PROCESSO-CONSULTA CFM nº 37/12 – PARECER CFM nº 33/12 INTERESSADO: Coordenação Geral da Central Estadual de Transplantes ASSUNTO: Utilização de outros métodos comprobatórios da existência de morte encefálica RELATOR: Cons. Gerson Zafalon Martins EMENTA: Utilização de outros métodos comprobatórios da existência de morte encefálica, ante a impossibilidade do uso de EEG, angiografia cerebral ou doppler transcraniano. CONSULTA O dr. E.R., coordenador geral do Programa Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 2011 fez a seguinte solicitação: “Tendo assumido a coordenação geral do Programa Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro, deparei-me com a dificuldade para a realização de exames complementares comprobatórios de morte encefálica, de realização obrigatória de acordo com a Portaria nº 1.480 de 8/8/1997 do Conselho Federal de Medicina, requisito fundamental para a realização de transplantes com doadores falecidos em nosso país. A ausência, na maioria dos hospitais públicos ou privados do estado, de especialistas qualificados para a realização destes exames motivou a contratação de serviços externos à Secretaria de Saúde (terceirizadas), realizados por empresas especializadas. Neste período temos utilizado preferencialmente os métodos de avaliação de fluxo cerebral (doppler transcraniano e angiografia cerebral), e como segunda opção os métodos de avaliação de atividade elétrica cerebral – preferencialmente o eletroencefalograma (EEG). 1 SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br Diante da decisão, por parte das empresas prestadoras destes serviços, pela interrupção temporária dos serviços a partir do dia 10/12/2011, motivada pelo atraso no pagamento às mesmas, vimonos impossibilitados de realizar a confirmação necessária dos casos de morte encefálica através dos métodos até então utilizados. Diante do risco iminente de interrupção do programa de transplantes de órgãos em nosso estado e potencial prejuízo aos pacientes que aguardam na lista de espera, gostaríamos de solicitar um parecer técnico a este Conselho sobre a utilização de outros métodos comprobatórios de morte encefálica previstos em lei, com detalhamento quanto à validade do uso de potenciais evocados, já que a literatura consultada nos parece controversa. Com a certeza do seguimento estrito dos princípios éticos que regem a nossa prática profissional, solicito a máxima urgência na resposta a este parecer técnico e a devida orientação sobre a conduta a ser tomada”. PARECER Em relação à solicitação do coordenador geral do Programa Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro, há no Brasil um consenso da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia que enumera recomendações para a utilização do exame de potencial evocado e sua interpretação nos casos de morte encefálica, que esclarece muito bem o questionamento do consulente e pode ser encontrado no site www.sbnc.org.br Para a confirmação do diagnóstico de morte encefálica existem, basicamente, dois tipos de exames: os circulatórios e os neurofisiológicos. Os exames neurofisiológicos, como o eletroencefalograma (EEG) e os potenciais evocados sensoriais (PES) avaliam a função e, na morte encefálica, se baseiam na demonstração do desaparecimento do aspecto funcional normal. Basicamente, assim funciona a interpretação dos PES: 2 SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br 1) a resposta normal sugere integridade da via, pelo menos para as condições do teste; 2) a ausência de respostas indica comprometimento severo da via (excluídas falhas técnicas); 3) o aumento de latências indica retardo de condução, ocorrendo geralmente em processos de desmielinização segmentar; 4) a diminuição de amplitudes pode se correlacionar à diminuição do número de fibras condutoras, por bloqueio funcional ou por comprometimento parcial dessas fibras. Critica-se o uso dos PES para o diagnóstico de morte encefálica lembrando que uma doença desmielinizante poderia provocar o mesmo padrão de respostas. Entretanto, essa discussão tem mais valor teórico do que prático. O processo diagnóstico vai do quadro clínico para os exames complementares (nunca ao contrário) e seria muito difícil confundir clinicamente morte encefálica com uma doença desmielinizante. Considerando-se os exames neurofisiológicos, pode-se afirmar que o EEG tem sido mais importante que os PES em vista de: 1) ter maior tempo de validação clínica do que os PES; 2) cobrir melhor os hemisférios cerebrais, não se limitando ao exame de apenas três vias; 3) não existir caso descrito de EEG com silêncio elétrico cerebral (SEC) – fora das condições de exceção – e sobrevida do paciente. As limitações próprias do EEG são: a) o SEC não pode ser valorizado na vigência do uso de drogas depressoras do SNC, principalmente em grandes doses; nessas condições, pode-se aguardar a eliminação da droga ou complementar o estudo com os PES, sabidamente mais resistentes à ação de drogas; 3 SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br b) o SEC não pode ser valorizado na vigência de hipotermia importante (abaixo de 32ºC); pode-se aquecer o paciente previamente e/ou também fazer os PES (mais resistentes à hipotermia). A maior utilidade dos PES é a avaliação da morte encefálica naqueles pacientes que receberam doses elevadas de medicação sedativa como medida terapêutica e nos quais ainda não houve tempo para a eliminação da droga. Por exemplo, doses elevadas de Thionembutal mostram cinética de excreção irregular, de até vários dias; dessa forma, o valor do EEG poderia ser questionado (SEC induzido por droga?). Como os PES são resistentes à ação de drogas, eles podem complementar essa avaliação, demonstrando presença ou ausência de respostas. Este é o parecer, SMJ. Brasília-DF, 27 de setembro de 2012 GERSON ZAFALON MARTINS Conselheiro relator 4 SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br