AS MEDIDAS CAUTELARES NA REFORMA DA LEI Nº 12.403/11
JORGE ASSAF MALULY
Procurador de Justiça
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN
Procurador de Justiça em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito
Processual Penal pela PUC/SP. Professor de Processo Penal no Curso
de Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) e nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
1. Aspectos gerais
A Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, no esteio de outras normas que
modificaram profundamente o CPP, tratou da prisão, da liberdade provisória e
criou outras medidas de natureza cautelar que podem ser aplicadas pelo juiz ao
investigado ou acusado. A sua edição busca atualizar o tratamento dado a esses
institutos, buscando superar eventuais distorções que o tempo e outras legislações
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produziram no CPP. As novas disposições ainda procuram alinhar o nosso sistema
com as legislações de outros países como Portugal e Itália.
Com efeito, o intuito dessas modificações foi precipuamente criar outras
medidas cautelares, concentradas anteriormente na prisão preventiva. Como se
verá adiante, o tratamento dado à prisão preventiva não se alterou
substancialmente, mantendo-se a necessidade de sua aplicação apenas nas
hipóteses do art. 312 do CPP e quando não for possível a sua substituição por
outra medida cautelar. Além disso, foi admitida mais uma situação de prisão
preventiva, quando o sujeito não descumprir quais das obrigações impostas por
força de outras medidas cautelares. Foi criada, igualmente, a prisão domiciliar de
natureza cautelar, antes admitida apenas na fase de execução penal, em algumas
hipóteses restritas, nos termos do art. 117 da LEP.
As medidas cautelares, de natureza prisional ou não, devem observar
algumas regras comuns. Nos termos do art. 282, incisos I e II, do CPP devem ser
necessárias à aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e,
nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, bem
como precisam ser adequadas à gravidade do crime, suas circunstâncias e
condições pessoais do indicado ou acusado. Esses dispositivos revelam duas
regras norteadoras da incidência das medidas cautelares: a necessidade e a
adequação aos seus objetivos. Aliás, as circunstâncias previstas no art. 282, I, do
CPP muito se assemelham às hipóteses da prisão preventiva, citadas no art. 312,
caput, do CPP (como garantia da ordem pública ou econômica, para garantir a
aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal).
As medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, para
atender os seus objetivos e serem eficientes, nos termos traçados nos incisos I e II
do art. 282 do CPP.
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O juiz pode decretar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do
assistente de acusação ou do querelante, bem como por representação da
autoridade policial (art. 282, §2º). Na fase de investigação criminal, como não se
pode falar ainda em acusação, somente o Ministério Público e a autoridade
policial podem pleitear ao juiz a aplicação de uma medida cautelar. Contudo,
quando se tratar de crime de ação penal privada, é razoável entender que o
ofendido possa postular uma cautela diretamente ao magistrado, dependendo da
urgência da situação.
A parte interessada deve fazer um requerimento da medida cautelar que
pleiteia e, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da media, o
juiz determinará a intimação da parte contrária (investigado ou acusado),
acompanhada de cópia do pedido e das peças necessárias, para se manifestar.
Naturalmente, com essa intimação, a pessoa alcançada pela medida cautelar
pretendida poderá se manifestar sobre ela e o seu cabimento. Por outro lado,
segundo o §3º do art. 282 do CPP, somente se exige o conhecimento prévio do
requerimento e da documentação quando não houver urgência ou perigo de
ineficácia da medida. Não obstante, aquele que for atingido pela cautela sempre
poderá se manifestar posteriormente à adoção da cautela e pleitear a sua
revogação. Se a medida for constritiva da liberdade, o acusado ou investigado
ainda poderá ingressar com pedido de habeas corpus no juízo competente, se
entender presente alguma ilegalidade.
A aludida regra da adequação não se restringe, apenas, à adoção das medidas,
mas também à sua execução. No caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas cautelarmente, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da
acusação, substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último caso,
decretar a prisão preventiva (art. 282, §4º, e 312, parágrafo único, ambos do CPP).
A cautela ainda pode ser revogada quando o juiz verificar a falta de motivo para
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que subsista ou substituí-la para adequá-la a novas circunstâncias, bem como
voltar a decretá-la se sobrevierem razões que a justifiquem (art. 282, §5º, do CPP).
A prisão preventiva somente deve ser decretada se nenhuma outra medida
cautelar for adequada ou quando o investigado ou acusado descumprir as
obrigações impostas por uma cautela de caráter não prisional (art. 282, §§ 4º e 6º,
do CPP). Além disso, as medidas cautelares, de natureza prisional ou não,
somente podem incidir quando o delito cometido for apenado isolada, cumulativa
ou alternativamente com pena restritiva de liberdade. Portanto, uma contravenção
penal punida exclusivamente com multa ou mesmo o crime do art. 28 da Lei
Antidrogas não estão sujeitos a qualquer medida cautelar introduzida pela Lei nº
12.403, de 4 de maio de 2011.
A legislação processual não dispõe sobre qual recurso é cabível na hipótese
de aplicação, substituição ou cumulação de outra medida cautelar não prisional ou
mesmo decretação da prisão preventiva, em caso de descumprimento de anterior
medida cautelar. Cuidando-se de fiança, prevista como medida cautelar, o art.
581, V, do CPP prevê a interposição de recurso em sentido estrito da decisão que
a conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea. Por analogia, não havendo
outra hipótese possível, a melhor solução é adotar a mesma previsão recursal.
2. As Medidas Cautelares diversas da prisão
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Buscando alinhar-se com a legislação de Portugal e Itália e com uma
proposta mais equilibrada entre as exigências de segurança da coletividade e o
respeito aos direitos fundamentais, a Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 criou
uma série de medidas cautelares diversas da prisão cautelar que podem ser
aplicadas pelo juiz, considerando a sua necessidade e adequação, nos termos do
art. 282 do CPP.
A reforma legislativa teve como intuito a substituição de um sistema que
privilegiava unicamente a prisão cautelar como resposta a uma situação de risco à
sociedade e à persecução penal por outro em que o rol de medidas que podem ser
adotadas é maior. Tais cautelas devem ser aplicadas dentro de um critério de
estrita necessidade e coerência com o objetivo pretendido.
O legislador, diversamente do critério adotado para a decretação da prisão
preventiva, não estabeleceu condições gerais para a adoção das medidas cautelares
não restritivas da liberdade. Assim, em princípio, podem ser aplicadas para
qualquer espécie de delito, desde que, naturalmente, sejam apenadas isolada,
cumulativamente ou alternativamente com pena privativa de liberdade (art. 283,
§1º, CPP) e observem os requisitos cautelares do fumus boni iuris e do periculum
in mora. Contudo, assim como a prisão preventiva, as medidas cautelares
dispostas no art. 319 do CPP somente podem ser impostas se houver prova da
existência do crime e indício suficiente da autoria e quando forem necessárias
para assegurar a aplicação da lei penal, a investigação ou instrução criminal e, nos
casos expressamente previstos, para evitar a prática de novas infrações penais pelo
agente. São respostas mais brandas, conforme o delito cometido, suas
circunstâncias e as condições pessoais do agente.
Foram previstas as seguintes medidas cautelares não prisionais:
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I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições
fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de
novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando,
por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou
acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga
quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de
sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes
praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código
Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o
comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu
andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
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IX – monitoração eletrônica.
A ordem legal estabelecida no art. 319 sugere uma gradação das medidas
segundo o grau de intensidade de restrição de direito, variando de uma medida
menos rigorosa (comparecimento periódico...) para alternativas mais limitadoras e
contundentes (fiança e monitoração eletrônica). Essa constatação não nos parece
ociosa, pois proporcionará ao juiz os critérios de aplicação das medidas
alternativas à prisão preventiva de acordo com a necessidade, suficiência e
gravidade da infração penal apurada.
As medidas previstas nos incisos I e IV do art. 319 do CPP são conhecidas
obrigações do sursis e da suspensão condicional do processo cuja maior análise é
desnecessária. No caso de ser proibida a ausência do agente do País, essa medida
deve ser comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas
do território nacional, intimando-se o agente a entregar o passaporte, no prazo de
24 horas. A cautela disposta no inciso II do referido dispositivo também é comum
ao sursis, mas a sua redação é distinta, fazendo referência expressa que os lugares
cujo acesso ou frequência são proibidos ao agente são relacionados ao fato e tem o
fim de evitar a prática de novas infrações.
A proibição de manter contato com pessoa determinada (art. 319, III)
também já era prevista na Lei nº 11.340/06, que cuida da violência doméstica,
como medida protetiva de urgência. Agora, tal providência pode ser adotada para
qualquer delito, obrigando o investigado/acusado a permanecer distante de pessoa
determinada.
O inciso V do art. 319 do CPP prevê o recolhimento domiciliar do agente no
período noturno e nos dias de folga, quando tenha residência e trabalho fixos.
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Essa medida cautelar assemelha-se ao regime de prisão-albergue domiciliar
previsto na LEP. Dessa forma, tratando-se de uma forma de restrição da liberdade
de ir e vir da pessoa, sua adoção deve seguir os mesmos critérios da prisão
preventiva. Não nos parece razoável, assim, decretar o recolhimento domiciliar se
o delito for apenado apenas com multa ou se for culposo.
O CPP também autoriza a suspensão cautelar do exercício de função pública
ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio
de sua utilização para a prática de infrações penais. Assim, por exemplo, um
empresário que utiliza de seu negócio para praticar crimes financeiros ou
patrimoniais ou o tráfico de entorpecentes pode ser afastado de sua atividade
como garantia da segurança pública. Do mesmo modo, um agente policial que se
aproveita das facilidades e instrumentos que o seu cargo público propiciar para a
prática delituosa, pode ser suspenso provisoriamente de suas funções por decisão
judicial. Convém lembrar que a decretação do afastamento cautelar do funcionário
público denunciado por tráfico de entorpecente já estava prevista na Lei nº
11.343/06, quando o juiz recebia a denúncia. Agora, tal providência pode ser
adotada mesmo na fase investigatória.
A possibilidade de internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes
praticados com violência ou grave ameaça, após a realização de uma perícia
específica e conclusiva da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado
torna-se possível, em face do disposto no art. 319, VII, do CPP, quando houver
risco de reiteração criminosa. O dispositivo refere-se a acusado, denotando a
intenção do legislador de excluir a adoção dessa medida na fase investigatória. A
internação provisória deve ocorrer em um Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico, como dispõe o art. 99 da LEP e o art. 96, I, do CP. A previsão dessa
medida cautelar vem para corrigir uma situação de injustiça que existia, quando a
periculosidade do agente não permitia a manutenção de sua liberdade e era
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determinada a sua prisão preventiva, com o seu recolhimento em estabelecimentos
impróprios para o seu tratamento e em celas ocupadas com presos comuns.
A fiança, antes empregada apenas nos casos de liberdade provisória, pode ser
exigida, também, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento
do acusado a atos do processo ou evitar a obstrução de seu andamento ou em caso
de resistência injustificada a ordem judicial (art. 319, VIII, do CPP). Como se vê,
ocorreu uma ampliação das situações em que pode ser imposta, inclusive
admitindo-se sua imposição no caso de descumprimento das obrigações impostas
por outra medida cautelar.
Por fim, a monitoração eletrônica do investigado/acusado, antes prevista
apenas no curso da execução penal, pode ser determinada por ordem judicial no
curso da investigação ou da ação penal. A pessoa submetida a essa medida deverá
ter adotar os necessários cuidados com o equipamento, além de abster-se de
remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de
monitoração eletrônica, ou de permitir que outrem o faça.
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