A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI NO
RECURSO ESPECIAL
HUGO DE BRITO MACHADO
Advogado, Professor Titular de Direito Tributário da
Universidade Federal do Ceará e Desembargador Federal do
Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Aposentado)
Como é sabido, no âmbito do recurso especial o Superior
Tribunal de Justiça não examina questões de constitucionalidade. Este é o
entendimento que decorre da atribuição ao Supremo Tribunal Federal da
competência para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida
contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face da Constituição Federal.1 Há, todavia, situação na qual
o Superior Tribunal de Justiça deve examinar a questão constitucional no
âmbito do recurso especial, sob pena de deixar a parte vencida sem
direito
ao
exame
judicial
de
sua
pretensão
ao
controle
de
constitucionalidade.
Realmente, pode ocorrer que uma questão chegue ao tribunal
de segunda instância envolvendo uma questão de constitucionalidade de
lei, e ao lado desta também questões relativas à interpretação e
aplicabilidade da mesma lei. E o tribunal, sem examinar a questão
constitucional, decida a favor da parte que alegara a inconstitucionalidade
por outros fundamentos. Neste caso, como não foi decidida questão
constitucional, não será cabível o recurso extraordinário. A parte que
alegara a inconstitucionalidade, como vencedora, não pode recorrer da
1
Constituição Federal, art. 103, inciso III.
MACHADO, Hugo de Brito. A questão da inconstitucionalidade da lei no recurso
especial. 2002. Disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br>. Acesso em: 19
out. 2005.
A Questão da Inconstitucionalidade da Lei no Recurso Especial
decisão, e a parte contrária, vencida, certamente não vai tocar na questão
constitucional porque o recurso de que dispõe é apenas o especial.
Nas contra-razões do recurso especial, todavia, a recorrida
deve colocar a questão constitucional, que há de ser apreciada pelo
Superior Tribunal de Justiça, se este acolher os argumentos da recorrente
quanto às questões infraconstitucionais. E ao julgar o Recurso Especial o
STJ, se a este der provimento haverá de decidir a questão constitucional.
Pedido com duplicidade de fundamentos: inaplicabilidade da
disposição legal questionada e alegação de sua inconstitucionalidade.
Acolhimento do primeiro, no julgamento da apelação, não examinado o
segundo, por desnecessário. Conhecido o especial e tida como contrária à
lei a razão de decidir do acórdão recorrido, cumpre passar ao exame da
alegação de inconstitucionalidade.
Embargos declaratórios acolhidos.2
Fundamenta
esclarecedora
este
manifestação
entendimento
do
Ministro
a
judiciosa
Eduardo
e
Ribeiro,
bastante
que
em
julgamento proferido na Terceira Turma do STJ assim votou:
A criação do Superior Tribunal de Justiça, e do recurso
especial, teve como objetivo induvidoso reservar ao
Supremo
Tribunal,
precipuamente,
o
controle
de
constitucionalidade, deferindo-se à nova corte velar pela
integridade e uniformidade da aplicação do direito federal
infraconstitucional. Ocorre que a divisão de competência,
entre os dois Tribunais, fez-se deixando restos muito
significativos. Tanto um poderá, em certas hipóteses,
examinar questões que digam estritamente com a
interpretação das leis, como ao outro é também confiado o
controle difuso de constitucionalidade das leis, ainda que em
casos não muito freqüentes.
2
STJ Embargos de Declaração no RESp nº 73.106 – RS, julgado em 26.02.96, rel.
Ministro Eduardo Ribeiro.
MACHADO, Hugo de Brito. A questão da inconstitucionalidade da lei no recurso
especial. 2002. Disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br>. Acesso em: 19
out. 2005.
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A Questão da Inconstitucionalidade da Lei no Recurso Especial
Não pode haver dúvidas de que aquele controle será
exercido, sem limitações, quando se cogite de competência
originária, ou do julgamento de recurso ordinário. Coloca-se
a questão relativamente ao especial. Abstenho-me de
examinar, por desnecessário, no caso, o tormentoso
problema que resulta do contido na letra "b" do item III do
artigo 105 da Constituição. Interessam as hipóteses das
letras "a" e "c". Será o especial cabível quando a decisão
recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou der-lhe
interpretação diversa da acolhida por outro Tribunal. Parece,
à primeira vista, que, não contemplada a contrariedade à
Constituição, a ensejar recurso extraordinário (105, III, "a"),
não se colocaria a possibilidade do controle em exame.
Assim não é, entretanto. Pode suceder que o Tribunal local
haja decidido de modo a violar o disposto em determinada
lei, ou dissentido da interpretação que lhe foi dada por outro
julgado. O especial, em conseqüência, haverá de ser
conhecido. Entretanto, não se afasta entenda a Turma que
aquela mês alei é inconstitucional. Assim entendendo haverá
de declará-lo. O recorrente, que teria direito, em vista do
estabelecido na lei ordinária, não o tem por derivar de
norma que não se ajusta à Constituição. Isto este Tribunal
deverá verificar. Note-se que o recorrido, a quem
interessaria o reconhecimento da inconstitucionalidade, não
poderá
recorrer
extraordinariamente,
pleiteando
tal
declaração, por falta de interesse, já que não sucumbiu. A
solução não pode ser outra. Ao Superior Tribunal de Justiça
admitindo que a lei, em princípio, confere o direito
postulado, não será lícito furtar-se ao exame de sua
constitucionalidade. 3
Se o Superior Tribunal de Justiça, em situações desse tipo, dá
provimento ao recurso especial e não examina a questão constitucional,
deve o recorrido interpor embargos de declaração. Neste sentido é
esclarecedor o acórdão no qual, tendo deixado de examinar a questão
constitucional, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu
embargos de declaração para, suprindo a omissão, abrir vista ao
Ministério Público e em seguida decidir a questão constitucional suscitada,
invocando o Ministro Eduardo Ribeiro as razões de voto, acima transcritas,
para a final proferir acórdão que porta a seguinte ementa:
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STJ, Terceira Turma, REsp n° 2.658.
MACHADO, Hugo de Brito. A questão da inconstitucionalidade da lei no recurso
especial. 2002. Disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br>. Acesso em: 19
out. 2005.
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A Questão da Inconstitucionalidade da Lei no Recurso Especial
Recurso especial. Possibilidade de cuida-se de matéria
constitucional quando o pedido tenha dois fundamentos e o
de natureza constitucional não é examinado na origem
porque acolhido o pedido com base no outro. Afastado o que
levou à procedência do pedido, cumpre passar-se à alegação
de inconstitucionalidade que, de outra forma, jamais seria
examinada, uma vez que o vencedor não poderia interpor
extraordinário, por falta de interesse de recorrer. Correção
monetária. Artigo 75 da Lei 7.799/89. Constitucionalidade.A
aplicação do índice de 1,2879 visou a corrigir, em parte, a
distorção causada pelo congelamento estabelecido pela Lei
7.730/89 (MP 32), não ferindo direitos adquiridos.4
No caso em referência a Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça considerou não existir a inconstitucionalidade alegada. Por isto
o julgamento ficou encerrado na Turma, cabendo ao interessado o direito
de interpor o recurso extraordinário. Tivesse adotado o entendimento
contrário, o caso teria de ser apreciado pela Sessão daquele Tribunal, em
face da exigência constante do art. 97 da Constituição Federal.
Afirmada a inconstitucionalidade, pela Sessão, a parte que
vinha
sustentando
a
constitucionalidade,
então
vencida,
terá
a
oportunidade para interpor o recurso extraordinário com fundamento no
art. 103, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal. Afirmada a
constitucionalidade, estará aberta para a parte contrária a oportunidade
para o recurso extraordinário, com fundamento no art. 103, inciso III,
alíneas "a" e "c", da Constituição Federal.
A manifestação explícita do Superior Tribunal de Justiça,
afirmando a constitucionalidade da lei federal, tem a finalidade de
estabelecer o preqüestionamento, tido como requisito para o recurso
extraordinário. Entretanto, penso que em casos assim o extraordinário
será cabível, mesmo quando no âmbito do recurso especial não tenha sido
ventilada a questão constitucional e o caso termine com o julgado da
Turma, pela constitucionalidade. É que neste caso o acórdão proferido
4
STJ Embargos de Declaração no RESp nº 73.106 – RS, julgado em 26.02.96, rel.
Ministro Eduardo Ribeiro
MACHADO, Hugo de Brito. A questão da inconstitucionalidade da lei no recurso
especial. 2002. Disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br>. Acesso em: 19
out. 2005.
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A Questão da Inconstitucionalidade da Lei no Recurso Especial
pelo STJ apenas substitui aquele proferido pelo tribunal de segunda
instância, e neste se deu o preqüestionamento, pelo que razão não há
para desconsiderá-lo.
Seja como for, diante de acórdão do Superior Tribunal de
Justiça que aplica lei cuja inconstitucionalidade fora sustentada nas
instâncias ordinárias, é recomendável a interposição dos embargos
declaratórios, assim como recomendável é a insistência, nas contra razões
do recurso especial, da argüição de inconstitucionalidade, cujo exame fezse desnecessário no tribunal de segunda instância. Com isto evita-se o
argumento da ausência de preqüestionamento, como razão para o não
conhecimento do recurso extraordinário. NOTAS:
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MACHADO, Hugo de Brito. A questão da inconstitucionalidade da lei no recurso
especial. 2002. Disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br>. Acesso em: 19
out. 2005.
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