COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAIS
Exercícios de sala de aula
A coerência é vista, pois, como um princípio de
interpretabilidade do texto, num processo
cooperativo entre produtor e receptor (Koch e
Travaglia,1993: 102)
Mas não escrevemos apenas poeticamente. Na
escrita cotidiana de nossos textos não-poéticos,
também somos desafiados a “lutar com palavras”.
Aí, diferentemente do que acontece com os
poetas, precisamos garantir que a luta não seja “a
luta mais vã” (Antunes, 2005: 193).
Marlon Leal RODRIGUES (UEMS/UNA)
Paulo Cesar TAFARELLO (UNEMAT/AIA)
Introdução
Antes de abordarmos o presente tema, “Coesão e Coerência Textuais,
exercício”, seria interessante situá-lo no campo mais amplo, o da Lingüística enquanto
Ciência. Se tomarmos como referência, ainda que muito breve, a gramática do sânscrito,
de Panini (Leroy, 1982, 17) até o advento da Lingüística Contemporânea fundada pro
Saussure (1995: 271) quando lhe “dá” um objeto: “a lingüística tem um único e
verdadeiro objeto a língua em si mesma e por si mesma”, talvez possamos compreender
a questão da coerência e coesão como uma superação e ruptura das categorias
gramaticais, ou tido de outra forma, as diferença entre análise gramatical e análise
lingüística. A referência à gramática diz respeito à Normativa. A oposição entre análise
gramatical e análise lingüística aqui é apenas uma forma de separar o “trigo do joio”,
uma vez que a gramática como a conhecemos hoje é constituída no lastro da tradição
dos clássicos literários enquanto a análise lingüística se constitui a partir de um
arcabouço teórico.
1. De Panini a Saussure
De forma geral, os estudos lingüísticos tiveram início com a descrição do
sânscrito (Leroy, 1982), apesar do interesse dos hindus serem religiosos, eles abordaram
a língua em seus aspectos fonéticos/fonológicos, sintáticos e morfológicos com certa
precisão para os recursos da época. Os gramáticos, Panini (IV a.C.) foi o mais célebre,
“dedicaram-se ao estudo do valor e emprego das palavras e fizeram de sua língua, com
precisão e minúcia admiráveis, descrições fonéticas e gramaticais que são modelares no
gênero” (idem, 18).
Os gregos já com outros propósitos e pautado em seu egocentrismo, uma vez
que o mito não mais explicava o mundo, eles direcionaram sua atenção e reflexão para
os fenômenos da natura com a propósito de abstrair leis, regras, fórmulas, tratados etc.
Tudo que poderia contribuir para a compreensão do mundo e seus fenômenos uma vez
que os mitos não lhe eram suficientes para explicar e aplacar a existência humana. O
advento da filosofia marca o fim do mito.
Os gregos se e um lado foram amantes da História, do outro trataram com
indiferença ao não fazer nenhum registro e nem informações sobre os falares e línguas
de povos e populares que estabeleceram contato, de acordo com Leroy (1982: 18), “não
achou necessário fornecer a mínima observação acerca da língua de seus habitantes”
mesmo tendo que aprender línguas estrangeiras.
Um dos focos dos debates girou em torno da arbitrariedade do signo
lingüístico, ou seja,
“o problema que se colocava para os filósofos preocupados com elaboração de uma
teoria do conhecimento consistia em definiras relações entre a noção e a palavra
que a designa: a grande questão debatida entre os sofistas e os filósofos antigos – e
que manterá atual até a escolástica medieval – é saber se a linguagem fora criada
pela natureza ou por via de uma convenção (...), em outros termos,haverá uma
relação necessária entre as palavras e suas significações, entre o significado e o
significante?” (Leroy, 1982: 19).
De forma geral, a questão era saber se havia alguma relação entre o objeto e
nome do objeto. Platão abordou em vários momentos de sua filosofia essa questão, em
particular no diálogo com Crátilo. Saussure, século XIX, retoma esta questão e afirma
que o signo é arbitrário.
Enquanto os platônicos estavam preocupados com os efeitos da palavra ou
discurso e sua exatidão, eles queriam saber qual o tipo de relação que havia entre as
palavras e as verdades que estas provavelmente poderiam conter, ou seja, a palavra
deveria conter ou transmitir a proposição verdadeira.
Os sofistas, por seu turno, se estavam preocupados com os modos de uso da
palavra independemente dela conter uma verdade ou uma falsidade, ou ainda mais
propriamente, eles estavam preocupados com as estratégias de argumentação. É possível
considerar que a questão da coerência e da coesão era um tópico, de certa forma latente.
Outro aspecto interessante dos sofistas é que eles derem, de certa forma, início a
educação popular, pois ensinavam nos portais das cidades para todos e cobravam pelas
suas lições de “retórica e argumentação”. Não é sem propósito que eles foram
perseguidos e até recentemente considerados filósofos menores.
Aristóteles, em suas reflexões, identifica as partes dos discursos em seu livro,
Arte Retórica e Arte Poética, aborda também o uso e as estratégias da arte de falar
visando à palavra, a moral e o discurso verdadeiros. Aristóteles entre outros aspectos
desloca as questões Platônicas e sofísticas, pois, nela contém o cerne da constituição da
gramática. Outro mérito é “o de sido o primeiro a tentar proceder a uma análise precisa
da estrutura lingüística” (Leroy, 1982: 20).
No rastro da história, os Alexandrinos, com destaque para Dionísio da Trácia
(séculos II e I a.C.) se empenharam nos pormenores gramaticais agrupando em
doutrinas. A questão era saber se o sistema gramatical se constitui por analogia ou por
anomalias, doutrinas que renderam disputas infindáveis.
De uma forma ou de outra, a partir a partir destas reflexões no correr do
desenvolvimento das investigações sobre a língua e linguagem, em cada período outros
estudiosos, inclusive os Latinos, gramáticos como Apolônio e Varrão, que se dedicou a
definir a gramática como ciência e arte, e bom seguidores dos gregos não fizeram mais
do que propagar os ideários gregos, no entanto, os Latinos perceberam “o valor da
oposição de aspectos no sistema do verbo” (idem, 21).
Já na Idade Média, o advento do cristianismo poderia ter promovido um certo
alargamento no campo da linguagem, considerando a tradução da Bíblia em gótico,
armênio, eslavo, no entanto, a língua de outros povos eram vistas como “instrumentos
de propagandas” religiosas. As propostas de Dionísio da Trácia passaram a Idade Média
intactas enquanto a Escolástica se dedica ao rediscutir os ramos da gramática: trivium,
retórica e lógica o que subjaz a discussão entre a exatidão das palavras, os realistas (“as
palavras são reflexos das idéias”) de uma lado e os nominalista (“os nomes foram dados
arbitrariamente”)de outro. É importante destacar que nesse período houve um interesse
pelo conceito de dialetos, de língua, de literatura, pode-se citar “Questione della língua”
e “De vulgari eloquentia” (1301).
A Renascença foi um período de intensa ebulição intelectual que ocasionou
um ambiente propício aos estudos lingüísticos entre outros. A chegada dos sábios
bizantinos, expulsos de Constantinopla, os debates teológicos, estudo mais aprimorado
do grego, o recurso ao hebraico e as línguas semíticas com estruturas diferentes que
resultaram na comparação estrutural. Outro aspecto foram as traduções dos livros
sagrados para os numerosos dialetos. As observações e os documentos de viajantes,
diplomatas se constituem em um número arquivo para os estudiosos e curiosos dos
estudos lingüísticos que propicia um ambiente de classificação. Nesse movimento, as
questões metodológicas se colocam em vários sentidos, desde a simples especulação até
a classificação geográfica. Essa produção gerou inúmeras coleções.
Nessa ebulição, para citar alguns exemplos, surgiu em 1502 o dicionário
poliglota do italiano Ambrosio Calepino, em 1538 Guillaume Postel publicou o
Linguarum duodecim characteribus differentium alphabetum, em 1555 apareceu em
Zurique uma compilação intitulada Mitbridates de Conrad Gesner, em 1592, Jerônimo
Megiser lança Thesaurus Polyglottus. Assim, as publicações mais diversas vão se
multiplicando deixando de certa forma uma registro de dialetos e línguas e tentativas
metodológicas de classificação, algumas com certo rigor da época, outras apenas
especulações. No entanto, as reflexões iam se desenvolvendo com estudiosos de boa
vontade que se deixavam levar por elaborações simplistas sobre as línguas, os dialetos,
as traduções e principalmente as interpretações dos livros sagrados.
No século XVIII, Leibniz pode se considerado um pesquisador original,
reconheceu a arbitrariedade do signo como fizera Platão, combateu a hipótese de origem
hebraica para as línguas contemporâneas, no entanto cometeu equívocos ao construiu
um sistema genealógico. Em 1725, outro pesquisador original foi Giambattista vico cujo
voz não ecoou, sua obra Scienza nuova eterna que contava uma história cíclica do
gênero humano. A respeito das línguas o autor comenta que
“a língua da época primitiva foi muda, sendo que os homens se comunicavam entre
si por meio de sinais; mas a primeira linguagem articulada foi simbólica, vale dizer,
poética, e os homens se exprimiram naturalmente em verso; enfim, o terceiro
estágio de língua humana composta de vocábulos, cujo sentido os povos podem
fixar à sua vontade” (Leroy, 1982: 26).
As reflexões sobre a linguagem humana são marcadas por tentativas como um
prolongamento dos antigos. Ao longo da historia, foram descobrindo outras categorias
gramaticais como os casos nominativo, acusativo, o genitivo; o grau, o número, o
adjetivo, os superlativo, as conjunções etc. Arnauld e Lancelot (século XVII) fazem
uma grande síntese, imbuídos do espírito filosófico, das categorias gramaticais. O
modelo dos autores de Port-Royal ainda hoje é o seguido nas gramáticas normativas, no
que diz respeito à estrutura, organização, a concepção de conceitos, concepção de língua
etc.
No entanto, o prestígio de Aristóteles continua vigoroso, nesse sentido é
possível destacar a prodigiosa obra de Arnauld e Lancelot com a Grammaire generale
et raisonnée de Port-Royal (primeira edição 1660) que servirá nos dos séculos seguinte
de referência obrigatória ao pensamento e raciocínio lógico. É importante ressaltar que
o modelo de gramática normativa ainda utilizada contemporaneamente tem a gramática
de Arnauld e Lancelott com referência.
Enfim, o homem no Renascimento um pouco mais livre dos domínios do
pensamento religioso, a aventura-se nas especulações de todo ordem, momento
frutífero, pois, muitas dessas especulações se constituem de um terreno para o
desenvolvimento de pesquisas consistente nos séculos seguintes, seja para criticar, seja
para continuar ou para redimensionar em alguns aspectos as reflexões, ou ainda para se
valer da grande massa documental produzida.
Já com o advento da lingüística contemporânea com ciência (com objeto e
método definidos) que se opõe a gramática normativa com tradição, século XX, as
categorias gramaticais e os conceitos de cunho filosófico vão ser deslocados para uma
outra perspectiva.
A língua passa a ser concebido como um sistema em que os elementos, os
signos, são um valor, puros, opositivos, abstratos e relacionais (Saussure, 1995: 132133). Assim, os estudos lingüísticos contemporâneos tomaram a menor unidade da fala
provida de significação, o fonema, até ao texto. É na passagem dos estudos da palavra
para o texto que surge a Lingüística Textual para procurar compreender não mais o
sentido das palavras, mas como se dava e construção e unidade do texto.
Podemos considerar, ainda que de forma muito precária e sem muita reflexão
que a Lingüística Textual vai observar e redefinir as categorias gramaticais, como
conjunção, preposição, pronomes etc. mas como unidades lingüísticas e não categorias
gramaticais.
Para concluir, é importante considerar que os estudos textuais, de uma certa
forma ou de outra, antes da Lingüística, eram concebidos como formas de organização e
ordenação textuais em torno do uso da preposição e conjunções, encadeamento das
proposições, em torno do tema dos textos, e por fim, das estratégias de argumentação e
persuasão, o que requeria um certo uso específico das preposições e conjunções
(conectivos) e domínio específico de oratória no manuseio da palavra na construção do
texto.
Para concluir este tópico demasiado longo, o propósito foi para demonstrar
uma trajetória geral do desenvolvimento dos estudos lingüísticos.
2. Lingüística Textual: uma breve introdução
Foi na Europa, década de sessenta, mas precisamente na Alemanha, que os
estudos lingüísticos partiram do texto e não mais da palavra ou da frase para construir
um objeto de estudo particular como manifestação da linguagem humana. É possível
citar alguns de seus precursores, tais como Coseriu (1955), Weinrich (1966, 1967).
É importante considerar que de acordo com a concepção de texto no âmbito da
Lingüística, ele assumiu denominações diferenciadas a partir de seus autores. Assim,
análise transfrásica, gramática do texto, textologia (Harweg), teoria do texto
(Schimidt), translingüística (Barthes), Hipersintaxe (Pelk) entre outras denominações.
Uma das explicações mas corrente a respeito do surgimento da Lingüística
Textual está na precariedade e nas lacunas das gramáticas normativas ou descritivas
para compreender alguns fenômenos de co-referência, pronomilização, a seleção de
palavras, a ordenação das palavras no enunciado, a relação entre sentenças ligadas por
conjunções, os tipos de concordância dos tempos verbais, as retomadas e substituições
etc.
Para Dressler (1977), a Lingüitica Textual não comporta os mesmos
problemas que os da gramática e vice-versa. Conte (1977), classifica três momentos
importantes no deslocamento da lingüística da frase para a lingüística do texto. O
primeiro está restrito ainda aos enunciados ou as seqüências coerentes dos enunciados
que chegará ao texto. O segundo momento é marcado pela reflexão de uma gramática
do texto. O que está em questão é a descontinuidade que há entre o enunciado e o texto.
Neste instante o que está em pauta é diferenciar várias espécies de texto, levantar
critérios para delimitar o texto, e verificar o que faz que um texto seja um texto. O
último momento é marcado pela observação do texto em seu contexto pragmático, ou
seja, a perspectiva vai do texto ao contexto, enquanto conjunto de condições externa ao
texto na sua produção, recepção e interpretação.
De forma geral a Lingüística Textual teve alguns precursores históricos
distintos, o que corresponde a três grandes linhas de pensamento: a Retórica Clássica
(Empédocles, Corax, Tísias) que das suas cinco partes duas têm relação com a
lingüística do texto: uma diz respeito à definição de operações lingüísticas subjacentes à
produção do texto, ou seja, a sua microestrutura; a segunda refere-se à localização do
texto no processo global de comunicação, ou, a sua macroestrutura.
A outra linha de pensamento foi a Estilística que se serviu da retórica, da
gramática e da filosofia. A Estilística tinha por objeto todas as relações acima do nível
da frase, considerando que até bem pouco tempo a maior unidade da lingüística era a
frase.
A terceira e última linha de pensamento foi a dos Formalistas Russos,
pertencentes ao Círculo Lingüístico Moscou. Dentro os quais têm Propp (analisou as
estrutura dos contos populares), Jakobson (rompeu com os padrões tradicionais de
análise de texto) a partir do esquema de comunicação (emissor, canal, código,
interlocutores etc.)
A título de registro, temos também precursores strictu seno, que de uma forma
ou de outra tiveram sua atenção voltada para o texto. Fazem parte deste conjunto de
precursores: Hjelmslev, Harris, Pike, Jakobson, Benveniste, Pêcheux, Orlandi entre
outros.
2.1 Coerência e coesão: considerações
Após as considerações gerais e históricas, ainda que muito breve, sobre a
Lingüística Textual, neste tópico a proposta é abordar um quadro esquemático geral da
coerência e coesão, bem como a importância de alguns conceitos como mecanismos não
só de leitura e compreensão do texto, mas também para produção do texto.
Enquanto a coerência se manifesta no nível macroestrutural do texto, como
possibilidade de estabelecer uma relação entre os elementos do texto, contribuir para
construir uma unidade de sentido. Já a coesão diz respeito ao nível microestrutura, se
refere ao modo como as unidades vocabulares se relacionam construindo assim uma
seqüência de unidades lingüísticas portadora de sentido no texto. A coerência e a
coesão, muito embora sejam mecanismos distintos, no entanto, a coesão pode auxiliar
no estabelecimento da coerência.
De forma geral, mais do conhecer os conceitos básicos de coerência e coesão,
o importante talvez seja: saber de que forma os mecanismos contribuem para que o
texto se torne inteligível; compreender que a coerência e coesão se constituem em
requisitos de fundamental importância na elaboração de qualquer tipo de texto; a
coerência está fundamentada na continuidade da produção dos sentidos, a coesão por
sua vez se apresenta por meios de marcas lingüísticas; um último aspecto seria perceber
que a coesão e coerência se complementam no processo de construção ou produção do
texto.
Assim temos, ainda que de forma resumida:
2.1.1 Coerência: breves considerações
A coerência se estabelece em uma situação comunicativa, ela é responsável
pela construção do sentido que um texto deve possuir quando partilhado por usuários,
assim, se manifesta nas diversas camadas de organização do texto, de forma que
constitui em uma dimensão semântica (caracteriza-se pela independência semântica
entre os elementos que constituem o texto), uma dimensão pragmática (rituais, usos,
costumes, leis tratados, de forma geral, conhecimento partilhado etc.).
A coerência está ligada à compreensão, à possibilidade de interpretação
daquilo que se diz ou se escreve. Ela é decorrente dos sentidos contido no texto, para
quem ouve ou quem lê, seja um jornal, uma simples frase, uma obra literária, um
conversa animada, um discurso político etc.. Qualquer tipo de comunicação verbal,
indiferente a sua extensão, ela precisa possuir sentido em seu nível macro-estrutural,
isto é, precisa ter coerência. Em aspectos gerais ela depende: do conhecimento do
mundo e do grau em que esse conhecimento deve ser ou é compartilhado pelos usuários
da língua ou interlocutores; do domínio das regras que norteiam a língua, considerando
que este fator vai promover a possibilidade de várias combinações dos elementos
lingüísticos; dos próprios interlocutores, considerando a situação em que se encontram,
as suas intenções de comunicação, suas crenças, a função comunicativa do texto.1
Nesse sentido, temos quatro tipos de coerência: semântica; sintática; estilística;
pragmática e texto e coerência.
A título de exemplificação geral sobre coerência, temos os seguintes
exemplos:
a) o homem construiu uma casa na floresta.
1
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
b) o pássaro construiu seu ninho na árvore.
c) a árvore está grávida.
d) as árvores estão plantadas no deserto.
É possível aceitar que as frases (a) e (b) possuem um grau de aceitação, não
oferecem qualquer tipo de problema a para sua compreensão, ao passo que as frases (c)
e (d) há restrições para sua compreensão, pois a propriedade estar grávida não diz
respeito ao vegetal, o que não haveria problema se referisse à mulher. A combinatória
não faz sentido. Já na letra (d) ocorrem duas idéias opostas, uma contrária a outra, pois
no deserto, pelas suas características não se planta árvores no sentido geral, e o fato da
ser plantada, implica que seja em um lugar onde tenha as condições necessárias para
que se desenvolve, o que não é possível conceber que ela seja ou esteja plantado no
deserto.
2.1.1 Coerência semântica2
Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em
seqüência; a incoerência aparece quando esses sentidos não combinam, ou quando são
contraditórios. Assim temos alguns exemplos:
a) ... ouvem-se vozes exaltadas para onde acorrem muito fotógrafos e telegrafistas para
registrarem o fato.
O uso do vocábulo “telegrafista” provoca um ruído pela sua inadequação neste
contexto, pois o fato que causa espanto será documentado por fotógrafos e, talvez,
cronistas, que, poderão escrever sobre o fato, mas com certeza, um telegrafista não se
constitui em espectadores comuns nessas circunstâncias.
Ainda há um outro problema, o de ordem sintática: trata-se do emprego da
locução conjuntiva “para onde”, que teria vozes exaltadas como referente, o que não é
possível, porque esse referente não contém idéia de lugar, implícita no pronome relativo
2
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
“onde”.
Uma última observação seria a respeito do emprego do tempo verbal de
“ouvem-se” e “acorreram”, presente e pretérito perfeito, respectivamente. Seria mais
adequado os dois verbos estarem no mesmo tempo, o presente.
2.1.2. Coerência sintática3
Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica:
conectivos, pronomes etc. Temos o seguinte exemplo:
a) “Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular. Onde há
métodos, equipamentos e até professores melhores”.
A coerência deste período poderia ser recuperada se duas alterações fossem
feitas. A seria a troca do relativo “onde”, específico de lugar, “para no qual” ou “em
que” (ensino particular, no qual/em que já métodos), e a segundo seria a substituição do
ponto por vírgula, maneira que a oração relativa não ocorre como uma oração completa
e independente da anterior. Teríamos a seguinte oração, sem problema de compreensão:
a) “então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular, no qual
há equipamentos e até professores melhores”.
2.1.3 Coerência estilística4
É possível perceber, no exemplo a seguir, que este tipo de coerência não chega
a perturbar ou a incomodar a interpretabilidade de um texto; é uma noção relacionada à
mistura de registros lingüísticos. É desejável, de certa forma, que quem escreve deva se
manter num estilo relativamente uniforme. Entretanto, a alternância de registro pode ser,
por um lado, um recurso estilístico.
Poema de Manoel Bandeira
Tereza, se algum sujeito bancar o
sentimental em cima de você
3
4
idem
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
e te jurar uma paixão do tamanho de um
bonde
Se ele chorar
Se ele ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredite não Tereza
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA
Manoel Bandeira, poeta, procede como se estivesse falando, aconselhando
alguém, advertindo sobre uma possível “cantada”. Há mistura de tratamento (tu/você),
mistura de registros, pois o autor utiliza várias expressões da língua oral, como “do
tamanho de um bonde”, “se ele se rasgar todo”, “cai fora”, ao mesmo tempo em que
emprega o futuro subjuntivo, tempo mais comum num registro cuidado.
2.1.4 coerência pragmática5
Refere-se ao texto visto como uma seqüência de “atos de fala” (Austin, 1985).
Para haver coerência nesta seqüência, é preciso que os “atos de fala” se realizem de
forma apropriada, isto é, cada interlocutor, na sua vez de falar, deve conjurar o seu
discurso ao do seu ouvinte. Quando uma pessoa faz uma pergunta a outra, a resposta
pode ser manifestada por meio de uma afirmação, de outra pergunta, de uma promessa,
de negação. Qualquer uma dessa seqüência seria considerada coerente. Por outro lado,
se o interlocutor não responde, virar as costas e sair andando, começar a cantar, ou
mesmo dizer algo totalmente desconectado do tema da pergunta, estas seqüências
seriam consideradas incoerentes. Exemplo:
a) -Você pode me dizer onde fica a Rua Alice?
-O ônibus está muito atrasado hoje.
5
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
No exemplo acima há uma quebra de ritual cultural, quando alguém (estranho)
faz uma pergunta sobre alguma localidade, uma das possibilidades de respostas seria de
responder afirmativamente e indicar ou a de responder negativamente, recomendar que
procure outras pessoas etc. Mas não o caso de vir com uma outra fala desconectado do
contexto.
b) - No balcão de uma companhia aérea, o viajante perguntou à atendente;
- A senhorita pode me dizer quanto tempo dura um vôo do Rio a Lisboa?
- Um momentinho.
- Muito obrigado.
Para quem faz uma pergunta, não parece nem um pouco incoerente a resposta
obtida. Entretanto, um momentinho não é a resposta, é simplesmente um pedido de
tempo para depois dar uma atenção ao interlocutor. Nós é que percebemos a incoerência
da seqüência e tomamos o conjunto como ma piada.
2.3 Coesão: breves considerações
A coesão está ligação no nexo que se estabelece entre as partes de um texto.
Ela contribui para a ligação de elementos de natureza gramatical, no caso dos pronomes,
conjunções, categorias verbais, e elementos de natureza lexical, como sinônimos,
antônimos, repetições, e ainda mecanismos sintáticos, responsáveis pela subordinação,
coordenação, ordem dos vocábulos e orações. É um dos mecanismos necessários pela
interdependência semântica que se instaura entre os elementos constituintes de um
texto.
É importante ressaltar que a respeito da coesão que muitos autores têm
publicados apoiados, principalmente nos trabalhos de Koch (1989), como Platão e
Fiorin (1996) para o quem a coesão textual “é a ligação, a relação, a conexão entre as
palavras, expressões ou frase do texto”; Suárez Abreu (1990), “o encadeamento
semântico que produz a textualidade; trata-se de uma maneira de recuperar em uma
sentença B, um termo da sentença A e o termo que o retoma na sentença B”, e para
Marcusch (1983), os fatores de coesão “são aqueles que dão conta da seqüenciação
superficial do texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua que permitem
estabelecer, entre os elementos lingüísticos do texto, relações de sentido”. 6
Assim, temos a coesão gramatical: frásica; interfrásica; temporal; referencial; e
a coesão lexical: reiteração; substituição.
Assim, a coesão poder ser observada em enunciados simples quanto em
enunciados mais complexos, por exemplo:
a) Mulheres de três gerações enfrentam o preconceito e revelam suas experiências.
b) Elas resolveram falar. Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de mulheres
decidiram contar como aconteceu o fato que marcou sua vida.
c) Do alto de sua ignorância, os seres humanos costumam achar que dominam a terra e
todos os outros seres vivos.
Nesses exemplos, podemos observar o seguinte: os pronomes “suas” e “que”
retomando mulheres de três gerações e o fato, respectivamente: os pronomes “elas” e
suas antecipam oito dezenas de mulheres e os seres humanos, respectivamente. Estes
são apenas alguns mecanismos de coesão.
2.3.1. Coesão gramatical7
Se dão por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos
vocábulos, dos conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos),
pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos
tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor
temporal.
2.3.2 Coesão frásica8
Este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os componentes
da frase, com base na concordância entre os nomes e seus determinantes, entre o sujeito
6
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
8
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
7
e seus predicadores, na ordem dos vocábulos na oração, na regência nominal e verbal.
Exemplo:
a) Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com ondas, sem
ondas, rústicas, sofisticadas.
1 – Concordância nominal: praias (substantivo) – desertas, agitadas, rústicas,
sofisticadas (adjetivos); todos (pronome) – os (artigos); gostos (substantivo).
2 – Concordância verbal: Florianópolis (sujeito) – tem (verbo).
2.3.3 Coesão interfrástica9
Designa os variados tipos de interdependência semântica existente entre as
frases na superfície textual.
Essas relações são expressas pelos conectores ou
operadores discursivos.
a) Na verdade, muitos habitantes de Aparecida estão entre a cruz e a caixa registradora.
Vivem a dúvida de preservar a pureza da Casa de Deus ou apoiar um empreendimento
que pode trazer benesses materiais.
O conector ou apresente uma disjunção argumentativa, uma alterância.
1 – Aparentemente boa, a infra-estrutura da Basílica se transforma em pó em outubro,
por exemplo, quando num único fim de semana surgem 300 mil fiéis.
O conector, por exemplo, serve para especificar o que foi dito antes.
2.3.4 Coesão temporal10
A coesão é assegurada pelo emprego adequado dos tempos verbais,
obedecendo a uma seqüência plausível, ao uso de advérbios que ajudam a situar o leitor
9
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
http://acd.ufrj.br/~pead/ Acesso em 14/07/2005
10
no tempo (são, de certa forma, os conectores temporais). Exemplo:
a) A dita Televisão é, relativamente, nova. Embora os princípios técnicos de base sobre
os quais repousa a transmissão televisiva já estivessem em experimentação entre 1908 e
1914 nos Estados Unidos, no decorrer de pesquisas sobre implantação eletrônica,
somente na década de vinte chegou-se ao tubo catódico, principal peça do aparelho de
tevê. Após várias experiências por sociedades eletrônicas, tiveram inicio em 1939, as
transmissões regulares entre Nova Iorque – mas quase não havia aparelhos particulares.
A guerra impôs um hiato às experiências. A ascensão vertiginosa do novo veículo deuse após 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiências pioneiras de laboratório
(Pinto chegou a interessar-se pela transmissão de imagem), a tevê só foi mesmo
implantada em setembro de 1950, com a inauguração do Canal 3 (TV Tupi), por Assis
Chateaubriand. Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, já havia cerca de cem estações
servindo a doze milhões de aparelhos. Existem
hoje mais de 50 canais em
funcionamento, em todo território brasileiro, e perto de 4 milhões de aparelhos
receptores [dados de 1971].
Temos, neste texto, apresentação da trajetória da televisão no Brasil, e o que
contribui para a clareza desta trajetória é a seqüência coerente da datas: entre 1908 e
1914, na década de vinte, em 1939. Após várias experiências por sociedades eletrônicas
(época da) guerra, após 1945, em setembro de 1950, nesse mesmo ano, hoje.
2.3.5. Coesão referencial11
É um tipo de componente de superfície textual que faz referência a outro
componente, que, é claro, já ocorreu antes. Para este referência são largamente os
pronomes de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos,
indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (ali, aí, aqui,
lá), artigos. Exemplo:
a) Durante o período de amamentação, a mãe ensina os segredos da sobrevivência ao
filhote é arremedada por ele. A baleiona salta, o filhote a imita. Ela bate a cauda, ele
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também o faz.
“Ela”, “a” – retomam o termo “baleiona”, que, por sua vez substitui o
vocábulo mãe.
“Ele” – retoma o termo filhote.
“Ele” também o faz – “o” retorna as ações de saltar, bater, que a mãe pratica.
2.3.6 Coesão lexical12
É um tipo de coesão que retoma os vocábulos ou expressões que já ocorreram,
porque existem entre eles traços semânticos semelhantes, até mesmo opostos. Dentro da
coesão lexical podemos distinguir a reiteração e a substituição.
2.3.7 Reiteração13
Por reiteração endentemos a repetição de expressões lingüísticas; neste caso,
existe identidade de traços semânticos.
1- Em 1937, quando a Ipiranga foi fundada, muitos afirmavam que seria difícil uma
refinaria brasileira dar certo.
Quando a Ipiranga começou a produzir querosene de padrão internacional,
muitos afirmavam, também, que dificilmente isso seria possível.
Quando a Ipiranga comprou as multinacionais Gulf e Oil e Atlantic, muitos
disseram que isso era incomum.
E, a cada passo que a Ipiranga deu nesses anos todos, nunca faltaram previsões
que indicavam outra direção.
2.3.8. Substituição14
A substituição é a mais ampla, pois pode se efetuar por meio de sinonímia, da
antonímia, da hiperonímia, da hiponímia. Vamos exemplificar apenas um desses
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mecanismos. Exemplo.
a) Sinonímia15
1 - Pelo jeito, só Clinton insiste no isolamento de Cuba, João Paulo II decidiu visitar em
janeiro a ilha da Fantasia.
Os termos assinalados têm o mesmo referente. Entretanto, é preciso esclarecer
que, neste caso, há um julgamento de valor na substituição de Cuba por ilha da Fantasia,
numa alusão a lugar onde não haja seriedade.
Considerações finais
O objetivo, além de uma brevidade história da constituição da Lingüística
Textual, nós procuramos também demonstrar, ainda que brevemente, como os
mecanismos de coerência e coesão são importantes na compreensão e produção de
textos. O que vimos foi os processos de seqüencialização que asseguram uma ligação
entre os elementos lingüísticos formadores de texto, recurso de coerência e de coesão
textuais.
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Paulo Cesar TAFARELLO (UNEMAT/AIA)