XII Congresso Ibero-Americano de Direito e Informática– Saragoça, 16/05/2008 Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Uma perspectiva europeia Manuel David Masseno Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Actualmente, estabilidade nas Fontes Europeias em matéria de Comércio Electrónico: Directiva 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais da sociedade da informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (Directiva sobre o comércio electrónico); Directiva 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos celebrados à distância; Directiva 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores; Directiva 1999/93/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, relativa às assinaturas electrónicas; Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? E também: Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro, relativa à protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados ; Directiva 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas; Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores; Directiva 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores; Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Uma Tipologia dos Contratos Electrónicos: Contratação Inter-pessoal – o computador é utilizado apenas como um meio de comunicação que transmite e recebe mensagens processadas pelas partes; poder ser simultânea ou não simultânea; Contratação Inter-activa – na qual uma das partes actua mediante um sistema informático: pode ser semi-automática ou inteligente; Contratação Inter-sistémica – ambos as partes valem-se de sistemas informáticos que actuação sem intervenção humana: pode ser automática (EDI) ou inteligente; (César Santolim) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? No que se refere ao contratos com consumidores, a Directiva sobre o comércio electrónico assenta na Contratação Inter-Activa: Continuidade da concepção do Direito como técnica ao serviço da celeridade e segurança negociais (a incorporação nos títulos de crédito, e sobretudo os contratos de adesão e as máquinas automáticas), logo Não se aplica aos contratos negociados individualmente (Art.º 11 n.º 3) , pois Supõe que estamos sempre diante de contratos de adesão (Art.º 10 n.º 3) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Se atendermos à disciplina europeia dos contratos de adesão (Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores): Âmbito das cláusulas contratuais abrangidas: “[…] apenas são abrangidas aquelas cujo conteúdo o consumidor se viu impossibilitado de influenciar 1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. 2. Considera-se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.” (Art.º 3.º) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Consequentemente, nos diplomas de transposição desta Directiva: Espanha (Ley 7/1998, de 13 de abril, sobre condiciones generales de la contratación): “Son condiciones generales de la contratación las cláusulas predispuestas cuya incorporación al contrato sea impuesta por una de las partes, con independencia de la autoría material de las mismas, de su apariencia externa, de su extensión y de cualesquiera otras circunstancias, habiendo sido redactadas con la finalidad de ser incorporadas a una pluralidad de contratos” (Art.º 1. n.º 1) Portugal (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, sobre cláusulas contratuais gerais): “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.” (Art.º 1. n.º 1) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Em máxima síntese: O factor excludente da disciplina é a negociação individual, logo É essencial determinar o que há de entender-se por “negociação” o factor decisivo é a possibilidade de influência no conteúdo da cláusula; e não se exige uma influência efectiva, demonstrada por uma alteração do teor da cláusula ou por uma qualquer concessão; Porém, não basta uma simples possibilidade de negociação, resultante da disponibilidade do utilizador para abrir um processo negocial: é necessário que o mesmo tenha tido efectivamente lugar. Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? E se do outro lado estiver um Agente Inteligente (AI)? “Um Agente é um sistema computacional, situado num dado ambiente, que tem a percepção desse ambiente através de sensores, tem capacidade de decisão, age de forma autónoma esse ambiente através de actuadores, e possui capacidades de comunicação de alto-nível com outros agentes e/ou humanos, de forma a desempenhar uma dada função para a qual foi projectado.” (L. P. Reis, 2002) “[…] um programa de computador, ou um meio electrónico ou automatizado, usado por uma pessoa para desencadear uma acção, ou para responder a mensagens ou actuações, em nome de uma pessoa sem revisão ou acção por um indivíduo no momento da acção ou resposta para a mensagem ou actuação.” (UCITA - Uniform Computer Information Transactions Act (2001) - EUA) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Em síntese, os AI são caracterizados pelos seguintes atributos: Autonomia – operam sem a intervenção directa de seres humanos ou de outros Agentes e têm algum tipo de controle sobre as suas acções e estado interno; Mobilidade – são capazes de se deslocarem no seu Ambiente, dentro de redes de computadores; Reactividade – têm a percepção do seu ambiente e respondem rapidamente às alterações que nele ocorrem; Pró-actividade – não se limitam a agir em resposta ao seu ambiente, são capazes de tomar a iniciativa e ter um comportamento direccionado por objectivos; Habilidade Social e Cooperação – são capazes de interagir com outros Agentes (e com seres humanos) através de uma dada linguagem de comunicação; Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Relevância jurídica da contratação através de Agentes Inteligentes: Com a Directiva sobre o comércio electrónico pretende-se que “Os Estados-Membros […] não impeçam o uso de sistemas electrónicos tais como os agentes electrónicos inteligentes” (“Sumário Executivo” da Proposta de Directiva), Pelo que “[…] Os Estados-Membros assegurarão, nomeadamente, que o regime jurídico aplicável ao processo contratual não crie obstáculos à utilização de contratos celebrados por meios electrónicos, nem tenha por resultado a privação de efeitos legais ou de validade desses contratos, pelo facto de serem celebrados por meios electrónicos.” (Art.º 9.º n.º 1 da Directiva sobre o comércio electrónico ) Jurídica e ficticiamente, os AI como que veiculam propostas ao público, todas pré-programadas. Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Ora, em termos económicos, a contratação através de Agentes Inteligentes permite: uma redução radical dos Custos de Transacção: recuperação de informação; efectivação de contratos; negociação individualizada desses mesmos contratos; logo Os regimes de protecção dos consumidores correspondentes aos contratos massificados não serão aplicáveis! Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Sendo certo que, em termos Constitucionais: “A fim de promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes, a Comunidade contribuirá para a protecção da saúde, da segurança e dos interesses económicos dos consumidores, bem como para a promoção do seu direito à informação, à educação e à organização para a defesa dos seus interesses.” (Art.º 153.º do TCE) “As políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores” (Art.º 38.º da Carta dos Direitos Fundamentais na União Europeia) A própria Directiva sobre o comércio electrónico é uma “Directiva de mínimos”: Garante anterior nível de protecção por outros instrumentos de Direito Comunitário (Art.º 1.º n.º 3) Estabelece a possibilidade de os Estados tomarem medidas derrogatórias, desde que não discriminatórias e sob o controlo da Comissão (Art.º 3.º n.ºs 4, 5 e 6) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Possibilidade de recorrer à Directiva 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores Esta disciplina assenta na noção de “práticas comerciais desleais”(Art.ºs 1.º e 3.º n.º 1): “Uma prática comercial é desleal se a) For contrária às exigências relativas à diligência profissional” (id est, ao “o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional em relação aos consumidores, avaliado de acordo com a prática de mercado honesta e/ou o princípio geral da boa fé no âmbito da actividade do profissional” (Art.º 2.º h) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? “b) Distorcer ou for susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.” Com os Agentes Inteligentes estarão, essencialmente, em causa as “práticas comerciais enganosas” (Art.ºs 6.º e 7.º), já não as “agressivas” (Art.ºs 8.º e 9.º) O Anexo I inclui a lista das “práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias” Ademais, é uma Directiva de harmonização completa (Art.º 3.º n.ºs 1 e 5 e Art.º 4º) e de relevância, explicitamente, horizontal (Art.º 3.º n.º 4) Que protecção para os consumidores diante de máquinas inteligentes? Consequentemente, a programação dos Agentes Inteligentes, para estes contratarem legitimamente com consumidores no Mercado Interno, terá de os dotar de padrões de comportamento ético-jurídicos, tanto em termos Boa-fé objectiva como de Boa-fé subjectiva, eliminando até a possibilidade do dolus bonus Aliás, na linha do cumprimento da regras do jogo e fair play, como conseguido no futebol robótico…