A ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA NA JUSTIÇA DO TRABALHO À LUZ DO
PRINCÍPIO DE ACESSO À JUSTIÇA
Fernanda Travassos Deda 1
RESUMO
O artigo versa sobre a insuficiência da assistência jurídica gratuita prestada no âmbito da
Justiça do Trabalho à luz do princípio de acesso à justiça. Inicialmente, o estudo abordará as
transformações por que passou o instituto, bem como sua relevância enquanto instrumento
garantidor de outros direitos fundamentais. A seguir, versará acerca da viabilidade do
tratamento conferido pela legislação ao jus postulandi das partes, à representação sindical e
aos honorários advocatícios, para, ao final, aferir a efetividade do princípio constitucional
diante da ausência de atuação da Defensoria Pública no processo trabalhista.
ABSTRACT
The article discusses the failure of free legal assistance on Labor Law considering the
constitutional principle of access to justice. Initially, the study will address the
transformations undergone by the institute and its relevance as an instrument guarantor of
other fundamental rights. Then, it deals with the feasibility of the treatment given by law to
jus postulandi, to trade union representation and to attorneys' fees, so that it finally measures
the effectiveness of the constitutional principle against the lack of activity of the Public
Defender in the labor process.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Acesso à justiça como direito fundamental. 2.1. Evolução do conceito. 2.2.
Acesso à justiça como direito fundamental 2.3. O direito à assistência jurídica como forma de
viabilizar outros direitos fundamentais. 3. Empecilhos ao acesso à justiça do trabalho. 3.1. Jus
postulandi. 3.2. Representação sindical. 3.3. Honorários advocatícios. 4. Assistência jurídica
gratuita e a efetivação do acesso à justiça. 4.1. Defensoria Pública e assistência jurídica. 5.
Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.
O presente artigo almeja estudar o acesso à justiça do trabalho, através de uma
análise crítica da assistência jurídica gratuita prestada ao trabalhador hipossuficiente.
O estudo será fracionado em três capítulos. No primeiro deles, será abordado o
princípio de acesso à justiça como direito fundamental, indicando as transformações que
sofreu seu conceito ao longo do tempo. Nessa oportunidade, a pesquisa versará também sobre
como o acesso à justiça é capaz de viabilizar outros direitos fundamentais.
O capítulo seguinte analisará quais os óbices existentes à efetivação do acesso à
justiça do trabalho, tecendo um estudo sobre três importantes institutos processuais
trabalhistas, quais sejam, jus postulandi, representação sindical e honorários advocatícios, e
qual a influência destes para a promoção do acesso à justiça laboral.
Por fim, o terceiro capítulo tratará da concepção de assistência jurídica integral e
gratuita e seu alcance ao jurisdicionado trabalhista, traçando-se um panorama da atuação da
Defensoria Pública como mecanismo de acesso à justiça. Será abordada, ainda, a influência da
ausência da assistência de defensores públicos ao obreiro litigante.
2 ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
2.1 Evolução do Conceito
O acesso à justiça não é temática de fácil conceituação, uma vez que é
continuamente construída à medida que sofre influência das variadas tendências do
pensamento jurídico, as quais, por sua vez, são constantemente transformadas, de acordo com
o contexto social e histórico em torno do qual se edificam.
Com propriedade, Cappelletti e Garth (1988) apontam várias etapas da evolução
por que passou o conceito de acesso à justiça. A primeira concepção que se tinha era de um
acesso puramente formal, que se esgotava na possibilidade de um indivíduo postular uma
ação ou oferecer contestação, pois o acesso à justiça era concebido como um direito natural e,
portanto, não necessitava da intervenção do Estado para sua efetividade.
Tal pensamento refletia claramente a idéia individualista do direito, que muito
influenciou o estudo jurídico durante os séculos XVIII e XIX. O laissez-faire não considerava
atribuição do Estado intervir para minimizar as conseqüências da parca instrução da
população de baixa renda ao postular seus direitos e, assim, sustentava um sistema jurídico ao
qual tinham acesso apenas as pessoas com condições de suportar os custos de um processo
judicial (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Segundo a ideologia do Liberalismo, intensamente influenciada pelo economista
Adam Smith e sua idéia de que o Estado não deveria intervir nas relações econômicas – pois
tais relações seriam regidas por uma “mão invisível’, que garantiria seu funcionamento – , os
indivíduos são capazes de se relacionar e dirimir conflitos com a mínima intromissão do
Estado (VICENTINO; DORIGO, 2001).
O estudo jurídico, portanto, era essencialmente dogmático, sem dar relevância às
dificuldades que possuíam os litigantes na defesa de seus direitos. No entanto, à medida que o
sistema burguês laissez-faire não mais se mostrava adequado à realidade do século XX, os
movimentos pelos direitos humanos ganharam força, o que levou à inevitável transformação
do estudo do Direito (CAPPELLETTI; GARTH, 1998).
Finalmente, foi criada uma teoria alternativa à economia de mercado então
vigente. Era a teoria keynesiana que surgia na década de 1930 na Inglaterra, propondo uma
maior regulamentação da economia pelo Estado como forma de superar a crise estabelecida.
John M. Keynes sugeria que o Estado deveria fornecer benefícios sociais, a fim de garantir o
pleno emprego para, então, pôr fim à crise (HOBSBAWM, 1995).
Sob essa nova perspectiva, passou a ser incumbência do Estado tornar efetivos os
direitos que anteriormente existiam apenas formalmente, sendo dever seu ter atitudes
positivas que garantissem a efetividade de tais direitos, entre os quais encontrava-se o acesso
à justiça.
Com as reformas advindas da ideologia do welfare state, o conceito de acesso à
justiça ganhou um significado mais amplo, transpondo a concepção de um direito formal,
evoluindo para um direito fundamental do indivíduo, que deve ser assegurado pelo Estado
através de medidas que viabilizem sua efetividade.
Nesse sentido, o pensamento jurídico moderno considera o acesso à justiça como
“o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico
moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12).
O acesso à justiça, então, tornou-se questão cada vez mais discutida no meio
acadêmico, sendo certo afirmar que o moderno estudo do direito deve, obrigatoriamente,
considerar as disparidades sociais e as deficiências dos indivíduos em postularem os seus
direitos, ou até mesmo em ter conhecimento da existência de tais direitos (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988). Essas questões são essenciais para o estudo jurídico, que há muito não se
esgota na dogmática.
É precisa a citação de Cappelletti e Garth:
“O ‘acesso’ não é
reconhecido; ele é,
processualística. Seu
objetivos e métodos
1988, p.13)
apenas um direito social fundamental, crescentemente
também, necessariamente, o ponto central da moderna
estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos
da moderna ciência jurídica”. (CAPPELLETTI; GARTH,
Como se vê, não está próxima a superação da problemática da conceituação do
acesso à justiça, uma vez que este naturalmente evolui na medida em que as sociedades
sofrem transformações – e nem se pretende superar tal conceituação, pois é desejável que
sofra mutações constantes, de acordo com as mutações sociais –. No entanto, é manifesta a
tendência de ampliação desse conceito ao longo dessas transformações, de modo a reconhecer
cada vez mais os empecilhos ao efetivo acesso à justiça e buscar eliminá-los.
2.2 Acesso à Justiça Como Direito Fundamental
Ocupando patamar de direito fundamental, o acesso à justiça é consagrado pelo
artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O direito de ação, dessa forma,
garante a todos a possibilidade de socorrer-se do judiciário para dirimir seus conflitos,
assegurando-se a tutela jurisdicional a qualquer indivíduo, seja esta postulada de forma
preventiva ou reparatória.
Tem-se, então, que o direito de ação é um direito cívico e abstrato (NERY JR,
1994, p. 91), em razão de ser o direito autônomo de chamar o Poder Judiciário a intervir em
uma relação, a fim de aplicar o direito ao caso concreto (MORAES, 2000).
José Afonso da Silva aponta a importância do acesso ao judiciário: "O princípio
da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, constitui, em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos". (SILVA,
1996, p. 410).
Assegurado por todas as Constituições brasileiras, o direito de ação é
indispensável ao exercício da democracia, na medida em que se encontra disponível a
qualquer interessado a fim de tornar possível a defesa de direitos ou valores individuais ou
coletivos 2. Por isso, o acesso à justiça configura-se direito fundamental de imprescindível
relevância à ordem jurídica justa.
Não obstante, o direito ao acesso à justiça não se esgota no mero direito de ação,
mas vai além. O direito de acesso deve ser complementado pelo direito de assistência jurídica
integral e gratuita, igualmente disposto pela Carta Maior, pois o pleno acesso à justiça deve
assegurar a efetividade do direito de ação, através da garantia de assistência jurídica.
Nesse norte, a Constituição Federal, ao prever a garantia constitucional de direito
de ação, igualmente dispôs sobre mecanismos capazes de consagrar sua efetividade, pois o
direito fundamental constante no inciso XXXV do artigo 5º apenas dá início à função
jurisdicional do Estado, sendo, entretanto, necessários mecanismos que dêem prosseguimento
a essa prerrogativa, de modo a garantir não apenas o acesso às vias judiciais, como também o
acesso à ordem jurídica justa idealizada por Watanabe. 3
De tais mecanismos, seguramente o de maior relevância é a assistência jurídica
integral e gratuita, prevista no artigo 5º, LXXIV. Tal instituto pretende efetivar outras
garantias constitucionais, como a igualdade, o devido processo legal, a ampla defesa, o
contraditório e, principalmente, o amplo e irrestrito acesso à justiça, uma vez que se afigura
como direito público subjetivo assegurado a todos que comprovem situação econômica que
não lhe permita custear as despesas de advogado e custas processuais sem prejuízo para seu
próprio sustento ou de sua família (MORAES, 2000).
2
Pleno – ADin. nº 1247/PA – medida cautelar – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1995,
p 28.354
3
“A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais
já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar
o acesso à ordem jurídica justa” (WATANABE, Kazuo. "Acesso à justiça e sociedade moderna". In:
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. (coords.). Participação e Processo. São Paulo: RT, 1988).
2.3 O Direito à Assistência Jurídica Como Forma de Viabilizar Outros Direitos
Fundamentais
Uma vez assegurada a assistência jurídica como direito fundamental, outros
direitos também fundamentais são naturalmente alcançados, simplesmente pela garantia de
serem os hipossuficientes assistidos pelo Estado em suas pretensões judiciais. Isso porque,
para a efetivação de alguns direitos, é necessário que se garanta ao necessitado a proteção
necessária para postulá-los satisfatoriamente (SOUZA, 2003).
2.4.1 Direito à igualdade
Inicialmente, importa traçar uma diferenciação entre a igualdade formal e a
igualdade material. A igualdade em seu aspecto formal é aquela inscrita no art. 5ª da Carta
Magna, explicitada no parágrafo anterior. O sentido material da igualdade distingue-se por
permitir tratamento desigual aos que não se encontram em situação idêntica, buscando a
equiparação dos indivíduos, considerando as suas disparidades. José Afonso da Silva leciona:
“porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque
realizar a igualização das condições desiguais" (SILVA, 1993, p. 195).
No contexto do acesso à justiça, não se poderia conceber simplesmente o direito
de acesso inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, já que, assegurando-se
o amplo acesso a todos os indivíduos, sem distinção, não estaria garantido o acesso aos
hipossuficientes, que certamente necessitam mais do que a garantia formal de acesso. Isso se
deve ao fato de que as pessoas desprovidas de recursos financeiros ficam privadas de defender
seus direitos, seja por não ter conhecimento deles, seja por não poder custear um advogado
particular para defender adequadamente seus direitos em juízo.
2.4.2 Direito ao devido processo legal
Com efeito, dispõe o inciso LIV do artigo 5º da Carta Maior: “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Inspirado na Magna
Carta outorgada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, de fundamental relevância no
ordenamento jurídico inglês e norte-americano, é também assegurado pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem, em seu art. XI, nº 1 (MORAES, 2000).
O devido processo legal apresenta-se em três sentidos: o genérico, o material e o
processual. No primeiro, refere-se à sua incidência no âmbito do direito material; no segundo,
busca proteger os direitos e liberdades do indivíduo contra normas que se revelem opressoras,
regulando, assim, a atividade legislativa; no último sentido, quer dizer que à parte de um
processo judicial é garantido que defenda sua pretensão da maneira mais ampla possível
(SOUZA, 2003).
Impende destacar que o devido processo legal tem como corolários o contraditório
e a ampla defesa, insertos no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal. Assim, o princípio da
ampla defesa representa a garantia ofertada ao réu de que poderá apresentar todos os
elementos capazes de esclarecer a verdade dos fatos, ao passo que o contraditório deve ser
entendido como a exteriorização da ampla defesa, significando que a parte terá direito de
opor-se ou apresentar outra versão de cada ato produzido pelo outro litigante (MORAES,
2000).
A fim de concretizar o direito à ampla defesa, faz-se necessário que a parte possua
defesa técnica no processo, para assegurar a igualdade de armas entre as partes (par conditio),
evitando o desequilíbrio processual através da possibilidade de existência de iguais
oportunidades, alegações, provas e impugnações (MORAES, 2000).
Portanto, é válido afirmar que a ampla defesa e o contraditório não podem
alcançar seu verdadeiro sentido sem uma paridade de armas entre as partes, pois um litigante
desprovido de defesa técnica jamais irá gozar plenamente das garantias aqui apontadas, as
quais são viabilizadas através da assistência jurídica integral e gratuita.
3 EMPECILHOS AO ACESSO À JUSTIÇA DO TRABALHO
O princípio constitucional de acesso à justiça encontra inúmeros óbices à sua
efetivação no judiciário trabalhista, uma vez que diversos são os fatores que dificultam ao
jurisdicionado alcançar uma real e efetiva postulação de seus direitos trabalhistas perante a
justiça trabalhista.
A manutenção do jus postulandi das partes, a deficiência da representação sindical
e as restrições conferidas aos honorários advocatícios são os principais fatores a contribuir
para o precário acesso à justiça do obreiro.
3.1 Jus Postulandi
Sabe-se que o direito do trabalho tem a proteção ao empregado como um dos seus
princípios basilares. Portanto, no intuito de proteger o obreiro, parte hipossuficiente da relação
empregatícia, foi instituído o jus postulandi, visando dirimir as dificuldades que encontra o
trabalhador em postular seus direitos judicialmente.
À época da criação da justiça trabalhista, seu principal atributo era a simplicidade,
visto que as contendas levadas a esta especializada tratavam de questões triviais, como
anotação de CTPS, férias, horas extras e demais aspectos corriqueiros das relações de
trabalho. No entanto, com seu desenvolvimento, a Justiça do Trabalho ganhou complexidade,
tornando-se cada vez mais formal e técnica, devido à crescente complexidade das lides que
lhe eram apresentadas.
Desde então, a CLT foi alvo de sucessivas alterações, sendo que o direito
processual trabalhista utiliza ainda o processo civil subsidiariamente, ganhando, assim, mais
complexidade do que possuía quando da criação da CLT, em 1943.
Por isso, diante da conjuntura em que foi criada a CLT – e instituído o jus
postulandi das partes –, parecia oportuno possibilitar ao empregado a postulação de seus
direitos pessoalmente junto ao Judiciário. Todavia, à medida que o processo do trabalho
transmudou-se devido à própria evolução das contendas trabalhistas, o que se revelou através
de incontáveis alterações em sua legislação, passou a ser prejudicial ao obreiro atuar neste
intrincado processo sem representação de advogado.
Jus postulandi é expressão latina que significa o direito de falar, postular no
processo. No processo civil, em regra, o jus postulandi é conferido unicamente aos
advogados. É, em verdade, um pressuposto processual referente às partes que devem estar
representadas em juízo por um patrono (LEITE, 2008).
Ressalte-se, porém, que há possibilidade de a parte atuar sem advogado no
processo civil, embora se trate de exceção, como no caso do credor na ação de alimentos (art.
2º da Lei nº 5.478/68), para promover retificações no registro civil (art. 109 da Lei nº
6.015/77) e para declaração judicial de nacionalidade brasileira (art. 6º da Lei nº 818/49).
Todavia, no âmbito do processo do trabalho, a expressão é traduzida como o
“direito que a pessoa tem de estar em juízo, praticando pessoalmente todos os atos autorizados
para o exercício do direito de ação, independentemente do patrocínio de advogado”
(MARTINS, 2006, p. 181).
Na legislação trabalhista, o jus postulandi encontra-se previsto no art. 791 da
CLT. Ademais, o artigo 839, a, da CLT também aponta que a reclamação trabalhista pode ser
apresentada por empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, ou
mesmo pelo sindicato de sua categoria. Assim, o empregado pode exercer o jus postulandi
através da “atermação”, realizada perante servidores dos Tribunais Regionais do Trabalho,
que reduzem a termo a reclamação do obreiro, conforme disposto no §2º do art. 840 da CLT.
Ressalte-se que não há restrição no que diz respeito ao valor da causa para o
exercício do jus postulandi. O inverso ocorre nos Juizados Especiais Estaduais, em que há
limite ao valor da causa, correspondente a 20 salários mínimos, para dispensar o patrocínio de
um advogado, como dispõe o art. 9º da Lei n. 9.099/95. Por outro lado, na Justiça do Trabalho
o empregado é livre para postular sem advogado independentemente do valor atribuído à
causa.
3.1.1 A essencialidade do advogado ante o jus postulandi
Muito se discute a respeito da recepção do art. 791 da CLT pela Constituição
Federal de 1988, considerando, principalmente, o disposto no artigo 133 da Carta Maior, que
estabelece a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça. Fundamentando-se
no dispositivo constitucional, há uma corrente minoritária que defende a inconstitucionalidade
do jus postulandi.
Com o advento do artigo 1º, inciso I, do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), tal
corrente ganhou mais força, tendo em vista que esse dispositivo legal determinou como sendo
atividade privativa da advocacia a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados
especiais. Desse modo, encontrava-se regulada a matéria, já que a única exceção prevista pelo
aludido Estatuto era a impetração de habeas corpus (§1º).
Logo, a corrente que advoga a inconstitucionalidade do jus postulandi defende
que a circunstância de não se ter estabelecido outra exceção, sendo considerada privativa do
advogado a postulação a órgão do Poder Judiciário e, sendo a Justiça do Trabalho pertencente
a esse Poder, a única exceção é a interposição de habeas corpus, concluindo-se, destarte, que
o jus postulandi não mais persiste, tendo sido revogado pela Constituição Federal e pelo
Estatuto da OAB (MARTINS, 2006).
Dessa forma, os doutrinadores que se opõem à manutenção do jus postulandi na
esfera trabalhista argumentam que a compreensão do processo do trabalho está atrelada ao
conhecimento dos princípios e postulados medulares de toda a ciência jurídica, motivo por
que suas regras necessitam de análise hermenêutica, ainda que sejam consideradas de simples
entendimento. Por isso, o processo torna-se de impossível compreensão para o leigo
(RUSSOMANO, 1994).
Como conseqüência, a parte que não se faz representada por advogado passa a
ocupar posição de inferioridade no processo, vez que, embora essa parte esteja com o direito
ao seu favor, suas alegações não reforçam sua pretensão, por serem mal fundadas, mal
articuladas (RUSSOMANO, 1994). Assim, o direito processual, que deveria servir para
concretizar o direito material do autor, se torna ineficaz em seu objetivo, diante do falho
sistema do jus postulandi.
Imprescindível a citação do entendimento do jurista Valentin Carrion:
“estar desacompanhado de advogado não é direito, mas desvantagem; a parte
desacompanhada de advogado era caricatura de Justiça; a capacidade de ser parte ou
a de estar em Juízo (art. 792, nota 1) não se confunde com a de postular. Já na
reclamação verbal, a parte ficava na dependência da interpretação jurídica que aos
fatos dava o funcionário que reduzia a termo suas afirmações. Depois vinham as
dificuldades do leigo na instrução e nos demais atos processuais, onde o arremedo
de Justiça mais se acentua” (CARRION, 2006, p. 574)
Nessa esteira, defende Sergio Pinto Martins (2006, p. 182) que a participação
obrigatória do advogado nos processos judiciais, com exceção do habeas corpus, não fere o
direito de petição previsto no art. 5º, XXXV da Lei Maior, analisado no capítulo anterior, já
que se deve fazer uma interpretação sistemática da norma constitucional com outros preceitos
constantes na Constituição, como o artigo 133, posteriormente regulamentado pela Lei nº
8906/94.
A corrente majoritária, para a qual o jus postulandi encontra-se em pleno vigor,
defende que o instituto é necessário para facilitar o acesso do hipossuficiente às cortes
trabalhistas, sendo considerado um retrocesso jurídico retirar esse instituto do ordenamento
pátrio. É esse o entendimento firmado na jurisprudência dos tribunais trabalhistas.
Torna-se relevante colacionar os seguintes excertos jurisprudenciais do Tribunal
Superior do Trabalho:
HONORÁRIOS DE ADVOGADO - SUBSISTÊNCIA DO ART. 791 DA CLT SENTIDO E ALCANCE DO ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Sempre foi da tradição do Direito Processual do Trabalho poderem, empregado e
empregador, postular e defender pessoalmente seus direitos, independentemente da
assistência dos profissionais do Direito, devendo ser destacado que, antes mesmo da
atual Constituição prescrever a indispensabilidade do advogado à administração da
Justiça (art. 133), idêntica norma já existia na legislação infraconstitucional (art. 62
da Lei nº 4.215, de 27.4.63 - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), mas nem
por isso entendeu-se que fora revogada a norma consolidada (art. 791). Assim, ao
elevar ao nível constitucional o princípio que consagra a indispensabilidade do
advogado à administração da Justiça, o constituinte não pretendeu, por certo,
extinguir o jus postulandi das partes no Judiciário Trabalhista, visto que condicionou
sua aplicação aos limites da lei (art. 113 - parte final), o que autoriza a conclusão de
que, enquanto não sobrevier norma federal dispondo em sentido contrário, a
subsistência do art. 791 da CLT, que é federal, é compatível com a nova ordem
constitucional. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (RR 1585/2000-002-22-00.6 , Relator Ministro: Milton de Moura França, Data de
Julgamento: 22/09/2004, 4ª Turma, Data de Publicação: 08/10/2004)
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
O art. 133 da Constituição Federal não pôs termo ao jus postulandi. No processo
trabalhista, é inaplicável o princípio da sucumbência, para efeito de honorários
advocatícios, mesmo após o advento do referido artigo. Revista conhecida e provida
(RR - 689341/2000.9, Relator Juiz Convocado: Marcus Pina Mugnaini, Data de
Julgamento: 26/02/2003, 5ª Turma, Data de Publicação: 30/05/2003)
Ademais, importa destacar a questão dos acordos firmados na justiça trabalhista,
tema que ganha ainda mais relevância se analisado sob a ótica do jus postulandi. É notório
que os acordos são firmados, em diversas ocasiões, de forma prejudicial ao obreiro, que
renuncia a parte de seus direitos em troca de um recebimento mais ágil do montante.
No processo do trabalho, a problemática dos acordos judiciais é ainda maior do
que na justiça comum, uma vez que o crédito do trabalhador é de natureza alimentar,
devendo-se também considerar sua situação de hipossuficiência, não só econômica, em face
do empregador, a qual se agrava quando o obreiro encontra-se desacompanhado de advogado,
enquanto o empregador é representado por uma preparada equipe de profissionais.
Sendo assim, o jus postulandi atua como meio de viabilizar o acordo prejudicial
ao trabalhador, na medida em que o deixa desamparado, seja por desconhecer a lei, seja por
ficar indefeso diante dos argumentos dos advogados do patrão, o qual, tendo conhecimento de
que infringiu a lei, terá mais facilidade em ludibriar o empregado com argumentos que o
convençam a firmar acordos nada favoráveis a si (ALMEIDA, 2005).
Considerando as duas correntes, não é intenção do presente trabalho defender a
total extinção do jus postulandi, pois acredita-se que tenha sua eficácia em alguns casos. O
que se pretende é a modificação do instituto e a sua associação com outros meios garantidores
de efetivo acesso à justiça, especialmente uma assistência jurídica gratuita de qualidade, que
somente seria possível com a atuação da Defensoria Pública na seara trabalhista, conforme
adiante restará demonstrado.
3.2 Representação Sindical
Nas ações individuais trabalhistas, os empregados e empregadores poderão ser
representados por intermédio do sindicado da categoria profissional ou econômica a que
pertencem, por força do art. 791, §1º combinado com o art. 513, a, do diploma celetário.
Tais dispositivos devem ser igualmente aplicados aos trabalhadores avulsos, em
razão da sua equiparação constitucional ao empregado, prevista no art. 7º, inciso XXXIV da
Constituição Federal (LEITE, 2008).
Conforme se verá no próximo capítulo, a assistência judiciária gratuita será
prestada ao trabalhador exclusivamente pelo sindicato da categoria profissional à qual
pertence o obreiro, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 5.584/70.
Assim, o sindicato prestará assistência ao obreiro que se encontra desempregado –
situação a ser comprovada mediante simples apresentação de sua CTPS – ou que percebe
salário inferior a dois salários mínimos ou, ainda que perceba salário superior, declare que sua
situação econômica não lhe permite demandar sem prejuízo do seu sustento ou de sua família.
A respeito de tal declaração, tem-se que é uma inovação na legislação, já que
antes era exigida a apresentação de atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do
Trabalho ou pelo Delegado de Polícia da região onde residia o obreiro para comprovar a
situação econômica alegada (SARAIVA, 2008).
Após, com a edição da Lei nº 7.115/83, foi abandonada a exigência do referido
atestado, sendo bastante a declaração do interessado, de próprio punho, ou por procurador
com poderes especiais, declarando insuficiência de recursos para arcar com custas e despesas
processuais sem prejuízo do seu sustento ou de sua família (SARAIVA, 2008).
Dessa forma, com fulcro no art. 4ª da Lei de Assistência Judiciária (Lei nº
1.060/50), é necessário apenas “simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está
em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo
próprio ou de sua família”.
É coerente o entendimento de que o §1º do art. 14 da Lei 5.584/70 foi revogado
tácita e parcialmente pelo § 10 do art. 791 da CLT, pois, enquanto aquele previa a assistência
gratuita apenas ao empregado que percebesse até dois salários mínimos, o dispositivo
celetário estabeleceu o limite de cinco salários mínimos para prestação da assistência (LEITE,
2008).
Questão relevante é a prestação de assistência judiciária pelo sindicato ao
trabalhador que não é associado à entidade sindical que o representa. O art. 18 da supracitada
lei dispõe: “A assistência judiciária, nos termos da presente lei, será prestada ao trabalhador
ainda que não seja associado do respectivo sindicato.”
Todavia, não obstante o dispositivo legal, há alguns sindicatos que se recusam a
prestar assistência a trabalhadores não associados, tendo interesse em representar apenas os
seus associados, tendo em vista que a filiação ao sindicato não é obrigatória, por força da
norma constitucional prevista no art. 8º, V, da Lei Maior.
Destarte, a obrigatoriedade da prestação de assistência judiciária pelo sindicato ao
trabalhador é justificada pelo fato de que a contribuição sindical paga por qualquer empregado
se destina ao custeio da assistência jurídica, como preceitua o art. 592, II, a, da CLT
(MARTINS, 2006).
Merece ainda mais interesse a questão dos trabalhadores pertencentes a categorias
profissionais que não possuem entidade alguma que os represente, pois a estes obreiros será
negada a assistência judiciária, restando-lhes contratar um advogado particular ou exercer o
jus postulandi, já que não terão possibilidade de serem assistidos por sindicato.
3.3 Honorários Advocatícios no Processo do Trabalho
Entre os temas mais controvertidos do estudo do direito processual trabalhista
estão os honorários advocatícios, sobre o qual divergem doutrina e jurisprudência,
principalmente após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou a
competência da justiça laboral.
O Estatuto da Advocacia prevê, no art. 22 (Lei nº 8.906/94), que “a prestação de
serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados,
aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. Da mesma forma, preceitua o
art. 20 do Código de Processo Civil: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as
despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida,
também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria”. Todavia, na seara
trabalhista, em razão do jus postulandi das partes, previsto no art. 791 da CLT, entende o TST
que, mesmo após o advento do art. 133 da Constituição, não há necessidade de a parte ser
representada por advogado na justiça do trabalho.
Desse modo, o entendimento majoritário é o de que não há, no processo do
trabalho, honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, com exceção dos casos
previstos no art. 14, caput e §1º da Lei nº 5.584/70.
Portanto, segundo o entendimento predominante, para que haja condenação em
honorários advocatícios, é necessária a condição de miserabilidade jurídica (MARTINS,
2006, p. 368), significando que o empregado deve perceber até dois salários mínimos ou,
ainda que possua renda superior, comprove que é impossibilitado de demandar sem prejuízo
próprio ou se sua família. É também imperioso que a parte seja assistida por advogado do
sindicato de sua categoria.
Adotando esse posicionamento, o TST publicou as súmulas 219 e 329, in verbis:
SÚMULA Nº 219 DO TST. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESES DE
CABIMENTO. Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários
advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e
simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da
categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do
salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita
demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
SÚMULA Nº 329 DO TST. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ART. 133 DA
CF/1988. Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988,
permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado nº 219 do Tribunal
Superior do Trabalho.
Ainda segundo essa corrente, a existência do jus postulandi no processo do
trabalho, não obstante o teor do art. 133 da Constituição, é empecilho para a não concessão de
honorários advocatícios na justiça trabalhista, tendo com o fundamento a facultatividade da
presença do advogado, razão pela qual a parte contrária não poderia ser onerada pelo
exercício de uma faculdade do outro litigante (SOUTO MAIOR, 2002).
Com entendimento diametralmente oposto, há a corrente minoritária, que defende
que os honorários advocatícios em caso de sucumbência são sempre devidos, alicerçando-se
no art. 133 da Constituição, bem como no já citado art. 20 do diploma processual civil.
Para aqueles que comungam com este pensamento, a presença do advogado,
embora facultativa pela legislação, é decisiva para a consecução do direito postulado, uma vez
que o conhecimento jurídico não é tarefa para leigos. Ao contrário, é objeto de intenso estudo
de juristas e aplicadores do direito e requer saber técnico, o que é impossível ao leigo
(SOUTO MAIOR, 2002).
De fato, o posicionamento da doutrina minoritária parece ser o mais compatível
com os princípios de efetividade e de acesso à justiça. Isso porque a condenação ao
pagamento de honorários advocatícios em nada prejudicaria o obreiro litigante, motivo por
que não se vislumbra incompatibilidade alguma entre o jus postulandi (art. 791) e os
honorários advocatícios, já que, caso o obreiro hipossuficiente tivesse sua demanda julgada
improcedente, este jamais seria condenado ao pagamento dos honorários, por ser beneficiário
da justiça gratuita, o que o isenta do pagamento de custas e honorários advocatícios, por força
da Lei nº 1.060/50.
Se, por outro lado, o obreiro for representado por advogado e o pedido formulado
em sua ação trabalhista for julgado procedente, o trabalhador que teve seus direitos
judicialmente reconhecidos sofrerá uma perda de parte do montante recebido, pois os
honorários que inevitavelmente serão pagos ao causídico – afinal, trata-se da fonte de renda
do profissional – serão descontados do valor da condenação, tendo em vista que a parte
sucumbente não será condenada ao pagamento dos honorários.
O que se vê, portanto, é um verdadeiro óbice ao acesso à justiça, pois o
trabalhador que tem seus direitos desrespeitados não consegue, judicialmente, ser indenizado
em sua totalidade, devido ao custeio das despesas com advogado. Tal situação desestimula o
trabalhador, principalmente aquele com parca instrução e cuja demanda não seja de valor
elevado, a procurar os serviços de um advogado, levando-o a litigar por conta própria, o que,
por sua vez, implica em uma defesa falha.
Ademais, são perfeitamente aplicáveis ao processo do trabalho os artigos 389 e
404 do Código Civil de 2003, vez que os honorários advocatícios a que fazem alusão os
referidos dispositivos têm natureza indenizatória, na medida em que visam compensar a parte
pela quantia despendida com o pagamento de advogado particular, que foi descontada do
montante do crédito, consagrando-se o princípio da restituição integral do crédito. Logo, é
justa e razoável a aplicação desses artigos no processo trabalhista. (SCHIAVI, 2009).
4 ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À
JUSTIÇA
O princípio constitucional de acesso à justiça necessita de instrumentos capazes
para torná-lo efetivo, não sendo bastante a simples garantia de acesso ao Poder Judiciário. É
necessário que haja real acesso à justiça, na concepção mais ampla que o termo comporta.
Para tanto, especialmente em um país de tamanhas disparidades sociais, é imperiosa a criação
de mecanismos de assistência jurídica aos hipossuficientes.
Para garantir a efetividade do princípio de acesso à justiça (art. 5º, XXV, da
Constituição Federal), a Constituição de 1988 elevou ao patamar de direito fundamental a
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos,
conforme dispõe o inciso LXXIV do art. 5º da Constituição.
O direito constitucional de assistência jurídica, que é correlato ao dever do Estado
em prestá-la a quem comprovar insuficiência de recursos, é auto-aplicável, uma vez que
representa uma garantia individual do cidadão, sem necessidade de regulamentação legal para
ser exercido (PINHEIRO, 2006).
A Constituição de 1988 trouxe inovação à matéria ao instituir a expressão
“assistência jurídica gratuita”, substituindo a nomenclatura anterior, que tratava apenas de
assistência judiciária. Como se verá adiante, a inovação não diz respeito apenas à
nomenclatura do instituto, uma vez que a mudança da expressão utilizada vai muito além da
terminologia.
Mas antes, é necessário traçar uma diferenciação entre a assistência judiciária
gratuita e a justiça gratuita, expressões que, embora sejam utilizadas equivocadamente como
sinônimos por muitos, possuem significados distintos.
A assistência judiciária gratuita é aquela a que faz menção a Lei nº 1.060/50. No
processo do trabalho, como já exposto no capítulo anterior, a assistência judiciária é prestada
através do sindicato que representa a classe a qual pertence o obreiro. A Lei nº 5.584/70,
fazendo referência à lei supracitada, regulamenta a prestação da assistência pelas entidades
sindicais.
Desse modo, assistência judiciária deve ser considerada como uma faculdade
constitucionalmente assegurada ao necessitado de ser assistido por advogado, para que este
postule perante o poder judiciário o direito lesado, sem que, para tanto, a parte precise custear
as despesas de tais serviços (CASTRO, 1987).
O benefício da justiça gratuita, por outro lado, é o direito à gratuidade de despesas
judiciais, custas, emolumentos, honorários de perito e outras despesas, judiciais ou não, que a
parte normalmente teria que custear em um processo, sendo regulamentado, na esfera
trabalhista, pelo art. 790, § 3º.
Embora os dois institutos tenham contribuído como formas de efetivação do
acesso do trabalhador hipossuficiente à justiça, ainda não são suficientes, por si só, para
assegurar ao trabalhador que teve seu direito violado tenha oportunidade de postular seus
direitos de modo eficiente.
Nesse passo, a Constituição Federal de 1988 inovou ao determinar, em seu art. 5º,
inciso LXXIV, que os necessitados terão direito a assistência jurídica integral e gratuita,
expressão que abrange uma assistência muito mais ampla e completa ao litigante necessitado.
Não obstante esteja também incluída em sua significação a assistência no
processo judicial, o litigante terá direito a “assistência preventiva, pré-judiciária e
extrajudicial” (SOUZA, 2003, p. 60), o que significa que, antes de ingressar em juízo, a parte
terá direito a uma orientação jurídica acerca do direito a que entende fazer jus.
Eis o entendimento de Ada Pellegrini sobre a relevância dessa orientação:
"a assistência jurídica é muito mais ampla do que aquela utilizada anteriormente, já
que ela pressupõe a participação de um advogado em momento anterior à
instauração da lide, ou melhor, em um momento anterior ao da relação processual.
Pois sem dúvidas, preliminarmente o acesso à justiça se faz necessário um estudo,
aconselhamento, promoção de uma estratégia, orientação, para só depois se recorrer
à prestação do Estado" (GRINOVER, 1994, p. 147-149)
4.1 Defensoria Pública e Assistência Jurídica
Com fulcro no artigo 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Prevê, ainda, o
dispositivo constitucional que as Defensorias Públicas da União e do Estado serão
organizadas por lei complementar.
Em atenção ao estabelecido no §1º do referido artigo, foi criada a Lei
Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, a qual dispõe acerca da organização das
defensorias no território nacional, cujo artigo 4º enumera algumas de suas funções
institucionais, que não configuram um rol taxativo, notadamente em razão da expressão
“dentre outras”. Assim, cabe à lei estadual ou federal, ou mesmo à atuação dos defensores,
ampliar as atribuições da instituição (MARTINS, 2006, p. 28).
Não obstante a relevância da instituição para a efetivação dos direitos individuais
e coletivos, a defensoria encontra severas dificuldades em atender às suas atribuições, devido
a inúmeros fatores, desde a desvalorização da carreira de defensor público à falta de estrutura
das defensorias para prestar atendimento aos assistidos.
Em três de novembro do corrente ano, o Ministério da Justiça divulgou o III
Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, a partir do qual foram reafirmadas as críticas às
dificuldades por que passa a instituição.
O estudo constatou que, até o mês de julho de 2009, apenas 4.515 defensores
encontravam-se na ativa, o que significa que quase metade das defensorias públicas possui
menos de 60% de preenchimento das vagas disponíveis. A média nacional é de um defensor
para cada 32 mil usuários. Especificamente no Estado de Sergipe, o estudo aponta que seriam
necessários 150 defensores públicos, mas o estado possui apenas 95. 4
Dessa forma, embora ainda necessite de avanços, a defensoria pública mostra ser
instrumento essencial à efetividade do acesso à justiça, atuando como ferramenta central da
assistência jurídica gratuita constitucionalmente assegurada, considerando que é um
instrumento básico para o exercício pleno da cidadania (CARVALHO, 1999, p. 52).
Imprescindível, para o presente estudo, ressaltar o teor do caput do art. 14, que
assim estabelece: “a Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e
nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores
e instâncias administrativas da União”.
Inobstante o referido dispositivo constitucional, a Defensoria Pública não tem
atuação na Justiça do Trabalho, visto que não há atendimento para demandas trabalhistas nas
defensorias federais ou estaduais, o que faz com que esta justiça especializada seja desprovida
da assistência jurídica prestada pela instituição que melhor desempenha tal função.
A ausência da Defensoria Pública para o trabalhador litigante representa um
empecilho à postulação dos direitos trabalhistas, já que, caso a situação financeira do obreiro
não lhe permita custear o patrocínio de um advogado particular, este será orientado a procurar
os serviços de assistência judiciária do sindicato.
Todavia, conforme já discutido no capítulo anterior, a maioria dos sindicatos não
possui estrutura para satisfazer tamanha demanda de serviços jurídicos, além de que
determinadas categorias sequer têm sindicato que as represente. Logo, o obreiro não terá outra
opção que não seja demandar desacompanhado de um profissional habilitado.
Ademais,
após
a
Emenda
Constitucional
nº
45/2004,
que
ampliou
consideravelmente a competência da justiça trabalhista, a atuação da defensoria pública nas
lides que tramitam perante esta especializada torna-se ainda mais imperativa, considerando a
diversidade e complexidade que a emenda trouxe ao processo trabalhista.
Importa destacar que não se está a defender a substituição do jus postulandi pela
defensoria pública. O jus postulandi mostra-se eficaz para os trabalhadores que possuem
4
III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. Ministério da Justiça. Brasil, 2009. Disponível em:
http://www.mj.gov.br/reforma.
elevada instrução e tenham certo conhecimento jurídico, como no caso dos altos empregados,
ao postular ações de menor complexidade.
Sendo assim, o jus postulandi é relevante meio de acesso à justiça quando a parte
o exerce por opção. O problema reside naqueles casos em que o jus postulandi representa a
única solução encontrada pelo obreiro para ver reconhecidos seus direitos trabalhistas, diante
da impossibilidade de custear as despesas decorrentes de um contrato de honorários de
advogado, bem como da insuficiência dos sindicatos e da não atuação da defensoria pública
nas contendas trabalhistas.
Por isso, como forma de efetivar o acesso à justiça, é desejável que a Defensoria
Pública da União passe a acolher as demandas de natureza trabalhista, de modo que o litigante
somente exerça o jus postulandi caso não tenha interesse na assistência do defensor público.
5 CONCLUSÃO
O princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no artigo 5º, XXXV, da
Lei Maior, excede à concepção de acesso formal ao Poder Judiciário, na medida em que não é
suficiente, para sua concretização, a garantia que o jurisdicionado ingressará com uma ação
judicial. É preciso oferecer ao litigante meios sólidos de postulação de seus direitos.
Conforme evolui o direito, torna-se cada vez mais inequívoco que a garantia de
acesso à justiça é imprescindível para a efetivação de outros direitos individuais, já que é
através da concretização do acesso que é possível postular direitos.
Relativamente à Justiça Comum, no judiciário trabalhista há uma relação mais
acentuada de desigualdade entre as partes, já que costuma haver uma vultuosa defasagem
econômica e social entre empregador e empregado, tornando-o mais necessitado da atuação
do Estado em fornecê-lo meios para pleitear seus direitos trabalhistas.
Não obstante, o obreiro cuja condição financeira não lhe permita custear as
despesas de um advogado particular vê-se diante de somente três opções quando da
postulação de seus direitos. Pode ele exercer o jus postulandi, atuando em todas as fases
processuais desacompanhado de advogado; pode ainda procurar o sindicato que represente
sua categoria profissional; por fim, pode o obreiro optar por contratar advogado particular e
pagar seus serviços utilizando-se de parte do montante recebido ao final do processo.
Todavia, nenhuma das três alternativas representa uma garantia de acesso à justiça
ao trabalhador hipossuficiente, sendo imperiosa a prestação de assistência jurídica gratuita
pela Defensoria Pública na esfera trabalhista.
Desse modo, a assistência jurídica, direito constitucionalmente assegurado, no
processo do trabalho mostra-se insatisfatória e incompleta, motivo por que se pugna pela sua
reforma, de modo a conferir ao obreiro a oportunidade de ser orientado por profissional
habilitado, sem necessidade de custear este serviço, incluindo-se as fases que antecedem e
sucedem o processo.
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