E-LEARNING E LITERACIA: DA INFORMAÇÃO AO CONHECIMENTO Inês GOMES & Nelson LIMA SANTOS Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal [email protected] & [email protected] Este trabalho discute e analisa as potencialidades das novas tecnologias da informação e da comunicação, em geral, e do e-learning, em particular, na promoção da(s) literacia(s) e, consequentemente, do bem-estar pessoal, profissional e social dos indivíduos. De facto, as constantes e permanentes mudanças que se fazem sentir na actual Era da Informação e do Conhecimento, rapidamente veiculadas pelas novas tecnologias, colocam um conjunto de exigências educacionais que apelam a uma aprendizagem contínua de novos conhecimentos, de novas capacidades e de novas competências. Ora, estas (re)aprendizagens serão potenciadas e facilitadas se os níveis de literacia forem elevados, pois só assim será possível transformar de forma eficaz a informação em conhecimento, o que, por sua vez, permitirá o desenvolvimento de novas literacias. Neste quadro, o elearning, enquanto meio poderoso de transmissão de informação, poderá constituir-se num recurso nuclear de promoção e produção de conhecimento, exigindo uma aprendizagem mais pró-activa, mais dinâmica e mais independente, logo, centrada na auto-aprendizagem e no desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender: se devidamente conceptualizado e implementado, o e-learning permitirá uma melhor e mais eficaz transferência da informação e do conhecimento a novas situações, favorecendo, deste modo, o desenvolvimento de novas competências e de literacias funcionais específicas. Palavras-Chave: E-Learning; Era da Informação e do Conhecimento; Literacia; Novas Tecnologias de Informação. 1. Introdução: Algumas Questões Prévias Nas sociedades contemporâneas, em que os rápidos progressos científicos e tecnológicos constituem uma realidade inegável, o e-learning tem vindo a assumir uma importância considerável enquanto meio de transmissão de informação e de promoção do conhecimento. Trata-se de um instrumento electrónico de instrução, de formação e de ensino (Spurlock-Johnson, Zhang & Allen-Haynes, 2004) que atravessa os mais diversos contextos do existir humano, apresentando-se como uma ferramenta poderosa no desenvolvimento pessoal, escolar, profissional e social, exigindo a cada um de nós um papel mais activo na procura e obtenção de informação e de conhecimento ao longo de toda a vida. Deste modo, tendo em perspectiva um conjunto de organizadores axiais que possibilitem a promoção de literacias e, consequentemente, o bem-estar pessoal, profissional e social dos indivíduos, o presente trabalho discute e analisa as principais questões que o elearning coloca ao ensino e à formação: que mudanças? que obstáculos? que potencialidades? Portanto, a par e passo, serão analisados, questionados e discutidos os desafios e as oportunidades do e-learning, enquanto meio e ferramenta de enorme potencial na transmissão 1649 de informação e na promoção do conhecimento, isto é, como facilitador do desenvolvimento e do sucesso dos processos de ensino-aprendizagem e da(s) literacia(s), na senda da eficácia e do sucesso de cada um de nós nos diversos cenários do nosso existir. Ora, ao entendermos o e-learning como um instrumento que possibilita o acesso à informação, nos mais variados tipos e formatos, torna-se necessário conceptualizá-lo como um facilitador do conhecimento e, simultaneamente, como promotor da(s) literacia(s), para que este instrumento, de acordo com Rurato e Lima Santos (1999), não se transforme em fonte de desinformação, de desaprendizagem e, até, de exclusão social. Se assim for, o e-learning poderá constituir-se numa medida preventiva da iliteracia, em geral, e da iliteracia tecnológica funcional, em particular (Machado, 2001). Isto é particularmente importante se considerarmos o e-learning como um meio auxiliar de aprendizagem com funções essencialmente (in)formativas (Rodrigues, 2004), capaz de favorecer a transformação da informação em conhecimento e, consequentemente, promover em cada um de nós a literacia, em geral, ou as literacias, em particular, pois as literacias têm um papel cada vez mais indispensável nas actuais sociedades, já que o recurso a linguagens faladas e escritas é uma constante da vida humana e requer mestria para um lidar mais profícuo com as diversas situações quotidianas do nosso existir (Gomes & Lima Santos, 2004; Lima Santos & Gomes, 2004). Mais concretamente, a literacia, numa perspectiva básica e à luz das exigências da sociedade actual, traduz a capacidade de processar a linguagem escrita, apelando a um pensamento crítico e a capacidades de interpretação, de análise, de síntese e de explicação bem desenvolvidas (Westby & Torres-Velásquez, 2000), pressupondo, assim, um uso proficiente das competências de leitura, de escrita e de cálculo. Deste modo, a literacia remete-nos para três competências psicossociais específicas – a capacidade de compreender, a capacidade de explicar e a capacidade de agir/funcionar –, necessárias a uma eficaz obtenção, transformação e gestão/uso da informação escrita (Lima Santos & Gomes, 2004; cf. Figura 1) nas várias tarefas que o quotidiano pessoal, profissional e social impõe – logo, mais especificamente, remete-nos para a necessidade de construir e reconstruir as diversas literacias. De facto, o nível de compreensão e de explicação da leitura, da escrita e do cálculo moldará e determinará a forma como agimos e funcionamos, o que, por sua vez, influenciará as capacidades de compreensão e de explicação. 1650 Compreender Ler Escrever Calcular Agir Funcionar Explicar Figura 1. Os seis referentes transversais da literacia (Lima Santos & Gomes, no prelo). Ou seja, mais do que um simples processo mecânico de ler, de escrever e de calcular (aquisição técnica), a literacia constitui-se em poder, já que ao acentuar as capacidades de aprendizagem e de compreensão possibilita (re)organizações e modificações nas vidas dos indivíduos, contribuindo, deste modo, para um aumento da qualidade de vida (Gibson, 2000). Daqui decorre o aspecto dinâmico e de permanente mudança da(s) literacia(s), em resultado das interacções que o indivíduo vai estabelecendo com os outros e com o mundo, interacções estas que, de acordo com Labra (1996, citado por Raff, 1998), lhe vão, por um lado, exigir, e, por outro lado, proporcionar mais experiências, mais conhecimentos e também mais competências. Na verdade, estas competências fundam e ancoram o acesso a outras aprendizagens ao longo da vida (Gomes & Lima Santos, 2004; Lima Santos & Gomes, 2004): por conseguinte, o e-learning não nos remete apenas para a moldagem e actualização da literacia, ou literacias, mas também as considera um requisito fundamental para a necessária obtenção e transformação da informação em conhecimento. Assim, emerge uma relação entre literacia e e-learning que se caracteriza por ser bidireccional ou, melhor dizendo, por ser interactiva. Portanto, considerando as características e especificidades deste recurso electrónico, a interacção entre o indivíduo, a informação e a fonte de informação (o recurso electrónico) deverá ser analisada em função das mudanças, dos obstáculos e das potencialidades que o e-learning traz para o processo de ensino-aprendizagem, em geral, e para o desenvolvimento da literacia global e de literacias específicas, em particular. 1651 2. Características e Especificidades do E-Learning: Da Informação ao Conhecimento As várias definições de e-learning, descritas na literatura, ancoram-se num denominador comum que resulta da combinação, em maior ou menor grau, da tecnologia, do conteúdo e dos serviços (Henry, 2001, citado por McFarlane, Bradburn & CcMahon, 2003). Concretamente, em termos genéricos, a designação e-learning remete-nos para um recurso electrónico – tecnologia –, que disponibiliza informação – conteúdo – e que se rege por sistemas de gestão do processo de ensino-aprendizagem – os serviços. Especificamente, o e-learning pode ser conceptualizado como um meio ou uma forma particular de ensino-aprendizagem, que se processa à distância, a partir de tecnologias baseadas na Internet e na Intranet, com o fim de possibilitar a aquisição, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de conhecimento (Machado, 2001). Estamos, assim, perante um instrumento ou uma ferramenta que, no contexto concreto do processo de ensino-aprendizagem, apresenta um conjunto de soluções tecnológicas inovadoras para a obtenção de mais e melhor conhecimento e competências (Rosenberg, 2000, citado por Borotis & Poulymenakou, s.d.). Como nos diz Henry (2001, citado por McFarlane et al., 2003), o e-learning remete-nos para o uso de aplicações na Internet, logo, para um conjunto de características e especificidades que decorrem do facto de o ensino-aprendizagem se processar num ambiente on-line, que, se devidamente enquadradas numa abordagem holística, possibilitam e promovem aprendizagens, que se traduzem em conhecimentos, capacidades e competências. O e-learning, na sua forma mais frequente, realiza-se de modo assíncrono, em que a transmissão de informação se processa na ausência da presença física de um professor, sem a típica interacção face-a-face que caracteriza o processo de ensino tradicional. Ora, esta especificidade do e-learning apresenta repercussões evidentes para os seus utilizadores, umas ligadas às noções de tempo e de espaço, outras ligadas ao papel a desempenhar pelo próprio eaprendiz no processo de ensino-aprendizagem. Assim, do ponto de vista do tempo e do espaço, o e-learning constititui-se numa ferramenta tecnológica com o poder de transformar e transcender o aqui e agora, permitindo ao aluno o acesso à informação e ao conhecimento em qualquer altura e em qualquer lugar, o que, consequentemente, se traduz num maior poder, mas também numa maior responsabilidade sobre a sua aprendizagem. Ora, este aumento de poder e de responsabilidade sobre a sua aprendizagem não se confina apenas ao poder determinar quando e onde vai aprender: na verdade, o recurso ao elearning vai-lhe permitir igualmente decidir o que vai aprender, como e, até, para quê (Lima Santos & Gomes, no prelo). Consequentemente, a natureza do e-learning vai apelar a uma maior participação do e-aprendiz no processo de ensino-aprendizagem, exigindo-lhe um 1652 conjunto de escolhas sobre o conteúdo a aprender e como o fazer, tendo em consideração, por um lado, os seus próprios níveis de conhecimentos e capacidades e, por outro lado, as suas necessidades de informação. Deste modo, a substituição da presença física do professor pela do computador exige ao aluno a adopção de um papel mais activo na condução da sua própria aprendizagem: esta aprendizagem revelar-se-á tanto mais eficaz quanto mais o e-learning for adequado e consistentemente programado, no sentido de permitir e de assegurar o estabelecimento de um vasto conjunto de interacções facilitadoras de aprendizagens e promotoras do desenvolvimento de compreensões colaborativas (Meyer, 2003). Mais concretamente, fundando-se o e-learning num ensino-aprendizagem de tipo interactivo, em que a interacção professor-aluno dá lugar à interacção aluno-máquina/informação, ou, na nossa perspectiva, à interacção aluno ↔ máquina/informação ↔ professor, a aprendizagem que daqui resulta acaba por ser, ao mesmo tempo, pró-activa e dinâmica. E, sem dúvida, esta nova forma de perspectivar o ensino-aprendizagem, ao centrar-se numa abordagem não só pedagógica mas também andragógica, faz do e-learning uma ferramenta poderosa e inovadora, com o potencial de fornecer aos aprendizes as competências necessárias para a aprendizagem ao longo da vida. Como nos dizem Kuchi, Gardner e Tipton (2003), o e-learning remete-nos para uma aprendizagem activa, mais ao serviço da metacognição do que simplesmente para a aquisição e/ou mestria de competências imediatas. Saliente-se, no entanto, que tal só é possível se o elearning for devidamente conceptualizado e implementado. De facto, o sucesso desta ferramenta, enquanto instrumento de apoio para o processo de ensino-aprendizagem, depende, em grande medida, de se encontrar ajustado aos professores e aos aprendizes, em vários níveis de experiências e de competências, bem como aos próprios conteúdos a transmitir (para uma discussão mais alargada sobre o impacto do e-learning no processo de ensino-aprendizagem, cf. Lima Santos & Gomes nestas actas). Se assim for, o e-learning tem o potencial de encorajar e estimular o diálogo aberto, a discussão, o debate, a análise e o intercâmbio, condições estas essenciais para se ganhar pensamento analítico e para se adoptar uma atitude crítica nas mais diversas situações do existir (Gibson, 2000) e, deste modo, poderá ainda contribuir para que os indivíduos deixem de ser meros receptáculos de informação e atinjam níveis mais elevados de conhecimento e de literacia(s). Portanto, estas características assumem-se como fundamentais para o desenvolvimento de níveis cada vez mais elevados de literacia, pois o e-learning, ao pôr a tónica numa aprendizagem pró-activa e dinâmica, vai não só cumprir os objectivos da educação tradicional, nomeadamente, os de ensinar as capacidades básicas em domínios científicos precisos e sócio- 1653 culturalmente bem estabelecidos, mas também facilitar a aplicação e utilização dos conhecimentos em situações práticas fora do contexto escolar (Viteli, 2000), por exemplo, ancorando competências de resolução de problemas nos diversos cenários do nosso existir. Nesta perspectiva, a literacia não deixa de nos exigir uma mestria ou proficiência de linguagens diversificadas, ancoradas não só em conhecimentos e capacidades mas também em competências (cf. Figura 2). Por conseguinte, na actual Era da Informação e do Conhecimento, os saberes e os saberes-fazer, socialmente certificados pelos sistemas de ensino e formação, continuam a constituir-se no primeiro organizador da competência – embora não a garantam (Le Boterf, 1998). Refira-se, ainda, que também não são condições suficientes para um lidar eficiente e eficaz com a informação, podendo comprometer a adequada transformação desta em conhecimento. De facto, as actuais exigências das sociedades contemporâneas apelam a outros saberes na senda da competência, nomeadamente, ao saber-integrar, ao saber-mobilizar e ao saber-transferir, com vista ao saber-agir, saber-ser/estar, logo, apelam a um conjunto de saberes organizados em torno de dois vectores essenciais – a acção e a validação (Lima Santos & Pina Neves, 2001), que se podem resumir como um saber/agir reconhecido e socialmente validado – ou seja, será a acção que dará vida à sua construção e reconstrução, sendo identificado, legitimado e valorizado pelo modo particular como é utilizado em prol de resultados e benefícios socialmente validados, portanto, reconhecidos e valorizados. C O N H E C I M E N T O S LITERACIA ----- C A P A C I D A D E S saber-integrar saber-mobilizar saber-transferir saber saber-fazer saber-agir saber-ser/estar C O M P E T Ê N C I A S Figura 2. Os quatro quadrantes da literacia. 1654 Talvez, por isso, os níveis de iliteracia continuem ainda muito elevados, quer na população adulta (e.g., Benavente, Rosa, Costa & Ávila, 1996; Darcovich, 2000; Gomes, Ávila, Sebastião & Costa, s.d.) quer em crianças em idade escolar (e.g., GAVE, 2002, 2003, 2004; OECD, 2003; Sim-Sim & Ramalho, 1993), indiciando que as capacidades básicas de leitura, de escrita e de cálculo, necessárias para lidar com as diversas informações, deixaram de ser adequadamente avaliadas, logo, devidamente certificadas/validadas. Neste quadro, o e-learning poderá ter um papel crucial na aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e competências dos indivíduos. Todavia, saliente-se que, ao poder potenciar os níveis de literacia dos indivíduos, o e-learning é igualmente potenciado por esses mesmos níveis: de facto, a adequada transformação da informação em conhecimento pressupõe capacidades e competências específicas, como é o caso da e-literacia. Na verdade, o e-learning exige e remete-nos para a e-literacia, ou literacia do computador (Secker & Price, 2004), alertando-nos para a necessidade de certificar e de validar um conjunto de capacidades tecnológicas e conhecimentos informáticos, sob pena de o elearning se tornar num forte contributo para a iliteracia e, até, para a info-exclusão. Como nos diz Viteli (2000), a educação deverá garantir a todos os alunos a oportunidade de aprender as competências básicas no uso da tecnologia, pois só assim o e-learning se poderá constituir num instrumento poderoso de promoção da literacia em áreas e domínios adequados. Em suma, a e-literacia, ou melhor dizendo, a ausência desta, poderá condicionar fortemente o processo de ensino-aprendizagem, já que no e-learning os e-aprendizes “will only get out what they put into it” (Spurlock-Johnson et al., 2004, p. 1): assim, evidencia-se a importância, ou melhor, a exigência básica de e-literacia para que o e-learning possa ir ao encontro dos seus utilizadores. 3. Conclusão: Em Jeito de Reflexão Final A Era da Informação e do Conhecimento funda e funda-se numa nova episteme: se perspectivada como revolução paradigmática, no sentido kuhniano, como que nos situa numa fase pré-paradigmática, plena de desafios e desacordos, e, se perspectivada como evolução do anterior paradigma, no sentido popperiano, como que nos anuncia um quase darwinismo sóciocultural, no qual só os mais aptos colherão os benefícios (Lima Santos, 2002). A integração destas perspectivas aponta para a necessidade urgente de novos princípios organizadores, que possam coordenar de forma coerente e consistente as novas ferramentas e os novos instrumentos ao nosso dispor, no sentido da inclusão e desenvolvimento pessoal, profissional e social, o que nos suscita algumas questões: Que políticas de ensinoaprendizagem, de inovação e de desenvolvimento? Que investimentos sócio-económicos? Que 1655 recursos humanos e tecnológicos? Que métodos? Que técnicas? Que instrumentos e ferramentas? Na verdade, a sedução do enorme potencial tecnológico do presente faz-nos permanecer, apesar de todas as mudanças, ancorados num problema já clássico: temos cada vez mais respostas, mas fazemos cada vez menos perguntas. Ora, assumir o processo de ensinoaprendizagem, as suas transformações, tendências e desafios como a essência do quadro das actuais oportunidades, é investir na construção de um futuro em que, nesse processo de ensinoaprendizagem, partiremos da pergunta para apenas encontrar respostas que logo se constituirão em novas perguntas, e assim sucessivamente. O sistema escolar poderá ter aqui um papel fundamental: será neste contexto, no quadro dos vários patamares de ensino-aprendizagem que poderão ser moldadas, no sentido do sucesso ou do fracasso, as oportunidades de, na Sociedade da Informação e do Conhecimento, mudar para melhor, ou para pior, a vida de todos nós, preparando e antecipando as mudanças do quotidiano do nosso existir. Assim, à incerteza gerada pela dinâmica de mudança que caracteriza o dealbar deste 3º Milénio, temos vindo a contrapor uma panóplia instrumental, nova e inovadora, que visa formatar e, até, securizar o nosso devir: esta engenharia, quiçá arquitectura de e para novas soluções, deverá ser assumida apenas como um intermediário ou como mediador que irá actuar e agir na confluência do indivíduo com esta sociedade em permanente mudança. Ora, no contexto do processo de ensino-aprendizagem, enquanto regulador e promotor essencial desta interacção indivíduo-sociedade, esta Sociedade da Informação só se constituirá em Sociedade da Informação e do Conhecimento se integrar as potencialidades destas novas tecnologias que lhe dão corpo num quadro de exigência e rigor, a caminho da excelência e do bem-estar global. Concretamente, voltando ao ensino-aprendizagem, é crucial tomar como ponto de partida a situação de quase falência do ensino em Portugal (e.g., GAVE, 2002, 2003, 2004; SimSim & Ramalho, 1993), e saber que apesar disso, ou por isso mesmo, a aprendizagem parece estar cada vez mais na moda: então, devolva-se ao aluno a responsabilidade de aprender. Mas como? Nesta perspectiva, aprender a aprender (Lima Santos, 2004; Lima Santos & Faria, 1999) não pode continuar a ser um mero “slogan” e deve-se partir do pressuposto de que aprender a aprender não nos pode remeter para o carácter eventualmente simples, fácil e lúdico da aprendizagem, pois, pelo contrário, a aprendizagem exige intencionalidade, esforço, disciplina e responsabilidade. Mais ainda, reafirma-se que uma didáctica ao serviço desta estratégia transmitirá cada vez menos respostas e centrar-se-á cada vez mais na construção de perguntas, à procura de 1656 respostas que comportarão, por sua vez, novas perguntas. Ou seja, esta didáctica, mais como processo do que norma, não poderá deixar de ter por horizonte objectivos com uma gramática própria: cada objectivo deve ser claro, realista (concreto) e avaliável – e avaliável numa perspectiva docimológica centrada também na regulação e na auto-regulação. Deste ponto de vista, esta regulação e auto-regulação, em uníssono, só podem querer dizer gerir, governar e pilotar as nossas aprendizagens, desenhando os nossos próprios objectivos e os resultados a alcançar. Para isso, é essencial questionar, confrontar e relacionar informações e temas: assim se poderão equipar cada vez melhor os aprendizes que somos, para que cada um de nós possa assumir cada vez mais o controlo da sua aprendizagem, da sua vida e do seu existir. Finalmente, em jeito de síntese e na senda desse desiderato, não queremos deixar de salientar que, na Era da Informação e do Conhecimento, a e-literacia e o e-learning, se concebidos, executados e utilizados adequadamente, no âmbito dos vários processos de ensinoaprendizagem, só poderão vir a constituir-se em instrumentos cada vez mais flexíveis, poderosos e eficazes. Em suma, a prossecução do desiderato de fomentar a literacia entre todos os cidadãos, e a todos os níveis de realização, potencialmente contido nesta visão de um emundo fomentador de estratégias de desenvolvimento apoiadas no e-learning, só pode implicarnos na construção de projectos de ensino-aprendizagem, apoiados e potenciados pelas novas tecnologias, capazes de transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em progresso e bem-estar global. Referências Bibliográficas Benavente, A., Rosa, A., Costa, A. F. & Ávila, P. (1996). A literacia em Portugal. Resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica. 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