Escola Superior de Ciências da Saúde
(ESCS)/HRAS/SES/DF
CASO CLÍNICO
CALAZAR
RODRIGO SOUZA LIMA
INTERNATO 6º ano – PEDIATRIA HRAS
Orientadora: Dra. Luciana Sugai
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 9/2/2011
Foto autorizada
CASO CLÍNICO

IDENTIFICAÇÃO:
ASQ, 6 anos, negra, natural e procedente da zona rural de
Cavalcante-BA
Peso: 14.900g
Data da História: 11/01/2011
• QUEIXA PRINCIPAL
“Febre há 20 dias”
CASO CLÍNICO

HDA
Mãe refere que a criança apresentou febre não aferida há 20
dias, início súbito, intermitente, sem horário preferencial de
ocorrência, com alívio parcial após uso de dipirona, associada
a hiporexia, adinamia e perda ponderal(+/-4kg). Há 10 dias,
evoluiu com edema em MMII e discreta distensão abdominal.
Eliminações fisiológicas mantidas. Refere prurido cutâneo
generalizado,
mais
intenso
aproximadamente 20 dias.
em
abdome,
iniciado
há
CASO CLÍNICO

ANTECEDENTE PESSOAIS
Nascida
a
termo,
parto
normal,
PN:
2,800g,
sem
intercorrências durante a gestação e o parto. Crescimento e
desenvolvimento fisiológicos. Vacinação incompleta.
Nega doenças comuns da infância, internações, cirurgias,
alergias e transfusões sanguíneas prévias.
Não estuda. Possui 8 irmãos e pais saudáveis. Não possui
animais domésticos.
CASO CLÍNICO

EXAME FÍSICO

- FC=102 bpm, FR=24 irpm,
- REG, hipocorada (3+/4+), acianótica, anictérica, eupnéica,
desidratada (2+/4+), hipotrófica, febril ao toque.
- Cavidade oral: dentes em péssimo estado de conservação.
- Face: olhos encovados
CASO CLÍNICO

EXAME FÍSICO
-AR: MVF sem RA
-AC: RCR em 2T BNF
-AB: normotenso, RHA+, doloroso à palpação profunda, com
baço palpável a 6 cm do RCE e fígado a 2cm do RCD.
-EXT: normoperfundidas e sem edema.
-SN: sem sinais de irritação meníngea, ECG:15
CASO CLÍNICO
CONDUTA ?????
CASO CLÍNICO

HIPÓTESE DIAGNÓSTICA:

Esquistossomose;

Febre Tifóide;

Tuberculose;

Malária;

Leishmaniose Visceral

Mononucleose

Leucemia Aguda
CASO CLÍNICO
EXAMES LABORATORIAIS
Hemograma:
Hm: 2,53 ; Hb: 5,3 ; Ht: 15,6% ; VCM: 61,7 ; RDW: 21,6;
Leuco: 2.500 ; Neu: 14% ; Linf: 80% ; Plaq: 18.000;

Bioquímica
Glic: 90; Mg: 1,6 ;; Prot: 4,9 ; Alb:1,8 ; Glob:3,1; Relação A/G: 0,6,
K: 3,3 ; Na: 137 ; TGO:1200 ; TGP:149 ;
BilT:0,45 ; BilD: 0,38
; Ca: 7,7 ; Cl: 98 ; Creat: 0,4 ; Ur:22; DHL:11.088.
EVOLUÇÃO

12/01/2011
Criança evoluiu com melhora da febre, após uso de antitérmico. Apresentou
episódios de vômitos após alimentação e aceitou parcialmente a dieta.
ABD: Globoso, RHA+doloroso à palpação difusa, baço palpável à 7 cm do
RCE, fígado palpável à 2 cm do RCD, presença de máculas hipocrômicas com
sinais de escoriações
Foram realizados transfusão sanguínea com 150mL de concentrado de
hemácias e fase rápida de hidratação venosa;
INICIADO GLUCANTIME!!!
EVOLUÇÃO

13/01/2011
Solicitado tap/inr. Transfusão de 2 unidades de concentrado
de plaquetas. Ecografia abdominal. Substituido glucantine por
anfotericina B lipossomal, por apresentar fatores de gravidade.
Envio lamina de sangue periférico para avaliação da
hematologia do hospital de apoio.
EVOLUÇÃO

14/01/2011

Resultados de exames:
TAP: 38%
INR: 2

ECO abdominal: hepatoesplenomegalia homogênea
com pequena quantidade de líquido peritoneal.

Lamina não apresentou células blásticas
INICIADO VITAMINA K
EVOLUÇÃO


17/01/2011
Suspenso vitamina K e anfotericina B lipossomal;
21/01/2011
Quadro de tosse, com tempo expiratório prolongado e
tiragem de fúrcula.
-AR: MV algo rude com sibilos difusos, retração de fúrcula.
-AB: globoso, doloroso à palpação difusa, baço palpável à 3
cm do RCE, RHA+, fígado palpável à 3 cm do RCD.
Iniciado prednisolona e salbutamol spray
EVOLUÇÃO

24/01/2011
Sem febre há 48h. Sem queixas. Aceitando melhor a dieta. Eliminações
fisiológicas preservadas.
Ao exame:
-FC: 118 bpm, FR:23 irpm
-BEG, hipocorada (+3/+4), acianótica, hidratada, anictérica,
-AR: MV algo rude com sibilos difusos em menor intensidade,
-ACV: RCR em 2T BNF, sopro sistólico em foco mitral (+1/4+)
-AB: globoso, RHA+, baço palpável à 3 cm do RCE, fígado palpável à 5 cm
do RCD,
EVOLUÇÃO

24/01/2011
Hemograma:
Hm: 3,69 ; Hb: 9,5 ; Ht: 25,9%
Leuco: 14.700 ; Neu: 34% ; Linf: 57% ; Plaq: 208.000;
Bast: 1% ; Eos: 1% ; Mono: 8%
Bioquímica
Glic: 86; Mg: 1,8 ; Prot: 7,4 ; Alb:3,8 ; Glob:3,6; Relação A/G: 1,1 ;
K: 4,3 ; Na: 141 ; TGO:41 ; TGP:40 ; GamaGT: 298 ; BilT:0,39 ;
BilD:0,21 ; BilI:0,18 ; Ca: 8 ; Cl: 103 ; Creat: 0,6 ; Ur:28; DHL:700.
ALTA HOSPITALAR
AGUARDA RESULTADO
SOROLOGIA
LEISHMANIOSE VISCERAL
(CALAZAR)
EPIDEMIOLOGIA

A leishmaniose visceral (LV), também conhecida como calazar é
uma doença que ocorre em cerca de 88 países, sendo 72 deles em
desenvolvimento.

90% dos casos ocorrem em Bangladesh, Índia, Sudão e Brasil.

No Brasil, a doença ocorria preferencialmente em áreas rurais,
progressivamente ocorrendo em áreas periurbanas e urbanas.

De 1984 até 2002 foram notificados 48.455 casos, com média anual
de 3.100 casos e incidência de dois casos/100.000 habitantes.*
* Fonte SVS/MS
EPIDEMIOLOGIA
 Na década de 90, quase todos os casos ocorriam na região do
Nordeste, que se alastrava do Maranhão até o Rio Grande do Norte.
 Mais recentemente, a doença foi descrita em outras regiões, ocorrendo
na periferia de Belo Horizonte(MG), Campo Grande(MS), Palmas(TO) e
região noroeste do Estado de São Paulo.
 A doença acomete preferencialmente menores de 10 anos de idade,
sendo mais frequente em menores de 5 anos(41%).
 A co-infecção leishmania/HIV é descrita em vários países, inclusive no
Brasil, abrangendo um grande número de casos.
TRANSMISSÃO

O agente etiológico é do gênero Leishmania, do complexo donovani,
havendo três principais espécies:
Leishmania donovani (Índia e Sudão)
Leishmania infantum (Velho Mundo, Região do Mediterrâneo
na Europa)
Leishmania chagasi (Novo Mundo, Brasil)

Apresenta duas formas: com flagelo externo, encontrada
principalmente no tubo digestivo do inseto vetor, chamada
promastigota; forma ovalada, com ausência de flagelo externo,
encontrada no interior do sistema fagocitário mononuclear de
mamíferos, chamada amastigota.
MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de vigilância em saúde, Departamento de vigilância epidemiológica
TRANSMISSÃO

Reservatório:
Silvestre: raposas e os marsupiais
Periurbana e urbana: cão, principal fonte de transmissão

Vetor:
No velho mundo: o Phlepotomus sp.
No Brasil: Lutzomyia Longipalpis (mosquito-palha, birigui,
cangalhinha)
MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de vigilância em saúde, Departamento de vigilância epidemiológica
TRANSMISSÃO

Modo de transmissão
A transmissão se dá por meio da picada do vetor infectado,
entretanto, outras formas de transmissão são descrita: seringa
contaminada entre usuários de drogas endovenosas; transfusões
sanguíneas; transplacentária.
FISIOPATOLOGIA


A primeira linha de defesa contras as formas promastigotas é o
sistema complemento e as células da resposta imunológica inata,
como os fagócitos polimorfonucleares.
As formas promastigotas que escapam dessa fase inicial da resposta,
irão infectar a principal célula hospedeira da L. chagasi, que é o
macrófago.
Resposta dependente de linfócitos Th1
“Imunidade celular” (IL-12 e INF-)
Geralmente eficiente: assintomáticos ou oligossintomáticos
Quando falha
multiplicação desenfreada do parasita nos macrófagos do
SRE (hepato-esplenomegalia + ocupação medular com
pancitopenia)
TNF- pelos macrófagos parasitados  febre + síndrome
consumptiva
IL-10
MANIFESTAÇÕES CLÍNICA


O período de incubação é de dois a três meses, em média.
A leishmaniose visceral apresenta-se sob três formas clínicas distintas:
Assintomática: caracterizado por sorologia positiva sem nenhuma
manifestação clínica da doença
Oligossintomática: encontra-se sorologia positiva com a presença de
sinais ou sintomas
discretos da doença, tais como febre,
hepatoesplenomegalia de pequena intensidade.
Clássica:
manifestações
clínica
bastante
exacerbadas,
hepatoesplenomegalia volumosas e febre estão sempre presentes, podendo,
as vezes, estar associadas a infecções bacterianas. Alterações laboratoriais
proeminentes.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICA

Período Inicial
Paciente apresenta estado geral preservado, febre diária, com cerca de 15 a 21 dias
de duração e não há desnutrição evidente. Ao exame físico, hepatomegalia discreta, e o
baço, palpável no máximo 2 a 3 cm no seu maior diâmetro.

Período de Estado
Quadro plenamente manifesto, com febre diária, perda ponderal significativa,
palidez cutaneomucosa importante, diarréia, anorexia, adinamia, astenia, edema de
membros inferiores, tosse e algumas vezes epistaxe. Megalias mais pronunciadas,
baço maior que o fígado, na altura da cicatriz umbilical, se dirigindo à fossa ilíaca
direita.

Período Final
Toda criança não tratada poderá evoluir para uma doença fatal, caracterizada por
fenômenos hemorrágicos importantes (HDA HDB, ecmoses e petéquias, e as
infecções bacterianas), anasarca, palidez muito intensa, edema pulmonar,
hepatoesplenomegalia muito intensa.
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE

Desnutrição, considerada um dos principais fatores de gravidade na
LV;

Diarréia associada a sinais de desidratação, presença de infecção
bacteriana,
leucopenia
(<1.000
leucócitos/mm³),
anemia
(hemoglobina <7,0 g/dl) e presença e icterícia são os principais
achados clínicos e laboratoriais que indicam gravidade

Associação com doenças imunossupressoras
DIAGNÓSTICO

Diagnóstico Clínico-Epidemiológico

O diagnóstico da LV deverá ser sempre baseado em dados clínicos e
epidemiológicos;

História de febre associada a hepatoesplenomegalia é quase uma
constante;

Dados epidemiológicos como a presença de outros casos humanos
na área, presença de cães infectados, bem como presença de
flebotomíneos em residência.
DIAGNÓSTICO

Diagnóstico Laboratorial

Inespecífico: No início do quadro há anemia, seguida de
leucopenia e plaquetopenia, compondo o quadro de
pancitopenia. Hipoalbuminemia e hipergamaglobulinemia.
Elevação das enzimas hepáticas, AST>ALT.

Específico: Exames parasitológicos ou sorológicos(elisa e
imunofluorescência indireta). Diagnóstico parasitológico, feito
principalmente pelo encontro do parasita no aspirado de
medula óssea, aspirado esplênico, punção de linfonodo ou
biópsia hepática
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A história clínica e epidemiológica é de suma importância para que
se faça o diagnóstico adequado.

Na forma oligossintomática, o diagnóstico diferencial deve ser feito
com doenças que cursam com quadro febril e hepatomegalia ou
esplenomegalia.

Esquistossomose na forma aguda, em que o paciente pode
apresentar
febre
e
visceromegalias,
porém,
a
história
epidemiológica de contato com águas com presença de
caramujo, o curso mais agudo e ausência de pancitopenia
afastam o diagnóstico.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A febre tifóide, que apresenta quadro clínico principalmente
caracterizado por febre e esplenomegalia, pode cursar com
dissociação pulso/temperatura

Tuberculose, malária e mononucleose infecciosa podem simular,
entretanto, o comprometimento pulmonar ou ganglionar da
primeira, a epidemiologia da malária e a benignidade da
mononucleose, sendo dados importante no diagnóstico.

Algumas vezes a endocardite poderá simular calazar, pois nela
poderemos encontrar palidez associada a hepatoesplenomegalia
relacionado a fenômenos hemorrágicos.

As doenças hematológicas malignas, que frequentemente impõem
os diagnósticos diferenciais mais difíceis. Os linfomas e as
leucemias agudas, quando não acompanhada de leucocitose.
TRATAMENTO

As drogas de primeira escolha são os antimoniais pentavalentes,
(antimoniato-N-metil glucamina e stibogluconato de sódio), agindo sobre
as formas amastigota, inibindo a atividade glicolítica e a via oxidativa de
ácidos graxos

Ampola: 81mg/ml

Dose: 20mg/Kg/dia, EV ou IM, com ciclo de 20 a 40 dias, em média
28 dias, no máximo 3 ampolas/dia

O principal efeito colateral é o desencadeamento de arritmia
cardíaca, traduzido por alteração de repolarização, manifestada por
inversão e achatamento da onda T e alargamento do intervalo QTC
no ECG

Recomenda-se a realização de ECG, dosagem sérica de uréia,
creatinina, sódio, potássio, TGO/TGP e amilase semanalmente
TRATAMENTO
Anfotericina B
É utilizada na dose de 1 mg/kg/dia, diluída em soro glicosado 5%, na
proporção de 1 mg para 10 ml. Deve ser utilizada em dias alternados, com dose
total de 15 a 25 mg/kg.
Comprometimento da função renal, hipopotassemia, hipomagnesemia e
anemia grave são os efeitos colaterais mais importantes e indicarão a
necessidade de se rever a forma de administração da droga.
Anfotericina B Lipossomal
Está reservada para casos de difícil tratamento e quando há sinais de
gravidade ou quando do desenvolvimento de insuficiência renal secundária a
anfotericina B. A dose recomendada é de 3 mg/kg/dia, com duração de 5 a 10
dias de tratamento.
Miltefosina
CRITÉRIOS DE CURA

Os critérios de cura são eminentemente clínico. O primeiro sintoma a
desaparecer é a febre, acontecendo por volta do quinto dia de tratamento.
Sequencialmente ocorre melhora importante do estado geral do paciente,
seguida de redução da esplenomegalia em torno de 50% até o final do
tratamento. Ganho ponderal é visível com retorno do apetite. Exames
laboratoriais começam a melhorar a partir de duas semanas de tratamento,
ocorrendo inicialmente melhora na leucometria e anemia.

Após o tratamento, todos os pacientes deverão ser seguidos por pelo menos
seis meses de tratamento, período no qual a maioria das recidivas ocorrem.
BIBLIOGRAFIA

KAFETZIS DA; MALTEZOU HC. Visceral leishmaniasis in paedriatrics. Curr Opin Infect Dis
2002; 15 (3): 289-94

MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de vigilância em saúde, Departamento de vigilância
epidemiológica. Leishmaniose Visceral Grave – Normas e Condutas. Brasília, Ministério da Saúde,
2006.

QUEIROZ MJA; ALVES JGB E CORREIA JB. Leishmaniose Visceral: características clínicoepidemiológicas em crianças de área endêmica. J Ped 2004; 80 (2): 141-146.

TONELLI E.; FREIRE L.M.S. Doenças Infecciosas na Infância e na Adolescência. Tomo II 2ª Ed.,
Rio de Janeiro, Medsi.

GENARO, Odair. Leishmaniose Visceral Americana. In: VERONESI, R., FOCACCIA, R.
Veronesi: Tratado de Infectologia. 2ª edição. São Paulo: Editora Atheneu; 2004. Cap 10; p. 56-72
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