição para fazê-lo.” (fls. 19 – vol. I). Com base nestas alegações a respeito do mérito do presente Habeas Corpus, o Impetrante pediu, como tutela definitiva, “a confirmação da liminar e a suspensão de todo e qualquer ato investigatório até o julgamento final de todos os incidentes processuais instaurados no âmbito do mencionado inquérito policial” (fls. 29 – vol. I). Por sua vez, o Ministério Público do Estado do Piauí, ao manifestar-se a respeito do mérito deste processo, afirmou que inexiste qualquer constrangimento ilegal à liberdade pessoal dos Pacientes de ir, vir, ficar, permanecer, porquanto “o próprio paciente agendou com a autoridade policial o dia e hora de sua oitiva.” (fls. 651 – vol. II). Com HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 3 base nisto, manifestou-se pela denegação do Habeas Corpus. Já a autoridade apontada como coatora, o Delegado de Polícia Federal, ao prestar informações, deu conta de que ao Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, anteriormente à impetração do presente Habeas Corpus, havia sido oportunizado o reagendamento de seu depoimento, na presença dos membros do MPE, mas, apesar disso, na véspera da nova data, aquele Paciente impetrou o presente Habeas Corpus, segundo o Delegado de Polícia Federal, “com a pretensão clara em não prestar informações em sede policial.” (fls. 745 – vol. II). Ao final, juntou certidão, subscrita por Escrivão de Polícia Federal, que atestam o acesso do Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA aos autos, bem como o adiamento de seu comparecimento, diante dos membros do MPE (fls. 748 – vol. II). A par disso, informou o Delegado de Polícia Federal, apontado e admitido, neste processo, como autoridade coatora, que o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY “em momento algum foi intimado ou convocado a comparecer em sede policial e(,) assim(,) prestar esclarecimento sobre os fatos”, razão pela qual, conclui o Deputado de Polícia Federal, “insurgiu-se contra ato desta autoridade que sequer foi realizado.” (fls. 745 – vol. II). Como se vê, a alegação de ilegalidade ou abusividade do ato que supostamente ameaça a liberdade pessoal dos Pacientes – Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY e JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA – é fundamentada, pelo Impetrante, em dois argumentos. De acordo com o primeiro dos argumentos desenvolvidos pelo Impetrante, quanto à legalidade do ato atacado, a intimação policial para interrogatório deveria observar a prerrogativa dos Deputados Estaduais de serem inquiridos “em local, dia e hora previamente ajustados” entre ele e o juiz, por aplicação extensiva do art. 221 do CPP, o qual, embora disponha sobre as testemunhas no processo jurisdicional penal, deveria, segundo o Impetrante, ser aplicado também ao procedimento administrativo de inquérito. No entanto, ainda segundo o Impetrante, o local, dia e hora do interrogatório teriam sido impostos, unilateralmente, pelo Delegado de Polícia Federal. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 4 Já o segundo argumento deduzido pelo Impetrante, afirma falecer competência à Autoridade Coatora para a prática do ato de intimação dos Pacientes, a fim de que compareçam a interrogatório, pois as supostas infrações penais investigadas não se enquadram em nenhuma das categorias previstas no art. 144, § 1º, da CF/1988, que autorizam a atuação da Polícia Federal. Em suma, segundo o Impetrante, o ato que supostamente ameaça a liberdade pessoal dos Pacientes seria ilegal ou abusivo i) por desrespeitar uma prerrogativa titularizada por autoridades com prerrogativa de foro, isto é, o ajuste prévio de local, dia e hora para a prestação de depoimento; e ii) por haver sido praticado por autoridade incompetente para a apuração dos crimes que são objeto do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7. A análise do mérito do presente Habeas Corpus deve, compulsoriamente, recair, pelo menos, sobre estas duas afirmações, que foram deduzidas pelo Impetrante como fundamento da alegação de ilegalidade ou abusividade do ato ora atacado, pelo qual o Delegado de Polícia Federal intimou o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA para comparecer a interrogatório. Apenas após a análise destes dois argumentos, pelo menos, é que este Eg. TJ-PI poderá formular juízo de mérito no presente processo, ou seja, poderá pronunciarse sobre a pretensão do Impetrante de ver concedida ordem de habeas corpus em favor dos Pacientes – o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY e JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA. Isto é assim, porque, no processo de habeas corpus, segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO E ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, “(...) o exame exauriente do mérito é dependente da clara demonstração da ilegalidade da coação ou da ameaça.” (grifei), o que deve ser feito através de “prova cabal dos fatos alegados”, ou de “outros elementos trazidos para os autos”, na falta dos quais o órgão julgador “se verá na contingência de denegar a ordem, pela não comprovação da existência do direito de liberdade postulado (…).”: “Na ação de habeas corpus, a pretensão do impetrante está dirigida à HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 5 obtenção de um provimento judicial que contenha uma ordem para a restauração do direito de liberdade do paciente ou, em caso de ameaça, para que seja evitada a consumação de uma restrição ilegal desse mesmo direito. Diante disso, para concluir sobre a existência do constrangimento apontado – seja ele efetivo ou meramente potencial – e, ainda, para se pronunciar a respeito de sua legalidade ou ilegalidade, deve o magistrado considerar, analisar, valorar as questões de fato e de direito alegadas pelos participantes da relação processual, só após o que estará habilitado a decidir, concedendo ou denegando a ordem solicitada. (…) Quanto à profundidade, o exame exauriente do mérito é dependente da clara demonstração da ilegalidade da coação ou da ameaça. Sem uma prova cabal dos fatos alegados, que deve companhar o pedido inicial, ou pode resultar de eventual confirmação por parte do coator ou de outros elementos trazidos para os autos (…), o juiz se verá na contingência de denegar a ordem, pela não comprovação da existência do direito de liberdade postulado (…).” (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO E ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, Recursos no Processo Penal, 2009, p. 300, nº 252). E a necessidade de demonstração da ilegalidade da coação, através de “prova cabal dos fatos alegados”, ou de “outros elementos trazidos para os autos”, é imposta pelo próprio Código de Processo Penal, que, em seu art. 660, § 2º, ao disciplinar o julgamento do processo de habeas corpus, preceitua que “se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.”, verbis: - “Art. 660. Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas. (…) º § 2 Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.” E esta necessidade de demonstração da ilegalidade ou abusividade do ato que viola ou ameaça o direito à liberdade pessoal dos Pacientes é realçada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, nos seus mais recentes precedentes assinala que “o rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.”: - “(...) ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES DATIVOS ACERCA DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA PARA A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. FALTA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DA SUPOSTA MÁCULA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉHABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 6 CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. (…) 3. Ordem parcialmente concedida, apenas para revogar o decreto de prisão preventiva dos pacientes.” (STJ, HC 147.853/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 25/08/2011). No mesmo sentido, embora utilizando-se de outros termos, o precedente da relatoria do em. Min. CASTRO MEIRA, no qual ficou realçado que “o habeas corpus é ação constitucional que deve ser instruída com todas as provas necessárias à constatação de plano da ilegalidade praticada pela autoridade impetrada, não se admitindo dilação probatória.”: - “HABEAS CORPUS. DECRETO DE EXPULSÃO DE ESTRANGEIRA. CONDENAÇÃO ANTERIOR POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NASCIMENTO DE PROLE NACIONAL. MUDANÇA PARA O EXTERIOR ANTES DA EFETIVAÇÃO DA MEDIDA. COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E DO VÍNCULO SÓCIOAFETIVO. ORDEM CONCEDIDA. (…) 3. O habeas corpus é ação constitucional que deve ser instruída com todas as provas necessárias à constatação de plano da ilegalidade praticada pela autoridade impetrada, não se admitindo dilação probatória. (…) 6. Ordem concedida.” (STJ, HC 182.834/DF, Rel. MIN. CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2011, DJe 11/05/2011). Em síntese, por força do art. 660, § 2º, do CPP, interpretado pela jurisprudência do STJ, este Eg. Tribunal Pleno apenas poderá conceder a ordem de habeas corpus, pleiteada por meio da presente impetração, se ficar demonstrada, de plano, pelas provas pré-constituídas constantes dos autos, a inequívoca ilegalidade do ato apontado como coator. Daí ser imprescindível analisar as razões pelas quais, segundo o Impetrante, seria ilegal ou abusivo o ato de intimação dos Pacientes JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, pelo Delegado de Polícia Federal, para saber se a pretensão do Impetrante procede, ou não, apreciando-se o mérito do presente remédio constitucional, que consiste – repita-se – em saber se o ato atacado é ilegal ou abusivo, ou se há pelo menos ameaça efetiva à liberdade pessoal dos Pacientes. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 7 Apesar da aparente obviedade, essas observações têm a utilidade de, após extenuante debate, redirecionar a discussão e situar o julgador, em meio às novas questões de mérito, que ora reclamam solução, quais sejam: i) a atribuição da Polícia Federal para a apuração dos crimes que são objeto do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7; ii) a necessidade de observância da prerrogativa do art. 221 do CPP, no Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7; iii) a possibilidade de suspensão do curso do inquérito; iv) a existência de ameaça efetiva ou fundado de violação à liberdade pessoal dos Pacientes, a justificar a expedição de salvoconduto em seu favor. E a delimitação destas questões se mostra mesmo imprescindível, porquanto o voto-condutor, proferido pelo ilustre Relator Privativo deste Habeas Corpus, o eminente Presidente deste Eg. TJ-PI, apesar do brilhantismo da exposição, com a devida vênia, não deixou claro os fundamentos que o levaram a vislumbrar ilegalidade ou abuso no ato do Delegado de Polícia Federal, posicionando-se pela concessão da ordem impetrada. Na verdade, em seu voto-condutor, no tópico que anuncia a apreciação do mérito deste processo, o eminente Relator Privativo do presente Habeas Corpus identificou com propriedade as duas questões que compõe o mérito da presente impetração, ao rememorar que “o Inquérito Policial nº 2010,0001,007594-7 tem tramitado mesmo diante da pendência de medidas judiciais discutindo tanto a atribuição da Polícia Federal para prosseguir nas investigações [primeira questão de mérito], quanto o direito dos investigados membros da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí de serem ouvidos segundo os termos do art. 221 do Código de Processo Penal [segunda questão de mérito].”. Mais do que isso, o eminente Relator Privativo do presente Habeas Corpus reconheceu a relevância destas questões, tanto para a proteção dos direitos e garantias fundamentais dos investigados, como para a tutela do interesse público, em preservar a “validade das informações produzidas no âmbito do inquérito policial (…)”: “Conforme sucessivamente noticiado nos presente autos, o Inquérito Policial nº 2010,0001,007594-7 tem tramitado mesmo diante da pendência de medidas judiciais discutindo tanto a atribuição da Polícia Federal para prosseguir nas HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 8 investigações, quanto o direito dos investigados membros da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí de serem ouvidos segundo os termos do art. 221 do Código de Processo Penal. “A definição prévia dessas questões é imprescindível para que seja resguardada não só a incolumidade dos direitos fundamentais dos investigados, mas a validade das informações produzidas no âmbito do inquérito policial(,) como elemento instrutório de peça inicial de eventual ação penal a ser proposta.”. Ao identificar, com tanta clarividência, as questões de mérito a serem resolvidas no presente Habeas Corpus, e ao realçar a sua relevância, com espírito público e sensibilidade aos bens constitucionalmente tutelados, o eminente Relator Privativo do presente Habeas Corpus, Presidente deste Tribunal de Justiça, expôs, a este Eg. Tribunal Pleno, todas as razões que obrigam o mais elevado Órgão de Justiça do Estado a enfrentar essas questões, seja i) por constituírem o próprio mérito da presente impetração – que não pode deixar de ser apreciado, porquanto superadas todas as preliminares, após intensa discussão –; seja ii) pelo enorme destaque que assumem perante a ordem pública, porquanto atinentes a direitos e garantias fundamentais e à apuração de indícios de infrações penais, as quais supostamente teriam sido praticadas no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí. No entanto, apesar de ter identificado as questões que compõem o mérito desta impetração, e de ter sublinhado sua crucialidade pública, o eminente Relator Privativo deste processo preferiu postergar o enfrentamento destes pontos, sem deixar, porém, de registrar, mais uma vez, que “ambas merecem ampla discussão por este Plenário (…)”, como se lê em seu ilustrado voto-condutor: - “Embora não seja oportuno adiantar posicionamento a respeito das duas questões, a serem oportunamente (sic) debatidas nos incidentes que as suscitam, registro que ambas merecem ampla discussão por este Plenário, à luz do princípio federativo, da autonomia do Estado e das prerrogativas dos membros do Poder.”. Nada obstante, com a devida vênia, a apreciação destas questões não podem ser postergadas, nem se pode dizer que este não é momento oportuno para se estabelecer debate em torno delas, simplesmente porque tais questões integram o próprio mérito do presente Habeas Corpus, e não se concebe a concessão da ordem sem a resolução das questões de mérito da impetração, isto é, sem verificação da ilegalidade ou abusividade do ato atacado. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 9 Isto, porque, como já realçado, de acordo com ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO E ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, “para concluir sobre a existência do constrangimento apontado – seja ele efetivo ou meramente potencial – e, ainda, para se pronunciar a respeito de sua legalidade ou ilegalidade, deve o magistrado considerar, analisar, valorar as questões de fato e de direito alegadas pelos participantes da relação processual, só após o que estará habilitado a decidir, concedendo ou denegando a ordem solicitada.”. Fica claro, então, que, na espécie, este Eg. Tribunal Pleno apenas estará autorizado a conceder ou denegar a ordem pleiteada pela via deste remédio constitucional, após a consideração, análise e valoração das questões de mérito, deduzidas em juízo, cuja resolução indicará se o ato de intimação dos Pacientes, pelo Delegado de Polícia Federal, reveste-se de ilegalidade ou abusividade, ou seja, se o ato ora impugnado caracteriza constrangimento ilegal. Caso contrário, na linha do voto-condutor, proferido pelo eminente Presidente deste Eg. Tribunal de Justiça, a concessão da ordem, neste Habeas Corpus, com a devida vênia, seria absolutamente nula, porquanto desprovida de fundamentação, o que constitui vício insanável, por violação à garantia fundamental insculpida no art. 93, inc. IX, da Constituição da República, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”. Referida norma constitucional, além de ocupar posição hierárquica máxima no ordenamento jurídico brasileiro, enquadra-se, do ponto de vista lógico-jurídico, na categoria das regras, que, por veicularem mandamento de definição, “expressam deveres e direitos definitivos (…)”, razão pela qual “deve se realizar exatamente aquilo que ela [a regra] prescreve” (VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, Princípios e Regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção, em Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003): 607-630, p. 611, nº 1.2). Assim sendo, como esta regra da fundamentação das decisões deve ser observada também no julgamento final de habeas corpus, tem-se que a concessão da ordem pleiteada, nos termos do voto-condutor do eminente Relator deste processo, com a HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 10 devida vênia, nasceria maculada pela nulidade absoluta da ausência de fundamentação. Tudo porque o voto-condutor do eminente Presidente, no ponto em que deveria enfrentar as questões de mérito, que identificou no presente Habeas Corpus, limitou-se a evocar o dever da Presidência de “preservar a efetividades das decisões deste Tribunal”, e a se referir às medidas liminares, concedidas por decisões monocráticas do em. Desembargador Plantonista BRANDÃO DE CARVALHO, e do em. Des. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS, que, embora tenha confirmado a decisão do Plantonista, era inclusive incompetente para relatar este Habeas Corpus, como veio a reconhecer posteriormente. É o que o se lê no voto-condutor proferido pelo em. Relator Privativo do presente Habeas Corpus: “Não se pode olvidar, ademais, que é dever desta Presidência preservar a efetividade das decisões deste Tribunal, conforme expressamente dispõe o art. 87, II, do Regimento Interno desta Casa. “Dois desembargadores desta Egrégia Corte já se posicionaram pela suspensão dos atos desprovidos de urgência da investigação em curso, até a resolução das questões apontadas. Houve, ainda, decisão da lavra de Sua Excelência, o Desembargador Joaquim Santana, nos autos do Mandado de Segurança nº 2010.0001.007594-7 [rectius: Mandado de Segurança nº 2011.0001.004116-4], determinando a suspensão dos atos investigatórios até que sejam apreciados os agravos regimentais interpostos. Todos os atos foram fundados na necessidade de discussão(,) por esta Egrégia Corte, das controvérsias acima explicitadas. Esta Presidência não poderia atuar em outro sentido que não aquele que assegure a efetividade máxima das decisões desta Egrégia Corte, favorecendo o amplo debate das questões constitucionais em pauta. Ante o exposto, voto pela concessão do Habeas Corpus requerido, para o fim de suspender todo e qualquer ato investigatório desprovido de urgência até o julgamento final de todos os incidentes processuais instaurados no âmbito do mencionado inquérito policial, de modo a que fique dirimida qualquer dúvida a respeito da atribuição da Polícia Federal para atuar no presente caso(,) bem como do direito dos membros da Assembléia Legislativa de serem ouvidos em inquérito policial segundo os termos do art. 221 do CPP. É como voto.” (Voto-condutor proferido pelo Relator Privativo do Habeas Corpus nº 2011.0001.003872-4, o em. Presidente do TJ-PI, na sessão ordinária de caráter judicial de 1º de setembro de 2011). Como se vê, o em. Relator Privativo do presente Habeas Corpus, Presidente deste Eg. TJ-PI, votou pela concessão da ordem, mas, com a devida vênia, sem apreciar as questões que integram o mérito da presente impetração, isto é, sem fundamentar o seu voto. E esta afirmação, de que o voto-condutor do em. Presidente está desprovido de qualquer fundamentação, quanto ao mérito da impetração, é confirmada por aquela transcrição, a partir da qual pode-se verificar que o voto-condutor apenas se referiu i) à HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 11 competência da Presidência desta Corte para “promover o cumprimento imediato das decisões do Tribunal” (art. 87, inc. II, do RITJPI); ii) às decisões que concederam medida liminar, neste Habeas Corpus; iii) a outra decisão, proferida no MS nº 2011.0001.0041164, pela qual o Relator deste mandamus, o em. Des. JOAQUIM SANTANA, determinou a “suspensão do curso do inquérito policial (sic)” (fls. 266, dos autos do MS nº 2011.0001.004116-4), a qual, entretanto, foi reconsiderada parcialmente pelo próprio Relator, que a revogou “na parte em que suspende o curso do Inquérito Policial (…)”, por entender que “a competência para suspender o curso do Inquérito Policial é do Plenário deste Egrégio Tribunal (…)” (fls. 318, dos autos do MS nº 2011.0001.004116-4) Ora, cada uma destas referências e evocações à competência da Presidência , lançadas no voto-condutor do em. Relator deste processo, é inapta a fundamentar a concessão da ordem de habeas corpus, simplesmente porque nenhuma delas serve para demonstrar a suposta ilegalidade ou abusividade do ato impugnado pela presente impetração. Ou, ainda, em outras palavras, o fato de a Presidência desta Corte ter competência para “promover o cumprimento imediato das decisões do Tribunal”, somado às decisões provisórias que concederam medida liminar neste Habeas Corpus não fazem do ato de intimação dos Pacientes, pelo Delegado de Polícia Federal, um constrangimento ilegal, razão pela qual aqueles fatos não são capazes de dar amparo jurídico à concessão da ordem. Na verdade, aquelas referências e evocações, insertas no voto do em. Relator deste processo, não têm qualquer relevância para o julgamento final do mérito deste Habeas Corpus. Em primeiro lugar, porque, ao julgar definitivamente o mérito deste processo, não se está a perquirir sobre o cumprimento ou descumprimento das decisões que concederam medida liminar, anteriormente proferidas neste processo. Afinal, após a adoção das medidas cabíveis pela Presidência deste Eg. TJ-PI, o Impetrante não veio aos autos para relatar novo descumprimento das decisões por parte da autoridade indicada como coatora. Além disso, de todo modo o julgamento final e definitivo do mérito de qualquer habeas corpus tem por objeto as questões que digam HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 12 respeito à suposta ilegalidade ou abusividade do ato impugnado, e não se ocupa do cumprimento ou descumprimento de decisões provisórias, as quais serão substituídas pelo acórdão definitivo. Enfim, o cumprimento de decisões provisórias, apesar de sua importância, não tem nada a ver com o julgamento definitivo do mérito do presente Habeas Corpus, do qual resultará um provimento definitivo, que pode ser pela denegação ou pela concessão da ordem pleiteada, mas, em todo caso, substituirá todas as decisões provisórias, caracterizadas pela sua precariedade. Em segundo lugar, a falta de fundamentação para concessão da ordem, no voto do em. Relator, está evidenciada, também, pela noção elementar de que as decisões provisórias, concessivas de medida liminar, não vinculam o juízo definitivo acerca do mérito da impetração. Ora, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “a medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar” (STF, HC 70.177 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 06/04/1993, DJ 07-05-1993 PP-08331 EMENT VOL-01702-03 PP-00570), de modo que sua concessão é resultado de mero juízo de cognição sumária, em que o conhecimento das questões se dá de modo superficial, limitado em sua profundidade, como é próprio das tutelas de urgência, que precisam ser apreciadas com celeridade. Porém, ao contrário do que ocorre na apreciação do requerimento de medida liminar, no julgamento final do processo de habeas corpus, o mérito da impetração deve ser conhecido em toda a sua profundidade, por um exame exauriente das questões que o compõem, indo além daquele precário juízo de cognição sumária, formulado quando da apreciação do pedido de medida liminar, que tende à ser substituído por um juízo exauriente e definitivo acerca do mérito da impetração. Nesse contexto, fica nítido que as decisões concessivas de medida liminar, por estarem baseadas em mero juízo de cognição sumária, cumprem, ainda nos termos da jurisprudência do STF, apenas uma “função instrumental”, já que “destina(m)-se a garantir (…) a eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 13 writ constitucional.” (STF, HC 70.177 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 06/04/1993, DJ 07-05-1993 PP-08331 EMENT VOL-01702-03 PP00570). Em outras palavras, as medidas liminares existem apenas em função do provimento jurisdicional definitivo, o qual, por resultar de um juízo de cognição exauriente, substitui todas as decisões que tenham concedido, precariamente, em juízo de cognição sumária, quaisquer tutelas de urgência. Sendo assim, ninguém nega que provimentos de urgência, resultantes de mero juízo de cognição sumária (isto é, superficial), não limitam o exame do mérito, que deve se dar por cognição exauriente, que supera e se sobrepõe a decisões precárias e cautelares, as quais, por sua localização funcional dentro do sistema processual, só produzem efeitos até a superveniência de uma decisão definitiva. Em terceiro lugar, a falta de fundamentação para concessão da ordem, no voto do em. Relator, está evidenciada, também, pelo simples fato de que, como já se disse anteriormente, o Relator do MS nº 2011.0001.004116-4, o em. Des. JOAQUIM SANTANA, após determinar a “suspensão do curso do inquérito policial (sic)”, reconsiderou parcialmente esta decisão, para revogá-la “na parte em que suspende o curso do Inquérito Policial (…)”, por entender que “a competência para suspender o curso do Inquérito Policial é do Plenário deste Egrégio Tribunal (…)”. Assim, demonstrado que os argumentos lançados no voto-condutor do em. Relator deste processo não se prestam a fundamentar a concessão da ordem, porquanto não dizem respeito às questões de mérito desta impetração, deve-se passar à apreciação destes pontos, a partir do que se poderá verificar i) a atribuição da Polícia Federal para a apuração dos crimes que são objeto do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7; ii) a necessidade de observância da prerrogativa do art. 221 do CPP, no Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7; iii) a possibilidade de suspensão do curso do inquérito; iv) a existência de ameaça efetiva ou fundado de violação à liberdade pessoal dos Pacientes, a justificar a expedição de salvoconduto em seu favor. II. A NATUREZA ADMINISTRATIVA DO INQUÉRITO JUDICIAL ORIGINÁRIO E A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO SEU RELATOR HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 14 Ao discorrer sobre a natureza jurídica do inquérito, a literatura jurídica é unânime ao afirmar, categoricamente, que “o inquérito é um procedimento de índole eminentemente administrativa”, e que, sem embargo de seu “caráter informativo, preparatório da ação penal.”, “rege-se pelas regras do ato administrativo em geral.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 89, nº 3.1). Com efeito, o inquérito “é, segundo Rogério Lauria Tucci, um procedimento de investigação administrativa, em sentido estrito (…)” (MANOEL MESSIAS BARBOSA, Inquérito Policial, 2009, p. 27, nº 3.1). Assim, as afirmações de que “o inquérito policial não é processo, mas simplesmente um procedimento administrativo”, como se lê em monografia sobre o Procedimento Policial (ISMAR ESTULANO GARCIA, 1980, p. 21, nº 4), não pode ser interpretada de modo a “minimizar-lhe a importância”, como adverte BISMAEL B. MORAES, em dissertação de mestrado (Direito e Polícia: uma introdução à Polícia Judiciária, 1986, p. 134, nº 8.5). Bem ao contrário, é imperativo sublinhar o caráter administrativo do inquérito, para localizá-lo, com ROGÉRIO LAURIA TUCCI, no “âmbito da regra da administratividade (na qual se especifica a juridiciariedade)” (Prefácio, em BISMAEL B. MORAES, Direito e Polícia: uma introdução à Polícia Judiciária, 1986, p. XIII, nº I). E a mais nítida manifestação da natureza administrativa do inquérito se percebe justamente por suas características, que, segundo a doutrina especializada, “o diferenciam, em substância, do processo [jurisdicional]” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 92, nº 5). Com efeito, diferentemente do processo jurisdicional penal, o inquérito, dada a sua “índole eminentemente administrativa” (Ob. cit., p. 89, nº 3.1), caracteriza-se pela discricionariedade, oficiosidade, inquisitoriedade, dispensabilidade e indisponibilidade – notas que o distinguem do processo jurisdicional, ao qual se contrapõe diametralmente. Assim, por não se submeter ao regime jurídico do processo jurisdicional penal, HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 15 é que o inquérito é referido constantemente como “fase pré-processual”, como prefere EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA (Curso de Processo Penal, 2009, p. 43, nº 4), expressão que realça não apenas o fato de ser “realizada anteriormente à provocação da jurisdição penal.” (Idem, ibidem), mas quer indicar, sobretudo, que o procedimento investigativo não constitui um procedimento em contraditório – que é a definição jurídica de processo –, mas um procedimento inquisitorial, segundo o qual se exerce não o poder jurisdicional, mas um poder administrativo, que, marcado pela discricionariedade e pela oficiosidade, está indubitavelmente submetido ao regime de direito administrativo, que lhe impõe a indisponibilidade como atributo jurídico. Portanto, a competência administrativa para a condução desse procedimento administrativo, que é o inquérito, é outorgada, por lei, a uma autoridade administrativa, que, em regra, integra a polícia judiciária, como se depreende do art. 4º do Código de Processo Penal. Contudo, essa regra é excepcionada pelo parágrafo único daquele mesmo art. 4º do CPP, segundo o qual a competência geral da polícia judiciária para a condução do procedimento administrativo investigatório “não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.” (art. 4º, parágrafo único, do CPP). Em decorrência deste dispositivo, a doutrina especializada chama atenção para o fato de que “a titularidade das investigações não está concentrada somente nas mãos da polícia civil”, uma vez que “compulsando o teor do art. 4º, parágrafo único do CPP, vemos que este consagra a possibilidade de inquéritos não policiais (ou extrapoliciais)”, o que conduz à conclusão de que “certamente não desejou o nosso legislador, nem mesmo o constituinte, que as investigações criminais fossem exclusivas da polícia.”, o que é denotado pelo fato de o ordenamento jurídico positivo possibilitar o “desenvolvimento de procedimentos administrativos, fora da seara policial, destinados à apuração de infrações penais e que podem perfeitamente viabilizar a propositura da ação criminal.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 89, nº 4). Este procedimento investigatório, a que se reconhece natureza administrativa, e não jurisdicional, por desenvolver-se como fase prévia à ação penal, pode ser conduzido pela própria Polícia Judiciária, sob a presidência de uma autoridade policial – o HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 16 delegado de polícia –, hipótese que caracterizará um inquérito policial, que é aquele mais frequente. Tanto que “Tourinho Filho diz que o inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Judiciária.” (JOSÉ GERALDO DA SILVA, O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária – doutrina legislação e prática, 1996, p. 88, nº 3). No entanto, o fato de o inquérito policial ser o mais comum não exclui a existência de outras espécies de inquérito. Ao contrário disso, por ser o inquérito policial a regra, como diz TOURINHO FILHO, fica patente a existência de inquéritos que podem ser tidos como exceções, a que a doutrina especializada denomina “inquéritos extrapoliciais”, sobre os quais discorre, exemplificativamente, JOSÉ GERALDO DA SILVA, em monografia sobre o tema: - “Tourinho Filho, (sic) diz que o inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Judiciária. Todavia, o parágrafo único do art. 4, CPP, estabelece que 'a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função'. Existem inquéritos extra-policiais, elaborados por outras autoridades, que não as policiais, os quais têm a mesma finalidade dos inquéritos policiais. A finalidade do inquérito é apurar a existência de uma infração punível e descobrir os responsáveis por ela. Assim, temos o Inquérito Administrativo, presidido por autoridade administrativa, que tem o objetivo de apurar a responsabilidade de um funcionário; Inquérito judicial, presidido por oficial da Polícia Militar, visando a apuração da existência de crime da alçada da Justiça Militar, e suas respectivas autorias; inquérito Civil, presidido pelo Ministério Público, cujo objetivo é colher elementos para a propositura da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; Comissão parlamentar de Inquérito, presidido por parlamentar da União, Estado [ou Distrito Federal], ou Município, e que procede a investigações de grande vulto.” (José Geraldo da Silva, O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária – doutrina legislação e prática, 1996, p. 88, nº 3). No mesmo sentido, ao interpretar o art. 4º, parágrafo único, do CPP, “a nona conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura estabelece que 'a expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências referidas no artigo'.” (FERNANDO NETO E DA COSTA TOURINHO JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais, 2009, p. 798, nº 6.3). Numa palavra, “outras investigações criminais (…) podem ser presididas, conforme dispuser a lei, por outras autoridades.” (GUILHERME DE SOUSA NUCCI, Código de HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 17 Processo Penal Comentado, 2009, p. 78, nº 7). Como exemplos destes procedimentos administrativos, conduzidos por outras autoridades, que exercem a competência administrativa de presidir tais inquéritos, NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR arrolam os seguintes: i) os “inquéritos parlamentares, patrocinados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI's)”; ii) os “inquéritos policiais militares”; iii) o “inquérito civil”, que é “presidido pelo Ministério Público”, e, além de visar à reunião de “elementos para a propositura de ação civil pública.”, “pode perfeitamente embasar ação de âmbito criminal.”, iv) “inquéritos por crimes praticados por magistrados ou promotores, nos quais as investigações são presididas pelos órgãos de cúpula de cada carreira, de acordo com o que dispõe(m) o art. 33, parágrafo único, da LOMAN, e art. 41, parágrafo único da LONMP.”; v) “investigações envolvendo autoridades que gozam de foro por prerrogativa de função”, hipótese em que se enquadra o Inquérito a que se refere o presente Habeas Corpus, no qual “o delegado de polícia não poderá indiciá-las [as autoridades que ocupam cargo com foro por prerrogativa de função,] nem instaurar inquérito para apuração de eventual infração, pois as investigações vão tramitar perante o tribunal onde a referida autoridade desfruta do foro privilegiado.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, pp. 89 a 92, nº 4). E aqueles mesmos doutrinadores exemplificam, didaticamente, com uma situação hipotética ilustrativa: - “(...) Ex.: caso um senador venha a praticar infração penal, as investigações vão se desenvolver sob a presidência de um Ministro do STF.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, pp. 89 a 92, nº 4). Como se vê, a doutrina já absorveu integralmente a ratio decidendi do precedente-condutor do Supremo Tribunal Federal, em que se assentou a competência dos Ministros e Desembargadores para a presidência de inquérito judicial originário, que tenha por objetivo investigar infrações penais supostamente cometidas por ocupantes de cargos detentores de prerrogativa de função. É certo que, tendo em conta a necessidade de tutelar as prerrogativas funcionais instituídas com o propósito de garantir a autonomia e a independência dos HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 18 Poderes da República – dentre as quais se encontra o foro especial por prerrogativa de função –, o Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe, precipuamente, a guarda e, portanto, a interpretação aberta, plural e democrática da Constituição, consolidou o entendimento de que “no exercício de competência penal originária do STF (…), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações (isto é, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo domimus litis).” (STF, Pet 3825 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 0304-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP-00332 RTJ VOL-00204-01 PP00200): “EMENTA: Questão de ordem em Petição. (…) Inquérito Policial remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que se apuram supostas condutas ilícitas relacionadas, ao menos em tese, a Senador da República. 2. Ocorrência de indiciamento de Senador da República por ato de Delegado da Polícia Federal pela suposta prática do crime do art. 350 da Lei nº 4.737/1965 (Falsidade ideológica para fins eleitorais). 3. O Ministério Público Federal (MPF) suscitou a absoluta ilegalidade do ato da autoridade policial que, por ocasião da abertura das investigações policiais, instaurou o inquérito e, sem a prévia manifestação do Parquet, procedeu ao indiciamento do Senador (…). Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição exclusiva de cidadão, apresente "notitia criminis", diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública incondicionada. Precedentes: INQ nº 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; INQ (AgR) nº 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; PET - AgR - ED nº 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET nº 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) nº 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET nº 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ nº 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) nº 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições em razão das atividades funcionais por eles desempenhadas. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 10. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 19 c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 11. Segunda Questão de Ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado. 12. Remessa ao Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso para a regular tramitação do feito.” (STF, Pet 3825 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP00332 RTJ VOL-00204-01 PP-00200). No mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, expressamente, encampou a diretriz estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, em precedente da Relatoria do em. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: “A partir da diplomação, o Deputado Estadual passa a ter foro privativo no Tribunal de Justiça, inclusive para o controle dos procedimentos investigatórios, desde o seu nascedouro até o eventual oferecimento da denúncia (STF, INQ 2.411/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES, Informativo 483 do STF).” (STJ, HC 99773/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 04/03/2008, DJe 17/03/2008). Sendo assim, na linha da jurisprudência tanto do STF (a quem incumbe a última palavra na matéria), como do STJ (que acolheu o entendimento do intérprete da Constituição), e raciocinando segundo o princípio da simetria ou do paralelismo constitucional, só se pode concluir que, no exercício de competência penal originária, que a Constituição Estadual outorgou a este Eg. TJ-PI (CE-PI, art. 123, inc. III, alínea “c”), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações – isto é, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo Ministério Público, incluindo-se aí o controle jurisdicional sobre a intimação de investigados para interrogatório, intimação de testemunhas para prestarem depoimentos, ou outros atos congêneres. E este posicionamento jurisprudencial da Corte Suprema foi firmado de maneira tão conscienciosa, que veio a ser desenvolvido, poucos meses depois, em precedente da Relatoria do saudoso Ministro MENEZES DIREITO, no qual o Pleno do Supremo Tribunal Federal esclareceu que, “por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição”, a competência para a direção e HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 20 comando de inquéritos judiciais originários é de seu Relator (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL00208-02 PP-00605). Neste precedente, o órgão a quem incumbe a função precípua de interpretar a Constituição – o STF –, fez questão de deixar “bem claro” que “a competência para dirigir o inquérito [judicial originário]” é do Relator do Tribunal competente para eventual ação penal originária, de modo que “ao Juiz [isto é, ao Relator] compete comandar as providências necessárias no curso do inquérito”, que, consequentemente, “tramita (…) sob o comando” do Relator, “ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-112008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). E, durante as discussões que culminaram na formulação daquele precedente, o em. Min. CEZAR PELUSO aplicou, para regência dos inquéritos judiciais (ou originários), a Lei nº 8.038/1990 – que disciplina a ação penal originária, e, por isso mesmo, é aplicável também aos inquéritos originários –, para, então, concluir que é do Relator do inquérito judicial originário a competência para apreciar requerimentos em geral, bem como “todos os incidentes suscetíveis de ocorrer no curso do Inquérito, que é judicial, e não inquérito policial.”: “Isto significa, portanto, que o Relator, ainda no curso do inquérito, é que tem competência para deferir requerimentos do Ministério Público, eventuais diligências, enfim, decidir todos os incidentes suscetíveis de ocorrer no curso do Inquérito, que é judicial, e não inquérito policial.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). E, aprofundando-se na análise da competência que a Lei nº 8.038/1990 outorgou ao Relator do inquérito judicial originário, o em. Min. CEZAR PELUSO realçou que aquele diploma, “além do mais, diz textualmente (…) que o relator será o juiz da instrução. E essa instrução não é apenas a que constitui objeto do artigo 9º [da Lei nº 8.038/1990], que diz respeito à instrução da ação penal, mas abrange também a HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 21 instrução, conquanto provisória e unilateral, do inquérito judicial.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL00208-02 PP-00605). E dentro dessa ampla esfera de competências do Relator do inquérito judicial originário, o em. Min. CEZAR PELUSO sublinhou, como aspecto “decisivo[.] (…) que o Relator é que detém competência para dar prosseguimento ao inquérito”, porque, nos termos do art. 3º, inc. I, da Lei nº 8.038/1990, apenas nos casos em que o próprio Ministério Público requer o arquivamento do inquérito, é que o Relator “deve, não sendo o caso de inexistência de indícios de crime, e a requerimento do Ministério Público, submeter o caso ao Colegiado (…)”: “Mais do que isso. O que me parece decisivo é que o Relator é que detém competência para dar prosseguimento ao inquérito. Por quê? Porque, quando se trate de arquivamento, hipótese oposta, é que ele deve, não sendo o caso de inexistência de indícios de crime, e a requerimento do Ministério Público, submeter o caso ao Colegiado, como prevê o artigo 3º, inciso I: (…) 'o requerimento' – do Ministério Público – 'à decisão competente do Tribunal;'”. Isto é, o Tribunal é chamado a pronunciar-se apenas quando haja requerimento do Ministério Público para arquivar o inquérito com base em causa que gere coisa julgada material e impeça a reabertura das investigações. Nos outros casos, o relator prossegue com o inquérito e, se for o caso, ele próprio o arquiva, à falta de indícios de autoria ou de prova de materialidade do fato.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). Em síntese, tem-se que, pela jurisprudência do STF, a Lei nº 8.038/1990, que disciplina a ação penal originária, aplica-se também ao inquérito judicial originário, já que este tem por fim a instauração de ação penal originária. E, consequentemente, ao Relator do inquérito judicial (ou originário) compete: i) “(...) dirigir o processo (…), devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações”; ii) “comandar as providências necessárias no curso do inquérito”; iii) apreciar requerimentos em geral, bem como “todos os incidentes suscetíveis de ocorrer no curso do Inquérito, que é judicial, e não inquérito policial.”, inclusive a respeito iv) do prosseguimento do inquérito, já que apenas nos casos em que o próprio Ministério Público requer o arquivamento do inquérito, é que o Relator “deve (…) submeter o caso ao Colegiado (…)”. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 22 É o que resulta do precedente do STF, da relatoria do eminente Ministro MENEZES DIREITO, ementado como segue: - “EMENTA Habeas corpus. Inquérito judicial. Superior Tribunal de Justiça. Investigado com prerrogativa de foro naquela Corte. Interpretação do art. 33, parágrafo único, da LOMAN. Trancamento. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes. 1. A remessa dos autos do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça deu-se por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição Federal (art. 105, inc. I, alínea "a"), em virtude da suposta participação do paciente, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos fatos investigados, não sendo necessária a deliberação prévia da Corte Especial daquele Superior Tribunal, cabendo ao Relator dirigir o inquérito. 2. Não há intromissão indevida do Ministério Público Federal, porque como titular da ação penal (art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal) a investigação dos fatos tidos como delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe participar das investigações. Com base nos indícios de autoria, e se comprovada a materialidade dos crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao órgão julgador. Por essa razão, também não há falar em sigilo das investigações relativamente ao autor de eventual ação penal. 3. Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afirmar que o inquérito transformou-se em procedimento da Polícia Federal, porquanto esta apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário. Os autos demonstram tratar-se de inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob o comando de Ministro daquela Corte Superior de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações. 4. Habeas corpus denegado.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). Portanto, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – que, em matéria constitucional, é incontrastável –, chega-se a duas conclusões: i) a competência para a direção, condução, supervisão e presidência de inquérito judicial originário, que investigue infrações supostamente cometidas por ocupantes de cargos com foro por prerrogativa de função, é do Relator, sorteado entre os membros do Tribunal competente para eventual ação originária; ii) esta competência se impõe “por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição”, que, na espécie, é aquela prevista no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, segundo o qual “Compete ao Tribunal de Justiça: (…) III - processar e julgar, originariamente: (…) c) nos crimes comuns, o Vice-Governador, os Deputados Estaduais e o Procurador-Geral da Justiça;”. A partir desta segunda conclusão, verifica-se que o inquérito judicial originário busca fundamento diretamente na própria “regra de competência originária, prevista na Constituição”, e é regida pela Lei nº 8.038/1990 – que disciplina a ação penal originária, HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 23 e, por isso mesmo, é aplicável também aos inquéritos originários –, tudo consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, extenuantemente analisada. Por isso, divirjo, com a máxima vênia, do voto-condutor do eminente Relator deste processo, também no ponto em que alegou ser duvidosa a constitucionalidade do inquérito judicial ou originário, em razão de supostamente não ter sido recepcionado, pela Constituição Federal de 1988, o art. 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN – Lei Complementar nº 35/1979), o qual, ao dispor sobre as “prerrogativas do magistrado”, preceitua que “quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.”. Antes de mais nada, e sempre com a mais respeitosa vênia, não cabe cogitar da inconstitucionalidade do inquérito judicial ou originário, diante dos contundentes precedentes anteriormente analisados, em que a matéria foi ampla e profundamente debatida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição da República, inclusive por meio do controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos editados pela União, como é a LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar nº 35/1979). Não se pode deixar de acentuar, inclusive, que, por observância ao precedente do Supremo Tribunal Federal, todas as Cortes de Justiça do país têm conduzido seus respectivos inquéritos judiciais originários, razão pela qual o próprio Juiz Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou o envio de cópia dos autos do inquérito não para alguma autoridade policial no Estado do Piauí, mas diretamente para este Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Ora, esse ato, que, aparentemente, denota a simples tramitação burocrática de um procedimento administrativo, decorre da necessidade de conferir-se efetividade às prerrogativas funcionais, dentre as quais se encontra o foro por prerrogativa de função, que a própria Constituição da República instituiu com vistas a garantir a independência e autonomia dos Poderes da República. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 24 Afinal, esta engenharia de controle das investigações das pessoas com prerrogativa de foro está, nas palavras do em. Min. GILMAR MENDES, “destinada a evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha – nada republicana, diga-se – perante [ou entre, acrescento] os vários juízos de primeiro grau”. (STF, Pet 3825 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP-00332 RTJ VOL-00204-01 PP-00200). Não é difícil imaginar toda a série de problemas que surgiriam caso se deixassem as investigações contra ocupantes de foro por prerrogativa de função à supervisão de órgãos jurisdicionais de primeira instância, o que certamente daria ensejo não apenas ao que o em. Min. GILMAR MENDES definiu como “uma tática de guerrilha (…) perante [ou entre] os vários juízos de primeiro grau”, mas também estaria em completo descompasso com a finalidade que a Constituição tutela, ao estabelecer a competência originária de órgãos jurisdicionais colegiados, para processar e julgar determinadas causas envolvendo ocupantes de posições funcionais de relevo, dentro da estrutura dos Poderes da República. Realmente, e sempre com a devida vênia, a tese da inconstitucionalidade do inquérito judicial originário não se dá conta de que, como acentua a jurisprudência do STF, “tal prerrogativa funcional serve para que os dirigentes das principais instituições públicas sejam julgados perante órgão colegiado – dotado de maior independência, pluralidade de visões e de inequívoca seriedade.” (STF, Pet 3825 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP-00332 RTJ VOL-00204-01 PP-00200). Enfim, a tese da inconstitucionalidade do inquérito judicial originário não encontra amparo, sob nenhum ângulo, no sistema de princípios e regras consagrados pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual jamais foi cogitada nos debates travados nos Tribunais Superiores. Nada obstante, além de tudo isso, a principal razão que impõe a refutação dessa alegação de inconstitucionalidade do inquérito judicial originário reside no HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 25 entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, assentado no precedente retrocitado, da relatoria do Min. MENEZES DIREITO, segundo o qual “a remessa dos autos do inquérito [judicial originário]” ao Tribunal competente para eventual ação penal originária se dá “(…) por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-112008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP00605). Ou seja, a existência de inquéritos judiciais originários, como uma exigência de efetividade das prerrogativas funcionais estabelecidas constitucionalmente, decorre do “estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). Em outras palavras, os inquéritos judiciais originários encontram base constitucional na mesma norma que prevê a competência originária de cada Tribunal, instituindo o foro por prerrogativa de função para determinadas autoridades. E quem o afirma é o próprio Supremo Tribunal Federal, com o seguinte raciocínio: “se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF.” (STF, Pet 3825 QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP-00332 RTJ VOL-00204-01 PP-00200). Ora, a Constituição do Estado do Piauí de 1989 estabelece, em seu art. 123, inc. III, alínea “c”, que “Compete ao Tribunal de Justiça: (…) III - processar e julgar, originariamente: (…) c) nos crimes comuns, o Vice-Governador, os Deputados Estaduais e o Procurador-Geral da Justiça;”. Sendo assim, na linha da jurisprudência do STF, e raciocinando segundo o HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 26 princípio da simetria ou do paralelismo constitucional, percebe-se que, como a Constituição do Estado do Piauí estabelece que os agentes políticos respondam, por crime comum, perante o Eg. TJ-PI (CE-PI, art. 123, inc. III, alínea “c”), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial dos respectivos inquéritos sejam retiradas do controle judicial desta alta Corte Estadual de Justiça, sobretudo no tocante à abertura de procedimento investigatório, intimação de investigados para interrogatório, intimação de testemunhas para prestarem depoimentos, ou outros atos congêneres. No caso dos autos, portanto, a base constitucional para o inquérito judicial originário a que se reporta o presente Habeas Corpus é o art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, que institui a competência originária deste TJ-PI para “processar e julgar, originariamente: (…) c) nos crimes comuns, (…) os Deputados Estaduais (…)”. Isto porque, ainda na linha da jurisprudência do STF, o inquérito judicial originário se impõe, na hipótese de investigação de Deputados Estaduais, “(…) por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605), a qual, no caso dos autos, está insculpida no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí. Desse modo, mesmo se o art. 33, parágrafo único, da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar nº 35/1979) não tivesse sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, como exemplificou, em seu voto, o em. Presidente deste Eg. Tribunal, isto não implicaria a inconstitucionalidade do inquérito judicial originário, porque o fundamento jurídico-positivo deste modelo de investigação criminal prescinde daquele dispositivo da LOMAN (art. 33, parágrafo único), o qual, aliás, não tem qualquer relação com o inquérito judicial originário instaurado para apurar infrações penais supostamente cometidas por parlamentares, cujas prerrogativas não são, à toda evidência, disciplinadas pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que veicula, em termos gerais, o estatuto dos magistrados, e não dos parlamentares. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 27 Por isso, no particular, não importa, ainda que exemplificativamente, se o art. 33, parágrafo único, da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar nº 35/1979) foi, ou não, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tanto porque aquele dispositivo não se refere mesmo a inquérito judicial originário em face de parlamentar, como porque a base jurídico-positiva deste modelo de investigação criminal se encontra no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, que, ao instituir a competência originária do TJ-PI para processamento e julgamento de Deputados Estaduais por crimes comuns, constitui o fundamento constitucional de validade para o inquérito judicial originário em face destes parlamentares, segundo a jurisprudência do STF, aplicada à espécie. Ademais, além de o inquérito judicial originário estar, segundo o próprio STF, assentado diretamente sobre norma constitucional estadual (CE-PI, art. 123, inc. III, alínea “c”), sendo completamente desnecessário, para a sua fundamentação, qualquer evocação ao art. 33, parágrafo único, da LOMAN – que, na verdade, sequer incide sobre o inquérito a que se refere o presente Habeas Corpus –, a tese de inconstitucionalidade do inquérito originário peca também por se sustentar sobre a afirmação de que aquele dispositivo da LOMAN não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o que é justamente o contrário daquilo que afirma o intérprete da Constituição. Naquele mesmo precedente da relatoria do saudoso Min. MENEZES DIREITO, nascido já na ordem constitucional vigente, porquanto o julgamento se deu em 2008, se discutia caso concreto sobre o qual incidia o art. 33, parágrafo único, da LOMAN, razão pela qual o em. Min. MARCO AURÉLIO MELLO, para afirmar que o inquérito judicial originário em face de magistrado constitui “formalidade essencial”, reconheceu que o “o parágrafo único do artigo 33 [da LOMAN] é imperativo”: - “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – (…) Acompanho também o relator. Trata-se, segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, já que o preceito do parágrafo único do artigo 33 é imperativo, de formalidade essencial.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal realmente aplicou o art. 33, HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 28 parágrafo único, da LOMAN, por se tratar, naquele caso, de inquérito instaurado para apuração de suposta infração penal cometida por magistrado, conferindo-lhe interpretação segundo a qual “o que ali se contém é a indicação de que(,) havendo indício de prática de crime por parte de Magistrado, desloca-se a competência ao Tribunal competente para julgar a causa(,) a fim de que prossiga a investigação. É, portanto, regra de competência.”. Inelutavelmente, conferida esta interpretação, pelo próprio órgão a quem incumbe, precipuamente, a última palavra sobre a ordem constitucional vigente, inclusive sobre a recepção de preceitos inseridos no sistema anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, fica evidenciado que o art. 33, parágrafo único, da LOMAN foi, sim, recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Nada verdade, o art. 33, parágrafo único, da LOMAN tanto foi recepcionado que é considerado como importante elemento normativo em uma série de decisões do intérprete da Constituição – o Supremo Tribunal Federal –, nas quais se decidiu a respeito das mais variadas matérias, como se vê em longa série de precedentes, oriundos de julgamentos ocorridos sob a ordem constitucional vigente: “EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELOS CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADO CONTRA MENOR DE QUATORZE ANOS (NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009), PECULATO, DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 33 DA LOMAN. INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES DE ATIPICIDADE DAS CONDUTAS E DE DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO QUANTO AO DELITO SEXUAL NA VIA DO HABEAS CORPUS. QUESTÕES CONTROVERTIDAS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. ORDEM DENEGADA. I – Tendo a denúncia sido oferecida com base em elementos colhidos em inquérito civil, que tinha como objetivo a propositura de ação civil por ato de improbidade contra o paciente, e não em inquérito penal conduzido pelo Ministério Público Estadual, não há falar em violação à regra do art. 33 da LOMAN. (…) IV – Ordem denegada. (STF, HC 103891, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 15/03/2011, DJe102 DIVULG 27-05-2011 PUBLIC 30-05-2011 EMENT VOL-02532-01 PP-00177)”. “EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, INVASÃO DE TERRAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL E INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA À COISA JULGADA. VIOLAÇÃO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 33 DA LOMAN. ILEGALIDADE E ABUSO DE PODER: NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. (…) 3. A inicial acusatória está embasada nas peças informativas diretamente fornecidas pela Superintendência Regional do Incra ao órgão ministerial público. Não ocorrência de afronta ao parágrafo único do art. 33 da HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 29 Lei Orgânica da Magistratura Nacional. 4. (…) 7. Ordem denegada. (STF, HC 98770, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-062 DIVULG 08-04-2010 PUBLIC 09-04-2010 EMENT VOL02396-01 PP-00245)”. “MAGISTRADO - PROCESSO ADMINISTRATIVO VERSUS ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ARTIGO 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. O que previsto no artigo 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não obstaculiza a atuação interna e externa do Ministério Público. Na primeira, mediante exame de dados que lhe tenham chegado às mãos e, na segunda, formalizando denúncia junto ao Tribunal competente, visando à persecução criminal. AÇÃO PENAL - TIPICIDADE - HABEAS CORPUS. O habeas não é meio próprio para apreciar-se a denúncia formalizada pelo Ministério Público. Óbice a esta última, via a impetração, pressupõe situação clara e precisa a afastar a persecução criminal.” (STF, HC 88280, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-02 PP-00333). - “EMENTA: I. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial: exceção atinente à magistratura (LOMAN, art. 33, parág. único): discussão que, no caso, recebida a denúncia por decisão definitiva, é desnecessário aprofundar, pois se irregularidades ocorreram no inquérito, não contaminaram a ação penal: prejuízo concreto não demonstrado. (…) 3. Exceção atinente à magistratura (LOMAN, art. 33, parág. único) que, no caso, não cabe aprofundar, dado que não contaminam a ação penal eventuais irregularidades ocorridas no inquérito se a denúncia foi recebida - por decisão definitiva, exaurindo-se, assim, a função informativa dele; ademais, sequer se insinua que a condenação fundou-se em qualquer elemento colhido exclusivamente no inquérito, ou que, para ampará-la, não houvesse provas suficientes e autônomas submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa, quando, aí sim, se poderia falar em prejuízo concreto, exigido para o reconhecimento de qualquer nulidade, ainda que absoluta. (…)” (STF, RHC 84903, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 16/11/2004, DJ 04-02-2005 PP-00027 EMENT VOL-02178-02 PP00267 RT v. 94, n. 835, 2005, p. 502-507 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 465-476). Portanto, o art. 33, parágrafo único, da LOMAN tem sido considerado como elemento normativo de relevo para a solução de uma série de casos, pelo STF, o qual, inclusive, já delimitou o conteúdo daquele dispositivo, ao afirmar que “o que ali se contém é a indicação de que(,) havendo indício de prática de crime por parte de Magistrado, desloca-se a competência ao Tribunal competente para julgar a causa(,) a fim de que prossiga a investigação. É, portanto, regra de competência.” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 2711-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP00605). Desse modo, art. 33, parágrafo único, da LOMAN foi, sim, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e, de qualquer modo, ainda que não fosse assim, isto não implicaria a inconstitucionalidade do inquérito judicial originário, o qual, segundo o HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 30 STF, busca fundamento jurídico-positivo diretamente no mesmo preceito constitucional que estabelece o foro por prerrogativa de função, isto é, a competência originária de determinado Tribunal para processar e julgar determinada autoridade, que, no caso dos autos, é o art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988. Daí poder-se afirmar, no caso destes autos, juntamente com o STF, que “a competência para dirigir o inquérito [judicial originário]” é do Relator do Tribunal competente para eventual ação penal originária, de modo que “ao Juiz [isto é, ao Relator] compete comandar as providências necessárias no curso do inquérito”, que, consequentemente, “tramita (…) sob o comando” do Relator, “ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). Por isso, para utilizar as palavras do em. Min. CEZAR PELUSO, “(...) o Relator é que detém competência para dar prosseguimento ao inquérito”. Este dado, de que “(...) o Relator é que detém competência para dar prosseguimento ao inquérito [judicial originário]” somado ao fato de que “o inquérito é um procedimento de índole eminentemente administrativa”, que “rege-se pelas regras do ato administrativo em geral.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 89, nº 3.1), impõe que se conclua, juntamente com o Supremo Tribunal Federal, que a autoridade policial, em inquérito judicial originário, “apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-112008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP-00605). III. A DELEGAÇÃO NO INQUÉRITO JUDICIAL ORIGINÁRIO Quer dizer, como “o inquérito é um procedimento de índole eminentemente administrativa”, que “rege-se pelas regras do ato administrativo em geral.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 89, nº 3.1), comporta a prática do ato de delegação, instituto composto pelas “regras do ato HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 31 administrativo em geral”, e que a doutrina conceitua como sendo a “transferência temporária de competência administrativa de seu titular a outro órgão ou agente público[,] subordinado à autoridade delegante (delegação vertical)[,] ou fora da linha hierárquica (delegação horizontal).” (ALEXANDRE MAZZA, Manual de Direito Administrativo, 2011, p. 248, nº 5.5.1 – destaques gráficos em negrito como no original). Com efeito, como ensina MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, trata-se de um “instrumento de descentralização administrativa”, que serve ao propósito “de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a entender” (Da competência constitucional administrativa, 1995, p. 61, nº 5). Em boa síntese, pode-se dizer, com REINALDO COUTO, que “a delegação consiste na atribuição de competência própria a outro órgão ou agente público.” (REINALDO COUTO, Curso de Direito Administrativo segundo a jurisprudência do STJ e do STF, 2011, p. 128, nº 16.3). Assim, ciente de que o caráter eminentemente administrativo do inquérito possibilita a prática do ato de delegação, no desenrolar do procedimento investigatório, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, após assentar que “(...) o Relator é que detém competência para dar prosseguimento ao inquérito [judicial originário]”, esclareceu que esta competência do Relator pode ser delegada à autoridade policial, a qual, consequentemente, segundo o STF, “apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL00208-02 PP-00605). Daí falar-se que, nos casos de inquérito judicial originário, a polícia age por delegação do Relator, que é quem, segundo o STF, “(...) detém competência para dar prosseguimento ao inquérito [judicial originário]” e, por isso, preside o inquérito no Tribunal. Daí porque quaisquer precedentes sobre conflito de atribuições, em que não se trate de inquérito judicial originário, não se aplicam ao caso, porque a ratio decidendi de tais decisões não envolvem delegação de competência a órgão policiais, mas se discute, como é óbvio, qual a polícia competente para presidir este ou aquele inquérito, diverso do judicial originário. Em outras palavras, o fato de o inquérito dever ser HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 32 conduzido no Tribunal originariamente competente, por um Relator, atua como elemento que diferencia o caso em julgamento de outros precedentes sobre conflito de atribuições, os quais, por discutirem casos diversos, não se aplicam à espécie. E isto é decisivo porque, afinal, na delegação administrativa, a relação se estabelece entre o delegante e o delegado e os requisitos para sua constituição são outros. Sendo assim, a legalidade do ato de intimação dos Pacientes, praticado pelo Delegado de Polícia Federal, que é impugnado pela via do presente Habeas Corpus, deve ser aferida pela verificação do cumprimento dos requisitos de validade do ato administrativo de delegação, os quais, diante da ausência de normatização específica no âmbito estadual, devem ser construídos a partir da Lei nº 9.784/1999, que, ao regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, fornece, em seus arts. 12, 13 e 14, todos os elementos necessários à integração da lacuna normativa: - “Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes. Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial. § 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. § 2o O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante. § 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.”. Na espécie, houve a prática do ato de delegação, no bojo do inquérito judicial originário a que se refere o presente Habeas Corpus, pelo em. Desembargador-Relator, que então era o ilustre Des. HAROLDO OLIVEIRA REHEM, o qual delegou parcialmente à Polícia Federal competência para a prática de atos investigativos, por meio de ato formal, HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 33 que se encontra às fls. 306/308 – vol. I, dos autos do inquérito, cuja cópia repousa às fls. 277/279 – vol. I destes autos de Habeas Corpus. Sobre tal ato é que deve recair a verificação da presença dos requisitos de validade do ato administrativo de delegação. O primeiro destes requisitos legais exige que o próprio ato de delegação já contenha sua delimitação material, finalística, temporal e de recorribilidade, consoante o preceito do art. 14, § 1º, da Lei nº 9.784/1999, o qual determina que “o ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada”. Neste sentido, a doutrina de REINALDO COUTO e de ALEXANDRE MAZZA: “A delegação (…) deverá especificar as matérias e poderes transferidos, os limites de atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.” (REINALDO COUTO, Curso de Direito Administrativo segundo a jurisprudência do STJ e do STF, 2011, pp. 128 e 129, nº 16.3). “O ato de delegação obrigatoriamente especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.” (ALEXANDRE MAZZA, Manual de Direito Administrativo, 2011, p. 248, nº 5.5.1). Este requisito foi observado pelo ato de delegação, pois este foi expresso ao “manter as atribuições investigativas da Polícia Federal, (…) para a realização das diligências que entender pertinentes” (fls. 277 e 279 – vol. I, destes autos de Habeas Corpus), com o que se depreende com facilidade que o objeto da delegação é constituído pelo poder para a prática da generalidade dos atos de investigação e apuração de ilícitos penais e sua autoria, pelo que restaram delimitadas i) as matérias transferidas, que são todas aquelas relativas aos indícios de infrações penais, inicialmente identificados pelo COAF – Conselho de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda, ii) os poderes e os limites de atuação do delegado, que correspondem ao poder “para a realização das diligências que [o delegado, isto é, a Polícia Federal] entender pertinentes” (fls. 279 – vol. I, destes autos de Habeas Corpus), limitados, naturalmente, àqueles aptos a contribuir para a coleta de elementos de informação que possam vir a ser reputados úteis à formação da opinio delicti, por parte do titular da ação penal; iii) os objetivos da delegação, que, obviamente, são a apuração da ocorrência do suposto delito e de sua autoria. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 34 Ademais, consta também do ato de delegação, praticado pelo em. Desembargador-Relator, no inquérito judicial originário a que se refere o presente Habeas Corpus, a delimitação da duração da delegação, à qual foi estipulado um prazo de 40 (quarenta dias), nos termos seguintes: - “Diante do exposto, defiro integralmente o pedido formulado pelo Ministério Público Estadual (fls. 301/302), para manter as atribuições investigativas da Polícia Federal, concedendo-lhe o prazo de 40 (quarenta) dias para a realização das diligência que entender pertinentes.” (fls. 279 – vol. I, destes autos de Habeas Corpus). Além disto, como já relatado anteriormente, o transcurso deste prazo foi suspenso pelo Desembargador-Relator, no exercício de sua autoridade delegante, como se depreende do provimento jurisdicional de fls. 37 – vol. I, destes autos: “Em razão da necessidade de análise do pedido incidental [trancamento do inquérito quanto ao Deputado Estadual KLEBER DANTAS EULÁLIO], suspendo o transcurso do prazo de 90 (noventa) dias concedido à Polícia Federal para continuar a atividade investigativa, sem prejuízo dos atos reputados urgentes e/ou necessários para a instrução do Inquérito. “Cumpra-se. “Teresina, 10 de junho de 2011. “Des. Haroldo Oliveira Rehem “Relator” (fls. 37 – vol. I). Quanto à recorribilidade do ato de delegação, o em. DesembargadorRelator, na qualidade de delegante, também fixou, após farta e substanciosa motivação, a impossibilidade de interposição de recurso contra os atos praticados em decorrência da delegação, e contra o próprio ato de delegação em si, o que fez ao decidir pelo não conhecimento de uma série de agravos regimentais que já haviam sido interpostos, como se vê às fls. 1.208 dos autos do inquérito judicial originário a que se refere este Habeas Corpus: - “DIANTE DO EXPOSTO, com fundamento no art. 91, VI, do RITJ/PI c/c o art. 38, da Lei nº 8.038/90 e o art. 557, caput, do Código de Processo Civil, este último aplicado analógica e subsidiariamente, conforme art. 3º, do Digesto Processual Penal, NÃO CONHEÇO dos 'Agravos Regimentais' interpostos pelas partes investigadas (fls. 808/832 e 919/951), eis que manifestamente incabíveis, seja por ausência de previsão legal ou regimental, seja pela impossibilidade de a parte investigada, em sede de inquérito policial (fase pré-processual), interpor recurso. No que tange aos pedidos de reconsideração dos despachos recorridos, julgo prejudicado, pela superveniente perda do objeto, o formulado às fls. 808, e, improcedente, o pedido de reconsideração formulado às fls. 919.” (fls. 1.208 dos autos do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7 – destaques gráficos HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 35 em negrito como no original). Ademais, atento ao fato de que o ato de delegação pode “conter ressalva de exercício da atribuição delegada” (Lei nº 9.784/1999, art. 14, § 1º, parte final), o em. Desembargador-Relator deixou também expresso no ato de delegação a ressalva de que “a manutenção das atribuições investigativas da Polícia Federal no caso em concreto, não significa impedir o trabalho da Polícia Civil, uma vez que esta poderá, caso solicitado, cooperar com a prática de atividades de sua competência, desde que sejam essenciais para a formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação.” (fls. 307 do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7, com cópia às fls. 278 – vol. I, destes autos de Habeas Corpus). Outro requisito de validade do ato de delegação consiste em sua publicação em órgão oficial, como se extrai do art. 14, caput, da Lei nº 9.784/1999, segundo o qual “o ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.”. Diante deste dispositivo, que não apresenta maiores dificuldades de interpretação, REINALDO COUTO limita-se a observar que “a delegação (…) deverá ser publicada no meio oficial de divulgação dos atos administrativos” (REINALDO COUTO, Curso de Direito Administrativo segundo a jurisprudência do STJ e do STF, 2011, p. 128, nº 16.3). Esta regra, que constitui especificação não apenas do princípio constitucional da publicidade administrativa (art. 37, caput, CF), como também do direito fundamental à informação (art. 5º, inc. XXIII, CF), à toda evidência, comporta exceção nas hipóteses em que o sigilo for , nos termos da Constituição da República, “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”, verbis: - “ XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”. Na espécie, a tutela dos interesses públicos de preservação das atividades investigatórias, e de proteção dos direitos à imagem, à honra e à intimidade dos investigados impuseram que a regra de publicação do ato de delegação fosse excepcionada, razão pela qual não há como se apontar o descumprimento deste requisito de validade, que, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto, foi HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 36 afastado pela incidência de uma exceção estatuída no art. 20 do Código de Processo Penal, o qual, ao disciplinar o inquérito, preceitua que “a autoridade assegurará(,) no inquérito(,) o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”. No caso destes autos, ninguém nega que “os indiciados, os fatos apurados e a conjuntura social”, que, nas palavras do Min. GILMAR MENDES, “são variantes determinantes da sigilação necessária” (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO E PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 503, nº 2.2.5), recomendam uma publicidade bastante limitada para o inquérito judicial originário a que se refere este Habeas Corpus, não apenas para que as investigações encontrem condições de se desenvolver, como também para que os investigados, que ostentam condição de inocentes, não tenham sua imagem, honra e vida privada devastadas por meras especulações. Os demais requisitos de validade do ato de delegação constituem requisitos negativos, que vedam a delegação de determinadas competências, e estão previstas no art. 13 da Lei nº 9.784/1999, verbis: - “Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.”. Estas hipóteses em que a delegação é vedada são comentadas pela doutrina de Reinaldo Couto e de ALEXANDRE MAZZA: “Três tipos de atos não podem ser objeto de delegação: (i) a edição de atos de caráter normativo; (ii) a decisão de recursos administrativos; e (iii) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.” (REINALDO COUTO, Curso de Direito Administrativo segundo a jurisprudência do STJ e do STF, 2011, pp. 128 e 129, nº 16.3). “Por fim, cabe destacar que a regra é a delegabilidade da competência. Porém, a própria legislação assevera que três competências administrativas são indelegáveis: a) a edição de ato de caráter normativo: isso porque os atos normativos inerentes às funções de comando dos órgãos públicos baixam regras gerais válidas para todo o quadro de agentes. Sua natureza é incompatível com a possibilidade de delegação; b) a decisão em recursos administrativos: a impossibilidade de delegação nessa HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 37 hipótese, é justificada para preservar a garantia do duplo grau, impedindo que a mesma autoridade que praticou a decisão recorrida receba, por delegação, a competência para analisar o recurso; c) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade: são casos em que a própria natureza da matéria recomenda o exercício da competência somente pelo órgão habilitado diretamente pela legislação.” (ALEXANDRE MAZZA, Manual de Direito Administrativo, 2011, p. 249, nº 5.5.1). Na espécie, porém, o ato de delegação teve por objeto o poder para a prática da generalidade dos atos de investigação e apuração de ilícitos penais e sua autoria, razão pela qual não há nenhum impedimento à delegação, i) porque esta matéria não está incluída no rol anteriormente referido; ii) porque, consoante a doutrina, “a regra é a delegabilidade da competência” (ALEXANDRE MAZZA, Manual de Direito Administrativo, 2011, pp. 248 e 249, nº 5.5.1), o que decorre do disposto no art. 12 da Lei nº 9.784/1999, pelo qual o “órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares”; iii) porque a delegação em inquérito judicial originário é aceita pelo próprio Supremo Tribunal Federal, como se pôde verificar nos precedentes anteriormente analisados (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL00208-02 PP-00605). Por tudo isso, como o ato de delegação, praticado no caso dos autos, não se enquadra em nenhuma vedação legal, como a regra é a delegabilidade, e como a possibilidade de delegação em inquérito judicial originário já foi afirmada pelo STF, não resta dúvida quanto à sua regularidade. Existe ainda outra exigência legal, que não constitui propriamente um requisito de validade do ato de delegação, mas, antes, um requisito de validade das “decisões adotadas por delegação”, as quais, na linha do disposto no art. 14, § 3º, da Lei nº 9.784/1999, “devem mencionar explicitamente esta qualidade (…)”. Daí a doutrina de ALEXANDRE MAZZA registrar que “os atos expedidos nessa condição [isto é, no exercício de competência delegada] deverão indicar que foram praticados em decorrência de delegação” (Manual de Direito Administrativo, 2011, p. 249, nº 5.5.1). No caso dos autos, a autoridade delegada, ao adotar a decisão de interrogar os investigados e colher depoimentos de testemunhas, mencionou explicitamente que tal HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 38 decisão decorria de delegação do em. Desembargador-Relator do respectivo inquérito judicial originário, como consta do Ofício nº 3.345/2011, subscrito pelo Delegado de Polícia Federal, que figura como autoridade coatora no presente Habeas Corpus: “Ofício nº 3345/2011 – RE 0003/2011-4 – SR/DPF/ PI (…) Assunto: apresentação de servidores para prestar esclarecimentos no interesse de investigação em curso – novo agendamento de oitivas de parlamentares – envio de cópias de atos normativos da ALE/PI e outros documentos; (…) Considerando os argumentos apontados no ofício em referência, fica a apresentação dos servidores responsáveis pela Diretoria de Pessoa(l) e Financeira da ALE/PI reagendada para o próximo dia 20/06/2011, respectivamente às 9h e 10h:30min. Esclareço que o diretor de pessoal deverá ser ouvido na condição de testemunha. Em relação a representação subscrita pelos nobres advogados Wilian Guimarães e Raimundo de Araújo, protocolada nesta RS/DPF/PI em 15/06/2011, calha registrar que, também no dia 15/06/2011, aportou nesta unidade a decisão da lavra do excelentíssimo Desembargador Relator Haroldo Oliveira Rehem, através da qual fica afastada a hipótese de constrangimento ilegal em relação ao chamamento para prestação de esclarecimentos (decisão em anexo).” (fls. 42 – vol. I, dos autos de Habeas Corpus). A partir deste excerto, percebe-se que o Delegado de Polícia Federal, como delegatário “e sob as ordens do Poder Judiciário” (STF, HC 94278, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-227 DIVULG 27-112008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00276 RTJ VOL-00208-02 PP00605), reagendou a oitiva de investigados e testemunhas – dentre os quais se encontra o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, como Diretor Financeiro da ALEPI, mas não se encontra o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY – sem deixar de “mencionar explicitamente” que aquela decisão decorria de delegação do em. Desembargador-Relator do respectivo inquérito judicial originário, como exige o art. 14, § 3º, da Lei nº 9.784/1999. Enfim, sob todos os ângulos, o ato pelo qual o em. Desembargador-Relator delegou atos de investigação à Polícia Federal se encontra em perfeita consonância com os critérios jurídico-administrativos que, embora não estejam expressos em legislação estadual, a qual é omissa a respeito, derivam da Lei nº 9.784/1999, que, ao regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, fornece, em seus arts. 12, 13 e 14, todos os elementos necessários à integração da lacuna normativa. Nada obstante, resta salientar que referido ato de delegação é caracterizado HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 39 como discricionário, porquanto o art. 12, caput, da Lei nº 9.784/1999, condiciona a delegação a juízo de conveniência, a ser formulado a partir das “circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.”, verbis: “Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Diante desta norma, percebe-se que, de um lado, mesmo se tratando a delegação de ato discricionário, porquanto condicionado a juízo de conveniência, nos termos do art. 12, caput, da Lei nº 9.784/1999, tal delegação não está inteiramente afastada do controle jurisdicional. Isto porque, segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, diante de ato discricionário, “o juiz poderá (…) verificar, em exame de razoabilidade, se o comportamento administrativamente adotado, inobstante contido dentro das possibilidades em abstrato abertas pela lei, revelou-se, in concreto, respeitoso das circunstâncias do caso e deferente para com a finalidade da norma aplicada.”, ao final do que “(…) o judiciário poderá concluir, em despeito de estar em pauta providência tomada com apoio em regra outorgadora de discrição, que, naquele caso específico submetido a seu crivo, à toda evidência a providência tomada era incabível, dadas as circunstâncias presentes e a finalidade que animava a lei invocada.” (Curso de Direito Administrativo, 2006, pp. 907 e 908). Aí está o fundamento pelo qual, quanto à delegação, especificamente, SÉRGIO FERRAZ E ADILSON ABREU DALLARI observam que “como matéria submissa aos ditames do dever de melhor administrar, que é, a delegação (…) está sujeita a controles (inclusive jurisdicionais [...])” (Processo Administrativo, 2001, p. 113, nº 11.1). De outro lado, porém, também não se pode pretender negar a existência de atos a serem praticados no exercício de competência ensejadora de certa discricionariedade, pois há hipóteses em que nem mesmo as especificidades do caso concreto podem iluminar a interpretação do enunciado normativo vago ou impreciso, a ponto de eliminar a existência de múltiplas interpretações alternativas. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 40 Assim, embora os atos discricionários não escapem ao controle jurisdicional de razoabilidade e proporcionalidade, isto não significa a integral supressão do mérito administrativo, que é conceituado pela abalizada doutrina de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO como o “campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada.” (Discricionariedade e controle jurisdicional, 2010, p. 38). Diante destas considerações, tem-se que, na espécie, a ato de delegação foi praticado pelo em. Desembargador-Relator do inquérito judicial originário, em favor da Polícia Federal, por ter aquela autoridade delegante verificado, diante das peculiaridades do caso, a presença de uma série de circunstâncias de índole predominantemente técnica e jurídica, a exigirem aquela delegação de atribuições investigativas, tudo consoante o art. 12, caput, da Lei nº 9.784/1999. Ora, este Eg. Tribunal Pleno foi provocado, através da presente impetração, a se manifestar sobre a legalidade da intimação feita aos Pacientes. Como este ato, impugnado pelo presente Habeas Corpus, decorreu de delegação, praticada pelo em. Desembargador-Relator do inquérito, em favor da Polícia Federal, então caberá a esta Eg. Corte de Justiça, relativamente a esta delegação, emitir tão somente juízo de razoabilidade e proporcionalidade, sem pretender usurpar a competência para a formulação de juízo de mérito, uma vez que a conveniência e oportunidade do ato de delegação fica a cargo da autoridade competente para presidir o inquérito, que, segundo a jurisprudência do STF e do STJ, é o em. Desembargador-Relator, como já se demonstrou extenuantemente em várias passagens deste voto, e do anterior. E, na espécie, o juízo de razoabilidade e proporcionalidade do ato de delegação, praticado pelo em. Desembargador-Relator do inquérito, em favor da Polícia Federal, não pode ser reprovativo. Como já é cediço em doutrina, a regra da proporcionalidade impõe três HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 41 exames, a serem levados a cabo segundo uma “ordem pré-definida”: i) adequação; ii) necessidade; iii) proporcionalidade em sentido estrito (VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, O proporcional e o razoável, em RT nº 798, p. 30). Na espécie, para submeter o ato de delegação ao exame de adequação, é preciso verificar se tal delegação constitui um meio apto a fomentar as finalidades que tem por escopo. No caso dos autos, não há negar que a delegação de atribuições investigativas à Polícia Federal constitui, sim, um meio apto a fomentar a finalidade que tem em vista, a saber – a mais eficiente apuração quanto à ocorrência das supostas infrações penais, e de sua autoria. Mais do que isso, ao submeter-se o ato de delegação ao exame da necessidade, verifica-se que se trata de ato necessário, porque a realização do seu objetivo, que é a eficiente elucidação dos supostos crimes, não pode ser promovida, com a mesma intensidade, por nenhum outro ato substitutivo. E, finalmente, submetido o ato de delegação ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, percebe-se que, em um sopesamento, o interesse público na apuração das supostas infrações penais sobrepuja quaisquer alegações que remetam à uma suposta rigidez na divisão das atribuições de cada órgão policial. Tudo porque, tal qual apontado pelo ilustre Des. HAROLDO OLIVEIRA REHEM, quando da manutenção das atribuições investigativas da Polícia Federal – o que consistiu em induvidoso ato de delegação –, as circunstâncias deste caso, sobretudo as de índole técnica e jurídica, impõem a participação da Polícia Federal, assim como da Polícia Civil, a fim de que a atuação de uma possa complementar a da outra, num exercício de cooperação, por meio do qual i) cada órgão policial desempenha aquelas diligências e atividades investigativas para as quais esteja melhor preparado e aparatado; e em que ii) as deficiências de um órgão policial possam ser supridas pelos trunfos do outro, seja do ponto de vista dos recursos materiais (principalmente aqueles atinentes à infra-estrutura para serviços de inteligência), seja sob a perspectiva dos recursos humanos. A primeira destas circunstâncias que impõem a delegação de atribuições HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 42 investigativas à Polícia Federal – como medida adequada, necessária e proporcional, em vista do objetivo de promover a mais eficiente apuração quanto à ocorrência das supostas infrações penais, e de sua autoria –, encontra-se no art. 23, inc. I, da Constituição da República, segundo o qual “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; (…)”. Como adverte FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA, este dispositivo constitucional, ao elencar a “competência comum” a todas as pessoas políticas componentes da federação brasileira, empregou o termo “comum”, neste ponto, com “o mesmo sentido de 'concorrente'”, preceituando que haja “uma concorrência de atuação nas matérias que o dispositivos arrola” (FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, 2000, p. 129, nº 8.1.1), o que, na robusta lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, “significa que a prestação do serviço por uma entidade não exclui igual competência de outra – até porque aqui se está no campo da competênciadever, porque se trata de cumprir a função pública de prestação de serviços à população.” (Comentário Contextual à Constituição, 2008, p. 273, nº 1). Ainda na lição da doutrina especializa, “o que o constituinte deseja é exatamente que os Poderes Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e objetivos enunciados”, razão pela qual “o concurso de todos os Poderes [e de todas as entidades da federação] é reclamado em função do interesse público existente na preservação de certos bens (alguns particularmente ameaçados) e no cumprimento de certas metas de alcance social, a demandar a soma de esforços.” (FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, 2000, p. 130, nº 8.1.1). Tal soma de esforços, na perspicaz observação de PAULO LUIZ NETO LOBO, se justifica porque “na competência comum, ocorre uma descentralização de encargos em matérias de grande relevância social, que não podem ser prejudicadas por questões de limites e espaços de competência.” (apud FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, 2000, p. 130, nº 8.1.1). Neste ponto, o que importa ressaltar, e que não pode, absolutamente, ser ignorado no julgamento deste Habeas Corpus, é que a Constituição da República, no HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 43 seu art. 23, “(...) impõe a cooperação entre os entes para a realização desses objetivos comuns”, entre os quais se inclui a conservação do patrimônio público (art. 23, inc. I, CF), “com a óbvia finalidade de evitar choques e dispersão de recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios.” (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 819, nº 10.4). No caso dos autos, esta matéria de grande relevância social, que não pode ser prejudicada por questões de limites e espaços de atribuições, consiste na conservação do patrimônio público, que deve ser protegido não apenas pelo Estado, mas por todos os entes da federação, na medida da contribuição que puderem dar, ainda que apenas pela apuração de supostas condutas perpetradas contra este bem jurídico, a fim de que sobrevenha punição aos responsáveis, e a pena cumpra suas funções, inclusive a repressiva. E para a consecução desta meta, o art. 23, inc. I, da CF, consoante a coerente doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA, impõe a “todas as entidades, todos os órgãos do Poder Público (…) o dever de defender a Constituição, as leis, as instituições democráticas e conservar o patrimônio público, simplesmente porque todas as entidades públicas(,) como todas as autoridades públicas têm o dever de atuar de acordo com os princípios – entre si interpenetrantes – da constitucionalidade, da legalidade, democráticos e do respeito aos bens públicos.” (Comentário Contextual à Constituição, 2008, p. 273, nº 2). Enfim, para ser fiel ao texto constitucional, é possível dizer que todas as pessoas políticas da federação estão, por imposição de norma de direito positivo do máximo grau hierárquico, igualmente incumbidas da conservação do patrimônio público, o qual, na consistente obra de FERNANDO RODRIGUES MARTINS, é conceituado como o “conjunto de bens e direito (…) tanto pertencente aos órgãos estatais como à coletividade (…)” (Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 43). Ou ainda, de maneira mais completa, na senda do art. 1º, § 1º, da Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), “consideram-se patrimônio público, para os fins referidos HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 44 neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico” - e arremata aquele doutrinador – “logicamente pertencentes às entidades mencionadas no caput do mesmo dispositivo (União, Distrito Federal, Estados, Municípios e respectivos órgãos da administração indireta).” (FERNANDO RODRIGUES MARTINS, Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 43). Pois a conservação deste patrimônio público, que é competência comum a todos os entes da Federação brasileira, deve ser exercida pelos órgãos integrantes do sistema nacional de segurança pública, que têm por finalidade “a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, como está no art. 144 da Constituição da República. Como todos sabem, as polícias estão organizadas constitucionalmente em sistema, ao qual o Des. ÁLVARO LAZZARINI, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, denomina sistema policial, que, numa perspectiva mais ampla, seria, ainda no pensamento dele, “um subsistema policial”, que se colocaria, por sua vez, dentro de “um sistema criminal”: - “(...) há um sistema criminal e um subsistema policial (…)” (O papel da investigação e do sistema de prevenção do crime, RT nº 702/292). O sistema criminal, dentro do qual se situaria o subsistema policial, ainda nas palavras do citado desembargador paulista, compreenderia, na sua amplitude, “a Polícia, Federal ou Estadual, o Ministério Público, Federal ou Estadual, dentre outros órgãos que ele enumera: “(...) o sistema criminal compreende a legislação penal e processual penal, a cargo do Poder Legislativo da União, a Polícia, Federal ou Estadual, o Ministério Público, Federal ou Estadual, os Advogados Criminais, o Setor Penitenciário, Federal ou Estadual, e o próprio Poder Judiciário, Federal ou Estadual, ou a sua Justiça Criminal (…).” (art. cit., em RT nº 702/292). De minha parte, prefiro falar em sistema da segurança pública, como está expresso no art. 158 da Constituição Estadual do Piauí, ao estabelecer “a segurança pública, organizada sob a forma de sistema (…).”. É claro que a organização da segurança pública, em forma de sistema, não é HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 45 uma particularidade do sistema de segurança estadual, mas é, antes de tudo, um modelo constitucional de organização e de funcionamento dos órgãos da segurança pública nacional, nos seus três níveis – federal, estadual, distrital e local. Assim, o sistema nacional de segurança pública, de natureza constitucional, está consagrado explicitamente no art. 144, incs. I a V, da CF, ao estabelecer, textualmente, que “a segurança pública, (…) responsabilidade de todos, é exercida para a preservação (…) da incolumidade (…) do patrimônio [inclusive o patrimônio público]”, através dos órgãos da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares: - “CAPÍTULO III DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. Na relação dos órgãos encarregados da segurança pública nacional estão, lado a lado, órgãos federais, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal; e órgãos estaduais ou distritais, como as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares. Todos eles exercem a segurança pública, nas diferentes circunscrições do território nacional, com a mesma finalidade, ou seja, “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”: - “CAPÍTULO III DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. E assim o fazem, como órgãos da segurança pública nacional, dentro do HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 46 objetivo maior da defesa do Estado e das instituições democráticas, como se lê no Título V, da Constituição Federal, no âmbito do qual está encartado o Capítulo III – Da Segurança Pública, onde se situa o citado art. 144, incs. I a V, da Constituição da República. Isso significa dizer que, ao lado das Forças Armadas (Capítulo II, do Título V, da Constituição Federal), a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, ao exercerem as atividades de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, caput, CF), estão realizando, na verdade, o objetivo constitucional “da defesa do Estado e das instituições democráticas”, como se lê no Título da Constituição Federal dentro do qual está inserida a disciplina de suas atividades constitucionais comuns. Não há dúvida, portanto, de que a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, por encontrarem sentido institucional numa mesma teleologia constitucional, estão organizados em sistema, e, assim, formam o sistema de segurança nacional, ou, pura e simplesmente, o sistema policial, cuja unidade se assenta sobre o objetivo comum de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, caput, CF), o qual, por sua vez, aponta para a macrofinalidade constitucional de “defesa do Estado e das instituições democráticas” (Título V, CF). A própria legislação infraconstitucional reflete a estruturação em sistema dessas polícias, como o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004, que, dentro do programa de cooperação federativa, cria a Força Nacional de Segurança Pública; a Lei nº 11.530, de 24 de outubro de 2007, que instituiu o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, e o Decreto nº 7.413, de 30 de dezembro de 2010, que dispõe sobre a estrutura, composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Pública – CONASP. Nesse contexto organizacional, o sistema policial, ou o sistema de segurança, como se queira chamar, constitui-se, na forma do art. 144, § 7º, da CF, para garantir a eficiência das atividades dos órgãos policiais, razão pela qual o sistema perpassa não HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 47 somente a organização, como, também, o funcionamento de cada uma dessas polícias, sejam federais, ou estaduais, civil, ou militares: - “§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.”. A primeira dessas consequências é a cooperação, dentro do sistema policial, para o exercício de suas atividades relativas à “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, caput, CF), que é estimulada, aliás, no plano infraconstitucional, pela Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002. Nada obstante, independentemente da disciplina infraconstitucional, a cooperação que deve presidir a organização e o funcionamento dos órgãos integrantes do sistema nacional de segurança pública é imposição que decorre dos próprios influxos normativo-constitucionais promanados do § 7º, do art. 144 da Constituição da República, que contém verdadeiro mandamento de eficiência das atividades deste sistema, cujos elementos têm de atuar de maneira conjunta, coordenada e colaborativa, com esforços polarizados pelo propósito de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, caput, CF). Pois um dos mecanismos predispostos a viabilizar a consecução eficiente deste desiderato veio previsto na própria Constituição Federal, que, ao confiar à Polícia Federal um papel de coordenação, dentro do subsistema policial, criou o instituto da repressão uniforme, outorgando à Polícia Federal a atribuição de “apurar (…) infrações cuja prática tenha repercussão interestadual (…) e exija repressão uniforme (…)”, como está no art. 144, § 1º, inc. I, da CF/88, verbis: - “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 48 empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;”. Este instituto da repressão uniforme veio a ser disciplinado, consoante o mandamento constitucional (CF, art. 144, § 1º, inc. I, parte final), pela Lei nº 10.446/2002, que estatuiu um rol meramente exemplificativo das infrações merecedoras de repressão uniforme, em seu art. 1º, verbis: o - “Art. 1 Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça. Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Perceba-se que o legislador fez questão de realçar que a Polícia Federal poderá atuar na repressão uniforme aos crimes que a exigirem, “sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados”. Ademais, o mesmo art. 1º da Lei nº 10.446/2002, ao listar algumas infrações em relação as quais a Polícia Federal “poderá (…) proceder à investigação”, lançou mão de um rol meramente exemplificativo (numerus apertus), o que fica evidenciado no trecho em que a lei dispõe que “poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça (…) proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: (…)”. Esta previsão normativa que abre a possibilidade de atuação na Polícia HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 49 Federal, conjuntamente com os demais órgãos do subsistema policial, dotados de igual dignidade constitucional, revela que a própria Constituição e a legislação infraconstitucional valorizam e procuram viabilizar a atuação cooperativa do sistema nacional de segurança pública, em tantos casos quanto necessário ao bom exercício das competências comuns, inclusive a de conservação do patrimônio público (CF, art. 23, inc. I), por meio de uma repressão uniforme, que, nas palavras de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “significa a atuação estatal contra o crime, realizada de modo harmônico e coerente, sem disputas e conflitos, obtendo-se e concentrando-se as informações possíveis para o mais rápido e efetivo deslinde do caso.” (Lei Penais e Processuais Penais Comentadas, 2010, p. 118, nº 3). O que significa dizer, à luz da lei e da doutrina, que, como a polícia – considerada constitucionalmente – é organizada, funciona e atua como sistema de segurança, todos os órgãos que o compõem têm que trabalhar de modo harmônico, coerente, sem disputas, nem conflitos. Como se vê, a compreensão do modelo cooperativo de atuação policial não se apresenta apenas como imposição de eficiência na organização e no funcionamento do sistema nacional de segurança pública, mas decorre mesmo da noção simples, ínsita ao art. 23, inc. I, da Constituição Federal, de que, estando a conservação do patrimônio público inserida entre as competências comuns a todas as pessoas políticas, nenhuma destas entidades da federação pode quedar inerte diante de agressões perpetradas contra o patrimônio público, às quais todo o Estado Federal, como unidade, deve responder de maneira articulada, dinâmica e contundente, e não complacentemente, ou com uma atuação atabalhoada, marcada por uma rivalidade sem sentido, que apenas prejudica a persecução do interesse público, e culmina com a impunidade. Por isso, a doutrina observa que “o rápido e efetivo deslinde do caso (…) é muito difícil de se concretizar caso a Polícia Civil de um Estado entre em disputa com a de outro Estado brasileiro, bem como se rivalizarem as Polícias Civil e Militar, ou mesmo quando a Polícia Civil disputar espaço com a Federal.” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Lei Penais e Processuais Penais Comentadas, 2010, p. 118, nº 3). HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 50 Uma outra consequência advinda da organização e do funcionamento dos órgãos policiais em sistema consiste em que, como lembra o Des. ÁLVARO LAZZARINI, “toda e qualquer atividade policial, independentemente do órgão público que a exerça, sempre será atividade administrativa, será atividade de Administração Pública.”: - “Lembro, na oportunidade, que toda e qualquer atividade policial independente do órgão público que a exerça, seja de qualquer dos Poderes do Estado, isto é, do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, sempre será atividade de Administração Pública, pois o Poder de Polícia que é exercido e dá o amparo à atividade de polícia, é poder administrativo, é poder instrumental da Administração Pública, indelegável aos particulares.” (art. cit., em RT 702/292). Ora, se toda e qualquer atividade policial é atividade de Administração Pública, independentemente do órgão que a exerça, tem-se que, acima da tricotomia peculiar do federalismo brasileiro – Administração Pública Federal, Estadual e Municipal – sobrepaira o princípio da unidade substancial da Administração Pública, como ressalta, apropriadamente, LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ: - “Posta de lado a tricotomia peculiar de nosso federalismo, segundo a qual a Administração se distribui verticalmente nos segmentos correspondentes aos planos da União, dos Estados e dos Municípios, impõe-se, acima de dúvida, o princípio de que a Administração Pública – tomada na acepção circunscrita de função administrativa que lhe empresta o nosso direito positivo (art. 4º, da Lei da Reforma Administrativa) – se reveste de substancial unidade, (...).” (Estudos para uma lei orgânica da Administração Federal, 1978, p. 122, nº 3). Isto significa dizer, em outras palavras, que a Administração Pública, em razão do princípio da unidade substancial, é uma só, à luz do art. 37 da Constituição da República, porquanto tem a mesma finalidade constitucional, rege-se pelos mesmos princípios e regras, adota os mesmos meios para recrutar e pagar pessoal, adquirir bens e serviços – enfim, submete-se a um mesmo regime jurídico-administrativo –, razão pela qual a divisão racional do trabalho no âmbito do serviço público nem por isso quebra essa unidade substancial ou essa “inteireza orgânica da Administração Pública”, ainda nas palavras de LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ: - “(...) Embora a ciência e a técnica modernas imponham a divisão racional do trabalho e se bem que a progressiva irradiação das atividades públicas, fruto da contemporânea concepção de Estado social e intervencionista, implique, inevitavelmente, o surgimento de novas técnicas de descentralização funcional – mediante a criação de entes administrativos personalizados, com autonomia financeira e de gestão –, nem por isso se há de quebrar a inteireza orgânica da Administração Pública, cuja atuação em conformidade com padrões uniformes de planificação, sob o primado da legalidade e do defluente controle democrático, se HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 51 mostra premissa impositiva.” (Estudos para uma lei orgânica da Administração Federal, 1978, pp. 122 e 123, nº 4). Ou seja, nas palavras de ALBERTO DEMICHELLI, o Estado multiplicou seus órgãos e dispersou sua autoridade por diversos órgãos, mas, ainda assim, “o Estado continua uno e indivisível”: - “Alberto Demichelli, com o aval de Ruy de Souza, é de parecer que 'essas entidades autônomas criadas pelo Estado para funcionarem dentro do Estado, não rompem, apesar do grau de autonomia de que gozam, nem a estrutura orgânica(,) nem a unidade originária deste. O Estado multiplicou seus órgãos e dispersou sua autoridade; dua organização jurídica tornou-se mais complexa e multiforme ao nascerem junto dos poderes centrais novas formas descentralizadas com direito próprio a suas funções e a certa autonomia: o Estado continua, porém, uno e indivisível' (…).” (LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ, Estudos para uma lei orgânica da Administração Federal, 1978, p. 123, nº 5). Por isso, conclui LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ que a unidade e indivisibilidade do Estado, existe na razão inversa do grau de independência outorgado aos órgãos da Administração Pública: - “Na razão inversa do grau de independência e manumissão outorgada aos órgãos e instituições que compõem a Administração pública incide a força de orientação e controle do comando central.” (Estudos para uma lei orgânica da Administração Federal, 1978, p. 123, nº 6). Ora, essa unidade da Administração Pública, ou essa unidade e indivisibilidade do Estado, somente existe porque, nas palavras de J. DE NAZARÉ T. DIAS “(a) ação (dos sistemas) permeia, horizontalmente, toda a administração.” (A Reforma Administrativa de 1967, 1968, p. 110, nº 5.2). Com essas cogitações sobre a unidade substancial da Administração Pública, pode-se ler com proveito a jurisprudência do STF que, ao interpretar o art. 144 da Constituição Federal, que disciplina a unidade do sistema policial, decidiu que “o combate à criminalidade é missão típica e privativa Administração, através da polícia, como se lê no art. 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública”: - “EMENTA: (…) COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 52 tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe. (…) Ordem concedida. (STF, HC 95009, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL02346-06 PP-01275 RTJ VOL-00208-02 PP-00640). Como o combate à criminalidade deve ser promovido, coordenadamente, por todos os elementos integrantes do sistema nacional de segurança pública (art. 144 da CF), independentemente da esfera federativa a que pertençam, as cláusulas de exclusividade de competência, nessa matéria de investigações policiais, são lidas pelo intérprete da Constituição, antes de mais nada, como cláusulas de primazia investigatória, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal: - “E M E N T A: "(…) A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. (…). (STF, HC 89837, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT VOL02383-01 PP-00104 LEXSTF v. 31, n. 372, 2009, p. 355-412). Uma consequência que se extrai de tudo isso, particularmente decisiva no que interessa ao julgamento desta causa, é a de que, por ser a Administração Pública una, e por lhe competir o combate à criminalidade, principalmente para fins de conservação HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 53 do patrimônio público, como um dever que pesa igualmente sobre todas as pessoas políticas da Federação, é claro que qualquer dos órgãos integrantes do subsistema policial pode receber delegação da autoridade judiciária que preside o inquérito judicial originário, ou melhor, pode receber, para praticar por delegação, atribuições investigatórias que devem ser exercidas, a fim de que o inquérito, sob a presidência de seu Relator, possa alcançar os melhores resultados, em termos de apuração acerca da ocorrência e autoria de infrações penais. Ora, a decisão deste Habeas Corpus, dada a sua complexidade e relevância, “não pode merecer uma exegese pobre” (MANOEL MESSIAS PEIXINHO E RICARDO GUANABARA, Comissões Parlamentares de Inquérito, 2001, p. 167), porque, como dizia CARLOS MAXIMILIANO, “a letra mata, mas o espírito vivifica” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 127, apud FERNANDO RODRIGUES MARTINS, Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 349, nº 9.3). Esta Eg. Corte de Justiça, para desincumbir-se a contento de sua missão constitucional, precisa estar atenta não só ao enorme valor do bem jurídico tutelado pelos tipos penais, cuja infração se busca investigar, através do inquérito a que se refere o presente Habeas Corpus. As supostas condutas criminosas, que não se pode deixar de investigar, por representarem violenta agressão ao patrimônio público, despertam, como já se realçou inúmeras vezes, o exercício da competência comum de conservação do patrimônio público (art. 23, inc. I, CF), que pode ser exercida por qualquer dos órgãos integrantes do sistema nacional de segurança pública (art. 144, incs. I a V, CF), já que este sistema, caracterizado pela unidade ínsita a toda a Administração Pública e ao próprio Estado, tem todas as suas atividades orientadas, finalisticamente, segundo um princípio especial de eficiência (art. 144, § 7º, CF), com vista à consecução do objetivo de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, caput, CF). Ora, já se observou, com robusta doutrina, que a Constituição da República, no seu art. 23, “(...) impõe a cooperação entre os entes para a realização desses objetivos comuns”, entre os quais se inclui a conservação do patrimônio público (art. 23, inc. I, CF), “com a óbvia finalidade de evitar choques e dispersão de recursos e HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 54 esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios.” (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 819, nº 10.4). Assim sendo, se deduz que quaisquer divisão de tarefas constitucionais, pelo menos no que respeita a conservação do patrimônio público, que se inclui entre as competências comuns, é instituída com o propósito de tornar as ações estatais mais eficientes, mas não para demarcar nítidos campos de atuação exclusiva de cada ente federado, ou de certo órgão da Administração de uma das esferas, como realça o precedente do STF, anteriormente citado. Bem ao contrário, nas hipóteses em que a atuação de apenas uma entidade da federação, ou de apenas um órgão, se mostrar insuficiente à conservação do patrimônio público (que se inclui entre as competências comuns), quaisquer posturas que propugnem o exclusivismo de atribuições se encontra na contramão da “evidente preocupação contida no sistema jurídico contemporâneo com a proteção e defesa dos valores materiais e imateriais que, sob a gestão do Estado, pertencem ao povo” (FERNANDO RODRIGUES MARTINS, Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 37). Pior do que isso, nestas hipóteses, como a dos autos, em que está em jogo a conservação do patrimônio público, como competência comum a todos os entes da federação (art. 23, inc. I, CF), a ser exercida, com a máxima eficiência (art. 144, § 7º, CF), por qualquer dos órgãos do sistema nacional de segurança pública, visando à “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, CF), em tais circunstâncias, se a atuação de apenas um ente federado ou de um único órgão revela-se insuficiente, a defesa de exclusivismos de atribuições implica a defesa da impunidade, e, em último grau, a conivência com o crime contra o patrimônio público. Tal postura, porém, é precisamente o avesso daquilo que a Constituição da República impõe à magistratura, a qual, muito embora não deva e nem possa assumir postura inquisitorial, tem a obrigação de manter-se firme a pressões inconstitucionais, porque, como ensinou EDUARDO COUTURE, “da dignidade do juiz depende a dignidade do direito.”: HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 55 - “Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e um momento histórico determinados, o que valham os juízes, como homens. O dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranquilo.” (Introdução ao estudo do processo civil, p. 88, apud FERNANDO RODRIGUES MARTINS, Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 349, nº 9.3). E esta responsabilidade, que o papel central do Poder Judiciário faz pesar sobre a magistratura, tem especial conotação nos Tribunais de segundo grau de jurisdição, como esta Corte de Cúpula Estadual, de cujos integrantes se espera que sejam desembargadores da justiça, isto é, juízes que dissipam os embargos que se opõem à realização do justo, porque, na feliz expressão do Desembargador LUCIANO PINTO, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, “(...) se todas as vezes que a justiça embargar o poder este tente embargar a justiça, o resultado será a completa ausência de fundamentação para a legitimação do poder político, porque maior será a distância entre o direito e a realidade.” (apud FERNANDO RODRIGUES MARTINS, Controle do Patrimônio Público – comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 2010, p. 349, nº 9.3). Ora, dada a devida atenção às circunstâncias fáticas do caso, e apreciadas sob um prisma técnico e jurídico, verifica-se que, na espécie, a atuação de apenas uma entidade da federação, ou de apenas um órgão, se mostra insuficiente à conservação do patrimônio público (que se inclui entre as competências comuns), o que repulsa quaisquer posturas que propugnem o exclusivismo de atribuições. Como relatado, o Impetrante impugna a delegação de atribuições praticada pelo em. Desembargador-Relator, em favor da Polícia Federal, argumentando que apenas a Polícia Civil do Estado do Piauí deve atuar no inquérito judicial originário, a que se refere o presente Habeas Corpus. No entanto, as condições de funcionamento da Polícia Civil do Estado do Piauí são absolutamente insuficientes para desempenhar a contento todas as atividades investigativas que o inquérito judicial originário, a que se refere o presente Habeas Corpus, demandará, uma vez que tem por escopo apurar supostas infrações penais praticadas em detrimento do patrimônio público, o que exige a dedicação de recursos HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 56 materiais e humanos, com experiência neste tipo específico de investigação, que é dos mais complexos. A prova disto tudo são as estatísticas oficiais divulgadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, no “inqueritômetro”, que é o sistema de acompanhamento estatístico de cumprimento da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), que, estabelecida em conjunto pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e os órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil, Defensoria Pública e OAB, prevê a conclusão dos inquéritos de homicídio instaurados até dezembro de 2007, tendo como principais objetivos a elucidação dos crimes e a obtenção de um grande diagnóstico da investigação penal no país. Apesar destes objetivo, o que se vê no “inqueritômetro” é que, no Piauí, nenhum dos 177 (cento e setenta e sete) inquéritos instaurados até abril deste ano foram concluídos (disponível no sítio da internet do CNMP: http://www.cnmp.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=416:conhe ca-a-enasp&catid=101:enasp&Itemid=3. Já o próprio Núcleo de Estatística e Análise Criminal da Polícia Civil do Estado do Piauí revelou que, em 2010, 2.942 (dois mil, novecentos e quarenta e dois) inquéritos não foram concluídos, de modo que a maioria das investigações foi encerrada sem que se tenha sequer indicado a autoria das ocorrências. Enfim, é público e notório que a Polícia Civil do Estado do Piauí, infelizmente, sofre com uma série de deficiências no que diz respeito tanto aos seus recurso materiais, que são escassos e defasados, quanto aos recursos humanos, já que seu quadro de pessoal é bastante limitado, e conta com um número de servidores bem abaixo do mínimo indispensável ao bom desempenho das suas atividades, nada obstante a dignidade constitucional dessa instituição no sistema nacional de segurança pública. De outro lado, a Polícia Federal é, a toda evidência, mais bem dotada de recursos materiais, e, quanto aos recursos humanos, conta com menor deficit de pessoal, que, aliás, acumula robusta experiência em investigação de infrações como as investigadas no inquérito judicial originário, a que se refere o presente Habeas Corpus. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 57 Além disso, a delegação de atribuições investigativas no inquérito judicial originário não encontra óbice no princípio do juiz natural, que não se desdobra como “princípio do delegado natural”, como aponta a jurisprudência do STF, que aceita a delegação até mesmo na fase processual jurisdicional penal, ao afirmar que "a garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é plenamente atendida quando se delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio": - “EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO. JUIZ NATURAL. OFENSA. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é plenamente atendida quando se delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio. Precedentes citados. (STF, AP 470 QO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2007, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-01 PP-00045 RTJ VOL-00204-02 PP-00483 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 489-492). No mesmo sentido, o STJ, há pouco mais de um mês, decidiu que “a delegação de realização do interrogatório ao juiz federal pelo Desembargador Relator, juiz natural da causa, em face da prerrogativa de função que o cargo de Deputado Estadual confere ao paciente, não implica violação ao princípio do juiz natural apta a inquinar de nulidade o processo.”, como se lê em recentíssimo precedente do em. Min. JORGE MUSSI: - “HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO. ARTS. 90 E 92 DA LEI 8.666/93. NULIDADE. OFENSA AO JUIZ NATURAL. DELEGAÇÃO DE ATOS INSTRUTÓRIOS. REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO. ART. 9º, § 1º, DA LEI 8.038/90. POSSIBILIDADE. NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. CONSAGRAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio do juiz natural, insculpido no art. 5º, XXXVII e LIII, da CF constitui garantia constitucional do qual decorrem as seguintes regras: (1) somente os órgãos instituídos pela Constituição podem exercer jurisdição; (2) ninguém pode ser julgado por órgão jurisdicional criado após a prática do fato delituoso; (3) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer discricionariedade em relação à escolha do juiz (distribuição). 2. A Emenda Constitucional 45/04 alterou o art. 5º da CF para acrescer ao rol dos direitos e garantias fundamentais o direito à duração razoável do processo (inciso LXXVIII), assegurando às partes de uma lide judicial ou administrativa a definição da situação posta sob o crivo da autoridade julgadora em tempo plausível. 3. In casu, a delegação de realização do interrogatório ao juiz federal pelo Desembargador Relator, juiz natural da causa, em face da prerrogativa de função que o cargo de Deputado Estadual confere ao paciente, não implica HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 58 violação ao princípio do juiz natural apta a inquinar de nulidade o processo. Ao contrário, "A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é plenamente atendida quando se delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio" (AP 470 QO, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2007, DJe 13-03-08), pois não resta transmitido o próprio julgamento da causa posta sob o crivo do juiz competente. 4. A observância dos princípios do juiz natural e da duração razoável do processo, elementos que compõem a própria expressão valorativo-normativa do devido processo legal, consagram o próprio núcleo dos direitos fundamentais, é dizer, a dignidade da pessoa humana. 5. Ordem denegada.” (STJ, HC 153.824/PA, Rel. MIN. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 31/08/2011). Ora, se os Tribunais Superiores aceitam a delegação para realização de interrogatórios em processo penal, pelo qual o Estado exerce poder jurisdicional, não consistindo tal prática em ofensa ao princípio do juiz natural, com maior razão deve-se aceitar a delegação durante o inquérito, em que se exerce apenas poder administrativo. Portanto, à luz de toda a disciplina normativa que se pode construir para o caso, a partir da legislação, da jurisprudência e da doutrina, se mostra irrepreensível o ato de delegação de atribuições investigativas praticado pelo em. Desembargador-Relator do inquérito judicial originário. Mais do que isso, por todas essas considerações, demonstrou-se que a delegação de atribuições investigativas, promovida pelo em. Desembargador-Relator, em favor da Polícia Federal, e sem prejuízo da colaboração da Polícia Civil do Estado do Piauí, constitui medida não apenas altamente recomendável, mas imprescindível ao bom desenvolvimento do inquérito judicial originário, a que se reporta esta impetração. Em suma, a Polícia Federal foi, sim, investida constitucional e legalmente de atribuições investigativas, que lhe foram delegadas diretamente pela autoridade competente para a presidência do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7, que é o seu em. Desembargador-Relator, na linha da jurisprudência do STF, e com base no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, c/c art. 4º, caput, do CPP. Pelo mesmo fundamento jurídico, e em atenção à realidade normativo- HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 59 constitucional, de que os órgãos policiais do art. 144 da CF – federais ou estaduais, civis ou militares – integram um mesmo sistema nacional de segurança pública, com atuação orientada ao propósito comum de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144, CF), é claro que o Desembargador-Relator do inquérito judicial originário pode delegar diferentes atribuições investigativas a vários órgãos policiais, em função de suas características, de acordo com os “pontos fortes” peculiares à estrutura e funcionamento de cada uma dessas polícias, que devem ser coordenadas e articuladas pelo presidente do inquérito – o Desembargador-Relator –, na busca constante do sucesso das investigações, que será alcançado por uma fórmula que possa equilibrar i) uma apuração eficiente dos fatos, que são do interesse público, com ii) o respeito e a proteção aos direitos dos investigados. Assim, o Desembargador-Relator pode, no exercício de sua competência para presidir o inquérito judicial originário, delegar, por exemplo, à Polícia Federal a prática de determinados atos – como perícias contábeis, financeiras, bancárias, etc. –, e à Polícia Civil do Estado do Piauí a prática de outras diligências – como a tomada de depoimentos. De todo modo, a delegação é sempre ato pessoal do Desembargador-Relator, como delegante, a um delegado, certo e determinado no ato de delegação. Consequentemente, o que se percebe é que o problema dos autos não constitui nenhum conflito de atribuições entre diferentes órgãos policiais, simplesmente porque a autoridade competente para a presidência do inquérito judicial originário é o seu Relator, nos termos da jurisprudência do STF, e com base no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, c/c art. 4º, caput, do CPP. Portanto, nenhuma autoridade policial, em casos de inquérito judicial originário, detém a competência para presidir o procedimento investigativo, mas apenas recebe delegação de atribuições investigativas, por parte da única autoridade competente para comandar o inquérito judicial originário, que é o seu Relator. Por isso, no caso dos autos, simplesmente não se verifica nenhum conflito de atribuições entre diferentes órgãos policiais, pois nenhuma autoridade policial pode HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 60 ter competência para presidir o inquérito judicial originário, que só pode ser conduzido pelo Desembargador-Relator, em homenagem à prerrogativa de foro. Em outras palavras, pode-se dizer que, neste processo, o conflito de atribuições entre polícias é um falso dilema, que não se coloca na espécie. Daí porque impõe-se concluir que a Polícia Federal foi, sim, investida constitucional e legalmente de atribuições investigativas, que lhe foram delegadas diretamente pela autoridade competente para a presidência do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7, que é o em. Desembargador-Relator, na linha da jurisprudência do STF, e com base no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, c/c art. 4º, caput, do CPP. II. A TITULARIDADE DA PRERROGATIVA DO ART. 221 DO CPP, PELOS PACIENTES, NO INQUÉRITO JUDICIAL (OU ORIGINÁRIO) Nº 2010.0001.007594-7 Para seguir na análise exauriente da legalidade dos atos de intimação praticados pelo Delegado de Polícia Federal, no exercício da delegação que lhe foi outorgada pelo em. Desembargador-Relator do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7, é preciso enfrentar ainda outra questão, consistente em saber se o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, que não é Deputado Estadual, é titular da prerrogativa inscrita no art. 221 do CPP, bem como se referida prerrogativa tem de ser observada em relação aos Deputados Estaduais que estejam sendo investigados no inquérito judicial originário a que se refere o presente Habeas Corpus. O art. 221 do CPP preceitua que “os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais (…) serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.”, verbis: “Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. (Redação dada pela Lei nº 3.653, de 4.11.1959) HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 61 Como se vê, trata-se de prerrogativa concedida aos “deputados às Assembléias Legislativas Estaduais”. Contudo, o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA simplesmente não é Deputado Estadual, nem ocupa qualquer das outras posições funcionais enumeradas no art. 221 do CPP. Portanto, a prerrogativa de prévio ajuste de local, dia e hora com o juiz, não se aplica, de modo algum, a este Paciente. Por esta razão, ainda a sua oitiva tivesse sido agendada unilateralmente, isto não implicaria inobservância a nenhuma prerrogativa, pelo motivo óbvio de que não é possível violar prerrogativa que um sujeito de direito não titulariza. Nada obstante, ainda que o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA fosse titular da prerrogativa do art. 221 do CPP – que a ele não se aplica em absoluto –, está provado, nos autos, documentalmente, que referido Paciente compareceu à Superintendência da Polícia Federal, acompanhado de advogados, teve acesso aos autos, e protocolou requerimento, no qual “ficou firmado o comparecimento daquele intimado [o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA] para o dia 04/07/2011(,) às 9:00 horas.”, como se lê em Certidão lavrada por Escrivão de Polícia Federal, às fls. 748 – vol. II, destes autos de Habeas Corpus: “CERTIFICO que compareceram nesta Superintendência o senhor JOSÉ RIBAMAR NOLETO SANTANA (intimado), acompanhado dos advogados LUCIANO GASPAR FALCÃO e ANDREA DE ARAÚJO SILVA (qualificados no SISCART), o qual, na condição de investigado, manifestou interesse em ter acesso aos autos antes de sua inquirição, tendo inclusive protocolado requerimento, onde ficou firmado o comparecimento daquele intimado para o dia 04/07/2011(,) às 9:00 horas. Compareceram também para referida audiência os promotores do GAECO/MP/PI os Drs. GALENO ARISTÓTELES COELHO SÁ e SILAS SERENO LOPES. O referido é verdade e dou fé. Teresina/PI, aos 21 dia(s) do mês de junho de 2011. Eu, ______ MARCUS AURÉLIO DO BOMFIM VISGUEIRA, Escrivão de polícia Federal, que a lavrei.” (fls. 748 – vol. II). Como se vê, o Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, acompanhado por seus advogados, teve acesso aos autos, e ajustou previamente local, dia e hora para sua oitiva. Portanto, não há qualquer ilegalidade no ato de intimação ao Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, seja porque este sequer é titular da prerrogativa insculpida no art. 221 do CPP, seja porque teve a oportunidade de ajustar previamente local, dia e hora para sua oitiva. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 62 No entanto, é preciso ainda formular outras considerações, porquanto o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY foi mantido como Paciente nesta impetração, muito embora o Impetrante não tenha indicado nenhum ato supostamente ilegal ou abusivo, que pudesse representar constrangimento ilegal à liberdade pessoal daquele Parlamentar. Ora, é claro que o cargo eletivo de Deputado Estadual confere ao Paciente MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY a prerrogativa do art. 221 do CPP. No entanto, o que não se pode perder de vista é o âmbito de aplicabilidade de tal prerrogativa, que delimita em que ocasiões processuais ela terá de ser observada. Para tanto, é preciso verificar que a norma do art. 221 do CPP, que institui a prerrogativa do prévio ajuste com o juiz, sobre local, dia e hora da oitiva, insere-se na disciplina da produção das provas testemunhais no curso da ação penal, isto é, regulamenta a fase instrutória do processo jurisdicional penal. Tanto assim, que o art. 221 está incluído no Capítulo VI do CPP, sob a epígrafe “Das Testemunhas”, que, tecnicamente, como é cediço em doutrina, “é a pessoa desinteressada que declara em juízo o que sabe sobre os fatos, em face das percepções colhidas sensorialmente.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 421, nº 2.5.1). Percebe-se, pois, que a prerrogativa do art. 221 do CPP apenas deve ser observada naquelas ocasiões em que uma autoridade indicada naquele dispositivo for convocada a atuar, no curso de uma ação penal, como testemunha, isto é, como pessoa desinteressada. Por estas razões, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que as autoridades elencadas no art. 221 do CPP “somente dispõem da prerrogativa processual de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e a autoridade competente, quando arrolados como testemunhas ou quando ostentarem a condição de ofendidos (CPP, art. 221; CPC, art. 411, VI)”, razão pela qual “essa especial prerrogativa não se estende aos parlamentares, quando indiciados em inquérito policial ou quando figurarem como réus em processo penal.”: HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 63 - “EMENTA: CONGRESSISTA QUE NÃO É TESTEMUNHA, MAS QUE FIGURA COMO INDICIADO OU RÉU: AUSÊNCIA DA PRERROGATIVA PROCESSUAL A QUE SE REFERE A LEI (CPP, ART. 221). - Os Senadores e os Deputados somente dispõem da prerrogativa processual de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e a autoridade competente, quando arrolados como testemunhas ou quando ostentarem a condição de ofendidos (CPP, art. 221; CPC, art. 411, VI). Essa especial prerrogativa não se estende aos parlamentares, quando indiciados em inquérito policial ou quando figurarem como réus em processo penal. - O membro do Congresso Nacional, quando ostentar a condição formal de indiciado ou de réu, não poderá sofrer condução coercitiva, se deixar de comparecer ao ato de seu interrogatório, pois essa medida restritiva, que lhe afeta o 'status libertatis', é vedada pela cláusula constitucional que assegura, aos parlamentares, o estado de relativa incoercibilidade pessoal (CF, art. 53, § 2º). (…) Cabe assinalar, no ponto, que, tratando-se de parlamentar indiciado, submetido a investigação penal, não tem ele a prerrogativa a que se refere o art. 221 do CPP. Com efeito, aqueles que figuram como indiciados (inquérito policial) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, não dispõem da prerrogativa instituída pelo art. 221 do CPP, eis que essa norma legal somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima, tal como assinalei em decisão assim ementada: 'Congressista que não é testemunha, mas que figura como indiciado ou réu: ausência da prerrogativa processual a que se refere a lei (CPP, art. 221). - Os Senadores e os Deputados somente dispõem da prerrogativa processual de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e a autoridade competente, quando arrolados como testemunhas (CPP, art. 221; CPC, art. 411, VI). Essa especial prerrogativa não se estende aos parlamentares, quando indiciados em inquérito policial ou quando figurarem como réus em processo penal. - O membro do Congresso Nacional, quando ostentar a condição formal de indiciado ou de réu, não poderá sofrer condução coercitiva, se deixar de comparecer ao ato de seu interrogatório, pois essa medida restritiva, que lhe afeta o `status libertatis', é vedada pela cláusula constitucional que assegura, aos parlamentares, o estado de relativa incoercibilidade pessoal (CF, art. 53, § 1º, primeira parte).' (Inq 1.504/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 28/06/99) Insista-se, portanto, quanto à norma inscrita no art. 221 do Código de Processo Penal, que essa regra legal instituiu prerrogativa unicamente invocável por testemunhas (ou por ofendidos), que, em razão do ofício, exerçam qualquer dos cargos públicos taxativamente indicados no preceito normativo mencionado. Vê-se, desse modo, que o art. 221 do CPP - que constitui típica regra de direito singular - não se estende nem ao indiciado nem ao réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados (Inq 1.628/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). É que a exceção estabelecida pelo legislador somente contempla determinadas autoridades que tenham sido arroladas como testemunhas (ou como vítimas). Nesse sentido, impõe-se ter presente a advertência de autorizados doutrinadores (JULIO FABBRINI MIRABETE, 'Processo Penal', p. 297, 4ª ed., 1995, Atlas; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, 'Curso de Processo Penal', p. 279, item n. 9.4, 1999, Atlas; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, 'Código de Processo Penal Comentado', vol. I/424, 4ª ed., 1999, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, 'Manual de Processo Penal', p. 206, item n. 48, 1991, Saraiva, v.g.). (…) (STF, Inq 2839, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 11/09/2009, publicado em DJe-175 DIVULG 16/09/2009 PUBLIC 17/09/2009 RTJ VOL-0021003 PP-01244). Como se vê, segundo o STF, a prerrogativa do art. 221 do CPP “instituiu HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 64 prerrogativa unicamente invocável por testemunhas (ou por ofendidos), que, em razão do ofício, exerçam qualquer dos cargos públicos taxativamente indicados no preceito normativo mencionado. Vê-se, desse modo, que o art. 221 do CPP - que constitui típica regra de direito singular - não se estende nem ao indiciado nem ao réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados (Inq 1.628/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). É que a exceção estabelecida pelo legislador somente contempla determinadas autoridades que tenham sido arroladas como testemunhas (ou como vítimas).” (STF, Inq 2839, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 11/09/2009, publicado em DJe-175 DIVULG 16/09/2009 PUBLIC 17/09/2009 RTJ VOL-00210-03 PP-01244). Diante deste precedente, fica claro que a prerrogativa do art. 221 do CPP não precisa ser observada em relação ao Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY, no curso de inquérito judicial originário, no qual, inegavelmente, não figura nem como vítima, nem como testemunha, já que tem interesse no procedimento investigativo, no qual foi apontado como suspeito da prática de infrações penais, como consta da portaria de instauração do Inquérito (fls. 166 – vol. I), que lhe atribui a prática dos crimes a serem investigados. Daí porque, ainda que o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY houvesse sido intimado pelo Delegado de Polícia Federal – o que não ocorreu –, não haveria que se de inobservância à prerrogativa do art. 221 do CPP, que não se lhe aplica, seja por se tratar de inquérito, e não de ação penal, seja por não figurar nem como vítima, nem como testemunha (pessoa desinteressada). Com estas considerações, verifica-se que a intimação apontada como ato coator nesta impetração, também por este ângulo, não exibe nenhum traço de ilegalidade. IV. A SUSPENSÃO DO INQUÉRITO Como relatado, o Impetrante pediu, por meio deste Habeas Corpus, como tutela definitiva, “a confirmação da liminar e a suspensão de todo e qualquer ato HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 65 investigatório até o julgamento final de todos os incidentes processuais instaurados no âmbito do mencionado inquérito policial (sic)” (fls. 29 – vol. I). Diante deste pedido, mesmo verificada a legalidade do ato de intimação, impugnado pela via do presente writ, impõe-se verificar se há justa causa, que fundamente a “a suspensão de todo e qualquer ato investigatório até o julgamento final de todos os incidentes processuais instaurados no âmbito do mencionado inquérito policial (sic)” (fls. 29 – vol. I). O inquérito, seja policial ou judicial, além da discricionariedade, escritura, sigilo, oficialidade, oficiosidade, inquisitoriedade, caracteriza-se, também, pela indisponibilidade, porque, à luz do art. 17 do CPP, “a persecução criminal é de ordem pública”, de tal modo que “uma vez iniciado o procedimento investigativo”, a autoridade que o preside “deve levá-lo até o final, não podendo arquivá-lo, em virtude de expressa vedação, contida no art. 17 do CPP”: - “A persecução criminal é de ordem pública, e(,) uma vez iniciado o inquérito, não pode o delegado de polícia dele dispor. Se(,) diante de uma circunstância fática, o delegado perceber que não houve crime, nem em tese, não deve iniciar o inquérito policial. Contudo, uma vez iniciado o procedimento investigativo, deve levá-lo até o final, não podendo arquivá-lo, em virtude de expressa vedação contida no art. 17 do CPP.” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 96, nº 5.6). Com efeito, estabelece o art. 17 do CPP que “a autoridade policial não poderá arquivar autos de inquérito.”. O caso discutido nestes autos de Habeas Corpus não é, evidentemente, nem de arquivamento, nem de trancamento de inquérito, que são situações excepcionais, na lei, na doutrina e na jurisprudência dos tribunais. Ilustrativamente: “EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DOS TRABALHOS INVESTIGATÓRIOS. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DAS ALEGAÇÕES APRESENTADAS NESTA IMPETRAÇÃO. PRECEDENTES. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que, o trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus, constitui medida excepcional só admissível quando evidente a falta de justa causa para o seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 66 materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta do investigado. 2. O exame da alegada imprecisão do nome ou inocência do Paciente diante da hipótese de suposto constrangimento ilegal não se coaduna com a via eleita, sendo tal cotejo reservado para processos de conhecimento, aos quais a dilação probatória é reservada 3. Ordem denegada.” (STF, HC 106314, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 23-08-2011 PUBLIC 24-08-2011). “EMENTA: Recurso ordinário em habeas corpus. Falta de justa causa. Trancamento de inquérito. Inadmissibilidade. Continência e concurso de jurisdições. Prevalência da competência da Justiça Federal. Recurso desprovido. A análise da justa causa para a instauração de inquérito, por depender de exame minucioso do contexto fático, não pode, como regra, ser levada a efeito pela via do habeas corpus. Precedentes. Na hipótese de concurso de infrações penais de jurisdições originárias diversas, a competência da Justiça Federal para uma delas atrai, por conexão ou continência, a competência para o julgamento das demais. Precedentes. Recurso ao qual se nega provimento. (STF, RHC 96713, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07/12/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-02 PP-00279). - “(...) 1. O trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. (…) 5. Recurso improvido.” (STJ, RHC 24.927/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 25/08/2011). - “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. CIRCUNSTÂNCIA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. SEQUESTRO DE BENS IMÓVEIS E BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. MEDIDA DECRETADA HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. RAZOABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO VERIFICADO. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, o trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas não evidenciadas na hipótese. Precedentes. (…) (STJ, HC 144.407/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 28/06/2011). O caso que se discute nestes autos de Habeas Corpus, é de suspensão absoluta do inquérito judicial originário, o que não é excepcional, como o arquivamento ou trancamento do inquérito, mas é uma situação procedimental inusitada, pura e simplesmente, quer diante da lei, da doutrina e da jurisprudência dos tribunais. Por ser inusitada, a suspensão do inquérito, ou seja, de todas as suas HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 67 atividades investigatórias, ofende o princípio da ordem pública, que preside a instauração de todo inquérito, e por força do qual “uma vez iniciado o procedimento investigatório, [a autoridade que o preside] deve levá-lo até o final (…)” (NESTOR TÁVORA E ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, Curso de Direito Processual Penal, 2011, p. 96, nº 5.6). Ora, a suspensão do inquérito, deferida liminarmente neste Habeas Corpus, está ofendendo esse princípio da ordem pública, que preside a persecução criminal, e que faz dela uma atividade contínua, em regra insuscetível a interrupções, na ordem administrativa, ou do poder estatal, e da qual não se pode dispor, uma vez iniciada, sequer judicialmente, exceto, extraordinariamente, à mingua de justa causa para as investigações, consoante a jurisprudência anteriormente citada. Assim sendo, se o princípio da indisponibilidade do inquérito, estatuído pelo art. 17 do CPP, possui aptidão normativa para impedir o arquivamento e o trancamento do procedimento investigatório, a não ser em hipóteses excepcionalíssimas, “quando evidente a falta de justa causa para o seu prosseguimento” (STF, HC 106314, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 23-08-2011 PUBLIC 24-08-2011), então, com ainda mais razão, impõe-se a conclusão de que o princípio da indisponibilidade da persecução criminal impede até mesmo a suspensão do inquérito, por via jurisdicional, porque tal suspensão constitui, nitidamente, uma forma de interromper a atividade persecutória do Estado, ainda que provisóriamente, o que é proibido ao juiz ou ao Tribunal fazê-lo, impedindo, por essa forma, “(o) prosseguimento da colheita das provas”. E o princípio da indisponibilidade do inquérito avulta com um significado normativa reforçado no caso dos autos, porquanto não há qualquer manifestação do Ministério Público favorável a qualquer interrupção das investigações. Ao contrário, há contundente manifestação do titular da ação penal contra essa suspensão das investigações, o que a torna ainda mais injustificável, já que, na lição da doutrina especializada, “(...) somente o Ministério Público, titular da ação penal, órgão para o qual se destina o inquérito (…), pode pedir o seu arquivamento, dando por encerradas as possibilidades de investigação.”, razão pela qual “não é atribuição da polícia judiciária dar por findo o seu trabalho, nem [é atribuição] do juiz, (…), concluir pela inviabilidade do prosseguimento de colheita das provas.” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código de HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 68 Processo Penal Comentado, 2009, p. 118, nº 86). Ora, o que está decidindo o Tribunal, ao decretar a suspensão deste inquérito judicial, é “concluir pela inviabilidade da colheita de provas” pela Polícia Federal, mesmo diante da ausência de qualquer base normativa para a concessão deste provimento jurisdicional. Realmente, como já decidiu, acertadamente, o em. Des. JOAQUIM SANTANA, para essa suspensão do inquérito, não há previsão regimental, e nem legal. Assim, como este pedido de suspensão do inquérito não encontra qualquer suporte no direito positivo, verifica-se que, com a suspensão do inquérito concedida liminarmente, o Ministério Público está sendo coactadona sua atuação investigativa, o que é inaceitável, já que “(...) somente o Ministério Público, titular da ação penal, órgão para o qual se destina o inquérito (…), pode pedir o seu arquivamento, dando por encerradas as possibilidades de investigação.”, razão pela qual “não é atribuição da polícia judiciária dar por findo o seu trabalho, nem [é atribuição] do juiz, (…), concluir pela inviabilidade do prosseguimento de colheita das provas.” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2009, p. 118, nº 86). A referida achega doutrinária se refere à situação extrema de arquivamento, é bem verdade, mas se aplica, por inteiro, a todas aquelas situações em que, pela suspensão do inquérito, interrompe-se a colheita de provas, sem anuência do Ministério público, e fora de qualquer previsão legal ou regimental, cerceando a atuação do titular da ação penal, em situação de caracterizada justa causa. Faz-se mister que a processualística penal, ao lado da indisponibilidade do inquérito, tanto pelo delegado, como pelo juiz ou tribunal, e até pelo Ministério Público, quando requeira a sua suspensão ou arquivamento “sem qualquer fundamento plausível” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2009, p. 118, nº 86), arrole também – como característica do inquérito – a continuidade da atividade persecutória do Estado, já que o inquérito – policial ou judicial, não importa a sua modalidade, já que ambos têm as mesmas características de procedimento administrativo – não pode ser suspenso, nem interrompido. E este traço da continuidade da atividade persecutória do Estado, que é HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 69 incondicional na fase do inquérito, além de decorrer da característica da indisponibilidade, que está consagrada no art. 17 do CPP, tem ainda outra manifestação normativa, no plano do direito positivo, que tem por objetivo impedir que a marcha dos procedimentos administrativos seja obstada pela suspensão. Trata-se da regra insculpida no art. 67 da Lei nº 9.784/1999, o qual, ao disciplinar os prazos em processos administrativos, preceitua que, como regra, “os prazos processuais não se suspendem”, a não ser na hipótese excepcionalíssima de devida comprovação da ocorrência de motivo de força maior, verbis: “Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem.”. Como se vê, a suspensão do inquérito é simplesmente incompatível com as características desta espécie de procedimento administrativo, o qual, porque presidido pelo princípio da indisponibilidade do inquérito, não se suspende nem mesmo com a superveniência de questões ou processos incidentes. É o que aponta Guilherme de Sousa Nucci, que, ao comentar o Título VI do CPP, que trata “das questões e processos incidentes”, aborda precisamente a temática da “suspensão do curso do inquérito”, para negar a possibilidade deste fenômeno, afirmando que “não se suspende a investigação policial, que deve terminar, propiciando ao órgão acusatório oferecer a denúncia ou queixa, havendo o seu recebimento, para, depois, discutir-se a proposta de suspensão do feito.”: “25. Suspensão do curso do inquérito: não se suspende a investigação policial, que deve terminar, propiciando ao órgão acusatório oferecer a denúncia ou queixa, havendo o seu recebimento, para, depois, discutir-se a proposta de suspensão do feito.” (Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado, 2009, pp. 279 e 280, nº 25). Como se vê, a superveniência de questões, ou mesmo de processos incidentes, não têm o condão de suspender o inquérito, em razão de seu caráter indisponível, que coloca o seu prosseguimento como uma exigência de ordem pública. Assim, mesmo com a superveniência de questões ou processos incidentes, deverá o procedimento investigativo prosseguir até o seu término. Apenas na hipótese de HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 70 a denúncia ser oferta pelo Ministério Público, e recebida pelo órgão jurisdicional competente, é que, então, já na fase processual jurisdicional penal, ou seja, com a ação penal já instaurada, é que deverá “discutir-se a proposta de suspensão do feito.” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 2009, pp. 279 e 280, nº 25). Na realidade, a suspensão do curso da atividade persecutória do Estado representa medida tão drástica que, mesmo no processo jurisdicional penal, isto é, mesmo quando a ação penal já foi instaurada, a sua suspensão, para solução de questão prejudicial cível, de que dependa a existência da infração penal, e relativa a matéria diversa daquelas enumeradas no art. 92, do mesmo Código, apenas poderá se dar “após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.”, como se lê no art. 93, caput, parte final, do CPP, que impõe, ainda, como condição à suspensão do curso do processo, que tenha “sido proposta” ação cível, e que a questão discutida “seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja a prova a lei civil limite”, verbis: - “Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente. § 1o O juiz marcará o prazo da suspensão, que poderá ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputável à parte. Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa. § 2o Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso. § 3o Suspenso o processo, e tratando-se de crime de ação pública, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento.”. Quer dizer, a ordem pública, que impõe a continuidade da atividade persecutória do Estado, é tão infensa à suspensão desta atividade indisponível, que impõe uma série de condições à suspensão do curso do próprio processo jurisdicional penal, e ainda obriga que essa suspensão se dê tão somente “após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente“. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 71 Portanto, por não haver nenhuma ilegalidade no ato impugnado por meio desta impetração, como se demonstrou por tudo quanto exposto até o momento, não há nenhum motivo que autorize este Eg. Tribunal Pleno a conceder a ordem pleiteada pela via do presente Habeas Corpus. E, além disso, ainda que, por error in judicando, esta Alta Corte de Justiça viesse a conceder a ordem, tal provimento jurisdicional não poderia determinar a suspensão do inquérito, em respeito ao princípio da indisponibilidade deste procedimento investigatório, que decorre do art. 17 do CPP. V. O ASPECTO PREVENTIVO DA IMPETRAÇÃO – DA INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA OU DE FUNDADO RECEIO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL Como relatado, o Impetrante requereu também, por meio do presente writ, “a expedição de salvo-conduto aos Pacientes, como previsto no CPP, art. 660, § 4º” (fls. 29 – vol. I). Muito embora a expedição de salvo-conduto aos Pacientes tenha sido pleiteada pelo Impetrante como tutela de urgência, ao requerer medida liminar neste Habeas Corpus, não me furto à apreciação deste pedido, porque, afinal de contas, o Impetrante pediu também, como tutela definitiva, “a confirmação da liminar ” (fls. 29 – vol. I). Quanto a este pedido de expedição de salvo-conduto, o presente Habeas Corpus reveste-se de caráter tipicamente preventivo, diferentemente do que se pode dizer em relação ao pedido de suspensão do inquérito, que veicula pretensão a uma ordem eminentemente positiva. Deste modo, quanto a este pedido de expedição de salvo-conduto, a presente impetração revela sua face preventiva, razão pela qual a concessão da ordem, neste ponto, depende da demonstração cabal da existência de “ameaça de violência ou coação ilegal à liberdade ambulatória”, que denote uma efetiva “potencialidade da prática ilegal de ato violador do direito de ir, ficar ou vir”, como recorda a doutrina de GAMIL FÖPPEL E RAFAEL SANTANA: “Por outro lado, será preventivo o habeas corpus quando existente ameaça de violência ou coação ilegal à liberdade ambulatória. Nesta espécie, o que se configura é a potencialidade da prática ilegal de ato violador do direito de ir, ficar ou vir.” (GAMIL FÖPPEL E RAFAEL SANTANA, Habeas Corpus, em Ações Constitucionais, 2011, p. 35, nº 4). HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 72 Ademais, a ameaça de constrangimento ilegal que fundamenta a concessão de ordem preventiva, com a consequente expedição de salvo-conduto, necessariamente há que ser uma ameaça objetivamente apta a inspirar um receio fundado de que a liberdade pessoal do paciente venha a ser restringida ilegal ou abusivamente. Vale dizer, com a doutrina, que “a ameaça de violência ou coação ilegal deve ser série e efetiva”, ou seja, “deve o receio do paciente de sofrer um mal injusto ser decorrente de fundadas razões, lastreadas em algum ato concreto” (GAMIL FÖPPEL E RAFAEL SANTANA, Habeas Corpus, em Ações Constitucionais, 2011, p. 35, nº 4), razão pela qual “'o mero temor ou suspeita vaga não autorizam a concessão do 'salvo-conduto' (...)'” (DEMERCIAN E MALULY, apud GAMIL FÖPPEL E RAFAEL SANTANA, art. cit., em ob. cit., 2011, p. 35, nº 4). Não é outra a posição consagrada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se vê em precedente do em. Min. Celso de Mello, que esclarece, com brilhantismo, que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientado que, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente o remédio do "habeas corpus", cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa - atual ou iminente - ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas.”: - “E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - DECISÃO QUE LHE NEGA TRÂNSITO IMPUGNAÇÃO A PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO) - INEXISTÊNCIA DE QUALQUER SITUAÇÃO DE DANO EFETIVO OU DE RISCO POTENCIAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DO PACIENTE - CONSEQÜENTE INADMISSIBILIDADE DO "WRIT" CONSTITUCIONAL - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO "HABEAS CORPUS" CESSAÇÃO (REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926) - RECURSO IMPROVIDO. A FUNÇÃO CLÁSSICA DO "HABEAS CORPUS" RESTRINGE-SE À ESTREITA TUTELA DA IMEDIATA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DAS PESSOAS. - A ação de "habeas corpus" não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao "jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque" do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do "habeas corpus" - haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes. - Considerações em torno da formulação, pelo Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição de 1891, da doutrina brasileira do "habeas corpus": a participação decisiva, nesse processo de construção jurisprudencial, dos Ministros PEDRO LESSA e ENÉAS GALVÃO e, também, do Advogado RUI BARBOSA. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientado que, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 73 revela pertinente o remédio do "habeas corpus", cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa - atual ou iminente - ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. Doutrina. Precedentes. (STF, HC 97119 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/04/2009, DJe-084 DIVULG 07-05-2009 PUBLIC 08-05-2009 EMENT VOL-02359-05 PP-00822). Tal posicionamento jurisprudência da Corte Supremo foi integralmente acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, como se vê em precedente da em. Min. LAURITA VAZ: - “HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PACIENTE CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONCESSÃO, NA SENTENÇA, DO DIREITO DE O PACIENTE APELAR EM LIBERDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE DELIBERAÇÃO, POR PARTE DO TRIBUNAL IMPETRADO, ACERCA DO PEDIDO PARA QUE O PACIENTE PERMANECESSE EM LIBERDADE, O QUE SEQUER FOI PLEITEADO A ESSE ÓRGÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA, POR PARTE DO TRIBUNAL DE ORIGEM, AO DIREITO AMBULATORIAL DO PACIENTE. FALTA DE ATO COATOR. NÃO CABIMENTO, NA HIPÓTESE, DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL DO HABEAS CORPUS. (…) 3. Incide na hipótese o entendimento de que não é cabível o remédio constitucional do habeas corpus se não há possibilidade de o direito ambulatorial do Paciente ser ilegalmente constrangido. 4. 'A ação de 'habeas corpus' não se revela cabível quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao 'jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque' do paciente. [...]. não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente o remédio do 'habeas corpus', cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa - atual ou iminente - ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. (STF - HC 97.119-AgR/DF, 2.ª Turma, Rel Min. CELSO DE MELLO, DJe de 08/05/.) 5. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 128943/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 22/03/2010). No mesmo sentido, seguem precedentes mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais “a mera suposição, sem indicativo fático, (…) não constitui uma ameaça concreta à liberdade do paciente capaz de justificar o manejo de Habeas Corpus preventivo.”, razão pela qual não se concede a ordem preventiva nas hipóteses em que “não há nos autos prova inequívoca de que a paciente se encontra na iminência de sofrer tal constrangimento ilegal, sequer demonstração de sua probabilidade,” como se lê em acórdãos da lavra do em. Min. NAPOLEÃO MAIA NUNES FILHO: - “HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ANTE A AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. RETRATAÇÃO EM JUÍZO DE UMA TESTEMUNHA, QUE, POR SI SÓ, HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 74 NÃO DEMONSTRA DE FORMA INEQUÍVOCA A INOCÊNCIA DO PACIENTE. EXPEDIÇÃO DE SALVO CONDUTO. PACIENTE SOLTO POR DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO. MERA SUPOSIÇÃO, SEM SUPORTE FÁTICO, DE POSSÍVEL DETERMINAÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO PELAS DECISÕES FUTURAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL CAPAZ DE JUSTIFICAR O MANEJO DE HABEAS CORPUS. PARECER DO MPF PELO PARCIAL CONHECIMENTO DO WRIT E, NESSA PARTE, PELA SUA DENEGAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. O trancamento da Ação Penal por meio de Habeas Corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparece dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, hipóteses não evidenciadas no caso concreto. 2. No caso, a retratação feita em Juízo por uma das testemunhas apenas, aliás, posteriormente indiciada por falso testemunho, por si só, não comprova de forma inequívoca a inocência do paciente, uma vez que existem outros indícios de autoria. 3. O paciente está solto por decisão do TJTO e não há ordem de prisão. A mera suposição, sem indicativo fático, de que as futuras decisões (pronúncia, sentença e acórdão) poderão determinar a expedição de mandado de prisão não constitui uma ameaça concreta à liberdade do paciente capaz de justificar o manejo de Habeas Corpus preventivo. 4. Habeas Corpus denegado.” (STJ, HC 109.089/TO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 27/06/2011). - “HABEAS CORPUS PREVENTIVO. EXECUÇÃO PENAL. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. PENA APLICADA: 8 ANOS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO DE CONCESSÃO DE SALVO CONDUTO PARA COLOCAÇÃO DO PACIENTE EM REGIME ABERTO. ALEGAÇÃO DE QUE A PACIENTE SE ENCONTRA NA IMINÊNCIA DE SER SUBMETIDO A REGIME MAIS GRAVOSO POR AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO NÃO DEMONSTRADA. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Embora esta Corte Superior tenha assentado o entendimento de que a ausência de vagas em estabelecimento penal adequado ao regime prisional de cumprimento da pena não justifica a colocação do condenado em regime mais gravoso, não há nos autos prova inequívoca de que a paciente se encontra na iminência de sofrer tal constrangimento ilegal, sequer demonstração de sua probabilidade, o que impede o conhecimento do writ. Precedentes.” 2. Habeas Corpus não conhecido, em conformidade com o parecer ministerial. (STJ, HC 189.109/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 26/05/2011). Este mesmo posicionamento jurisprudencial do STJ também está muito bem sintetizado em precedente da em. Min. NANCY ANDRIGHI, no qual se esclarece que “a concessão da ordem de habeas corpus preventivo não prescinde da cabal demonstração de iminente ordem judicial que seja considerada ilegal, segundo o entendimento jurisprudencial sobre o tema.”: - “AGRAVO EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. - A concessão da ordem de habeas corpus preventivo não prescinde da cabal demonstração de iminente ordem judicial que seja considerada ilegal, segundo o entendimento jurisprudencial sobre o tema. HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 75 - Recurso não provido.” (STJ, AgRg no RHC 28.381/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 02/02/2011). No caso dos autos, porém, o Impetrante simplesmente não logrou demonstrar que a existência de qualquer ato ilegal ou abusivo, que pudesse caracterizar uma ameaça efetiva, objetivamente apta a inspirar fundado receio de que a liberdade pessoal dos Pacientes venha a ser violada. Em relação ao Paciente MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY, basta lembrar que, o Delegado de Polícia Federal, apontado e admitido, neste processo, como autoridade coatora, informou que o Deputado Estadual MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY “em momento algum foi intimado ou convocado a comparecer em sede policial e(,) assim(,) prestar esclarecimento sobre os fatos”, razão pela qual, conclui o Deputado de Polícia Federal, “insurgiu-se contra ato desta autoridade que sequer foi realizado.” (fls. 745 – vol. II). Isso está comprovado documentalmente às fls. 749 – vol. II, em que encontram-se certidões subscritas por Escrivão de Polícia Federal, que dão conta de que “o Deputado Estadual MAURO TAPETY, não foi intimado nos autos do RE nº 03/2011 – SR/DPF/PI” (fls. 747 – vol. II): - “CERTIFICO que o Deputado Estadual MAURO TAPETY, (sic) não foi intimado nos autos do RE nº 03/2011-SR/DPF/PI. O referido é verdade e dou fé. Teresina/PI, aos 29 dia(s) do mês de julho de 2011. Eu, _______ MARCUS AURELIO DO BOMFIM VISGUEIRA, Escrivão de Polícia Federal, que a lavrei.” (fls. 747 – vol. II). Ora, as siglas “RE nº 03/2011 – SR/DPF/PI”, constante desta Certidão do Escrivão de Polícia Federal, induvidosamente, são uma referência aos autos de Inquérito que, no TJ-PI, foram autuados como “Inquérito Policial nº 2010.0001.007594-7”, a que está relacionado o presente Habeas Corpus. É que, no âmbito da Superintendência Regional da Polícia Federal, no Estado do Piauí, tal inquérito é referido, também, pelas siglas “RE nº 03/2011 – SR/DPF/PI”, como indica o próprio Impetrante, na inicial deste writ, em cujas primeiras linhas se lê que “o inquérito policial (sic) em referência, embora com números diferentes, é um só (...)” (fls. 03 – vol. I). HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 76 Diante de casos como o dos autos, em que não se configurou ameaça efetiva, que pudesse incutir fundado receio de que o Paciente viesse a sofrer constrangimento ilegal, mas, ao contrário, pode-se inferir, das informações da autoridade coatora, que esta possibilidade de constrangimento ilegal não existe, o Supremo Tribunal Federal sequer conhece da impetração, como se depreende dos precedentes abaixo: “EMENTA: I. STF: competência originária: habeas corpus preventivo contra alegada ameaça de prisão para extradição, imputada a autoridade policial brasileira: precedente (HC 80923). II. Habeas corpus preventivo: ameaça desmentida pelas informações, nas quais a autoridade policial impetrada dá conta de que, ciente de depender a prisão preventiva para extradição de decisão do STF, não atenderá ao pedido de detenção oriundo de órgão judiciário estrangeiro.” (STF, HC 82686, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2003, DJ 28-03-2003 PP-00064 EMENT VOL-02104-03 PP00422). “EMENTA: - DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS: IMPETRAÇÃO PARA SE GARANTIR O ACESSO DOS IMPETRANTES ÀS DEPENDÊNCIAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ALEGAÇÃO DE QUE SE SENTIRAM CERCEADOS, EM SEU DIREITO DE LOCOMOÇÃO, NO RECINTO, POR UM DEPUTADO FEDERAL. 1. Ao que se colhe dos autos, os impetrantes sentiram-se ameaçados, em seu direito de locomoção, no recinto da Câmara dos Deputados, por certo Deputado Federal. 2. Este, por sua vez, negou a ameaça. 3. E nenhuma prova se fez de que ela tenha mesmo acontecido, hipótese em que se poderia cogitar de "Habeas Corpus" preventivo, ou, eventualmente, de sua conversão em Mandado de Segurança, com a mesma natureza. 4. Todavia, não estando evidenciada, nos autos, nem mesmo a alegada ameaça atribuída ao parlamentar, o pedido não pode ser conhecido. (STF, HC 81604, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 06/08/2002, DJ 21-02-2003 PP-00042 EMENT VOL-02099-03 PP00432). “EMENTA: Reclamação. Cabimento. Constituição Federal, art. 102, I, "l". 1. A decisão monocrática do Relator perante o Superior Tribunal de Justiça sujeita-se ao crivo do colegiado julgador no qual S.Exa. tem assento e a eventual posterior recurso perante esta Corte. Quando insiste no cumprimento de determinação endereçada a autoridade que já não detém poderes para atendê-la, em razão de alteração legislativa ocorrida, nem por isso, está aquele Relator invadindo competência do Supremo Tribunal Federal. Isto somente ocorreria se houvesse redirecionado a ordem ao Sr. Presidente da República, autoridade que, agora, centraliza poderes para a liberação de verbas pretendida e cujos atos são revisados, na via do mandado de segurança, exclusivamente por esta Corte (Constituição Federal, art. 102, I, "d"). Não se verifica, portanto, a primeira hipótese (Constituição Federal, art. 102, I, "l") em que cabível a reclamação, vale dizer, para preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Tampouco a segunda hipótese, a de garantir a autoridade das decisões desta Corte, está configurada, pois que, na ADIN nº 2.564, em que se questiona a alteração legislativa cuja aplicação dá margem à controvérsia, só se apôs, até agora, determinação de tomada de informações. 3. Deixa-se de conceder habeas corpus preventivo posto que [rectius: porque], inobstante o tom incisivo das determinações do eminente Relator, falece-lhe competência para a adoção de medidas que possam representar eventual constrangimento à liberdade da autoridade administrativa. Nas infrações comuns, como nos crimes de responsabilidade, o Sr. Ministro de Estado encontra-se sujeito, exclusivamente, à jurisdição deste Supremo Tribunal Federal (Constituição HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 77 Federal, art. 102, I, "c"). 4. Reclamação não conhecida. (STF, Rcl 1984 MC, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2001, DJ 28-11-2003 PP-00012 EMENT VOL-02134-01 PP-00080). “EMENTA: Habeas corpus. 2. Pretendida exclusão dos pacientes, desde logo, do inquérito, e que não sejam presos, nem processados, em decorrência dos fatos investigados por Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI. 3. Não é cabível, sem exame de fatos concretos, reconhecer que esteja a CPI impedida de investigar os pacientes. Além disso, não há indicação de ato concreto e específico, por parte do órgão tido por coator, a evidenciar a prática de comportamento abusivo ou ilegal, ou ameaça à liberdade de ir e vir dos pacientes, o que não se há de ter como caracterizado pela só circunstância de convocação para depor na CPI. 4. Habeas corpus preventivo deferido, parcialmente, tão-só, para que seja resguardado aos acusados o direito ao silêncio, por ocasião de seus depoimentos, de referência a fatos que possam constituir elemento de sua incriminação. (STF, HC 80584, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2001, DJ 06-04-2001 PP-00069 EMENT VOL-02026-05 PP-01094). É importante ressaltar que, embora o STF aprecie a questão da existência de ameaça efetiva, ou receio fundado, de constrangimento ilegal ainda na admissibilidade do writ, e dê pelo seu não conhecimento quando não verificado tal condição da ação (interesse de agir), é possível alegar esta matéria na apreciação do mérito, porquanto a inexistência de ameaça impede a própria concessão da ordem preventiva. Assim, como o Paciente MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY sequer chegou a ser intimado para prestar esclarecimentos no inquérito, e, portanto, não há qualquer ato que possa ser tomado como uma ameaça efetiva à liberdade pessoal daquele parlamentar, a ordem preventiva impetrada não pode ser concedida. O mesmo se pode dizer quanto ao Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, em cuja intimação não se pode identificar nenhuma menção a “condução coercitiva”, ou medida semelhante, que pudesse caracterizar uma ameaça efetiva, ou fundado receio de violação à sua liberdade pessoal. Ao contrário, o que se vê é um mero ato ordinário de comunicação, pelo qual a Autoridade indicada como coatora “solicita” a presença do Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA (fls. 41 – vol. I). Em face destas circunstâncias, como não foi demonstrada a existência de ameaça concreta, a inspirar fundado receio de que a liberdade pessoal dos HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 78 Impetrantes venha a sofrer constrangimento ilegal, não há razões para a concessão da ordem preventiva, com a expedição de salvo-conduto. VI. DECISÃO Diante de todo o exposto, pôde-se verificar que i) a Polícia Federal foi, sim, investida constitucional e legalmente de atribuições investigativas, que lhe foram delegadas diretamente pela autoridade competente para a presidência do Inquérito Judicial Originário nº 2010.0001.007594-7, que é o em. Desembargador-Relator, na linha da jurisprudência do STF, e com base no art. 123, inc. III, alínea “c”, da Constituição do Estado do Piauí, c/c art. 4º, caput, do CPP; ii) a delegação pela qual o em. Desembargador-Relator transferiu atribuições investigativas à Polícia Federal não apenas atendeu a todos os requisitos de validade, como também se mostrou razoável, proporcional, e até mesmo imprescindível ao bom desenvolvimento do inquérito judicial originário; iii) não houve qualquer ofensa à prerrogativa do art. 221 do CPP, que não é titularizada pelo Paciente JOSÉ RIBAMAR NOLETO DE SANTANA, e que, mesmo em relação ao Paciente MAURO EXPEDITO REIS DE FREITAS TAPETY, não precisa ser observada na fase de inquérito, pois só se aplica no curso da ação penal, e às autoridade que figurem ou como vítima, ou como testemunha, isto é, como pessoa desinteressada; iv) consequentemente, o ato apontado como coator não se reveste de nenhum traço de ilegalidade, ou abusividade; v) o pedido de suspensão do inquérito carece de qualquer base legal, e, além disto, é inviabilizado pelo princípio da indisponibilidade, que, como consectário do preceito do art. 17 do CPP, determina que o procedimento investigatório não se suspende nem mesmo com a superveniência de questões ou processos incidentes; vi) como não foi demonstrada a existência de ameaça concreta, a inspirar fundado receio de que a liberdade pessoal dos Impetrantes venha a sofrer constrangimento ilegal, não há razões para a concessão da ordem, preventiva, com a expedição de salvo-conduto. Daí porque voto pela denegação integral da ordem impetrada. É como voto. FRANCISCO ANTÔNIO PAES LANDIM FILHO HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 79 Desembargador HABEAS CORPUS Nº 2011.0001.003872-4 / TERESINA – VOTO-VISTA (MÉRITO) 80