A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES Aline Linhares Rodrigues Talaveras1 - UNESP Grupo de Trabalho – Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Básica Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente trabalho trata-se de uma pesquisa em andamento em nível de mestrado e tem como objetivo analisar a política da educação integral e a formação de professores que atuam na escola de tempo integral. As escolas vivenciam uma mudança de paradigmas e aos professores são exigidos novos conhecimentos, novas formas de atuação e uma formação continuada. Tomaremos como referencial teórico-metodológico o ciclo de políticas de Ball e Mainardes (2011) que aborda a pesquisa em políticas educacionais acreditando que a análise política necessita ser acompanhada de cuidadosa pesquisa regional, local e organizacional se nos dispusermos a entender os graus de “aplicação” e de “espaço de manobra” envolvidos na tradução das políticas nas práticas. Para o desenvolvimento do estudo estão sendo realizados o levantamento, a organização, sistematização e análise da bibliografia referente ao tema e a análise de documentos como a LDB de 1996, os Planos Nacionais de Educação e o Programa Mais Educação. Serão realizadas entrevistas semiestruturadas com professores de escolas de tempo integral questionado sobre sua formação inicial e continuada e suas concepções sobre educação integral. Os resultados parciais apontam que os professores sentem-se responsabilizados pelo fracasso dos alunos, baixo rendimento nas avaliações externas e baixa qualidade da educação no país. Apontam também que a contratação de monitores e professores comunitários, leigos, desvalorizam a profissão do professor e a importância de sua formação inicial e continuada. Palavras-chave: Escola de tempo integral. Educação integral. Formação de professores. Políticas públicas educacionais. Introdução A escola de tempo integral vem sendo discutida por pesquisadores e profissionais da área da Educação como professores e gestores, estudantes de Pedagogia e políticos, visto que na última eleição para presidência, muitos a lançaram como proposta. 1 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista, campus de Marília. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista, campus de Marília. Diretora de escola municipal na cidade de Marília. E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 11699 Entretanto, são muitas as questões e dúvidas acerca de sua introdução nos sistemas educacionais públicos brasileiros. Leis, planos e programas que abordam a temática não conseguem responder às indagações feitas. Ainda há muito que se esclarecer a respeito deste tema e a formação de professores faz parte das questões discutidas no estudo da política da educação integral. Segundo Cavaliere (2002), a escola pública brasileira de ensino fundamental “vive um momento de perda de identidade cultural e pedagógica”, na qual as necessidades sóciointegradoras, com temas ligados à saúde, à ética e à cultura, passam a ser mais importantes que questões pedagógicas. Esta escola passa a assumir responsabilidades e compromissos educacionais muito mais amplos do que a escola tradicional pública brasileira de caráter predominantemente instrutivo. Esta mudança deu-se a partir do momento em que a escola deixou de atender apenas uma pequena parcela da população e passou a atender a grande parcela da população em meados da segunda metade do século XX. Este atendimento ocorreu de forma precária, em instalações físicas inadequadas, com redução de jornada, multiplicação de turnos e baixa qualidade da formação dos professores. Diante desta situação, a classe média urbana retirou-se da escola pública, migrou para o ensino particular, confirmando a baixa qualidade prática e simbólica do sistema de educação fundamental público. Impõe-se circunstancialmente desta maneira aos profissionais das escolas públicas um conjunto de responsabilidades educacionais, não tipicamente escolares, para se trabalhar com este novo perfil de alunado, sem os quais torna-se inviável o trabalho de instrução escolar, como atividades voltadas à higiene, saúde, alimentação e cuidados pessoais. E é neste cenário que a escola pública de tempo integral começa a ser introduzida, correndo-se o risco de ser uma “escola inovadora e transformadora, com uma rica e multidimensional prática escolar ou reguladora, conservadora e discriminatória, dependendo de concepções e decisões políticas que serão escolhidas”. Tratando-se de concepções a serem escolhidas, traremos para discussão uma reflexão acerca de um tema antigo, recorrente e pertinente à escola de tempo integral: a educação integral. Desde a antiguidade, Aristóteles já falava em educação integral, Marx chamava-a de educação “omnilateral” ou “politécnica” e em 1932 com o movimentos dos Pioneiros da Educação, a educação integral era vista como “direito biológico” de cada indivíduo e como dever do Estado. (GADOTTI, 2009). No Brasil, Anísio Teixeira foi um dos pioneiros na introdução das escolas de tempo integral com a criação da Escola Parque, em Salvador, na década de 1950. No Rio de Janeiro, 11700 em 1980, houve a implantação dos CIEPs- Centros Integrados de Educação Pública e a partir do final da década de 1990 a escola de tempo integral ganhou mais espaço nas discussões com a promulgação da LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, dos Planos Nacionais de Educação de 2001- 2011 (BRASIL, 2001) e 2014- 2024 (BRASIL, 2014). A LDB, em seu Artigo 34 estabelece que “A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola”. (BRASIL, 1996) E no segundo parágrafo do mesmo artigo, introduz a escola de tempo integral, apesar de trazê-la como uma implementação progressiva, no qual diz: “O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino”. (BRASIL, 1996) Já no artigo 87, “é instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei”. No parágrafo quinto do mesmo artigo diz que “serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral”. (BRASIL, 1996) E é no primeiro parágrafo do Artigo 87 que a LDB institui o Plano Nacional de Educação. A União encaminhou ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação com diretrizes e metas para os dez anos seguintes em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. O primeiro Plano Nacional de Educação foi aprovado em janeiro de 2001 e nele a Escola de Tempo Integral não aparece como um item específico, mas sim diluída pelos níveis e modalidades da educação infantil e do ensino fundamental. (Cavaliere, 2014). O segundo Plano Nacional de Educação foi aprovado pela Lei 13.005 de 25 de junho de 2014, “com vistas ao cumprimento do disposto no artigo 14 da Constituição Federal” (BRASIL, 2014) e traz a Escola de Tempo Integral como meta específica, a meta número 6, para todos os níveis da educação básica, como objetivo atender, no mínimo, 50% das escolas públicas e 25% dos alunos da educação básica. Além de apresentar nove estratégias priorizando atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, culturais e esportivas, inclusive a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola. Outro documento político relevante para o estudo da ETI é o Plano de Desenvolvimento da Educação, aprovado em abril de 2007, com o objetivo de melhorar a educação no país, em todas as suas etapas, em um prazo de quinze anos, que prevê várias 11701 ações, entre elas o Mais Educação, no qual os alunos passarão mais tempo na escola, terão mais atividades no contra turno e haverá ampliação do espaço educativo. Este programa Mais Educação do governo federal (BRASIL, 2007) prevê uma jornada escolar nas escolas de tempo integral de no mínimo 7 horas diárias, em que os alunos terão, além das disciplinas curriculares, educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica e acompanhamento pedagógico. E é partindo dessas reflexões entre concepções e decisões políticas que abordaremos a questão da formação dos professores que atuam nas escolas de tempo integral no ensino fundamental. De acordo com Bittencourt (2014, p.2) a formação de professores surge, então, como ponto de discussão importante dentro do campo de estudos sobre Educação Integral, uma vez que, em virtude dessa internacionalização das políticas educacionais, muitas das orientações de organismos multilaterais, como a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial (BM), estão voltadas para a descentralização da gestão pública. Neste sentido, a responsabilização de Todos pela Educação contribui para a desprofissionalização do magistério e, ao mesmo tempo, impõe uma mudança paradigmática no fazer pedagógico dos professores. Desenvolvimento O objetivo principal desta pesquisa é analisar se para a política de educação integral a formação do professor, tanto inicial como continuada, é relevante para sua concretização. Os objetivos específicos são analisar qual a formação inicial dos professores que atuam nas escolas de tempo integral e como se dá sua formação continuada, quais os problemas e dificuldades enfrentadas pelos professores para realizar sua formação inicial e continuada. Utilizaremos como referencial teórico metodológico o Ciclo de Políticas Ball e Mainardes (2011), considerando que a análise de políticas públicas pode servir para vários fins, entre eles servir a própria política, defendendo-a ou prestando informações para ela ou analisando sua formulação e seu conteúdo, problematizando-a ou desvelando-a. Mainardes (2011), traz uma questão importante em relação à análise de políticas públicas, advertindo os pesquisadores da área, para que não se confundam com os propositores das políticas, ressaltando a relevância da questão ética ao se fazer pesquisa. 11702 Nesse sentido, temos como propósito realizar uma pesquisa considerando seu contexto e analisando-a numa perspectiva crítica, entendendo as políticas públicas como “processo e produto que envolvem articulações entre textos e processos, negociações no âmbito do Estado e para além dele, valores, ideologias, poder e contestação”. (MAINARDES, 2011). Pretendemos dessa maneira ao analisarmos a política da Educação Integral e a formação de professores ir além de uma análise linear sobre sua implementação, levando em consideração, “a ideia de que o processo político é complexo e envolve uma variedade de contextos como o Estado, específicos contextos econômicos, sociais e políticos, as instâncias legislativas e as escolas, entre outros” (MAINARDES, 2011). Daí a necessidade de analisar a LDB, os Planos Nacionais e os programas que surgiram a partir deles, como o Mais Educação. Como procedimentos estão sendo realizadas a pesquisa bibliográfica a partir da reunião, seleção e leitura de livros, artigos científicos, teses e dissertações que tratam da temática em estudo. Serão realizadas entrevistas semiestruturadas com professores que atuam em escolas de tempo integral, questionando sobre sua formação inicial e continuada e suas concepções sobre educação integral. Os resultados parciais apontam que se atribui aos professores a responsabilização pelo fracasso dos alunos, baixo rendimento nas avaliações externas e baixa qualidade da educação no país. A contratação de monitores e professores comunitários, leigos, desvalorizam a profissão do professor e a importância de sua formação inicial e continuada. Considerações Finais Os professores da escola de tempo integral também precisam de uma educação integral, que começa na sua formação inicial e permanece em constante aprimoramento durante sua formação continuada. Essa formação não pode ser padronizada para todas as escolas, sem considerar suas especificidades. Uma política de educação integral não pode estar voltada apenas ao tempo que o aluno ou o professor passará em uma escola. Quando se trata de educação integral trata-se o ser humano como um todo, um ser complexo. Somente assim o professor será valorizado e reconhecido pelo seu trabalho. Não bastam leis e planos para a implementação de uma política pública na escola sem valorizar e reconhecer aqueles que fazem a política dentro da escola que são os professores e alunos. 11703 REFERÊNCIAS BITTENCOURT, Z. A. Política curricular para a formação de professores para educação integral no Brasil e em Portugal. Disponível em: www.sbec.org.br/ evt2014/zoraia_aguiar_ Bittencourt.pdf. Acesso em: 30 de maio de 2015. BRASIL. Lei n. 9394/1996 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldben.pdf. Acesso em: 18 de abr. de 2015. ________ . Lei n. 10. 172/ 2001. Estabelece o Plano Nacional de Educação. Disponível em http:// portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf. Acesso em: 18 de abr. de 2015. _______ . Decreto nº. 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr. 2007. ______ . Portaria Normativa Interministerial n. 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2007b. ______ . Lei n. 13005 de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação (2014-2024). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun. 2014. CAVALIERE, A. M. Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? Educação & Sociedade, Campinas, vol. 23, n.81, p.247-270, dez. 2002. _______. Escola pública de tempo integral no Brasil: filantropia ou política de Estado? 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