20.03.2004 35 O Sigilo dos Cartões de Crédito As administradoras de cartão de crédito são possuidoras de relevantes dados de seus clientes, informes estes que sempre foram tidos como invioláveis, considerando-se as disposições do inciso XII do artigo 5o da CF. Esses direitos e essas garantias esculpidas no artigo 5º são cláusulas pétreas não passíveis de alteração ou modificação, isso porque, de acordo também com o inciso IV, parágrafo 4º do art. 60 da Carta Magna, não há possibilidade sequer de deliberação de emenda constitucional que pretenda abolir esses sagrados direitos e garantias asseguradas a todo cidadão. Do tratamento de tal matéria pela nossa legislação, até 15 de julho próximo passado, verifica-se atualmente vigente a malfadada Lei Complementar no.105, que revogou o art.38 da Lei no.4.595, de 31 de dezembro 1964, o qual determinava que as instituições financeiras deveriam conservar o sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, ficando determinado que o sigilo só deveria ser quebrado em virtude de necessidade de apuração de ocorrência de eventos ilícitos, existentes então em trâmite de inquérito ou processo judicial, de acordo com o parágrafo 4o do artigo 1o. da LC no 105/01, enumerando-se neste conteúdo os crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social. A constitucionalidade da Lei Complementar no.105 é ainda matéria de ampla discussão, já que, da própria moldura constitucional, verberam vozes contra a sua adoção, não se reportando nunca ser possível a redução, alteração ou modificação desses direitos, mesmo que lei complementar. E,pelo que se sabe, ainda não há maiores manifestações do STF sobre a matéria, o que agrava o rol de incertezas sobre sua constitucionalidade. Com a Instrução Normativa no.341, de julho de 2003, em mais um procedimento que repete a longa tradição de desobediências constitucionais, extrapolam-se os limites dos poderes de uso das instruções normativas, isso porque essa espécie normativa não possui a capacidade legal de alterar fundamentos do Direito Positivo brasileiro. A capacidade de uma instrução normativa é, na verdade, estruturalmente limitadíssima, no máximo com a função de elucidar, esclarecer, explicar. Salvo entendimento, interpretar melhor e, assim, conceituar mecanismos de texto legislativo, tais como leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos presidenciais. Não é essa a sua função? Estatuindo em seu piso a Declaração de Operações em Cartões de Crédito, em que as administradoras de cartões de crédito obrigam-se a informar as operações efetuadas com cartão de crédito e os montantes globais mensalmente movimentados por usuários, de acordo com o caput do artigo 2o, IN no 341, restará concluído agora que não há mais necessidade de inquérito ou processo judicial em andamento para invasão de uma garantia constitucional. Inovou, pois, a nova norma, e, assim pessoas físicas e jurídicas com compras superiores aos limites de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), no caso das primeiras; e R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos das segundas, o Fisco entende que tem direito de violar movimentações. Albergando tal procedimento, estarão fulminados os dispositivos constitucionais de 1988, prática com a qual os legisladores tributantes estão acostumados, afinal para que lhes sirva mesmo a Constituição mais do que simplesmente para enfeitar bibliotecas. (Artigo publicado na Folha de Pernambuco, Recife, Pernambuco, em 20.03.2004)