Seminário - Democracia, Direito e Gestão Pública Novos Rumos para a Gestão Pública *Publicação Preliminar II Ciclo de Debates Direito e Gestão Pública – Ano 2011 III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública Edição Brasília-DF 24 e 25 de novembro de 2011 Coordenação Nacional Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Ana Lucia Amorim de Brito, Secretária de Gestão Guilherme Estrada Rodriges, Consultor Jurídico Valéria Alpino Bigonha Salgado, Diretora do Departamento de Cooperação Internacional em Gestão Pública Nauana Corrêa de Oliveira, Agente Administrativo Carolina Vilela Vivaldi, Estagiária Caio Castelliano de Vasconcelos, Advogado da União Karine Andréa Eloy Barroso, Advogada da União Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Bernardo Abreu de Medeiros, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia José Celso Pereira Cardoso Júnior, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Roberto Rocha C. Pires, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Parcerias Institucionais Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento – Conjur/MP Escola da Advocacia-Geral da União *Publicação Preliminar Comitê Científico Ciro Campos Christo Fernandes é gestor governamental na Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP, doutor em Administração e mestre em gestão pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE, da Fundação Getulio Vargas. É bacharel em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ocupou diversos cargos na administração federal, dentre os quais o de Secretário-adjunto de Gestão e diretor do Departamento de Articulação e Inovação Institucional do MP, assessor do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do MP, assessor especial do ministro e diretor de programa no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado MARE. Tem trabalhos publicados sobre temas de reforma administrativa, governo eletrônico e compras e contratações governamentais. Sheila Maria Reis Ribeiro é graduada em Filosofia, em Serviço Social e mestre erm Sociologia Política pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em População e Desenvolvimento pela CEPAL/CELADE, Chile. É servidora pública federal e exerce atividades técnicas na concepção de novas metodologias de gestão pública, na Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Guilherme Francisco Alfredo Cintra Guimarães é graduado em Direito e mestre em “Direito, Estado e Constituição” pela Universidade de Brasília-UnB. Pesquisador da Università degli Studi di Genova (bolsa de pesquisa “Alla scoperta dell’Italia”, 2009/2010). Advogado da União. Alexandre dos Santos Cunha Bacharel em Direito, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ex-professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EDSP/FGV). Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea desde 2009, atua nas áreas de organização do sistema de justiça e cooperação interfederativa. Bernardo Abreu de Medeiros Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) e especialista em Argumentação Jurídica pela Universidade de Alicante, Espanha. Foi professor do Instituto de Direito da PUC Rio. Atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, atuando nas áreas de organização do sistema de justiça, e direito e gestão pública. Felix Garcia Lopez Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Desenvolve pesquisa na área de comportamento político, Poder Legislativo municipal, formas de articulação entre Estado e organizações não governamentais (ONGs), instituições participativas no nível federal e relações entre política e administração pública no Brasil. Joana Luiza Oliveira Alencar Graduada em Ciência Política (Unb) e mestranda em Administração Pública (Unb). Desde 2010 é Técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA, com atuação na Diretoria de Estudos e Políticas Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (DIEST). Roberto Rocha C. Pires Doutor em Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP). Foi consultor do Banco Mundial (BIRD) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em avaliações sobre a implementação da legislação do trabalho no Brasil e seus impactos sobre o desenvolvimento. Atuou como pesquisador e professor na FJP e no Departamento de Ciência Política da UFMG. Atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, onde tem desenvolvido atividades relativas aos seguintes temas: democracia, participação, burocracia e novas formas de gestão pública, e metodologias e desenhos de pesquisa. Roberto Passos Nogueira Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea desde 1998. Suas áreas de estudo incluem gestão do sistema de saúde, gestão pública e filosofia da saúde. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, promove o III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública, edição Brasília/DF, nos dias 24 e 25 de novembro de 2011, com o objetivo de promover o debate os seguintes temas: Limites da Autonomia Administrativa e do Controle sobre o Poder Executivo; Equilíbrio Democrático e Controle Social; Novos Rumos para a Gestão Pública. Para estimular a reflexão e a construção de referenciais comuns para a atuação do Estado Brasileiro, o Seminário contempla painéis de apresentação e discussão de artigos de autores selecionados a partir de processo de convocatória, promovido pela coordenação do evento, relacionados aos temas em debate e com enfoque especial nas atuais dificuldades de relacionamento entre órgãos e entidades do Poder Executivo Federal e do controle interno e externo, responsáveis pela fiscalização das ações dos administradores públicos. A iniciativa insere-se no projeto Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública, conduzido pela Secretaria de Gestão e pela Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, com o apoio de órgãos e entidades dos poderes executivos Federal, estadual e municipal, além de entidades civis sem fins lucrativos. O Ciclos visa criar e manter um espaço de exposição de ideias que aproximem e integrem profissionais de diversos setores do conhecimento, especialmente das áreas do direito e gestão pública. Agradecimentos Aldino Graef Alexandre Kalil Pires Ana Lucia Amorim de Brito Catarina Batista da Silva Moreira Antonio Carlos Alpino Bigonha Eduardo Szazi Elzira Maria do Espírito Santo Francisco Gaetani Guilherme Francisco Alfredo Cintra Guimarães José Celso Pereira Cardoso Júnior José Eduardo Sabo Paes José Genoíno Juliana Sahione Mayrink Neiva Karine Andréia Eloy Barroso Lenir Santos Luiz Moreira Gomes Júnior Marilene Ferrari Lucas Alves Filha Valéria Porto Valter Correia da Silva APRESENTAÇÃO A Constitução Federal de 1988 impôs novos desafios às instituições democráticas, especialmente os de efetivação dos direitos fundamentais e dos direitos sociais, de descentralização federativa, e de atuação articulada e harmômica entre os três Poderes do Estado brasileiro: Executivo, Legislativo e Judiciário. São desafios que, para serem superados, exigem ampla concertação entre agentes públicos e sociedade. Nesse contexto, lançamos em 5 de agosto de 2009 o Projeto Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública, por meio da Secretaria de Gestão e da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República, apoiada pelo Ministério Público Federal. Atualmente, contamos com a parceria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Projeto nasceu da necessidade de se criar espaços institucionais abertos ao livre debate entre profissionais das diversas áreas do conhecimento e experiência, do setor público e da sociedade, dando oportunidade ao confronto de conceitos e entendimento acerca da democracia, do direito e da gestão pública. O Ciclos constitui um espaço de interlocução com a participação de dirigentes, servidores da administração pública e especialistas da área do direito, favorecendo o debate construtivo dentro de um espírito de confiança e colaboração. Para estimular a reflexão e produção de conhecimento, convidamos os participantes das ações institucionais do Ciclos de Debates e demais interessados a elaborar artigos que tratem de três temas: Limites da Autonomia Administrativa e do Controle sobre o Poder Executivo; Equilíbrio Democrático e Controle Social: Sociedade Civil e Participação Social nas Organizações Públicas; e Novos Rumos para a Gestão Pública. Portanto, a presente publicação apresenta uma seleção dos trabalhos recebidos e que foram apresentados durante o III Seminário Democracia, Direito e Gestão Pública, realizado em Brasília-DF, nos dias 24 e 25 de novembro de 2011. Os artigos abordam as relações entre a democracia, o direito e a gestão pública, sob múltiplos escopos, abordagens e campos disciplinares. Brasília, novembro de 2011 Valéria Alpino Bigonha Salgado Diretora do Departamento de Cooperação Internacional em Gestão Pública Novos Rumos para a Gestão Pública TÍTULO: O PAPEL CONTRIBUTIVO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS PARA A EXCELÊNCIA DA GESTÃO EM SAÚDE AILTON DE LIMA RIBEIRO Introdução A gestão da saúde pública é complexa e exige muitos cuidados. O Estado por si só não atende a todas as demandas com a qualificação esperada e nem dispõe da agilidade necessária para os múltiplos fatores que se impõem para uma gestão moderna. O deficit de qualificação do Estado vem de muitas décadas, em geral pela falta ou omissão dos governos em priorizar a “boa gestão” como instrumento de alcance dos objetivos do próprio governo e, precipuamente, do dever de Estado. A falta de recurso financeiro é a mais citada dentre os gestores públicos, a falta de recursos humanos também aparece entre as primeiras causas. Porém, já começa a ser voz corrente a menção de que a saúde pública precisa mais de gestão do que recurso financeiro. Acreditamos que seja verdade, mas, é mais verdadeiro dizer que ambos são necessários e ainda insuficientes. Isto é, o recurso financeiro é escasso e a gestão é carente de melhor estrutura. Mas, de qual estrutura estamos falando para melhorar a gestão? Em primeiro lugar temos que relembrar as características da administração pública, de perfil patrimonialista que dominou grande parte do século XX e a administração gerencial que passou a se evidenciar na última década desse século e tomou maior proporção no primeiro decêndio do século XXI. A proposta da reforma do estado, enfatizada na década de 1990, traz outra visão sobre o que significa gerir bem o serviço essencial à população. A grande mudança está em transformar a visão do estado sobre aquilo que era importante para o estado para aquilo que é essencial à sociedade. Ao cidadão é importante reconhecer o serviço público como seu direito. Além disso, continua sendo o seu direito que esse serviço lhe proporcione acesso e seja efetivo naquilo que necessita. Assim, ao cidadão que precisa de um atendimento de emergência em saúde, é imprescindível que o Estado lhe seja capaz para cumprir com o compromisso e oferecer o serviço com rapidez e eficácia. Para isso é preciso que a gestão assuma perfil diferente daquele até hoje praticado pelo estado, ou seja, onde o estado passe a ser o “garantidor” ou o “fiador” do cidadão, mais do que o executor. Não importa a quem seja incumbida a execução do serviço, importa sim que o estado seja capaz de assegurar que o serviço seja prestado com qualidade e o próprio estado esteja capacitado para aferir, controlar e monitorar. Portanto, essas são as premissas para o bom controle dos recursos. Um estado preparado para “ser competente” e se utilizar de todos os recursos disponíveis, sejam eles de propriedade pública ou privada. O que importa é o resultado. A Saúde na Constituição de 1988 A Constituição Federal do Brasil, de 1988, as Leis Federais N.º 8.080 e 8.142, de 1990, e as Normas Operacionais e, mais recentemente, o Pacto pela Saúde, resultante de acordos tripartites delas decorrentes, definem a descentralização, a regionalização e a mudança do modelo assistencial como as estratégias mais significativas para a execução da política pública de saúde no País, ou seja, a implantação do Sistema Único de Saúde. O processo de descentralização e regionalização transferiu aos municípios deveres e responsabilidades na atenção à saúde da população, que antes correspondiam ao Governo Federal e, principalmente, aos governos estaduais. Ampliaram-se a autonomia e o poder de decisão municipal para a definição de ações estratégicas ao enfrentamento dos problemas e necessidades locais. Conferiu-se ao município a possibilidade de gestão total do seu sistema de saúde, na perspectiva de conformação de redes locais de serviços capazes de ofertar atenção à saúde a sua população de forma integral, resolutiva e humanizada. A conjuntura atual apresenta-se ainda mais complexa em função das enormes dificuldades decorrentes da falta de uma gestão mais qualificada. Com a Emenda Constitucional nº 19/98, o contrato de gestão passou para a alçada constitucional, com previsão no Art. 37, § 8º: “a autonomia gerencial, orçamentária e financeira da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade”. A mesma emenda introduz à constituição (caput do art. 37) o princípio da eficiência, já presente em nosso ordenamento jurídico desde o Decreto-lei 200/67, por meio da qual e de forma mais sólida, “pretende-se alargar paradigmas advindos do modelo de administração burocrática, a fim 1 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 de reforçar e consolidar a incidência do princípio da eficiência, que abarca a flexibilidade, com o intuito de promover a satisfação do cidadão e o alcance dos fins almejados pela Administração Pública, quais sejam, o interesse da sociedade. em cuja obediência se espera melhores resultados à sociedade” (Shirlei Silmara de Freitas) Para Odete Medauar, o princípio da eficiência "determina que a Administração deva agir de modo rápido e preciso, para introduzir resultados que satisfaçam as necessidades da população". Esta Autora contrapõe eficiência à lentidão, a descaso, a negligência, a omissão, ressaltando serem essas últimas, "características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções." Heraldo Garcia Vitta, por sua vez, relaciona esse princípio com o da "economicidade", discorrendo sobre o que chama de "custo-benefício da atividade da Administração Pública", onde estariam inseridos os conceitos de produtividade e da qualidade do serviço prestado à população dentro do menor custo, ressaltando, que esse princípio, no entanto, não pode ser visto apenas sob o prisma econômico. Em saúde, em especial, ser eficiente só não basta, espera-se muita mais, que as ações eficientes venham associadas à eficácia e efetividade, este último como resultado dos demais, como solução efetivo do problema que aflige aquele que busca assistência. Por essa razão, como sabiamente e à luz constitucional, tendem-se ao entendimento que a “forma complementar” prevista pelo art. 199, § 1º, não está restrito apenas àquilo que a administração não dispõe em seu rol de serviços, mas sobre tudo aquilo que a administração não está devidamente capacitada a fazer para o devido cumprimento ao princípio da eficiência, inclusive e principalmente o gerenciamento da execução de serviços de saúde. Não estamos aqui abarcando a gestão da saúde, papel precípuo do estado e indelegável no exercício do seu papel regulador, tanto na definição das políticas de saúde quanto na fiscalização e controle dos seus agentes. Os desafios da saúde Neste início de século, o Brasil enfrenta, além dos desafios de equacionar a questão do financiamento e melhorar substancialmente a gestão e seus instrumentos, pelo menos outros quatro importantes desafios: 1. o envelhecimento progressivo da população, que envolve uma crescente carga de patologias degenerativas de alto custo de atenção médica; 2. as desigualdades na situação de saúde da população, que se traduzem em uma brecha sanitária entre as regiões do país e entre os grupos de população de distintos níveis socioeconômicos; 3. a necessidade de responder adequadamente às expectativas legítimas da população com relação ao sistema de saúde, continuamente identificado como um elemento de insatisfação pela sociedade brasileira; 4. resolver os problemas pendentes e manter as conquistas sanitárias alcançadas. Todos esses fatores envolvem mudanças na prestação de serviços de saúde, tanto na composição dos serviços, como nas formas de entregá-los, adequando-os aos padrões técnicos sanitários, assim como às exigências dos usuários, cada vez mais conscientes e exigentes de seus direitos. O processo de descentralização e regionalização transferiu aos municípios deveres e responsabilidades na atenção à saúde da população, que antes correspondiam ao Governo Federal e, principalmente, aos governos estaduais. Ampliaram-se a autonomia e o poder de decisão municipal para a definição de ações estratégicas ao enfrentamento dos problemas e necessidades locais. Conferiu-se ao município a possibilidade de gestão total do seu sistema de saúde, na perspectiva de conformação de redes locais de serviços capazes de ofertar atenção à saúde a sua população de forma integral, resolutiva e humanizada. A conjuntura atual apresenta-se ainda mais complexa em função das enormes dificuldades decorrentes da falta de uma gestão mais qualificada, em muitos aspectos aliadas aos problemas decorrentes de um financiamento insuficiente e instável. O Brasil ocupa a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimento em saúde, quando a lista é feita com base na despesa estatal por habitante. Os diversos governos gastam, juntos, uma média anual de US$ 317 por pessoa, segundo a última pesquisa da OMS, com dados relativos a 2008. O desempenho brasileiro é 40% mais baixo do que a média internacional (US$ 517). A liderança do ranking de 193 países pertence à Noruega e Mônaco, cujas despesas anuais (US$ 6,2 mil por habitante) são vinte vezes maiores do que as brasileiras. 2 Novos Rumos para a Gestão Pública Apesar de o Brasil possuir a maior economia da América do Sul, três países do continente se saem melhor: Argentina, Uruguai e Chile. No chamado G-20, grupo que reúne os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) mais ricos do mundo, o desempenho do Brasil, no gasto por habitante, também não é dos melhores. Está na 15ª posição – ganha de África do Sul, China, México, Índia e Indonésia. O baixo gasto estatal por habitante tem sido um dos argumentos usados pelo governo federal para defender a criação de fonte de recursos extras para a saúde – um novo imposto ou a elevação de um já existente. Além de o Brasil ter na saúde uma performance internacional aquém do poderio de sua economia – é o sétimo maior produto interno bruto (PIB) mundial – o governo também considera o gasto per capita diminuto, na comparação com a medicina privada. A própria presidenta Dilma Rousseff defendeu recentemente a ampliação dos recursos para a saúde, durante entrevista: “O setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado na área de saúde. Isso significa uma coisa que nós todos temos de ter consciência: se você quiser um sistema universal de saúde, gratuito e de qualidade, nós vamos ter de colocar dinheiro na saúde e colocar gestão na área de saúde, as duas coisas”, afirmou. Conseguir êxito no enfrentamento de tamanho desafio requer a busca de instrumentos e mecanismos de gestão e gerência que passa necessariamente pela profissionalização dessas ações e, para tanto, torna-se obrigatório investir na qualificação dos recursos humanos. É imprescindível profissionalizar a gestão do SUS. Para tanto é preciso estruturar e implementar um grande projeto de qualificação de técnicos para desempenharem os papéis estratégicos na gestão. Com relação à gerência das unidades de saúde, principalmente os hospitais, é inadiável a adoção de modelos alternativos de administração que possibilitem maior agilidade na administração de recursos humanos, em especial dos médicos, na aquisição de materiais e medicamentos e na contratação de serviços. Por outro lado, os hospitais não podem continuar se autodefinindo quanto ao seu perfil assistencial e devem passar a responder às demandas do sistema de saúde (local ou regional) no qual estão inseridos. SUS – a Gestão e o Gerenciamento A completa maturação do SUS somente se dará a partir do momento em que houver mais espaços para debates, estes de maneira sustentável do ponto de vista da legalidade, aplicabilidade e factibilidade. Os discursos recorrentes de alguns segmentos “queremos um SUS universal e público, sem privatização” são meras repetições retrógradas. Temos que dar espaço ao que de fato é primordial, essencial e real. Quais os limites da razoabilidade? Qual o SUS que desejamos? Relembremos as principais diretrizes: 1. SUS universal e igualitário (servindo a todos os brasileiros em condições de igualdade); 2. SUS integral (conjunto articulado e contínuo de ações e serviços em todos os níveis de complexidade). O SUS Estatal é aquele de natureza indelegável e de soberania do Estado, e deve compreender todas as posturas que assegurem a preservação da integridade do SUS enquanto sistema público, universal e gratuito, é o papel regulador. Em linhas gerais, estamos falando das atividades de formulação da política de saúde, financiamento, controle e avaliação e que tem como objetivo garantir a adequada prestação de serviços à população. As ações de vigilância em saúde, compreendendo a vigilância epidemiológica, a vigilância sanitária e a vigilância da saúde do trabalhador também estão nesse mesmo escopo. O SUS Público caracteriza-se pela garantia do acesso gratuito, indistintamente, a todos os cidadãos e pessoas presentes em solo brasileiro, e cujas ações podem ser exercidas por entes “públicos não estatais”, desde que sob a delegação e supervisão do poder público. No Brasil há inúmeras entidades de notável capacidade de gestão e de idoneidade reconhecida, capazes de assumirem compromissos com o gestor público. São entidades sem fins lucrativos e, a maioria delas, filantrópicas. As ações de gerenciamento de unidades e serviços de saúde (hospitais, unidades básicas, unidade de pronto atendimento) são exemplos de atividades que podem ser atribuídas a essas entidades, por possuírem grande expertise e boa tecnologia de gerenciamento de serviços de saúde. A estrutura pública tem que repensar o seu papel, devendo se qualificar para fazer gestão, que no jargão do SUS compreende todas aquelas funções consideradas indelegáveis. 3 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Hoje a administração pública não realiza bem o papel de gestor e nem o de executor. De tão significante a responsabilidade do gestor público da saúde é que defendemos a sua prerrogativa de utilizar-se de todas as possibilidades de uso de ferramentas e alternativas que lhe permitam assegurar os direitos do cidadão. Ao cidadão pouco ou nada importa sobre a qual modelo institucional está vinculado o prestador do serviço que lhe é prestado, importa sim que o atendimento seja de qualidade, que o acolhimento seja digno, que o acesso esteja disponível e que o custo ao país seja compatível com o nível do serviço prestado. Por outro lado, ao poder público caberá exigir, fiscalizar e punir aquele que não cumprir as regras pactuadas no contrato de gestão. Modelos Institucionais A autonomia administrativa para estabelecimentos públicos de saúde é uma temática recorrente na área da saúde pública no Brasil há muitos anos. Gestores das três esferas de governo com freqüência buscaram no passado, no escopo do direito administrativo, formas de atenuar a rigidez dos ritos e processos próprios da administração pública em geral. A criação e adoção de diferentes personalidades jurídicas foram, por exemplo, a razão pela qual muitos hospitais da administração direta, que nas décadas de 70 e 80, transformaram-se em fundações públicas ou autarquias, visando sempre proporcionar uma maior autonomia administrativa e financeira, permitindo a necessária flexibilidade para o cumprimento de suas atividades finalísticas, mantendo subordinadas suas metas às políticas estabelecidas para o sistema de saúde. Com o tempo, a atribuição de nova personalidade jurídica não se mostrou suficiente, uma vez que, pouco a pouco, novas leis e, em especial, a Constituição Federal de 1988, se encarregaram de equiparar os órgãos autônomos – autarquias, fundações, empresas públicas – àqueles da administração direta, no que se referia ao controle prévio normativo que enfatizava o cumprimento de procedimentos formais em detrimento ao desempenho e ao uso eficiente dos recursos. Mais recentemente introduziu-se o conceito de “parcerias” com entidades do chamado terceiro setor, caracterizadas por exercerem atividades de interesse social e de utilidade pública e por não auferirem lucros financeiros. O modelo mais difundido na administração pública é o das “organizações sociais” criadas no bojo da Reforma do Estado, o qual vem se configurando como uma alternativa com alto grau de sucesso quando comparado aos demais modelos experimentados no passado. Com o surgimento da Administração Pública Gerencial, via Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, o Brasil passou a incorporar figuras jurídicas da sociedade civil na prestação de serviços públicos. Nesse contexto, surgem no âmbito federal as Organizações Sociais, Lei no 9.637/1998, e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), Lei no 9.790/1999. A revisão das funções e da estrutura do Estado é a diretriz principal, que sintetiza e articula o conjunto dos objetivos do Plano Diretor da Reforma do Estado. A revisão propugnada deveria promover a readequação entre as funções do Estado e as formas de propriedade e de gestão, com a transferência para a sociedade das atividades que pudessem ser melhor executadas no setor público não-estatal. Por outro lado, as atividades que permanecessem no Estado seriam também objeto de reorganização que permitisse a separação entre formulação de políticas, regulação e controle e a operação dos serviços. Esta última deveria ser organizada com maior autonomia e métodos de gestão mais próximos daqueles praticados pelo setor privado. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) é um título fornecido pelo Ministério da Justiça, cuja finalidade é facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (Federal, Estadual e Municipal) e permite que doações realizadas por empresas possam ser descontadas no imposto de renda. Disciplinada pela Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999, a OSCIP configura a mais nova regulamentação jurídica das pessoas jurídicas de direito privado integrantes do chamado Terceiro Setor e, talvez, seja o mais importante passo em matéria legal deste setor no Brasil, e, também, o primeiro movimento de certa expressão. Assim como as Organizações Sociais (OS), as OSCIPs não passam a integrar uma nova categoria de pessoa jurídica; apenas recebem um reconhecimento especial – título jurídico – por força de preenchimento de condições estabelecidas na lei reguladora. A Lei nº. 9.790/1999, em seu artigo 4º, I a VII, estabelece que as normas ou disposições dos estatutos das OSCIPs devem observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência; constituir um conselho fiscal ou órgão equivalente dotado 4 Novos Rumos para a Gestão Pública de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; possibilitar a instituição de remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação. A qualificação de uma entidade como OSCIP é ato vinculado do Ministro da Justiça. Não há discricionariedade quanto à possibilidade de conceder o título. Preenchidos os requisitos legais e formalizado o pedido junto ao Ministério competente, a outorga do título se mostra como um ato vinculado, diferentemente do que ocorre com a OS, em que a concessão do título se coloca de forma discricionária, revelando-se a Lei das OSCIPs uma evolução nesse sentido. Já o princípio da publicidade indica que a OSCIP deve tornar público o relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade. Uma vez mais se constata a derrogação das normas de direito privado pela introdução de regras próprias do regime jurídico de direito público. Fundação Estatal (Fundação Pública de Direito Privado) Criada a partir de autorização legal para o exercício de atividades públicas em áreas que não exigem o uso do poder de polícia do Estado suas competências são estabelecidas pela lei de criação, assim como seu sistema de governança e outras definições básicas. É supervisionada pela administração direta. A fundação estatal é pessoa jurídica pública, com personalidade jurídica de direito privado, a qual integra a administração pública, sujeitando-se aos regramentos constitucionais impostos aos entes públicos com regime de direito privado (art. 37 e outros da CF), como: licitação, concurso público, controle interno e externo, acumulação de cargos, improbidade administrativa, dentre outros. Seu regime de pessoal é o da CLT, não se sujeitando ao regime jurídico único nem a contabilidade pública. O campo de atuação da fundação estatal é todo aquele que não detenha poder de autoridade própria do Poder Público e não seja considerada atividade econômica ou comercial. A fundação estatal depende de autorização legislativa e somente adquire personalidade jurídica depois de seus atos constitutivos terem sido registrados no cartório competente. No tocante ao orçamento público, sua vinculação se dá mediante contrato de gestão com o ente supervisor, no caso da saúde, seria com o Ministério da Saúde ou secretarias da saúde do ente federativo instituidor. Por não integrar o orçamento público e firmar contrato com o ente supervisor, a sua gestão passa a ser por metas de desempenho, vinculando o resultado final previsto no contrato à manutenção do seu dirigente na função, criando-se um verdadeiro sentido de responsabilização com as metas a serem alcançadas, profissionalizando, assim, a gestão pública, estabelecendo compromissos entre o gestor e a efetividade do direito social que a fundação está a gerir, como o direito à saúde. Desse modo, a fundação estatal pode contribuir para a melhoria da gestão e a garantia da efetividade do direito à saúde. A matéria chegou a suscitar muitas controvérsias na doutrina, mas, efetivamente, como disse a Ministra Cármen Lúcia, “com a Emenda Constitucional nº 19, na realidade, restabeleceu-se a possibilidade da instituição de fundações sob o regime privatista, porque se retirou a expressão “fundações de direito público” e colocou-se as fundações ao lado da sociedade de economia mista e das empresas públicas”. Desde 2007 tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 92/2007, o qual autoriza o poder executivo a instituir fundações sem fins lucrativos, de direito privado para o desempenho de atividade estatal que não seja exclusiva de Estado, dentre outras a saúde. Organização Social É um título outorgado pelo poder público às instituições de direito privado, sem fins lucrativos, com o fim de estabelecer parcerias para a execução de ações gerenciais, em nome do Estado, mediante a assinatura de Contrato de Gestão. Em geral, os setores de maior demanda para parcerias em gestão são a saúde publica, a educação, esporte, cultura e ciência e tecnologia, com maior ênfase para a saúde, por requerer maior celeridade na solução dos problemas que hoje assolam a maioria dos estados e municípios do país. Essa nova “qualificação jurídica” está totalmente coerente com a reforma do Estado cuja proposta foi a de dotar a administração pública de instrumentos jurídicos e gestão que permitissem os seguintes objetivos práticos: 5 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 1. Objetivo social: aumentar a eficiência dos serviços sociais oferecidos ou financiados pelo Estado, atendendo melhor o cidadão a um custo menor, zelando pela interiorização na prestação dos serviços e ampliação do seu acesso aos mais carentes 2. Objetivo gerencial: aumentar a eficácia e efetividade do núcleo estratégico do Estado, que edita leis, recolhe tributos e define as políticas públicas; permitir a adequação de procedimentos e controles formais e substituí-los, gradualmente, porém de forma sistemática, por mecanismos de controle de resultados. A organização social não pode ser traduzida como uma qualidade inata, mas sim adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública. Esse título jurídico especial é conferido em vista do atendimento de requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos expressamente em lei. Tais requisitos são de adesão voluntária por parte das entidades privadas e têm como finalidade assegurar uma relação de confiança e parceria entre o ente privado e o Poder Público. O instrumento eleito para regular e garantir tal relação é o Contrato de Gestão a ser celebrado entre o poder público e a organização social. O contrato de gestão A teoria clássica vem se deparando com o surgimento de atuações administrativas instrumentalizadas por módulos decorrentes de acordo, consenso e parceria, a exemplo do contrato de gestão. Esse novo instituto tem suscitado várias dúvidas, sobretudo no que diz respeito a sua natureza jurídica, face às peculiaridades do seu regime jurídico, certamente de natureza especial, um tanto híbrido, mutante como o momento histórico no qual se insere. Nas perquirições a cerca da natureza jurídica do "contrato" de gestão, objeto de debate entre doutrinadores e estudiosos do tema, vem à tona de imediato, a seguinte indagação: será o contrato de gestão realmente um contrato? Em sendo contrato, a que regime jurídico encontra-se submetido? Os recentes trabalhos aos quais tivemos acesso contêm diversas críticas ao instituto, sobretudo no que diz respeito a sua natureza contratual, conforme veremos adiante. Para Diógenes Gasparini, trata-se, o contrato de gestão, de "ajuste celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos". O contrato de gestão firmado com empresas públicas e órgãos da administração direta, no entender de Maria Sylvia Zanella di Pietro, "constitui instrumento de fomento e, portanto, meio de incentivo à iniciativa privada, e não como forma de descentralização", já que as organizações sociais prestariam, não serviços públicos, de forma descentralizada, mas "atividade privada de interesse público, a ser fomentada pelo Estado mediante a celebração de contrato de gestão". Assim, o contrato de gestão firmado entre o Estado e as organizações sociais tem por escopo estabelecer um vínculo jurídico entre ambos, fixando metas a serem cumpridas pela entidade, tendo como contraprestação o auxílio, por parte do Estado, que pode fazer a cessão de bens públicos, a transferência de recursos orçamentários, a cessão de servidores públicos, entre outros. Com isso, o Estado consegue patrocinar o funcionamento das atividades com observância do princípio da eficiência, sujeitando essas entidades a um controle de resultados, de modo que, não atingidas as metas fixadas e não sendo satisfatórios os resultados, as organizações podem vir a perder o fomento do Estado. Todavia, quando se trata de contrato firmado com as entidades paraestatais, o contrato de gestão tem efeito contrário, já que "ao invés de permitir a submissão integral ao regime jurídico privado, exige-se da entidade a obediência a determinadas normas e princípios próprios do regime jurídico publicístico". Assim, para que possam merecer o repasse de verbas públicas, resultante da realização do contrato, tais entidades submetem-se a um rígido controle de resultados. Há quem diga que o contrato de gestão seria uma forma fugir do regime jurídico de direito público, em afronta à legalidade. O Contrato de Gestão além de ser um instrumento de pactuação entre as partes tem ainda o papel de fixar responsabilidades dos dirigentes e as penalidades cabíveis no caso do seu descumprimento. Como característica inovadora, o contrato de gestão é o elo transparente entre o poder público, o controle social e as instâncias de fiscalização. A Fiscalização 6 Novos Rumos para a Gestão Pública No Brasil, desde os primórdios da república, com a criação do Tribunal de Contas da União (Decreto nº 966 A – de 7 de novembro de 1890), prestar contas significou sempre a apresentação formal de documentos que comprovem a aplicação de certo recurso na finalidade a que se destinava. Como todos sabem, é de exclusiva responsabilidade do gestor público a aplicação correta, adequada e oportuna de todo o recurso caracterizado como “público” por se constituir no patrimônio do povo, decorrente da arrecadação de impostos, taxas, contribuições e outros destes derivados. Os Tribunais de Contas são órgãos autônomos que atuam em auxílio ao Poder Legislativo, que têm a atribuição de fazer tal verificação e dispõem de todos os instrumentos para propor às suas respectivas jurisdições a devida pena àquele que mal conduzir a execução dos recursos da União, Distrito Federal, Estados ou Municípios. Com o passar do tempo esse processo foi se aprimorando e ganhando contornos cada vez mais rígidos, na medida em que a tecnologia possibilitava novas ferramentas que permitissem verificações e controles em tempo real. Também justificável pelo lado do aprimoramento das fraudes, desvios e práticas de improbidades. Até aqui, tudo está dentro do esperado como papel dos Tribunais de Contas. No entanto, defendemos que há uma profunda mudança sobre a forma de conduzir esses olhares. A dinâmica da nova era da administração pública, com ênfase na gestão como ferramenta do resultado, já dá sinais de novos tempos. Os tribunais têm que acordar e acompanhar as mudanças. Não basta apenas a verificação da aplicação correta do recurso, da observância dos ritos de prestação de contas ou dos procedimentos burocráticos dos processos administrativos, mas sim, se a aplicação do recurso resultou naquilo que era esperado para o bem da sociedade. Sabemos que os tribunais tendem a fazer tal avaliação de desempenho, mas, no entanto, o fazem em ordem inversa. Em primeiro lugar verificam a aplicação do recurso e depois os resultados. É uma clara demonstração da prioridade que ainda comanda o pensamento técnico-burocrático dos tribunais. É preciso que os tribunais comecem a entender melhor o mecanismo das relações públicoprivado. Na saúde em especial, conhecer o histórico recente dessa relação, após o a criação do Sistema Único de Saúde. O advento das parcerias público-privadas obriga ao gestor estar melhor preparado para fazer valer as regras de uma pactuação de gestão compartilhada. Esse é um caminho estruturante em busca de um Estado mais eficiente e uma sociedade mais justa, em harmonia com aquilo que lhe é de direito. É esperado, para se dizer o menos, que todos os segmentos da sociedade, conselhos locais, sindicatos, tribunais, invistam nessa direção, quebrando barreiras ideológicas e apontando para um futuro em que o Estado se fortaleça e exerça um papel menos burocrático e capaz de assegurar mais qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Para isso, o Estado passaria por uma grande mudança, a do seu corpo técnico e gerencial, de uma formação técnica-burocrática para uma postura gerencial com foco nos resultados e o servidor público como agente dessa mudança. O servidor público como agente da mudança No ambiente da administração pública quando o assunto é “qualidade e produtividade”, os “recursos humanos” são o alvo principal, seja pela escassez, seja pela qualificação, seja pelo desempenho ou qualquer outro motivo. O fato é que é tema recorrente nas reuniões de planejamento estratégico e outras em cujos assuntos envolvam resultados. Evidentemente que em saúde é o recurso mais importante, acima de qualquer outro como tecnologia, finanças e suprimentos. Porém, o fato é que nenhuma dessas áreas citadas terão boa performance se não houver bons técnicos e bons gerentes em seus comandos. Enfim, tudo está relacionado diretamente às pessoas e seus processos de trabalho. Na administração pública o histórico já é conhecido. Pouco investimento, não há plano de capacitação voltado ao aperfeiçoamento do servidor, os dirigentes não dão prioridade às reivindicações, as carreiras não estimulam a busca de melhorias, a remuneração não é atrelada a desempenho e ainda, para agravar, as funções mais importantes são confiadas a pessoas que não pertencem à carreira, por meio dos cargos em comissão. Tudo isso gera um quadro de “letargia profissional” pela ausência de perspectiva. E como enfrentar essa situação? O dirigente público (gestor) deve assumir compromissos com a categoria dos servidores, antes mesmo de falar sobre qualquer novo modelo de gestão a ser implantado. Apresentar um plano de 7 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 desenvolvimento de recursos humanos, no qual o servidor consiga vislumbrar novas perspectivas de evolução, poderá ser o meio mais eficaz. É igualmente importante que o servidor saiba que a administração pública vai valorizar as atividades típicas de gestão e do papel do Estado, quais sejam: desenvolver indicadores de gestão, verificar e avaliar desempenho das atividades finalísticas, desenvolver estudos de novas metodologias de gestão, avaliar impactos e resolubilidade das áreas técnicas, avaliar e monitorar contratos de gestão, modernizar processos e estruturas, registrar e publicar conteúdos técnicos. Experiências e Contribuições Uma pesquisa financiada pelo Banco Mundial, divulgada em 2004 / 2005, comparando desempenho de 12 hospitais administrados pelas OS com 10 da administração direta, todos com mais de 100 leitos, situados no estado de São Paulo, obteve resultados francamente favoráveis aos primeiros. Para tal comparação foram utilizados indicadores de eficiência técnica, eficiência alocativa, eqüidade e qualidade. As OS apresentaram indicadores de Mortalidade Geral (Quadro I, Anexo) e Desempenho (Quadro II, Anexo) melhores do que as unidades em regime de administração direta. Segundo os autores do relatório, professores Nilson do Rosário e José Mendes da ENSP/FIOCRUZ, esse conjunto de resultados indica “que sob as mesmas condições de oferta de leitos e disponibilidade de recursos financeiros, as OSS em 2003 produziram mais altas e menos óbitos ocorreram nos hospitais gerenciados por este modelo organizacional”. Além dos aspectos objetivos que comprovam a melhoria na gestão, demonstrada por um conjunto de indicadores, as entidades parceiras introduzem na administração pública toda a tecnologia de gestão da qual é proprietária. Cabe ao ente gestor saber apropriar-se dessa tecnologia e disseminá-la por toda a rede. Desde a aprovação da Lei que cria a figura das “organizações sociais” algumas evoluções já foram percebidas dentre os estados e municípios que, por meio de lei específica no âmbito de cada ente, apresentaram variações e inovações que contribuíram para melhor aplicar o instituto dessas parcerias. Entre a Lei original e a maioria das muitas outras existentes no país, há diferenças substanciais: a entidade proponente e candidata à qualificação deve comprovar, entre outras exigências, tempo de experiência na área pretendida e ter boa condição econômico-financeira. Isso que dizer, que, diferentemente da Lei federal, aquelas entidades recém criadas ou com nenhuma experiência, não terão seus pedidos deferidos. Nesse mesmo pensamento, temos que admitir que toda a entidade sem fins lucrativos, que no âmbito privado exerce as suas atividades e ainda mantém a sua condição econômico-financeira saudável, é de se supor ser competente e ter algo a contribuir com a administração pública. Não raro verificamos as melhores técnicas de assistência médica, traduzidas por protocolosclínicos e cirúrgicos, de origem nessas entidades ser aplicados em unidades de saúde pública. Portanto, não é somente a tecnologia de gestão passível de transferência, mas também as técnicas avançadas de assistência à saúde que são adotadas e colocadas à disposição da administração pública. Conclusão Atualmente não há dúvida de que a parceria com entidades sem fins lucrativos, com experiência comprovada em gestão em saúde é uma das melhores entre as alternativas que se apresentam. A julgar pelas avaliações disponíveis, essa alternativa encontra-se entre as mais estruturadas e sustentáveis soluções para as dificuldades de gestão (gerenciamento) de unidades e serviços de saúde. Entretanto, é importante ressaltar que o sucesso não repousa na sua mera adoção formal do modelo. A iniciativa deve estar sempre associada ao fortalecimento do papel regulador do Estado. Na área da saúde isso significa ter clareza quanto ao papel do estabelecimento na rede assistencial em que está inserido, a organização dos fluxos de referência e contra referência, e o aperfeiçoamento dos instrumentos e processos de programação, avaliação e controle. É também essencial o fortalecimento da participação social, inquestionável parceira da administração pública para a definição e garantia do cumprimento das finalidades e metas estabelecidas. Acima de tudo, a adoção de gerenciamento compartilhado com organizações sociais, como de qualquer outra modalidade gerencial, deve ser percebida como um ato decorrente da plena responsabilização do gestor pela atenção à saúde de sua população. O Ministério da Saúde tem que ser e exercer o papel de gestor nacional do SUS, e ser o mediador e promotor de debates em nível nacional que tenha como tema central a Gestão do SUS. Além 8 Novos Rumos para a Gestão Pública disso, que tem que incentivar que gestores, dirigentes, técnicos de saúde para que novos modelos sejam apresentados como alternativas. Desde que o SUS foi criado, muitas experiências foram realizadas, algumas com sucesso e outras com lamentável prejuízo à sociedade. Porém, isso não invalida a discussão e o avanço para a melhoria dos modelos, pois também muitas experiências exitosas foram apresentadas ao longo dos últimos anos em diversos estados e municípios brasileiros. Embora já se conheçam hoje as Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as Fundações Estatais (Fundação Pública de Direito Privado) e as Parcerias Público-Privadas, as soluções não se encerram nesses quatro modelos, pois outros poderão existir e co-existirem entre si, a depender das circunstâncias, da localidade, da região do país e dos pontos positivos que assegurem uma boa gestão. Muito há que se discutir: os limites de atuação dessas entidades, a forma de financiamento, as características do instrumento de pactuação, a participação dos conselhos, as formas de controle e fiscalização, os parâmetros de desempenho, os níveis de responsabilidades de ambas as partes e o sistema de governança. Acreditamos que só assim o SUS irá se estruturar de forma sustentável, com o Ministério da Saúde atuante em seu papel de gestor nacional, apoiando e fortalecendo Estados e Municípios, promovendo a integração e a troca de ideias. Dentre as demais responsabilidades próprias do gestor, a escolha da entidade com a qual proporá parceria deve ser tarefa das mais cuidadosas, pois deverá recair entre aquelas que preenchem aos requisitos que assegurem a capacidade técnica de desempenhar as obrigações que figurem no contrato de gestão. ANEXO Quadro I – Indicadores de Mortalidade Geral ligeiramente mais baixos do que as unidades em regime de administração direta, com variações entre clínicas Variáveis de Qualidade Média nas OSS Média na Adm. Direta Coeficiente de Variação na OSS Coeficiente de Variação na Adm. Direta Mortalidade geral 3,80 5,30 34,0% 80,0% Mortalidade cirúrgica 2,61 3,60 22,0% 37,0% Mortalidade clínica médica 11,64 11,96 13,5% 9,3% Mortalidade clínica pediátrica 2,80 2,63 31,0% 45,0% Fonte: Conass/NT 17/2006 Quadro II - Comparativo entre 13 hospitais gerenciados pelas OSS e 13 hospitais da Administração Direta da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em relação à produção de 2005 INDICADOR HOSP. ADM. HOSP. OSS 0SS/ADM. (%) Orçamento (R$ milhões) 612,45 662,18 8,1% maior Taxa de Ocupação Média 75,8% 79,0% 4,2% maior Nº de saídas (mil) 116 166 42,8% maior Nº de saídas por leito 39,37 58,1 46,1% maior Gasto Médio/Saída (R$) 3.554 2.691 24,3% menor DIR. Fonte: Conass/NT 17/2006 9 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 REFERÊNCIAS: BRASIL, Ministério da Saúde – Mais Gestão é Mais Saúde, Governança para Resultados, 2009 SÃO PAULO, Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo - “As Organizações Sociais no Novo Espaço Público Brasileiro”, São Paulo, 2008. BARATA, Luiz Roberto Barradas, MENDES, José Dino Vaz - Experiência Exitosa de Gestão Pública de Saúde do Estado de São Paulo e Anexo 3 - Artigo – A, 2008. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos, Reforma do Estado para a Cidadania: reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional, São Paulo: Ed. 34, Brasília ENAP, 1998. CONASS, Progestores. 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INTRODUÇÃO Dentre os segmentos da ciência da Administração, um dos mais importantes é a Administração Pública, representando o aparelho do Estado e servindo como instrumento do governo para planejar, organizar, dirigir e controlar as ações administrativas do Estado que buscam a satisfação das necessidades básicas da coletividade. Todo o aparato administrativo que envolve a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios se moldam para oferecer serviços públicos de interesse coletivo e formam a Administração Pública, que é definida por alguns autores como: Administração Pública é o conjunto de atividades desempenhadas ou dirigidas pelas autoridades e pelos órgãos de Estado, com o objetivo formal de promover o bem comum da coletividade. (COTRIM, 2009, p. 41) Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos. [...]Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. (DI PIETRO, 2008, p. 56) Em seu sentido mais abrangente, a expressão administração pública designa o conjunto de atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal. (BOBBIO, 1987, p. 10) Administração pública são a organização e a gerência de homens e materiais para a consecução dos propósitos de um governo. (WALDO, 1971, p. 06) De tudo isso se deduz que o significado do substantivo administração e do adjetivo pública é bastante claro: gerenciar os propósitos de um governo e os negócios de Estado, procurando atender o todo, o coletivo, a sociedade sem discriminação. (TENÓRIO e SARAVIA, 2007, p. 114) Como visto, existem várias definições para o conceito de Administração Pública, com uma diversidade de sentido muito ampla, mas em todas há a menção do Estado, da coletividade e da gestão. Pode-se concluir que a Administração Pública nada mais é do que a gestão do setor público, sujeita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, a qual detém prerrogativas diante do setor privado, para garantir os interesses da coletividade, e tem todo um aparato administrativo constituído de pessoas, órgãos e normas, ao seu dispor. Corroborando o esforço do Governo em implantar o modelo gerencial na Administração Pública e servir de base para o desenvolvimento dos ideais da Reforma do Aparelho do Estado, conforme ficou claro no Plano Diretor de 1995, documento que orientou a reforma, o princípio da eficiência foi introduzido na Carta Magna pela Emenda Constitucional n° 19/1998. É de se perquirir se o princípio da eficiência é mesmo uma novidade introduzida no Setor Público. Desde o advento do Decreto-Lei n° 200, de 25 de fev ereiro de 1967, que procedeu a primeira Reforma Administrativa Federal, a atividade do Executivo está submetida ao controle de resultado; ao sistema de mérito; e à supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa. 11 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O objetivo de reformar o aparelhamento do Estado, cujo processo ainda está em aberto, consiste em permitir que a Administração Pública se torne mais eficiente e ofereça ao cidadão serviços de maior qualidade, como ficou claramente expresso no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Todavia, a eficiência ali pregada tem nítida conotação de economicidade, baixos custos e de racionalização dos gastos públicos, consequência inclusive dos poucos recursos orçamentários. Assim, a lição que se pode trazer das empresas privadas é que a criatividade administrativa costuma ser aflorada de forma proporcional à redução de zeros no orçamento. Daí a motivação de pensar a eficiência pela ótica da Administração. De acordo com Maximiano, conceitua-se como: Eficiência é a palavra usada para indicar que a organização utiliza produtivamente ou de maneira econômica, seus recursos. Quanto mais alto o grau de produtividade ou economia na utilização dos recursos, mais eficiente a organização é. Em muitos casos, isso significa usar menor quantidade de recursos para produzir mais. Porém, há outros significados. (MAXIMIANO, 2006, p. 05) No âmbito jurídico, pode-se conceituá-la como sendo: [...] a exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhe fazem às vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público. (MODESTO, 2000, p. 70) Ainda nesse sentido é necessário distinguir eficiência de eficácia. Eficiência é o fazer certo, a maneira utilizada para atingir um resultado, é fazer certo a coisa. Já eficácia é fazer a coisa certa, alcançar o resultado, independentemente da maneira como se faz (determinante para a eficiência). Logo, uma ação pode ser eficaz sem ser eficiente. Contudo, a Administração Pública tem o dever legal e, também, uma obrigação ética, moral e constitucional de ser eficiente. Tratam-se de dois conceitos antigos, porém totalmente atuais. Compreendê-los é de fundamental importância no foco da gestão estratégica; e confundí-los pode provocar grandes danos aos resultados da organização. Embora as diferenças entre os dois conceitos possam parecer sutis, é necessário identificá-las, para dar sequência nesse estudo, complementando ainda com o conceito de efetividade, o qual também possui impacto significativo no setor público. Segundo Di Pietro (DI PIETRO, 2008, p. 79), o princípio da eficiência apresenta dois aspectos, considerados em relação ao modo de atuação do agente público e ao modo de organizar, estruturar, e disciplinar a Administração Pública. O primeiro está ligado ao desempenho na execução das atribuições do agente público. Já o segundo tem o objetivo de conseguir melhores resultados na prestação do serviço, fator este que é um anseio da sociedade e do cidadão, o qual deseja ser atendido de maneira eficiente, ter seu problema resolvido de forma rápida e não burocrática (lenta). Os novos tempos, com suas complexidades sociais, econômicas e, sobretudo, tecnológicas, trazem uma ampliação dogmática das opções administrativas (MOREIRA NETO, 2005, p. 07). Para Perez (PEREZ, 2004, p. 221), a Constituição Federal brasileira avançou a mera enunciação dos princípios da Democracia e do Estado de Direito, estabelecendo uma série significativa de normas voltadas a respaldar a adoção de institutos participativos na Administração Pública. É cada vez mais consensual no Brasil, assim como em outros países, a preocupação com o princípio da participação na Gestão Pública, assim como a sua eficiência e a legitimidade. A Administração Pública, então, passa a adotar novos métodos de atuação voltados para a cultura gerencial. Segundo Perez: a administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais, procurando ser mais transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais. (PEREZ, 2004, p. 221) Em uma tentativa de definir o que vem a ser uma gestão de qualidade, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, traz o seguinte conteúdo: 12 Novos Rumos para a Gestão Pública A boa gestão é aquela que define objetivos com clareza, recruta os melhores elementos através de concursos e processos seletivos públicos, treina permanentemente os funcionários, desenvolve sistemas de motivação não apenas de caráter material mas também de caráter psicossocial, dá autonomia aos executores e, afinal, cobra os resultados. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 38) Para muitos, o Estado Mínimo volta a ganhar força, mas, segundo Bresser-Pereira, (Apud NORMANDO, 2009, p. 20) o que se propôs na verdade foi a quebra de paradigmas, a redefinição do que realmente caberia ao Estado fazer e o que deveria ser delegado ao setor privado, através da construção do modelo gerencial. A obra de Osborne e Gaebler Reinventando o Governo (Apud CHIAVENATO, 2006, p. 98), destaca alguns princípios que devem ser observados na construção do modelo gerencial: 1 – formação de parecerias; 2 – foco em resultados; 3 – visão estratégica; 4 – Estado catalisador, em vez de remador; 5 – busca da excelência. Esses princípios básicos devem ser observados lembrando que os sistemas administrativos abrangem áreas diversas: pessoal civil, serviços gerais, organização e modernização administrativa, informação e informática, planejamento e orçamento, e controle interno. Osborne e Gaebler na obra Reinventando o Governo trazem a frase de E. S. Savas que direciona o entendimento sobre a atuação do Governo: A palavra “governo” vem de um vocábulo grego que significa “navegar”. O papel do governo é navegar, não remar. Prestar serviços é remar, e o governo não é bom remador. (OSBORNE e GAEBLER, 1994, p. 26) Ainda sobre o direcionamento a ser adotado pelo governo, a frase de Pompeu _ general romano nascido em 106 AC _ imortalizada por Fernando Pessoa: “navegar é preciso, viver não é preciso”, deve ser interpretada de forma que o termo “preciso” tenha a conotação de “ter precisão” e não de “ser necessário”. Assim, quando o governo atua como navegador, há que se identificar que essa ação deve ter a precisão adequada para que sejam atendidas as necessidades da população. Diante dessa evolução administrativa, que aos poucos vem quebrando velhos e criando novos paradigmas, as práticas antes identificadas como promissoras e modernas devem ser revisitadas para que sejam feitos ajustes que venham a atender as novas demandas da sociedade. A forma de organização do Executivo brasileiro prevê a delegação de poder, pelo Presidente da República, aos Ministros de Estado. Essa delegação é realizada de forma que qualquer cidadão brasileiro com mais de 21 anos de idade possa ser indicado para atuar nesta função, conforme estabelecido no caput do art. 87 da CF/88, assim: “Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.” Os cargos de Ministro de Estado são, sem dúvida, entregues a pessoas da mais alta confiança do chefe do Executivo Federal. Os rumos das políticas públicas passam pelas mãos desses delegados. Entretanto, o fato de serem da confiança do Presidente da República não quer dizer, necessariamente, que possuam o perfil e a competência exigida para atuarem à frente de um Ministério. Competência que, neste caso, deve ter seu conceito entendido de forma mais ampla, não como mera faculdade ou um poder delegado, mas como capacidade e aptidão. Exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência_ neste caso sim, a delegada, atribuída, são apenas algumas das inúmeras tarefas dos Ministros. Sua atuação é de tamanha importância que merece ser exercida por pessoas qualificadas e comprometidas com o destino do país. As atribuições dos Ministros estão, em especial, registradas no parágrafo único do art. 87 da CF/88: Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e 13 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República; II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos; III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério; IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República. (http://www.planalto.gov.br) Segundo o inciso I do art. 84 da CF/88, cabe privativamente ao Presidente da República nomear e exonerar os Ministros de Estado. Essa liberdade por parte do Executivo de nomear livremente os cargos de maior relevância dentro deste poder pode trazer consequências pouco previsíveis. Os cargos de Ministro de Estado são estratégicos para a condução das políticas adotadas pelo governo em seus programas, na condução do PPA (Plano Plurianual), bem como nas ações de crescimento do país. Para isso, é condição sine qua non que os agentes públicos à frente desses cargos atuem de forma a atender aos princípios que regem a atividade administrativa do Brasil. Expressos no artigo 37 da Carta Magna, os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, são norteadores da postura e da conduta dos agentes públicos, independentemente do cargo que ocupam. A necessidade do atendimento a esses princípios não é apenas uma questão de obrigação por parte do agente, mas uma questão de colocar o interesse público acima de qualquer interesse pessoal ou individual do administrador. Diante da importância do cargo de Ministro de Estado, cabe uma avaliação mais criteriosa na maneira com que estes são preenchidos. Há que se preservar, sem dúvidas, a prerrogativa do Presidente da República na indicação dos Ministros, contudo, urge a necessidade de se executar um controle prévio neste ato. Seria a mais categórica aplicação da teoria dos pesos e contrapesos (checks and balances) de Montesquieu, o verdadeiro espírito das Leis e da divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em nosso Estado. 2. DO CONTROLE INTERNO E EXTERNO A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um tríplice controle da Administração Pública, sendo: • • • Controle administrativo; Controle legislativo e Controle Judicial. Assim, podemos observar que a Administração Pública, como um todo, submete-se a diversas espécies de controle, a iniciar pelo controle que exerce sobre si mesma, denominado controle interno ou controle administrativo. Esse controle é exercido por órgão integrante da própria Administração fiscalizadora e controladora. É todo controle realizado pelo órgão em relação aos seus atos e aos atos de seus agentes. Também é chamado de controle hierárquico, em razão da existência de subordinação interna. É fundamentado no princípio da autotutela, segundo o qual a Administração pode anular seus atos quando eivados de vício de legalidade ou revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade. O controle externo pode ser exercido pelos órgãos de cúpula estranhos à Administração Pública, verificando-se, no caso, o controle judicial e o legislativo, consubstanciados no preceito constitucional segundo o qual os poderes são harmônicos e independentes entre si, no entanto, cabendo a cada poder fiscalizar a atuação do outro. O controle legislativo, em regra, é um controle subsequente ou corretivo. Porém, poderá ocorrer previamente, como ocorre, por exemplo, quando a nomeação para um cargo depende de prévia aprovação de outro poder. A ocorrência do controle concomitante é, dentre outros dispositivos, assegurada pelo art. 50 da CF/88, quando permite a convocação dos Ministros de Estado para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado. Caracteriza-se como posterior, todavia, quando realizado após a prática do ato. Embora haja a previsão de um controle prévio da Administração por parte do Legislativo, para determinadas situações este ainda não é exigido. Assim, cabe ainda um controle de suma importância a ser exercido pelo Legislativo: o controle prévio na nomeação dos Ministros de Estado. 14 Novos Rumos para a Gestão Pública 3. DA PROPOSTA DO ARTIGO Os cargos de confiança do chefe do Executivo, ou seja, aqueles os quais a nomeação depende exclusivamente da indicação do Presidente de República, acabam por se tornar uma forte e cobiçada moeda de troca em retribuição ao apoio político. Não é incomum observar que tais indicações sejam realizadas dentre as cotas partidárias de cada legenda que, com mais ou menos intensidade, atuaram em suas bases durante a campanha presidencial. Ademais, a continuidade do apoio oferecido pela base aliada durante o mandato é, geralmente, condicionada à manutenção em forma de cargos de alto escalão no executivo federal. Entretanto, não há que se discutir a legitimidade dessa prática. A nomeação pontual de aliados políticos tem como um de seus propósitos a continuidade da linha de pensamento adotada na campanha eleitoral. Nesse caso, um delegado que se alinhe com os mesmos ideais políticopartidários, seria a peça adequada para a condução da mesma política adotada pelo Presidente da República. Porém, por mais legítima que seja essa postura, cabe salientar que o destino do país está acima de qualquer capricho praticado por aqueles que detêm, temporariamente, o poder. A necessidade de se controlar previamente os atos de nomeação se deve ao fato de haver algo acima de todas as coligações partidárias, os interesses do país; e não os de um grupo de partidos políticos. Um exemplo que chega a ser um pouco controverso é o processo de nomeação dos diretores da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. A Lei 11.182/2005, que criou a Agência, traz a seguinte orientação: Art. 12. Os diretores serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados pelo Presidente da República, após serem aprovados pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal. [grifo nosso] (http://www.planalto.gov.br) Analisando esse dispositivo, cabe uma indagação: Por que é exigida formação universitária; conhecimento na área de atuação e ainda a sabatina pelo Senado Federal? A resposta não parece muito distante, quando observamos que a nova gestão pública requer uma direção profissional que atenda aos anseios da população. Porém, o que parece ser destoante nessa regra é que para a nomeação da maior autoridade do órgão ao qual a ANAC é vinculada – a recém criada Secretaria de Aviação Civil – SAC, não é necessária a sabatina pelo Senado. Ou seja, cria-se uma regra rígida para a nomeação de um subordinado, mas, por outro lado, não há regras para a nomeação de seu superior. Assim, a intenção deste artigo é propor uma forma de aumentar a profissionalização e qualidade técnica dos indicados aos cargos de Ministro de Estado, que, como já abordado, são de livre nomeação e exoneração pelo chefe do Executivo Federal. Propõe-se, portanto, a quebra de um paradigma. O constituinte originário de 1988 deixou em aberto a possibilidade de reforma da Constituição. O crescimento populacional, as mudanças de prioridades, bem como a evolução natural da sociedade, trazem aspectos novos que obrigam o constituinte reformador a pensar, de forma criativa e inovadora, na busca de soluções para as demandas que são constantemente acrescidas pela população. O aumento do controle seja ele interno ou externo; a necessidade, cada vez maior, da profissionalização da gestão pública; e o nível de detalhamento que é demandado para aqueles que possuem as prerrogativas de decisão, certamente ratificam a urgência de haver um contingente mais qualificado na condução das políticas públicas do país. Assim, cabe ao poder derivado reformador, a ser exercido por iniciativa do Presidente da República, ou de 1/3 dos Deputados Federais, ou 1/3 dos Senadores, ou ainda de mais da metade das assembléias legislativas, a prerrogativa de corrigir e, por que não dizer, aperfeiçoar, as normas constitucionais de forma a moldar o positivismo às novas necessidades da população. Em termos práticos, a reforma pretendida ocasionaria, necessariamente, algumas modificações pontuais no texto constitucional. Uma delas seria nas atribuições do Senado Federal, no art. 52, inciso III. Neste caso, seria necessária a inclusão de uma nova alínea “g”, conforme segue: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição; 15 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d) Presidente e diretores do banco central; e) Procurador-Geral da República; f) titulares de outros cargos que a lei determinar; (http://www.planalto.gov.br) g) Ministros de Estado [grifo nosso, representando a inclusão de nova alínea] Como forma de possibilitar o ingresso dos novos Ministros no início de seus mandatos, período em que o Congresso Nacional se encontra em recesso, caberia ainda a inclusão de um segundo parágrafo no caput do artigo 52, disposto de seguinte forma: § 2°. Excepcionalmente no início do mandato preside ncial os Ministros de Estado poderão assumir interinamente o ministério com a devida indicação do Presidente da República, por prazo não superior a 60 dias, enquanto aguardam a sabatina pelo Senado Federal. Ainda dentro das alterações no texto constitucional, o art. 84, que trata das atribuições do Presidente da República, também seria objeto de reforma. Seu inciso I traz a prerrogativa do Presidente em nomear e exonerar os Ministros de Estado. Assim, haveria a possibilidade de inclusão do trecho: “após aprovação pelo Senado Federal”, ou ainda a inclusão do trecho: “e os Ministros de Estado” ao final do inciso XIV. Abaixo, os trechos da CF/88, juntamente com as duas possibilidades de modificação na redação: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, e exonerar os Ministros de Estado; ou XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei e os Ministros de Estado; [grifos nossos, representando a proposta de nova redação] (http://www.planalto.gov.br, com adaptações) Ao observar a alteração proposta no inciso I, do Art.84, cabe ressaltar que a exoneração dos Ministros não seria modificada, motivo pelo qual é sugerida a inclusão da necessidade de sabatina logo após a nomeação, restando a exoneração inalterada, mantendo-se a alçada exclusiva e a critério do Presidente da República. No art. 87, a alteração pertinente seria incluir no caput a menção de que o Ministro seria sabatinado pelo Senado Federal, e ainda que tivesse a reputação ilibada, cabendo ao Senado, neste caso, a investigação da vida pública do postulante ao cargo. É fato que atender somente ao disposto no referido artigo não é suficiente para a boa gestão de um Ministério. Ou seja, ter mais de 21 anos e estar no exercício dos direitos políticos não deveriam ser, absolutamente, os únicos pré-requisitos para um cargo dessa natureza. Mudanças como essas privilegiariam a capacidade profissional e premiariam o passado idôneo do futuro Ministro. Mais uma vez é importante repisar que não se pretende restringir a possibilidade do chefe do Executivo de indicar um nome de sua preferência ao cargo. O que se propõe é adicionar ao ato de nomeação uma análise mais técnica e profissional. Certamente, as indicações por parte do Presidente da República tenderiam a ser realizadas com nomes de mais credibilidade e capacidade de gestão. Não seria utópico, portanto, imaginar como poderia ser realizada a sabatina pelo Senado Federal para a confirmação ou rejeição do indicado ao cargo. Fatores como a reputação ilibada; ausência de condenações com trânsito em julgado por crimes previstos na Lei 8.429/92, que trata dos crimes de Improbidade Administrativa praticados por agentes públicos; conhecimentos relacionados ao Direito Administrativo, como a Lei 8.666/93, que trata das licitações e contratos administrativos; conhecimentos de Orçamento Público, uma vez que todas as ações da pasta estarão condicionadas à disponibilidade financeira e orçamentária; conhecimentos sólidos em 16 Novos Rumos para a Gestão Pública Direito Constitucional, pois é o alicerce para as ações do Administrador Público. Além de ter conhecimento prévio da área de atuação. Essas exigências seriam pré-requisitos para que uma pessoa tenha condições mínimas de gerir um Ministério e fazer com que seus indicadores de eficiência tenham níveis compatíveis com a responsabilidade exigida pelo cargo, de maneira que se possa viabilizar o retorno em serviços com a qualidade que a população espera. Apesar de não se fazer necessária alteração da Carta Magna neste aspecto, é interessante frisar que, não se aprovando o Ministro na sabatina a ser realizada pelo Senado, deverá ser indicado outro nome pelo Presidente da República, sucessivamente, até que o indicado seja aceito pelo Senado Federal. Não obstante, caso se pretenda dar maior clareza a este procedimento, ou ainda no intuito de evitar distorções da proposta, esse dispositivo pode ser destacado em parágrafo a ser incluído no artigo em que se proceder com a alteração. Como complemento a esses pré-requisitos sugeridos, pode ser feita uma gestão por resultados, aplicando-se ferramentas de meritocracia, privilegiando as pastas que tiverem maior êxito na execução dos planos traçados para cada exercício, por exemplo. Ainda nesse sentido, pode-se agravar as consequências e aplicabilidade de penas para os Ministros que se envolverem em atos ilícitos, principalmente os previstos na Lei 8.429/92, independentemente de seu pedido de exoneração ou destituição do cargo. Dessa forma, demonstrar-se-ia para a sociedade que o Governo, além de buscar pessoas de maior qualidade para gerenciar os bens e serviços públicos, em prol do interesse coletivo, também se compromete com os princípios norteadores da Administração Pública. 4. DA QUALIFICAÇÃO DOS SERVIDORES Com a obrigatoriedade de admissão de pessoal mediante concurso público, após a Constituição Federal de 1988, observou-se uma grande elevação no nível de escolaridade dos servidores. Essa ampliação da qualificação se deve ao fato de, cada vez mais, as pessoas se dedicarem aos concursos como forma de conseguir estabilidade no emprego e maior tranquilidade para a família. Em muitos casos, a crescente qualificação profissional dos candidatos ocasionou a elevação do nível de exigência das seleções públicas. No serviço público como um todo, o maior contingente de servidores está lotado no poder Executivo. Sendo assim, para acompanhar a elevação da qualidade profissional que os servidores vêm demonstrando, os cargos de maior importância deste poder também deveriam seguir essa mesma tendência. Segundo o Boletim Estatístico de Pessoal volume 17, n°. 183, de Julho de 2011, elaborado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, a tabela disposta em sua página 96 estratifica a participação percentual dos ingressos por concurso no serviço público federal a partir de 1995, segundo o nível de escolaridade. Percebe-se que neste intervalo de tempo, houve uma significativa elevação da escolaridade dos entrantes. O percentual de servidores de nível superior que ingressaram no serviço público federal saltou de 39,2% em 1995 para 68,9% em 2011 (dados atualizados até junho), ao passo que o ingresso de servidores com nível intermediário caiu de 51,3% para 31% neste mesmo período. Já nos cargos com escolaridade inferior, os chamados NA – nível auxiliar, os ingressos praticamente deixaram de ocorrer, passando de 9,5% para apenas 0,2%. Analisando os dados acumulados, é possível perceber como ocorreu esse crescimento nos cargos de nível superior. No final da década de 1990, o percentual acumulado passou de 39% para 57%. Essa tendência permaneceu até chegar aos atuais 61%. Ou seja, 134 mil dos 220 mil servidores que entraram no serviço público federal entre 1995 e junho de 2011, tinham curso superior. Somese isso ao fato de que as seleções para ingresso de servidores estão cada vez mais difíceis, fazendo com que o nível de qualificação dos candidatos entrantes esteja, muitas vezes, maior do que o mínimo exigido para as atribuições de seus respectivos cargos. Conclui-se dessa análise que o serviço público está cada vez mais especializado, buscando assim atender à demanda crescente da população pela excelência nos seus serviços. Porém, não são apenas os servidores concursados que determinam a qualidade desta prestação, embora tenham grande parcela de responsabilidade em seu resultado final. Cabe principalmente àqueles que detêm o poder decisório, a condução das políticas públicas de forma a assegurar o bom andamento dos serviços prestados à população em geral, fornecendo meios e exigindo resultados dos servidores. Cargos de natureza Administrativa não deveriam ser ocupados por pessoas que possuam apenas o perfil político. É fato que para a atuação no governo, a habilidade política é uma qualidade 17 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 relevante e, até certo ponto, indispensável. Em algumas poucas exceções, a habilidade política prevalece, como é o caso da Secretaria das Relações Institucionais, bem como da Casa civil, que embora tenham status de Ministério, necessitam de um perfil notoriamente político para que sejam exercidas de maneira eficaz. Porém, a falta de conhecimento especializado na área de atuação e também nos conhecimentos que se referem à gestão propriamente dita, pode prejudicar o bom andamento no atendimento às necessidades públicas e, com isso, desperdiçar a chance de utilização da qualificada mão de obra dos servidores em prol do atendimento às demandas da coletividade. Em recentes episódios na política nacional, pudemos testemunhar a substituição de Ministros ainda no primeiro ano do mandato presidencial. Fatos como esses poderiam ser amenizados ou mesmo evitados caso houvesse o controle prévio por parte do Poder Legislativo, no que tange a aprovação dos nomes indicados pelo chefe do Executivo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A profissionalização na Administração Pública é o caminho mais curto e eficaz para o crescimento de um país. Há que se perceber que a base dessa pirâmide já vem demonstrando uma grande evolução qualitativa, como pôde ser observado na análise do boletim estatístico elaborado pelo MPOG. Mas é preciso mais do que ter bons servidores. É necessário ter uma boa gestão desta mão de obra. O austríaco Peter Drucker, saudoso escritor e consultor na área de negócios, assim dizia: “Não existem países subdesenvolvidos. Existem países sub-administrados.” Uma gestão mais profissional, tendo como base um contingente cada vez maior de servidores qualificados profissionalmente, aumenta as probabilidades de um crescimento sólido e consistente do país. O Brasil tem potencial e material humano para ser uma das mais ricas e importantes nações do mundo. O país possui dimensões continentais, com uma diversidade cultural e racial proporcionais ao tamanho do seu território. Possui também pessoas apaixonadas pelo país e que querem vê-lo não somente como um país em desenvolvimento, ou emergente, mas como uma realidade. A Constituição Federal/1988 prevê, em seu artigo 3°, os seus objetivos fundamentais. Alcançá-los é poder transformar o país em uma sociedade livre, justa e solidária; com a garantia de seu desenvolvimento; sem miséria, marginalização e com desigualdades regionais e sociais reduzidas; promovendo assim o bem de todos. A eficácia dessas normas não pode ser eternamente considerada como programática. É preciso fazer com que elas deixem de figurar como um papel ilustrativo para ter um papel de objetivo, de meta a ser atingida, e que não dependa apenas “do dia do possível”. Há que se afirmar que administrar um país vai muito além de enlaces políticos; de acordos e barganhas; de favorecimento aos aliados em detrimento da oposição; da busca pelo poder e da corrupção que corrompe o foco pela eficiência e mina a estrutura do Estado, deturpando a verdadeira função da Administração Pública. Administrar é planejar, organizar, dirigir e controlar as atividades do setor público na busca pelo bem comum, não havendo meios para o Brasil conseguir evoluir como nação, como país em franco desenvolvimento, se essas premissas não forem utilizadas na gestão da coisa pública. A transição do modelo burocrático para o modelo gerencial teve início, mas um não rompeu totalmente com os ideais do outro, por isso, se faz necessário derrubar velhos e criar novos paradigmas, para ultrapassar as amarras e os entraves internalizados e herdados do patrimonialismo e da burocracia, antes que o Estado venha a sucumbir em mais uma crise de consequências incalculáveis. A falta de honestidade de parte dos gestores públicos acaba por gerar um arsenal burocrático que penaliza todos os demais. Nascem a cada dia novas leis, decretos, portarias etc., que criam barreiras para dificultar a corrupção, mas que trazem consigo a contra-indicação de emperrar a fluência da boa gestão. Osborne e Gaebler (OSBORNE e GAEBLER, 1994, p. 119) em mais uma oportuna observação, relatam que: “Para vigiar os 5% desonestos, criaram a burocracia, que frustra tão profundamente os 95% restantes”, e ainda completam: É claro que a implantação da burocracia visa a evitar sinistros e dissabores. Porém, acaba por evitar que muitas outras coisas boas aconteçam também. A burocracia reduz o ritmo do governo, assemelhando-se ao de uma lesma. Tira-lhe toda a agilidade, tornando-o incapaz de se adaptar com rapidez às súbitas mudanças do dia-a-dia. Ineficiência e desperdício se espalham, chegando a todos os cantos da organização. 18 Novos Rumos para a Gestão Pública O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado traz em seu contexto o entendimento para mudança de postura do Administrador Público: A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 17) A finalidade da Administração Pública é o atendimento às demandas da população. A atividade meio quando bem executada, não é, necessariamente, valorizada. Quando um paciente é curado em um hospital público, ninguém se lembra que para que isso ocorresse foi preciso um apoio administrativo, seja na aquisição dos materiais essenciais, na manutenção do hospital ou na valorização da mão de obra. O que podemos inferir de todo esse contexto é que, para que as atividades do Estado atinjam seu público alvo, é indispensável que as engrenagens da máquina estatal funcionem de forma a viabilizar o atendimento dessas necessidades. Embora o fim seja a meta, os meios são o alicerce para que estes sejam alcançados. Saber dar a cada uma dessas atividades a sua devida importância é saber compreender as diferenças entre a administração burocrática e a gerencial. Diante das normas e dispositivos democráticos positivados na Carta Magna, bem como nas Leis infra-constitucionais, não podemos dizer que falta governabilidade (poder para governar) ao governo brasileiro. A governança_ capacidade de implementação das políticas públicas_ que se encontra prejudicada pela ineficiência e engessamento da máquina administrativa. Situações em que se observam a falta de profissionalização, de ética, ou de ambas. Não parece ser utópico desejar que o país em que vivemos tenha uma administração pública de qualidade. Não seria, tampouco, incoerente, sugerir novas atribuições àqueles que nos representam no Congresso Nacional. A vontade de contribuir com o crescimento do país supera possíveis tentativas de desencorajar o debate e a apresentação de novas propostas que possam colaborar com uma gestão mais competente, profissional e acima de tudo, honesta. Por fim, é importante frisar que a profissionalização, aliada a uma conduta ética praticada pelos ocupantes dos cargos públicos e, ainda, ao modelo gerencial baseado na eficiência, pode ser o início da moralização e modernização da administração pública brasileira. A prestação de um serviço público de qualidade eleva os princípios que regem a atividade administrativa, e norteia as ações de um Estado forte, aparelhado e estruturado, funcionando como catalisadora para o desenvolvimento da máquina pública no cenário político, cultural, social e internacional. 6. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma teoria da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 27/09/2011. BRASIL. Lei no 11.182, de 27 de setembro de 2005. Cria a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25/09/2011. BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Câmara da Reforma do Estado, Brasília: 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM> Acesso em: 30/09/2011. BUCHSBAUM, Paulo. Frases Geniais, Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. 7ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 19 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 COTRIM, Gilberto. Direito Fundamental: instituições de direito público e privado. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. GESTÃO PÚBLICA. Gespública. Disponível em: http://www.gespublica.gov.br/ Acesso em: 28/09/2011. MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO / BOLETIM ESTATÍSTICO DE PESSOAL. Secretaria de Recursos Humanos. vol.17 n.183 (Jul/2011), Brasília: MP, 2011. MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista Interesse Público, n° 7. São Paulo: Notadez, 2000. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. 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O estudo da administração pública. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1971. 20 Novos Rumos para a Gestão Pública A Tecnologia da Informação propiciando novos rumos para a Administração Pública Alfredo Nozomu Tsukumo Márcia de Fátima Pimenta Edson Teracine Resumo A grande evolução das áreas do conhecimento da Administração Pública (AP) e da Tecnologia da Informação (TI) alcançada nos últimos tempos possibilita que a TI mais do que simplesmente importante apoio, seja um elemento na transformação da AP. Examinamos a evolução dos modelos de Administração Pública desde o burocrático-weberiano, passando pelos modelos gerenciais, com destaque à Nova Administração Pública (NPM - New Public Management) e o recente aparecimento de modelos alternativos de AP. O conceito de Governança aplicado às empresas, ao Governo e à TI ressalta a importância da responsabilidade (Accountability) dos gestores. Por outro lado, a TI é considerada como um dos ativos-chave de uma organização e, com as inovações, notadamente a computação em nuvem, a Web 2.0 e a disseminação dos portáteis, ela tem a possibilidade de desempenhar papel determinante na transformações da Administração Pública. 1. Introdução Este é um trabalho de um grupo de pessoas de TI que, procurando contribuir para a melhor utilização da TI na Administração Pública e, estudando as grandes transformações das áreas do conhecimento da Administração Pública (AP) ocorridas nos últimos tempos, concluiu que se abre a possibilidade de que a TI, com a sua dramática evolução, possa ser um elemento na transformação da Administração Pública. A dificuldade de pessoas de TI terem uma compreensão clara das questões da Administração Pública e vice-versa, torna necessária a colaboração entre ambas as áreas para que essa tarefa possa ser cumprida a contento. Assim, não existe a pretensão de apresentar uma proposta elaborada, mas sim, abrir as discussões e apresentar pontos que necessariamente precisarão ser abordados nessa tarefa. A Linha do Tempo na Administração Pública apresentada na Fig.1 resume o contexto político e os principais fatos que marcaram as transformações da Administração Pública no século XX e início do XXI. A partir da década de 1980, transformações que já vinham ocorrendo na Administração Pública ganham ímpeto, principalmente na Comunidade Britânica, mais especificamente no Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália, e destas para todo o mundo, inspiradas na visão política neo-liberal, no que foi sistematizado por Hood (1991 e 1995) como o New Public Management (NPM). Nos EUA, as mudanças ganham um programa denominado National Performance Review (NPR)(Gore, 1997), iniciado em 1993. No Brasil, a Reforma da Gestão Pública é iniciada em 1995, com a criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) e a EC 19/1998 (Bresser-Pereira 2011). Em comum, essas mudanças colocavam a necessidade de se dar mais poder e autonomia aos gestores, incentivando a competição, com adoção de práticas da iniciativa privada e a redução do Estado, com ênfase na privatização. Em meados da década de 1990, já surgiam problemas decorrentes da aplicação estrita desses modelos. As novas propostas, embora reconhecendo a melhoria da eficiência decorrente das várias linhas de mudanças, criticavam principalmente a excessiva fragmentação das unidades governamentais, a ênfase na competição e os mecanismos de incentivos da iniciativa privada. Embora a Tecnologia da Informação (TI) fosse considerada como um dos fatores para a realização das mudanças propostas, tanto pela NPM como pela NPR, ela continua sendo usada apenas como um poderoso instrumento de apoio. A dramática evolução da TI, tanto no seu papel para as organizações como na tecnologia em si, possibilita novas formas de AP calcadas na TI, de 1 forma semelhante à proposta de Dunleavy (2005) , criando instrumentos de participação do cidadão como no exemplo notável da elaboração da Constituição da Islândia. 2. Modelos de Administração Pública Neste artigo, faremos uma apresentação resumida dos modelos para dar sustentação às seções seguintes. Para uma descrição mais detalhada e fundamentada, pode-se ver Secchi (2009) e Bresser-Pereira (2009), entre outros. 21 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 2.1 Modelo Burocrático Weberiano Com origens remontando ao século XVIII (Secchi, 2009 e Bresser-Pereira, 2009), o chamado Modelo Burocrático Weberiano, foi o modelo dominante de administração pública durante a maior parte do século XX. Secchi (2009) ressalta como características principais desse Modelo: • Formalidade: deveres e responsabilidades são impostas aos membros da organização, as ações seguem procedimentos formais padronizados e comunicações e decisões são registradas, restringindo a discricionariedade individual; • Impessoalidade: a relação entre os membros da organização e o ambiente externo é baseada em funções e linhas de autoridade claras. As posições hierárquicas pertencem à organização e não às pessoas que a estão ocupando; • Profissionalismo: os ocupantes dos cargos devem demonstrar capacidade técnica e conhecimentos. A hierarquia baseada em competências, com base na meritocracia, se contrapõe ao nepotismo do modelo pré-burocrático patrimonialista. Por outro lado, Denhardt (2000) caracteriza o modelo burocrático pelos seguintes aspectos; • A AP é politicamente neutra, valorizando a ideia de competência neutra; • O foco do governo é o fornecimento direto de serviços. A melhor estrutura organizacional é a burocracia centralizada; • Programas são implementados por meio de mecanismos de controle de cima para baixo, limitando o arbítrio tanto quanto possível; • Burocracias procuram ser sistemas fechados na medida do possível, limitando assim, o envolvimento do cidadão; • Eficiência e racionalidade são os valores mais importantes nas organizações públicas; • Administradores públicos não exercem papel central na definição de políticas e governança; ao invés, eles são encarregados da implementação eficiente dos objetivos públicos. Esse modelo, característico do Estado Liberal e Liberal-Democrático, substituiu a Administração Patrimonialista do Estado absoluto e garantiu os direitos civis e direitos políticos. (Bresser-Pereira, 2009). 2.2 New Public Management (NPM) e Entrepreneurial Government Na década de 1980, diante das limitações que o modelo burocrático impunha à AP, foram implementadas reformas em muitos países, com destaque nos países da Comunidade Britânica, que foram muito bem sistematizadas nos marcantes artigos de Hood (1991 e 1995). A Figura 2Componentes doutrinários do New Public Management resume os principais aspectos: desagregação das unidades, competição, estilos de gestão do setor privado, disciplina e frugalidade no uso dos recursos públicos, gestão ativa e profissional, padrões explícitos e medidas de desempenho e ênfase no controle das saídas. Denhardt (2000) coloca que os princípios do New Public Management são claramente superiores aos do modelo burocrático, mas ressalta que nos últimos 100 anos, no campo da AP houve “uma rica e vibrante evolução no pensamento e prática, com importantes e substanciais desenvolvimentos que não podem ser resumidos somente sob o título de New Public Management”. Por outro lado, nos Estados Unidos, Osborne e Gaebler (1992) colocavam que “Nós desenhamos os órgãos públicos para proteger o bem público evitando que os políticos e os burocratas tenham muito poder para fazer mal uso do dinheiro público. Criando dificuldades para o roubo do dinheiro público, nós tornamos virtualmente impossível administrar o dinheiro público... Tentando controlar virtualmente qualquer coisa, nos tornamos tão obcecados em determinar como as coisas devem ser feitas, regulamentando processos, controlando as entradas que ignoramos os resultados de saída”. Osborne e Gabler inspiraram o National Performance Review de Clinton e Gore (1997), cujo lema era “Governo que funciona melhor e custa menos”. Os dez princípios da reinvenção do Governo Empreendedor são: • Governo catalisador: Conduzir ao invés de remar (steer /row) • Governo da Comunidade (pertencente à): Delegar poder ao invés de servir (empower/serve) • Governo competitivo: Competição nos serviços fornecidos • Governo orientado por missões: Ao invés de organização regida por regras • Governo orientado a resultados: Orçamento voltado a resultados não a entradas • Governo orientado ao Cliente: Atender às necessidades do cliente não da burocracia • Governo empresarial: Ganhar ao invés de gastar (earn/spend) 22 Novos Rumos para a Gestão Pública • Governo preventivo: Prevenção ao invés de cura • Governo descentralizado: Ao invés da hierarquia, participação e trabalho em equipe • Governo orientado ao Mercado: Alavancar mudança pelo mercado Na mesma época em que Clinton e Gore lançavam a National Performance Review, o Congresso dos EUA aprovava a Clinger-Cohen Act ou “Lei da Reforma da Gestão da Tecnologia da Informação” (USA 1996) que definia que: • Em cada órgão do governo, deve haver um Chief Executive Officer (CIO), ligado diretamente à autoridade máxima do órgão, responsável por gerir a TI do órgão • Aquisição, planejamento e gestão da tecnologia deve ser tratada como investimento de capital. As compras de TI devem ser tratadas eficientemente como na iniciativa privada. • Deve ser usado o Federal Enterprise Architecture e seus Modelos de Referência. Nessa mesma época, no Brasil, era emitido o Decreto 2271/97, conhecido como o decreto que dificultou o avanço no desenvolvimento da TI na Administração Federal. Esse Decreto equiparava, para efeitos de terceirização, a Informática aos serviços de conservação, limpeza, segurança, vigilância, etc., numa demonstração da visão da TI como atividade acessória. Os dois modelos, apesar de apresentados de formas diferentes, têm características comuns como a ênfase na responsabilidade e o necessário arbítrio do gestor público, que deve prestar contas das saídas obtidas em suas atividades em relação às metas determinadas, com remuneração baseada no cumprimento dessas metas, de forma semelhante ao que é usualmente cobrado dos gestores privados. 2.3 Modelos pós NPM Em meados da década de 1990, começam a surgir problemas na implementação das reformas preconizadas pelo NPM. Na Nova Zelândia, país que aplicou as reformas da forma mais radical, em 1999, o Labour Party vence as eleições calcadas em uma campanha que enfatizou os diversos problemas causados pelas reformas administrativas dos quinze anos anteriores. (Whitcombe, 2008) Moore (1995) propôs o conceito de “Valor Público”, objetivo que o gestor público deveria alcançar em lugar do objetivo do gestor privado, o lucro. Tal conceito, longe de abandonar a busca da eficiência, acrescenta a essa a procura do real entendimento das necessidades e dos anseios dos cidadãos. Coloca em foco a diferença dos objetivos da AP e os da iniciativa privada, influenciando fortemente essas novas tendências. Interpretando Moore, Kelly (2002) coloca como definição que o Valor Público é o valor criado pelo governo por meio de serviços, leis, regulamentos e outras ações. Numa democracia, esse valor é essencialmente definido pelo próprio público, determinado pelas preferências dos cidadãos, expressos por variados meios. Para que algo tenha valor, não é suficiente que os cidadãos digam que é desejável. Só tem valor se os cidadãos estão dispostos a dar algo para obtê-lo, não só recursos monetários (pagando impostos) como concordando com poder coercitivo (em troca de segurança), abrindo informações privadas (em troca de serviços personalizados), tempo (na participação em atividades públicas ou voluntárias) e outros recursos pessoais (por exemplo, na doação de sangue). O conceito de Valor Público provê uma forma de pensar sobre os objetivos e desempenho da política pública. Ele contempla aspectos como equidade, etos, e responsabilidade. Esse conceito tem influenciado fortemente muitos países na sua revisão das reformas da NPM. The Work Foundation do Reino Unido, desenvolve vários trabalhos, sistematizando e colocando propostas práticas, fundadas no conceito de “Valor Público”. Num dos trabalhos dessa instituição, Blaugh (2006) coloca que “NPM tem a tendência de fazer o administrador público perseguir suas próprias metas mais que orientá-las em direção à natureza mutante da legitimidade política...”. Os cidadãos são reduzidos a meros consumidores de serviços e inadequadamente consultados sobre os objetivos políticos. Em uma linha semelhante, Denhardt (2000) argumenta que, em comparação à velha AP, a NPM tem evidentes vantagens, mas a importância dada ao cidadão é falha, confundindo-o com o papel de cliente. Para o New Public Service por eles proposto, existem dois temas fundamentais: (1) promover a dignidade e o valor do serviço público e (2) reafirmar os valores da democracia, da cidadania e do interesse público como valores de maior importância da AP (Denhardt, 2011). A Figura 3 apresenta um quadro comparativo entre os vários modelos. A partir desses temas, Denhardt estabelece os sete princípios chave para o New Public Service (NPS): 23 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 1. Servir ao invés de pilotar. Um crescente e importante papel do servidor público é ajudar os cidadãos a articular e encontrar seus interesses compartilhados, mais do que procurar controlar ou pilotar a sociedade em novas direções. 2. O interesse público é o propósito, não sub-produto. Administradores públicos devem contribuir para a construção de uma noção coletiva, compartilhada de interesse público. O objetivo não é encontrar soluções rápidas direcionadas por escolhas individuais. Ao contrário, é a criação de interesses e responsabilidades compartilhados. 3. Pense estrategicamente, aja democraticamente. Políticas e programas que atendam a necessidades públicas podem ser mais efetivamente e responsavelmente alcançadas por meio de esforços coletivos e processos colaborativos. 4. Sirva a cidadãos, não a usuários. O interesse público resulta do diálogo sobre os valores compartilhados, mais que da agregação de interesses próprios individuais. Dessa forma, servidores públicos não respondem meramente às demandas dos usuários, mas focam na construção de relacionamentos de confiança e colaboração entre cidadãos. 5. Responsabilização (Accountability) não é simples. Servidores públicos devem ter atenção além do mercado: eles devem também atender às leis, aos valores da comunidade, as normas políticas, aos padrões profissionais e interesses dos cidadãos. 6. Valorizar as pessoas e não somente a produtividade. Organizações públicas e redes em que elas participam terão maior possibilidade de sucesso a longo prazo se elas operam em processos de colaboração e liderança compartilhada baseada no respeito de todos. 7. Valorizar a cidadania e os serviços públicos mais que o empreendedorismo. O interesse público é melhor promovido pelos servidores públicos e cidadãos comprometidos em fazer contribuições significativas à sociedade mais do que por gestores empreendedores agindo como se o dinheiro público fosse dele próprio. Em seu artigo “New public management is dead – Long live Digital-era Governance” Dunleavy (2005) analisa a aplicação da NPM organizada nos três temas que ele considera fundamentais: desagregação, competição e incentivos. Decompõe esses temas em componentes, mostra os problemas causados por eles e se foram revertidos (no todo ou parcialmente), paralisados ou ainda estão sendo implementados. A desagregação é o tema que mais sofreu reversões. As ações voltadas à competição foram em grande parte paralisadas, mas a sua reversão é mais dificultosa. Os incentivos são os que têm maior quantidade de ações continuadas. Uma das grandes críticas a essas ações é da quebra do etos do servidor público quando ele recebe incentivos pecuniários baseado em desempenho. Diante dos problemas da NPM e contando com os novos recursos oferecidos pelo desenvolvimento da Tecnologia da Informação, Dunleavy propõe a “Digital-era Governance – DEG”. Em contraposição aos três temas chave da NPM, ele propõe três temas para a DEG: Reintegração, Holismo baseado nas necessidades e Processos de digitalização. Da mesma forma que na análise da NPM, os temas são decompostos em componentes, apresentados na Figura 4, que são descritos com apresentação de vários exemplos. Muitos outros autores criticam a NPM e apresentam propostas. Neste trabalho, por considerarmos mais significativos e influentes, vamos levar em consideração principalmente os trabalhos de Moore, Denhardt e Dunleavy. 3. Governança Corporativa – Governança Pública – Governança de TI A partir da década de 1990, o termo Governança passa a ser muito utilizado com diversos significados, muitas vezes de acordo com o contexto e área de aplicação (ver por exemplo Hirst, 2000). Não cabe neste artigo uma discussão mais abrangente sobre esses significados. Vamos aqui partir da conceituação apresentada pela OECD (Organization for Economic Co-Operation Development) para a Governança Corporativa, e procurar extrair uma abstração, para depois verificar se essa conceituação abstrata pode ser aplicada nas áreas que nos interessam: AP e TI. “Governança corporativa é um elemento chave no aprimoramento da eficiência e crescimento econômicos e mesmo no aumento da confiança do investidor. Governança corporativa envolve um conjunto de relacionamentos entre a gerência de uma companhia, seu conselho, seus acionistas e outros interessados. Governança corporativa também provê a estrutura pela qual os objetivos da companhia são definidos e os meios para atingir esses objetivos e o monitoramento do desempenho são determinados. Boa governança deve prover incentivos para que o conselho e a gerência persigam os objetivos e deve facilitar o monitoramento efetivo. A presença de um sistema efetivo de governança corporativa em uma companhia individualmente e pela economia como um todo, ajuda a prover um grau de confiança que é necessário para o próprio funcionamento da economia de mercado. Como 24 Novos Rumos para a Gestão Pública consequência, o custo do capital é menor e as firmas são encorajadas a usar os recursos mais eficientemente reforçando o crescimento”. (OECD 2004, p.11 Preamble) Embora na origem governo e governança sejam sinônimos, a utilização recente dos termos atribui o termo governo à instituição e governança ao conjunto de características necessárias para que se obtenha um bom governo. Pela conceituação da OECD, esse conjunto de características é “elemento chave no aprimoramento da eficiência e do crescimento econômico e (…) aumento da confiança do investidor”, composto por: relacionamentos, estrutura, meios e incentivos para atingir os objetivos e monitoramento do desempenho. A presença da governança corporativa em cada companhia e no conjunto da economia fomenta a confiança e consequentemente propicia o bom funcionamento da economia de mercado, reforçando o crescimento. O conceito chave que se destaca aqui é o de accountability: a responsabilização pelos resultados. Esse termo embute vários aspectos: • a explicitação dos interessados (stakeholders), diretos e indiretos a quem devem ser prestadas as contas: acionistas, clientes, fornecedores, a sociedade, conforme os resultados por eles esperados, fomentando a confiança e bom desempenho da economia; • os gestores têm liberdade para gerir e são incentivados e responsabilizados pelos resultados; • há mecanismos de controle e acompanhamento e avaliação dos resultados. Outros aspectos envolvidos e que são relacionados com a responsabilização, mas merece destaque especial são: • o alinhamento aos objetivos da organização; • a estrutura de decisões: quem tem direito e responsabilidade por quais decisões; • recursos e processos necessários para a realização dos objetivos da organização. Como no caso da Governança Corporativa, nem sempre a utilização do termo Governança na AP tem uma conceituação clara. Consideramos que esta mesma formulação proposta para a Governança Corporativa pode ser usada com os principais aspectos considerados, com a discriminação específica para a AP: • os interessados (stakeholders) são o cidadão (individualmente e coletivamente, representado pela sociedade civil), os administradores públicos e os políticos; • os gestores têm liberdade para gerir e são responsabilizados pelos resultados, conforme definições políticas alcançadas junto com os cidadãos e políticos; • há mecanismos de controle e acompanhamento e avaliação dos resultados; • o alinhamento da AP ao interesse público, entendido como “uma noção coletiva e compartilhada do interesse público, não apenas um agregado de preferências individuais. Políticas e programas que efetivamente atendem às necessidades públicas são alcançadas por processos coletivos e colaborativos que enfatizam a importância de cidadãos sobre clientes e pessoas sobre produtividade. Nessa visão, a responsabilidade requer que os administradores públicos se preocupem com um conjunto mais amplo de demandas do que aquelas de mercado. Eles devem também responder às leis, valores comunitários, normas políticas, padrões profissionais e interesses do cidadão” (Blaugh 2006); • a estrutura de decisões é definida por legislação e normas, e considera o interesse público; • devem existir recursos e processos necessários para a realização dos objetivos. Como em outras áreas, o termo Governança também passou a ser utilizado em TI, para indicar a necessidade de tratá-la como parte importante na administração de uma organização e não apenas como um instrumento acessório. Weill (2004) considera a TI um dos seis ativos-chave de uma organização, junto com os ativos: financeiro, físico, pessoal, relações e propriedade intelectual. Os ativos-chave da organização definem o que ela deve e pode fazer para a realização dos seus objetivos e devem constar de suas análises de forças e fraquezas, e serem considerados no seu planejamento estratégico. Da mesma forma que a situação dos recursos financeiros, das instalações e ativos físicos (máquinas e equipamentos), da capacidade do seu pessoal, das relações de negócio e do seu conhecimento, a capacidade da TI é decisiva para a definição da estratégia da organização. Weill (2006 e 2009) coloca que as companhias com “Saber em TI” (IT Savvy) ligam seus investimentos em TI às suas estratégias de negócio e superam seus concorrentes nas dimensões de desempenho desejadas. Os investimentos em TI podem ser: na Infraestrutura, Transacional, Informacional e Estratégico. Os quatro tipos de investimentos são necessários, sendo os de Infraestrutura e Transacional, em geral maiores e necessários para que seja possível obter bons 25 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 retornos do Informacional e Estratégico. Estes últimos é que vão trazer os maiores retornos e vantagem competitiva. Aplicando esses conceitos à AP: • A TI é considerada como um dos ativos-chave, fazendo parte do próprio negócio do órgão público e portanto, constante do planejamento estratégico; • A necessidade de planejar investimentos em Infraestrutura e Transacional para melhoria das atividades internas e dos serviços ao cidadão; e Informacional e Estratégicos para permitir visualização de conjunto e longo prazo. 4. TI – Novas Tecnologias Inicialmente um instrumento científico, os computadores passaram a desempenhar papéis cada vez mais complexos com a sua explosiva evolução, automatizando atividades manuais ou mesmo mecanizadas (no sentido estrito do termo: por meios mecânicos como eram as máquinas de tabulação). Posteriormente, a então denominada Informática passa a transformar ou mesmo criar as atividades, alterando inclusive as relações de trabalho, como no caso dos bancos, em que a maioria das operações mais frequentes passam a ser executadas diretamente pelo cliente, seja nos caixas eletrônicos, seja via Internet. Mais recentemente, a agora denominada Tecnologia da Informação passa a propiciar novos tipos de relações interpessoais, por meio dos sites de relacionamento, criando novos tipos de negócios, impensáveis anteriormente. Mais ainda, ela passa a permitir que o próprio usuário faça parte da transformação e geração de novas aplicações. Queremos destacar três recentes evoluções tecnológicas que, aliadas à aplicação dos conceitos de Governança de TI, deverão influenciar negócios e a AP: computação em nuvem, os computadores portáteis (incluindo celulares, tablets e novas gerações de notebooks) e a Web 2.0. Computação em Nuvem (Cloud Computing) é um modelo que permite de forma conveniente o acesso à rede, sob demanda para um conjunto compartilhado de recursos de computação configuráveis (por exemplo, redes, servidores, armazenamento, aplicativos e serviços) que podem ser rapidamente provisionados e lançados com o mínimo de esforço de gestão ou a interação de um prestador de serviço (NIST). A Computação em Nuvem não representa uma tecnologia e, sim, um modelo de TI que tem como base serviços e não produtos, e os seguintes princípios: • Infraestrutura compartilhada: vários clientes dividem uma mesma plataforma tecnológica, o que inclui até uma mesma instância de determinado aplicativo; • Serviços sob demanda (on demand): seja por número de usuários, transações ou a combinação entre vários ítens; • Serviços escalonáveis: a partir da perspectiva do usuário, existe uma flexibilidade de requisitar uma ampliação das ofertas, sem qualquer limitação; • Precificados com base no uso: prerrogativa de cobrança pelo serviço utilizado em um determinado período; • Diversidade: atuação em nuvens públicas e nuvens privadas de forma homogênea e transparente. Uma das vantagens da Computação em Nuvem é a possibilidade de se utilizar software aplicativos, assim como arquivos e outros dados relacionados - sem que este esteja instalado ou armazenado no computador do usuário ou em um servidor próximo. Esse conteúdo passa a ficar disponível em "nuvens", isto é, na internet, e poderá ser acessado de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, não havendo necessidade de instalação de determinados programas ou do armazenamento de dados. Ao fornecedor da aplicação cabe a execução de todas as tarefas de desenvolvimento, armazenamento, manutenção, atualização, backup, escalonamento, etc. O usuário não precisa mais se preocupar com isso, mas apenas com o acesso e a utilização, viabilizando infraestrutura computacional potente, confiável e segura a custos reduzidos para o usuário. A Web 2.0 não é propriamente uma tecnologia, mas a caracterização presente em parte das novas aplicações na Internet. O'Reilly (2005), que cunhou o termo, aponta as características: • A plataforma é a Web • O posicionamento do usuário: controla os seus próprios dados • Competências centrais: • Serviços não empacotados como software • Arquitetura participativa • Escalabilidade a custos baixos • Diversas fontes e transformação de dados 26 Novos Rumos para a Gestão Pública • Software em vários dispositivos • Aproveitamento da inteligência coletiva. Para a AP, Osimo (2008) se propõe a responder às questões: • As aplicações Web 2.0 são relevantes no contexto de Governo? • Se são, de que forma a Web 2.0 tem impacto no Governo? • Quão significante pode ser esse impacto? • Como as aplicações Web 2.0 são implementadas no contexto do Governo? Para responder a essas perguntas, Osimo estudou várias aplicações, tanto no âmbito governamental como fora dele, mas com implicações para o Governo. Encontrou diversos exemplos em várias áreas: • Regulação: em que o público é instado a participar, no caso exemplo, na validação de patentes requeridas; • Colaboração entre agências: o exemplo foi o de uma plataforma WIKI da CIA que possibilita a colaboração direta de analistas de diversas agências de inteligência; • Gestão de conhecimento: sistema que permite o compartilhamento de conhecimento informal através de blogs e grupos; • Avaliação de serviços: um website que coleta e publica a avaliação dos serviços prestados por hospitais; • Participação política: serviço que permite a submissão de petições diretamente ao Primeiro Ministro do Reino Unido e permite ver e apoiar petições submetidas por outros cidadãos; • Cumprimento da lei: sistema que permite que ciclistas coloquem fotos de carros parados ilegalmente em faixas para ciclistas. Osimo coloca quatro papéis dos usuários da Web 2.0 (Figura 5): • O primeiro tipo, dos usuários mais ativos, que provêm conteúdo, como no caso dos que submetem petições; • O segundo, dos usuários que respondem a solicitações feitas pelo sistema, fornecendo, por exemplo, avaliações; • O terceiro círculo é dos usuários que usam dados fornecidos por outros usuários, como no caso das avaliações dos hospitais; • O quarto círculo é dos usuários que apenas lêem as informações e dados sem nenhuma ação sobre o sistema. A implementação de sistemas na Web 2.0 deve considerar os vários tipos de usuários e o alvo pretendido. Deve-se notar que, pelas próprias características da Web 2.0, a iniciativa de implementar um sistema pode ser tanto do Poder Público como do próprio cidadão ou grupos, como no exemplo da faixa para ciclistas ou no site brasileiro “Petição Pública”, que permite criar abaixo-assinados. Os riscos desse tipo de aplicação não podem ser desprezados e devem ser devidamente previstos e tratados. Eles envolvem, por exemplo, a segurança, a manipulação de dados, a invasão de privacidade e outros, comuns a todo o ambiente da Internet. Um exemplo notável de utilização inovadora da TI é a elaboração da Constituição da Islândia, com a participação direta dos cidadãos por meio do Facebook. O governo da Islândia está aproveitando as redes sociais da Internet para uma função inusitada: a escrita da nova Constituição do país, em substituição à atual, de 1944. O conceito, no jargão da web, é o de "crowdsourcing", ou seja, a realização de projetos com ajuda maciça de usuários da Internet. No caso da Islândia, isso foi facilitado pelo fato de o país no norte da Europa ter uma população pequena (311 mil habitantes), altos níveis educacionais e praticamente 100% de acesso à Internet. (FSP2011) As reuniões da Assembleia Constituinte são transmitidas online e os cidadãos dão opinião nas redes sociais (sobretudo no Facebook) a respeito da nova Carta. Por fim, nas principais evoluções tecnológicas recentes da TI, destacamos os portáteis que, tornando-se cada vez mais potentes e baratos, possibilitam o acesso à infraestrutura e aplicações de praticamente qualquer ponto do planeta, tanto para o cidadão como para o agente. Informações fundamentais para o debate e a definição de políticas públicas, tanto para os gestores como para os cidadãos, podem ser fácil e universalmente disponibilizadas. E os mecanismos criados pela TI para a manifestação e compilação das posições possibilitam dar sequência às resoluções. Instrumentos de verificação e controle do desenvolvimento dessas políticas possibilitam a transparência de todos os dados e das informações, que facilitam as análises e a aferição dos resultados, tanto de curto como de longo prazo. 27 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 5. Conclusões Não pretendemos, neste artigo apresentar uma proposta elaborada e estruturada de modelo de AP como a de Denhardt (2000). Procuramos levantar alguns aspectos dos modelos que dominaram a cena desde o início até o final do século XX. Levantamos também algumas propostas alternativas e colocamos as grandes possibilidades abertas pelas novas tecnologias e a visão de Governança de TI. Nesta seção, apresentaremos uma síntese dos temas apresentados e uma discussão/proposta dos rumos possíveis para a TI como um dos ativos-chave na AP. Apesar de muito combatido pelos propositores do NPM, o Modelo Burocrático Weberiano deixa um legado positivo em aspectos como a profissionalização e capacitação dos servidores públicos, e a definição de estruturas organizacionais e processos, e mesmo a separação entre as funções dos políticos e os administradores, pois permitem estabilidade e continuidade à AP. Ou seja, mesmo sendo necessários reanalisar e revisar os processos, as definições de papéis e responsabilidades, e dar uma nova dimensão à relação político-administrador-cidadão. O Estado construído segundo o Modelo Burocrático Weberiano fornece uma base sólida sobre a qual se podem construir as novas propostas. Por outro lado, a NPM tem aspectos negativos como a desagregação, a competição e os incentivos, mas também positivos como a liberdade dada aos gestores junto com a responsabilidade para alcançar metas definidas, por meio de medidas e da busca da eficiência. Porém, a motivação não deve ser o incentivo pecuniário, mas sim, a própria busca do bem público com as metas sendo definidas cuidadosamente para evitar que metas individuais prejudiquem objetivos gerais da AP. O conceito de Valor público apresentado por Moore e os sete princípios da NPS de Denhardt & Denhardt são importantes norteadores para a AP. Em paralelo à discussão dos modelos de AP, um aspecto merece destaque: a participação do cidadão nas decisões políticas. Em “Nota sobre Políticas de Administração Pública” a OECD (2001a) coloca que: “O fortalecimento das relações com os cidadãos constitui-se em importante investimento destinado a aperfeiçoar o processo de formulação de políticas e em elemento fundamental da boa governança, permitindo ao governo obter novas fontes de ideias relevantes, informações e recursos para a tomada de decisões. De igual importância é sua contribuição para a construção da confiança pública no governo, elevando a qualidade da democracia e fortalecendo a capacidade cívica”. É apresentado também um Manual para o desenvolvimento dessa participação, considerando-se três tipos: Informação, Consulta e Participação Ativa (OECD 2001b). Considerando-se os aspectos ressaltados dos diversos modelos e as necessidades frente às novas realidades e visões de democracia participativa, listamos o que consideram-se características essenciais para a AP: 1. Ser organizado, estruturado, com definições claras de processos, papéis e responsabilidades 2. Dar poder de decisão ao gestor, para que ele tenha condições de procurar melhores soluções e, ao mesmo tempo, seja responsabilizado pelos resultados 3. A motivação do servidor deve ser a procura do bem para a sociedade e não o incentivo pecuniário 4. A relação entre o Administrador Público, o Político e o Cidadão deve oferecer canais de comunicação nos dois sentidos e instrumentos para que o Cidadão possa efetivamente participar de decisões do seu interesse. Essa relação deve conferir legitimidade ao Governo. Para a construção de um Governo com tais características, a TI pode contribuir: • Apoiando na melhoria interna dos órgãos da AP • Funcionamento dos órgãos – atividades burocráticas, eficiência e correção da atuação; • Informação interna, possibilitando melhores decisões; • Controle interno, com sistemas de inteligência que auxiliem na identificação de problemas e desvios dos objetivos. • Apoiando na melhoria nos serviços ao cidadão • Serviços diretos ao cidadão (e-gov); • Informação utilitária ao cidadão possibilitando-lhe o melhor aproveitamento dos serviços; • Canais de avaliação dos serviços. • Apoiando no aprimoramento das relações Político, Administrador Público e Cidadão • Informação completa, correta, fácil de consultar e usar; 28 Novos Rumos para a Gestão Pública • Instrumentos para definição do interesse público entendido como a construção de uma noção coletiva e compartilhada do interesse público, não apenas um agregado de preferências individuais.(cf. Blaugh 2006) Como um exemplo de utilização da TI de forma integrada ao negócio da Administração Pública, desenvolvemos um exercício de aplicação da TI na fiscalização de trânsito apresentado na Figura 6. Percorrendo aplicações de TI existentes na AP de todos os níveis, pode-se verificar a existência de diversos sistemas que atendem em maior ou menor grau a cada um esses aspectos mas, em geral, de forma pouco coordenada e com cobertura desigual. A proposição que apresentamos é a de desenvolver estudos abrangentes e aprofundados, gerando políticas, orientações e instrumentos de formação de pessoas para que a Tecnologia da Informação contribua na transformação da Administração Pública, na busca de maior efetividade e participação do Cidadão. 29 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 30 Novos Rumos para a Gestão Pública 31 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 32 Novos Rumos para a Gestão Pública 33 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 34 Novos Rumos para a Gestão Pública Referências Blaugh, Ricardo; Horner, Louise; Lekhi, Rohit – Public Value, politics and public management – A literature review. 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Povo é o componente humano do Estado. Território, a sua base física e Governo Soberano, o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização, emanado pelo Povo. Não há e nem pode haver Estado independente sem Soberania. Isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e incontrastável de organizar-se e de conduzir-se segundo a vontade livre de seu Povo e de fazer cumprir as suas decisões, inclusive, pela força, se necessário. Mais especificamente, no que tange ao verbete Governo, de acordo com a conceituação LANGOSKI (2008), é o conjunto de poderes e órgãos constitucionais, complexo de funções estatais básicas e a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções originarias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos. De outro giro, o Estado, como ente complexo que se apresenta, assentado na condição de pessoa jurídica de direito público, desenvolve atividade funcional por intermédio de seus servidores, dotados de atribuições, que agem em nome e por conta dele, buscando sempre a promoção do bem comum. Dessa forma, ao realizar as funções estatais, precipuamente, devem respeitar os direitos consagrados universalmente nas legislações internas e transnacionais, sendo uma instância a serviço da sociedade, cuja magnitude está em seu caráter público. O exercício do Estado deve ser pautado nas políticas originadas pela sociedade civil e que se formam com a prática da cidadania e que se postam frente ao Estado não o considerando um Estado tutelar, doador, assistencialista, compensatório, mas controlando o Estado, tentando colocar no Estado o que convém aos cidadãos. ―(...) é possível considerar Estado como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período.‖ (HOFLING, 2001) Cabe ao Estado realizar os interesses públicos, distintos com os interesses do Estado enquanto sujeito de direito: os interesses secundários ou interesses privados do Estado. O alcance do interesse privado do Estado só é regularmente admissível quando conciliado com o interesse público a ser efetivado o caso concreto. A Constituição de 1988, em seu artigo 175, até hoje não alterado por emendas constitucionais, é categórica ao atribuir ao Poder Público, (União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal), conforme a repartição administrativa de competências plasmada nos artigos 21, 23, 25, 30 e 32 da Carta Política, que a prestação de serviços públicos, de ser realizada por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas e sua organização encontra-se calcada em três situações fundamentais: centralização, descentralização e desconcentração. Nesse sentido, FREIDE (2000), define a Administração Pública como “atividade que o Estado desenvolve, por meio dos seus órgãos, para consecução do interesse público” De acordo com DI PIETRO (2009), a Administração Pública pode ter dois sentidos: subjetivo, formal ou orgânico, designando os entes ou pessoas que exercem a atividade, tais como pessoas jurídicas, órgãos ou agentes públicos incubidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; objetivo, material ou funcional, designando a natureza 36 Novos Rumos para a Gestão Pública da atividade exercida pelos referidos entes. Nesse giro, a Administração Pública é a própria função administrativa que incube, predominantemente, ao Poder Executivo. A existência da centralização e da descentralização, é o que fundamenta a estrutura da Administação Pública, em Direta (União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal) e Indireta (Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista), possuindo por excelência uma função executiva de governo. A descentralização administrativa acarreta a especialização na prestação do serviço descentralizado, o que é desejável em termos de técnica administrativa. Por esse motivo, já em 1967, ao disciplinar a denominada ―Reforma Administrativa Federal‖, o Decreto-Lei nº 200, em seu artigo 6º, inciso III, elegeu a ―descentralização administrativa‖ como um dos princípios fundamentais da Administração Federal. Afirmativa de MELLO (2009), é que no processo de descentralização de atividades do Estado para o particular, aquele deve demonstrar a regularidade do instituto. “O Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que tem constitucionalmente a seu encargo, como pode prestá-las através de outros sujeitos.” Da mesma forma ensinava MEIRELLES (2003): “Descentralizar, em sentido jurídico-administrativo, é atribuir a outrem poderes da Administração.” O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, foi o mais sistemático e ambicioso empreendimento para a reforma da administração federal. Esse dispositivo legal era uma espécie de lei orgânica da administração pública, fixando princípios, estabelecendo conceitos, balizando estruturas e determinando providências. Apoiava-se numa doutrina consistente e definia preceitos claros de organização e funcionamento da máquina administrativa, eis que prescrevia que a administração pública deveria se guiar pelos princípios do planejamento, da coordenação, da descentralização, da delegação de competência e do controle; estabelecia a distinção entre a administração direta e a indireta, constituída pelos órgãos descentralizados; fixava a estrutura do Poder Executivo federal, indicando os órgãos de assistência imediata do presidente da República e distribuindo os ministérios entre os setores político, econômico, social, militar e de planejamento, além de apontar os órgãos essenciais comuns aos diversos ministérios; desenhava os sistemas de atividades auxiliares (pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria e serviços gerais); definia as bases do controle externo e interno; indicava diretrizes gerais para um novo plano de classificação de cargos; e ainda, estatuía normas de aquisição e contratação de bens e serviços. Do ponto de vista da gestão pública, a Carta de 1988, no anseio de reduzir as disparidades entre a administração central e a descentralizada, acabou por eliminar a flexibilidade com que contava a administração indireta que, apesar de casos de ineficiência e abusos localizados em termos de 3 remuneração, constituía o setor dinâmico da administração pública. Ela foi equiparada, para efeito de mecanismos de controle e procedimentos, à administração direta. A aplicação de um regime jurídico único (RJU) a todos os servidores públicos abruptamente transformou milhares de empregados celetistas em estatutários, gerando um problema ainda não solucionado para a gestão da previdência dos servidores públicos, pois assegurou aposentadorias com salário integral para todos aqueles que foram incorporados compulsoriamente ao novo regime sem que nunca tivessem contribuído para esse sistema. Apesar do propalado retrocesso em termos gerenciais, a Constituição de 1988 não deixou de produzir avanços significativos, particularmente no que se refere à democratização da esfera pública. Atendendo aos clamores de participação nas decisões públicas, foram institucionalizados mecanismos de democracia direta, favorecendo um maior controle social da gestão estatal, incentivou-se a descentralização político-administrativa e resgatou-se a importância da função de planejamento. Nos anos 90, o debate sobre a reforma do Estado foi liderado pelo professor Luis Carlos BresserPereira, resumidos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado — Pdrae (1995), o qual possuía como proposta explícita inaugurar a chamada ―administração gerencial‖, o que para COSTA (2008) seria “uma espécie de panacéia redentora do estatismo patrimonialista e do ogro burocrático”. 37 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O Plano Diretor partia de uma premissa. A de que a crise latino-americana era uma crise do Estado. Com base nesse diagnóstico, o plano indicou como pilares do projeto de reforma do Estado: ajustamento fiscal duradouro; reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantissem a concorrência interna e criassem condições para o enfrentamento da competição internacional; a reforma da previdência social; a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; a reforma do aparelho de Estado, com vistas a aumentar sua ―governança‖, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. A reforma, tal como preconizada no Plano Diretor, pode ser interpretada com cinco diretrizes principais, a saber: ‖ institucionalização, considera que a reforma só pode ser concretizada com a alteração da base legal, a partir da reforma da própria Constituição; ‖ racionalização, que busca aumentar a eficiência, por meio de cortes de gastos, sem perda de ―produção‖, fazendo a mesma quantidade de bens ou serviços (ou até mesmo mais) com o mesmo volume de recursos; ‖ flexibilização, que pretende oferecer maior autonomia aos gestores públicos na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros colocados à sua disposição, estabelecendo o controle e cobrança a posteriori dos resultados; ‖ publicização, que constitui uma variedade de flexibilização baseada na transferência para organizações públicas não-estatais de atividades não exclusivas do Estado (devolution), sobretudo nas áreas de saúde, educação, ‖ cultura, ciência e tecnologia e meio ambiente; ‖ desestatização, que compreende a privatização, a terceirização e a desregulamentação. Do ponto de vista do Plano Diretor, essas grandes diretrizes se traduziam na mudança institucional introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/1998 e em três projetos básicos: avaliação estrutural (racionalização), agências executivas (flexibilização) e organizações sociais (publicização). A emenda foi promulgada em junho de 1998, a avaliação estrutural nunca foi realizada pelo governo Fernando Henrique. O projeto de agências executivas resultou na qualificação de um único organismo (Inmetro) e a proposta de publicização resultou no estímulo à criação de apenas cinco 4 organizações sociais. Embora não fizesse parte dos objetivos do Plano Diretor, nem constituísse atribuição do Mare (Ministério da Administração e Reforma do Estado), o maior número de realizações esteve relacionado com a privatização de empresas estatais, principalmente nos setores de telefonia (Sistema Telebrás), mineração (Vale do Rio Doce) e financeiro (Banespa). A Reforma do Aparelho Estatal proposta por Bresser, possui um aspecto especificamente gerencial, cujo objetivo é tornar a administração mais flexível e os administradores, mais motivados. A maior parte das idéias teve origem nas práticas gerenciais desenvolvidas durante o século XX pelas organizações privadas. O aspecto gerencial enfatiza a ação orientada para o ―cliente-cidadão‖ e dois de seus três mecanismos específicos de responsabilização — administração por objetivos e competição administrada visando à excelência — foram emprestados da administração de empresas. Enfim, essa passou a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços público e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. A reforma da gestão pública é um processo de descentralização — de delegação de poder para níveis inferiores, ao mesmo tempo tornando mais forte o núcleo estratégico do Estado, e mais eficazes os mecanismos de responsabilidade social. Porém a descentralização não é total: uma característica central da reforma gerencial é separar a formulação de políticas, que permanece centralizada, da execução, que é descentralizada. Uma vez que a reforma gerencial representa um passo adiante em relação à reforma burocrática, ela adota novas formas de controle ou responsabilização. Enquanto as três formas burocráticas clássicas de responsabilização são: normas exaustivas, supervisão hierárquica direta e 38 Novos Rumos para a Gestão Pública mecanismos de auditoria, as três formas gerenciais típicas são: administração por resultados ou objetivos, competição administrada visando à excelência e responsabilidade social. Na reforma da gestão pública, a descentralização é obtida pela transferência da prestação de serviços para agências e organizações sociais. A formulação de políticas continua centralizada, mas a autoridade pode delegar poderes na medida em que pode usar eficazmente mecanismos de responsabilidade gerencial. Enquanto os mecanismos de controle burocrático implicam uma organização centralizada, os mecanismos de responsabilidade gerencial são compatíveis com a descentralização — uma descentralização que não significa reduzir, mas aumentar o controle gerencial sobre os resultados. Isso é verdade porque esse tipo de descentralização gerencial é apenas uma delegação provisória de poderes: o administrador central conserva a opção de revertê-la sempre que não estiver funcionando. OSBORNE e GAEBLER (1998), em seu livro Reinventando o Governo, resumem a nova gestão pública em cinco práticas: reestruturação, reengenharia, reinvenção, realinhamento e reconceituação. Sobre esse prisma, o modelo administrativo que prega empreendorismo, gerenciamento participativo, habilidade criativas dos agentes públicos, além de outras características, é denominado como modelo gerencial. Conforme anteriormente narrado, no nível constitucional, observa-se algumas contradições e retrocessos. A Constituição de 1988 nasceu impregnada pelos mais profundos e legítimos sentimentos em favor da democracia e da equidade social que dominavam a sociedade brasileira naquele momento. E isso é verdade, considerando que o diploma constitucional adotou, já a partir do preâmbulo, a fórmula de Estado de Direito Democrático, confirmado pelo artigo 1º. A redemocratização trouxe a tona enormes demandas sociais reprimidas no período autoritário. Em todas as áreas, avanços foram introduzidos na direção de assegurar aos brasileiros os direitos de cidadania. Um dos princípios fundamentais da democracia moderna é o da separação de poderes. A idéia da separação de poderes para evitar a concentração absoluta de poder nas mãos do soberano, no Estado absoluto que precede as revoluções burguesas, fundamenta-se com as teorias de John Locke e de Montesquieu. Monstesquieu em sua obra, O Espírito das Leis, define que nessa teoria, que quando as funções de governo são distribuídas por diferentes grupos sociais – realeza, nobreza e povo – o exercício do poder deixa de ser prerrogativa exclusiva de qualquer um dos grupos, forçando-os à colaboração, com o que a convivência civil é aprimorada e a liberdade preservada. Contribuiu de forma significativa para essa tendência, da evolução de uma administração gerencial, sem eliminar os conceitos clássicos da administração burocrática, a edição da Emenda Constitucional nº 19/1998. Isto se revelou no caput do artigo 37 da Carta Magna, no qual os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, se mantiveram. A Emenda apenas acrescentou o princípio da eficiência, e em sua interpretação destinou entender a publicidade também como transparência. A referida Emenda, ainda, restringiu os cargos de confiança a atividades de direção, chefia e assessoramento. Previu lei para disciplinar formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta. Exigiu transparência e publicidade da remuneração dos agentes públicos e permitiu a assinatura de contratos de gestão – fato a que a lei deveria reconhecer efeitos de ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira de órgãos e entidades da administração direta e indireta. Merecem ser citados alguns exemplos que bem ilustram a positividade da Emenda Constitucional nº 19/98: o contrato de gestão, as agências reguladoras e a gestão do patrimônio público e de determinados serviços públicos por entidades privadas ou paraestatais. Além disso, a Constituição de 1998 deixou claro que os serviços públicos sociais são exclusivos do Poder Público, ficando consagrada a dupla possibilidade: prestação pelo Poder Público, com a participação da comunidade ou prestação pelo particular. 39 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Choque de gestão na administração pública – Estado de Minas Gerais De acordo com as informações extraídas do site do Governo de Minas Gerais, esse é um estado com área de 586 mil quilômetros, é a terceira economia do Brasil e tem população de mais de 20 milhões de pessoas, sendo praticamente 50% de pessoas economicamente ativas. Minas Gerais é responsável por 24,6% da produção nacional de veículos, tendo o segundo pólo automobilístico brasileiro e abrigando 66 organizações que atuam no segmento de aplicações biociências, além de mais de um terço do total das empresas no Brasil. Desde meados da década de 1990, registrava-se déficit nas contas públicas em todos os anos. A previsão para 2003 era de ocorrer um déficit da ordem de R$ 2,3 bilhões. No mesmo ano, foi proposta, pelo então governador do Estado de Minas Gerais, Aércio Neves, uma política de governo, denominada Choque de Gestão, a qual visa, primariamente, a promoção do desenvolvimento mediante a reversão de quadros de déficits orçamentários (através, inclusive, num primeiro momento, da redução de despesas), da reorganização e modernização do aparato institucional do Estado e da busca e a implementação de novos modelos de gestão. O choque de gestão tratou da integração das políticas de gestão e sua orientação para o desenvolvimento, da seguinte forma: redução do número de secretarias de Estado de 21 para 15, o equivalente a 30%, mediante a fusão de diversas delas; extinção de cerca de três mil cargos que podiam ser preenchidos sem concurso; redução dos salários do governador, do vice-governador e dos secretários de Estado; criação de auditorias setoriais a fim de estabelecer um controle dos gastos públicos e ampliar a transparência na administração estadual; promulgação de Decreto impondo um rigoroso controle sobre os gastos públicos; adoção em larga escala do pregão eletrônico (pela internet) e dos leilões da dívida pública, para estimular a concorrência entre os fornecedores e baixar os custos; centralização da folha de pagamentos na Secretaria de Planejamento e Gestão para garantir maior controle sobre os pagamentos e evitar fraudes; redução de despesas com materiais e serviços, gerando grande economia. O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI iniciou-se em 2003 e estendeu-se até 2006, sendo resultado foi elaborado com uma perspectiva de movimento para a construção do futuro, numa expectativa de 20 anos, apresentando diversas iniciativas destinadas especificamente a promover o ajuste fiscal e a organização do governo e suas ações prioritárias. Em 2007, passou por uma revisão com o objetivo de consolidar os avanços já alcançados e imprimir maior eficácia às ações previstas até 2023, por meio do inicio de uma nova etapa de mudanças, denominada Choque de Gestão de Segunda Geração, que, na prática, alterou a organização das ações da administração pública. A partir da adoção desse modelo, as secretarias e demais órgãos do Estado passaram a formar um sistema coordenado, onde não existem mais processos realizados de forma autônoma, sem conexão com a estratégia geral. Este novo processo tem como pilares a preocupação com a qualidade fiscal e com a gestão eficiente, de tal forma a maximizar o retorno social para o gasto público. Na prática, significa que o governo vai trabalhar para garantir à população serviços públicos de alta qualidade, em todo o Estado, com menores custos. Possui como suporte um sistema de planejamento estratégico que estabelece o conjunto das grandes escolhas que orientarão a construção do futuro que se busca alcançar: ―Minas, o melhor estado para se viver‖. No Choque de Gestão de Segunda Geração, os destinatários das políticas públicas foram organizados pelo governo de Minas em cinco eixos considerados estratégicos: Pessoas instruídas, qualificadas e saudáveis: Nesse eixo, o foco são os programas de educação, saúde e cultura, todos voltados para ampliar o capital humano, fator fundamental para o desenvolvimento econômico e social de um povo; Jovens protagonistas: esse eixo organiza várias ações dirigidas à juventude, tendo como objetivo ampliar a oferta de emprego, o empreendedorismo e a inclusão social dessa parcela da população; Empresas dinâmicas e inovadoras: esse eixo dá atenção especial ao crescimento econômico, considerado a principal alavanca das transformações sociais sustentáveis, por meio de programas de fomento econômico, infra-estrutura e ciência e tecnologia. Para isso, busca-se a construção de 40 Novos Rumos para a Gestão Pública um pacto estadual pelo aumento da taxa de investimento e da competitividade da economia de Minas. Cidades seguras e bem cuidadas: o foco desse eixo é melhorar a qualidade de vida das pessoas nas cidades mineiras, com a adoção de programas de segurança pública, meio ambiente, habitação e saneamento; Equidade entre pessoas e regiões: esse eixo tem como foco a redução das desigualdades regionais, com a adoção de programas voltados para as localidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para isso, estão sendo adotadas ações de combate à pobreza, geração de emprego e de renda e a segurança alimentar e nutricional sustentável. Para que as ações planejadas produzam resultados concretos e mensuráveis, elas foram agrupadas em 11 Áreas de Resultados, onde foram concentrados os melhores esforços e recursos do governo. Nelas, estão agregados os principais desafios, objetivos e metas para a administração pública. Sob essas áreas estão também o conjunto de Projetos Estruturadores, as prioridades do governo para os próximos anos, que vão transformar as ações planejadas em resultados efetivos para a população. Educação de Qualidade: o objetivo é melhorar a qualidade dos ensinos fundamental e médio no Estado e diminuir as disparidades de aprendizado entre as regiões de Minas. Protagonismo Juvenil: tem como objetivos aumentar o percentual de jovens que concluem o ensino médio e ampliar suas oportunidades de inclusão no mercado de trabalho. 7 Investimento e Valor Agregado da Produção: são objetivos dessa área ampliar o volume anual de investimentos produtivos, sejam privados, públicos ou em parceria, bem como melhorar a qualidade da mão-deobra, em parceria com o setor privado. Inovação, Tecnologia e Qualidade: Em parceria com o setor privado, universidades e centros de pesquisa, o objetivo dessa área é induzir uma agenda de inovação, para que o Estado possa aprimorar o que ele já tem nessa área e que possa ser capaz de desenvolver o que ainda não tem. Desenvolvimento do Norte de Minas, Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce: o objetivo é aumentar o volume de investimentos privados nessas regiões, as mais carentes do Estado, por meio da atração de capitais produtivos e da melhoria da infra-estrutura, educação, da qualificação da mão-de-obra e das condições de saúde e saneamento. Logística de Integração e Desenvolvimento: essa área tem como objetivos expandir o percentual da malha rodoviária estadual em boas condições de conservação, concluir o Proacesso, programa que leva o asfalto para cidades que não contam com esse benefício, e construir, em parceria com a União e demais Estados, uma solução para a malha federal. Rede de Cidades e Serviços: a principal meta dessa área é ampliar o número de municípios com Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS) adequado, com serviços públicos e privados de qualidade. Vida Saudável: os objetivos dessa área são garantir a todos os mineiros o acesso à atenção primária de saúde, reduzir a mortalidade infantil e materna, ampliar a longevidade e melhorar o atendimento da população adulta que sofre de doenças cardiovasculares e diabetes, além de ampliar o acesso ao saneamento básico. Defesa Social: é objetivo dessa área reduzir, de forma sustentável, a violência no Estado, com a integração das forças policiais, a ampliação das medidas preventivas e a modernização do sistema prisional. Redução da Pobreza e Inclusão Produtiva: a principal meta dessa área é reduzir o percentual de pobres em relação à população, com medidas regionalmente integradas e com a intensificação das parcerias nas áreas de educação, saúde, assistência social, habitação e saneamento. Qualidade Ambiental: são objetivos dessa área aumentar o Índice de Qualidade da Água (IQA) do Rio das Velhas, consolidar a gestão das bacias hidrográficas, conservar o cerrado e recuperar a Mata Atlântica, ampliar o tratamento do lixo e tornar mais ágil e efetivo o licenciamento ambiental. MG Rodovia Prefeito Américo Gianetti, S/Nº - Serra Verde - Cidade Administrativa De acordo com VILHENA (2011), neste momento, o Estado de Minas Gerais, encaminha-se para o desenvolvimento da Terceira Geração do Choque de Gestão. O desafio mostra-se mais ousado, partindo do compromisso com a manutenção de todas as conquistas já alcançadas até então, com a trajetória evolutiva da gestão pública em Minas, bem como com a continuidade do desenvolvimento do Estado. Na terceira geração do Choque de Gestão, a busca por resultados transforma-se em Gestão para a Cidadania: os cidadãos, antes considerados apenas destinatários 41 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 das políticas públicas implementadas pelo Estado, passam a ocupar também a posição de protagonistas na definição das estratégias governamentais. A Gestão para a Cidadania incorpora como principal desafio para o Governo de Minas Gerais, a participação da sociedade civil organizada na priorização e implementação da estratégia governamental. A fim de viabilizar o fortalecimento de mecanismos de engajamento da sociedade, propõe-se a primordialmente, a revisão da articulação institucional intra governo, a partir da organização da estratégia e do funcionamento do Estado em Redes de Governo. Estas redes, previstas em lei, são as seguintes: rede de governo integrado, rede de atendimento em saúde, rede de educação e desenvolvimento do capital humano, rede de desenvolvimento social, proteção, defesa e segurança, rede de infraestrutura, rede de desenvolvimento rural, rede de desenvolvimento sustentável e de cidades, rede de tecnologia e inovação, e rede de identidade mineira. Diante desse desafio, este pode ser considerado o ponto de partida para a consolidação de um Estado em Rede, que potencializa a interação entre governo e sociedade, fortalecendo a Gestão para a Cidadania e contribuindo para tornar Minas o melhor Estado para se viver. Conclusão As Políticas de Estado são aquelas definidas, por lei, no processo complexo que envolve o Legislativo e o Executivo. Nelas vêm consignadas as premissas e objetivos que o Estado brasileiro, em dado momento histórico, quer ver consagrados para dado setor da economia ou da sociedade. Essas políticas hão de ser marcadas por um traço de estabilidade, embora possam ser alteradas para sua adequação a um novo contexto histórico, bastando para isso a alteração no quadro legal. Com o advento da nova concepção do Estado Democrático de Direito, inspirado nas doutrinas de Adam Smith e Stuart Mill, o princípio do interesse público adquiriu nova roupagem. O mesmo ocorreu com o princípio da legalidade, onde a idéia de submissão da Administração Pública à lei manteve-se, porém não mais vazia de conteúdo e eficácia. Falar-se hoje em Estado Democrático de Direito é referir-se à um Estado vinculado aos ideais de justiça, que compreende o aspecto da participação do cidadão e o da justiça material. A retórica da reforma dos anos 1990 avançou a Administração Pública do ponto de vista da utilização do conceito de governança e dos princípios políticos que orientaram as propostas, quais sejam: participação, accountability, controle social. Foi inspirada no gerencialismo britânico, também recebeu influência dos princípios da new public management (NPM). Assim, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, coordenado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (Brasil, 1995), fortemente apoiado na new public management e na progressive governance, incorporou muitos elementos do paradigma neodesenvolvimentista. A implantação da NPM no Brasil procurou delinear um novo padrão de gestão pública, a denominada ―administração gerencial‖, apoiada nos princípios da flexibilidade, ênfase em resultados, foco no cliente e controle social. Possuiu como objetivo, tendo parte integrante a reforma administrativa, manter equilibradas as contas públicas e, ao mesmo tempo, elevar a capacidade da ação estatal. A reforma propõe uma reconfiguração das estruturas estatais baseada na substituição do modelo burocrático de administração pública por um modelo gerencial. As avaliações recentes sobre o desempenho da administração pública no Brasil indicam que o ponto de estrangulamento do governo federal encontra-se no campo operacional, visto que a administração pública para obter sucesso nas suas políticas públicas depende da competência de seus funcionários. Programas e projetos com deficiências de ―gestão‖ tendem a dificultar o alcance dos objetivos das políticas públicas, além de propiciar a geração de corrupção. Um choque de gestão na administração pública deve ter como propósito a modernização do Estado, para torná-lo menos burocrático e mais competitivo. Por meio da eficiência na administração dos recursos públicos, buscará o governo solucionar um maior número de demandas da sociedade, que devem estar traduzidas nas suas políticas públicas contidas no orçamento da União. 42 Novos Rumos para a Gestão Pública A administração pública gerencial emerge, de um lado, devido à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, e de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade de restringir custos e aumento a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se essencial. A inclusão de novas formas de parcerias como a parceria público-privada, a interação entre órgãos governamentais, a descentralização de serviços e outras formas de associação para a realização dos serviços públicos, auxiliam as organizações públicas a definir com precisão as metas de cada órgão; outorgar maior autonomia ao administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros, para que possa alcançar os objetivos contratados; instituir o controle a posteriori ou de resultados, trilhando o caminho da reivindicação baseada nas tendências atuais. O choque de gestão de Minas Gerais inovou e foi pioneiro no Brasil em nível estadual. Passou a ser referência não só no Brasil, mas também no mundo. Espera-se que tais práticas sejam duradouras e que finquem suas raízes, passando a ser práticas corriqueiras como são as práticas de comunicação e recursos humanos, por exemplo. E que não sejam descontinuadas nas administrações renovadas a cada nova eleição. 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Acesso em: 25 set. 2011. 10 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. 43 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Avaliação de Desempenho e Justiça Organizacional na Gestão Pública: a Influência dos Aspectos Comportamentais na Busca da Melhoria na Qualidade do Gasto na Marinha do Brasil Anderson Soares Silva Co-autor Esdras Carlos de Santana Co-autor Rodrigo Barreiros Leal 1 INTRODUÇÃO O significativo crescimento das despesas sociais, decorrente da transição democrática de 1984, impôs ao Estado brasileiro repensar a sua forma de administrar. Tal situação propiciou a ocorrência de uma mudança do estilo burocrático para o estilo gerencial de administração, com foco nos resultados. Isso se deve, principalmente, ao fato de que a eficiência da administração pública tornouse essencial, dada a necessidade de redução de custos e de aumento da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Prima facie, o princípio da eficiência, trazido à baila pela Emenda Constitucional nº 19/1998, consoante o seu sentido econômico de obter o melhor resultado com o menor custo possível, constitui-se como farol orientador dos novos paradigmas da Administração Pública Gerencial Brasileira. Em verdade, a eficiência do Estado vem assumindo, cada vez mais, um papel de relevância dentro da nossa sociedade nos últimos anos. Nesse diapasão, o Governo Federal vem propondo a difusão de doutrinas de gestão pública, voltadas para os resultados, apontando para a necessidade da institucionalização do processo de controle gerencial a fim de possibilitar a avaliação dos gestores públicos. A Marinha do Brasil, inserida nesse contexto, criou a sistemática das Organizações Militares Prestadoras de Serviços (OMPS). Conceitualmente, OMPS é a organização militar que presta serviços a outras organizações militares e, eventualmente, a organizações extra-Marinha, efetuando a cobrança pelos serviços prestados, em uma das seguintes áreas: industrial; de ciência e tecnologia; e hospitalar. Tal sistemática buscava, fundamentalmente, o aprimoramento dos controles internos e a determinação mais eficiente dos custos das organizações industriais e prestadoras de serviços da Marinha, diante do expressivo volume de recursos movimentado pelas mesmas. Para operacionalizar a implantação da sistemática foram utilizadas duas ferramentas: o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) e a Contabilidade de Custos. Cabe destacar que a utilização do SIAFI, onde estão expostas todas as informações referentes aos indicadores econômico-financeiros das organizações analisadas, encontra-se alinhada aos anseios atuais da sociedade, dentre os quais a transparência do gasto público. Desse modo, foram estabelecidos indicadores econômico-financeiros com o propósito de mensurar o desempenho das OMPS, ficando a responsabilidade pela análise dos resultados obtidos, por estas organizações, com a Diretoria de Finanças da Marinha (DFM). Destaca-se que o principal demonstrativo contábil que servia, e serve até os dias de hoje, como fonte de informações para a construção dos referidos indicadores foi denominado, no âmbito da Marinha, como Demonstrativo de Resultado do Período (DRP). O mencionado documento guarda estreita relação com o Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE), amplamente utilizado na iniciativa privada. Enquanto Órgão Central de Contabilidade da Marinha do Brasil (MB), a DFM elabora trimestralmente o relatório econômico-financeiro (REF) das OMPS com o propósito de prover, aos diversos setores da Administração Naval, elementos sobre o desempenho econômico-financeiro das referidas organizações. Tal documento é expedido compreendendo a seguinte periodicidade: janeiro a março; janeiro a junho; janeiro a setembro; e janeiro a dezembro. Destaca-se que, nesse processo, a DFM se norteia por parâmetros de referência, previamente estabelecidos. Sendo que a permanência de uma OMPS dentro desses parâmetros é entendida como uma situação de normalidade para a realidade das OMPS. Entretanto, cabe ressaltar que apesar de reunidas sob uma denominação comum, cada OMPS possui características próprias, que são, na maioria das vezes, bem distintas entre si. Assim, mesmo quando da análise de duas Bases Navais ou de dois Hospitais Distritais, diferenças do tipo: tamanho da OM, equipamentos instalados, tipos de serviços prestados e mão-de-obra empregada tornam estas duas OMPS distintas. 44 Novos Rumos para a Gestão Pública Diante desse cenário, e considerando a nova metodologia de avaliação de desempenho das OMPS, descrita detalhadamente no capítulo 4 deste estudo, a questão de pesquisa a ser respondida é: a iniciativa da Marinha do Brasil, ao adotar novas faixas de relevância na avaliação de desempenho das OMPS, contribui para o incremento da eficiência na gestão pública, almejado pelo Governo Federal. Assim, o presente trabalho verifica se a iniciativa de ampliação das faixas de desempenho, utilizadas para a avaliação institucional das OMPS da Marinha, vem ao encontro do papel assumido pelo Estado, no que concerne a eficiência da gestão pública, com fulcro na Carta Magna de 1988. Dessa forma, o objetivo final deste estudo foi verificar se a utilização das novas faixas de desempenho, no processo de análise gerencial das OMPS, propiciou a ocorrência de resultados superiores aos obtidos na metodologia de avaliação anterior, levando-se em consideração aspectos comportamentais e motivacionais envolvidos nesse processo. Diante das características e propósitos deste trabalho optou-se pela adoção do estudo de caso como estratégia de pesquisa, aliado a pesquisas documentais e de campo, de caráter exploratório e descritivo. Em sua estrutura, o trabalho parte de uma introdução, seguida do referencial teórico, em que são expostos conceitos relativos a apuração de custos na administração pública, ao princípio da eficiência, à justiça organizacional, além da mensuração e avaliação de desempenho. O terceiro capítulo aborda os aspectos metodológicos da pesquisa. Por sua vez, o quarto capítulo descreve a contabilidade de custos no sistema OMPS. Por fim, o quinto e sexto capítulos apresentam a análise e resultados, bem como as considerações finais, respectivamente. 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Apuração de Custos na Administração Pública Alonso (1999) enfatiza que para avaliar adequadamente o desempenho do serviço público, é crucial que os sistemas de informação do governo disponham de uma informação gerencial mais refinada que a despesa: os custos. Por fim, ao defender a aplicação de custos no setor público, Alonso (1999, p.45) afirma que sua apuração e sua divulgação podem exercer papel de “poderosos instrumentos de controle social”, por permitir aos usuários e à auditoria a avaliação de eficiência dos serviços prestados. Dessa forma, o mesmo autor destaca a utilidade dos custos como instrumento de detalhamento do planejamento estratégico e seletividade de cortes orçamentários, quando da necessidade de se tomarem decisões de redução nos gastos públicos. Para Alonso (1999) os custos estão entre os principais indicadores de desempenho das organizações. Assim, os sistemas de custo desempenham um papel importante nos processos decisórios e na avaliação do desempenho institucional. No combate a idéia de alguns críticos que defendem que a contabilidade de custos não teria serventia para as organizações governamentais, em função de existir a obrigatoriedade da prestação dos serviços, mesmo que seja deficitário, Leone (2000) afirma que o fato da prestação de alguns serviços públicos serem de caráter obrigatório, não diminui a importância da implantação da contabilidade de custos, pois ela não serve somente para verificar a viabilidade da manutenção de tais serviços, mas para controlar e comparar o custo da prestação dessa mesma atividade em períodos diferentes, por exemplo: se o serviço for deficitário, a contabilidade de custos pode demonstrar até que ponto ele é deficitário e até que ponto poderia se empregar outros meios mais baratos para realizá-los, além do fato que saber o custo das atividades realizadas serve para realização do planejamento e do orçamento público (ALMEIDA; BORBA, 2005). Por fim, Almeida e Borba (2005) destacam que a realização da gestão de custos na administração pública pode proporcionar muitos benefícios relacionados com a melhor aplicação dos recursos, quando orientada ao controle e à tomada de decisão. Na questão do controle, ela pode ser um poderoso instrumento para verificar questões referentes a desperdício, roubo ou má utilização desses recursos. Na questão da tomada de decisão, pode produzir informações importantes quando fornece dados sobre o custo das atividades realizadas, que poderão permitir decisões do tipo, terceirizar ou não, atividades que podem ter esta prerrogativa. 2.2 Princípio da Eficiência Dentre os princípios norteadores da atividade administrativa, avultam em importância aqueles expressos no caput do art. 37 da Constituição. Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/1998, cinco passaram a ser esses princípios explícitos, a saber: legalidade, 45 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este último acrescentado pela referida Emenda. A introdução da eficiência, como princípio expresso na Carta da República, aplicável a toda atividade administrativa de todos os Poderes de todas as esferas da federação, demonstra bem a concepção de Administração Pública propugnada pelos arautos da corrente política e econômica comumente denominada de neoliberalismo. Importante registrar que, em seu sentido econômico, a eficiência consiste em obter o melhor resultado com o menor custo possível. Dessa forma, tal princípio não está necessariamente vinculado a ideia de qualidade (TIMM; TONIOLO, 2009). Entretanto, no que tange aos gastos públicos, pesquisas demonstram que a gestão conduzida de forma eficiente parece contribuir significativamente para o incremento na qualidade do gasto público. 2.3 Justiça Organizacional Segundo Assmar (2000), o tema justiça, objeto de estudo de alguns seguimentos do conhecimento humano, dentre os quais a psicologia social, relaciona-se a ideia de proporcionalidade, mediante a comparação interpessoal. A partir desse enfoque individual, os sistemas interacionais dos indivíduos passaram, também, a ser considerados, na esteira da percepção de que o desenvolvimento da justiça se dá por meio da negociação entre as partes conflitantes. Todavia, o mesmo Autor assevera que a compreensão do fenômeno da justiça deve considerar a interpenetração de valores pessoais, culturais ou sistêmicos, e não apenas o indivíduo isolado, ou em sua relação com a ampla sociedade ou grupos particulares. Nesse sentido, a organização, mais que um sistema de produção, possui contornos de um sistema social que define também valores de justiça. Pioneiramente, Greenberg (1990) cunhou o termo Justiça Organizacional que compreende os estudos sobre concepções, reações e percepções do empregados quanto à justiça no ambiente de trabalho. Esta última figura, no seu entendimento, como requisito básico para o bom funcionamento das organizações e para o bem-estar dos empregados. Com efeito, segundo pesquisa divulgada por Pereira (2008), a Justiça Organizacional, quando observada como indicador de comportamento organizacional a partir da percepção do indivíduo, vem ganhando cada vez mais respaldo em estudos organizacionais. 2.4 Mensuração e Avaliação de Desempenho Simons (apud Olson e Slater, 2002) afirma haver três elementos fundamentais para qualquer sistema de controle e avaliação, são eles: o estabelecimento dos padrões de desempenho; a mensuração do desempenho ante os padrões estabelecidos e a tomada de ações corretivas, caso os padrões não sejam alcançados. Schimidt, Kiemele e Berdine (1999), por sua vez, consideram que um sistema de mensuração de desempenho deve ser compreensível, equilibrado, completo e refletir melhorias. Assim, o sistema de medição de desempenho deve fornecer elementos para a tomada de decisão, em um processo que exige dados coletados, processados, agregados e apresentados com uma conveniente freqüência e suficiente precisão (MIRANDA; SILVA, 2002). Em consonância com esse pensamento, Anthony e Govindarajan (2002, p. 560) afirmam que “um sistema de avaliação de desempenho bem projetado deve permitir um adequado equilíbrio dos parâmetros de avaliação em todos os níveis da organização”. Anthony e Govindarajan (2002) ressaltam, ainda, a importância da concessão de incentivos no processo de avaliação de desempenho. Segundo os autores (op.cit., p.614), “os indivíduos são influenciados tanto por incentivos positivos como por incentivos negativos”. Nesse sentido, para os mesmos autores, um incentivo positivo, ou “prêmio”, é um evento que resulta em maior satisfação dos anseios pessoais; já um incentivo negativo, ou “punição”, é um evento que resulta numa redução da satisfação dos anseios pessoais (ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2002). Sem dúvida, a preocupação com a reação dos avaliados perante seu processo tornou-se um aspecto fundamental para o entendimento e a busca de um sistema de avaliação de desempenho efetivo. Hedge e Teachout (2000), por exemplo, ressaltam que a aceitabilidade do sistema por parte do avaliado é crítica para os efeitos do sistema de avaliação de desempenho sob a motivação dos funcionários. 46 Novos Rumos para a Gestão Pública Dentro desse contexto, diversos autores destacam a percepção de justiça por parte do avaliado como elemento chave para a efetividade dos sistemas de avaliação de desempenho (Hedge e Teachout, 2000; Cook e Crossman; 2004). 3 METODOLOGIA Diante da existência de várias taxonomias de tipos de pesquisa, no presente trabalho será adotada a de Vergara (2003) que propõe classificar as pesquisas quanto aos fins pretendidos e quanto aos meios propostos. Dessa forma, pode-se classificar a presente pesquisa como exploratória e descritiva quanto aos fins. Exploratória, porque visou buscar a identificação da aplicação de conceitos teóricos sobre custos em organizações industriais e prestadoras de serviços do setor público federal, especificamente no âmbito da Marinha do Brasil, tendo em vista que há pouco conhecimento acumulado nesta área. Descritiva, pois se buscou expor as características do Sistema OMPS, em especial aquelas que se referem à utilização de indicadores econômicofinanceiros no processo de controle gerencial das OMPS. Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa documental e de campo, utilizando-se o estudo de caso como estratégia de pesquisa, de acordo com Yin (2001). Documental e de campo, porque envolveu a coleta de dados primários através da análise de documentos internos não acessíveis ao público em geral. Estudo de caso, porque concentrou esforços na análise de apenas uma organização, na busca por um maior grau de aprofundamento sobre o assunto. Diante do exposto, e tendo em vista o objetivo a que se propôs esta pesquisa, o estudo de caso apresentou-se como a técnica mais indicada, por ser aquela que possibilita alcançar um maior nível de profundidade sobre o assunto, permitindo, por conseguinte, um maior poder de análise. A análise consistiu na descrição do caso estudado, onde por força da inexistência de casos semelhantes, bem como pela natureza exploratória, não foram utilizados instrumentos auxiliares nas atividades de tabulação de dados. Por fim, destaca-se que a presente pesquisa possui limitações típicas de estudos em ciências sociais que lidam com a imprevisibilidade do fenômeno humano. Além disso, o próprio tema de estudo, avaliação de desempenho na administração pública, é complexo, sendo que na sua avaliação podem ter ocorrido reducionismos a fim de se realizar as análises. 4 A CONTABILIDADE DE CUSTOS NO SISTEMA OMPS As OMPS utilizam-se do sistema de acumulação de custos por ordem de serviço (OS) ou ordem de produção (OP), haja vista que trabalham sob encomenda. Os principais conceitos envolvidos no processo de custeio, seguem as definições contidas na teoria contábil, de acordo com as normas internas da Marinha; e são: a) gastos; b) custos; c) despesas; d) perdas; e) custos diretos; e f) custos indiretos (BRASIL, 2008). Destaca-se que, de acordo com as normas em vigor, mensalmente, as OMPS devem confrontar os valores reais de seus custos indiretos e de suas despesas administrativas, apropriados em conformidade com os procedimentos previstos nas normas em vigor, com os respectivos valores orçados/faturados para o período, a fim de verificar a correção dos índices e das taxas aplicados no seu faturamento para a recuperação dos custos indiretos e despesas administrativas incorridos no período. 4.1 A Análise Gerencial e a Avaliação do Desempenho Econômico-Financeiro das OMPS A DFM tem por atribuição realizar a análise gerencial das OMPS, bem como acompanhar o desempenho econômico-financeiro das mesmas. Um dos instrumentos utilizados para o cumprimento da mencionada tarefa é o Relatório Econômico-Financeiro (REF) das OMPS, elaborado trimestralmente, com o propósito de prover, aos diversos setores da Alta Administração Naval, elementos sobre o desempenho econômico-financeiro das OMPS nos períodos de: janeiro a março; janeiro a junho; janeiro a setembro; e janeiro a dezembro. Para a confecção do REF, são utilizados diversos demonstrativos dentre os quais se destacam: Demonstrativo de Resultado do Período (DRP); Demonstrativo de Gastos Estruturais (DGE) das OMPS, que representam os gastos fixos dessas organizações. Inicialmente é preciso destacar que as OMPS, após a realização de todos os lançamentos no SIAFI, consolidam mensalmente suas informações sobre custos, despesas e faturamentos no DRP. Tal documento, à semelhança do Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE), utilizado na iniciativa privada, contribui para a análise do desempenho econômico das OMPS. Então, o DRP é enviado para a DFM que consolida as informações produzindo o REF. 47 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Esse relatório analisa os atos praticados pelos gestores das OMPS consubstanciados em registros contábeis do SIAFI e nos documentos comprobatórios encaminhados à DFM. O REF é submetido trimestralmente à apreciação do Conselho Financeiro e Administrativo da Marinha (COFAMAR), para efeito de avaliação do quadro geral das OMPS, em termos de desempenho, bem como para servir de subsídio ao processo decisório no âmbito da Alta Administração Naval. Os principais conceitos, relativos ao resultado econômico do período, utilizados nos relatórios de análise emitidos trimestralmente pela DFM, como subsídio à tomada de decisão por parte do COFAMAR, de acordo com as normas internas da Marinha, possuem os seguintes significados: a) Faturamento – representa o somatório das faturas emitidas pela OMPS no período; b) Custo dos Produtos/Serviços Vendidos – representa o somatório dos custos dos produtos ou serviços realizados; c) Despesas Administrativas – representa o somatório das despesas administrativas com pessoal, serviços e material; d) Resultado Operacional – demonstra se o faturamento da OMPS foi suficiente para cobrir os custos dos serviços/produtos executados e as despesas administrativas; e e) Resultado Líquido - demonstra se o faturamento da OMPS foi suficiente para cobrir os custos dos serviços/produtos executados, as despesas administrativas e as perdas. No que concerne à avaliação de desempenho das OMPS, merece destaque o fato de que com as informações oriundas do DRP possibilitou-se o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos indicadores de desempenho econômico e financeiro. Dentre os indicadores de desempenho na análise realizada trimestralmente pela DFM, destacam-se os seguintes: a) Resultado Bruto/(Faturamento – Descontos) - tem por finalidade indicar que percentual do faturamento, foi destinado a cobrir as despesas administrativas e as perdas; b) Despesas Administrativas/Custos dos Serviços ou Produtos Vendidos - tem por finalidade avaliar o percentual dos gastos das OMPS com seus setores e atividades administrativas em relação aos custos dos serviços/produtos vendidos; c) Resultado Operacional/(Custos dos Serviços ou Produtos Vendidos + Despesas Administrativas) - tem por finalidade avaliar a correção do faturamento das OMPS. Este índice deve ser de no máximo 5%, pois a OMPS somente pode faturar pelos serviços prestados em suas atividades, além de seus custos e despesas administrativas, a taxa cujo percentual máximo é de 5% sobre os custos e despesas administrativas; d) Resultado Líquido/(Faturamento – Descontos) - tem por finalidade avaliar o resultado econômico da OMPS no período, depois de cobertos os custos, as despesas administrativas e as perdas; e e) Perdas/Custos – tem por finalidade avaliar o percentual de perdas (material e mão-deobra) em relação aos custos dos serviços/produtos vendidos. Tais indicadores são analisados de acordo com a realidade de cada organização, tendo sido estabelecido parâmetros de referência entendidos como dentro da normalidade. Com o propósito de proporcionar as condições adequadas para o correto entendimento do assunto em lide, a seguir será apresentada a metodologia de análise anterior ao processo de mudança objeto deste estudo. 4.2 A Situação Anterior A análise realizada pela DFM tinha como um de seus pilares a avaliação de desempenho por meio dos resultados dos indicadores econômico-financeiros obtidos por cada OMPS. Entretanto, em tal análise era estabelecido um único parâmetro de referência entendido como dentro da normalidade para a realidade das OMPS. No quadro 1 (anexo) são apresentados alguns dos principais indicadores avaliados pela DFM: Conforme já mencionado, tal situação não vinha apresentando resultados considerados como os mais adequados pela Alta Administração Naval, bem como não atendia aos anseios dos titulares das OMPS que eram avaliados da mesma forma, apesar das peculiaridades inerentes a cada organização. Assim, por ocasião da 134ª Reunião do COFAMAR, no sentido do aprimoramento da análise sobre o Sistema OMPS, com o propósito de fornecer à Alta Administração Naval subsídios à tomada de decisão, o Diretor de Finanças da Marinha determinou que diversas modificações fossem implementadas no processo anteriormente executado. A Divisão de Análise Gerencial, responsável pela emissão dos relatórios econômicofinanceiros das OMPS, iniciou os estudos atinentes ao assunto em lide, no sentido de encontrar a 48 Novos Rumos para a Gestão Pública solução mais adequada para a criação de categorias diferenciadas para a avaliação de desempenho das mencionadas organizações. 4.3 A Nova Situação Para o estabelecimento das novas categorias de avaliação e faixas de normalidade foram levantados os valores médios históricos registrados de 2000 a 2006, no SIAFI, para as OMPS, principalmente, no que tange aos seguintes aspectos: a) Faturamento; b) Custos dos Serviços Prestados/Custos dos Produtos Vendidos; c) Despesas Administrativas; e d) Perdas. Dessa forma, os mencionados valores serviram como parâmetro inicial para o cálculo das faixas de desempenho. Além disso, verificou-se os valores de indicadores econômico-financeiros normalmente praticados por outras organizações públicas e privadas com o propósito de realizar o benchmark. Por fim, para o estabelecimento das faixas de avaliação, foram consideradas as metas de desempenho desejáveis de acordo com o previamente estabelecido pela Alta Administração Naval. A análise das diversas variáveis acima mencionadas para o estabelecimento das novas faixas de avaliação teve por objetivo evitar que se chegasse a valores influenciados fortemente por informações passadas que não estivessem condizentes com a realidade atual da Administração Pública Federal, que tem buscado continuamente desenvolver estilos de gestão com enfoque gerencial voltados para o alcance de uma visão de futuro. Após a definição dos patamares para as faixas de avaliação, foi criado um quadro de monitoria visual onde cada faixa de avaliação recebeu uma cor diferenciada, com o propósito de fixar na mente das pessoas a nova realidade no processo de avaliação das OMPS. Destaca-se que, a partir de então, criou-se o entendimento que as OMPS que obtivessem resultados de indicadores, sobretudo na faixa vermelha, necessitariam de uma averiguação mais detalhada, por parte dos seus Órgãos de Direção Setorial e Comandos Imediatamente Superiores, sobre os motivos que deram causa a tal situação. Dessa forma, o estabelecimento das quatro faixas de desempenho teve como escopo permitir a distinção entre os pequenos desvios, em relação aos padrões de normalidade estabelecidos, e os resultados que efetivamente contribuíram para uma avaliação de desempenho negativa das OMPS, visando a auxiliar as análises a serem efetuadas por parte de seus Órgãos de Direção Setorial/Comandos Imediatamente Superiores. Com a referida medida esperava-se atuar em aspectos comportamentais dos gestores das OMPS com o propósito de motivá-los a buscar uma melhora nos indicadores de desempenho de suas organizações. Assim, as novas faixas de avaliação ficaram estabelecidas de acordo com o quadro 2 (anexo), passando a vigorar na análise de janeiro a setembro de 2007. Diante do teor das modificações realizadas, como última etapa da implementação das novas faixas de avaliação, ficou estabelecido que a DFM realizaria reuniões prévias com os assessores do COFAMAR, com os representantes dos Comandos Imediatamente Superiores das OMPS, bem como com os representantes das OMPS que desejassem participar das referidas reuniões para apresentar os principais aspectos do relatório econômico-financeiro das OMPS à luz dos novos parâmetros de avaliação. O propósito principal dessas reuniões foi o de facilitar o processo de comunicação interna das mudanças postas em prática, contribuindo-se assim para a sedimentação de um novo paradigma no que concerne à cultura de avaliação das OMPS. Deve-se destacar que as mencionadas reuniões tornaram-se rotineiras, sendo realizadas trimestralmente, antes das reuniões do COFAMAR, a fim de prover os assessores dos membros do referido conselho das informações necessárias para a tomada de decisão naquilo que concerne ao desenvolvimento do Sistema OMPS. 5 ANÁLISE E Resultados A partir da adoção das novas faixas de avaliação de desempenho foram apurados os seguintes resultados, conforme demonstrado no quadro 3 (anexo). Destaca-se que por questões de segurança das informações as organizações não serão identificadas, porém suas informações poderão ser obtidas junto à DFM. A análise do quadro 3 (anexo) demonstra que 72% das OMPS melhoraram os resultados no indicador referente ao Resultado Líquido. Cabe ressaltar que a apresentação de resultados líquidos elevados deve ser evitada, visando a não descapitalizar as OM clientes desnecessariamente. Nesse contexto, o patamar desejável para esse indicador orbita bem próximo a zero. 49 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Quanto às Despesas Administrativas, também se apurou uma melhora de 60% nos resultados apurados pelas OMPS em relação à metodologia anterior. Da mesma forma, o indicador de Perdas apresentou melhora em 56% das organizações analisadas. Como forma de corroborar os resultados anteriormente apresentados, calculou-se os indicadores de Resultado Líquido a partir do somatório das médias dos resultados das OMPS no período de 2004 a 2006 e 2008 a 2010. Além disso, traçou-se uma linha de tendência para as médias dos indicadores apurados no período anterior ao ano de implantação do quadro de faixas de normalidade (2004 a 2006) e outra para as médias indicadores apurados nos exercícios seguintes (2008 a 2010), como pode ser observado nos gráficos 1 e 2 (anexos). No gráfico 1 (anexo), as médias dos resultados apurados pelo indicador de Resultado Líquido no período de 2004 a 2006, triênio anterior ao ano de implantação das faixas de normalidade, apresentam tendência negativa, ou seja, resultados cada vez mais negativos. Todavia, no período de 2008 a 2010, após a divulgação do novo critério de avaliação dos resultados, a linha de tendência é positiva, demonstrando que os resultados vem melhorando ao longo dos anos, aproximando-se de zero, como pode ser observado no gráfico 2 (anexo). A mesma metodologia foi empregada para a análise do indicador de Despesas Administrativas, conforme exposto nos gráficos 3 e 4 (anexos). Os gráficos 3 e 4 (anexos) apresentam uma tendência de queda das despesas administrativas em relação aos custos das OMPS. No intervalo de 2008 a 2010, a relação despesas administrativas – custos tende para uma estabilidade dentro dos limites desejáveis para esse indicador, ou seja, a faixa de relevância de 0% a 20%. No que concerne à análise do indicador de Perdas, exposto por meio dos gráficos 5 e 6 (anexos), a tendência da média da relação Perdas – Custos do período compreendido entre 2008 e 2010, quando comparado ao intervalo de análise anterior, demonstra um suave incremento. Tal resultado pode ser atribuído à mudança no comportamento das OMPS, ao registrarem fidedignamente suas perdas, mantendo-se, contudo, dentro das faixas de relevância desejadas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou verificar se a iniciativa de ampliação das faixas de desempenho, utilizadas para a avaliação institucional das OMPS da Marinha, vem ao encontro do papel assumido pelo Estado, no que concerne a eficiência da gestão pública, com fulcro na Carta Magna de 1988. Dessa forma, o objetivo final deste estudo foi verificar se a utilização das novas faixas de desempenho, no processo de análise gerencial das OMPS, propiciou a ocorrência de resultados superiores aos obtidos na metodologia de avaliação anterior, levando-se em consideração aspectos comportamentais e motivacionais envolvidos nesse processo. Para o alcance do objetivo pretendido neste estudo, buscou-se em primeiro lugar o embasamento teórico necessário à compreensão do tema em lide, através da revisão de literatura, exposta na seção 2, que contribui para a definição de um plano de referência utilizado como elemento balizador do desenvolvimento da pesquisa. Além disso, foi realizada uma análise detalhada das principais características do sistema de avaliação de desempenho das OMPS, sob o aspecto econômico-financeiro, com ênfase nos aspectos comportamentias/motivacionais envolvidos nesse processo. Diante das características e propósitos deste trabalho optou-se pela adoção do estudo de caso como estratégia de pesquisa. A estrutura analítica consistiu na descrição do caso estudado, tomando-se por base as informações contidas nos documentos disponíveis, seguida de uma análise qualitativa, onde se procurou relacionar os resultados obtidos no trabalho de campo ao plano de referência desenvolvido. Dos resultados obtidos após a implantação da iniciativa objeto deste estudo, foi possível depreender que tal medida contribuiu para uma melhora da qualidade do gasto das OMPS, comparando-se os resultados dos indicadores obtidos por tais organizações em termos econômicos, conforme exposto no Quadro 3. Por consequência, tal iniciativa parece estar alinhada ao papel assumido pelo Estado, no que tange a eficiência. De fato, tendo-se como divisor de águas o ano de 2007, quando ocorreu a implantação da iniciativa, observou-se que houve uma melhora, no patamar de 72%, no indicador de Resultado Líquido apurado pelas OMPS, considerando-se a média entre os exercícios de 2008 a 2010 comparativamente à dos exercícios de 2004 a 2006. Da mesma forma, verificou-se que o indicador de Despesas Administrativas, apurado por essas organizações, foi melhor em 60% delas. Por derradeiro, a maioria das OMPS, precisamente 56% do total, evidenciaram resultados melhores no indicador de Perdas. Nesse último indicador, foi possível constatar uma mudança no 50 Novos Rumos para a Gestão Pública comportamento das OMPS frente ao registro de suas perdas, na medida em que tais registros melhor espelham a realidade, contribuindo, dessa maneira, para o incremento no nível de transparência. Diante do exposto, pode-se inferir que os resultados apurados apontam para o fato de que os sistemas de avaliação de desempenho, para atingir níveis mais elevados de comprometimento dos indivíduos, mais do que serem bem estruturados com regras e indicadores claros, devem oferecer algo aos seus participantes. Tais observações vão ao encontro do que foi levantado no referencial teórico, no qual autores defendem a percepção de justiça como elemento chave para a efetividade de tal prática. Assim, ao buscar levar em consideração os anseios dos gestores das OMPS no que concerne à sua avaliação, com base nos indicadores econômico-financeiros, a Marinha contribui para a ocorrência de comportamentos mais adequados às estratégias traçadas pela Alta Administração Naval para aquelas organizações. Buscou-se propiciar, por fim, a ocorrência de um sentimento maior de justiça organizacional no que se refere aos parâmetros utilizados para avaliar o desempenho das organizações objeto de estudo, contribuindo-se para uma melhoria da qualidade dos gastos efetuados pela Marinha no período analisado. REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. G. de; BORBA, J. A.; e FLORES, L. C. da S. A utilização das informações de custos na gestão da saúde pública: um estudo preliminar em secretarias municipais de saúde do estado de Santa Catarina. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 3, p. 579-607, mai./jun. 2009. ALONSO, M. Custos no Serviço Público. Revista do Serviço Público – Ano 50, Nº. 1. 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Do mesmo modo como não se pode falar em Estado sem uma máquina administrativa que dê concretude às decisões governamentais, não se pode discutir os modelos de administração pública de forma separada da evolução política que perpassa a história do Estado moderno. A evolução do Estado, em conjunto com as crescentes demandas da sociedade por direitos fundamentais, geram conseqüências para o aparelho governamental. Essa evolução e essa inter-relação é demonstrada ao longo do capítulo 2. Em seguida, no Capítulo 3, é explicado como esse processo ocorreu no Brasil, que, em um século, transitou de um modelo de administração burocrático para o modelo gerencialista, embora de forma ainda incompleta. No Capítulo 4, é feita uma análise das reformas administrativas realizadas recentemente em Minas Gerais. São estudadas as duas fases do Choque de Gestão implantado no Estado, fazendo-se referência, em cada uma das fases, às mudanças ocorridas nos níveis estratégico, institucional e individual da administração. É dado especial enfoque ao contrato de gestão e à remuneração por resultados, os dois pilares das reformas implantadas na gestão pública mineira. 2. Evolução do Estado e da Administração Pública 2.1. O Estado Absolutista e o Patrimonialismo O Estado moderno surgiu no início do século XVI, ao final da Idade Média, sob as ruínas do feudalismo. Nasceu absolutista, unificado e soberano, ou seja, dotado de supremacia na ordem interna - notadamente sobre os senhores feudais – e de independência na ordem externa, em 1 especial sobre a Igreja Católica . Como organização estatal, vivia-se o tempo da administração pública patrimonialista, não existindo diferença entre a esfera privada e a esfera oficial: confundia-se o imperium (poder político) com o dominium (direitos decorrentes da propriedade), o patrimônio do imperador com o patrimônio público (BARROSO, 2009, p. 64). No patrimonialismo, não havia divisão de trabalho. O governante conferia poderes aos seus funcionários com base na confiança pessoal e os cargos públicos eram considerados propriedade dos servidores. Conseqüentemente, a corrupção e o nepotismo eram inerentes a esse tipo de administração (MARE, 1995, p. 15) O Estado permaneceu absolutista até o final do século XVIII, época das grandes revoluções liberais. Com a Revolução Americana, em 1787, e com a Revolução Francesa, em 1789, nascia uma nova ideologia, fundada na Constituição, na separação dos poderes e na proteção aos direitos fundamentais. Pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de liberdade individual refratária às expansões do Poder, o que traduziu-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir na vida pessoal de cada indivíduo. Os direitos que dizem respeito às liberdades individuais, como a inviolabilidade ao domicílio e a liberdade de culto, passam a ser positivados, levando a doutrina constitucionalista a denominá-los de direitos fundamentais de 2 primeira geração (GILMAR, 2009, p. 267). A luta pela liberdade, a ampliação da participação política e a consagração da livre iniciativa, dentre outros fatores, fizeram do modelo liberal o cenário adequado para o renascimento do espaço público, configurando-se a dualidade Estado/sociedade civil (BARROSO, 2009, p. 64). No plano econômico, o desenvolvimento do capitalismo também exigia uma clara separação entre Estado e mercado. A sociedade civil e o mercado passam a se distinguir do Estado. O modelo de administração patrimonialista, que confundia a res publica com a res principis, tornou-se obsoleto, o que criou as condições para o aparecimento de um novo modelo. Surge, então, na segunda metade do século XIX, a administração pública burocrática, como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista (MARE, 1995, p. 15). 2.2. O Estado Social e a Burocracia Na transição para o século XX, as péssimas condições de trabalho e as crescentes desigualdades econômicas decorrentes da Revolução Industrial européia, geraram novas reivindicações por parte da sociedade. 52 Novos Rumos para a Gestão Pública Do Estado já não se esperava apenas que se abstivesse de interferir na esfera individual e privada das pessoas. Ao contrário, o Estado, ao menos idealmente, tornara-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população. Era necessário garantir direitos sociais, culturais e econômicos, como a liberdade sindical e o direito de greve, conhecidos como direitos humanos de segunda geração (BARROSO, 2009, p. 65; GILMAR, 2009, p. 267). O aparelho estatal precisava de uma nova configuração para atender essas pretensões, o que impulsionou de vez a transição da administração pública patrimonial para a administração pública burocrática. A burocracia, junção da palavra francesa bureau (escritório) com a palavra grega kratos (poder), foi preconizada por Max Weber, que defendia a idéia de uma administração racional-legal, cujos atos deveriam sempre levar em consideração os fins visados. A burocracia weberiana possui três características básicas: é formal, impessoal e profissional. Formal, pois a autoridade deriva de um sistema de normas escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de mando e subordinação, estabelecendo toda a cadeia hierárquica da organização e a divisão do trabalho de cada indivíduo. As normas possuem um caráter legal, devendo ser seguidas de maneira obrigatória. A burocracia também é impessoal suas ações devem ser feitas sine ira ac studio (sem ódio ou paixão). As rotinas e procedimentos são padronizados, proporcionando maior previsibilidade às atividades da Administração. É, finalmente, profissional, vez que os administradores devem ser escolhidos e promovidos com base na competência técnica e na meritocracia. Se, na dimensão administrativa, falava-se no “século da burocracia”, na ordem jurídica ganhava força o constitucionalismo social, consagrador de normas de proteção ao trabalhador, emblematicamente representado pela Constituição mexicana, de 1917, e pela Constituição alemã de Weimar, de 1919. No Estados Unidos, essa modificação do papel do Estado veio com o New Deal, implantado por Franklin Roosevelt. Contudo, a partir da década de 70, sobretudo a partir da crise do petróleo em 1973, uma grande crise econômica mundial pôs fim à era de prosperidade que se iniciara após a Segunda Guerra Mundial. A crise fiscal que se abateu sobre o Estado colocou em xeque o consenso social que sustentava o Estado de bem-estar (ABRUCCIO, 1997, p. 6). Paralelamente, com a globalização e o desenvolvimento científico e tecnológico, surgem os direitos de terceira geração: o direito à paz, à proteção ao meio-ambiente, à conservação do patrimônio histórico-cultural, que peculiarizam-se pela titularidade difusa, vez que não são concebidos para a proteção do homem isoladamente, mas da coletividade como um todo (GILMAR, 2009, p. 268). Esta crise afetou profundamente a organização das burocracias públicas. Os governos tinham menos recursos, mais déficits, e uma nova geração de direitos para atender. Era preciso ser mais eficiente. As disfunções do modelo burocrático tornaram-se evidentes: o controle transformara-se na própria razão de ser do funcionário; o apego aos regulamentos e o excesso de formalismo geravam inflexibilidade e resistência a mudanças. Em conseqüência, o Estado voltavase para si mesmo, sendo incapaz de atender a sua missão básica, que é servir à sociedade (MARE, 1995, p. 15). Para enfrentar esta situação, o aparato governamental precisava ser mais ágil e mais flexível, tanto em sua dinâmica interna quanto em sua capacidade de adaptação às mudanças externas. Foi nesse contexto de escassez de recursos públicos, enfraquecimento do poder estatal e esgotamento do modelo burocrático weberiano que nasceu o modelo gerencial, conhecido também como Nova Gestão Pública (ABRUCCIO, 1997, p. 11). 2.3. O Estado Democrático e a Administração Gerencialista A diferença fundamental entre a administração pública gerencial e a administração pública burocrática está na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentra-se nos resultados. Na Nova Gestão Pública, a estratégia volta-se para (1) a definição precisa de objetivos que o administrador deverá atingir em sua unidade, (2) a garantia de autonomia do administrador para gerir os recursos humanos, materiais e financeiros, e (3) o controle ou cobrança a posteriori do resultado (MARE, 1995, p. 16). De acordo com Abruccio (1995, p. 16), os padrões gerenciais de administração pública foram introduzidos inicialmente, e com mais vigor, em alguns países do mundo anglo-saxão (GrãBretanha, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia), e depois, gradualmente, na Europa continental e Canadá. O autor estudou o processo de desenvolvimento da New Public Management na Inglaterra, país pioneiro na implantação do novo modelo, dividindo a evolução do gerencialismo inglês em três fases: o gerencialismo puro, o consumerism e o public service orientation. 53 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O gerencialismo puro foi implantado na esteira da retomada liberal implantada no Reino Unido por Margareth Thatcher, no começo da década de 80. Seu foco inicial é o corte de custos e o aumento da eficiência, “fazer mais com menos”, o que significa olhar o cidadão como contribuinte, que não quer desperdício de recursos públicos. O consumerism, que pode ser traduzido como “satisfação do consumidor”, veio a preencher uma lacuna deixada pelo gerencialismo puro, introduzindo a perspectiva da efetividade na administração. A figura do contribuinte dá lugar ao conceito de cliente, que exige serviços públicos de qualidade. Nessa nova fase, o foco passa a ser a flexibilidade da gestão, a qualidade dos serviços e a prioridade às demandas do consumidor: é o “fazer melhor”. Já o public service orientation procura ir além do objetivo de prestar serviços efetivos e de qualidade, agregando a noção de equidade e de accountabilty, conceito sem tradução para línguas latinas, mas que abrange a obrigação de prestar contas, a responsabilização por atos e resultados e a responsividade – sensibilidade dos representantes à vontade dos representados. Desse modo, mais do que “fazer mais com menos” ou “fazer melhor”, o fundamental é fazer o que deve ser feito. O conceito de cidadão – que tem conotação coletiva – substitui a ideia de consumidor ou cliente, termo com referencial individual. A cidadania implica direitos e deveres e não só a liberdade de escolher equipamentos públicos. A evolução do Estado, da administração pública e dos direitos fundamentais, embora seja um processo que não pode ser visto de forma estanque, pode ser sintetizado no quadro a seguir: Séc. XVI - XIX Séc. XIX – XX Séc. XX - XXI Estado Absolutista-Liberal Social Democrático Direitos Fundamentais 1.ª Geração 2.ª Geração 3.ª Geração Modelo de Administração Patrimonial Burocrático Gerencial 3. Estado e Administração Pública no Brasil Em Portugal e, como conseqüência, também no Brasil, houve grande atraso na chegada do Estado liberal. O colonialismo português deixou um legado de relações políticas, econômicas e sociais de base patrimonialista, da qual o país, na verdade, jamais se libertou totalmente (BARROSO, 2009, p. 67). Apesar da Constituição de 1824 ter significado um primeiro esforço de institucionalização, o patrimonialismo persistiu durante longos anos, mesmo depois da proclamação da República em 1889. Foi apenas com a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder, nos anos 30, que a administração burocrática emergiu, iniciando um processo de racionalização que deu origem às primeiras carreiras burocráticas e à tentativa de adoção do concurso como forma de acesso ao serviço público. Uma das medidas mais emblemáticas desse período foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público-DASP, em 1936, que marca a vinculação entre a função orçamentária e o planejamento (MARE, 1995, p. 18). Note-se que, também no Brasil, a implantação do modelo de administração pública burocrático ocorre em conjunto com o atendimento de demandas sociais, como o direito à greve e ao salário mínimo. Interessante observar que ainda em 1967 foram tomadas medidas em direção a uma administração pública gerencial, com a instituição do Decreto-Lei 200, que transferiu atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. A administração central, não obstante, continuava burocrática, o que deu ensejo à criação da SEMOR – Secretaria da Modernização, em meados dos anos 70 (idem, p. 20). Próximo grande marco da administração pública nacional, a Constituição de 1988 foi bastante controversa. Para Barroso (2009, p. 67), significou o mais bem-sucedido empreendimento institucional da história brasileira, procurando resguardar o espaço público da apropriação privada ao exigir concurso para ingresso em cargo ou emprego público, licitação para celebração de contratos com a administração e prestação de contas dos que administram o dinheiro público. Para o Ministério da Administração e Reforma do Estado (1995, p. 21), no entanto, houve um retrocesso, vez que o Congresso Constituinte promoveu um engessamento estender para as 54 Novos Rumos para a Gestão Pública empresas estatais as mesmas regras burocráticas adotadas no núcleo estratégico do Estado e ao instituir a obrigatoriedade do regime jurídico único para os servidores civis. No Brasil, a administração pública gerencial tem como marco a reforma iniciada no ano de 1995. A estratégia da reforma foi expressa no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que pretendia, no curto prazo, facilitar o ajuste fiscal e, no médio prazo, tornar mais efetiva e moderna a administração pública, voltando-a para o atendimento ao cidadão (LEMOS, 2009, p. 45). O principal marco legal do processo foi a Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que previu a instituição dos contratos de gestão. A Constituição passou a prever que a autonomia dos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta poderia ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho, cabendo à lei dispor sobre o prazo de duração do contrato, a remuneração do pessoal e os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes. No entanto, a negociação dos primeiros contratos de gestão evidenciou a resistência dos Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda em criar acordos que permitissem a maior flexibilização da política de desembolsos e de contingenciamento orçamentário para aqueles que tinham contratos assinados. Não autorizaram, também, que essas instituições utilizassem os excedentes de receitas para custeio próprio, o que acabou desmotivando os esforços dos órgãos a firmarem os contratos de gestão (ANDRÉ, 1999 IN CORREA, 2007, p. 33). Bresser Pereira desenhou uma tabela que traça um panorama geral da evolução da Administração Pública no Brasil: 1821-1930 1930-1985 1985 - Sociedade Mercantil-Senhorial Capitalista-Industrial Pós-Industrial Estado (política) Oligárquico Autoritário Democrático (1985) Estado (Administração) Patrimonial Burocrático Gerencial (1995) 4. Gestão para Resultados em Minas Gerais No início dos anos 2000, o Estado de Minas Gerais passava por uma série crise fiscal e financeira. O déficit anual das contas públicas era elevado e a dívida estadual era muito superior à média dos demais estados. Não havia recursos para o aprimoramento da máquina pública nem para investimentos econômicos. Pouco tempo antes, o governo mineiro chegou a declarar moratória, suspendendo temporariamente o pagamento de suas dívidas. O equilíbrio das contas públicas era pré-requisito para a retomada do crescimento econômico e da prosperidade social. Foi nesse cenário que surgiu a idéia de um choque, ou seja, um conjunto de medidas de rápido impacto para modificar o padrão de comportamento da administração estadual, de forma a garantir uma gestão mais eficiente, efetiva e eficaz. 4.1. 1ª Fase: O Choque de Gestão O Choque de Gestão representa uma combinação de (a) medidas orientadas para o ajuste estrutural das contas públicas com (b) iniciativas voltadas para a geração de um novo padrão de desenvolvimento tendo a inovação na gestão como elemento de sustentabilidade. O ajuste fiscal iniciou-se com uma reforma administrativa que reduziu o número de Secretarias de Estado de 21 para 15. Foram instituídos a função de gerente executivo de projetos e o comitê de governança eletrônica. Também foram criadas as câmaras temáticas e o Colegiado de Gestão Governamental, órgão de assessoramento direto ao Governador. Esse conjunto de medidas propiciou a rápida redução do déficit anual, que chegou a zero no final do segundo ano de governo. As inovações na gestão pública abrangeram 3 diferentes dimensões: a retomada do planejamento estratégico; um novo arranjo institucional orientado a resultados, que tem como base a avaliação de desempenho institucional; e um novo padrão de gestão de pessoas, que enfatiza a avaliação de desempenho individual. 55 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 4.1.1. Nível Estratégico: o PMDI 2004-2007 Como forma de retomar o planejamento estratégico, foi lançado o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado 2004-2007, dando origem a uma carteira de 30 projetos estruturadores. Esses projetos passaram a ser objeto de um acompanhamento intensivo, conhecido por Gestão Estratégica dos Recursos e Ações do Estado (Geraes). 4.1.2. Nível Institucional : o Acordo de Resultados Para garantir um alinhamento entre as metas estratégicas e as ações desenvolvidas pelas 3 unidades administrativas, foi adotado o Acordo de Resultados , sistema de contratualização de resultados celebrado entre dirigentes de órgãos e entidades do Poder Executivo e as autoridades 4 que sobre eles tenham poder hierárquico ou de supervisão . No Acordo de Resultados, são fixadas metas de desempenho específicas para órgãos e entidades, compatibilizando a atividade desenvolvida com as políticas públicas e os programas 5 governamentais. Dentre outras previsões, as cláusulas do contrato devem estabelecer : I - metas, indicadores de desempenho qualitativos e quantitativos, prazos de consecução, otimização de custos e eficácia na obtenção dos resultados; II - estimativa dos recursos orçamentários e cronograma de desembolso dos recursos financeiros necessários à execução das ações pactuadas, durante a vigência do Acordo de Resultados; III - sistemática de acompanhamento, controle e avaliação, com critérios, parâmetros e indicadores a serem considerados na avaliação do Acordo; Para que órgãos e entidades pudessem cumprir os objetivos acordados, foi previsto um certo grau de autonomia administrativa. Nesse sentido, o instrumento prevê uma ampliação da 6 autonomia gerencial, orçamentária e financeira, que pode ser traduzida nas seguintes ações : I – abertura de créditos suplementares até o limite de 10% (dez por cento) da despesa fixada em decreto e no Acordo de Resultados, dentro de cada grupo de despesa, mediante a anulação de créditos até o referido limite, exceto as dotações referentes a pessoal e encargos sociais; II - alteração dos quantitativos e da distribuição dos cargos de provimento em comissão, observados os valores de retribuição correspondentes, desde que não sejam alteradas as unidades orgânicas estabelecidas em lei e não haja aumento de despesa; III – edição de regulamentos próprios de avaliação de desempenho dos seus servidores, observadas as diretrizes da Secretaria de Planejamento; IV - possibilidade de aplicar os limites de dispensa de licitação estabelecidos no parágrafo único do artigo 24 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. 4.1.3. Nível Individual: Prêmio por Produtividade Uma vez que o planejamento estratégico já estava definido e que as unidades administrativas já estavam alinhadas com as metas institucionais, restava criar incentivos para que o desempenho individual fosse compatível com o novo modelo. 7 Dessa maneira, foi criado o Prêmio por Produtividade , uma recompensa financeira que poderia ser concedida aos servidores dos órgãos e entidades do Poder Executivo de Minas Gerais que firmassem o Acordo de Resultados. A unidade que firmar o Acordo de Resultados e alcançar resultados satisfatórios poderá pleitear o pagamento do Prêmio de Produtividade a seus servidores. Segundo Telles (TELLES, p. 13), nessa primeira fase do Choque de Gestão, o prêmio poderia ter duas fontes: a) economia com despesas correntes: nessa modalidade, até 1/3 do montante economizado por cada órgão ao longo do ano poderia ser utilizado para o pagamento do Prêmio. b) ampliação real de receitas: nesse caso, a fonte para pagamento do Prêmio era a diferença entre a arrecadação obtida em um ano em relação ao exercício anterior. Outro aspecto a ser destacado como característica desse primeiro marco legal é a vinculação com a avaliação de desempenho individual (ADI). Dessa forma, o cálculo individual para o pagamento da premiação era feito da seguinte maneira (TELLES, p.14): 56 Novos Rumos para a Gestão Pública Inicialmente, a lógica do pagamento parecia perfeita. Por uma lado, estimularia os servidores a economizarem recursos e aumentarem as receitas governamentais, vez que o prêmio era atrelado a essas duas variáveis. De outro, o pagamento resultaria em um impacto fiscal positivo para as contas públicas, vez que o valor dispendido com a premiação era apenas uma parcela do que seria economizado ou do que entraria a mais nos cofres públicos. Além disso, essa parcela da remuneração seria ponderada pela Avaliação de Desempenho Individual, o que daria uma maior importância a esse instrumento e, por conseqüência, também estimularia um melhor desempenho dos servidores. No entanto, os problemas dessa primeira lógica de premiação não tardaram a aparecer. As duas fontes de recursos utilizadas para premiação geravam distorções que comprometiam o sistema de incentivos. A economia de despesas mostrou-se uma fonte pouco abrangente. Apenas 5 órgãos conseguiram se enquadrar nos critérios de economia previstos e pagar premiação segundo esta modalidade. Entre 2002 e 2007, apenas 15 dos 202 milhões de reais tiveram origem no prêmio por economia de despesas. Em alguns desses órgãos, o valor recebido era tão reduzido (menos de 10% de um salário mensal), que o incentivo proporcionado era praticamente inexistente. Além disso, a fórmula matemática utilizada para aferir a economia incentivava um comportamento indesejado: inflacionar a proposta orçamentária e executar apenas uma parte dela. Finalmente, aqueles órgãos que ampliassem o número de beneficiários de suas políticas públicas não recebiam a bonificação pois, mesmo alcançado economias de escala, estavam aumentando suas despesas correntes. A ampliação real de receitas também tinha abrangência bastante reduzida. Poucos órgãos arrecadavam e poderiam optar pela modalidade. A maioria absoluta do valor pago, quase 180 dos 202 milhões de reais, foram pagos a servidores da Secretaria da Fazenda. Outro grupo de problemas dessa primeira fase da legislação tinha haver com a baixa relação percebida pelos servidores entre seu desempenho no dia a dia e a sua premiação. Em primeiro lugar, quando se obtinha, na avaliação, a nota de 70% de cumprimento do contrato, havia o pagamento da premiação, ou seja, não importava se o resultado tinha sido 75% ou 98%, por exemplo, o prêmio era distribuído da mesma maneira. Em segundo lugar, como as metas eram globais e não havia distinção entre os departamentos, todos da organização recebiam o mesmo valor, independentemente de quanto cada setor tivesse contribuído para o alcance da meta. Um terceiro ponto era que as metas pactuadas nem sempre diziam respeito a resultados próximos do dia a dia do servidor. Indicadores como a taxa de mortalidade infantil ou a taxa de homicídios representam resultados concretos para a sociedade, mas dizem pouco do ponto de vista de metas de produtividade para o servidor. Por fim, ainda nesse primeiro período, o valor da premiação tinha vinculação direta com a nota da avaliação de desempenho individual. Esse vínculo não é saudável, na medida em que a possibilidade de pagamento do Prêmio por Produtividade de forma diretamente proporcional ao resultado da avaliação individual, distorce este último instrumento, prejudicando que ele seja utilizado para os seus fins mais relevantes, principalmente o desenvolvimento do servidor. 57 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Por todos esses motivos, percebeu-se, no decorrer da experiência, a necessidade de se reformular a lógica da premiação por produtividade. 4.2. 2ª Fase: O Estado para Resultado A partir da experiência com o programa Choque de Gestão entre 2003 e 2007, e diante do diagnóstico de que existiam oportunidades de melhoria nos níveis estratégico, institucional e individual, o programa foi revisado. Os marcos legais dessa segunda fase foram o lançamento do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado e da Lei nº 17.600, de 1º de julho de 2008. 4.2.1. Nível Estratégico: PMDI 2007-2023 Uma das primeiras iniciativas dessa segunda fase foi o lançamento de um plano de longo prazo, que estabeleceu uma visão para o Estado e definiu os eixos de atuação governamental, as áreas de resultado do governo e os destinatários das políticas públicas. Dessa maneira, foi lançado o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado 2007-2023, cujo mapa estratégico é sintetizado na figura abaixo: MINAS: O MELHOR ESTADO PARA SE VIVER P LANO MINE IRO DE DE S E NVOLVIME NTO INTE GRADO – 2007/2023 P erspectiva Integrada do Capital Humano Investimento e Negócios Integração Territorial Competitiva Rede de Cidades E qüidade e Bem-estar S ustentabilidade Ambiental E S TADO P ARA RE S ULTADOS Educ a ç ã o de Qu a lid a d e In v e s tim e n to e Va lo r Ag re g a d o d a P ro d u ç ã o Vid a S a u d á v e l In o v a ç ã o , Te c n o lo g ia e Qu a lid a d e P ro ta g o n is mo J u v e n il Lo g ís tic a d e In te g ra ç ã o e De s e n v o lv ime n to Re de de Cid a d e s e S e rv iç o s Re duç ã o da P o b re za e In c lu s ã o P ro d u tiv a De s e n v o lv ime n to d o No rte d e Min a s , J e q u itin h o n h a , Mu c u ri e R io Do c e Qu a lid a d e Am b ie n ta l De f e s a S o c ia l QUALIDADE E INOVAÇÃO EM GES TÃO PÚBLICA QUALIDADE FIS CAL ÁRE AS DE RE S ULTADOS DE S TINATÁRIOS DAS P OLÍTICAS P ÚBLICAS P E S S OAS INS TRUÍDAS , S AUDÁVE IS E QUALIFICADAS J OVE NS P R OTAGONIS TAS E MP RE S AS DINÂMICAS E INOVADORAS E QÜIDADE E NTRE P E S S OAS E RE GIÕE S CIDADE S S E GURAS E BE M CUIDADAS Inicialmente, cabe destacar que a visão do PMDI 2007-2023, expressa no conceito “Minas: o Melhor Estado para se Viver”, norteou a definição das 13 áreas de resultado do plano. Cada área de resultados compreende um conjunto de objetivos estratégicos que visam a produzir resultados finalísticos para o horizonte 2011-2023. Para alcançar esses objetivos, foi definido um 8 9 grupo de Projetos Estruturadores e Associados , que serão alvo de uma metodologia de gerenciamento intensivo (LEMOS, 2009, p. 53). Para cada uma dessas áreas foram definidos indicadores de desempenho que foram pactuados com as Secretarias e órgãos do Governo do Estado. Em 2009, foi criado o Caderno de Indicadores, expressando a busca pela sistematização e padronização dos indicadores do modelo de gestão por resultados de Minas Gerais (SEPLAG, 2010). O PMDI é seguido dos instrumentos orçamentários exigidos pela Constituição Federal, quais sejam: o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). 58 Novos Rumos para a Gestão Pública 4.2.2. Nível Institucional : Novo Modelo do Acordo de Resultados Dentre as várias medidas previstas no Programa Estado para Resultados, uma das principais foi a reformulação do modelo de Acordo de Resultados. Havia uma preocupação em alinhar melhor o nível estratégico com o nível institucional do governo, ou seja, a nova modelagem deveria prever mecanismos que integrassem de maneira mais efetiva as áreas de resultado 10 definidas no PMDI com as ações dos órgãos governamentais . O novo modelo contempla duas etapas. O Acordo de Resultados de 1ª etapa é uma pactuação do Governador com o dirigente máximo de cada órgão ou entidade. Nesse momento, são pactuados resultados finalísticos como, por exemplo, a redução da taxa de homicídios. Seu objetivo é alinhar as organizações à estratégia de governo definida no PMDI. Além dos resultados finalísticos, também são pactuados o cumprimento do planejado nos projetos estruturadores, as metas de racionalização do gasto e, ainda, o cumprimento da agenda setorial. Na 2ª etapa do Acordo de Resultados ocorre uma pactuação interna: entre o dirigente máximo da Secretaria ou Entidade vinculada e suas respectivas equipes de trabalho. São definidos indicadores de produto (outputs), como o número de armas de fogo apreendidas ou a proficiência média em um teste padronizado. A implantação desse modelo proporcionou que cada escola, cada hospital do Estado tivesse metas específicas pactuadas, e também uma nota avaliando o seu desempenho particular. Dessa maneira, tornou-se possível visualizar qual é o grau de compromisso e responsabilidade de cada equipe, em cada órgão, no atingimento das metas globais. A 1ª e a 2ª etapa, combinadas, disseminam o conceito de gestão para resultados nos diversos níveis do governo e permitem um alinhamento das pessoas à estratégia organizacional e desta à estratégia governamental (PMDI). Esse alinhamento pode ser visualizado no quadro a seguir: Estratégia Governamental: PMDI - PPAG VISAO: Tornar MG o melhor estado para se viver REULTADOS PARA A SOCIEDADE ÁREAS DE RESULTADO PROJETOS ESTRUTURADORES CADERNOS: Metas e estratégia de implementação (por Secretaria) Estrutura Governamental e Modelo de gestão: GOV/VICE AR – 1ª Etapa Secretaria Secretaria Secretaria Secretaria Secretaria Equipes das unidades vinculada e subordinadas Equipes das unidades vinculada e subordinadas Equipes das unidades vinculada e subordinadas AR – 2ª Etapa Equipes das unidades vinculada e subordinadas Gestão de Pessoas: ADI e Prêmio PRÊMIO ADI Equipes das unidades vinculada e subordinadas PRÊMIO ADI PRÊMIO ADI PRÊMIO ADI PRÊMIO ADI 4.2.3. Nível Individual: nova lógica da remuneração variável O novo modelo do Acordo de Resultado já resolveu, por si só, uma parte dos problemas da remuneração. Com as duas fases, passou a ficar mais claro para os servidores qual a contribuição de sua equipe para a meta global. Outro ponto resolvido foi a proporcionalidade do pagamento. A partir de agora, haveria uma relação entre as metas atingidas por equipe e o valor do prêmio de produtividade o que, além de aproximar a ação do servidor do resultado pecuniário, aumentando o 59 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 estímulo para mudança de comportamento, também provoca uma competição saudável entre as diferentes unidades administrativas de um mesmo órgão. O espírito de grupo foi incentivado com a criação de um pré-requisito para o pagamento: para que os valores pudessem ser pagos de acordo com o alcance das metas de 2ª fase era preciso que, primeiramente, fossem atingidas as metas da 1ª fase, sem o que nenhum dos departamentos receberia o prêmio. A nova lógica parece estar atrelada ao resultado de maneira bastante consistente: apenas se os resultados finalísticos forem alcançados e a população for beneficiada é que se pode realizar o pagamento do prêmio. No entanto, restava resolver outro grande problema ligado à remuneração variável, qual seja a fonte de recursos utilizada. Foi, então, tomada uma decisão bastante audaciosa: abandonou-se a sistemática anterior, baseada em economia de despesas e aumento de receitas, e passou-se a financiar o prêmio com recursos do tesouro estadual. Inicialmente, foi estipulado o percentual de 11 1% da receita corrente líquida para esse desiderato, mas algum tempo depois esse limitador foi abolido, de modo a que pudesse ser pago um valor com potencial para gerar incentivo para os servidores. Outros dois pontos dessa nova lógica de premiação devem ser destacados. O primeiro diz respeito à avaliação de desempenho institucional (ADI), que deixou de ter relação com o valor recebido, embora continue sendo utilizada para outros fins, como promoção e progressão na carreira. O segundo se refere à participação do servidor no resultado alcançado – o prêmio passou a ser proporcional ao percentual de dias de efetivo exercício no ano de referência (TELLES, p. 19). Dessa forma, o novo cálculo individual da premiação passou a seguir a seguinte lógica: VALOR A SER DISTRIBUÍDO A CADA SERVIDOR Desempenho obtido nas metas por equipe (2ª Etapa) Valor da Remuneração do Servidor % de dias efetivamente trabalhados Valor da premiação do Servidor 5. Conclusão A evolução dos modelos de administração pública no mundo e no Brasil demonstram que estamos vivendo um processo de transição do modelo de administração pública burocrático para o modelo de administração gerencialista, que tem nos resultados, e não no processo, sua principal forma de controle. Embora, no Brasil, essa transição tenha se iniciado no plano federal, com as reformas empreendidas a partir de 1995, o Estado de Minas Gerais parece estar na liderança deste movimento hoje em dia. Ao elaborar um plano estratégico de longo prazo, definir metas de desempenho em diversos níveis do aparelho estatal e atrelar uma parcela da remuneração aos resultados de cada equipe, o governo mineiro indica que pode ter quebrado o paradigma burocrático dentro da administração e instalado uma nova cultura, focada nos resultados efetivamente gerados para a população. O modelo implantado em Minas Gerais, por seu caráter inovador e pelo seu foco no aumento da efetividade estatal, parece estar na vanguarda da gestão pública brasileira, podendo servir de referência tanto para reformas em outras unidades da federação quanto para reformas no âmbito do Governo Federal. 60 Novos Rumos para a Gestão Pública 6. Referências ABRUCIO, F. L. O impacto do modelo gerencial na administração pública – um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos Enap, n. 10: Brasília, 1997. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. BRESSER Pereira, Luiz Carlos. Avanços e Perspectivas da gestão Pública nos Estados. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008. SEPLAG - Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão. Caderno de Indicadores. Programa Estado para Resultados. Belo Horizonte, 2010. MARE - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, 1995. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. MINAS GERAIS. Lei nº 17.600, de 1º de julho de 2008. Disciplina o Acordo de Resultados e o Prêmio por Produtividade no âmbito do Poder Executivo e dá outras providências. Disponível em: <http://www.almg.gov.br>. Acesso em: 15 out. 2011. TELLES. C. O. et al. Inovações recentes na remuneração variável em Minas Gerais: características da remuneração por produtividade baseada no modelo de gestão por resultados. In: II CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA. Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração, 2009. 61 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 1 PROCURADORIA ITINERANTE: GESTÃO PROCESSUAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS 2 Carlos Antonio Araújo Monteiro 3 Rita de Cássia Matheus dos S.Santos 4 Tatiana Passos de Arruda 1 O Princípio da Eficiência na Constituição da República Com a Emenda Constitucional nº 19/95, a redação do art. 37, caput, da Constituição da República, passou a contemplar o princípio da eficiência na gestão da Administração Pública. Posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 45/04, o mesmo passou à categoria de garantia fundamental na tramitação dos processos administrativo e judicial, na 5 forma do art. 5º, inciso LXXVIII . O princípio da eficiência inserido no art.37, caput, tem caráter genérico para 6 toda a Administração Pública. De contexto até então no plano infraconstitucional ou restrito ao art.74, II da CR, passa a vincular-se ao artigo necessariamente condutor para toda a atividade da Administração Pública. Entre tantas compreensões desse princípio, o sentido mais prático da expressão vem de Odete Medauar: Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais 7 da Administração Pública brasileira, com raras exceções . Também importa afirmar que o princípio da eficiência convive com todos os demais princípios constitucionais, inclusive com a legalidade, a ampla defesa e o contraditório. Significa dizer que não se cumpre o princípio da eficiência em detrimento dos outros, sobretudo as regras de ação da Administração Pública e a legalidade, como bem pondera Raquel Melo Urbano de Carvalho: A doutrina administrativa alemã já proclamava que a efetividade deve estar necessariamente integrada à legalidade, donde se conclui ser imprescindível harmonizar eficácia, observância do ordenamento e serviços de qualidade prestados ao cidadão. Não se pode admitir que, para atingir a eficiência e a eficácia, considere-se lícito o uso de quaisquer meios, mesmo que ilegítimos, em face dos princípios informadores do ordenamento e regras vigentes. A necessidade de eficiência administrativa não pode servir de justificativa para a depreciação do princípio da legalidade, garantia essencial dos cidadãos8 administrados . 2 O princípio da eficiência no Estado de Sergipe No âmbito de Sergipe, a Constituição do Estado, em sua redação originária de promulgação de 05 de outubro de 1989, diferentemente da Constituição da República de 1988 e numa postura digna de registro histórico de ampliação de garantias constitucionais, contemplou os 9 princípios da transparência, razoabilidade e eficiência no caput do art. 25 . Veja-se: Art. 25. A administração pública, em todos os níveis e de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, estruturar-se-á e funcionará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, transparência, razoabilidade, publicidade, eficiência e ao seguinte: Assim, estabeleceu como garantia constitucional, desde 1989, a gestão da Administração Pública Estadual e Municipal dentro do princípio da eficiência administrativa. Notese que o constituinte estadual foi até mais prático que o constituinte nacional. Utilizou-se também do verbo obedecer, mas não ficou tão só no futuro do verbo, isto é, “obedecerá” como o fez o caput do artigo 37 da Constituição da República. Acrescentou o verbo “estruturar-se-á” e depois o complemento de ação com “funcionará”. Portanto, a Administração se estrutura e funciona em obediência aos sete princípios constitucionais traçados dentro de sua autonomia de autogoverno. Aliás, o próprio ineditismo no plano constitucional estadual, faz lembrar o estímulo proposto por Geraldo Ataliba, a fim de reforçar a ideia de federação no país: Tal como fixado o regime republicano, entre nós, a federação é uma forma necessária de sua realização: a autonomia dos Estados surge, já em 1891, como forma de expressão das exigências republicanas, entre nós. Como postulado pela mais lúcida doutrina, tudo o que puder ser 62 Novos Rumos para a Gestão Pública feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Aí 10 está a demonstração da íntima relação entre república e federação . Em termos de inovação, o cenário jurídico-institucional do Estado de Sergipe não se encerra no constitucionalismo estadual com os princípios da transparência, razoabilidade e eficiência. No plano infraconstitucional, tornou-se também o ente pioneiro em codificação 11 processual, como bem registrado pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello . Foi aprovado em 1996, o Código de Organização e de Procedimento da Administração Pública do Estado de Sergipe, através da Lei Complementar nº 33, de 26 de dezembro de 1996. 12 Destaca-se na exposição de motivos da comissão de trabalho do anteprojeto , o propósito claro de tornar a Administração Pública Estadual eficiente. Veja-se: Diga-se, ainda, que, ao instituir o regime jurídico da orgânica administrativa e dispor sobre a sua atividade histórica do Direito Administrativo, residente na necessidade de acautelar os indivíduos contra eventuais descomedimentos no exercício da função administrativa, mas também funcional, o Anteprojeto levou em conta não apenas a primeira inspiração a necessidade de adornar a Administração com prerrogativas suficientes ao bom desempenho dos múltiplos afazeres ao seu encargo, tratando-as como autênticos “deverespoderes”, de indeclinável desempenho pelos agentes públicos, seus fieis depositários. De início, para o alcance dos objetivos fundamentais previstos no art. 2º, da Lei 13 Complementar nº 33/96 , reza seu parágrafo único que a Administração Pública deve promover o(a): I - combate sistemático sonegação tributária e à improbidade administrativa; II - controle popular dos atos administrativos; III - valorização dos servidores públicos; IV – adoção de plano de carreira dos servidores públicos civis; V - precedência da administração fazendária e de seus servidores fiscais, dentro das respectivas áreas de competência e jurisdição administrativa, sobre os demais setores administrativos; VI - melhoria dos padrões de atendimento ao público, notadamente nas áreas de saúde e educação; VII - controle dos elementos causadores de degradação do meio ambiente. Para o objeto do presente estudo, destaca-se a valorização dos servidores públicos e a melhoria dos padrões de atendimento ao público. Isto é, para alcançar os objetivos fundamentais, aliás, numa simetria com os objetivos fundamentais previstos para a República, conforme art. 3º da Carta Magna, a Administração Pública deve valorizar os servidores públicos e buscar constantemente a qualidade no atendimento ao público, especialmente nas áreas da saúde e da educação. No primeiro aspecto, isto é, a valorização dos servidores públicos, percebe-se que há uma distinção quanto à questão remuneratória ou quanto ao regime jurídico, já que no inciso IV tratou da adoção de plano de carreira. O propósito de valorização é genérico. Por valorização, entende-se, por exemplo, a designação para ocupar cargos em comissão, preparação de cursos, planejamento estratégico e até a devida atenção ao requerimento administrativo. Diz Raquel Melo Urbano de Carvalho: Sem dúvida, o sucesso de qualquer Administração encontra-se vinculado à adesão de um corpo de servidores dedicados somente a interesses objetivos de natureza pública, devidamente preparados para enfrentar e se adaptar à complexidade do gerenciamento público. Para tanto, é essencial o investimento contínuo a médio e longo prazos, no sentido de revalorizar as profissões do setor público, de modo a modificar qualitativamente o perfil do funcionalismo, centrada sua atuação no usuário dos serviços. Sem uma boa estrutura de pessoal com capacidade financeira e administrativa, é inviável a implementação das políticas públicas, mantendo-se os problemas de governança, definida, segundo o Banco Mundial, como “a maneira pela qual o poder é exercido 63 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 na administração dos recursos econômicos e sociais tendo em vista o 14 desenvolvimento”. Por outro lado, a própria natureza constitucional do servidor público implica atribuir à Administração Pública mecanismos de atenção para garantir o princípio da eficiência administrativa. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, em obra que o público espera diariamente nova edição, afirma: Todavia, deve-se notar que o trabalhador público submete-se a uma contingência que o afasta dos demais trabalhadores: os fins de sua prestação voltam-se ao atendimento dos interesses públicos, e a sua condição é de parte da pessoa jurídica empregadora, pelo que a ética que o submete não é a particular, mas aquela ditada por essa condição, e a sua relação é fundamentada no conjunto de normas diretoras dos direitos, deveres e responsabilidades que formam o estatuto jurídico a 15 defini-la . A valorização do servidor não tem retorno necessariamente de ordem pessoal para o agente, mas uma estreita relação com o desempenho das atividades estatais ou do exercício da função administrativa. O desempenho meritório das atribuições do cargo, na relação com o público, é atribuição do Estado. Portanto, a exemplo do que acontece com a atividade econômica, a Administração Pública assume um papel fundamental de indutor, promotor e garantidor dos direitos fundamentais, cabendo-lhe a responsabilidade de valorização para bem atingir o princípio da eficiência administrativa. O princípio constitucional tem vida real quando o agente que representa a Administração Pública se encontra, necessariamente, na cadeia de valorização. Numa apropriada análise do papel da Administração democrática e de seu compromisso na efetivação de direitos fundamentais, assevera Gustavo Justino de Oliveira: Ora, uma vez engendradas as políticas públicas voltadas à promoção dos direitos fundamentais - sobretudo daqueles de caráter social -, é por intermédio do exercício da função administrativa que o Estado irá efetivar tal direito. Por isso, em última análise, sua efetivação ocorrerá por meio de uma ação administrativa. Os indivíduos e as organizações da sociedade civil têm o direito de pleitear frente à Administração Pública a efetivação dos direitos fundamentais. As correspondentes obrigações administrativas destinadas a conferir respostas a tais reivindicações encontram-se baseadas em competências e procedimentos fixados em lei; decorrem de posturas que devem ser assumidas em virtude de diretrizes e políticas públicas formuladas pelo Governo, tudo em atendimento aos valores fundamentais do Estado Brasileiro, previstos na Constituição de 16 1988 . 3 O direito fundamental à boa administração Ademais, acrescenta que, para o cumprimento da efetivação dos direitos fundamentais, torna-se fundamental a preparação da Administração Pública para cumpri-los em todas as suas dimensões. A busca pelo cumprimento do princípio da eficiência, tomando como parâmetro a valorização do servidor público, leva a própria prática do direito fundamental à boa administração pública. A expressão, isto é, direito fundamental à boa administração, vem sendo 17 utilizada com propriedade pelo jurista Juarez Freitas, como corolário do art. 41 da Carta de Nice , in verbis: Artigo 41.0 Direito a uma boa administração 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 2. Este direito compreende, nomeadamente: - o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, - o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, - a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. Nas precisas palavras de Juarez Freitas: 64 Novos Rumos para a Gestão Pública O direito fundamental à boa administração pública (entendido como direito à administração eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas) acarreta o dever de observar, nas 18 relações administrativas, a totalidade dos princípios constitucionais . 4 As etapas de instalação da Procuradoria Itinerante Os procedimentos e as competências para efetivar adequadamente os direitos fundamentais, inclusive na valorização dos servidores públicos, foram inaugurados em Sergipe, a partir de 2007 no processo administrativo destinado ao servidor público ocupante de cargos efetivos, comissionados e funções temporárias. As medidas visam o cumprimento do princípio da eficiência, como gênero, e o próprio princípio processual da tramitação célere. Não só. Também colaboram na redução de demandas judiciais, através da prevenção ou precaução de litígios. Antes de instalar a Procuradoria Itinerante (PI) em 2010, que em nenhum momento é um órgão ou especializada da Procuradoria Geral do Estado, em 2007 iniciou-se uma campanha com todos os setores de pessoal dos órgãos do Poder Executivo, no sentido da instrução adequada dos processos administrativos. Chamou-se o projeto de “menos diligência, mais celeridade”. A redução de diligências solicitadas pelos Procuradores de Estado nos processos administrativos envolvendo servidores públicos fora notável, permitindo a parametrização da instrução processual no sistema integrado de processo (SIP). A partir de 2008, entrou-se na segunda fase, isto é, os processos repetitivos, inclusive sem qualquer divergência na Procuradoria Especial da Via-Administrativa (PEVA), tiveram os entendimentos uniformizados e submetidos à avaliaçãp do Procurador-Geral do Estado, a fim de ser apreciados e aprovados. A anuência do Procurador-Geral permitiu o efeito de normatização do entendimento, vinculando os setores pessoais e os Procuradores do Estado à instrução e ao entendimento. Essa fase é conhecida como “pareceres coletivos com efeito 19 normativo” . A participação da Procuradoria Geral do Estado no controle do ato administrativo, sobretudo em controvérsias sobre direitos oriundos da relação estatutária decorre da Constituição do Estado, conforme art. 25, § 6º, além de legislações infraconstitucionais, a exemplo da Lei Complementar nº 27/96. Agregado a isso, os referidos entendimentos tendem a se vincular cada vez mais, em harmonia, com os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, quando vincula a Administração ao cumprimento do parecer, quando há obrigação de consultar. Com a consolidação da instrução processual e a pacificação meritória, ingressou-se na terceira fase em 2010. A Procuradoria Itinerante representa a gestão processual, a fim de valorizar o servidor público, garantir a eficiência administrativa na celeridade processual e prevenir lides judiciais em temas que são analisados pacificamente na seara administrativa. Ainda no âmbito da Lei complementar nº 33, de 26 de dezembro de 1996, consta a garantia da eficiência do processo administrativo. Observe-se o art. 114, inciso VI: Art. 114. Além dos princípios gerais elencados na Seção anterior, e de outros estabelecidos em lei, o procedimento administrativo obedecerá: VI – da celeridade, significando que a Administração zelará pelo rápido e eficaz curso do procedimento, quer recusando e evitando o que for impertinente ou dilatório, quer ordenando e promovendo o necessário ao seu seguimento, visando a oportuna decisão. Por fim, no próprio art. 140 do Código de Organização e de Procedimento consta o prazo de duração razoável do processo administrativo, qual seja: 120 dias. Conforme assevera Odete Medauar, o princípio da duração razoável do processo mantém vínculo estreito 20 com o da eficiência, quando visa que a decisão seja tomada no menor tempo possível . 5 A execução do princípio da eficiência processual Repita-se, após a elaboração dos pareceres normativos acerca dos temas mais recorrentes na Procuradoria Especializada da Via Administrativa que envolvia os servidores públicos e que representavam o maior volume de processos para análise, buscou-se um método para aplicação daquela espécie de parecer na solução do caso concreto da forma mais eficiente possível. Então, com o estudo aprofundado envolvendo todas as nuances que cercavam determinados assuntos, e com a análise conjunta de todos os feitos administrativos onde se 65 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 discutia a mesma matéria, era possível uma conclusão mais célere. Todavia, o maior motivo para a morosidade da análise final ainda precisava ser solucionado - a deficiência na instrução processual. Ocorria que o servidor público ao elaborar o seu requerimento não sabia ao certo quais documentos seriam necessários para a análise do seu pedido. Nem mesmo os setores de protocolo e de pessoal das diversas Secretarias de Estado, que deveriam prestar as informações corretas, sabiam quais documentos deveriam estar encartados aos autos para subsidiar a análise pelo Procurador do Estado. Por conta disso, a grande maioria dos feitos administrativos era convertido em diligência e retornava ao órgão de origem do servidor para a juntada dos documentos solicitados, normalmente tratavam-se de documentos imprescindíveis ao processo, a exemplo de uma certidão de tempo de serviço do servidor requerente. Percebeu-se, que esta carência instrutória impedia e impede a celeridade do processo administrativo. Veja o que ocorria: o processo saia do órgão de origem do servidor e era enviado à Procuradoria Geral do Estado/Procuradoria Especializada da Via Administrativa (PEVA). Após, era distribuído ao Procurador do Estado, que ao analisar verificava a ausência de documentos necessários ao deslinde da questão. Este, por sua vez, convertia o feito em diligência e o enviava de volta ao órgão de origem, que, se de posse do documento, faria a juntada, se não, notificava o servidor para que providenciasse o que tinha sido solicitado - o cumprimento deste expediente, às vezes, durava alguns meses. Após a devida instrução, o processo retornava à PGE/PEVA para nova análise, quando o cumprimento da diligência era insuficiente, mais uma vez, o processo era enviado ao órgão de origem. Como se vê, a demora no desfecho do processo administrativo estava diretamente relacionada à ausência da devida instrução processual. Com o fito de solucionar o problema duas saídas foram encontradas. A primeira delas dependia da própria Procuradoria Geral do Estado e se limitava à juntada de documentos constantes nos bancos de dados do Estado, a exemplo da certidão de tempo de serviço e histórico financeiro do servidor público; a segunda dependia dos setores de protocolo e de pessoal de cada Secretaria de Estado. Então, como a situação apresentava grandes preocupações, entendeu-se que as duas soluções encontradas poderiam conviver perfeitamente, desde que fosse montada uma logística eficiente. Para operacionalizar a segunda solução, que trabalha com o nascedouro do processo administrativo – setores de pessoal e de protocolo – foi elaborado um manual de instrução com todos os temas objeto de pareceres normativos, onde se informa a fundamentação jurídica de cada tema e os documentos necessários que devem ser juntados pelo requerente e pelo órgão de origem. Após a elaboração do referido manual, foram realizadas Oficinas Temáticas nas Secretarias de Estado, com a participação dos servidores lotados nos setores de pessoal e de protocolo, Secretários e Procuradores de Estado, com vistas a divulgar a necessidade da devida instrução processual. Os processos protocolados a partir de então já deveriam estar com a documentação necessária, atuando os setores de protocolo, também, como orientador e fiscalizador da instrução processual. Já para operacionalizar a primeira solução, que dependia da iniciativa da própria PGE, foi idealizada uma nova estrutura, diferente daquela até então existente, e que consiste no deslocamento dos Procuradores de Estado até a Secretaria de Estado da Administração, atualmente denominada Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão. É nesse Órgão que estão localizados os bancos de dados de todos os servidores públicos do Estado, cujas informações são de grande valia para a análise do feito administrativo, sem prejuízo do deslocamento dos Procuradores para outras Secretarias de Estado, conforme a necessidade. Para tanto, foi montada uma equipe composta por servidores da Procuradoria Especial da Via Administrativa, sob a liderança de um Procurador do Estado, e supervisionada pelo Procurador-Chefe da Especializada, onde se começou a traçar os primeiros contornos deste novo projeto que tem como foco principal a tramitação célere do processo administrativo, fazendo cumprir os princípios constitucionais da razoável duração do processo e da eficiência. Os processos administrativos já devidamente instruídos na sua origem, através dos próprios requerentes e dos setores de pessoal e de protocolo, passaram a ter um tratamento diferenciado desde o seu nascedouro. 66 Novos Rumos para a Gestão Pública Todos deveriam estar prontos para este novo caminhar. Várias reuniões foram realizadas, muitas rotinas foram estabelecidas e a grande meta foi fixada – o pleito do servidor público deveria ser analisado dentro da maior eficiência possível, considerando tempo de tramitação e resposta jurídica adequada. Assim, nasceu o projeto PROCURADORIA ITINERANTE, a cargo da Procuradoria Geral do Estado de Sergipe, através da Procuradoria Especial da Via Administrativa, formalizado através do Decreto Estadual nº 26.789/2009, com alterações pelos Decretos nºs 26.885/2009 e 27.610/2010, cuja instalação ocorreu em 13 de abril de 2010, quando também foi realizada a primeira sessão administrativa de julgamento. Juntamente com este projeto inovador, foi formalizada a criação da comissão de trabalho técnico composta por um Procurador do Estado, servidores da PGE e da Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a finalidade de acompanhar os trabalhos do Cartório da Procuradoria Itinerante, organizar os processos e pareceres normativos e orientar os setores de pessoal e de protocolo no cumprimento dos procedimentos de instrução processual. Como se vê, todo o projeto foi desenvolvido para atender ao Princípio Constitucional da razoável duração do processo, assim como ao Princípio da Eficiência já tratado anteriormente, com o menor número possível de servidores e Procuradores do Estado envolvidos. Com a instrução correta, as diligências se tornaram desnecessárias, sendo utilizadas tão somente nas situações em que o Procurador do Estado, mesmo com a juntada padrão dos documentos imprescindíveis, ainda busca esclarecimentos ou informações dada a peculiaridade apresentada em cada caso concreto. Registre-se que, mesmo com a atenção dos setores de pessoal e de protocolo voltada para a devida instrução processual, a Comissão de Trabalho ainda reforça esta tarefa através da atividade de saneamento que consiste na verificação da juntada de todos os documentos necessários conforme o manual de instrução, identificando a localização de cada um no feito administrativo. Este trabalho é feito tão logo o processo ingressa no cartório da Procuradoria Itinerante. Assim, com o processo devidamente instruído e com o estudo do tema totalmente esgotado no parecer normativo, idealizou-se a forma de aplicação deste parecer da maneira mais eficiente possível, ou seja, com celeridade e economia processual, priorizando também a racionalização do consumo do papel nas impressões dos pareceres, já que não era mais necessário se alongar na análise do tema sob discussão. Adotando alguns procedimentos da rotina de audiência do Poder Judiciário, a Procuradoria Itinerante passou a contar com sessões administrativas de julgamento, pauta e ata parecer. Esta foi a forma inicialmente adotada para melhor otimizar a análise processual, o volume dos requerimentos e a celeridade na resposta final, e que hoje ainda continua sendo utilizada. Com 09 (nove) servidores públicos e 07 (sete) Procuradores do Estado escalados para a realização do projeto, a logística montada foi a seguinte: duas sessões ordinárias ocorrem durante a semana, sem prejuízo de eventual sessão extraordinária a depender do volume de processos, com dia, horário e quantitativo de processos pré-definidos. Cada sessão tem a participação de três a quatro Procuradores do Estado, que recebem a pauta antecipadamente informando o quantitativo de processos administrativos e os assuntos que serão analisados. Busca-se sempre evitar a diversidade de temas, pois já se concluiu que quanto menos temas e mais processos com requerimentos semelhante forem distribuídos na sessão para o mesmo Procurador, melhor é o seu rendimento, buscando ainda diversificar a distribuição da matéria entre sessões, de forma que ao final todos os procuradores tenham analisados processos com todos os temas objeto de pareceres normativos. O quantitativo de processos por procurador e por sessão oscila a depender do volume de feitos administrativos recebidos pelo cartório da Procuradoria Itinerante, limitado a 20 processos por procurador em cada sessão administrativa. Busca-se o menor tempo de permanência do processo no referido cartório, e quando o volume é muito grande, de forma que em duas sessões não se consiga dar a saída esperada, marca-se a sessão extraordinária. A meta buscada consiste na análise de todos os processos que ingressaram no cartório na semana até a primeira sessão da semana seguinte. Explica-se: atualmente as sessões acontecem nas quartas e quintas-feiras e todos os processos que chegam até a sexta-feira são analisados nas sessões da semana seguinte, podendo, inclusive ser analisado na mesma semana. Esta rotina parte de um processo que sai da sua origem com a instrução devidamente observada. Caso isso não aconteça, como todos os processos ao ingressarem no cartório da Procuradoria Itinerante passam pelo saneamento, aqueles carentes de instrução 67 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 processual retornam, o mais breve possível, ao órgão de origem com a solicitação de juntada dos documentos ausentes. Com esta logística, o tempo de duração do processo devidamente instruído na Procuradoria Itinerante é de 07 a 08 dias e na maioria das vezes tem a duração total de 20 dias a contar do requerimento. Registre-se que, antes da instalação deste projeto, o tempo médio de duração do processo era de 120 dias, podendo até se estender a depender de certas peculiaridades. Então, como já foi dito, cada procurador analisa em média 15 processos por sessão em que participa, totalizando algo em torno de 45 processos por sessão e 90 por semana. É um número muito satisfatório se comparado com a prática anterior à Procuradoria Itinerante. Quando da análise do feito administrativo, o Procurador do Estado não precisa mais fazer o estudo do assunto e se prolongar na sua conclusão. O parecer na Procuradoria Itinerante tem uma formatação própria, pois é um parecer de aplicação do parecer normativo, onde a matéria tratada no processo já foi exaurida num estudo aprofundado. Para ter conhecimento deste estudo, basta o servidor acessar o endereço eletrônico da Procuradoria Geral do Estado, ou se dirigir até o seu órgão de origem, onde também se encontram arquivados todos os pareceres normativos. Com isso, o parecer da Procuradoria Itinerante se apresenta no formato de ata, com o número e data da sessão, local de funcionamento, indicação da matéria e o número do parecer normativo utilizado como fundamento jurídico, observação quanto à devida instrução e conclusão. Considerando que na “ata parecer” está sendo aplicado o conteúdo de um ato normativo, cuja aprovação ocorreu tanto pela chefia imediata, como pelo Procurador-Geral do Estado, o Conselho Superior da Advocacia-Geral do Estado de Sergipe, na sexagésima quinta reunião extraordinária ocorrida em 22 de abril de 2010, deliberou pela dispensa de nova aprovação pela chefia imediata nestes opinativos. Com isso, após a lavratura da “ata parecer” e registro no sistema informatizado, o processo segue o seu curso, com vistas ao cumprimento do que foi determinado. Este primeiro momento, que serviu de laboratório e como forma de identificar os acertos e o que ainda pode ser aprimorado, contou apenas com a participação dos Procuradores de Estado e dos servidores públicos que compõem a comissão de trabalho técnico da Procuradoria Itinerante. O objetivo que ainda se busca alcançar é a participação do servidor público requerente, seja pessoalmente, seja através do seu setor de pessoal ou mesmo através do sindicato representante da sua categoria profissional. Este projeto - Procuradoria Itinerante - que inovou a gestão de tramitação processual, após poucos meses de funcionamento repercutiu de forma positiva no serviço público do Estado de Sergipe, tendo eco na mídia impressa e falada, ganhando notoriedade na sociedade 21 sergipana e também em congresso técnico-científico . Não bastasse isso, contribuiu muito para o estreitamento de laços entre os Órgãos Públicos, no escopo de agilizar ao máximo a resolução dos processos. Quanto aos dados, deve-se registrar que com um ano de funcionamento, comemorado em 13/04/2011, foram analisados cerca de 3.000 processos. O quadro anexo revela atualmente a quantidade de 4.442 processos apreciados em cinqüenta sessões administrativas e com taxa zero de permanência na PGE, para alguns processos. Atualmente a Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe conta com 35 pareceres normativos sobre temas que envolvem servidor público, lavrados por Procuradores de Estado lotados na Procuradoria Especializada da Via Administrativas, desde os idos de 2007, e devidamente aprovados pelo Procurador-Chefe desta Especializada e pelo Procurador-Geral do Estado. Os temas vão desde a averbação de tempo de contribuição até abono de permanência, passando pela licença para o trato de interesse particular, afastamento para curso, incorporação de função, indenização de férias, dentre outros. A experiência da Procuradoria Itinerante tem demonstrado a presença de duas categorias importantes na efetivação dos direitos fundamentais. Trata-se, inicialmente, do amadurecimento do papel dos juristas, no caso os Procuradores de Estado. O papel ativo e preventivo do Procurador de Estado na esfera administrativa proporcionando um ganho institucional. Por outro lado, a determinação política do Poder Público, no caso o compromisso de gestão na edição do Decreto de constituição e manutenção da prática, proporcionando a valorização do servidor e ao mesmo tempo economia para o erário com litígio judicial sem mais controvérsia. Nesse sentido, vale lembrar as precisas palavras de Luís Roberto Barroso: Ao jurista cabe formular estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a dar efetividade às normas jurídicas. Mas isso é, em verdade, o 68 Novos Rumos para a Gestão Pública mínimo e o máximo de sua atuação. Subjacentemente, terá de haver uma determinação política do Poder Público em sobrepor-se à resistência. Num Estado democrático de direito, o poder, com o batismo da legitimidade, impõe-se por via da autoridade, que, geralmente, carreia à obediência, independentemente da coação; sem dispensá-la, contudo, quando necessária. Essa fórmula, tecnicamente singela é, na prática, intrincadíssima e exige um grau de amadurecimento que somente se 22 atinge, como inevitável, pelo passar do tempo e pela prática contínua . 23 A crítica à razão indolente , tão bem cativada por Boaventura de Sousa Santos, realmente nos faz acreditar que o papel da Administração Pública na nova ordem constitucional é deveras ilimitado do ponto de vista de efetivar as garantias constitucionais, entre elas, a eficiência da função administrativa no processo administrativo. 6 Conclusões 1 - A implementação do princípio da eficiência na Procuradoria-Geral do Estado, na valorização e na prevenção de conflitos judiciais, sobretudo envolvendo servidores públicos, mostra-se um dever constitucional do direito fundamental à boa administração; isto é, a resposta célere na demanda administrativa em aproximadamente 5.000 processos permitiu a diminuição do litígio judicial. 2 - A prática dos pareceres normativos e a sua aplicação através do projeto intitulado “Procuradoria Itinerante”, idealizada e implantada pela Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe, promove o cumprimento do princípio da razoável duração do processo, bem como do princípio da eficiência, previstos na Constituição Federal no art. 5º, inciso LXXVIII e art. 37, caput, respectivamente; 3 - O resultado prático do projeto “Procuradoria Itinerante”, desenvolvido há dois anos e posto em prática há mais de um ano, demonstra que resta garantida a celeridade da tramitação do processo administrativo, cumprindo o querer da Carta Constitucional; 4 - O projeto “Procuradoria Itinerante” pode ser adotado por qualquer Procuradoria Jurídica, não apenas envolvendo assuntos relacionados a servidores públicos, mas qualquer outro tema que tenha uma crescente demanda, tratando-se, por conseguinte, de um projeto inovador, cuja contribuição para o serviço público é imensurável. 69 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Novos Rumos para a Gestão Pública Alternativas para uma nova governança pública em ambiente democrático Celso Fraga da Silva 1. As origens da Administração Pública no Brasil A burocracia estatal brasileira é resultado de um modelo híbrido, isto é, está migrando do modelo patrimonialista ao republicano. Neste modelo os indivíduos interagem uns com os outros, debatem as possíveis ações a serem tomadas pelas autoridades políticas e administrativas, e apresentam demandas ao Estado. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) introduziu inovações na administração pública, que fixou os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Estes princípios objetivaram introduzir um marco mínimo de referências republicanas e afastar práticas há muito arraigadas na máquina pública brasileira, como o uso de recursos públicos para beneficiar interesses particulares, ou a troca de favores por apoio político. As práticas introduzidas na CF/88 visam combater a corrupção, o patrimonialismo e o nepotismo na lógica político-institucional da administração pública. O principal objetivo da introdução destes princípios na CF/88 foi melhorar a qualidade da administração e a confiança que os cidadãos têm nas instituições públicas. As práticas patrimonialistas na Administração Pública no Brasil se vinculam ao Estado patrimonial português. A obra clássica de Faoro (2001) caracteriza o patrimonialismo como o poder político econômico do rei dado a posse de todas as terras, dotando a Coroa de enorme patrimônio rural, não se distinguindo, então, entre o que era de domínio privado (público) daquilo que pertencia ao monarca. “... sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio – o reino tem um dominus, um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as maiores propriedades do país, dirigir o comércio, conduzir a economia como se fosse empresa sua.” (FAORO, 2001, p.38). Com o advento dos negócios da Coroa, emergiu o fortalecimento dos quadros de pessoal administrativos estatais ligados ao rei. Weber (1984) denominou de estamentos este conjunto de pessoas que se reconhecem como pertencentes a um determinado grupo, detentoras de certos privilégios, advindos de um sentimento de honra social que as diferencia e as distancia dos demais membros da coletividade. O surgimento desses grupamentos gerou o Estado Patrimonial de Estamento, ou seja, aquele no qual um grupamento de funcionários, sob o comando do soberano, passa a gerenciar o Estado e a responsabilizar-se pela justiça e elaboração de leis. Trata-se, então, de um coletivo seleto de titulares supremos de importantes cargos públicos com origens históricas de corpos ministeriais governamentais. Segundo Faoro (2001, p.63), esses estamentos não se tratavam de burocracia moderna do século XX, mas sim de: “... uma burocracia de caráter aristocrático, como uma ética e um estilo de vida particularizado, de funcionários de alto escalão governamental que tomavam para si o direito de governar, ainda que à sombra de um soberano, assumindo-se como detentores de cargos e do saber técnico, colocando-se acima das demais categorias sociais à época – clero, nobreza, comerciante (burguesia em ascendência) e sociedade em geral.” Nessa configuração especifica do Estado de Estamento, dava-se uma apropriação individual do cargo, a partir de uma indicação do monarca, sem ingresso por meio de aferição de critérios de conhecimento, mas sim pela vontade do senhor. A ascensão a um cargo público ungia o novo funcionário de honras aristocráticas. Essa conjugação entre aristocracia estamental e soberano configurava um Estado que manipulava a economia como um empresário, alimentandose de receitas advindas da atividade comercial. Essas raízes passaram a influenciar a nossa Administração Pública. A partir dos tempos coloniais, o Brasil vivenciou um estilo patrimonial e centralizador de Administração Pública, resultado da transposição do Estado português para a então Colônia, passando a prevalecer o paternalismo e o favoritismo como formas de acesso aos cargos públicos à época imperial. Com a chegada da Corte portuguesa ao país, consolidou-se no Brasil uma Administração Pública forte, hierarquizada de forma difusa, complexa e fluída, na qual a lógica instaurada era a da apropriação do público pelo privado, configurando um espaço ambíguo e de difícil 70 Novos Rumos para a Gestão Pública discernimento entre um e outro. O cargo público, por exemplo, era símbolo de status possibilitando benefícios e privilégios aos seus ocupantes. A gênese da relação Estado e sociedade no Brasil tiveram inicio nestas relações, no momento a partir do qual o Estado passou a ser visto e tomado. “... como uma providência que precede os indivíduos e a que se recorre como um sistema de amparo e de proteção. O que se vê, atrás da estrutura do Estado, não é o interesse coletivo de que é ou deve ser a suprema expressão; não é uma vontade objetiva que se desenvolve e reforça a dos indivíduos, para que esta se possa realizar completamente; não é a sociedade politicamente organizada que, com um espelho mágico, transmite ao indivíduo, com sua imagem, um poder novo: são, antes de tudo, as forças vivas, as personalidades que agem e têm em suas mãos as alavancas do comando. Não são as instituições que se respeita, seja qual for o indivíduo em que ela se instalou; mas os personagens que detêm o poder ou se agitam no cenário político envolvendo-se numa auréola de prestígio.” (AZEVEDO, 1963, p.225) Assim, no período que vai do descobrimento até a revolução de 1930 o Estado brasileiro assumiu, nesse período características inerentes ao conceito de patrimonialismo, institucionalizando-se um tipo de dominação tradicional definido pelos quadros administrativos estatais, pelo mando dos fazendeiros, dos senhores de engenho e dos coronéis. O patrimonialismo no Brasil formou camadas políticas que sempre se colocaram como superiores e autoritárias em relação à sociedade civil, situada à margem do processo de decisão política. Essa estrutura adaptou-se as mudanças contextuais, tendo sobrevivido à margem do tempo e do espaço, mantido o povo à margem das decisões e sobre ele governando. O patrimonialismo continuou marcante na primeira fase republicana, conhecida como República Velha, de 1889 a 1930. E o exemplo dessa reprodução patrimonial foi o fenômeno conhecido como coronelismo. Com a criação da Guarda Nacional no país, foram criados regimentos nas províncias e municípios, cabendo a direção desses grupamentos locais a coronéis, recrutados entre grandes proprietários de terras e comerciantes abastados. As patentes eram por eles compradas. Esses coronéis, por sua vez, passaram a exercer também além do poder econômico, o militar e o político, tornando-se os grandes mandatários locais, com vínculos às grandes propriedades localizadas nas zonas rurais brasileiras, configurando uma oligarquia rural a qual originou o fenômeno que Leal (1993) denominou coronelismo. O coronelismo foi decisivo na República Velha pelo que se chamou de política dos governadores, ou seja, um pacto envolvendo ações políticas entre os municípios (poder local), Estadas federativos (poder regional) e União (poder central). Por esse acordo, os Estados elegiam representantes legislativos em suas assembléias, que apoiavam politicamente o governo federal, garantindo aos dois poderes. Este círculo vicioso reproduziu praticas patrimoniais na Administração Pública que persistiram de forma simbólica, mesmo após a extinção da Guarda Nacional no fim dos anos da República Velha. O coronelismo continuou a existir como prática de indivíduos poderosos no Brasil, que eram assim denominados no imaginário popular pela sua forma autoritária de comandar os seus negócios e tratar as pessoas, bem como as suas influências no interesses políticos e de Estado. O fim da Primeira República foi anunciado em 1930, marcando, um período impar de rompimento com a velha ordem na Administração Pública. Assim, no período que vai do descobrimento até a revolução de 1930, na história da vida sociopolítica do Brasil, é possível verificarmos a centralidade do Estado ao redor do qual foram sendo decididos os nossos destinos econômicos, sociais e políticos. O predomínio oligárquico rural, que configurava uma Administração Pública com fortes marcas patrimonialistas, começou a ter seus dias contado a partir de 1922, tomado como o ano de início da ruptura dessa ordem dominante dada à erupção de vários movimentos contestatórios. Na tentativa de entrada para o capitalismo através do processo de industrialização e fortalecimento do poder da União sobre os estados federados, a partir de 1930 o Brasil adota o modelo burocrático racional-legal em sua gestão pública em contraposição ao patrimonialismo, clientelismo, e ao nepotismo vigente na época. No primeiro governo Vargas no processo de industrialização do país, forma-se uma nova burocracia estatal para impulsionar o desenvolvimento industrial. Novas técnicas de administração e coordenação são introduzidas na burocracia revelando uma concepção de Estado forte e centralizador. Uma iniciativa das mais marcantes desse novo período de reforma do Estado foi à criação do Conselho Federal do Serviço Público, em 1936, sendo transformado pelo Decreto-Lei n.579 de 30 de julho de 1938, no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), órgão que ficou responsável pela 71 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 concepção, condução e execução das mudanças pretendidas, o que representou a afirmação dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. Via DASP os conhecimentos relativos à ciência da Administração foram introduzidos na gestão pública. Ou seja, a profissionalização das máquinas estatais com vistas a atenuar as influências de interesses políticos vinculados às práticas de não distinção entre o que seria público e privado. Entretanto é importante ressaltar que, se a burocratização permite a profissionalização também possibilita o fortalecimento exacerbado do poder de detentores de altos cargos nas máquinas burocráticas públicas, dado o seu alto grau de conhecimento técnico e dada a pose de informações. Assim surgem os tecnocratas, ou a tecnocracia pública. Os tecnocratas desenvolveram um círculo vicioso nocivo que dificultava a participação de diversos segmentos da sociedade civil sobre as ações estatais. Isso porque os tecnocratas, em nome de seu caráter técnico, passaram a praticar uma gestão na qual a população, não detendo aquele mesmo saber, fora isolada. Institucionalizando-se um tipo de conduta que descolava a sociedade civil do processo decisório, delegando à tecnocracia, a responsabilidade pela definição e condução das políticas de governo. A partir de 1950, no segundo governo de Getúlio Vargas e no de Juscelino Kubistchek, foram criadas diversas agências estatais responsáveis pela formulação e implementação de políticas econômicas inerentes à industrialização, configurando a gramática do insulamento burocrático como a mais marcante. Esse período foi marcado pelo debate em torno do nacionaldesenvolvimentismo, em que as agências insuladas se incumbiam de traçar políticas isoladas das instancias partidárias, tidas como clientelistas. O Decreto-lei nº 200, de 1967, é o 2º marco do aspecto normativo do gerenciamento burocrático na administração brasileira, baseados em princípios racionais-burocráticos. O sistema introduzido se caracterizou como um prenúncio de gerencialismo, com descentralização administrativa e centralização política. Porém a administração indireta se aproximava de um insulamento burocrático (NUNES, 1997). “... foram criadas instituições corporativistas; ensaiou-se o insulamento burocrático, através da criação de novas agências e empresas estatais; buscou-se instaurar o universalismo de procedimentos, principalmente através de tentativas de reforma do serviço público e da implantação do sistema de mérito. Estas novas gramáticas modernizantes interagiram com uma antiga, o clientelismo, que foi traduzido para as instituições formais por meio da operação de um sistema político que beneficiava os grupos locais e estaduais remanescentes do período altamente descentralizado da República Velha.” (NUNES, 1997, p.47) A implantação da tipologia burocrática na Administração Pública brasileira não impediu a reprodução de velhas práticas e a institucionalização de novas no Brasil. Nunes (1997) mostra que esse processo pode ser visualizado no período que vai de 1930 a 1960. Nele Nunes (1997), afirma que foram estabelecidos quatro grandes padrões institucionais que disciplinaram essa relação, por meio de quatro gramáticas modernizantes conhecidas como: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos. Combinadas de formas diversas ao longo do tempo, ora prevalecendo uma em detrimento e/ou conjugação com as demais, servindo de base para a ação dos aparelhos estatais junto à sociedade. O clientelismo, que pode ser vinculado à origem patrimonialista do Estado brasileiro e, portanto vigente desde os tempos do descobrimento, refere-se a mecanismos de controle de certos recursos materiais e de mediação de interesses por intermédio de relações pessoais. Ele não obedece a qualquer critério formal ou jurídico, pressuposto consentimento individual entre as pessoas sem nenhum instrumento legal condicionante. O corporativismo envolve, por outro lado, a mediação de interesses via instrumentos formalizados cujos agentes são representativos de determinadas categorias sociais diferenciadas reconhecidas ou até mesmo criadas pelo Estado. Os arranjos do corporativismo passam pela organização horizontal de determinadas categorias sociais que são diferenciadas entre si e que possuem determinantes hierárquicos e formais. Ele constitui uma forma de intermediação pelo Estado de interesses distintos entre empresários e trabalhadores e objetiva a eliminação ou a antecipação dos conflitos em uma sociedade de classes. O universalismo de procedimentos refere-se ao conjunto de regras de ação que garantem a impessoalidade, isto é, baseia-se no principio de igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei. Já o insulamento burocrático refere-se à definição de instrumentos que promovam certa 72 Novos Rumos para a Gestão Pública proteção do núcleo técnico do Estado, ou, ainda, certo distanciamento do técnico em relação à política, em busca de evitar a interferência da sociedade civil nas ações estatais. O plano nacional de desburocratização, da década de 1980, foi um novo impulso militar reformista que visava à revitalização das organizações do Estado (BELTRÃO, 1984). Com melhoria e simplificação dos processos administrativos, promoção da eficiência e foco no usuário cidadão. O paradigma gerencial passa a ser perseguido, com a adoção de estratégias de melhor prestação de serviço ao cidadão. O modelo burocrático weberiano passou a sofrer fortes críticas com o desenvolvimento de novos modelos organizacionais para a administração, no final do século XX. Os críticos argumentavam que a organização burocrática era ineficiente, vagarosa, autocentrada e afastada das necessidades dos cidadãos. A última reforma administrativa do aparelho do Estado segundo Bresser Pereira (2000) emergiu como resposta às disfunções típicas das organizações burocráticas do setor público, como: centralização, rigidez de procedimentos e padronizações, apego as regras e reduzida orientação por resultados. Bresser Pereira (2000) acredita que a burocracia é uma barreira para a democracia plural, por ser centralizadora e por pressupor ser a garantia da racionalidade absoluta. A reforma institucional, de cunho gerencialista, orientou-se por tornar a gestão pública mais efetiva em termos dos resultados das políticas, bem como os gestores mais responsivos perante a sociedade. Desde 2005 o Governo Federal, implementou o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GesPública) , decorrente da evolução de iniciativas voltadas à missão de contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos ao cidadão e o aumento da competitividade do Brasil.A grande inovação deste programa foi incentivo a criação de uma rede de compartilhamento federativo de conhecimentos e soluções para a gestão pública brasileira .O ponto nodal deste programa é alcançar uma mudança cultural na Administração Pública. A questão crucial nesta análise é como promover a mudança cultural da Administração Pública e como introduzir valores republicanos, em que o interesse público esteja em primeiro lugar? 2. Novas formas de Recrutamento e Seleção Primeiramente para mudar a cultura administrativa é preciso transformar as pessoas inseridas neste contexto. A análise da gestão pública brasileira tem dado excessiva ênfase à herança histórica e as raízes culturais do patrimonialismo português. A Administração Pública brasileira sempre foi refém de práticas globalizantes de gestão de recursos humanos (GRH). É claro que devemos ser abertos a parcerias e cooperação. As influências das reformas na Administração Pública baseada nos pressupostos da Nova Gestão Pública (NGP) transformaram alguns sistemas de gestão de recursos humanos regulatórios e reativos em sistemas estratégicos e proativos. Porém, precisamos encontrar soluções inovadoras para velhos e novos problemas ou desafios para o século XXI. O desafio do novo milênio na Administração Pública é como mudar as práticas e políticas de GRH no setor público para melhorar o atendimento ao cidadão? Um problema a ser enfrentado é a deficiência de planejamento do dimensionamento da força de trabalho necessária a proporcionar um melhor atendimento ao público com respostas mais rápidas e eficazes. Isto faz que algumas organizações permaneçam sem concursos públicos por muito tempo. As vagas são liberadas após um longo período, gerando dificuldades de transferência de conhecimento entre servidores antigos e novos e de manutenção de um contingente equilibrado de força de trabalho ao longo do tempo. Existem também problemas na forma de recrutamento de funcionários qualificados para o setor público. No Brasil o ingresso no setor público ocorre através de concursos, por meio de provas, ou provas e comprovação de titulação acadêmica. Como consequência deste fato se proliferaram diversos cursos preparatórios para ingresso na carreira pública. Atualmente são publicados diversos livros que prometem oferecer a fórmula mágica para entrar na carreira pública através de dicas de como passar em concurso público. Existem também vários sites na internet que fornecem informações sobre concursos abertos, divulgam editais, provas de concursos anteriores e diversas matérias a respeito de concursos públicos no Brasil. A cada dia aparecem mais jornais e revistas especializadas em concursos públicos. Já existem até feiras especializadas em concursos públicos, onde são oferecidas palestras e as editoras expõem seus livros. Desde a década de 1990 até os dias atuais o Brasil criou um nicho de mercador promissor entorno dos concursos públicos. A suposta segurança e estabilidade no emprego; a oportunidade de ganhar um salário acima da média nacional; e o prestígio social atribuído ao funcionário público 73 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 tem atraído milhares de candidatos às vagas de concursos públicos. Numa ordem social hierárquica, ser da classe média confere um grau de respeitabilidade e reconhecimento. Mas será que estes concursos têm suprido as organizações com profissionais com conhecimentos e as habilidades necessárias ao desempenho de serviços públicos? É importante qualificar previamente as necessidades, definindo as competências requeridas. É preciso fugir das avaliações estritas de conhecimento e buscar novos instrumentos para aferir o perfil dos candidatos, valorizando o raciocínio e a capacidade de interpretar, posicionar-se e resolver problemas. O interessante é que a Administração Pública pudesse dá um peso menor a titulações que são influenciadas pela cultura bacharelesca no Brasil e criasse um método de avaliação que enfatizasse os estudos de casos, questões discursivas e interpretativas e métodos em que se pudesse avaliar não somente o conhecimento técnico, mas capacidade de resolver problemas, de aprender rapidamente, a visão estratégica, a capacidade de negociar e atuar em rede. Como formar de exemplificar um processo inovativo na Administração Pública, poderíamos ter a seleção unificada de profissionais que compõem o quadro das agências reguladoras. Elas poderiam realizar um convênio para a seleção de novos profissionais. A primeira etapa poderia constar de provas que avaliassem a dimensão humana (ciência política, administração pública, políticas públicas, atualidades, língua portuguesa e redação). Os classificados na primeira avaliação, após nota de corte estipulada, disputariam a segunda etapa do processo seletivo. Deste modo os candidatos escolheriam a agência reguladora e a especialidade que desejassem trabalhar de acordo com suas respectivas formações. Nesta fase os candidatos fariam uma prova de caráter técnico de acordo com suas respectivas áreas. Este processo unificado além de gerar economia para administração selecionaria candidatos com uma visão multidisciplinar e, além disto, preparados para enfrentar questões da administração pública que não são somente técnicas. Precisamos também investir no processo de ambientação e capacitação pós-concurso preparando os candidatos para ocuparem setores na organização de acordo com suas habilidades, conhecimentos e atitudes. 3. O excesso de formalismo e os entraves a inovação A Administração Pública também precisa se preocupar com o desenvolvimento profissional de seu quadro. A Administração Pública precisa ter clareza sobre o que espera de seus quadros em geral. É preciso melhorar também a capacidade de identificação e profissionalização de servidores públicos com potencial para se tornarem gestores de alto nível, preparando-os para tanto. Isso pressupõe profissionais generalistas, inovadores, empreendedores, participativos, com comportamento ético, e elevada qualificação. Entretanto, a cultura administrativa brasileira ainda está permeada pelas estruturas patrimonialistas; “amiguismo” e “compadrio” são manifestações arraigadas dessa particularidade. Isto ocasiona nepotismo em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação de cargos. Geralmente os valores comportamentais do administrador público tende a refletir uma visão de poder. De um modo geral as decisões na Administração Pública são hierárquicas e autocentradas, fluem do topo, a propensão para delegar é bastante rara. Esta estrutura perversa desestimula o empreendorismo e a inovação. Vale muitas vezes à máxima “quem não faz, não erra, e quem não erra, não pode ser penalizado”. Quem empreende e às vezes erra, trabalha muito mais e às vezes é chamado a prestar esclarecimentos aos órgãos de controle. As análises clássicas de Merton (1949), explicam as disfunções da burocracia associadas a deficiências como: excesso de papelada, rigidez regulatória, falta de iniciativa, sigilo, e tudo que distorce um modelo racional e eficiente. Esta patologia burocrática provoca disfunções na racionalidade administrativa, o formalismo excessivo, que se reflete no excesso de papelório e o legalismo das práticas administrativas provocam consequências imprevistas. As normas e regulamentos passam a se transformar de meios em objetivos. Passam a ser absolutas e prioritárias. Não há espaço para a flexibilidade, mesmo as normas que não se adéquam mais ao modelo da organização se tornam sagradas. Um sistema como este em um mundo de mudança contínua torna praticamente impossível a racionalidade e eficiência. A lei poderia definir de modo genérico os objetivos e os meios, e sua especificação depender necessariamente de uma tomada de decisão caso a caso. As disfunções da burocracia geralmente são utilizadas como um mecanismo para justificar a lentidão das resoluções dos problemas. A lei regula praticamente todos os aspectos da burocracia administrativa, a missão, meios e modus operandi são prescritos explicitamente por lei; os administradores públicos têm que certificar cada ação ou plano antes de 74 Novos Rumos para a Gestão Pública agir, se não existe previsão legal a tendência é pela inação pelo medo de ser responsabilizado por fazer algo que não estava contido na lei. É necessário também que o gestor público entenda que ele não possui o monopólio sobre os problemas públicos. Assuntos públicos devem ser construídos em conjunto com a sociedade. Os gestores públicos devem compreender que assuntos públicos não podem ser governados de modo autárquico pelas instituições públicas. Qualquer reforma administrativa envolve tanto mudanças estruturais como de valores. Portanto, o trato da cultura administrativa é o principal elemento na dinâmica de mudança. A aplicação de reformas por imitação não resolve o problema da Administração Pública no Brasil. Como formar gestores que estão mais preocupados com o descumprimento de algum aspecto legal, com o medo de errar e consequentemente serem responsabilizado?Como formar gestores de alto nível em uma ambiente em que cargos de alta complexidade são preenchidos pela cultura do compadrio? 4. Carreiras horizontais e transversais Outro contexto que merece reflexão é a distribuição da força de trabalho. Muitos entendem que o sistema de alocação por órgãos e a dificuldade de movimentação dificulta uma melhor distribuição, inserção e utilização dos profissionais da administração pública de acordo com suas competências. A pergunta que se faz é: deve-se continuar fragmentando as carreiras por órgão ou partir para carreiras horizontais ou transversais?A carreira horizontal é aquela que possibilita a atuação em diversas organizações, porém sempre na área ou setor correspondente as competências da carreira, como é o caso na carreira de Analista de Planejamento e Orçamento - APO. Já uma carreira transversal possibilita a atuação em diversos órgãos, em princípio em qualquer área ou setor, como é o caso na carreira de Especialista em Políticas e Gestão Governamental. O Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – EPPGG, mais conhecido como gestor governamental, desempenha atividades de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, assim como de direção e assessoramento em escalões superiores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Uma das características distintivas da carreira é a possibilidade de movimentação de seus membros entre os diversos órgãos e entidades. Isso possibilita uma ampla distribuição dos EPPGG, formando uma rede de atuação abrangente e permitindo a cada um dos gestores trilharem uma trajetória profissional diferenciada. É responsabilidade da Secretaria de Gestão coordenar a definição da unidade de exercício dos gestores e autorizar suas movimentações; definir os termos do concurso e o conteúdo do curso de formação; acompanhar a inserção dos EPPGG durante o estágio probatório; formular os programas de desenvolvimento profissional; e supervisionar as normas para fins de progressão e promoção dos gestores. 5. Conclusão Pensar a administração pública a partir do referencial republicano significa compreender como responder e atender as novas demandas por mais e melhores serviços públicos através da melhor capacitação técnica dos servidores e da ampliação da capacidade de implementação de políticas públicas, que ainda se mostra ineficiente em um cenário de crescimento de demandas. Neste processo de reconstrução de uma Administração Pública Republicana a participação dos cidadãos é de vital importância. Neste novo movimento de republicanismos, precisamos superar a concepção de Carvalho (1987), de um povo “bestializado”, por falta de uma organização e apatia política pela sociedade, após a conquista da República. Faz-se necessário a partir destas reflexões a construção de alternativas para conjugar essa nova governança pública, em ambiente democrático, com uma gestão orientada para resultados, fazendo usos de novas ferramentas gerenciais. O gestor público não pode pensar a administração como simplesmente a utilização de métodos para alcance de resultados, “the one best way” (a única melhor maneira). Estruturas organizacionais com um receituário pré-formatado e imposto de “cima para baixo”, e prontas para serem utilizadas como um modelo por quaisquer organizações não são a melhor forma de solucionar os problemas organizacionais. É preciso associar a perspectiva da política nas organizações, em contraposição ao tecnicismo. Esta perspectiva da ênfase a questão dos conflitos de interesse entre grupos nas organizações. Percebe-se então que os ambientes intra e interorganizacionais são dotados de grandes incertezas. Existem coalizões que disputam, entre si, processos de escolha decisória, apoiadas em exercícios de relação de poder. É necessário entendermos que a Administração 75 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Pública é uma organização com grupos dotados de interesses divergentes em busca do controle das decisões. Por isto, a administração vista como prática social atua de forma que procedimentos, métodos e técnicas sejam executados e manejados de forma apropriada por atores sociais tomando como base a consciência que eles detêm sobre os procedimentos de uma ação. O tripé técnica; conflitos políticos grupais e estruturais devem atuar em conjunto integrando em seu bojo, questões inerentes à técnica e aos dilemas éticos e políticos aos quais as organizações e os seus membros são submetidos no dia a dia. 6. Bibliografia AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1963. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 5 out 2011. ______. Decreto n. 5.378, de 23 de fevereiro de 2005. Institui o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/ D5378.htm>. Acesso em: 5 out 2011. ______. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e Administração Pública gerencial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 215-235. FAORO, Raimundo. Os donos do poder: a formação do patronato brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001. 913 p. MERTON, R.F. Social theory and social structure.New York: Free Press of Glencoe,1949. NUNES, Edson. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Brasília: ENAP, 1997. 146 p. WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de uma sociologia comprensiva. México: Fondo de Cultura, 1984. 1237 p. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987 Autorização de Publicação: Autorizo à Coordenação dos Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública a divulgar amplamente este artigo intitulado, Alternativas para uma nova governança pública em ambiente democrático, do qual sou ator, no formato e na fonte disponibilizado no processo de convocatória, no site www.gespublica.gov.br e em publicações específicas dos Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública. Currículo Resumido: O autor é graduado em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e possui Especialização em Políticas Públicas pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É integrante da carreira de Técnico em Regulação de Petróleo e Derivados, Álcool Combustível e Gás Natural da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, e atualmente ocupa o cargo comissionado técnico, código CCT - I, de Assessor Técnico I Endereço: Av. Rio Branco, 65/19ª Andar – Centro – Rio de Janeiro/RJ - CEP: 20.090-004 – Brasil - Tel: +55 (21) 3797-6244 - Fax: +55 (21) 2112-8431 – Cel: (21) 8168-9268 - E-mail: [email protected] 76 Novos Rumos para a Gestão Pública Inovação Gerencial em Governos Subnacionais: a Experiência da Prefeitura Municipal de Vitória 1 Eduardo José Grin Descentralização, relações intergovernamentais e gestão local: revisando a literatura. Embora a literatura enfatize o caráter errático da descentralização (Arretche, 1996; Souza, 1999), pouco se duvida que esta seja irreversível para organizar as relações intergovernamentais e a provisão de políticas públicas, no Brasil, para os governos subnacionais. Contudo, a literatura sobre descentralização pouco analisa a modernização da gestão no governo local como suporte à eficiência política e institucional. Desse modo, esse artigo buscará cotejar essa discussão, com aquela que trata da modernização da administração pública, para apresentar a experiência do modelo de gestão implantado na Prefeitura Municipal de Vitória a partir de 2005. O artigo argumenta em favor da importância da gestão governamental para planejar, executar e avaliar políticas públicas em nível local. O gerenciamento será analisado como um meio de ampliar as 2 capacidades organizacionais para governos locais atingirem suas metas políticas. Inicialmente reviso a bibliografia sobre descentralização para verificar como a modernização gerencial pode ser inserida na visão dos autores analisados. Autores como (Abrucio, 2005; Souza, 2005; Kugelmas e Sola, 1999) argumentam que, no Brasil, a descentralização e as relações intergovernamentais se deparam com precárias estruturas administrativas municipais, sobretudo limitações institucionais e financeiras que dificultariam aos municípios assumirem encargos. Segundo Abrucio (2005:7), “a coordenação federativa pode realizar-se, em primeiro lugar, por meio de regras legais que obriguem os atores a compartilhar decisões e tarefas – definição de competências no terreno das políticas públicas, por exemplo”. Para implantar essa atuação coordenada em nível intergovernamental, presume-se que os governos municipais devam ter capacidade técnica para qualificar a relação com o nível federal e para formular e executar os programas, o que demanda modernizar sua gestão do ponto de vista político e técnico. Coordenar atividades descentralizadas e problemas comuns entre esferas de governo demandam novos arranjos institucionais que incidem sobre o pacto federativo (AFFONSO, 2000; SOUZA, 2002). No Brasil, onde a descentralização se baseia em competências comuns entre as três esferas de governo, as relações intergovernamentais não podem ser compreendidas apenas no âmbito administrativo, pois dizem respeito aos vínculos federativos de ordem política. Por isso, as capacidades institucionais municipais incidem e são influenciadas pelas relações intergovernamentais. No Brasil, as características do federalismo definem os contornos das relações entre o poder federal e os municípios, e mesmo que estes tenham mais autonomia decisória sobre algumas políticas sociais, há uma permanente negociação para definir níveis de responsabilidade entre esferas de governo (ALMEIDA, s/d; 2005). Conforme Rodden (2005:11), “o federalismo significa que para algum grau de subconjunto das decisões ou atividades do governo central, torna-se necessário obter o consentimento ou a cooperação ativa das unidades subnacionais”. Entendo que a autoridade compartilhada sobre atribuições requer, nos municípios, capacidades gerenciais para que sejam mais bem executadas, sendo essa uma condição necessária para qualificar a descentralização e o federalismo cooperativo. Segundo (Souza, 2005; Almeida, s/d), a Constituição de 1988 fortaleceu os municípios, vis-à-vis os estados, ao conceder-lhes maior autonomia administrativa para gerir e implantar políticas federais. E, sendo os municípios os provedores de serviços sociais, a modernização gerencial se insere na sua agenda de forma crescente e pode cumprir um importante papel para a eficácia das políticas. Por isso, “a redefinição do papel dos governos locais tem sido acompanhada também por inovações na gestão administrativa stricto sensu” (FARAH, 2006:70). Para Arretche (1999) e Souza (2004), o desenho institucional das políticas sociais é outra variável que incentiva ou constrange a descentralização. As estratégias indutivas do governo federal visando delegar a implementação para os municípios exemplificam esse processo, mas limitações administrativas e financeiras dos municípios também influenciam a decisão de assumir novas responsabilidades. Por isso, para Arretche (1996:18), devem ser criados “incentivos ao comportamento responsável por parte dos governos” que, segundo penso, suscitam modernizar a gestão municipal para proverem serviços eficientemente. A capacidade administrativa tem peso determinante na descentralização, pois define como os municípios usam seus recursos na gestão de políticas públicas (ARRETCHE, 1999). Nesse contexto, a modernização da gestão ajuda os governos locais a definirem a forma, o ritmo e o escopo de responsabilização em relação à descentralização de políticas. Sobretudo, diante do caráter errático (Arretche, 1996) desordenado 77 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 e inconstante (Souza, 1999) da descentralização, mais ainda os governos locais devem qualificar sua gestão para responder às demandas desse processo. Melhorar a gestão local depende de decisões políticas e técnicas dos governos municipais, embora programas federais visando modernizar os governos locais podem criar um ambiente institucional mais favorável ao repasse de atribuições em condições administrativas mais adequadas. Mas os programas em nível federal, como o PNAFM ou o PMAT, têm resultados 3 fracos. Segundo Vignoli (2009), até 2009, por exemplo, somente 68 Prefeituras integravam o PNAFM, basicamente cidades grandes e médias. Para Abrucio (2005), visando melhorar a coordenação federativa, o governo federal deveria auxiliar os municípios a criarem capacidades administrativas para que as burocracias interajam com mais eficiência junto aos seus pares nos governos estadual e federal. Assim, a capacidade dos municípios em formular e implementar políticas, e seu desenvolvimento institucional, tem sido questões centrais para avaliar a efetividade da descentralização (SPINK et alii, 2008). Segundo Melo (1996), um efeito perverso da descentralização reside em burocracias locais sem capacidade institucional para prover serviços, o que demanda melhorar essa performance criando uma cultura gerencial assentada na qualidade técnica e democratização dos processos decisórios. “A teoria organizacional contemporânea também aponta para a emergência de um paradigma pós-burocrático, que enfatiza estruturas horizontalizadas e cooperativas de governance em lugar de estruturas hierarquizadas” (MELO, 1996:11). Nos governos subnacionais, sua “capacidade está sendo significativamente melhorada com os avanços na modernização da performance da burocracia, incluindo a adoção de novas técnicas” (SPINK et alii, 2008:264). Mas estas inovações não podem se basear em comandos hierárquicos tradicionais (Souza, 2002), pois recursos de ordem política, como negociação, devem substituir regras de submissão entre os atores governamentais. Portanto, o modelo de gestão deve instituir mecanismos de controle entre o principal (a direção política e técnica) e o agent (a burocracia) criando accountability administrativa por meio de fóruns coletivos de gestão, responsabilização por resultados e transparência de informações. Sobre a modernização do Estado, Souza & Carvalho (1999) concordam ser necessário rever os paradigmas organizacionais. Para os fins desse artigo aproveito uma citação das autoras 4 na análise das reformas de segunda geração do setor público : “as propostas despolitizam a administração pública (...) e se baseiam em premissas ideológicas que elevam a importância da gerência e a distinguem da política, vista como um entrave à eficiência” (SOUZA & CARVALHO, 1999:194). Contrariamente a essa visão, defendo que a gestão governamental deve, de forma institucionalizada, aproximar administração e política. Na análise do caso de Vitória apresentarei os fóruns coletivos organizados conforme essa premissa. Segundo Farah (2001), outra mudança significativa no desenho de políticas sociais implementadas por governos locais consiste em promover ações integradas, dirigidas a um mesmo público-alvo. Esta perspectiva leva a superar a fragmentação político-institucional “ao procurar coordenar a ação de diversas secretarias e órgãos, cuja ação até então era segmentada ou justaposta, com perda de eficiência e de efetividade das políticas” (FARAH, 2001:132). Mais adiante, ao analisar o modelo de gestão em Vitória ver-se-á como essa concepção foi implantada. Mas, para Souza & Carvalho (1999), até o final dos anos 90, a descentralização vertical dos serviços sociais não mereceu atenção no projeto de reforma do Estado, apesar de seus efeitos para a esfera local e seus objetivos como efetividade, universalização e democratização dos serviços públicos. Mesmo aumentando suas responsabilidades com a descentralização, os municípios não foram incluídos na reforma do Estado. Ainda que políticas federais descentralizadas fossem coordenadas pelos ministérios setoriais, o plano político-administrativo das relações entre esferas de governo não ensejou a modernização da gestão local. A reforma do Estado priorizou as funções de regulação e coordenação em nível federal e deixou um caminho aberto à inovação gerencial no plano local. Assim, é preciso considerar que “carências de ordem financeira estão comumente associadas a carências de capacitação técnico-administrativas, acentuadas (....) com a desativação ou redução do apoio institucional da União e dos estados aos governos locais” (SOUZA & CARVALHO, 1999:204). Para tanto, a “falta de capacitação das unidades subnacionais para assumir novos encargos....” (Affonso, 2000:129) deve estar na ordem do dia dos governos locais. Esta visão é reiterada, pois “dada a inexistência de uma estratégia geral de descentralização (....) não existiu uma correspondência necessária entre distribuição de encargos e receitas, fazendo com que alguns estados e municípios não consigam arcar com as novas atribuições” (AFFONSO, 2000:137). Fica novamente ressaltada a importância da gestão municipal para responder à inadequação entre encargos assumidos e limites, nesse caso, fiscais, 78 Novos Rumos para a Gestão Pública pois conforme Afonso & Araújo (2001), as cidades assim podem contribuir para aprimorar o federalismo fiscal brasileiro. O desenvolvimento gerencial municipal, e sua interface com a descentralização, também é abordado por Nogueira (1997) enfatizando que gestores públicos devem adquirir outra cultura gerencial que promova a gestão cooperativa e a colaboração institucional. Para o autor, política e gestão devem integrar o desenvolvimento institucional dos governos locais num contexto em que a descentralização de políticas demanda inovação administrativa. O novo paradigma gerencial deve “encarar seriamente o desafio da qualificação, aprimorar sua capacidade técnico-política de conhecer criticamente o mundo, governá-lo e transformá-lo. (...) O êxito do processo de descentralização participativa (...) encontra aqui seu verdadeiro ponto de inflexão” (NOGUEIRA, 1997:19). A experiência de Vitória, doravante chamada PMV, se insere nesse cenário políticoinstitucional, visando organizar o modelo de gestão, qualificar o funcionamento de governo e inovar a cultura político-gerencial ao democratizar os processos decisórios internos, cujas premissas teóricas se discute a seguir. 3. Política e gestão na organização governamental Para Crozier (1989), a administração pública pode aproximar política e gestão, desenvolvendo um aprendizado institucional que enfrente a: a) separação entre planejamento (política) e execução (administração); b) comunicação entre unidades administrativas buscando romper a tensão entre os “feudos” internos; e c) criação de fontes de renovação intelectual. Requer-se alterar o padrão organizacional em que as lideranças definem políticas e a tecnocracia coordena processos burocráticos, isolando a dimensão política. Como “a administração é uma máquina de tomada de decisões”, pede-se um modelo de preparação e avaliação de decisões distintos do tipo comando e controle. Deve-se construir um ambiente de aprendizagem e mais horizontal na relação entre unidades organizacionais. reduzindo a imposição de regras para fortalecer o desenvolvimento intelectual na solução de problemas (CROZIER, 1983). Esta mudança na coordenação das políticas e de atores visa substituir o comando centralizado em que os dirigentes regulamentam tudo. O processo de gestão deve afastar-se do modelo impessoal, estável, previsível e normatizado em favor de outro mais personalizado, instável, imprevisível e aberto às possibilidades das interações político-administrativas (CROZIER, 1989). Esse raciocínio ajuda a compreender o sistema decisório adotado na PMV, amparado em fóruns coletivos de gestão. Neste sistema decisório, um novo profissional da política deve integrar os núcleos centrais do governo para qualificar a gestão estratégica (DROR, 1999). “Quanto mais complexa uma organização, menos pode se contentar apenas com a aplicação de seu regulamento, mais ela precisa contar com a cooperação de seu pessoal e mais deve obter a participação consciente em busca de objetivos comuns” (CROZIER, 1983:86). A participação pode gerar democracia e cooperação na busca de objetivos comuns e decisões coletivas; além de um “aprendizado cooperativo” que estimule a participação efetiva na formulação política (CROZIER, 1983). Assim, organizar “células de preparação de decisões” junto às lideranças qualifica a gestão da política e seu embasamento técnico (Crozier, 1989), como ocorreu nos fóruns de gestão na PMV e o “aprendizado cooperativo” entre a alta direção política do governo e o corpo gerencial. Novas formas de relacionamento entre política e gestão devem aproximar o processo gerencial e decisório, via uma rede de unidades internas reforçadoras da cooperação, ao invés dos vínculos de subordinação (AGUILLAR, 2007). Uma participação baseada no diálogo e na negociação pode democratizar o debate interno, distintamente das estruturas internas de poder departamentalizadas (BRUGÉ, 2004). O modelo de gestão da PMV orientou-se por essas premissas visando constituir capacidades gerenciais, baseado em estruturas coletivas para descentralizar o gerenciamento governamental. O funcionamento dos Comitês Gestores e Temáticos, que será apresentada adiante, é um exemplo dessa concepção que contribuiu para legitimar estes espaços decisórios internos, ademais de democratizar a gestão. Buscou-se substituir um modelo organizacional com normas centralizadas por outro sustentado em mais accountability administrativa (Garnier, 2004). A seguir discuto como essas premissas foram compreendidas na implantação do modelo de gestão da PMV. 79 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 3.1 A construção do modelo de gestão e as atividades iniciais A qualificação da gestão governamental constava do Programa de Governo desde a campanha eleitoral em 2004. Destacava-se ser necessário “empreender a gestão pública [promovendo] a articulação das diferentes áreas de governo, identificando os pontos de contato nos diversos projetos e integrando e sensibilizando as equipes de trabalho para que, desta forma, sejam priorizadas as políticas sociais (COLIGAÇÃO VITÓRIA DE TODAS AS CORES, 2004:1).” Em outra passagem, se dizia que “(...) é preciso investir em programas integrados, ou seja, articular as ações das secretarias que atuam em áreas que buscam combater os problemas sociais mais elementares, como a fome, as condições de moradia desumanas, o desemprego, a violência urbana, a dificuldade de universalização do acesso a saúde e ao ensino de qualidades, etc. Para garantir esta visão de desenvolvimento, é necessário o envolvimento multidisciplinar e interinstitucional dos órgãos públicos” (COLIGAÇÃO VITÓRIA DE TODAS AS CORES, 2004:2). Desde o início do governo, tratou-se de elaborar o Planejamento Estratégico e as prioridades do período 2005-2008, visando cumprir dois objetivos: a) político: legitimar o planejamento com base em ampla discussão nas instâncias internas; b) gerencial: lançar as bases da gestão participativa e intersetorial (FARAH, 2001). O planejamento foi elaborado conforme o seguinte roteiro metodológico: 1. Elaboração das Definições Estratégicas e dos programas priorizados pelas Secretarias; 2. Realização de consultas com a sociedade civil (movimento social e sindical, partidos políticos etc.); 3. Realização do seminário de planejamento que definiu, com base nas consultas externas e internas e nas definições políticas de governo, os programas prioritários que deveriam detalhar seus projetos (atividades, metas, valores financeiros e cronograma); 4. Organização de Comitês de Gestão nos órgãos, formado por sua direção política e técnica (secretários e diretores), responsáveis por planejar e gerir os programas setoriais; 5. Sistematização e detalhamento dos programas estratégicos de governo; 6. Organização de programas intersetoriais em Comitês Temáticos (fóruns formados por secretários dos órgãos com afinidade em um campo comum de ação). Estruturaram-se quatro comitês: Gestão Administrativa, Políticas Sociais, Desenvolvimento Urbano e Desenvolvimento Econômico e Social; 7. Validação do Planejamento Estratégico junto aos Secretários Municipais e; 8. Apresentação do Planejamento Estratégico para a Câmara Municipal, Gerentes/PMV, sociedade civil e servidores (Caderno de Apresentação do Planejamento Estratégico, maio de 2005). O planejamento incentivou a intersetorialidade para evitar a fragmentação das políticas públicas e a duplicação de esforços para uma mesma finalidade. Concluído o planejamento, buscou-se estruturar o modelo de gestão como suporte organizacional aos programas. Conforme o Caderno de Apresentação do Planejamento (2005), “será um grande avanço que o governo estará incorporando à administração municipal: um modelo de gerenciamento organizado a partir do trabalho coletivo, democrático e participativo, transparente e reforçador da intersetorialidade e focado nos programas prioritários da gestão.” Segundo Melo (1996), uma forma de governance mais horizontalizada, cujas dificuldades iniciais para organizar os fóruns coletivos de gestão foram: 1. A existência de visões departamentalizadas do tipo comando controle, pouco afinadas com a democratização do processo decisório; 2. Ausência de uma dinâmica de trabalho coletivo que fortalecesse a cultura de aprendizado institucional em oposição aos modelos hierarquizados (SOUZA, 2002); 3. Dinâmica desigual de funcionamento dos fóruns, bem como da presença de órgãos e da alta direção política nas suas atividades; 4. Dificuldade de comunicação interna diante da visão tradicional dos órgãos atuarem isoladamente para não “perderem poder” e; 5. Um modelo de gestão pouco estruturado e com o planejamento de governo não organizado em torno de prioridades integradas e intersetoriais. O desafio foi organizar a agenda de governo e sua dinâmica política e técnica de gestão, buscando: a) ampliar as capacidades administrativas, considerando a realidade em vigor da descentralização de políticas federais, conforme Kugelmas (1999) e Abrucio (2005); b) modificar a cultura técnico-política da administração pública (NOGUEIRA, 1997). Apresentar essa estrutura política e organizacional será o tema da próxima seção. 80 Novos Rumos para a Gestão Pública 4. Estrutura política e organizacional do modelo de gestão O modelo de gestão foi organizado em torno de fóruns coletivos formados pela alta direção política do governo e dos órgãos e sua apresentação se baseia em (GRIN, 2007): 1. Organização de fóruns gerais: coletivos responsáveis pela gestão estratégica que, além da Coordenação de Governo e Secretariado, eram: 1. Comitê de Gestão Estratégica do Governo, composto pela Secretaria de Gestão Estratégica (SEGES), Coordenadores dos Comitês Temáticos e o Prefeito. Cabia a esse Comitê a governança geral, a condução política do planejamento de governo e do modelo de gestão e; 2. Comitê Executivo da Gestão Governamental formado pela SEGES e Secretarias Executivas (unidades internas coordenadoras da gestão nos órgãos). Esse fórum monitorava o planejamento e a gestão nos órgãos, ademais de estimular o “aprendizado cooperativo” em âmbito político e técnico de forma solidária e intersetorial. 2. Organização por área de atuação (Comitês Gestores): fórum de gestão nos órgãos formado pelo titular e cargos-chave de direção política e técnica, visando organizar um modelo decisório mais horizontal entre as unidades internas e menos hierarquizado entre a liderança política e a gestão técnica. O objetivo era construir um processo decisório distinto do tipo comando hierarquizado com as seguintes atribuições: 1. Apoiar a gestão descentralizada, com delegação e ampliação da responsabilidade política e técnica; 2. Gerenciamento do planejamento estratégico: programas e projetos específicos das áreas, dos projetos que compunham um programa compartilhado (coordenados por um órgão, mas estruturado em torno de metas comuns visando sua execução integrada) e dos indicadores de avaliação. 3. Organização integrada de áreas com afinidade temática (Comitês Temáticos): fóruns temáticos (Comitês de Políticas Sociais, Comitê de Gestão Administrativa, Comitê de Desenvolvimento Econômico e Social e Comitê de Desenvolvimento Urbano) reunindo órgãos que poderiam atuar de forma integrada por sua afinidade. Buscou-se romper a cultura da fragmentação administrativa e da baixa integração entre as áreas. Os programas integrados eram mais abrangentes (mais experiências afins atuando conjuntamente) e otimizaram os recursos financeiros, tecnológicos e humanos. Os Comitês Temáticos desenvolveram uma pedagogia coletiva para educar a direção política do governo, particularmente os titulares dos órgãos, a compreenderem os limites de ações isoladas. Por isso, os Comitês Temáticos identificavam problemas cuja solução fosse mais bem respondida pelo planejamento integrado. Este sistema coletivo de gestão transversal e participativa democratizou o debate interno ao incorporar elementos de natureza política como o diálogo e a negociação (SOUZA, 2002), com base nas seguintes atribuições: 1. Diagnosticar problemas que exigem atuação intersetorial e focado nos programas estratégicos do governo; 2. Formular, coordenar e avaliar programas integrados entre os órgãos e; 3. Fortalecer a cultura de atuação integrada (racionalizar despesas, pois o federalismo fiscal brasileiro requer, segundo Afonso & Araújo (2001), soluções locais que ajustem as ações aos recursos disponíveis). Integrar os Comitês Temáticos e os Comitês Gestores setoriais foi fundamental para o modelo de gestão, pois o fluxo de informação entre as unidades com afinidade temática permitiu a integração funcional com a integração em um campo comum de assuntos. Assim ampliou-se a comunicação horizontal entre os órgãos para reduzir os “feudos” internos, e construiu-se um relacionamento cooperativo entre política e gestão para modificar a cultura político-institucional de fragmentação administrativa por meio de: 1. Reuniões dos Comitês Gestores para tratar dos projetos setoriais que compunham os programas integrados, cuja avaliação era debatida no Comitê Temático; 2. Deliberação dos Comitês Temáticos, pois as ações de cada programa, cuja responsabilidade era dos órgãos, formavam sua concepção integrada e as definições adotadas retornavam para a Secretaria específica implementar ações corretivas e; 3. Criação de um fluxo integrando Comitês Gestores e Comitês Temáticos em torno de responsabilidades pactuadas nas ações qualificou a gestão funcional e intersetorial para formular e gerir políticas públicas (SPINK et alii, 2008). 4. Organização da estrutura de coordenação gerencial e política, quando se criou a Secretaria de Gestão Estratégica (SEGES) para monitorar e avaliar o planejamento estratégico descentralizado nas áreas. Sua função era de assessoria: 81 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 1. Assessorias Temáticas: assessores que acompanhavam os comitês temáticos e as secretarias para: a) organizar, juntamente com o Coordenador, as reuniões dos fóruns temáticos e a implementação das decisões junto aos responsáveis pelos projetos; b) subsidiar as reuniões de Secretariado e o debate dos programas; c) acompanhar reuniões dos Comitês Gestores das áreas afins com o Comitê Temático (por exemplo, nos órgãos que compõem o Comitê de Políticas Sociais) visando garantir unidade técnica e política do debate e integrar os assuntos nos comitês gestores; d) monitorar o modelo de gestão; e) verificar com o secretário executivo dos órgãos o status dos programas e ações e; f) analisar os programas com os seus responsáveis. Estas “células de preparação de decisões” qualificaram a gestão da política e seu embasamento técnico. 2. Comitê de Gestão da SEGES: fórum coletivo dessa Secretaria com a participação dos assessores temáticos para avaliar programas e o modelo de gestão, visando subsidiar o debate dos fóruns de gestão governamental. Reforçou-se a compreensão de que a capacidade gerencial requer um modelo de avaliação e monitoramento de governo. Embora essa arquitetura do modelo de gestão se aplicasse a todo governo como uma forma de inovação administrativa stricto sensu, houve órgãos e comitês temáticos em que seu funcionamento foi mais efetivo. Apresenta-se, a seguir, a experiência do Comitê de Políticas Sociais (2005/2006) para ilustrar, com esse case, a dinâmica intersetorial do modelo de gestão. 4.1 O funcionamento do Comitê Temático de Políticas Sociais Este fórum reunia as Secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos e Cidadania, Cultura, Trabalho e Geração de Renda, Esportes, Segurança Urbana e Assessoria Especial do Projeto Terra, que será apresentado a seguir. Coube a esse fórum a gestão integrada e monitoramento dos programas e projetos estratégicos de políticas sociais (que eram 17 dos 40 programas estratégicos de governo). Face à complexidade dessa agenda, se buscou organizar a gestão e a avaliação integrada dos programas da marca de governo “Cuidar das Pessoas”. Esta era um eixo estratégico destacando que o “governo cuida das pessoas e promove o exercício da cidadania com políticas públicas integradas nos diferentes territórios da cidade, ampliando as oportunidades de inclusão social e construindo a cultura da paz”. Esse Comitê se caracterizou pela regularidade de suas reuniões com a presença dos titulares dos órgãos, mesmo das secretarias mais autônomas orçamentariamente como Saúde e Educação. Os objetivos acima pautaram um dos 17 programas coordenados pelo Comitê: o Projeto Terra, que propunha, por meio da gestão participativa, intervenções sociais via políticas urbanísticas, econômicas e ambientais para a população em áreas de ocupação espontânea. Buscava-se desenvolver a “inclusão social, promoção humana e a melhoria da qualidade de vida integrando à população alvo à cidade”. Buscou-se constituir uma ação integrada a ser executada em onze regiões da cidade chamadas poligonais. Para ilustrar a dinâmica integrada, e sua vinculação com a estrutura política e organizacional de gestão acima descrita, a experiência da Câmara Territorial da poligonal VII – Região de São Pedro será apresentada, pois se tratava de uma região cujos indicadores sociais justificavam sua priorização. Em 2006, possuía 28.718 habitantes, sendo 1092 analfabetos. Em relação ao mercado de trabalho, 2.368 mulheres eram consideradas chefes de família e 2.058 pessoas recebiam entre um e quatro salários mínimos. Conforme a saúde pública havia problemas de gravidez na adolescência, de exploração sexual infantil, de cobertura vacinal e 633 casos de dengue entre 1999 e 2002 (os serviços públicos de rede de água, esgoto e coleta de lixo atendiam apenas 27% da população). No tocante à segurança pública registrava-se um índice de mortes violentas de 54 homicídios (especialmente entre jovens de 15 a 24 anos). (RELATÓRIO DO SEMINÁRIO DO PROJETO TERRA, 2006). Diante desses indicadores se organizou um Grupo de Trabalho formado pelos Secretários das áreas de políticas sociais e técnicos dos órgãos. Constituiu-se uma Câmara Territorial focada em “questões integradoras” (p. ex.: adolescentes em conflito com a lei e gravidez na adolescência) para orientar o GT. Para o enfrentamento à violência definiram-se ações integradas, pois como política pública isolada seria pouco eficaz. Compreendeu-se que a Câmara Territorial, vinculada ao Comitê de Políticas Sociais, seria um avanço, pois a intersetorialidade possibilitaria: a) unificar o diagnóstico da realidade e uma atuação mais efetiva no território; b) ampliar a visibilidade dos projetos, respeitando a integralidade no atendimento à população; c) gerar participação da sociedade civil; d) criar indicadores integrados para facilitar a avaliação e; e) organizar projetos estratégicos de inclusão social para otimizar recursos e alargar o campo de ação das políticas públicas. A Figura 1 apresenta o fluxo geral de funcionamento da Câmara Territorial em que se observa o vínculo com o Comitê de Políticas Sociais, mediado pela marca temática “Cuidar das Pessoas”. A vinculação política e técnica entre esses dois fóruns foi possível pela afinidade de 82 Novos Rumos para a Gestão Pública interesses, o que colaborou para organizar uma gestão mais horizontalizada e menos afeta ao comando e controle centralizados. A metodologia adotada se aproxima do argumento de Nogueira (1997) sobre os desafios que as prefeituras têm para implantar uma nova cultura político-gerencial diante das demandas da descentralização das políticas públicas e do desenvolvimento do novo perfil de gestor público. As políticas públicas integradas, e definidas nesse fórum, pautavam os Comitês de Gestão de quatro secretarias (SEMAS-Assistência Social, SEMUS-Saúde, SEME-Educação e SEMSUSegurança Urbana). O desdobramento das ações transversais nos órgãos presentes nessa Câmara demandava “capacidades administrativas” nas áreas, sem o que a gestão intersetorial perderia em eficácia. Visando alcançar esses objetivos, a metodologia de trabalho buscou: a) construir interfaces entre as secretarias presentes na CT; b) subsidiar as decisões do Comitê de Políticas Sociais; c) otimizar recursos humanos, financeiros e organizativos via gestão intersetorial; d) estruturar ações, considerando o território, os eixos estratégicos do governo, a Marca Temática do Comitê de Políticas Sociais e o público alvo e; e) motivar a cooperação do CT em ações intersetoriais. O CT operava com: a) reuniões mensais; b) reuniões quinzenais do Grupo Executivo para elaborar sua pauta; c) avaliações trimestrais do planejamento estratégico; d) transparência interna de informações para evitar a ação de “feudos” (por exemplo, o envio de atas das reuniões aos participantes) e; e) divulgação das ações apoiada pela Secretaria de Comunicação. A SEGES formava o grupo executivo para coordenar a CT. A seguir se analisa o modelo de gestão implementado na PMV indicando as dificuldades encontradas. 5. Notas finais para a discussão do modelo de gestão da PMV Segundo Almeida (2005; s/d) e Rodden (2005), o federalismo cooperativo se baseia na autoridade compartilhada e competências comuns entre esferas de governo. A organização das relações intergovernamentais, e a descentralização de políticas, requerem capacidades instaladas nos municípios, permitindo que as atribuições assumidas sejam mais bem organizadas para sua implantação. A experiência dos fóruns coletivos de gestão da PMV foi um esforço para responder às incumbências assumidas pelos municípios no federalismo brasileiro. Buscou-se qualificar a tomada de decisão, a delegação de responsabilidades sobre as políticas públicas e a descentralização gerencial. Construiu-se um suporte decisório intersetorial e setorial, baseado na gestão participativa, como um canal para os atores governamentais decidirem políticas. O desafio de criar um ambiente gerencial e político-institucional mais democrático e mais eficaz buscou escapar da visão de comando e controle centralizado, visando construir um modelo que aproximasse política e gestão, democracia e eficácia, legitimidade política e autoridade decisória na formulação e gestão de políticas. O debate coletivo foi um meio mais eficaz do que decisões de natureza técnica, como se a política não fosse intrínseca à gestão pública. A aproximação entre a política e a técnica foi um diferencial na gestão, além de qualificar os resultados do planejamento de governo. Os fóruns coletivos serviram para definir prioridades (as políticas nas instâncias de deliberação) e seus fins (os programas estratégicos e suas metas). O modelo gerencial enfatizou a organização coletiva e o monitoramento dos programas de governo, buscando reduzir o tecnicismo gerencial sem avaliação política, bem como a visão oposta que concebe a democratização da gestão como panacéia contra a ineficácia administrativa. Ao adotar as prioridades políticas do governo, gerou-se um distanciamento da visão tecnicista, segundo a qual, para decidir e destinar recursos, o governo deve despolitizar-se (GARNIER, 2004). Com os fóruns gerenciais criou-se uma cultura político-institucional e de aprendizagem organizacional para gerir metas integradas, distintamente do isolamento que fragmenta ações e estimula uma lógica de poder restrita aos órgãos, reduzindo as possibilidades de integração técnica e política. A resposta à fragmentação de responsabilidades comuns na administração pública burocrática foi um novo marco de cooperação (BLANCO & GOMA, 2003). Buscar essa integração foi um teste de eficiência político-gerencial para os órgãos operarem com prioridades de governo antes de sua agenda setorial. Por fim, é importante apresentar algumas dificuldades encontradas para implantar o modelo de gestão, dentre os quais: 1. Gestão integrada de programas: um “novo aprendizado institucional”, baseado na gestão coletiva e transversal, foi uma variável dependente dos distintos interesses políticos, o que gerou desigualdade no ritmo de implementação e incidiu sobre a gestão intersetorial de políticas. Em algumas situações, o debate sobre programas enfrentou a falta de uniformidade e/ou diferença nas informações disponíveis para embasar decisões coletivas; 83 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 2. Construção de interesses convergentes: programas intersetoriais nem sempre conseguiram definir interesses integrados, pois alguns tinham metas justapostas e eram mais uma agregação de intencionalidades do que interesses comuns organizados. Esta situação refletia situações contraditórias em que os órgãos se depararam com o dilema da colaboração, ou do isolamento, na constituição do modelo de gestão; 3. Envolvimento da direção política: o modelo exigia a participação da alta direção política, mas como a administração tradicional opera com uma lógica segundo a qual para cada área especialista corresponde um nível decisório, garantir a presença das lideranças nesse processo de gestão foi um desafio; 4. Manutenção dos fóruns coletivos: a departamentalização como estrutura interna de poder decisório possui fortes raízes na gestão pública, sendo difícil alterar esse habitus administrativo. Buscou-se criar fóruns coletivos onde a direção política decidisse sobre políticas públicas, mas garantir encontros na periodicidade definida exigiu cobrança para que sua presença conferisse legitimidade ao modelo de gestão e suas deliberações; 5. A política no planejamento governamental: distinto da visão que “despolitiza a política” e compreende o planejamento pelo viés técnico, o desafio foi manter o foco nas prioridades políticas e evitar a tentação tecnicista da gestão como fim em si mesmo; 6. Avaliação política e técnica do planejamento de governo: constituir a avaliação política e técnica dos resultados dos programas foi um desafio difícil e de pouco êxito e; 7. Democratização de informações: a departamentalização da gestão pública segmenta o fluxo de informações. Mesmo com fóruns coletivos houve dificuldade para disponibilizar informações, pois, para alguns órgãos, democratizar informações significava perder poder. A experiência da PMV mostrou que a organização política e institucional da gestão governamental buscou ampliar sua eficácia e efetividade. Este artigo apresentou como o modelo adotado combinou política e gestão em um novo formato gerencial. A implantação desse modelo objetivou aproximar eficácia e democracia, legitimidade política e capacidade gerencial, mesmo diante dos interesses e estratégias dos atores no ambiente institucional. Mesmo considerando a especificidade da experiência, o estudo sobre formatos políticos e gerenciais na administração pública é um tema atual na agenda dos governos subnacionais, e esse artigo buscou contribuir nesse debate ao discutir a experiência de modernização encetada na PMV. 6. Referências bibliográficas ABRUCIO, Fernando Luiz (2005). A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia Política, Curitiba, 24: 41-67. AFONSO, José Roberto Rodrigues & ARAÚJO, Erika Amorim (2000). 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O Estado não deve negligenciar as atividades das cooperativas e associações uma vez que elas constituem uma forma de promover a geração de trabalho e renda e motivar a participação da sociedade na gestão pública. No entanto, para modificar tal quadro, é mister que seja executado um planejamento a partir do conhecimento dos fatores que influenciam os trabalhos dessas organizações. O problema enseja o exame da interação das organizações comunitárias com o poder público e sua relevância para os programas de coleta de recicláveis. Assim, podem ser tomadas as medidas cabíveis para a implementação de uma gestão pública capaz de satisfazer as demandas que favorecem o desenvolvimento sustentável de um município e se evitem as conseqüências da má destinação do lixo. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva analisar o relacionamento das organizações de catadores de material reciclável do município de Palmas-TO com os poderes públicos municipal e estadual. Para tanto, desenvolveu-se um estudo de caso com uso de pesquisa exploratória. Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema abordado, além da aplicação de entrevistas semi-estruturadas com representantes do poder público e das organizações comunitárias, as quais possibilitaram uma visão sobre a política relativa à coleta de material reciclável da cidade, no primeiro semestre de 2010. Destarte, analisaram-se os papéis desempenhados pela Cooperativa de Produção de Recicláveis do Tocantins (COOPERAN) e Associação de Catadores da Região Norte de Palmas (ASCANPA) assim como pelo poder público através da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Habitação de Palmas-TO(SEDUMAH) e do Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS). Verificou-se que as organizações de catadores e o poder público não possuem uma visão alinhada da política relativa à coleta de material reciclável local. Os representantes da COOPERAN e ASACAMPA enfatizaram a urgência de melhoria na infraestrutura de suas organizações e a elevação da quantidade e qualidade dos resíduos coletados. Entretanto, observou-se que os trabalhos da SEDUMAH e da NATURATINS estão voltados principalmente para o apoio técnico de capacitação dos catadores. Ademais, foi constatada a existência de aparato legal que enseja a coleta de recicláveis. Os resultados tornaram explícita a necessidade de se promover o consenso entre tais organizações e o poder público que atua na capital do Tocantins. Por conseguinte, considera-se urgente que o Estado compreenda as expectativas das organizações comunitárias, tendo em vista que, apesar dos esforços despendidos, elas não são plenamente atendidas. Ressalta-se ainda a importância de haver a aplicação efetiva das leis estaduais e municipais que tratam da destinação do lixo e da educação ambiental, uma vez que a simples existência de legislação não consiste em resultados válidos para a sociedade. É imprescindível a conscientização sobre a importância do desenvolvimento sustentável através da disseminação da educação ambiental. Isso pode aprimorar a participação social e suscitar a instituição de parceria com a população. Desse modo, as políticas públicas promoverão o desenvolvimento das organizações comunitárias e da coleta de material reciclável. Palavras-chave: Poder público. Material reciclável. Desenvolvimento sustentável. 1. INTRODUÇÃO A coleta de material reciclável consiste em uma alternativa para a gestão pública promover o desenvolvimento sustentável das cidades. Nesse contexto, o poder público deve incentivar os trabalhos das organizações comunitárias a fim de evitar a marginalização de cidadãos como os catadores de recicláveis. O Estado não deve negligenciar as atividades das cooperativas e associações uma vez que elas constituem uma forma de promover a geração de trabalho e renda, além de motivar a participação da sociedade na gestão pública. Para modificar tal quadro, é mister que seja executado um planejamento a partir do conhecimento dos fatores que influenciam os trabalhos dessas organizações. Como defende Chiavenato (2003), a exposição dos fatores internos das organizações é importante para que estas possuam o autoconhecimento de suas forças e fraquezas, enxergando a existência ou não de fatores que são preponderantes na execução de suas atividades. Por outro lado, a análise do 87 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 ambiente externo é importante pelo fato da organização possuir pouco controle e poder de influência sobre fatores econômicos, políticos, legais e socioculturais. Ao ser incumbido de planejar e implementar a Coleta Seletiva Solidaria, conforme Decreto Presidencial nº 5.940/06, na Unidade Estadual do IBGE no Tocantins, no ano de 2008, o autor deste artigo percebeu a dificuldade que enfrentam as organizações de catadores de material reciclável na cidade de Palmas-TO. Ademais, verificou-se a complexidade inerente à mudança de atitude, em favor do meio ambiente e da sociedade, o que demanda o uso de habilidades técnicas dos gestores públicos. Assim, tornou-se clara a relevância de se analisar os elementos intrínsecos à coleta de recicláveis. A cidade Palmas-TO requer a produção de conhecimento sobre o referido tema, o qual pode servir de base para a implementação de melhorias na sua política ambiental. Outrossim, o estudo justifica-se pela necessidade de entendimento da realidade sobre a interação das organizações que executam a coleta de recicláveis em Palmas-TO, a Cooperativa de Produção de Recicláveis do Tocantins – COOPERAN e a Associação de Catadores da Região Norte de Palmas – ASCANPA, e as gestões municipal e estadual. Destarte, o presente trabalho objetiva avaliar os fatores que influenciam na execução da coleta de material reciclável em Palmas-TO através da interação das organizações comunitárias com o Município e o Estado. Ele está estruturado d modo que apresenta a importância da ação do poder público para o desenvolvimento sustentável; aborda o contexto da coleta de recicláveis em Palmas-TO; expõe a realidade das organizações comunitárias que executam a coleta de material reciclável e a participação do Município e do Estado; por fim, é feita uma análise dos resultados e expressas as considerações finais. 2. PODER PÚBLICO, COLETA DE MATERIAL RECICLÁVEL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O desenvolvimento sustentável, para Menegat (2004), ocorre através da ação de quatro elementos que compõem o que chamou de matriz da sustentabilidade: governo sensato, preservação da estabilidade social (ordem), mudança cultural e iniciativa dos cidadãos. Franco (2001) afirma que o desenvolvimento sustentável tem como finalidade a integração de preocupações ambientais ao bojo das políticas socioeconômicas, fazendo estas políticas responsáveis por seus impactos ambientais. Assim, depreende-se que, para haver desenvolvimento sustentável, se faz necessária a atuação do poder público para estabelecer um sentimento conjunto de responsabilidade pelas futuras gerações. É preciso criar as condições socioeconômicas, institucionais e culturais que estimulem não apenas um rápido progresso tecnológico, como também uma mudança em direção a padrões de consumo que não impliquem o crescimento contínuo e ilimitado do uso de recursos naturais (LEFF, 2001, p. 268). No contexto brasileiro, a Constituição Federal, Art. 225, impõe ao poder público e a coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente, a fim de garantir a todos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. O poder público deve trabalhar para evitar problemas decorrentes da má destinação dos resíduos sólidos. Grippi (2006) afirma que os órgãos municipais, responsáveis diretos pela coleta do lixo urbano têm que dar o exemplo, e as secretarias municipais de meio ambiente devem atuar convenientemente dentro de seu papel como órgãos locais do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). As conseqüências da má destinação do lixo podem ser verificadas através da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a qual apontou que 30,7% dos municípios com lançamento inadequado de resíduos sólidos sofreram problemas de inundação e/ou alagamento. A necessidade de se promover a racionalização dos recursos disponíveis na natureza é de grande relevância para o desenvolvimento sustentável dos municípios brasileiros. Calderoni (2003) afirma que algumas razões para aplicação de uma política de coleta seletiva e reciclagem de resíduos sólidos pelas prefeituras são a exaustão de matérias-primas, os custos crescentes das matérias primas, transporte e aterros, além de poluição e prejuízo à saúde. Vale ressaltar que os municípios têm o papel de destinar adequadamente o lixo para aterros oficiais assim como incentivar programas de coleta seletiva e reciclagem. Ademais, possuem o dever de fomentar programas de educação ambiental nas comunidades, conforme determina a Lei 9.795/99, que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. 88 Novos Rumos para a Gestão Pública Nesse contexto, a coleta de material reciclável aparece não somente como forma de corroborar a sustentabilidade do meio ambiente como também um instrumento de desenvolvimento das organizações comunitárias. Segundo Duarte (2002), a riqueza proporcionada pelo tratamento do lixo se encontra em um processo de concentração de renda. De um lado, grandes empresários articulados à burocracia estatal e, de outro lado, a existência de um grande contingente de excluídos maltratados pelo sistema, que se dedicam a catar lixo para sobreviver e obter uma fonte de renda. Ele afirma ainda que a questão não é o abandonar a utilização tecnológica no tratamento do lixo. Todavia, deve-se procurar desenvolver meios para que as empresas não monopolizem essas atividades, impedindo os catadores de acessar meios de sobrevivência de forma digna. 3. A COLETA DE RECICLÁVEIS EM PALMAS-TO Na cidade de Palmas-TO, a coleta de material reciclável é realizada, limitadamente, por apenas uma cooperativa e uma associação: a Cooperativa de Produção de Recicláveis do Tocantins – COOPERAN e a Associação de Catadores da Região Norte de Palmas – ASCAMPA. Enfrentamse problemas devido a elementos como a deficiência de estrutura interna, falta de políticas públicas e baixo nível de contribuição da população local. Seus trabalhos atingem uma pequena área da cidade, fazendo com que grande parcela da população não tome conhecimento de sua existência e importância. Isso dificulta a sustentabilidade das referidas organizações de catadores de material reciclável em virtude de sua fragilidade para enfrentar um ambiente de poucas oportunidades e muitas ameaças. Assim, para uma análise pormenorizada das realidades da COOPERAN e ASCANPA, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com seus representantes, indagando-os sobre as barreiras enfrentadas e expectativas de desenvolvimento tanto do ponto de vista interno (estrutura) quanto externo (população, governo e organizações privadas e públicas em geral). Para obter informações sobre os trabalhos da prefeitura e governo estadual em favor da coleta de material reciclável em Palmas-TO, foram entrevistados informantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Meio ambiente e Habitação de Palmas-TO - SEDUMAH e do Instituto Natureza do Tocantins - NATURATINS. Dessa forma, investigou-se a existência de políticas públicas de fomento às atividades das organizações de catadores de material reciclável e de promoção da conscientização da população quanto à necessidade do reaproveitamento de material através da coleta seletiva e reciclagem. 4. AS ORGANIZAÇÕES COMUNITÁRIAS E A EXECUÇÃO DA COLETA DE RECILÁVEIS EM PALMAS-TO 1. COOPERAN O presidente da COOPERAN, no dia 12 de abril de 2010, concedeu entrevista na qual explicou como a organização surgiu, a situação em que ela se encontra e as suas expectativas de desenvolvimento como organização. O entrevistado informou que a COOPERAN é uma organização que surgiu na cidade de Palmas-TO, em 2004, com o objetivo de promover os trabalhos dos catadores de materiais recicláveis do município e de parte do estado do Tocantins que, naquele período, atuavam isoladamente, sofrendo com a falta de apoio, além do preconceito e a desvalorização comercial do material coletado. A idéia da cooperativa surgiu para resolver também outros problemas, como o acúmulo de material reciclável na residência dos catadores, o que causava perigo à saúde pública. O informante explicou que a cooperativa concentra suas atividades na região sul de Palmas-TO e na coleta de material reciclável em organizações públicas e privadas do centro da cidade. A cooperativa iniciou suas atividades com 27 cooperados e, no primeiro semestre de 2010, contava com 65, no entanto, apenas 15 destes trabalham de fato para a sustentação e desenvolvimento da instituição. O representante da organização afirmou que uma vez que o material coletado é de baixo valor (coleta-se pouco alumínio, cobre e ferro) as pessoas preferem trabalhar isoladamente nas ruas, coletar material de maior valor e vender direto ao comprador. Na rua, chega-se a ganhar um salário mínimo, na cooperativa, um pouco mais da metade, completou. Solicitou-se ao informante explicação sobre as condições de estrutura de trabalho da organização. Como resposta, afirmou que o patrimônio mais relevante que a COOPERAN possui consiste em um galpão para realização de triagem e um veículo para a coleta do material reciclável. Todavia, o galpão possui o defeito de ser semi-aberto, ensejando a ocorrência de furtos por parte daqueles que percebem o fácil acesso ao material. 89 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Quando questionado se a organização atende a demanda da sociedade, o informante respondeu positivamente e ressaltou que a maior parte do material recebido pela organização é oriunda de instituições públicas. Há necessidade de diminuir os custos que ainda são bastante elevados, e também a quantidade de tempo gasto com o processo de triagem do material, uma vez que este normalmente é recebido sem a devida separação por tipo (papel, vidro, plástico e metal). O problema ocorre porque as pessoas entregam, por exemplo, plástico e papel em um mesmo recipiente, ficando o trabalho de separação para os catadores, completou. O representante da COOPERAN, quando perguntado se a população de Palmas-TO tem colaborado o suficiente, argumentou que em parte, porque apesar da quantidade ser relativamente dentro das expectativas, o material recebido não é de boa qualidade, remetendo à questão da não separação do material conforme seu tipo. O informante, ao ser indagado sobre o apoio do poder público, respondeu que os órgãos públicos não descartam materiais de maior valor, os quais são vendidos pelos seus funcionários. Citou um exemplo de certa secretaria do estado que solicitou à COOPERAN a coleta de cadeiras, no entanto só entregou os restos de madeira aglomerada. Entretanto, existem alguns poucos órgãos públicos que contribuem de modo significativo para os trabalhos da COOPERAN, em especial os pertencentes à esfera estadual e federal. Ao ser questionado sobre a aplicação de políticas públicas específicas para o desenvolvimento da coleta seletiva, o entrevistado informou que o Estado e o Município têm se aproximado da cooperativa, no entanto é necessário maior contribuição porque o trabalho não está rentável. Ele informou que a COOPERAN recebeu da prefeitura o imóvel para a instalação da cooperativa. Na ocasião, a prefeitura afirmou que implantaria, experimentalmente, um programa de coleta seletiva na cidade logo que houvesse a referida instalação, mas até aquele momento, isso não ocorreu. O entrevistado, quando questionado sobre os maiores colaboradores para os trabalhos da COOPERAN, citou algumas organizações públicas e privadas que contribuem de forma significativa. Para ele, os maiores colaboradores externos da COOPERAN são, dentre outros, os Correios, a ONG Moradia e Cidadania, a SETAS (Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social) e os órgãos públicos federais que, através do Programa Coleta Seletiva Solidária, contribuem com parcela significativa do material reciclável coletado. Por fim, o informante explicou seu ponto de vista quanto a um possível modo de fortalecer a organização. Segundo ele, para melhorar a situação, a existência de uma indústria de transformação em Palmas-TO poderia elevar os preços dos materiais ofertados pela COOPERAN. Por exemplo, do papel branco poderia ser fabricado papel A4; do papelão, se fabricaria telha térmica; como o estado é muito quente, as pessoas poderiam optar por esse produto. Ademais, a COOPERAN poderia granular o plástico que coleta. Esse material é vendido pela cooperativa em torno de R$ 0,60 a R$ 0,70/t, se fosse granulado, seria cerca de R$ 4,00/t. Dessa forma, aumentaria a rentabilidade do negócio da cooperativa e motivaria os cooperados a retornar para suas atividades junto à COOPERAN. 2. ASCANPA O representante da ASCANPA, no dia 11 de maio de 2010, concedeu entrevista a fim de explicitar a situação da organização e suas expectativas para a coleta de material reciclável em Palmas-TO. Segundo o informante, a ASCANPA foi fundada em agosto de 2005, motivada pelos Fóruns de Lixo e Cidadania Municipal e Estadual. Porém, a razão maior para sua fundação ocorreu pelo fato de que os catadores da região norte de Palmas-TO encontravam-se muito distantes da organização de catadores de material reciclável – a COOPERAN – que tinha sede na região de Santa Bárbara, extremo sul da cidade. O entrevistado salientou que a ASCANPA, além da contribuição dos seus associados, requer o apoio externo para dar continuidades aos seus trabalhos. Perguntado sobre o público-alvo da ASCANPA, o entrevistado explicou que as quadras da região norte de Palmas-TO servem como foco para a realização de seus trabalhos. Para tanto, contava inicialmente com 68 associados e, ao período desta pesquisa, com 78, sendo que apenas 30 contribuem ativamente para o desenvolvimento da ASCANPA. O informante explanou que a organização não tem estrutura física para dar suporte à quantidade de associados, porém, mesmo com essa barreira, acredita-se que o importante é valorizar o trabalho coletivo. Afirmou ainda que não se deve esperar a estruturação da organização para poder trabalhar em conjunto. Para manter os associados, a organização os ajuda nas pequenas despesas domésticas, como pagamento de energia elétrica, e também incentiva a participação em palestras e eventos voltados 90 Novos Rumos para a Gestão Pública para o desenvolvimento profissional. O representante da ASCANPA argumentou que muitos se afastaram dos trabalhos da associação porque mudaram de atividade ou porque passaram a morar na região sul da cidade. Quando perguntado se a capacidade da ASCANPA tem atendido bem a demanda da comunidade onde atua, o entrevistado afirmou que parcialmente. Argumentou que se evita a destinação de grande quantidade de material reciclável para o aterro, uma vez que são coletadas em torno de oito toneladas de material por mês. Todavia, essa quantidade poderia ser ainda maior. O representante da ASCANPA explicou sobre as dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem da coleta de material reciclável e afirmou que há certa discriminação contra os associados. Para ele, muitas pessoas desconhecem ainda a função do catador, enxergando-o como um marginal. Para ele, é importante que a sociedade local entenda melhor os trabalhos da ASCANPA. Sobre a participação da população e do poder público, afirmou que as pessoas ainda não estão conscientizadas da necessidade de separar o material reciclável do lixo. Já o poder público tem contribuído mais para os grandes empresários da área do que para a ASCANPA. Alegou que as organizações públicas municipais e estaduais vendem os materiais recicláveis. Adicionalmente, o galpão em que está sediada era pago pela prefeitura e há mais de um ano está em atraso. Questionado sobre políticas públicas específicas para a coleta de material reciclável, afirmou que a prefeitura ajuda com apoio técnico (capacitação) através da iniciativa do Fórum Estadual Lixo e Cidadania (FELC). No entanto, disse que o FELC não resultou ainda em solução concreta para problemas da ASCANPA. Na opinião do informante, para que a ASCANPA se desenvolva é necessário um projeto para aperfeiçoar sua estrutura, pois a atual é inadequada. Ademais, a população deve conscientizar-se de seu papel em relação à coleta seletiva de material reciclável. Os associados, por sua vez, precisam melhorar o conhecimento formal, estudar e possuir qualificação. Ele defendeu que, desse modo, a organização poderia cumprir melhor seu objetivo e melhorar a promoção da qualidade de vida para os seus associados. 5. GESTÃO PÚBLICA E ORGANIZAÇÕES RECICLÁVEL EM PALMAS-TO 1. NATURATINS DE CATADORES DE MATERIAL No dia 26 de março de 2010, realizou-se uma entrevista com um dos representantes do Instituto Natureza do Tocantins - NATURATINS, órgão estadual de meio ambiente que possui como objetivo o estudo, a pesquisa, a experimentação no campo da proteção e controle ambiental e a utilização racional dos recursos ambientais, conforme leis estaduais 029/89 e 858/96. O entrevistado salientou sobre a responsabilidade do NATURATINS quanto à educação ambiental e a implantação do Fórum Estadual Lixo e Cidadania – FELC nos municípios em que trabalham as organizações de catadores, criação de mercado para material reciclável e apoio à gestão municipal de resíduos sólidos em todos os demais municípios do Tocantins. Ao ser questionado sobre a responsabilidade do NATURATINS, especificamente em relação ao município de Palmas-TO, o entrevistado afirmou que a organização não possui muitas responsabilidades quanto à política ambiental. Explicou que isso se deve ao fato de que a capital do estado possui uma secretaria municipal de meio ambiente bem estruturada. A questão do aterro sanitário, por exemplo, fica a cargo da Diretoria de Licenciamento da SEDUMAH. Por ter ressaltada a importância do Fórum Estadual Lixo e Cidadania - FELC, o representante foi indagado sobre o papel do fórum para a política ambiental de Palmas-TO. Desse modo, respondeu que o fórum tem o objetivo de promover discussão e propor atividades relativas aos resíduos sólidos. Falou ainda que, naquele período, estava aberta uma discussão para aprimorar uma lei municipal de coleta seletiva. A idéia era direcionar os trabalhos do fórum para que essa idéia fosse aprovada na câmara municipal. O entrevistado relatou a expectativa positiva para a aprovação da proposta através de projeto de lei. Para ele, a proposta é sucinta e atribui responsabilidade para as associações de catadores, empresas, município e para a sociedade. Acrescentou que a questão dos resíduos sólidos é uma cadeia, não basta o município fazer sua parte sem o apoio da comunidade, nem tampouco apenas os trabalhos dos catadores. Essa questão é um processo em que a base é a educação ambiental. As modificações da lei de resíduos sólidos irão atender as expectativas do município, completou. O representante do NATURATINS indicou que o Tocantins não possui lei específica sobre a destinação de recicláveis. Todavia, informou a existência de uma lei estadual (Lei nº 1.374/03) e de um programa de educação ambiental. A citada lei é ampla e dá um apanhado geral sobre o assunto, explicou. 91 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A lei estadual de educação ambiental, segundo o entrevistado, atua como base ao trabalho de apoio à implantação dos fóruns municipais sobre o lixo. Argumentou que o fórum auxilia as cidades na obtenção de licença de aterros sanitários, incentiva a comunidade a apoiar a política ambiental e ajuda os catadores a trabalhar de forma organizada, uma vez que a maioria exerce suas atividades informalmente. Questionado sobre o tipo de apoio técnico e estrutural dado às organizações de catadores, o informante respondeu que o NATURATINS provê capacitação, elaboração de plano de ação e acompanhamento por meio de visitas aos municípios onde eles trabalham. Não existe apoio com provimento de infraestrutura (equipamentos e instalações). 2. SEDUMAH . No dia 31 de maio de 2010, um dos representantes da SEDUMAH (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente) concedeu entrevista para apresentar o trabalho do Município referente à coleta de recicláveis. Ele explicou que dentro do organograma da secretaria existe a Diretoria de Meio Ambiente. Esta tem como objetivo a realização da sensibilização de instituições públicas, privadas e da população local sobre temas referentes à proteção e conservação do meio ambiente. O entrevistado informou que os trabalhos da Gerência de Educação Ambiental e Projetos são realizados através de ações de apoio à Semana Estadual da Água, mobilização para o projeto Hora do Planeta e promoção da Semana Municipal do Meio Ambiente e Temporada de Férias projeto de educação ambiental feito em julho nas praias de Palmas-TO. A equipe de técnicos da gerência realiza, durante todo o ano, palestras educativas em escolas e instituições públicas e privadas. É competência da Gerência de Educação Ambiental a gestão do Fórum Municipal do Lixo e Cidadania, o Conselho Municipal do Meio Ambiente e promover e a participação da sociedade no referido fórum. O informante explanou quanto o papel da secretaria em relação à política de meio ambiente do município de Palmas-TO. Assim, esclareceu que a SEDUMAH tem a competência de executar todas as diretrizes de educação ambiental, fiscalização e licenciamento pertinentes às leis municipais de meio ambiente. Citou como exemplos as leis municipais nº 14.165/02 – Coleta Seletiva de Lixo no Município de Palmas; Lei nº. 1011/01 – Lei Municipal de Meio Ambiente; e Lei nº. 997/01– Instituição do Conselho Municipal de Meio Ambiente. Interrogou-se o entrevistado sobre os trabalhos da secretaria para desenvolver um sistema mais eficiente de coleta de material reciclável na cidade de Palmas-TO. Assim, declarou que a iniciativa da secretaria é dar suporte a associação e a cooperativa de catadores para a realização da coleta seletiva, que, a princípio está sendo realizada de forma tímida, pois a coleta de determinados materiais são influenciadas pelo valor de mercado praticado pelos atravessadores. Adicionou que a secretaria está cobrando da administração pública o cumprimento da lei nº 14.165/02. Questionou-se o informante sobre que tipo de apoio a secretaria provê às organizações que realizam a coleta de material reciclável na cidade. Como resposta, explanou que a COOPERAN recebe da SEDUMAH capacitação para os catadores e ajuda na elaboração de projeto para captação de recursos. Também salientou que o município doou um terreno para construção de um galpão para depósito de materiais recicláveis e auxiliou na regularização do projeto arquitetônico. A ASCANPA, por sua vez, também recebe capacitação para seus componentes através da SEDUMAH, a qual está trabalhando para promover maior apoio das atividades desenvolvidas naquela associação, e a aquisição de um terreno. O informante completou que ambas as instituições são beneficiadas por um projeto de alfabetização que foi elaborado pela SEDUMAH e foi viabilizado financeiramente pela Fundação Banco do Brasil. Por fim, o entrevistado informou a existência de lei que trata sobre a política de educação ambiental do município. Ele indicou ainda que Palmas-TO não possui uma lei que regulamenta a educação ambiental. Existem, porém, algumas normativas sobre o assunto na Lei Municipal de Meio Ambiente e, ademais, a SEDUMAH segue as orientações das leis nacionais e estaduais. 6. ANÁLISE DA INTERAÇÃO ENTRE O PODER PÚBLICO E AS ORGANIZAÇÕES COOPERAN E ASCANPA Verificou-se que as organizações de catadores de material reciclável e o poder público municipal e estadual não possuem uma visão alinhada da política quanto à coleta de material reciclável local. Os representantes da COOPERAN e ASACAMPA enfatizaram a urgência de melhoria na infraestrutura de suas organizações e na elevação da qualidade do material coletado. Entretanto, 92 Novos Rumos para a Gestão Pública ficou claro que os trabalhos da SEDUMAH e da NATURATINS estão voltados principalmente para o apoio técnico de capacitação dos catadores. Dessa forma, ressalta-se a importância de haver uma ação conjunta do poder público e as referidas organizações para que se definam as demandas prioritárias. O representante da COOPERAN, ao explicar sobre a necessidade de granular o plástico coletado, indicou a demanda por equipamento para fazer a reciclagem mecânica desse material. Na ASCANPA, constatou-se que a preocupação é com o elemento mais básico, um local para instalar adequadamente os associados. Portanto, pode-se afirmar que a falta de infraestrutura básica para os trabalhos é um dos fatores responsáveis pelo distanciamento dos catadores dessas organizações comunitárias. O problema é grave para essas organizações, considerando que elas exercem pouca influência sobre a política local. Sugere-se então que seus participantes incentivem ao máximo o apoio de instituições parceiras e da população, para que sejam adotadas políticas públicas que visem o desenvolvimento da coleta de material reciclável. Nesse contexto, cabe ressaltar que o processo de formulação e implementação de políticas públicas é eminentemente político, uma vez que os grupos sociais, para verem executadas as ações públicas de seus interesses, exercem influência sobre os tomadores de decisões governamentais (SILVA, 2005). Quanto à necessidade de elevação da qualidade do material coletado pela ASCANPA e COOPERAN, infere-se, a partir da análise do levantamento bibliográfico e entrevistas, que ela está baseada no baixo nível de conscientização da população em geral. Para minimizar o problema, o poder público local deve incentivar a adoção de política ambiental e de programa de coleta seletiva nas organizações públicas e privadas da cidade. É importante que os gestores públicos da cidade motivem a adoção de política ambiental nos diversos tipos de organização e, dessa forma, promovam o alinhamento de idéias com a política ambiental do município A promoção da educação ambiental é uma forma inexorável de melhorar a qualidade do material que chega às organizações de catadores de material reciclável de Palmas-TO. Verificou-se que a SEDUMAH realiza a preparação dos catadores para suas atividades por meio de capacitação. Entretanto, preparar a sociedade para contribuir com os trabalhos das organizações de catadores é ainda mais relevante. A conscientização sobre a importância da coleta de material reciclável pode ser feita em PalmasTO através da disseminação da educação ambiental nas instituições educativas e nas organizações públicas e privadas em geral. As atividades de educação ambiental nas instituições educativas devem ser implementadas por meio de linhas de atuação como a produção e divulgação de material educativo e o desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações na área, conforme estabelecido pela Lei Federal nº 9.795/99, Art. 80. Para tanto, recomenda-se que o poder público atual cobre dessas instituições a efetivação de ações de educação ambiental e que seus resultados sejam apresentados à sociedade em eventos como o FELC. Promover a aplicação das leis ambientais federal, estadual e municipal também pode ser um meio de minimizar o relatado problema da qualidade do material coletado para reciclagem. Como defende May et al (2003), a regulamentação ambiental é de um fator que induz as empresas a adotar uma postura menos agressiva ao meio ambiente. É necessário fazer pressão para que elas mudem seu comportamento, uma vez que a preservação do meio ambiente não é seu objetivo. A SEDUMAH, como responsável local pela política de meio ambiente, deve buscar tanto das empresas como também dos órgãos públicos e da sociedade o respeito às leis que podem contribuir para melhoria da coleta de material reciclável no município. O trabalho de cobrança de aplicação da lei municipal nº 14.165/02 sobre a administração pública deve ser aperfeiçoado pela SEDUMAH. Sugere-se um acompanhamento mais próximo das organizações públicas instaladas no município, além de um programa de recompensas para aquelas que se destacam no compromisso com a política ambiental local e coleta de material reciclável. Para tanto, a referida secretaria deve providenciar um sistema de controle dos resultados dos programas de coleta seletiva existentes nas organizações. Isso é possível com o trabalho integrado junto à COOPERAN e ASCANPA, o qual possibilita identificar a origem do material coletado e avaliar a sua qualidade. Por fim, pode-se afirmar que a relação entre o poder público (estadual e municipal) e as organizações comunitárias precisa ser revista para que exista uma política ambiental que incentive a coleta e o reaproveitamento de material reciclável em Palmas-TO. É mister que os agentes participantes das políticas públicas cheguem a um consenso para não haver conflito de interesses e ineficiência no combate aos problemas existentes. Os resultados das entrevistas executadas neste trabalho mostraram que isso não é a realidade no que concerne à coleta de material 93 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 reciclável na capital do Tocantins. Portanto, a aproximação do poder público com a sociedade deve ser constante para que as demandas sejam plenamente satisfeitas. 7. CONSIDERAÇÕES E SUGESTÕES O estudo desenvolvido proporcionou uma visão holística sobre a coleta de material reciclável na cidade de Palmas-TO no primeiro semestre de 2010. O entendimento dos papéis desempenhados pelas organizações comunitárias, COOPERAN e ASCANPA, e do poder público, através da SEDUMAH e da NATURATINS, permite a composição de algumas considerações quanto à coleta de material reciclável na capital do Tocantins. As políticas públicas para o desenvolvimento da coleta de material reciclável em Palmas-TO devem ser aprimoradas para o alcance de maior eficácia. Observou-se que as políticas públicas implementadas pela SEDUMAH e NATURATINS não apresentam os resultados esperados. A educação ambiental, por exemplo, é motivo de queixa por parte do representante da ASCANPA. A coleta seletiva de material reciclável, por sua vez, ainda não consiste em um programa que atenda às expectativas da COOPERAN e ASCANPA, embora oito anos após a publicação da lei municipal 14.165/02. Aspectos dessa natureza devem ser levados em conta para a revisão e aperfeiçoamento das ações voltadas para a coleta de material reciclável na cidade. É fundamental que a gestão pública de Palmas-TO, em parceria com outras esferas de governo e iniciativa privada, realize uma política de coleta de material reciclável que promova as organizações comunitárias. A aproximação entre a gestão pública e a comunidade é um imperativo da nova maneira de gerir a coisa pública, que forma parcerias entre o governo e a sociedade. Dessa maneira, o poder público local ensejará o desenvolvimento de tais organizações. Ressalta-se a relevância de haver aplicação efetiva das leis estaduais e municipais que tratam da destinação do lixo e da educação ambiental. A existência de legislação não consiste em resultados válidos para a sociedade. Estado e município devem trabalhar para que as leis que tratam de assuntos relativos ao desenvolvimento sustentável de Palmas-TO sejam difusas e bem aplicadas. A fiscalização da aplicação das leis e a educação ambiental podem ser uma excelente via para tornar realidade o estabelecido legalmente. Diante do exposto, verifica-se que o resultado deste estudo pode ser utilizado como fonte para novas pesquisas relativas à política ambiental de Palmas-TO assim como para embasar ações daqueles que influenciam nos rumos da coleta de material reciclável na cidade. Ademais, a grande recompensa oriunda do presente trabalho é o desenvolvimento de conhecimento crítico sobre determinado tópico da política ambiental de um município. Portanto, deve ser tratado como relevante contribuição para a comunidade acadêmica e a sociedade da capital do Tocantins. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 set. 2010. BRASIL. Decreto Federal 5.940, de 25 de outubro de 2006. Institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5940.htm>. Acesso em: 04 out. 2010. BRASIL. Lei Federal 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm>. Acesso em: 20 set. 2010. CALDERONI, Sabetai. Os Bilhões Perdidos no Lixo. 4 ed. São Paulo: FFLHC/USP. Humanitas Editora, 2003. CHIAVENATO, Idalberto, SAPIRO, Arão. Planejamento Estratégico. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. DUARTE, Laura Maria Goulart; TEODORO, Suzi Huff (Orgs.). Dilemas do Cerrado: entre o ecologicamente (in)correto e o socialmente (in)justo. 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Institui a Coleta Seletiva de Lixo no Município de Palmas. Câmara Municipal de Palmas-TO. Câmara Municipal de Palmas-TO. PALMAS-TO. Lei nº. 1011, de 21 de setembro de 2001. Lei Municipal de Meio Ambiente. Câmara Municipal de Palmas-TO. PALMAS-TO. Lei Municipal nº. 997, de 13 de setembro de 2001. Institui o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Palmas. Câmara Municipal de Palmas-TO. SILVA, Chistian Luiz da; MENDES, Judas Tadeu Grassi (orgs). Reflexões sobre o desenvolvimento sustentável: agentes e interações sobre a ótica multidisciplinar. 1 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. TOCANTINS. Lei nº 029, de 21 de abril de 1989. Autoriza a criação da Fundação Natureza do Tocantins - NATURATINS e do Conselho do Meio Ambiente do Tocantins – COMATINS. Disponível em: <http://www.al.to.gov.br/arq/AL_arquivo/6269_Lei029_89.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. TOCANTINS. Lei nº 858, de 26 de julho de 1996. Cria o Instituto Natureza do Tocantins e dá outras providências. Disponível em: <http://www.al.to.gov.br/arq/AL_arquivo/7114_Le858_96.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. TOCANTINS. Lei nº 1.374, de 08 de abril de 2003. Dispõe sobre a Política Ambiental e adota outras providências. Disponível em: < http://www.al.to.gov.br/arq/AL_arquivo/7619_Lei137403.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. 95 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A construção conjunta de sistema de indicadores como ferramenta de convergência de esforços de controle, monitoramento e avaliação da execução de Programas Governamentais: Um Estudo de Caso Henrique Marques Ribeiro I – Introdução O presente artigo tem por finalidade apresentar proposta de integração entre esforços de controle empreendidos, tanto pelo Ministério do Esporte, quanto pela Controladoria-Geral da União, no âmbito da execução do Programa Segundo Tempo. Pretende evidenciar, com base em um caso concreto, as vantagens da institucionalização, pela Controladoria Geral da União, do papel de assessoramento à gestão de políticas públicas, mediante construção conjunta de sistema de indicadores para monitoramento e avaliação das iniciativas de intervenção governamental. De acordo com Christopher Pollitt (2008) as reformas administrativas implantadas nas décadas de 80 e 90 em diversos países abarcaram ao menos quatro pontos semelhantes: • A descentralização orçamentária e financeira, com a consequente delegação da responsabilidade pela execução das políticas públicas; • O aumento da produtividade dos serviços públicos e a consequente busca de maior eficiência das ações governamentais; • O foco no cidadão, a importância de moldar os serviços públicos às necessidades e preferências de seus usuários; e • O fortalecimento da transparência das ações governamentais como elemento de governança democrática na busca de maior confiança pública nos trabalhos do Estado. Diante dessas considerações, o autor afirma que “a reforma da Administração Pública alterou os contextos em que a auditoria estatal opera.”(Pollitt, 2008, pg. 95) Uma vez que a própria relação custo-benefício das ações dos órgãos de controle passa a ser objeto de discussão e o foco na avaliação de desempenho dos órgãos públicos passa a prevalecer sobre o anterior modelo de mera averiguação da legalidade dos atos de gestão. Outro desafio enfrentado pelos órgãos de controle, ao menos no caso brasileiro, é a opção, pelo Poder Executivo Federal, pela implementação de políticas públicas mediante parceria com atores locais, sejam esses governos subnacionais, sejam entidades privadas sem fins lucrativos, com o objetivo de aproximar a atuação governamental das expectativas e necessidades dos cidadãos. No que diz respeito ao desafio representado pela implementação de políticas públicas em contextos interorganizacionais, O´Toole Jr.(2010) afirma que, nesse contexto, a transformação de intenções políticas gerais, em um leque de regras, rotinas e processos sociais que permitam a efetiva atuação do Estado, ganha complexidade à medida que os problemas a serem enfrentados não podem ser claramente categorizados em uma única função de governo, ou mesmo relacionados a uma esfera específica de atuação governamental. Dessa forma, o sucesso na implementação de políticas públicas requer o planejamento e a integração dos esforços empreendidos por cada um dos atores envolvidos em sua execução, de forma a alavancar o grau de eficiência, eficácia e efetividade das ações de diferentes organizações públicas ou privadas. É importante destacar que, de acordo com Denhardt (2011), a pluralidade de atores envolvidos na implementação de políticas públicas esvazia a capacidade de controle com base em princípios hierárquicos da burocracia tradicional, uma vez que os atores podem ser representados por organizações sem vínculos hierárquicos, mesmo quando integrantes de uma mesma esfera de poder. O que é ainda mais crítico quando se considera que os atores envolvidos podem estar situados em esferas governamentais distintas, ou mesmo ser representados por organizações privadas. Diante desse desafio, os administradores envolvidos na implementação de políticas públicas em cenários interorganizacionais devem “desenvolver a infraestrutura de comunicações – canais, linguagem, sinais e assim por diante – para ajudar a alcançar o objetivo da cooperação direcionada à política”. (O´TOOLE JR., pg. 236), encontrar ou estimular interesses comuns, e, ainda, estabelecer relações entre as tarefas empreendidas pelos diferentes atores de forma que a produção de cada um sirva de insumo à atuação do outro. Portanto, o presente artigo pretende defender as vantagens da contribuição da Controladoria Geral da União na construção de sistema de indicadores que sirvam de “linguagem comum” de 96 Novos Rumos para a Gestão Pública contratualização e monitoramento do desempenho de diferentes atores envolvidos na implementação de políticas públicas em contextos interorganizacionais. Para tanto, serão apresentadas as características de funcionamento do Programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, e mapeamento de atores, suas relações interorganizacionais e a estrutura de controle estabelecida. Será apresentada a metodologia de Avaliação da Execução de Programas de Governo, desenvolvida pela CGU, e as questões estratégicas abordadas no âmbito do projeto de acompanhamento sistemático do PST. Sendo, posteriormente, defendida a conveniência da apropriação dessas questões à estruturação de sistema de indicadores que otimizaria os esforços de gestão e controle empreendidos pelos diferentes atores envolvidos na implementação do Programa. II – O Programa Segundo Tempo: diretrizes da ação governamental e mapeamento das relações interorganizacionais no âmbito do Sistema de Controle, Monitoramento e Avaliação implementado. O Programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, tem por finalidade a inclusão social e o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens mediante participação em atividades desportivo-pedagógicas que têm por objetivo desenvolver valores sociais, fomentar a sociabilidade e reduzir a exposição a riscos sociais. As atividades desportivo-pedagógicas são ofertadas mediante o funcionamento de núcleos de esporte educacional, no período de contraturno escolar, implantados em parceria com atores locais, tais como prefeituras, entidades não governamentais, mediante firmatura de convênios, e mesmo escolas participantes do Programa Mais Educação, do MEC. No âmbito do modelo de conveniamento, o Ministério do Esporte, mediante realização de Chamada Pública, seleciona entidades públicas e privadas dispostas a implantar núcleos de esporte educacional, conforme diretrizes pedagógicas e administrativas previamente definidas e tornadas públicas por meio do Manual de Diretrizes do Programa Segundo Tempo, disponibilizado no site do Ministério, na rede mundial de computadores. De acordo com as diretrizes vigentes para o modelo de conveniamento, o núcleo padrão é constituído pela oferta, a um grupo de beneficiados, de prática de ao menos duas modalidades esportivas coletivas e uma individual, durante três dias da semana. Para lecionar as atividades propostas, cada núcleo conta com um profissional graduado em Educação Física ou Esporte e um monitor estudante de graduação na mesma área. Cabe destacar que os núcleos de esporte educacional, de acordo com as diretrizes vigentes, é caracterizado pelo grupo de beneficiados, e não pela estrutura física utilizada, e que o foco das atividades realizadas reside na oferta, por meio do esporte, de atividades pedagógicas de caráter inclusivo, e não de centros de treinamento de modalidades esportivas. De forma a garantir que os núcleos implantados funcionem de acordo com as diretrizes pedagógicas e administrativas traçadas pelo Ministério, cada convênio firmado conta com um Coordenador Geral e um Coordenador Pedagógico, responsáveis pela gestão administrativa e pedagógica, que contam com o auxílio de um Coordenador Setorial para cada 20 núcleos implantados. Diante dos problemas detectados por órgãos de controle no funcionamento dos núcleos, e dos desafios enfrentados para garantir o assessoramento e a fiscalização necessários a garantir a aderência da execução dos convênios às diretrizes traçadas, frente à pulverização geográfica dos núcleos implantados, o Ministério do Esporte buscou, a partir de 2007, maior interação com a comunidade acadêmica. Inicialmente, um pequeno grupo de acadêmicos foi responsável pela reestruturação pedagógica do Programa, e, posteriormente, foi convocado um grupo de 47 professores e alunos de mestrado com a incumbência de capacitar, a partir de 2008, os profissionais responsáveis pelo funcionamento dos núcleos. Essa iniciativa foi responsável pela capacitação de 5 mil profissionais que foram responsáveis, por sua vez, por multiplicar os conhecimentos adquiridos mediante a capacitação de cerca de 10 mil monitores de atividades esportivas. Ao final do ano de 2009, com base no aprendizado adquirido com os esforços de capacitação empreendidos, foram realizadas novas alterações estruturais e conceituais no Programa. Dentre as alterações implementadas, foi estabelecido o Sistema de Monitoramento, Controle e Avaliação, com a integração de uma rede de profissionais vinculados a Instituições de Ensino Superior, as denominadas Equipes Colaboradoras, que tornaram-se responsáveis tanto por capacitar e assessorar pedagogicamente os profissionais dos núcleos, quanto por realizar visitas de 97 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 acompanhamento para avaliar a aderência da realidade de funcionamento dos núcleos às diretrizes traçadas pelo Ministério. Atualmente, essa Rede de Acompanhamento, composta por 19 Equipes Colaboradoras formadas por 123 profissionais, dos quais 35 possuem titulação em Doutorado e 48 são Mestres, realiza, a cada semestre, visitas de acompanhamento pedagógico e operacional a, pelo menos, 20% dos núcleos de esporte educacional de cada um dos convênios vigentes. Após consolidação de informações coletadas pelas Equipes Colaboradoras, bem como de informações produzidas por vistorias realizadas pela equipe técnica do Ministério, com base em reclamações e denúncias recebidas, e por informações prestadas pelos próprios convenentes, e por entidades de controle social, indicadas por estes, o Ministério emite determinações de adequações necessárias ao funcionamento dos núcleos, cuja implementação será avaliada na próxima rodada de visitas. Portanto, o Sistema de Monitoramento, Controle e Avaliação implantado pelo Ministério do Esporte no âmbito do Programa Segundo Tempo congrega a atuação dos seguintes atores: • os parceiros convenentes, responsáveis, em primeira instância, por garantir que as práticas desportivas oferecidas nos núcleos cumpram as diretrizes acordadas; • as entidades de controle social, indicadas pelos convenentes, responsáveis por emitir relatórios periódicos acerca do funcionamento do convênio; • as Equipes Colaboradoras, responsáveis pela realização de visitas pedagógicas e operacionais aos núcleos, pela capacitação dos profissionais, e pelo assessoramento pedagógico ao funcionamento dos núcleos; • a equipe técnica do Ministério, responsável por coordenar a atuação dos demais atores, consolidar as informações de controle produzidas e determinar as adequações necessárias ao funcionamento dos núcleos. Dessa forma, mediante utilização de Rede de Acompanhamento formada por Equipes Colaboradoras regionais, o Ministério monitora, mediante a consolidação das informações coletadas, a atuação das entidades parceiras, de forma a garantir que o público-alvo do Programa receba serviços condizentes com os padrões previamente definidos. À Controladoria Geral da União, por sua vez, compete, como Órgão Central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, avaliar a gestão do programa e os controles implantados, tanto no âmbito das auditorias realizadas anualmente no Processo de Contas, quanto mediante a aplicação da metodologia de Avaliação da Execução de Programas de Governo. III – A Avaliação da Execução de Programas de Governo, empreendida pela CGU, para acompanhamento sistemático do Programa Segundo Tempo Acerca da estruturação de controles internos, determina a Constituição Federal: Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; Portanto, conforme mandamento constitucional cabe a cada um dos Poderes a instituição de sistema de controle interno próprio e integrado aos demais sistemas. O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal tem por finalidade avaliar a gestão dos administradores públicos e a execução dos programas governamentais e dos resultados de sua implementação. E tem como órgão central a Secretaria Federal de Controle Interno, que, por sua vez, integra a estrutura de Controladoria-Geral da União. Dentre os esforços empreendidos pela Controladoria com o objetivo de cumprir sua missão institucional, merece destaque a metodologia de Avaliação da Execução de Programas, prevista no Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal (SFC, 2001), e que visa avaliar o alcance dos objetivos e a adequação da gestão de programas federais, em que parte importante dessa metodologia consiste na avaliação dos controles internos administrativos das unidades responsáveis pela execução das políticas públicas governamentais. De acordo com o Manual, caberia à CGU realizar a avaliação dos resultados alcançados pela execução do programa governamental, mediante análise dos resultados de verificações in loco 98 Novos Rumos para a Gestão Pública realizadas e avaliação dos controles internos administrativos implantados, partindo do pressuposto de que “quanto maior for o grau de adequação dos controles internos administrativos, menor será a vulnerabilidade dos riscos inerentes à gestão propriamente dita.”(SFC, 2001) . Para tanto, a avaliação efetuada deve “considerar os dados e as informações registrados nos sistemas corporativos do Poder Executivo Federal e nos bancos de dados das unidades e entidades governamentais que apresentem resultados de processos e produtos organizacionais.”(idem) Dessa forma, no âmbito da metodologia ora apresentada, em um primeiro momento, com base em critérios como materialidade, criticidade e relevância, são selecionadas as ações governamentais que serão objetos de acompanhamentos sistemáticos por parte da CGU. Posteriormente, são coletadas informações acerca do funcionamento da política pública em foco, mediante pesquisa à legislação e a documentos de referência produzidos pela administração pública, pelo meio acadêmico e pelos órgãos de controle. Complementarmente, os processos internos são mapeados e os pontos críticos ao sucesso da execução do programa são identificados. Após validação das informações levantadas, realizada junto aos gestores responsáveis pelo programa de governo, são definidas as questões estratégicas que nortearão as ações de controle que subsidiarão a avaliação de sua execução. Com base nessas questões são planejadas as ações de controle que permitirão coletar as informações referentes ao desempenho do programa. A análise dos resultados das ações de controle realizadas, por sua vez, ensejará a definição, de forma conjunta, entre a equipe de auditoria da CGU e os gestores, das adequações necessárias para o aprimoramento das formas de execução do programa avaliado. A atuação conjunta é prevista, ainda, na realização de reuniões de monitoramento das providências adotadas. Por fim, a metodologia prevê que os resultados das ações de controle e os encaminhamentos adotados serão tornados públicos mediante a publicação do Relatório de Avaliação. Cabe destacar que a publicação dos resultados da avaliação da execução do programa tem por finalidade aumentar a transparência dos atos de gestão do governo e fornecer subsídio a um controle social mais efetivo. III.I. A Avaliação da Execução do Programa Segundo Tempo Conforme a metodologia desenvolvida, foi realizado, pela Controladoria, estudo aprofundado acerca do funcionamento do Programa Segundo Tempo. Para tanto, foram utilizadas informações provenientes de diferentes fontes: • pesquisa a documentos produzidos pelo Programa, tais como livros e informações disponibilizadas na página oficial na rede mundial de computadores, em especial o Manual de Diretrizes do Programa Segundo Tempo – Padrão; • levantamento dos resultados das ações de controle realizadas pela CGU e mapeamento dos principais problemas detectados pelas equipes de auditoria no funcionamento dos núcleos; • mapeamento dos processos organizacionais de seleção, implantação, monitoramento e controle da execução dos convênios. Após validação das informações coletadas e aprofundamento de pontos específicos junto aos gestores do programa, foram formuladas três perguntas estratégicas norteadoras das ações de controle que fundamentarão a Avaliação da Execução do Programa de Governo a ser realizada: 1. Os Núcleos de Esporte Educacional se desenvolvem em conformidade com as diretrizes do PST? 2. O Sistema de Monitoramento, Avaliação e Controle implementado tem se mostrado eficiente e eficaz em diagnosticar e relatar falhas na gestão dos convênios? 3. Os processos internos implementados (Seleção de Propostas, Implantação dos Núcleos, Capacitação, Análise da Prestação de Contas) vêm funcionando de acordo com as diretrizes definidas, considerando as informações provenientes do Sistema de Monitoramento, Avaliação e Controle? Em que a resposta à primeira pergunta depende de verificar se: a) o número de beneficiados em atividade coincide com a meta de atendimento prevista? d) os recursos humanos contratados atendem aos requisitos de qualificação e carga horária definidos pelo PST? e) os beneficiados dispõem dos meios necessários (uniformes, materiais esportivos e suplementares) para a prática das atividades previstas no Plano de Trabalho aprovado? 99 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 f) está sendo assegurada a democratização ao acesso de múltiplas vivências esportivas, conforme a Proposta Pedagógica do PST? g) os espaços físicos onde estão implantados os núcleos dispõem das condições mínimas para o desenvolvimento das práticas esportivas, considerando a concepção do PST de otimização da infraestrutura disponível na comunidade? A resposta à segunda pergunta, por sua vez, depende de verificar se: a) o visitas de acompanhamento do funcionamento dos núcleos tem sido realizadas conforme planejado? b) as informações obtidas pela CGU, em campo, validam os resultados das visitas e vistorias realizadas no âmbito do Sistema de Monitoramento, Avaliação e Controle do PST? c) os relatórios das visitas/vistorias realizadas são finalizados dentro dos prazos previstos? d) as Equipes Colaboradoras têm assessorado a qualificação das ações desenvolvidas nos núcleos? e) as denúncias recebidas são apuradas tempestivamente? Por fim, a resposta à terceira e última questão estratégica dependeria de verificar se: a) o processo de Seleção de Propostas tem observado os parâmetros previamente definidos, bem como as informações provenientes do sistema de controle (renovação) ? b) os requisitos necessários para a emissão de Autorização para Ordem de Início vêm sendo observados? c) os Convênios vigentes têm cumprido os prazos previstos para início de atividades, elaboração de Planos Pedagógicos e capacitação de recursos humanos, conforme as diretrizes do Programa? d) com base nas informações coletadas, são determinadas, de forma tempestiva, adequações à gestão do convênio? Essas adequações são monitoradas? e) o processo de análise da Prestação de Contas tem cumprido os normativos vigentes? Tem levado em consideração as informações provenientes dos mecanismos de controle implementados? Dessa forma, a avaliação da execução do Programa Segundo Tempo pode ser dividida em três avaliações menores: • a conformidade do funcionamento dos núcleos às diretrizes pedagógicas e operacionais definidas; • o funcionamento do Sistema de Monitoramento, Controle e Avaliação; e • a dinâmica dos processos internos. É importante destacar que a produção e o monitoramento dessas informações não se restringem às ações de controle da CGU. Ao contrário, as boas práticas de gestão recomendam que essas informações sejam produzidas no âmbito da própria gestão do Programa. Constatou-se que, na verdade, essas informações já são produzidas, embora ainda não tenham sido organizadas na forma de um sistema de indicadores. IV – A definição conjunta de sistema de indicadores como solução para a integração das ações de controle empreendidas. Diante dessas considerações e frente aos desafios enfrentados pela implementação de programas governamentais cuja execução se dá mediante a coordenação da atuação de diferentes atores, propomos a estruturação das informações produzidas no âmbito da execução do programa em sistema de indicadores de forma a responder as questões estratégicas anteriormente definidas. Indicadores representam “informações obtidas com a aplicação de fórmulas que fornecem indícios de eficiência, eficácia, legalidade e economicidade de como são conduzidas as operações, por meio de uma interdependência entre as variáveis em questão.”(SFC, 2001) Tironi (apud CARNEIRO, 2010) enumera características que devem apresentar os indicadores, tais como facilidade de formulação, relevância, confiabilidade e estabilidade. Para os objetivos desse trabalho, destacamos outras duas características trazidas pelo autor: • referir-se às etapas principais do processo , críticas ao alcance dos resultados pretendidos; • rastreabilidade, representada pela documentação da definição, do cálculo e do levantamento de dados, de forma a permitir a validação dos resultados apurados. Dessa forma, indicadores para monitoramento da aderência do funcionamento dos núcleos às diretrizes pedagógicas e operacionais traçadas pelo Ministério seriam produzidos a partir da consolidação das informações coletadas por meio do preenchimento, pelas Equipes 100 Novos Rumos para a Gestão Pública Colaboradoras, das Fichas de Avaliação In Loco (AVIL), durante as visitas de acompanhamento pedagógico e operacional. As informações coletadas tanto seriam consolidadas por Convênio, de forma a permitir a avaliação da atuação de um parceiro, quanto o seriam para constituir um retrato geral, de todo o Programa, da aderência da realidade da execução dos núcleos às diretrizes traçadas. A estruturação das informações relativas aos prazos de emissão de Relatórios Consolidados e de comunicação das determinações de adequações à execução dos convênios, por sua vez, permitiriam monitorar a eficiência e a eficácia dos controles estabelecidos. Por fim, a estruturação das informações acerca dos prazos dispendidos e da conformidade no âmbito dos processos internos estabelecidos, tais como seleção de convenentes, implantação de núcleos, e análise da prestação de contas são importantes para o monitoramento da adequabilidade dos processos internos estabelecidos, de forma a auxiliar no diagnóstico de possíveis gargalos e disfunções. Diante dessas considerações, e partindo da premissa da necessidade da integração e coordenação dos esforços de gestão de políticas públicas empreendidos pelo Ministério e, ainda, de avaliação da execução dos programas de governo empreendidos pela CGU, conclui-se pela importância da criação de sistema de indicadores que, à medida que forneça informações necessárias à gestão do programa, constituam insumo para a avaliação realizada pela Controladoria. Definidos os indicadores, caberia ao Ministério mensurá-los com base nos dados primários coletados, de forma a possibilitar o monitoramento da eficiência, eficácia e efetividade da atuação dos diferentes atores envolvidos na implementação da política pública: • a equipe técnica do Ministério, responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento dos convênios; • os convenentes, responsáveis pela oferta de serviços previstos ao público-alvo; • as equipes especializadas regionais, responsáveis pela realização de visitas de acompanhamento aos núcleos, capacitação e assessoramento dos recursos humanos na aplicação dos princípios pedagógicos; À Controladoria, por sua vez, caberia auditar e avaliar tanto a qualidade dos dados primários coletados quanto a confiabilidade dos indicadores produzidos, mediante aplicação de testes de auditoria para avaliação dos controles internos administrativos implementados. A validação dos indicadores permitiria à CGU utilizá-los como ampla fonte de informações à Avaliação da Execução do Programa de Governo, a um custo significativamente menor do que aquele necessário caso a coleta de dados primários fosse realizada pela Controladoria. A utilização da estrutura organizacional e expertise da CGU na validação dos dados primários coletados pelas equipes especializadas regionais permitiria garantir a confiabilidade dos indicadores produzidos pelo Ministério, sem que o mesmo tenha que arcar com os custos de estabelecer procedimentos de validação desses dados. Em contrapartida, a utilização de informações acerca do desempenho dos núcleos na aplicação das diretrizes pedagógicas do PST, produzidas por equipes especializadas, agregaria valor ao Relatório de Avaliação do Programa de Governo, elaborado pela CGU, uma vez que a avaliação de aspectos pedagógicos provavelmente não poderia ser realizada por uma equipe de auditores. Destarte, a existência de sistema de indicadores amplo, confiável e estável fomentará uma relação mais clara entre o Ministério e as entidades parceiras no que concerne ao estabelecimento de metas e diretrizes de desempenho de cada um dos atores envolvidos. O que permitiria a aplicação de conceitos relacionados à contratualização de resultados na implementação da política pública. Contudo, é importante destacar que, a utilização de indicadores, produzidos pela gestão do Programa, como fonte de informação que serve de base às análises realizadas no âmbito da avaliação da execução desse programa empreendida pela Controladoria, requer o cuidado de testar a confiabilidade desses indicadores. É necessário, portanto, garantir que os indicadores sejam concebidos e registrados de forma a possibilitar que sejam realizados testes para verificação da qualidade dos mesmos. E essa é uma das principais razões para a participação da CGU na elaboração desse sistema de indicadores. Outra razão a ser elencada é a oportunidade de acumular e documentar experiência de assessoramento ao aprimoramento de controles internos administrativos que poderia ser replicada no âmbito da execução de outras políticas públicas com processos gerenciais similares. Como resultado adicional dessa integração de esforços de controle, seria gerado grande volume de informações, validadas pelo Órgão Central do Sistema de Controle Interno, que, além de constituírem importante série histórica acerca dos resultados alcançados pela gestão do 101 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 programa, ofereceriam importante fonte de dados a futuras avaliações de impacto da intervenção governamental e das alterações em suas formas de execução. Portanto, no âmbito desta proposta de integração da sistemática de controle do Programa, caberia tanto ao Ministério, quanto à CGU, coletar dados primários acerca do funcionamento dos núcleos. Mas, enquanto os dados coletados pelo Ministério devam abarcar amostra suficiente para a extrapolação dos resultados a todo o universo de atuação do Programa, os dados coletados pela CGU se prestariam, em um primeiro momento, a testar a confiabilidade dos dados coletados pelo Ministério. Os dados coletados serviriam de fontes de informação para a aferição, pelo Ministério, de registros de indicadores previamente elaborados. A adequabilidade do cálculo dos indicadores seria avaliada pela CGU, mediante avaliação de sua memória de cálculo, considerando os dados primários coletados. A análise dos indicadores serviria de base para a Avaliação da Execução do Programa Governamental, realizada pela CGU. Caso o processo de validação dos dados primários coletados indique que as visitas de acompanhamento realizadas pelo Ministério não geram informações confiáveis, a avaliação da execução do programa se daria com base nos dados coletados pela própria CGU, mediante aumento da amostra selecionada, e buscaria-se o aprimoramento dos mecanismos de controle do Ministério. V – Conclusão Mediante a apresentação do projeto de Avaliação da Execução do Programa Segundo Tempo, desenvolvido pela Controladoria Geral da União, buscou-se mapear as potencialidades da construção conjunta de sistema de indicadores como esforço para alavancar a eficiência, a eficácia e a efetividade dos mecanismos de controle implantados para monitoramento e avaliação da execução da ação governamental. Dentre as principais vantagens apontadas para essa integração de esforços de controle, é possível destacar: • Produção sistêmica, pelo Ministério do Esporte, das informações necessárias aos processos de auditoria dos órgãos de controle; • Construção de uma cadeia de controle, em que as informações produzidas pelos controles internos do Ministério passam a constituir insumos para as ações de controle da CGU, reduzindo os custos de transação envolvidos; • Aprimoramento dos mecanismos de controle implantados pelo Ministério; • Aprimoramento, pela CGU, de sua capacidade de assessoramento ao desenvolvimento de mecanismos de controle implementados por órgãos responsáveis pela execução de políticas públicas; • Definição de parâmetros de desempenho para todos os atores envolvidos na execução do programa, possibilitando identificar as responsabilidades inerentes a cada um deles; • Aprimoramento do Relatório de Avaliação, uma vez que o mesmo passaria a agregar informações trazidas pelos especialistas responsáveis pelo acompanhamento pedagógico dos núcleos; • Maior transparência dos atos de gestão, fomentando o controle social. Portanto, é possível afirmar que a elaboração de sistema de indicadores que integrem os esforços de controle empreendidos tanto pelo Ministério do Esporte, quanto pela Controladoria Geral da União, tem a potencialidade de aprimorar a atuação de ambos, de forma a garantir a prestação de serviços públicos de melhor qualidade à sociedade. 102 Novos Rumos para a Gestão Pública Figura 1 – Metodologia de Avaliação da Execução de Programas de Governo Fonte: CGU 103 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Figura 2 – Esquema de integração dos controles 104 Novos Rumos para a Gestão Pública V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Constituição Federal de 1988. BRASIL. Lei nº 10.180 de 6 de fevereiro de 2001. Organiza e disciplina os Sistemas de Planejamento e de Orçamento Federal, de Administração Financeira Federal, de Contabilidade Federal e de Controle Interno do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível em www.presidencia.gov.br. Acesso em 06/07/2011. BRASIL. Decreto n° 3.591, de 6 de setembro de 2000. Dispõe sobre o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e dá outras providências.. Disponível em www.presidencia.gov.br. Acesso em 06/07/2011. CARNEIRO, Margareth F. Santos. Gestão Pública: o papel do planejamento estratégico, gerenciamento de portfólio, programas e projetos e dos escritórios de projetos na modernização da gestão pública. Rio de Janeiro: Brasport, 2010. DENHARDT, Robert B. Teorias da administração pública. Tradução: Francisco G. Heidemann. – São Paulo: Cengage Learning, 2011. O´TOOLE JR., Laurence J. Relações interorganizacionais no Processo de Implementação. Administração Pública: coletânea/B. Guy Peters e Jon Pierre (orgs). - São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: ENAP, 2010. POLLITT, Christopher. Desempenho ou legalidade: auditoria operacional e de gestão pública em cinco países. Tradução Pedro Buck. Belo Horizonte: Fórum, 2008. SFC/CGU. Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal. Anexo à IN-SFC 01/2001, de 06 de abril, de 2001. TCU. Decisão Normativa nº 110/2010. Disponível em www.tcu.gov.br . Acesso em 06/07/2011. 105 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Transferências voluntárias e obrigatórias: novos caminhos para a gestão pública estadual no âmbito da segurança pública Jader Dawydy Mendes Costa Resumo As transferências voluntárias e obrigatórias, entre as quais se destacam os convênios, contratos de repasse e os repasses do programa de aceleração do crescimento (PAC), têm-se mostrado primordial para a União em parceria com os estados e municípios, na implementação de políticas públicas e demais ações governamentais. Apesar de, o assunto abranger tanto estados e municípios, dar-se-á ênfase aos estados, visto que no âmbito da segurança pública os corpos de bombeiros e as polícias civis e militares são regidos pelos estados e Distrito Federal, onde a carência de recursos é evidente e a descentralização de recursos da União para alguns estados virou uma realidade. Nesse contexto abordar-se-á a primeira legislação efetiva no que tange a transferências voluntárias, que foi a Instrução Normativa nº 01/97 da Secretaria do Tesouro Nacional (IN/STN nº 01/97), a Portaria Interministerial MP/MF/MCT nº 127, a Lei 101/2000, que trata de algumas disposições acerca de transferências voluntárias, o Decreto no 6.170/2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, Lei nº 10.201/2001 que dispõe sobre a criação do Fundo nacional de segurança pública, Lei nº 11.530/2007, que dispõe sobre a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, Lei nº 11.578/2007 que instituiu o PAC, outras leis e acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), assim como alguns conflitos e críticas atinentes às transferências. Palavras-chave: Transferências Voluntárias e Obrigatórias. União. Estados. Segurança Pública. Introdução Tomando por base Amorim, Orzil e Simões (2010), verificou-se que o convênio passou a existir como instrumento da gestão pública em 1967, com o Decreto-Lei nº 200; no entanto, somente em 1986, após a criação da Secretaria de Tesouro Nacional, e com edição do Decreto nº 93.872/1986, observou-se uma melhor regulamentação da utilização do convênio como instrumento de descentralização, assim como maior controle financeiro, contábil e disciplinamento na execução de convênios, pois anteriormente a desorganização e o descontrole eram evidentes nas finanças públicas do país. Acerca do instrumento convênio, houve um avanço relevante após o Decreto nº 93.872/1986, mas a edição da IN/STN nº 01/97 contribuiu para a consolidação da doutrina de descentralização de recursos da União para outros entes, visto que essa norma abrangeu o instrumento convênio de forma completa, em todas as suas fases, e ainda definiu e conceituou convênios e outros personagens e termos atinentes à matéria. Observou-se que apesar dos esforços do Governo Federal, através da Secretaria de Tesouro Nacional, ficaram algumas lacunas na IN/STN nº 01/97, que foram refletidas na execução e prestação de contas dos convênios. Durante a vigência da IN/STN nº 01/97 (janeiro de 1997 à maio de 2008) houve um grande número de convênios celebrados, e para se ter idéia, foram descentralizados somente para os estados, cerca de R$ 33.005.829.000,00 (trinta e três bilhões, cinco milhões e oitocentos e vinte e nove mil reais), dado evidenciado na tabela 3. Diante desse quadro de convênios celebrados, somados aos que foram celebrados posteriormente (já norteados pela Portaria 127/2008), foi feito um levantamento em 2009, onde de acordo com dados do SIAFI, havia aproximadamente 60 mil processos de prestações de conta por analisar ou que não foram apresentadas pelos convenentes. Apesar da consolidação das transferências voluntárias da União para os estados e municípios terem ocorrido na década de 90, somente nos anos 2000, a segurança pública passou compartilhar dessa prática, de forma mais efetiva, principalmente após acontecimentos desastrosos envolvendo as polícias, entre os quais se destaca o incidente da morte da professora no Rio de Janeiro (ônibus 175), onde a evidenciação pela mídia da ineficiência, obsoletismo dos materiais e equipamentos, questionamentos no campo da capacitação e formação dos profissionais de segurança pública e, consolidação desses questionamentos através de análises e estudos desenvolvidos por especialistas em segurança pública e sociólogos. O governo federal, diante desse quadro, começou a intervir de forma incisiva, desenvolvendo políticas públicas, e efetivando-as primeiramente através da criação do fundo nacional de segurança pública, depois do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci. No contexto das transferências obrigatórias tem-se o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o qual foi instituído em 2007, através da Lei nº 11.578/2007, com a finalidade 106 Novos Rumos para a Gestão Pública de estimular o investimento privado, ampliação dos investimentos públicos nas mais diversas áreas e também tendo como foco a melhoria da qualidade do gasto público. De acordo com a Constituição Federal a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. Para fins desse estudo abordaremos a segurança pública no âmbito estadual que engloba as polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares, assim como as dificuldades de aparelhamento, padronização de procedimentos e qualificação desses profissionais de segurança pública. 1 Convênios e contratos de repasse Os acordos (instrumentos), pelos quais a União pode descentralizar a execução de ações, e conseqüentemente, transferir voluntariamente recursos para os estados da federação, são os convênios e os contratos de repasse. Os demais instrumentos são: os termos de parcerias que são celebrados entre a União e as entidades privadas sem fins lucrativos; e o termo de cooperação que são celebrados entre órgãos públicos federais. A Portaria 127/2008, em seus incisos V e VI §1º art. 1º, conceitua contatos de repasse e convênio, respectivamente, como: IV – contrato de repasse - instrumento administrativo por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatário da União. V - ... VI – convênio - acordo ou ajuste que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação. Os contratos de repasse são semelhantes aos convênios, no entanto, transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatário da União, que atualmente tem-se a participação da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. A atuação desses mandatários é evidenciado principalmente em contratos de repasse que têm como objetos obras públicas ou outras ações que determinado concedente não dispõe de estrutura para acompanhar a execução do programa de trabalho. Antes da Portaria 127/2008, a IN/STN nº 01/97 disciplinava a celebração de convênios que tinham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos; com relação aos contratos de repasse, estes eram equiparados à figura do convênio, conceituada na IN/STN nº 01/97. Para celebração de convênios e contratos de repasse, os estados devem observar uma série de exigências e pré-requisitos, onde algumas delas estão elencadas na Lei 101/2000, Decreto no 6.170/2007 e na Portaria 127/2008, entre e são as seguintes: credenciamento no Siconv; as propostas de convênio ou contrato de repasse devem ser igual ou superior R$ 100.000,00; existência de dotação específica; comprovação, por parte do beneficiário, de que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor (essa comprovação é observada no cadastro único de convênio - CAUC), bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos e previsão orçamentária de contrapartida; além de outras previstas na lei de diretrizes orçamentárias. 2 Programa de aceleração do crescimento (PAC) O PAC foi lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e em tese, seus objetivos eram estabilizar a economia e promover o crescimento do país. E, de acordo com balanço do comitê gestor do PAC, os objetivos foram alcançados, o Brasil reuniu bons indicadores que permitiam afirmar tal situação. O país também passou a gozar de boa reputação perante os países desenvolvidos, e conseqüentemente, atraíam-se investidores. O PAC tem como focos a infraestrutura (transporte, habitação e saneamento), melhor regulação na área ambiental, desoneração tributária, medidas fiscais em longo prazo, estímulo 107 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 financiamentos e créditos. O capital utilizado no PAC é originário das seguintes fontes principais: recursos da União (orçamento do governo federal), capitais de investimentos de empresas estatais (exemplo: Petrobrás) e investimentos privados com estímulos de investimentos públicos e parcerias. O Programa de Aceleração do Crescimento teve sua primeira etapa desenvolvida entre os anos de 2007 a 2010, e segundo dados do IBGE, explanados na tabela 4, houve crescimento de 4,6 % ao ano, e apesar do previsto ter sido 4,9% ao ano, foi bem maior que o período de 2003 a 2006 (3,55 ao ano) e muito superior ao período de 1999 a 2002. A segunda etapa compreende o período de 2011 a 2014, e a segurança pública ganhou posição de destaque nas ações do referido programa, com previsão inicial de 1,6 bilhões de reais, no entanto, existe a grande probabilidade desse número ser alterado, principalmente por questões políticas, que já eram previstas por Bugarin e Ferreira (2007), os quais já afirmavam que a presença das influências político-partidárias era significativa nas transferências intergovernamentais; cabe ressaltar que as ações do PAC em segurança pública ainda não foram efetivadas. É salutar afirmar que, depois de vários governos, o país tinha um planejamento de ações consistentes que estavam em processo de implementação, onde se resgatou o planejamento em infraestrutura, retomada de investimentos em setores estruturantes, crescimento do emprego e renda, incentivos ao investimento público e privado e, principalmente, construção de uma infraestrutura necessária para sustentar o crescimento do Brasil. Vale frisar que o referido programa só terá êxito, por completo, se houve forte articulação no Governo Federal e se for executado em parceria com estados, municípios e com a iniciativa privada. Os problemas da segurança pública caminham paralelamente ao crescimento das cidades, e as ações do Estado devem propiciar à sociedade plena harmonia dessas variáveis. E Gomes (2004) coloca que, O tema – espaço urbano e criminalidade – é multi e interdisciplinar, caracterizado pela realidade e não pela abstração, classificando-se como um problema de ação para o qual recolhemos informações e as organizamos a favor da solução. O PAC concorreu para o aumento do produto interno bruto (PIB) do país, aumento da infra-estrutura, e a inclusão da segurança pública nesse contexto foi salutar, ou seja, tal programa governamental é justamente a ação proposta por Gomes (2004), a fim de organizar uma solução, que tem como fim o direito fundamental do cidadão e dever inalienável do Estado. Baseado em Carvalho (2007), pode-se afirmar que quando a segurança pública não é tratada com seriedade e como política de Estado, os custos com vítimas, criminosos e demandas processuais aumentarão, e serão arcados pelo próprio Estado, assim como pela sociedade civil. 3 Programas governamentais e ações orçamentárias na área de segurança pública Após alguns acontecimentos e ações desastrosas das polícias dos estados, o governo federal interveio de forma mais incisiva, por meio da descentralização de recursos da União para os estados da federação, onde o grande marco foi a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), através da lei nº 10.201/2001, a qual já frisava que recursos do FNSP poderão ser aplicados diretamente pela União ou repassados a outros entes mediante convênios, ou demais acordos previstos em lei, como por exemplo, os contratos de repasse; e posteriormente, mais precisamente em 2007, o governo federal lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, através da lei nº 11.530. O FNSP tinha como objetivo inicial apoiar projetos de responsabilidade dos governos dos estados e do Distrito Federal, na área de segurança pública; abrangendo também projetos sociais de prevenção à violência, desde que enquadrados no Plano Nacional de Segurança Pública; mas a lei nº 10.201/2001 sofreu algumas mudanças na sua redação original, e coloca como objetivo do FNSP o seguinte: o Art. 1 Fica instituído, no âmbito do Ministério da Justiça, o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP, com o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e de prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal. Tomando como norte a legislação que criou o FNSP, e já especificando a sua abrangência citam-se o (a): reequipamento, treinamento e qualificação das polícias civis e militares, corpos de bombeiros militares, sistemas de informações, de inteligência e investigação, bem como de estatísticas policiais, estruturação e modernização da polícia técnica e científica, programas de polícia comunitária e programas de prevenção ao delito e à violência. 108 Novos Rumos para a Gestão Pública A lei 10.201/2001 coloca ainda que o estado da federação somente poderá celebrar convênios ou contratos de repasse se, ainda na fase de projeto, comprometer-se na realização de diagnóstico dos problemas de segurança pública e apresentação das respectivas soluções, desenvolvimento de ações integradas dos diversos órgãos de segurança pública, qualificação das polícias civis e militares, corpos de bombeiros militares, redução da corrupção e violência policiais, redução da criminalidade e insegurança pública e repressão ao crime organizado. O Programa Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi incluído no Plano Plurianual da União do período de 2004 a 2007, sendo que este deu continuidade Programa Segurança do Cidadão, existente no PPA anterior. O objetivo do SUSP, o qual é gerenciado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, é ampliar a eficiência, eficácia e a efetividade do Sistema de Segurança Pública e Defesa Civil mediante a reestruturação, integração e modernização de suas organizações em todo o território nacional para a prevenção e o controle da criminalidade; e a principal fonte de recursos para execução das ações orçamentárias desse programa é o FNSP, onde os estados da federação são os principais parceiros nessa descentralização de recursos, a serem aplicados nas Polícias e Corpos de Bombeiros. As ações orçamentárias do SUSP são mais voltadas para o profissional de segurança, para as instituições e prevenção da violência, entre as quais se citam: integração do sistema de educação e valorização dos profissionais, estruturação da Força Nacional de Segurança Pública, integração de informações de segurança pública, implementação de operações policiais qualificadas, modernização das instituições (aparelhamento e estruturas físicas). O Pronasci foi instituído em 2007 pela lei 11.530/2007, a qual já enfatiza em seu artigo 1º que o referido programa deve, ser executado pela União, por meio da articulação dos órgãos federais, em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios e com a participação das famílias e da comunidade, mediante programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira e mobilização social, visando à melhoria da segurança pública. De acordo com a legislação em referência (após algumas alterações) e também tomando por base o Guia de Orientações 2010 Pronasci no Siconv, elaborado pelo Ministério da Justiça, o Pronasci destina-se a articular ações de segurança pública no campo da prevenção, controle e repressão da criminalidade, atuando em suas raízes socioculturais, sendo que essas ações devem ser executadas em parcerias com as políticas sociais, assim como através da integração da União com os demais entes. As diretrizes do Pronasci (que são bem mais abrangentes que a do SUSP, pelo menos no contexto social) estão constantes na lei de criação do referido programa; algumas delas merecem certo destaque, como: a promoção dos direitos humanos, intensificação da cultura da paz, combate a qualquer forma de preconceito, ampliação de medidas e combate ao crime organizado e à corrupção policial, desarmamento, criação e fortalecimento de redes sociais comunitárias, conselhos tutelares, valorização dos profissionais de segurança pública, modernização das instituições de segurança pública, participação efetiva da sociedade civil, promoção de estudos, pesquisa e indicadores sobre a violência, entre outros. O foco etário do Pronasci são os jovens de 15 a 24 anos; o foco social é a juventude e adolescentes egressos do sistema prisional, ou em situações de vulnerabilidade social; o foco territorial são os logradouros com altos índices de homicídios e crimes violentos; e o foco repressivo é o combate ao crime organizado. A lei de criação do Pronasci enfatiza que o referido programa deverá ser executado de forma integrada pelos órgãos federais envolvidos e os entes que se vincularem voluntariamente, mediante instrumentos previstos na legislação; no entanto os potenciais parceiros na execução do Pronasci deverão aceitar algumas condições previstas na própria lei de criação do Pronasci. 4 Atuação dos órgãos de controle na execução de instrumentos de transferências voluntárias e obrigatórias A fiscalização dos recursos da União, entre os quais elencamos as transferências voluntárias e obrigatórias será exercida pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União e também pelos Sistemas de Controle Interno. A atuação dos órgãos de controle, onde se destaca o Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria Geral da União (CGU), no que tange à transferência de recursos federais aos Estados da federação, é fundamental, e podem ser deflagradas por solicitação do Congresso Nacional, denúncias, representações, imprensa, e por iniciativa dos órgãos de controle, conforme preconiza a legislação que rege os referidos órgãos. E como já foi explanado neste trabalho, e tomando por base, Amorim, Orzil e Simões 109 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 (2010), havia aproximadamente 60 mil processos de prestação de contas de convênios não analisados ou não apresentados pelos convenentes, apesar de expirado os prazos de entrega. Fernandes (2009) ainda destaca a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de dívidas com a administração pública motivadas por danos causados ao erário. Ainda em Amorim, Orzil e Simões (2010), constatou-se que o valor associado às prestações de contas pendentes e citadas no parágrafo anterior perfazia um valor de R$ 24, 1 bilhões, e ainda existiam convênios das décadas de 70 e 80 que não tiveram a prestação de contas aprovadas. Diante dessa alarmante situação o TCU, a CGU e os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão somaram esforços para reverter esse quadro, onde o resultado das discussões foi a implantação de um sistema de gestão de convênios (Siconv). O Siconv é o sistema informatizado do Governo Federal, o qual partir de 1º de setembro de 2008, teve início a obrigatoriedade sua utilização para proposição, celebração, liberação de recursos, acompanhamento da execução dos acordos e a prestação de contas dos recursos repassados voluntariamente pela União, através de convênios, contratos de repasse, e outros acordos. Tal plataforma foi advento dos acórdãos do TCU nº 788/2006 e 2066/2006, os quais tinham como assunto, a determinação ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para que apresentasse ao TCU, estudo técnico para implementação de sistema de informática em plataforma web que permitisse o acompanhamento on-line de todos os convênios e outros jurídicos utilizados para transferir recursos federais a outros órgãos / entidades, entes federados e entidades do setor privado, que possa ser acessado por qualquer cidadão via rede mundial de computadores, contendo informações relativas aos acordos celebrados. O Siconv, apesar de estar passando por constantes aperfeiçoamentos desde que foi criado, já trouxe benefícios de extrema relevância na gestão de acordos entre a União e outros entes, por exemplo: transparência, reduziu o custo operacional, automatizou o ciclo de vida dos acordos, viabilizou a integração com demais sistemas e bancos, e principalmente, facilitou a fiscalização e o controle por parte dos órgãos responsáveis por tal missão, e também por parte da sociedade civil, visto que também através do Siconv, é permitido fazer denúncias de potenciais irregularidades na aplicação de recursos públicos. De acordo com o artigo 1º da Lei 8443/1992, e no que cabe aos instrumentos de transferências voluntárias e obrigatórias, cabe ao TCU, I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário; II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das demais entidades referidas no inciso anterior; Com relação à aplicação de recursos federais, cabe também ao TCU aplicar sanções aos agentes que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, entre essas sanções, destaca-se a multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao erário, arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito (por intermédio do Ministério Público), inabilitação so infrator por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública. Outra sanção bastante rigorosa aplicada pelo TCU, constante em Fernandes (2009) é o desconto em folha, onde o TCU ordena o desconto em folha de pagamento sem autorização do servidor para pagamento de dívidas decorrentes de contas julgadas irregulares, ou seja, o desconto da dívida é feita diretamente na remuneração do responsável, sendo dispensável a sua manifestação de vontade. O TCU é responsável pelo controle externo, e à CGU o interno; de acordo com a lei nº 10.683/2003, cabe à CGU dar o devido andamento às representações ou quaisquer denúncias fundamentadas que receber, relativas à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público; sendo que a CGU encaminhará à Advocacia Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão, bem como provocará, sempre que necessária, a atuação do TCU, para assim resguardar a fiel aplicação dos recursos públicos ao fim que fora proposto. 110 Novos Rumos para a Gestão Pública Considerações Finais O Brasil é um país continental, e a criação do FNSP - SUSP e Pronasci foram intervenções da União, através do Ministério da Justiça, nas Secretarias de Segurança, mais especificamente nas Polícias e nos Corpos de Bombeiros, os quais estavam defasados tanto na questão educacional, aparelhamento e procedimentos operacionais da atividade fim de cada órgão, além de valorização profissional quase inexistente; e diante dessa situação a sociedade sofria as conseqüências da situação caótica que se encontrava a segurança pública. Após a implementação desses programas nos anos 2000, e conseqüentemente injeção de recursos federais nos Estados, houve uma melhora significativa nas variáveis: aparelhamento, prevenção da violência, promoção da paz, qualificação e valorização profissional dos profissionais de segurança pública; no entanto os esforços devem ser incessantes, assim como o aperfeiçoamento desses mecanismos, visto que Durkhein apud Gomes (2004) coloca a criminalidade como fenômeno social, e fato próprio da existência humana, portanto fato social, e, por conseguinte é dinâmico em sua essência. A descentralização de recursos aos estados movimentou mais de 47 bilhões de reais, conforme tabela1 e tabela 3; atualmente, os gestores não podem se furtar dessa prática na condução das suas ações e decisões, visto que a União, através de acordos (convênios e contratos de repasse), almeja por em prática seus programas governamentais em parceria com outros entes. Vale frisar que a descentralização de recursos federais para os estados gera a obrigação de prestar contas, além de executar fielmente o objeto do acordo, sob pena de glosa do repasse federal. Além disso, segundo Bugarin e Ferreira (2007) destaca que as transferências inter-governamentais no Brasil são significativamente influenciadas por motivações políticopartidárias, o que compromete seriamente a correta aplicação dos recursos públicos na execução de ações governamentais. A atuação dos órgãos de controle, nas ações de descentralização de recursos da União, deve salvaguardar a probidade administrativa na aplicação e gestão desses recursos, e principalmente o alcance do objeto para o qual se destinou o recurso federal. Atualmente, o TCU está mais flexível na apuração de certas situações que envolvem recursos federais, não aplicando somente a ‘lei seca’ (sem contextualização), ou seja, essa corte passou também a dar maior peso à avaliação dos resultados, relegando a segundo plano, algumas pequenas falhas na execução dos acordos. Já existiram até situações em que muito embora os recursos não terem sido aplicados diretamente no objeto do convênio, mas foram na mesma área, com benefício à comunidade situações essas evidenciadas nos Acórdãos 416/2005 – TCU – 2ª Câmara e 7836/2010 – TCU – 1ª Câmara. Fatos descritos no parágrafo anterior são louváveis, no entanto, não são regras, mas sim exceções aplicadas ao fato concreto; verifica-se também a correta aplicação da ciência do direito, visto que o direito é dinâmico, e por vezes tais decisões dessa nobre corte evitam determinações aos convenentes no sentido de recolherem valores astronômicos à União, e esses recolhimentos quase sempre comprometem seriamente as finanças de determinado ente; e o convênio que antes fora um bom caminho na sua gestão, transformou-se num verdadeiro problema. Nesse contexto de execução de acordos, o mais interessante seria os concedentes ou contratantes cumprirem o disposto no artigo 52 da Portaria 127/2008, o qual prevê, Art. 52. O concedente ou contratante deverá prover as condições necessárias à realização das atividades de acompanhamento do objeto pactuado, conforme o Plano de Trabalho e a metodologia estabelecida no instrumento, programando visitas ao local da execução com tal finalidade que, caso não ocorram, deverão ser devidamente justificadas. A orientação ao ente convenente tem como finalidade assegurar a correta aplicação dos recursos e evitar potenciais falhas na execução do acordo, para que não ocorra glosa de recursos, pois não é interessante para o órgão repassador dos recursos a glosa, mas sim o alcance do objeto, que é de interesse de ambas as partes. Em alguns estados, as verbas destinadas à segurança pública são escassas, e grande parte das ações dos estados na área de segurança pública dependem unicamente dos programas governamentais da União, diante de tal situação é desastrosa para qualquer gestão uma glosa integral de recursos, pois estes são corrigidos monetariamente. O TCU também já se manifestou no sentido de que, os convenentes devem se preparar para celebrar instrumentos de descentralização de recursos da união, desde a elaboração de projetos até a prestação de contas comprovando alcance dos objetivos, pois uma estrutura 111 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 incipiente para executar convênios ou contratos de repasse não são justificativas perante a corte de TCU diante de uma tomada de contas especial. Mesmo diante desses novos caminhos (descentralização de recursos federais aos estados), percebe-se a predominância do caráter sempre reacional das ações do Estado (seja União ou Estados da Federação). Desenvolvem ações de crescimento, desenvolvimento, infraestrutura, mas dificilmente, observam-se ações proativas no campo da segurança pública; visto que, somente se observa ações efetivas quando se está ultrapassando o limite do tolerável. AC ANEXO ÚNICO AL AP AM BA CE DF ES GO 1.043.802 1.719.294 376.552 1.030.490 2.982.812 2.562.914 979.678 475.913 1.303.854 MA MT MS MG PA PB PR PE PI 1.428.997 1.043.998 1.054.274 4.260.902 1.608.806 1.711.811 1.808.649 3.447.047 1.816.320 RJ RN RS RO RR SC SP SE TO 2.406.939 1.587.081 1.752.106 532.151 411.341 1.471.802 5.794.567 1.053.668 Tabela 1 – Transferências Voluntárias da União aos Estados 1997 a 2011 (R$ Mil) Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Ministério da Fazenda 1.582.462 Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul 6.585.605 18.309.944 4.381.803 12.938.321 5.032.557 Tabela 2 – Transferências Voluntárias da União por Região 1997 a 2011 (R$ Mil) Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Ministério da Fazenda VALOR R$ TOTAL Vigência IN nº 01/97 33.005.829 Vigência Port. 127/08 14.242.401 TOTAL 47.248.229 Tabela 3 – Transferências Voluntárias da União aos Estados por Legislação Vigente (R$ Mil) Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Ministério da Fazenda Período Efetivo Proposta do PAC 1 * 1995 – 1998 2,5 1999 – 2002 2,1 2003 – 2006 3,5 2007 – 2010 4,6 4,9 Tabela 4 –Taxa de crescimento médio do PIB (em %aa) Fonte: IBGE (elaboração: Ministério da Fazenda/ Secretaria de Política Econômica) * A proposta do PAC 1, apresentada em janeiro de 2007, era de crescimento do PIB de 4,5% em 2007 e 5% em 2008, 2009 e 2010. Referências AMORIM, Almério Cançado de; ORZIL, Alexandre; SIMÕES, Gláucia Maria. Convênios públicos: a nova legislação.. 1 ed. Brasília, DF: Orzil, 2010. BRASIL. Balanço 4 anos PAC programa de aceleração do crescimento. Brasília, DF: Comitê Gestor do PAC , 2010. BRASIL. Constituição federal. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Lei nº 101/2000. Brasília, DF: Senado, 2000. BRASIL. Lei nº 10.201/2001. Brasília, DF: Senado, 2001. BRASIL. Lei nº 11.530/2007. Brasília, DF: Senado, 2007. BRASIL. Lei nº 11.578/2007. Brasília, DF: Senado, 2007. BRASIL. Decreto nº 6.025/2007. Brasília, DF: Casa Civil, 2007. BRASIL. Decreto nº 6.170/2007. Brasília, DF: Casa Civil, 2007. BRASIL. Guia de orientação 2010: programa nacional de segurança pública com cidadania no siconv. Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2010. BRASIL. Instrução normativa nº 01/97. Brasília, DF: Secretaria do Tesouro Nacional, 1997. 112 Novos Rumos para a Gestão Pública BRASIL. Portaria interministerial nº 127/2008. Brasília, DF: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e do Controle e da Transparência, 2008. BUGARIN, Mauricio S., FERREIRA Ivan F. S. Transferências Voluntárias e Ciclo PolíticoOrçamentário no Federalismo Fiscal Brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: RBE, 2010. CARVALHO, Alexandre Y.X., et al. Análise dos custos e conseqüências da violência no Brasil. 2007. FERNANDES, J. U. Jacoby. Tomada de contas especial: processo e procedimento na administração pública e nos tribunais de contas. Belo Horizonte, MG: Editora Fórum, 2009. GOMES, Carlos Alberto da Costa. Espaço urbano e criminalidade: uma breve visão do problema. Salvador,BA. 2004 ROCHA, Lincoln Magalhães da. Relatório de avaliação de programa: programa sistema único de segurança pública. Brasília, DF: Tribunal de Contas da União, 2005. 113 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 ALTA GESTÃO PÚBLICA NA FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS: INICIANDO UMA AGENDA DE PESQUISA BRASILEIRA A PARTIR DE ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA Jadna Nara Herbst Vieira 1.INTRODUÇÃO A sobrevivência das organizações, ao longo do tempo, é tema central das discussões sobre estratégia empresarial (SERRA; FERREIRA; CONTRIGIANE; FIATES, 2010). Segundo Faria (2009, p. 1), “a Administração Pública vem sendo cada vez mais confrontada com a necessidade de aumentar sua eficiência, diminuir seus custos, enxugar sua estrutura, aumentar sua agilidade e tornar-se mais transparente e democrática”. Com esse cenário, a presente pesquisa é um ensaio que tem por objetivo investigar como a alta gestão pública formula suas estratégias utilizando-se de práticas, a partir das contribuições de Richard Whittington, pesquisador e professor do campo da estratégia, com foco na abordagem pós-modernista, a estratégia como prática, iniciando por intermédio de uma agenda de pesquisa. Para tanto, antes de formular, apresentar processos ou modelos de gestão, a alternativa emergente, nessa pesquisa, é a alta gestão pública. Para Angeloni (2008, p. 133), “na complexidade das organizações, os seres humanos são os principais agentes de transformação”. Nesse contexto, como é sabido, na gestão pública, o objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos (PEREIRA, 1996 p. 17). Desse modo, pesquisar como a alta gestão exerce suas funções e auxiliá-la, torna-se relevante, pois o objetivo do artigo é, a partir da produção acadêmica selecionada, identificar informações importantes para a formulação estratégica, a fim de possibilitar uma agenda inicial de pesquisa brasileira para o estudo da “Alta Gestão, no setor público, na prática”. Como justificativa, buscou-se, no plano diretor da reforma do aparelho do Estado – 1995, em que se afirma que o paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Além disso, no mesmo documento, registra-se que a gestão pública, enfrenta, problema de governança porque sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa. Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo baseada em estudo bibliográfico. Com o estudo foi proposta uma agenda de pesquisa brasileira sobre o tema. Logo, foi inferido um conjunto de proposições que poderão orientar pesquisas futuras, discussões e conclusões. Essas pesquisas permitiram uma base fundamentada e o entendimento do tema, principalmente, aos praticantes que exercem essas funções permitindo uma reflexão de suas práticas de gestão para melhorar o desempenho na formulação de estratégias, e, consequentemente, na implementação, na busca pela excelência em gestão, tanto falada. Com o artigo, pretende-se contribuir para teoria e prática na gestão pública a partir dos praticantes e compreender melhor o universo de formulação de estratégias. Por essa razão, esse artigo está organizado em cinco partes, incluindo essa introdução. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 ALTA GESTÃO PÚBLICA A gestão pública brasileira é um campo que, normalmente, busca a implementação de modelos estrangeiros, quase sempre, sem muita preocupação em adaptá-los às particularidades locais. Essa não é uma característica recente, haja vista que desde a sua formação, o Estado brasileiro teve como base os modelos europeus (Prestes Motta, Alcadipani e Bresler, 2001). De acordo com Andriolo (2006, p. 8) “transformar administradores públicos burocráticos em gerentes é uma mudança bem mais complexa do que transparece no Plano Diretor da Reforma.” Ainda, o mesmo autor acrescenta que o Plano Diretor da Reforma, ao priorizar o conteúdo técnico e institucional, deixa a dimensão cultural como mera figuração, não considerando adequadamente o contexto brasileiro, as peculiaridades e as características mais essenciais da gestão pública no Brasil. A proposta de implantação da Reforma Gerencial na gestão pública brasileira, conforme Fadul; Pinto da Silva (2008, p. 5) (...)vinha sustentada pela intenção de permitir que o Estado fosse fortalecido e ampliasse a sua capacidade de garantir os direitos sociais, através de um corpo de administradores públicos mais qualificado e responsável perante a sociedade. Ou seja, o discurso reformista passava ao largo da crise financeira e fiscal do Estado, centrando o problema da 114 Novos Rumos para a Gestão Pública administração pública brasileira no modelo de gestão praticado pelas organizações, o que seria solucionado com a adoção e implementação de pressupostos gerenciais importados da iniciativa privada. Apesar de haver procedimentos no setor público que precisavam ser transformados, os quais se evidenciavam em um cenário de serviços públicos prestados sem qualidade, com funcionários públicos descomprometidos, com salários defasados, entre outros aspectos, a proposta tinha como fundamentação teórica, argumentos econômicos de maior alcance e abrangência, e as medidas propostas foram marcadamente econômicas. De tal modo que novas tendências políticas, entre as quais, deve-se destacar, a política da “Terceira Via”, proposta por Antony Giddens, que influenciou, decisivamente, a reforma do Estado no Brasil. A chamada “Terceira Via” foi definida por esse autor como (...) uma estrutura de pensamento e de prática política que visa a adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao longo das duas ou três últimas décadas. É uma terceira via no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo. (GIDDENS, 1999, p.36) Vale apena ressaltar alguns tópicos importantes dessa reforma, no Estado brasileiro que se referem a: (a) definição de objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade; (b) garantia de autonomia para o administrador público no que tange à gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros à sua disposição para a consecução dos objetivos fixados; (c) controle “a posteriori” dos resultados entre outros como a descentralização (BRASIL, 1995). Nesse cenário, o principal desafio, nas organizações públicas, é o gerencial, o que essencialmente instigou esse trabalho, mas, delimitando o trabalho no grupo da alta gestão pública. Na concepção desse trabalho, o modelo de excelência em gestão pública foi primordial no contexto brasileiro. O modelo tem como princípio focar em resultados e ser orientado para o cidadão, conforme o Instrumento para Avaliação de Gestão Pública – ciclo 2008/2009 p. 7 (...) Este modelo deve guiar as organizações públicas em busca de transformação gerencial rumo à excelência e, ao mesmo tempo, permitir avaliações comparativas de desempenho entre organizações públicas brasileiras e estrangeiras e com empresas estrangeiras e com empresas e demais organizações do setor privado. Este modelo de excelência em gestão, de padrão internacional, que expressa o entendimento vigente sobre o “estado da arte” da gestão contemporânea, é a representação de um sistema de gestão que visa aumentar a eficiência, a eficácia e a efetividade das ações executadas. É constituído por elementos integrados, que orientam a adoção de práticas de excelência em gestão com a finalidade de levar as organizações públicas brasileiras a padrões elevados de desempenho e de qualidade de gestão. Com isso, novas perspectivas foram criadas, e, exigiu e exigem dos gestores novas práticas de gestão. A gestão pública para ser excelente tem que ser legal, impessoal, moral, pública e eficiente, conforme Brasil (2008 p. 10). Sendo assim, orientados por princípios constitucionais, integram a base de sustentação do Modelo de Excelência em Gestão Pública os fundamentos apresentados a seguir pelo Instrumento para Avaliação da Gestão Pública Ciclo 2008/2009, Brasil (2009), tais como: pensamento sistêmico, aprendizado organizacional; cultura da inovação; liderança e constância de propósitos; gestão baseada em processos e informações; visão de futuro; geração de valor; comprometimento das pessoas; foco no cidadão e na sociedade; desenvolvimento de parcerias; responsabilidade social; controle social e gestão participativa. Dessa maneira, conforme Bresser Pereira (1996, p. 14) “o gerencialismo é visto como um conjunto de ideias e crenças que tomam como valores máximos a própria gerência, o objetivo de aumento constante da produtividade e a orientação para o consumidor.” Assim sendo, o modelo de excelência em gestão pública, nas organizações públicas brasileiras, tem fundamental importância, principalmente, na disseminação desse conhecimento. Ao vislumbrar um Brasil, realmente, com ordem e progresso, a partir da alta gestão pública. 115 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 2.2 ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA Nessa pesquisa, utiliza-se para definir estratégia o conceito de autores brasileiros, portanto, conforme Serra, Torres e Torres (2004) “estratégia empresarial é o conjunto dos meios que uma organização utiliza para alcançar seus objetivos. Tal processo envolve as decisões que definem os produtos e os serviços para determinados clientes e mercados e a posição da empresa em relação aos seus concorrentes.” De tal maneira, para Volberda (2004, p.32) “o campo da estratégia é repleto de prescrições e diretrizes concorrentes, cujo objetivo é alcançar performances de sucesso.” Nesse contexto, o universo sobre o campo de estratégia é extenso e complexo. Esses estudos são explicitados por meio das abordagens de pensamentos em estratégia, nas quais os estudiosos focam desde o nível macro até o micro. Por um longo período, o nível macro conhecido como moderno ou cartesiano (modelo Norte-Americano de estratégia) serviu como estrutura chave nos estudos voltados ao campo. De tal modo que gestores e outros profissionais da área anunciam uma revolução estratégica como um novo marco para a excelência organizacional (Hamel, 2000). Para alguns estudiosos, o modelo tradicional de estratégia apresenta lacunas em algumas questões relacionadas à prática. Assim sendo, com o passar dos anos, surge um movimento acadêmico que chama a atenção, nos estudos do campo, a estratégia como prática. Dessa maneira, a partir da agenda e do modelo de Richard Whittington (2003, 2006), professor da Universidade de Oxford Saïd Business School, foi então que a estratégia como prática obteve uma expressividade internacional. A abordagem da estratégia como prática preocupa-se em estudar as práxis, os praticantes e as práticas (JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007; WHITTINGTON, 2006). Clegg, Carter, Kornberger (2004, p. 6) descrevem que “a agenda de pesquisa de Whittington pode ser caracterizada, de maneira geral, como um meio de identificar o que os estrategistas realmente fazem.” Logo, a influência da economia nos estudos em estratégias ampliou para novos horizontes, agregaram, assim, novas áreas como: sociologia, filosofia, psicologia, antropologia entre outras, para compreender a construção das atividades nas organizações. Com isso, alguns estudiosos passaram a encarar a estratégia como sendo algo que as pessoas fazem (ZANQUETTO FILHO, 2009). Estudar a estratégia como prática é importante pelo simples fato de que, por meio das práticas dos atores (neste caso a alta gestão) a(s) estratégia(s) são implementadas, a partir da sua formulação. A abordagem da estratégia como prática (Whittington, 1996, 2006, Jarzabkowski, 2005, 2008) é um campo recente de investigação que tem crescido em resposta à ausência curiosa de seus praticantes e suas atividades na maioria dos artigos acadêmicos sobre estratégia (HAMBRICK, 2004). Segundo Giddens (1979; 1974), a proposta de prática social é importante pela sua preocupação em destacar que a vida social, diferentemente das coisas da natureza, ocorre a partir de “skilled performances” dos agentes humanos. Para tanto, Carrieri, Leite da Silva, Junquilho (2008, p. 3) refletem a prática social tem a ver com procedimentos, métodos e técnicas, executados e manejados de forma apropriada por esses mesmos agentes sociais, tomando como base a consciência que eles detêm sobre os procedimentos de uma ação, isto é, aquilo que o autor chama de conhecimento mútuo (“mutual knowledge”), ou seja, um tipo de conhecimento que é compartilhado por todos aqueles atores sociais cognoscitivos que, em outras palavras, sabem como comportar ou prosseguir em determinadas situações cotidianas.” Nesse contexto, alguns estudiosos em estratégia vêm mostrando-se interessados nas interpretações sociais e nas criações que sustentam as atividades, na intenção de entender melhor a cognoscitividade social dos praticantes e na expectativa de fazer o amanhã mais prático, conforme alguns teóricos do campo de estratégia como prática, tais como: WHITTINGTON, 1996; WILSON; JARZABKOWKI, 2004, WHITTINGTON (2006), WHITTINGTON; MOLLOY; MAYER; SMITH (2006), JOHNSON; LANGLEY; MELIN; WHITTINGTON (2007), JARZABKOWSKI; WHITTINGTON (2008), WHITTINGTON; CAILLUET (2008), JARZABKOWSKI; WHITTINGTON (2008) E JARZABKOWSKI; SPEE (2009) entre outros. Para Zanquetto Filho (2009, p. 01) O campo de pesquisa da estratégia como prática abriu espaço para o entendimento das ações de níveis micros moldadas pelos atores humanos que são consequências para desfechos estratégicos. A estratégia é algo que as pessoas fazem e não que a organização tem. Como essas ações estão inseridas em um contexto social, o entendimento dessas micros dinâmicas e dos estudos da estratégia 116 Novos Rumos para a Gestão Pública como prática em si, sob diferentes focos de análise, tem se revelado como base relevante para a compreensão das estratégias nas organizações. Sabe-se que, a abordagem de estratégia como prática não foi devidamente explorada, e, portanto, completamente entendida. Tendo, assim, uma teoria não consolidada, porém emergente, em que se busca compreender as discussões da estratégia como prática e quem faz a estratégia. Essa possibilidade é, então, uma perspectiva capaz de integrar e inteirar, em seu cotidiano, a probabilidade de identificar questões inerentes às ferramentas e às habilidades, as quais não ficam registradas nos relatórios, planejamentos estratégicos, tão pouco em alguma comunicação escrita interna e até mesmo nas abordagens teóricas, sendo assim, uma alternativa de conhecer um pouco mais os conhecimentos e comportamentos tácitos desses praticantes “estrategistas” que fazem a estratégia. Nessa pesquisa, o foco principal se volta aos praticantes (alta gestão pública), pelo seu papel na construção de resultados, por meio das decisões no processo de formulação estratégica. 2.2.1 Práxis, Práticas e Praticantes A abordagem da estratégia como prática preocupa-se em estudar as práxis, os praticantes e as práticas (JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007; WHITTINGTON, 2006). Dessa maneira, práxis é o trabalho que se relaciona à estratégia (por exemplo, o fluxo de atividades como reuniões, conversas, cálculos, formulários e apresentação); práticas são ferramentas sociais, simbólicas e materiais por intermédio das quais a estratégia é feita (por exemplo, frameworks como as 5 Forças, apresentações e planilhas) e os praticantes, se refere às pessoas que fazem trabalhos ligados à estratégia (por exemplo, além da equipe da alta gestão, os demais níveis organizacionais envolvidos e atores externos como consultores, analistas e reguladores); (JARZABKOWSKI; WHITTINGTON, 2008, p. 282). Logo, conhecer e entender melhor essa tríade, na prática das organizações públicas, é a perspectiva dessa agenda. Segundo Whittington et.al. (2003) também destacam uma preocupação em intensificar os graus de reflexão entre os estrategistas e iniciar um programa de reforma, envolvendo praticantes e a comunidade acadêmica. 2.3 FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS A formulação de estratégia está sendo vista, por alguns estudiosos, como tarefa fundamental, principalmente as estratégias formuladas sobre o desempenho organizacional. Nesse sentido, Fleury e Fleury (2001) defendem que a formulação eficaz da estratégia empresarial está intimamente ligada às competências gerenciais e à cultura corporativa, que se configura no meio necessário para a consecução desse objetivo. Segundo Beppler, Pereira e Costa (2011, p.143) perceberam que a formulação estratégica é abordada preponderantemente por autores clássicos, os quais a definem como um processo deliberado de escolhas racional das estratégias consideradas ideais para o perfil da organização. A escolha dessas estratégias é feita de acordo com métodos e ferramentas, normalmente quantitativos, de análise de mercado, de ambiente, da concorrência, entre outros, os quais, na percepção dos autores, buscam mapear ao máximo as variáveis que podem influenciar a consecução da estratégia e, ao mesmo tempo, encontrar maneiras de proteger a empresa dos elementos que podem prejudicar seu desempenho. De acordo com Pelissari (2007, p. 61) “o processo de formulação e implementação de estratégias empresariais representa um dos aspectos mais importantes que os administradores têm de enfrentar, e espera-se que o processo seja desenvolvido da melhor maneira possível, resultando numa otimização dos resultados da empresa.” E, nessa pesquisa, a essência da formulação é o alinhamento entre os praticantes, conhecimento e ação. Para iniciar uma organização de setores, pode-se, utilizar os setores apresentados por Pereira (1996, p.14) como Os Estados modernos contam com quatro setores: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos, e a produção de bens serviços para o mercado. O núcleo estratégico é o centro no qual se definem a lei e as políticas públicas, e se garante, em nível alto, seu cumprimento. É formado pelo Parlamento, pelos Tribunais, pelo Presidente ou Primeiro-ministro, por seus ministros e cúpula dos servidores civis. Autoridades locais importantes também podem ser 117 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 consideradas parte do núcleo estratégico. No caso de o sistema ser federal, também pelos governadores e seus secretários e a respectiva alta administração pública. Encontram-se, na literatura, vários modelos de como formular estratégias, mas como o foco nessa pesquisa é conhecer, na prática, como ocorre a formulação estratégica, os modelos poderão ser apresentados em outras pesquisas para análise e comparação da teoria e prática nas organizações públicas. 3 METODOLOGIA Para alcançar o objetivo desse estudo, primeiramente se fez uma revisão teórica dos aspectos fundamentais da perspectiva adotada, após, foi feita uma revisão de produção significativa com base em um pesquisador indispensável, em estratégia como prática, Richard Whittington, nos seguintes períodos (1996, 2002, 2003, 2004 e 2006), (vale ressaltar que podem ocorrer algumas traduções diferenciadas), e, concomitantemente, com base no instrumento para avaliação da gestão pública ciclo 2008/2009 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, tendo como alicerce, também, o modelo de Excelência em Gestão Pública, por meio dos fundamentos de excelência gerencial (GESPÚBLICA, 2008) entre outros. Pode-se classificar a pesquisa como de caráter descritivo, a partir de estudo bibliográfico. Segundo Köche (1997, p.124), na pesquisa descritiva “não há a manipulação a priori das variáveis. É feita a constatação de sua manifestação a posteriori.” Ainda, de acordo com Köche (1997, p.122), o objetivo da pesquisa bibliográfica “é o de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer tipo de pesquisa.” Nesse contexto, por meio das informações identificadas selecionadas foram analisados, organizados e identificados os conteúdos. Logo, chegou-se ao resultado de um conjunto de proposições que poderão orientar pesquisas futuras, discussão global e conclusões. 4. RESULTADOS Richard Whittington, nos estudos selecionados sobre o tema “estratégia como prática”, movimentou as dimensões da atuação dos praticantes, por intermédio de suas práticas e práxis. Deste modo, seguem algumas contribuições de seus estudos. ANOS TRABALHOS 1996 “Strategy as Practice” 2002 “Practice Perspectives on Strategy: Unifying and developing a fiel” 2003 "The work of strategizing and organizing: for a practice perspective". 118 CONTRIBUIÇÕES Neste artigo seminal, a estratégia deve ser tratada como uma prática social e que, embora a perspectiva processual tenha dado grandes contribuições aos estudos em estratégia, o interesse das pesquisas continua sendo a organização como um todo. É preciso mudar o foco de pesquisas; como os praticantes fazem a estratégia. Precisa-se saber mais a respeito do strategizing, ou seja, do processo constante de se fazer a estratégia em uma organização. Todavia é necessário conhecer o nível dos praticantes e estudá-los, ver como agem e interagem na organização, quais suas habilidades, destrezas e desempenhos. Concentra-se particularmente sobre as práxis, praticantes e as práticas – mas simples; o trabalho, os trabalhadores e as ferramentas utilizadas na estratégia. Preocupa-se com quem vai ser estrategista e como eles chegam lá. Acrescenta duas proposições amplas para explorar a perspectiva prática – a relevância política da prática para a área de formação em gestão e a difusão internacional de boas práticas. Um bloco de seis perguntas em torno do que, onde, como e o que é o trabalho de estratégia organizacional. Como por exemplo: Onde e como é realmente feito o trabalho de elaboração de estratégias? Quem faz o trabalho da organização das estratégias? Quais são as habilidades necessárias e como são adquiridas? Quais são as ferramentas e técnicas comuns na organização de estratégias? Como é o trabalho de elaboração de estratégias? Como são os produtos de estratégias e como são comunicados e consumidos? Novos Rumos para a Gestão Pública 2004 Estratégia após o É uma agenda dupla para estratégia após modernismo. A modernismo: agenda sociológica – com a intenção de compreender as recuperando a prática elites da estratégia, suas habilidades e tecnologias e suas implicações para a sociedade; já a agenda gerencial, a perspectiva é para transformar a compreensão sociológica em vantagens para a prática nas seguintes situações: como alguém se torna estrategista? e quais são as habilidades de que os estrategistas necessitam e como podem ser adquiridas? Entre outras. 2006 “Completing the Pratice Figura 1: Framework de Whittington Turn in Strategy” Fonte: Whittington (2006, p. 621) Whittington (2006) apresenta graficamente o seu modelo de estratégia como prática, em que integra os elementos que os compõem (práxis, prática e praticantes), conforme a Figura 01. Nessa figura, como exemplo, estão o praticante A e seus colegas, os praticantes B e C. Na maior parte do tempo, o praticante A reforça as práticas. No entanto, de tempos em tempos, em conjunto com seus colegas B e C, pode desenvolver as práticas, como no segundo instante de práxis com a prática 1. Pode até vir a criar algo relativamente novo e amplamente aceito para ser considerado como uma nova prática, como no terceiro instante da prática 4. Nesse caso, a criação da nova prática é facilitada pela entrada do praticante D. O praticante D pode ser, por exemplo, um consultor de estratégia, vindo com suas próprias práticas de estratégia, com um novo conjunto de práxis possível. Quadro 1: Contribuições de Richard Whittington Fonte: Organizado pela autora, 2011. Após as contribuições de Richard Whittington, apresenta-se o item sobre formulação das estratégias do Instrumento para avaliação da gestão pública 2008/2009, organizado pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, consequentemente, para agregar, com as contribuições da estratégia como prática. Formulação das estratégias Este item examina a implementação de processos gerenciais que têm por objetivo a formulação de estratégias, enfatizando a análise do setor de atuação, o macro ambiente e do modelo institucional da organização. Também examina o processo de acompanhamento dos ambientes internos e externos. Abordar os seguintes requisitos, evidenciando sua aplicação: A – Como é o processo de formulação das políticas públicas, quando pertinente? 1. Destacar como a organização identifica o universo institucional e os atores envolvidos nas políticas públicas de que participa como formuladora e/ou executora, quando pertinente. B- Como é o processo de formulação das estratégias da organização? 1. Apresentar as principais etapas e as áreas envolvidas no processo. C- Como os aspectos relativos ao ambiente externo são considerados no processo de formulação das estratégias? 1. Destacar os aspectos considerados. 2. Destacar como a organização se relaciona com outros órgãos e entidades para estabelecer parcerias com o intuito de melhor cumprir sua missão institucional. D- Como é realizada a análise do ambiente interno? 1. Destacar de que forma é considerado, nessa análise, o conhecimento da organização. 119 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 E- Como são avaliadas e selecionadas as principais estratégias? 1. Destacar as principais estratégias selecionadas e o alinhamento com o PPA, a LDO, LOA e com os objetivos da organização e os respectivos aspectos fundamentais para o seu sucesso. 2. Citar de que forma a organização insere o desenvolvimento sustentável na sua estratégia visando atingir resultados favoráveis nas áreas social, ambiental e econômica, quando pertinente. F- Como as áreas da organização e as partes interessadas, quando pertinentes, são envolvidas nos processos de formulação de estratégias? G- Como as estratégias são comunicadas às partes interessadas pertinentes para estabelecimento de compromissos mútuos? Quadro 2: Formulação das estratégias - Instrumento para avaliação da gestão pública 2008/2009 Fonte: Brasil (2008, p. 32) Nessa pesquisa, a prática nas organizações públicas a partir da alta gestão é o ponto de partida, e, com isso, predominante, a preocupação com a formulação, simplesmente, pela importância dada nas decisões tomadas nesta fase do processo, já que é a essência do trabalho de gestão. Lembram-se, ainda, nesse processo os atores que direta ou indiretamente são responsáveis pela sociedade, enquanto estão exercendo suas funções. 4.1 PROPOSTA DA AGENDA PARA INVESTIGAÇÃO FUTURA A proposta desse trabalho a alta gestão pública na formulação de estratégias: é iniciar uma agenda de pesquisa brasileira a partir da estratégia como prática, identificar informações relevantes na formulação estratégica para possibilitar uma agenda inicial de pesquisa brasileira, a respeito da alta gestão pública, auxiliando com o saber um pouco mais sobre esses praticantes, na prática. Com base nessas informações relevantes, utilizadas a partir das contribuições selecionadas dos estudos de Whittington (1996, 2002, 2003, 2004 e 2006) e Brasil (2008) a tentativa é de estudar os praticantes da alta gestão pública no seu dia a dia. Portanto, entender melhor e auxiliar a realidade do campo da gestão pública brasileira, por intermédio da identificação, conhecimento e análise das contribuições selecionadas nas referências desse ensaio, se alinhou algumas proposições que poderão orientar pesquisas futuras, discussões e conclusões. As questões apresentadas a seguir, serviram como base, na premissa de instigar a identificação e análise das práticas nas organizações públicas, por meio da alta gestão – os praticantes. 1. Quais são as principais etapas e as áreas envolvidas no processo de formulação estratégica? 2. Como é o processo de formulação das estratégias da organização? 3. Escolhas estratégicas e resultados - Como são avaliadas e selecionadas as principais estratégias? 4. Após as principais estratégias selecionadas como ocorrem os alinhamentos com os objetivos da organização e com os respectivos aspectos fundamentais para o seu sucesso. 5. Qual é a importância dos atores envolvidos na formulação de estratégias? 6. Como as estratégias são comunicadas? 7. Quais são as competências necessárias a esta atividade e como elas são adquiridas? 8. De que forma a organização insere o desenvolvimento sustentável na sua estratégia visando atingir resultados favoráveis nas áreas: social, ambiental e econômica. Essas questões servirão de base para a comparação de vários construtos e seus profissionais estratégicos, sendo, principalmente, para conhecer como acontece o processo de formulação de estratégias. Após, a proposta da agenda de pesquisa para investigação em formulação estratégia a partir da alta gestão, com abordagem de estratégia como prática, a intenção é de disseminar as pesquisas feitas por meio da prática para que os praticantes da alta 120 Novos Rumos para a Gestão Pública gestão estejam efetivamente inseridos nesse processo de melhoria contínua da gestão pública nacional em todos os níveis de poder: federal, estadual e municipal. Essas pesquisas permitirão que se estruture uma base e um melhor entendimento do tema em organizações públicas brasileiras, admitindo o aprofundamento dos mesmos e com a perspectiva de possibilitar melhor tomada de decisões acerca da formulação de estratégias a partir da alta gestão para atingir de maneira eficaz, resultados, com base na abordagem de estratégia como prática, ainda assim, na tentativa de entender melhor a cognoscitividade social dos praticantes e na expectativa de fazer o amanhã mais prático e útil. Para Besser Pereira (1996, p. 14) a administração pública gerencial envolve uma mudança na estratégia de gerência, mas esta estratégia tem de ser posta em ação em uma estrutura administrativa reformada. A ideia geral é descentralização, a delegação de autoridade. Mas é preciso ser mais específico, definir claramente os setores em que o Estado opera, as competências e as modalidades de administração mais adequada a cada setor. No entanto, existem muitas perguntas a serem respondidas encontradas na literatura, como por exemplo, no trabalho de Clegg, Carter e Kornberger (2004), de Jarzabkowski e Volberda (2004), em Whittington; Johnson; Melin (2004) a análise da estratégia como prática, Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007) entre outras pesquisas que somaram nesse construto, que poderão traçar uma nova aprendizagem para futuros ou já gestores e, consequentemente, para o meio acadêmico. Como reflexão, e, concomitantemente, com o Plano de Reforma do Estado (2005), no que tange na dinâmica de transição, convém lembrar o registro sobre, “no período longo prazo” (...)espera-se que a reforma do aparelho do Estado produza as transformações fundamentais que viabilizem o novo Estado desejado, indutor e promotor do desenvolvimento social e econômico do País. Para alcançar esse estágio, e com a flexibilidade requerida para enfrentar os novos desafios que certamente serão impostos, os resultados esperados estão relacionados a duas dimensões: a primeira, de natureza interna, diz respeito à consolidação da cultura gerencial e da efetiva valorização dos servidores, através do resgate da identidade com o serviço público; a segunda, de natureza externa, a partir do surgimento de uma nova sociedade, baseada na participação popular, que recoloca o Estado como instrumento do exercício pleno da cidadania. Para corroborar, segundo Lúcio, Coelho (2010, p. 01) “a conjuntura socioeconômica atual, influenciada pelos processos de reforma administrativa e globalização, impõe o desafio ao Estado de estabelecer e criar mecanismos alternativos para a solução de conflitos e controvérsias intraestatal e entre esse e a sociedade que o cerca.” Por fim, as transformações devem acontecer cada vez mais, na ânsia de fazer um Brasil melhor por intermédio dos gestores e de uma sociedade responsável. CONCLUSÃO Ao ensaiar, nesta agenda de pesquisa referente a novos rumos para a gestão pública, procurou-se, em primeiro momento, identificar informações relevantes na formulação estratégica para possibilitar uma agenda inicial de pesquisa brasileira para o estudo da “Alta Gestão no setor público na prática”, já que a intenção de mudanças e transformações na gestão pública vêm sendo afloradas e, bem como a importância da transformação na identidade dos praticantes nesse processo. A preocupação da pesquisa teve como origem: antes de formular, apresentar processos ou modelos de gestão, a alternativa emergente nessa pesquisa, a alta gestão pública, os praticantes de fato. Para iniciar a discussão, direciona-se aos praticantes na ânsia de contribuir com a construção de uma agenda coletiva de gestão. Lembra que essa agenda é proposta com a intenção de discussões e amadurecimento de ideias, com pesquisa no campo, como a alta gestão formula suas estratégias nas organizações públicas, na prática. Articulando, dessa maneira, com diversos praticantes na possibilidade de facilitar o processo do entendimento de como praticar eficazmente a formulação estratégica, a partir do modelo proposto pela GESTPÚBLICA na prática, na busca da eficácia na gestão e na real compreensão dos praticantes dessa atividade de importância para todos nós. A revisão da literatura, em particular dos trabalhos de Richard Whittington sobre a abordagem de estratégia como prática, comentando sobre práxis, práticas e praticantes manifesta que no dia a dia das organizações pode-se detectar aprendizagens, rotinas não conhecidas, vícios, e a própria 121 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 realidade das ações. De tal modo, Fadul, Mac-Allister da Silva, Pinto da Silva (2010, p. 12) defendem: “a administração pública é, também, um jogo de atores, e nesses termos, a compreensão deste jogo dos atores é de fundamental importância para o entendimento de diversas questões, importando, muito mais em saber os por quês, as razões que motivaram tal ou qual decisão e ação, do que propriamente descrevê-la.” Acredita-se que essa perspectiva seja útil nesse momento em que emergem ações eficazes, diante de um cenário tão turbulento em todo o mundo. As referências utilizadas estão sustentadas na premissa de que a melhoria da gestão pode ser realizada com a percepção dos praticantes e seus assessores e o que envolvem essas práticas de formulação de estratégia que irão impactar nas ações e resultados aos cidadãos, visualizados a partir de uma abordagem que instiga a investigar as microatividades, na possibilidade de uma gerar uma nova concepção entre os praticantes e no interior dessas relações. A partir dessa observação, ressalta-se a importância do estudo na alta gestão pública, por ser a partir de suas decisões nas formulações de estratégias, que se encontre o rumo. REFERÊNCIAS ANDRIOLO, Leonardo José. A Reforma do Estado de 1995 e o Contexto Brasileiro. EnANPAD, 2006. CD. ANGELONI, M.T. (Org.). Organizações do conhecimento: infraestrutura, pessoas e tecnologias. São Paulo: Saraiva, 2008. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Gestão. 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A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, simboliza não apenas a luta da biofarmacêutica que, em 1983, ficou paraplégica, por ter sido atingida por um tiro nas costas desferido pelo marido, Marco Antonio Herredia, e que, durante dezoito anos, permaneceu sem nenhuma resposta do Estado, mas representa o reconhecimento do Poder Público e da sociedade dos direitos das mulheres como direitos humanos e fundamentais cuja garantia têm consequências para toda a sociedade em seus mais variados setores, jurídicos, políticos, sociais, econômicos. No entanto, prestes a completar cinco anos de vigência, pesquisas de opinião 3 pública apontam que o impacto da nova legislação tem-se mostrado tímido. Embora boa parte da população tenha manifestado conhecimento da lei e o número de denúncias e processos haja aumentado, o nível de satisfação das expectativas e de confiança no poder público pelas mulheres nessa situação ainda é relativamente baixo. A violência doméstica e familiar contra a mulher ainda configura uma das maiores preocupações das mulheres brasileiras, que não encontram, na esfera pública, apoio ou motivo para nela procurar ajuda e resolver esse problema, mantendo a questão na esfera privada. Diante dessa frustração geral, o poder público tem manifestado respostas variadas à 4 sociedade, mas que se concentram em recomendações de alterações legislativas e construções hermenêuticas, especialmente de caráter penal e processual penal, supondo que os tímidos resultados obtidos nas estatísticas das pesquisas de opinião pública estariam mais relacionados a 5 falhas jurídicas da Lei Maria da Penha e de suas interpretações pelos órgãos de justiça . Completados cinco anos de aniversário, a Lei Maria da Penha, citada pela ONU em 2008 como uma das três melhores legislações do mundo na área da violência contra a mulher (GOETZ, 2009), bem como o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que recebeu o Prêmio “Inovação na Gestão Pública 2010”, conferido pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), são questionados em sua eficiência e legitimidade, pela seguinte pergunta: a Lei Maria da Penha tem sido devidamente aplicada em sua integralidade? Mais especificamente, indaga-se: como tem sido a atuação aos órgãos de justiça, haja vista o papel e a função estratégica que foram incumbidos por essa legislação, de implementação das condições necessárias para o exercício dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar e de aplicação de forma articulada do conjunto de medidas para enfrentamento do fenômeno? São dois os objetivos do presente trabalho, quais sejam: a) traçar um breve panorama sobre a atuação dos órgãos de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha e no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher; e b) apresentar as práticas colaborativas na atuação dos órgãos de justiça no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, possibilidades que têm se mostrado tendentes a propiciar resultados mais eficientes e amplos para as metas e objetivos propostos pelo Estado brasileiro nessa seara. Para tanto, foi realizada pesquisa teórico-aplicada, dividida em três etapas. Na primeira, será contextualizada a violência doméstica e familiar contra a mulher, em seus aspectos fáticos e normativos, enfatizando a opinião pública antes e depois da promulgação da Lei Maria da Penha e expondo os pressupostos da análise, dentre os quais, o conceito doutrinário de eficiência 6 do Direito Administrativo brasileiro, amparado na elaboração de Celso Antônio Bandeira de Mello , bem como os critérios normativos de eficiência dos órgãos de justiça, cujas fontes se restringiram à legislação vigente sobre a matéria e às diretrizes de políticas públicas do Pacto Nacional para o Enfrentamento à Violência Doméstica Contra as Mulheres. Observado esse quadro, na segunda etapa, será analisada a atuação dos órgãos de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha e no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, mensurando sua eficiência e indicando seus desafios. A base de parâmetro desse exame consiste nas estatísticas e nos estudos pioneiros da Secretaria de Política para as Mulheres recentemente publicados em três documentos, que foram selecionados por terem produzido dados em âmbito nacional, bem como por possuírem caráter de oficialidade e de 124 Novos Rumos para a Gestão Pública confiabilidade. Tais documentos são: “Balanço do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres” (SPM, 2010); Relatório Final da Pesquisa “Condições para aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMS) e nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar nas capitais e no Distrito Federal” (OBSERVE, 2010); e o Relatório da Pesquisa “Identificando entraves na articulação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em cinco capitais” (OBSERVE, 2011). Na terceira etapa, serão descritos, como possibilidades de aperfeiçoar o sistema brasileiro, os conceitos de justiça colaborativa (collaborative justice), prática ocorrente há mais de vinte anos nos Estados Unidos e em outros países do mundo que intentam complementar e modernizar a atuação dos órgãos de justiça em relação a problemas recorrentes, amplos e graves. A comparatística não possui o escopo de definir o melhor ou o pior padrão. Na medida em que se buscou instrumentos que possibilitam maior adequação das respostas do Estado às necessidades do seu jurisdicionado, inexiste sentido indicar um molde descontextualizado da realidade brasileira. A intenção do paralelo é, tão somente, partindo das “perspectivas e idiossincrasias de nossos sistema jurídico e dos nossos desafios” e observando “as peculiaridades e problemas da temática em nosso país” (THEODORO JÚNIOR et al, 2010, p. 13), acrescentar mecanismos que possam contribuir para maior eficácia da Lei Maria da Penha e para a garantia dos direitos nela estabelecidos. Nessa última etapa, as fontes de pesquisa restringiram-se aos estudos sobre as varas especializadas de resolução de problemas relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher (problem-solving/domestic violence courts) produzidos pelo Center for Court 7 Innovation,(CCI) . Pensa-se que esta reflexão pode contribuir, diretamente, para o aprimoramento dos órgãos jurídicos em suas gestões referentes ao assunto da violência doméstica e familiar contra as mulheres; e, indiretamente, para o direito à igualdade de gênero e ao acesso à justiça. Aspectos fáticos e normativos da violência doméstica e familiar contra a mulher A complexidade, a amplitude e a multidimensionalidade da violência doméstica e familiar contra as mulheres veio a ser internacionalmente reconhecida há poucos anos. O Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, divulgou estatísticas que permitiram afirmar a questão como um problema mundial de saúde pública: pelo menos uma em cada três mulheres no mundo era agredida, forçada a ter relações sexuais ou abusada, e, das vítimas de assassinato, 70% foram mortas pelos seus maridos ou parceiros (KRUG et al, 2002). Em 2006, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou o fenômeno como pandemia e obstáculo para a afirmação dos direitos humanos e concretização do Estado Democrático de Direito, o que afetaria não somente as mulheres, mas a sociedade em geral, em seus mais variados âmbitos – sociais, econômicos, políticos e jurídicos (ONU, 2006). Esse fato foi demonstrado pela pesquisa realizada por Nicholas D. Kristof (2009), que concluiu que a pobreza de determinados países estava diretamente relacionada com a baixa educação e a violência cometida contra as meninas e mulheres, sendo esta o grande desafio a ser enfrentado no século XXI, da mesma forma que a escravidão o totalitarismo o foram nos séculos XIX e XX. Boaventura de Sousa Santos (2011) aponta que a gravidade e dificuldade histórica em lidar com o problema remonta à cultura patriarcal da sociedade, senso comum que alimenta a dominação sexual e o preconceito de considerar as mulheres seres cuja humanidade é problemática, mais perigosa ou menos capaz, quando comparada com a dos homens. Por essa razão, as práticas quotidianas das instituições e das relações sociais continuam a reproduzir a desigualdade, possuindo ainda uma “dimensão particularmente perversa: de criar a ideia na opinião pública de que as mulheres são oprimidas e, como tal, vítimas indefesas e silenciosas”. “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” não traduziu por tantos anos somente um ditado popular, mas uma norma estatal, resultando em atrocidades à integridade de 8 toda ordem das mulheres, violentadas em seus próprios lares, em sua maior intimidade , sem vislumbrarem oportunidade para denunciar ou pedir qualquer ajuda. A violência doméstica e familiar contra as mulheres se mostrou, pois, como causa e sintoma da opressão da mulher (SOUZA, 2009, p. 11) e da negação de sua emancipação, dignidade e cidadania, e sua superação passou a ser condição inexorável não somente das transformações referentes à gênero e à segurança pública e de alcance restrito às mulheres, mas do desenvolvimento da sociedade em seus diversos âmbitos, com reflexos para todos, para a democracia dos países e para a defesa dos direitos humanos. 125 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O Brasil, a partir da 1980, passou a assumir uma série de compromissos 9 internacionais para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher . Não obstante, em 2001, foi responsabilizado por negligência pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), havendo recebido recomendações específicas do para sanar suas omissões à pelo Comitê da Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women, da Organização das Nações Unidas (CEDAW/ONU). Deveras, constatou-se no país um quadro fático preocupante: no mínimo uma mulher era espancada no Brasil a cada 15 segundos, segundo importante pesquisa de âmbito nacional realizada pela Fundação Perseu Abramo no ano de 2001 (VENTURI et al, 2004). Ainda, cerca de uma a cada cinco brasileiras declararam espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por algum homem; e quando estimuladas – pela citação de diferentes formas de agressão pelas entrevistadoras – o índice de violência alcançou a marca de 43%, quase metade da população feminina. Na grande maioria dos casos de violência, o ofensor era o marido ou parceiro (entre 53% e 70%), ou o ex-marido, o ex-companheiro e o ex-namorado, principalmente por motivo de ciúme ou em razão de influência do álcool – o alcoolismo ou estar alcoolizado no momento da agressão (ambas as razões mencionadas por 21% das mulheres). O estudo ainda constatou que, em quase todos os casos de violência, mais da metade das mulheres não pedia ajuda. Somente em crimes considerados mais graves – como o espancamento com marcas, cortes ou fraturas ou ameaças com armas de fogo à própria mulher ou aos filhos (53% e 55%, respectivamente) –, pouco mais da metade das vítimas recorriam a alguém para socorro, geralmente outra mulher da família – mãe ou irmã, ou a alguma amiga próxima. A denúncia pública foi rara (na delegacia da Mulher, cerca de 5%). Essas informações foram ratificadas pela pesquisa “Violência Doméstica Contra a Mulher” promovida pela Subsecretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado Federal (SENADO, 2005) e pelo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e com apoio do UNIFEM: em 2003, a violência contra a mulher, dentro e fora de casa, era o problema que mais preocupava a brasileira. Considerada essa conjuntura, e em atenção ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotado pela ONU em 1999, assinado pelo governo brasileiro em 2001, e com fundamento na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), e, ainda, nos art. 1º, inciso III, 3º, incisos I e IV, 5º, caput e inciso I, e 226, § 8º, da Constituição Federal (1988), foi criada, em 2003, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, vinculada à Presidência da República (SPM/PR), com o objetivo de ampliar e integralizar as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres para além da capacitação de profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência e a criação de serviços especializados. Para tanto, esse órgão editou um conjunto de documentos, em especial o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2004, que, por meio da definição de conceitos, diretrizes, normas de delineamento das ações e estratégias de gestão e monitoramento relativas à temática da violência contra as mulheres, a SPM/PR incluiu em suas metas a criação de normas e padrões de atendimento, o aperfeiçoamento da legislação, o incentivo à constituição de redes de serviços, o apoio a projetos educativos e culturais de prevenção à violência e a ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços de segurança pública. Esse foi o contexto político e normativo que ensejou a elaboração do projeto de Lei nº 37/04, baseado em intenso e extenso trabalho e estudo de diversos órgãos públicos e setores da sociedade, e que viria a se tornar a Lei Maria da Penha. Cumpre analisar como, nos últimos cinco anos, os órgãos de justiça aplicaram a legislação e efetivaram as políticas públicas. A eficiência dessa atuação seria o desenvolvimento das atividades que lhe foram incumbidas do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, conforme os meios e a ocasião de utilizá-los (MELLO, 2008, p. 122), concebíveis na Lei Maria da Penha e no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, quais sejam: a implementação das condições necessárias para o exercício dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar (definidas no art. 3º da Lei nº 11.340/06) e a aplicação de forma articulada do conjunto de medidas para enfrentamento do fenômeno (entabuladas, principalmente, nos artigos 8º, 9º e 23 da Legislação). 126 Novos Rumos para a Gestão Pública A atuação dos órgãos de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha e no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher: sucessos e desafios Em todos os documentos pesquisados - “Balanço do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres” (SPM, 2010), Relatório Final da Pesquisa “Condições para aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMS) e nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar nas capitais e no Distrito Federal” (OBSERVE, 2010) e Relatório da Pesquisa “Identificando entraves na articulação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em cinco capitais” (OBSERVE, 2011) –, concluiu-se não haver dados suficientes para aferir a eficiência ou ineficiência dos órgãos de justiça, haja vista a inexistência de informações sistematizadas em abrangência nacional, integradas, padronizadas e disponíveis sobre os diferentes registros que são gerados a partir da aplicação da Lei. Este, inclusive, foi apontado como o maior obstáculo para o monitoramento da eficiência da legislação, inviabilizando, ainda, a orientação das políticas públicas e o aprimoramento dos planos de gestão. Não obstante, pôde-se avaliar a implementação das condições nos órgãos de justiça que, segundo a Lei nº 11.340/06, art. 3º, §§ 1º e 2º da Lei, proporcionariam sua eficácia, ou seja, a aplicação integral das medidas e a garantia dos direitos nela estabelecidos. O resultado foi a necessidade de maior sensibilidade por parte desses órgãos para a questão. Veja-se: Da parte da justiça é possível afirmar que, se existem avanços para serem comemorados no que toca à conquista formal de direitos, a pesquisa mostrou que a realidade das condições da aplicação da Lei Maria da Penha nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher está muito aquém do que é necessário para a efetivação desses direitos e ainda se mostra muito comprometida por uma visão tradicional de acesso à justiça (OBSERVE, 2010, p. 121). Com efeito, apesar dos robustos investimentos, significativos avanços e do pouco tempo de experiência da legislação e das instituições de justiça especializadas, patente diferenciação no acesso a justiça, pouca integração operacional entre os diferentes setores e pequeno incentivo à participação da sociedade. Ainda que ínfimos e incipientes os exames sobre o tema, foi possível deduzir que tais elementos demonstraram que a ineficácia da Lei Maria da Penha decorre menos de lacunas e interpretações da legislação e mais de defeitos da aplicação das referidas condições de implementação da Norma pelos órgãos de justiça (OBSERVE, 2011, 71), tratando-se, pois, de uma questão de gestão pública e administração dos órgãos de justiça. Tal avaliação foi realizada com base em averiguação de sete critérios, definidos nas pesquisas do Observe, obtidos a partir de um conjunto indicadores internacionalmente recomendados para o acompanhamento de respostas públicas à violência contra a mulher (OBSERVE, 2010, p. 116), o que delineou o perfil da atuação dos órgãos de justiça brasileiros na aplicação da Lei Maria da Penha e no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher: existência de Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JEVDFM); condições físicas e materiais; recursos humanos; ampla competência do juiz; equipe multidisciplinar; sistema de dados e informação; e articulação de serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência. Com efeito, as tímidas experiências bem sucedidas foram aquelas que atenderam ao princípio da boa administração (MELLO, 2008, p. 122) e aprimoraram as características de especialização, de institucionalização e, principalmente, de articulação em rede, considerada a novidade e a essência da Lei Maria da Penha, no que se refere à estruturação do Poder Público para sua implementação. Também foi mencionada como cooperação/colaboração, pressupondo a horizontalidade das relações entre os parceiros e sua responsabilidade solidária pela aplicação da Lei Maria da Penha. Foi definida, ainda, como o fator que estabelece a comunicação dialógica e a construção democrática e coerente de novos valores de gênero. Não obstante sua importância, à articulação em rede, ou cooperação/colaboração, os órgãos de justiça ofereceram mais resistência, o que se atribuiu à sua visão tradicional de acesso à justiça criminal que se limita às decisões judiciais e à aplicação exclusiva ou prioritária das medidas punitivas. Demonstrado como um desafio a abertura dos órgãos de justiça para seu aprimoramento de administração e gestão, em especial no que atine à articulação em rede, ou cooperação/colaboração, foi destacada a atuação do Conselho Nacional de Justiça como órgão que pode ter papel estratégico para sua superação. 127 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, também denominada a Reforma do Judiciário, que buscou sua modernização a fim de garantir o direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva e à ordem jurídica justa, o CNJ inclui-se no contexto de reformulação da Administração Pública dada pela Constituição Federal de 1988, que dinamizou a atuação do Estado para obter maior eficiência nos serviços públicos prestados, por meio do estabelecimento de parcerias com iniciativas da sociedade e o trabalho com metas, ferramentas mais maleáveis e aptas a alcançar com mais adequação a realidade social que se transforma de maneira cada vez mais rápida e complexa na atualidade. Na seara da violência doméstica e familiar contra a mulher, o CNJ assumiu o papel de, em interlocução democrática com os organismos responsáveis por articular políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, construir vínculos permanentes e estabilizar tais políticas no âmbito do Poder Judiciário. Nesse sentido é que se deram as ações já realizadas por essa instituição para a efetivação da Lei Maria da Penha: a recomendação de criação, estruturação e funcionamento pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; realização de quatro Jornadas da Lei Maria da Penha; elaboração do Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados; monitoramento de dados processuais, ainda que restrito ao controle de produtividade; a criação do Fórum Nacional de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – FONAVID, que realizou dois encontros com o objetivo de aperfeiçoar a aplicação da Lei Maria da Penha elaborando diretrizes para a padronização dos trabalhos em todo o país e realizando cursos de especialização para os magistrados que atendem nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar; a promoção do I Encontro Nacional de Promotoras Legais Populares, que reuniu mais de 300 representantes das comunidades, que após discutirem a implementação da Lei, prepararam e aprovaram enunciados, entregues ao Presidente do Supremo Tribunal Federal e ao Presidente da República; o acompanhamento das denúncias contra juízes que se recusam a aplicar a Lei Maria da Penha ou a aplicam com distorções, o lançamento da Campanha Lei Maria da Penha, entre outras que ainda estão sendo criadas, como a Rede Nacional de Cooperação Judiciária, os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, as Casas de Justiça e Cidadania, etc. Tais ferramentas, que tendem ao aprimoramento de administração e gestão dos órgãos de Justiça, em especial no que atine à articulação em rede ou cooperação/colaboração, aproximam-se da justiça colaborativa (collaborative justice) e dos tribunais de resolução de problemas (problem-solving courts), prática ocorrente há mais de vinte anos nos Estados Unidos e em outros países do mundo e que vem apresentando bons resultados ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. A seguir, serão rapidamente descritas e contextualizadas essas experiências. A justiça colaborativa Especificamente as varas especializadas estadunidenses surgiram de uma profunda reforma do sistema judicial daquele país, no final da década de 80, com o escopo de alcançar maior eficiência. A partir de então, um conjunto de práticas foram adicionadas às técnicas e experiências convencionais, por meio do estabelecimento de parcerias, com diferentes setores públicos e privados, multidisciplinares, e, especialmente, com iniciativas da comunidade, em colaboração mútua e contínua, e não adversarial. O intuito da formação dessa rede foi possibilitar o trabalho, não somente com os problemas, mas com as causas dos problemas (interesses reais ou subjacentes e valores sociais), a fim de apresentar uma resposta adequada às necessidades e expectativas de um específico grupo de pessoas em uma específica jurisdição, proporcionando segurança, confiança e bem-estar à comunidade. Assim, essas instâncias, denominadas problem solving courts, passaram a ter a atribuição de concretizar e concentrar esses mecanismos, monitorando-os, estudando-os e experimentando outros no intuito de solucionar problemas de uma determinada comunidade. Apesar das peculiaridades de cada tipo de vara especializada, foram observadas características comuns que as experiências apresentaram, elevadas posteriormente à categoria de princípios, quais sejam: a colaboração, a tomada de decisões baseadas em informações reforçadas, o interesse em obter melhores e substantivos resultados, o provimento de serviços individualizados para cada litigante, o foco na responsabilização do ofensor e na conscientização da comunidade e o envolvimento da comunidade. Comparadas com os Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JEVDFM) brasileiros, notou-se que as varas especializadas estadunidenses (domestic violence courts – DVC) também se guiam pela especialização, institucionalização e 128 Novos Rumos para a Gestão Pública articulação em rede/colaboração, porém, com mais ou menos densidade ou com diferentes enfoques ou dinâmicas, observadas as distâncias sistêmicas da ordens jurídicas dos países. Porém, nos Estados Unidos, talvez em razão de mais tempo de experiência das DVC, o monitoramento da eficiência de seu modelo aparentam estar mais desenvolvido, com critérios mais específicos e caráter mais proativo, voltando-se a atuação do Judiciário para resultados específicos e bem definidos, quais sejam: redução do tempo de processamento dos casos, maior informação sobre os casos, aumento da responsabilização do infrator (menor reincidência, menos processos, menos acusações e condenações ou menor descumprimento das decisões), menor reincidência, aumento dos serviços e da segurança para as vítimas, maior satisfação dos interesses reais ou subjacentes dos envolvidos, mais bem-estar da comunidade. Ademais, o envolvimento das vítimas e a participação da comunidade, bem como o acompanhamento judicial frequente dos ofensores, foram práticas que mostraram bons resultados e foram enfaticamente recomendadas. Considerações finais Em resumo, foi possível alcançar ambos os objetivos propostos inicialmente, quais sejam, traçar um panorama sobre a atuação dos órgãos de justiça na aplicação da Lei Maria da Penha e no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher; e apresentar possibilidades tendentes a propiciar resultados mais eficientes e amplos para as metas e objetivos propostos pelo Estado brasileiro nessa seara. Tendo em vista que o principal desafio apontado para o monitoramento da eficiência da legislação, a fim de monitorar as políticas públicas e aprimorar os planos de gestão, foi a inexistência de dados suficientes para aferir a eficiência ou ineficiência dos órgãos de justiça, destacou-se o CNJ como instituição capaz de produzir informações sistematizadas em abrangência nacional, integradas, padronizadas e disponíveis sobre os diferentes registros que são gerados a partir da aplicação da Lei. Ainda, considerando que os modelos brasileiros bem-sucedidos têm como elementos desenvolvidos a especialização, a institucionalização e, especialmente, articulação em rede, ressalta-se o sistema de justiça colaborativa como possibilidade para unir os diferentes interessados e encadear e diversos setores sociais envolvidos no problema a fim de garantir os direitos humanos e promover o desenvolvimento da sociedade, apresentando-se esse como exemplo de novos rumos da Gestão Pública no âmbito do Poder Judiciário. Espera-se que, os levantamentos realizados na presente pesquisa e as informações produzidas possam oferecer ferramentas importantes para o aperfeiçoamento das respostas estatais oferecidas às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, mais adequadas às suas necessidades e expectativas, delineando conteúdo mais estável e democrático ao direito de igualdade de gênero. Destaca-se, por fim, que, observados os dados obtidos no presente trabalho e a narrativa legal sobre o tema, o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres tem induzido profundas e amplas modificações na sociedade brasileira, jurídicas, políticas e sociais, que transcendem a questão dessa violência em si, na medida em que transforma estruturas convencionais e estabelece diálogos e dinamismos entre categorias tradicionalmente estanques, como feminino e masculino, público e privado, direitos e deveres, ressignificando princípios e direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Referências bibliográficas BENLLOCH, Isabel Martínez. Construcción psicosocial de los modelos de género: subjetividad y nuevas formas de sexismo. In: CASTILLO-MARTÍN, Márcia. OLIVEIRA, Suely de (org.). Marcadas a Ferro: Violência contra a Mulher, uma visão multidisciplinar. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2005, p. 104-134. BERMAN, Greg; FEINBLATT, John. 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Consulta em: 19 jan. 2011. 132 Novos Rumos para a Gestão Pública UM NOVO MODELO DE GESTÃO PÚBLICA BASEADA NA NECESSÁRIA INTERNALIZAÇÃO DOS CONCEITOS GERENCIAIS AO DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL: UMA NECESSÁRIA RELEITURA JURÍDICO-GERENCIAL EM FACE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Juliano Ribeiro Santos Velos INTRODUÇÃO Dentro da gestão pública, administrar significa agir conforme a lei. Isto é, qualquer alternativa de modelo de gestão pública, formas, processos, deve passar necessariamente pela compreensão do Direito, ou seja, pela aplicação da lei. Em outras palavras, a lei é a base de todo estado democrático de direito, devendo ser respeitada sob pena de retrocesso a regimes autoritários. Nesta linha, qualquer modelo de gestão deve respeitar o limite legal. Por isto, qualquer paradigma, processo, técnica deve estar descrito em lei, e internalizado pela Ciência do Direito, sob pena de ineficácia. Diversas políticas públicas ou projetos podem ser invibializados em função de ignorar esta realidade burocrática inexorável. Neste contexto, necessário se faz caracterizar dentro dos diversos textos legais em sentido amplo, os paradigmas de gestão pública, as formas, os processos e os modelos de gestão, compatíveis com o papel assumido pelo Estado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Algumas perguntas surgem: Será possível perceber os paradigmas de gestão nos textos legais? Quais são eles? Quais modelos de gestão vingaram tendo em vista a legislação e sua sistematização? Por outro lado, está o Direito Administrativo Constitucional preparado para o enfrentamento de novos desafios em face de novos modelos de gestão pública? Não seria necessária uma nova sistematização do Direito Administrativo Constitucional em face das Políticas Públicas? Onde os modelos de gestão se enquadrariam dentro do Direito Administrativo Constitucional? Na linha de entendimento de que qualquer modelo de gestão pública está necessariamente ligado ao Direito, é possível exemplificar o instituto da Repercussão Geral previsto no artigo 543-A, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, que permite o diálogo entre os fenômenos políticos, sociais, econômicos e jurídicos. Trata-se, de outro modo, da compreensão de que o direito não é um fim em si mesmo. Que a leitura jurídica dos fenômenos políticos, sociais, culturais e gerenciais, é de fundamental importância. Paralelamente, interessante trazer a lume a experiência da corrente de “Direito e Economia” e sua contribuição para o aperfeiçoamento dos modelos de gestão e controle. Evidências econômicas podem e devem ser utilizadas pelo Direito, inclusive para o aperfeiçoamento de modelos, formas e processos de gestão pública. Propõe-se, em suma, a mudança de um modelo em que o Direito Administrativo é um fim em si mesmo para um paradigma em que o Direito é um meio para alcançar o interesse público primário, em que a compreensão de fenômenos políticos, sociais, econômicos e gerenciais deva ser internalizada, permitindo o aperfeiçoamento do sistema. Portanto, o enfoque gerencial do Direito Administrativo Constitucional é uma alternativa emergente no contexto de conflitos entre paradigmas para a gestão pública, na aplicação das formas, processos e modelos de gestão, compatíveis com o papel assumido pelo Estado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. E a contribuição do presente trabalho é no sentido de caracterizar os diversos paradigmas nos textos legais, bem como apresentar elementos para o seu aperfeiçoamento, principalmente diante da necessidade de aprimoramento do controle judicial, que pode e deve ser um aliado, uma vez que se trata de um palco legítimo para o exercício da democracia. Espera-se, ao final, demonstrar a necessidade deste novo enfoque de Administração Pública, baseado na necessária compreensão do Direito como pressuposto de efetividade. PARADIGMAS DE GESTÃO 1 Partindo da classificação adotada no Plano Diretor da Reforma do Estado , é possível classificar três paradigmas de gestão. São eles: • A administração pública patrimonialista. • A administração pública burocrática. • A administração pública gerencial. A mudança de um mundo absolutista para um mundo democrático trouxe uma maior complexidade à gestão pública, diante da possibilidade de intervenção de diversos interesses na esfera do Estado, até então delimitado de forma específica. Surge, com a mudança do Estado absolutista para o Estado de Direito, o modelo weberiano de organização dando origem à chamada administração pública burocrática. 133 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Todavia, alguns problemas surgem com este novo paradigma: Há uma igualdade formal e não material. Dificuldade do controle do corpo político do aparelho administrativo. Os próprios partidos políticos são organizados sob uma estrutura burocrática que impede a participação. O paradigma gerencial ou também chamado da "nova administração pública" pode ser considerado uma tentativa de superação do modelo burocrático que, por sua vez, foi uma resposta ao paradigma patrimonialista vigente em regimes monárquicos. Dentro da fase atual, é possível caracterizar três correntes, conforme leciona Abrucio (1996): • Gerencialismo puro: Trata-se de uma tentativa de redução de aumento da eficiência por meio da redução de custos. Isto é, tenta-se fazer mais com menos. • Consumerism: Adota o paradigma de cliente para os usuários de serviços públicos. • Public service orientation (PSO). Tenta retornar o conceito de cidadania, tentando agregar novamente a variável política, questionando a aplicação de conceitos de justiça, equidade, república e democracia, aos paradigmas de cidadão como clientes e eficiência. Partindo desta sucinta introdução, as formas, organizações, processo de gestão estão descritos de forma profícua na legislação, caracterizando o atual paradigma de gestão: o paradigma burocrático. Todavia, muito da "nova administração pública" vem tomando forma dentro do ordenamento jurídico, e muito há que ser feito em termos de sistematização dentro do Direito. • • • PARADIGMAS DE GESTÃO NA LEGISLAÇÃO Percebe-se que todas as teorias desde o paradigma burocrático ganharam respaldo no ordenamento jurídico brasileiro e foram concretizadas. Neste texto, busca-se uma exemplificação dentro do contexto da Administração Pública Federal brasileira. O paradigma burocrático weberiano se concretizou na organização administrativa brasileira. O modelo burocrático está espelhado, por exemplo, no Decreto Lei 200 de 25 de fevereiro de 1967 que estabelece a organização da Administração Federal e diretrizes para a Reforma do Aparelho do Estado. Percebe-se que o Decreto Lei 200 é uma lei estritamente burocrática no sentido weberiano ao determinar a criação de uma estrutura racional legal capaz de implementar as políticas públicas. Neste texto legal é possível visualizar a formação do fenômeno chamado "elitismo burocrático" porquanto não há a previsão de participação popular, fruto do contexto autoritário da época, mas também da crença de que a burocracia seria capaz de solucionar todos os problemas. Os artigos 13 e 15 que tratam do "controle" e do "planejamento" respectivamente não permitem qualquer tipo de participação social, diferentemente do projeto de lei que trata da nova organização administrativa, que trataremos mais a frente. O controle deveria ser realizado pela própria chefia, pelos órgãos de cada sistema, e pelas áreas de contabilidade e auditoria. Os órgãos de planejamento sob a orientação do Presidente da República seria capaz de realizar toda a ação administrativa do Poder Executivo, o que corrobora o paradigma burocrático weberiano da época. Um pouco antes do Dec. Lei . 200, surgiu a Lei 4320 de 17 de março de 1964, que introduziu normas de Direito Financeiro com o fito de realizar o controle dos orçamentos e balanços, demonstrando, outrossim, a limitação em termos de participação social, bem como de tratamento. Somente com a elaboração da Constituição Cidadã de 1988, é que um novo paradigma começou a se desenhar. Vários direitos e diversas formas de participação permitiram um grande salto em relação ao período anterior, e o surgimento de um campo fértil para a proliferação de textos legais capazes de assegurar uma superação do paradigma burocrático estrito que já na década de 80 mostrava sua incapacidade de fornecer soluções para as demandas democráticas. A Emenda Constitucional número 19, de 04 de junho de 1998, que introduziu o chamado "Princípio da Eficiência" no caput do artigo 37 do texto constitucional, trouxe a preocupação desta nova corrente do gerencialismo puro, de busca de controle dos gastos públicos, e aumento da eficiência. A Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal corrobora este paradigma porquanto estabelece limites de gastos e permite o controle com o estabelecimento de metas. Apesar de desde 1998 o Princípio da Eficiência estar no texto constitucional muito pouco ainda foi desenvolvido dentro do Direito Administrativo Constitucional em termos de aplicação prática, ou mesmo jurisprudência. O entendimento dentro da literatura jurídica varia desde àqueles que entendem que o instituto não tem aplicabilidade, passando por alguns que defendem um 134 Novos Rumos para a Gestão Pública entendimento estritamente jurídico, até uma minoria que o mesmo deveria ter alguma concretude, mas não explicam qual exatamente. No que diz respeito ao paradigma do "Consumerism", que considera o cidadão como cliente, é possível mencionar o Plano Diretor da Reforma do Estado (1995) como o principal marco. Inspirado em modelos de Estados estrangeiros, como os Estados Unidos e Nova Zelândia, que, por sua vez, inspiravam-se em modelos de administração privada, o cidadão começou a ser tratado como um cliente. Este paradigma não obteve muita força para a Administração Direta. A chamada Administração indireta, principalmente aquelas que estabeleciam obrigações para concessionários de serviços públicos foram as mais afetadas, como, por exemplo, as agências reguladoras. A Lei 9784 de 29 de janeiro de 1999 caminhou no sentido de permitir o respeito dos direitos dos administrados, como descrito no artigo terceiro, que determina o tratamento respeitoso por parte da Administração. A Lei 8987 de 13 de fevereiro de 1995, que trata das concessões e permissões, são outro marco dentro deste paradigma gerencial pós burocrático do "gerencialismo puro" e do "consumerism", e quem sabe, até do "Public Service Orientation - PSO", uma vez que o cidadão é dotado de algumas garantias como o serviço público adequado. A crítica que se faz à corrente "consumerism" é que o critério político democrático deve se sobrepor ao critério privado do cliente. O cidadão é dotado de prerrogativas que vão além da capacidade ou não de se sentir satisfeito por um serviço. O interesse público moldado pelo exercício da cidadania é capaz de estabelecer os próprios parâmetros do serviço. Talvez, a própria Constituição Federal representasse melhor estas três correntes pós burocráticas, denominadas de "Nova Administração". No artigo 37, com o Princípio da Eficiência estariam representados o "gerencialismo puro" e o "consumerism", enquanto em diversos momentos, são assegurados direitos aos cidadãos de influenciar no processo político. Na verdade, estas três correntes não se sobrepõe, mas se complementam. Trata-se de um aperfeiçoamento. Percebe-se, claramente, que os modelos de gestão vingaram tendo em vista a legislação e sua sistematização de acordo com o momento vivido. Os paradigmas de gestão pública estão descritos nos textos legais de acordo com os respectivos períodos históricos vividos. Contudo, muito ainda é preciso fazer para responder aos problemas decorrentes deste modelo. As propostas da nova Administração Pública, ou da Administração Pública Gerencial deve ser compreendida pelo Direito, permitindo a efetivação das políticas públicas. A legislação é a amálgama em relação a todos estas questões postas. O Direito, na verdade, dá respostas à história. E a atual realidade impõe ao Direito a formatação de novos paradigmas, como o proposta de lei para a nova organização brasileira. PROJETO DE LEI DA NOVA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA BRASILEIRA A projeto de lei de uma nova organização administrativa (Modesto, 2010) caminha no sentido de atender às demandas de todas as correntes. Permite o controle social nos artigos 66 à 68, por meio de consultas públicas, audiências públicas, exercício de direito de petição, participação em órgãos colegiados, atuação em processos administrativos e a utilização de critérios de governança corporativa para as Sociedades de Economia Mista (art. 52). Estabelece ainda o controle por metas e resultados, desestimulando os controles meramente formais. Permite a flexibilização dos instrumentos de contratação visando a economicidade, a eficiência e a melhoria do serviço. Isto é, representa uma tentativa de superação do paradigma burocrático, acolhendo as críticas das correntes da chamada "Nova Administração Pública". O MÉTODO JURÍDICO GERENCIAL Todavia, muito ainda falta para que a Administração Pública brasileira consiga chegar a um nível de excelência, apesar do método gerencial existir há cerca de 400 anos. O professor Vicente Falconi (2009) assim leciona sobre como o meio para se alcançar uma meta: "Não existem vários métodos para atingir metas, só um, o Método Cartesiano proposto por volta de 1600. Um consultor pode enfatizar mais um ponto do que outros, ou pode ainda utilizar recursos de análise mais ou menos sofisticados, mas isto não quer dizer que o método seja diferente. O mesmo acontece com a expressão 135 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 "Sistema de Gestão": cada consultoria tem seu próprio entendimento. Como o sistema de gestão é constituído de método, só existe um." Ele ressalta que por meio do método, dos sistemas de gestão e das pessoas, é possível criar uma grande organização. As tecnologias mudam, mas o método cartesiano continua o mesmo. E o "verdadeiro poder" está no conhecimento extraído das informações pela prática da análise."somente a análise permite conhecer a verdade dos fatos o que melhora substancialmente a tomada de decisões, garantindo a obtenção de excelentes resultados." Todavia, além de todos os pontos levantados, o professor Vicente Falconi nos lembra que há ainda muito que pode ser melhorado em termos de paradigma de gestão, por meio da compreensão da liderança dentro do Direito Administrativo constitucional. "Se tem uma coisa que descobri em minha vida é que quando se fala sobre melhorias no gerenciamento não existe diferença entre setor público e privado. Como o gerenciamento depende somente do ser humano, e sendo ele igual nas duas áreas citadas, não há mesmo por que ser diferente. Para haver melhorias em qualquer organização, basta que haja liderança. É necessário que haja uma distribuição de metas benfeita, ensino do método a todas as pessoas, recrutamento, desenvolvimento e treinamento de uma boa equipe e, finalmente, uma condução dos trabalhos que alinhe os valores de cada um com os valores do Estado. Tenho encontrado áreas públicas que são até mais fáceis de trabalhar que algumas empresas. Procure sempre trabalhar com bons líderes ou procure ser, você mesmo, um deles. O resto é foco, análise e execução dedicada. Não espere por ninguém. Tome a iniciativa.Prof. Vicente Falconi é consultor e sócio-fundador do INDG. Fonte: Revista Exame (08/06/2010)." Há uma curva de aprendizado que precisa ser entendida e dominada de modo a criar uma organização excepcional. "O cultivo de uma empresa capaz de enfrentar situações difíceis não se faz com objetivos de curto prazo, mas com ações contínuas ao longo do tempo focadas em três frentes: metas bem estabelecidas para todos, recrutamento, seleção e desenvolvimento de pessoas felizes em seu trabalho e, finalmente, desenvolvimento da cultura de enfrentamento de mudanças. Uma empresa competitiva e pronta para enfrentar "mares turbulentos" não se faz com "metas curtas". A luta por custos excepcionalmente baixos deve ser conduzida por meio de metas anuais de melhoria contínua e da inovação.A atenção ao que o cliente quer deve ser levada muito a sério. Desse modo é possível aumentar margens - ao oferecer produtos pelos quais os clientes aceitam pagar um pouco mais e também ao cortar o que só gera custos pelos quais o cliente não quer pagar. Toda empresa tem uma mina de ouro escondida embaixo de si. Mas essa riqueza só pode ser extraída com liderança excepcional e com disciplina disseminada por todas as pessoas da organização. Finalmente gostaria de deixar a mensagem de que o grande esforço a ser feito por empresas e governos é preparar todas as pessoas para ser exímias solucionadares de problemas fazendo isso de forma cada vez mais competente.Prof. Vicente Falconi é consultor e sócio-fundador do INDG.Fonte: RevistaExame (17/02/2010)." Em alguns casos, a lei talvez possa, em um primeiro momento ser ignorada, mas com certeza, deixar de utilizá-la pode acabara gerando uma perda de uma força colaborativa enorme, inclusive pelo poder Judiciário. DIÁLOGO TRANSDICIPLINAR O principal problema destes modelos pós burocráticos, segundo Fernando Abrúcio 2 (BRESSER, 2006) é definir que tipo de Estado pretendem construir . Paralelamente, segundo Pzeworski, a meta da reforma é construir instituições que fortaleçam a capacidade do aparelho estatal de fazer aquilo que deve fazer e o impeçam de fazer aquilo que não devem fazer (in BRESSER, 2006). A política, o direito e a gestão estão intrinsecamente relacionados, e deste ponto de vista, estão permitindo o surgimento deste novo paradigma de gestão, capaz de solucionar as lacunas do paradigma burocrático weberiano. No Brasil, a Constituição Federal determina que tipo de atribuições e competências cada ente federado possui. Determina a aplicação imediata de direitos, ou a consecução por meio de programas, ou ainda a delimitação conforme o legislador infraconstitucional assim o desejar. 136 Novos Rumos para a Gestão Pública Estabelece diversos mecanismos de transparência e hipóteses de "remédios constitucionais" para fazer valer direitos. No Brasil, o ordenamento legal traça os limites de atuação dos entes públicos. E cada vez mais, há uma aceitação por parte do ordenamento jurídico de elementos que possam contribuir para a definição clara de limites e o estabelecimento de uma igualdade material entre os cidadãos. Neste sentido, de modo a contribuir para a formatação de uma experiência empírica do Direito, interessante apresentar o instituto da repercussão geral e a corrente "Direito e Economia". REPERCUSSÃO GERAL O Direito e as diversas ciências sociais e gerenciais que formatam a Administração Pública ainda estão longe de se comunicar harmonicamente, o que impede o aperfeiçoamento do Estado Brasileiro. Todavia, de maneira incipiente uma luz no fim do túnel começa a se delinear. Na linha de entendimento de que qualquer modelo de gestão pública está necessariamente ligado ao Direito, é possível exemplificar o instituto da Repercussão Geral previsto no artigo 543-A, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, que permite o diálogo entre os fenômenos políticos, sociais, econômicos e jurídicos. Trata-se, de outro modo, da compreensão de que o direito não é um fim em si mesmo. Que a leitura jurídica dos fenômenos políticos, sociais, culturais e gerenciais, é de fundamental importância para o aperfeiçoamento do Direito, e, por sua vez, da Justiça. Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). Apesar da previsão no artigo 543-A, muito pouco ainda foi desenvolvido em termos de estudos de questões econômicas, político e sociais que sejam passíveis de análise pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma luz no fim do túnel em termos de aprimoramento da experiência, em termos de internalização de conceitos extrajurídicos capazes de solucionar diversos problemas empíricos. DIREITO E ECONOMIA Na mesma linha, há uma corrente dentro direito que defende a utilização de conhecimentos econômicos para subsidiar a aplicação do Direito, tendo em vista sua grande correlação. Trata-se de um campo de estudo empírico que apresenta algumas explicações para fenômenos incompreensíveis para os operadores do direito. Este movimento é denominado de "law and economics", ou "Direito e Economia" que surgiu nos Estados Unidos e vem ganhando corpo pelo mundo afora. Segundo COOTER (2010. pag. 30), os economistas podem contribuir na elaboração de políticas públicas uma vez que são especialistas em eficiência e distribuição. "Generalizando, podemos dizer que a economia fornece uma teoria comportamental para prever como as pessoas reagem às leis. Essa teoria, baseada em como as pessoas reagem a incentivos, suplanta a intuição da mesma maneira que a ciência suplanta o bom senso. ... Além de uma teoria científica do comportamento, a economia fornece um padrão normativo útil para avaliar o direito e as políticas públias. ... A análise econômica do direito é um assunto interdisciplinar que reúne dois grandes campos de estudo e facilita uma maior compreensão de ambos. A economia nos ajuda a perceber o direito de uma maneira nova, que é extremamente útil para os advogados e para qualquer pessoa interessada em políticas públicas.(Cooter, 2010. Pag 33)" É importante deixar claro que não se trata de uma panacéia, mas sim de reconhecer alguns instrumentos úteis na formulação e aplicação do Direito nas políticas públicas. Talvez se conceitos como "termos de incentivo", "custo de oportunidades", "aversão ao risco", "custos de transação", "compra sem desembolso", "informação assimétrica", "captura regulatória", "rent-seeking", "compromisso crível", "seleção adversa", etc. fossem transformados em lei, pudessem contribuir para suprimir muito da insegurança jurídica das políticas públicas. 137 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A internalização destes conceitos permitiria a atuação do Poder Judiciário de forma mais colaborativa. REORGANIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO EM FACE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DO MÉTODO. Diante deste contexto, o Direito Administrativo Constitucional não está preparado para o enfrentamento de novos desafios em face de novos modelos de gestão pública. Necessário se faz uma nova sistematização do Direito Administrativo Constitucional em face das Políticas Públicas, buscando a efetividade dos direitos constitucionais. Para isto, se faz necessário identificar onde os modelos de gestão se enquadrariam dentro do Direito Administrativo Constitucional. A criação de um método jurídico complementar ao método gerencial, permitindo a sua perenidade, e o exercício pelos cidadãos que poderão colaborar com esta reforma. Trata-se de reorganizar o Direito em face das políticas públicas, dando coerência, organicidade e sistematicidade. O método jurídico deve ser criado permitindo a colaboração social por meio do Judiciário. A visão atual do Direito Administrativo Constitucional foi criada para ser um fim em si mesmo. A mudança do foco para as políticas públicas e o atendimento das demandas sociais permitirá o diálogo e a internalização de conceitos políticos, sociais e gerenciais fundamentais para a efetivação do papel do Estado definido pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, há diversos indícios na doutrina conforme descrito por VELOSO (2010 e 2011), e exemplificado por PIRES (2010, pag 180), quando trata do planejamento: "Em um Estado Democrático, cuja ordem constitucional consagra a universalização de direitos sociais, em um contexto de múltiplas demandas por prestações públicas desafiadas pela complexidade da sociedade pós-moderna, a atividade de planejamento teria, efetivamente, de ganhar novo perfil e maior relevância no ciclo de políticas públicas, como condição de efetivação de direitos" (grifo nosso) CONCLUSÃO A Ciência da Administração Pública possui um caráter multidisciplinar abrangendo a ciência política, história, sociologia, economia, psicologia social, administração de empresas, antropologia e direito. Todavia, pode-se afirmar que os estudos nestes campos nem sempre são convergentes, o que tende a contrariar a lógica burocrática decorrente da racionalização ocidental, em que se tem o maior expoente o sociólogo alemão Max Weber. O processo de racionalização ocidental com o surgimento do Estado Moderno deu origem à burocracia, que, sinteticamente falando, caberia o dever de implementar as decisões políticas do Parlamento. Estas decisões políticas são descritas em lei, e são utilizadas pelos operadores do direito com o fito de gerar uma previsibilidade. A partir deste pressuposto legitimo, a burocracia deveria ser capaz de tornar efetivos estes desideratos legais, tornando racional e previsível a sua aplicação. Mas isto nem sempre acontece. E a realidade vem demonstrando que o caminho percorrido até agora talvez não apresente soluções em um futuro próximo. Bresser Pereira, ex-ministro da Administração e Reforma do Estado, atribui aos juristas administrativistas o papel de tornar o aparelho do Estado mais racional, como devem também fazer os administradores públicos (MODESTO, 2010). Por meio deste estudo, espera-se ter demonstrado que a utilização do Direito é fundamental para permitir uma maior previsibilidade e racionalidade. E um modelo de gestão pública baseada na internalização de conceitos sociais, econômicos e políticos pelo Direito é incipiente, conforme demonstrado. Neste sentido, o legislador pode utilizar de uma série de ferramentas gerenciais que até então são simplesmente ignoradas pelo Direito. De outro modo, um marco legal coerente fundamentado em variáveis econômicas, sociais, políticas, etc. é o caminho que permitirá a superação do paradigma burocrático weberiano para a modelagem de um estado efetivo e impermeável a variáveis políticas negativas. Este é um trabalho de mudança que está por ser feito e exigirá muito esforço para a adequação de todas as variáveis coerentemente. Do ponto de vista do ser humano, a administração pública não é diferente da iniciativa privada, o que faz a diferença é a formatação de instituições com capacidade de se adaptar e se aperfeiçoar diante destes novos contextos. 138 Novos Rumos para a Gestão Pública Referências ABRUCIO, Fernando Luiz. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. IN: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter (org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.http://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=pLWpI86CuvEC&oi=fnd&pg=PA7& dq=reforma+do+Estado+e+Administra%C3%A7%C3%A3o+p%C3%BAblica+gerencial&ots= YGnB_aUgNy&sig=Cvttkoe_GqRGezCm-d_qBch_eoQ#v=onepage&q&f=false. << acesso em 14/10/2011>> BOBBIO, Norberto, et al. burocracia. 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Este artigo tem por objetivo estudar as experiências de implantação de sistemas de incentivo em governos, analisar as causas dos fracassos ocorridos e identificar práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro. Para tal, foi investigada a efetividade de diferentes modelagens e estratégias de implementação de sistemas de incentivo, os aspectos relevantes da cultura nacional, os argumentos baseados na teoria agente x principal e as interferências da questão psicológica na remuneração variável. Finalmente, são apresentadas seis práticas que podem contribuir para melhorar os resultados dos sistemas de remuneração variável no setor público brasileiro, a saber: 1) a construção de uma agenda estratégica para toda a organização; 2) o estabelecimento de resultados quantitativos, preferencialmente produtos/serviços, como base da premiação; 3) a estruturação do modelo em torno de equipes e não em torno de indivíduos; 4) o uso de uma unidade de inteligência contra o gaming; 5) a realização de um processo formal e periódico de contratualização de metas e 6) a criação de sistemas de incentivo diferenciados em função do tipo de tarefa. Palavras-chave: remuneração variável por desempenho, incentivos, avaliação de desempenho, setor público. PERFORMANCE-RELATED PAY IN THE PUBLIC SECTOR: INVESTIGATION OF FAILURE REASONS AND IMPLICATIONS FOR THE BRAZILIAN STATE Abstract The installation of performance-related pay at the Brazilian public administration is growing recently, but the optimism of public managers is not grounded on any theory. The literature shows that performance-related pay at the public sector abroad have failed or obtained a much limited success. This paper has as its objective to study the experiences in installing incentive systems at governments, to analyze the causes of the failures occurred and to identify practices which will have more chances of conducting a variable payment system to generate good results in Brazil’s public service. In order to do so, it was investigated the effectiveness of different models and installation strategies for incentive systems, the relevant aspects of national culture, the arguments based on the agent x principal theory and the interferences of the psychological issue in variable payment. Finally, six practices are presented which may contribute to improve the results of performance related pay at Brazil’s public sector, as follows: 1) the construction of a strategic schedule for all the organization; 2) the establishment of quantitative results, preferentially outputs, as basis for the premium; 3) the scheme’s modeling around teams rather than around individuals; 4) the use of an intelligence unit against gaming; 5) the performance of a formal and periodic goal contracting process; and 6) the creation of differentiated incentive systems based on the task type. Key words: performance-related pay, incentives, performance evaluation, public sector. 1. Introdução Dois momentos marcam a implementação de sistemas de remuneração variável (performance-related pay ou PRP) no setor público brasileiro: a experiência do governo federal pós-FHC e a recente expansão dessas iniciativas nas administrações estaduais brasileiras. No final da década de 1990, o governo federal generalizou a implementação de remuneração variável na forma de gratificações por desempenho acrescidas ao salário mensal na administração pública federal (PACHECO, 2009). No período 1995-2002, foram criadas várias gratificações de desempenho. Além de possibilitar a concessão de aumentos diferenciados, a gratificação permitiu desvincular a remuneração dos ativos da dos inativos e, assim, conceder aumentos maiores aos ativos. No entanto, ainda no governo FHC, algumas gratificações foram estendidas aos inativos, por pressão legal (PACHECO, 2010). No segundo governo FHC, a remuneração variável por desempenho foi generalizada, sem o avanço de outras medidas que subsidiassem o sistema, como a contratualização de resultados. No governo Lula, os valores variáveis foram aumentados significativamente, passando a representar, em muitos casos, valores entre 22% e 94% das tabelas salariais. Em seguida, 140 Novos Rumos para a Gestão Pública pressões corporativas fizeram com que a parcela variável fosse integralmente incorporada ao salário fixo. Ainda segundo Pacheco, o governo Lula adotou como política a extensão de todas as gratificações aos inativos. No Brasil, a maior parte das gratificações “variáveis” tende a ser, na verdade, prenúncio de simples aumento salarial. Boa parte dessas gratificações acabou, simplesmente, incorporada ao salário, evidenciando um prognóstico sombrio para experiências de remuneração variável no setor público brasileiro. Mais recentemente, especialmente após 2008, o Brasil parece viver uma nova onda de implantação de incentivos. Programas de remuneração variável, geralmente em formato de bônus periódicos semestrais ou anuais, foram implantados em diversos governos estaduais. Minas Gerais é o estado onde a iniciativa é mais abrangente, tendo sido expandida em 2008, para mais de 90% dos funcionários do executivo estadual. Segundo Reis Neto e Assis (2010), de 2004 a 2009 foram distribuídos R$ 905 milhões a título de premiação por produtividade. São Paulo implantou a PRP, em 2009, nas áreas de educação, fazenda e planejamento e distribuiu i mais de R$ 600 milhões em premiação . Pernambuco distribuiu aos servidores da educação, em 2009, um total de R$ 29 milhões em função do cumprimento de metas definidas para cada ii escola . No nível federal, foi aprovada a Lei 12.155 de 23/12/2009, que atribui aos servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) bônus de R$ 3 mil a R$ 28 mil (dependendo do cargo) em função do cumprimento de metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No Rio de Janeiro, em 2010, policiais civis e militares foram premiados em função de metas de redução da criminalidade, sendo que R$ 6 milhões foram distribuídos no iii estado até o momento . Parece haver um otimismo generalizado dos gestores públicos quanto ao potencial dessas iniciativas, mas esse otimismo não encontra fundamento na teoria. A literatura mostra que sistemas de remuneração variável no setor público fracassam ou têm sucesso muito limitado (OCDE, 2005a; Perry, Engbergs e Jun, 2009; Bowman, 2010; Weibel, Rost e Osterloh 2010). Em algumas situações, o modelo gera resultados positivos mas, em diversos outros casos, ele fracassa em seu objetivo de motivar as pessoas e pode, inclusive, gerar efeitos perversos. A experiência no governo federal brasileiro já traz um sinal adicional de alerta. O uso da PRP como instrumento de legitimação de simples aumentos salariais ilustra, de forma contundente, o fato de que características culturais brasileiras parecem influenciar negativamente a implantação de sistemas de avaliação e incentivo, conforme argumento de Barbosa (1996). Diante da recente expansão da remuneração variável no Brasil, praticamente ainda não existem iv trabalhos acadêmicos que avaliam a implantação desses modelos . Nesse cenário, justifica-se entender melhor as razões pelas quais os sistemas de remuneração variável estão apresentando, em outros países, resultados aquém do desejado. O estudo também se justifica na medida em que a recente implantação de modelos dessa natureza na administração pública nacional não deveria repetir erros já observados na experiência internacional. Assim sendo, o presente artigo objetiva sistematizar o debate atual sobre o tema, à luz da literatura sobre remuneração variável, da experiência internacional e do conhecimento disponível a respeito do contexto brasileiro. Como estratégia metodológica, utilizou-se a revisão da literatura com foco em dois objetivos: a) analisar estudos que sistematizam os principais argumentos teóricos que explicam fracasso ou sucesso da implantação de modelos de incentivo no setor público – nesse ponto, destacam-se os trabalhos de Burgess e Ratto (2003) e Weibel et al (2010) e b) analisar resultados de pesquisas empíricas que buscaram investigar casos concretos de implementação de modelos de PRP – a este respeito, destacam-se os estudos de Marsden (2004), OCDE (2005) e Perry et al (2009). Pode-se dizer que a questão central que norteou o trabalho foi: quais são as práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro? 2. A ineficácia dos sistemas de remuneração variável no setor público O aspecto mais debatido na produção científica mundial a respeito de programas de remuneração variável no setor público tem sido sua efetividade. Parece óbvio que implantar um sistema de remuneração variável vinculado ao desempenho seja positivo, moderno e eficaz. Entretanto, pesquisas realizadas nos países da OCDE apontam que a remuneração variável no setor público fracassa ou tem sucesso muito limitado (OCDE, 2005a; Perry et al, 2009; Bowman, 2010; Weibel et al 2010). A OCDE (2005b) investigou modelagens bem e mal sucedidas de remuneração variável na área pública de 14 países desenvolvidos. Sua conclusão foi que a PRP motiva apenas uma 141 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 pequena parcela dos funcionários, enquanto a grande maioria não a vê como um incentivo para um melhor desempenho. Extensas pesquisas empíricas conduzidas no Reino Unido e nos Estados Unidos mostraram que, apesar do apoio à ideia de vincular a remuneração ao desempenho, apenas um pequeno percentual dos empregados acredita que ela os induz a produzir acima dos requisitos do trabalho. Em muitos casos, ocorreu um desestímulo à cooperação. Muitos servidores públicos, particularmente aqueles em funções não gerenciais, consideram o valor do salário-base e sua comparação com os valores de mercado muito mais importantes do que os acréscimos salariais vinculados ao desempenho. A natureza e o conteúdo do trabalho e as perspectivas de desenvolvimento na carreira são considerados, por esses servidores, como as verdadeiras fontes de incentivo. A remuneração variável geralmente não motiva a maioria dos funcionários, independente de sua configuração (OCDE, 2005b). Perry, Engbergs e Jun (2009) analisaram as conclusões de 57 estudos publicados entre 1977 e 2008 sobre a implantação de sistemas de remuneração variável no setor público em diversos países. Dentre as constatações, foi destacado que “a remuneração variável por desempenho no setor público falha em sua promessa”, pois não se apresenta como um incentivo para a maioria dos colaboradores (PERRY et al., 2009, p. 43). Na percepção dos funcionários, a PRP não promoveu uma motivação adicional. Complementando, os autores analisaram, desses estudos, os 14 trabalhos julgados de melhor qualidade e encontraram resultados contraditórios. Quatro são claramente negativos, outros cinco não permitem tirar qualquer conclusão e cinco são favoráveis à remuneração variável. Estudos mais recentes são ainda mais pessimistas. Bowman (2010) revisa os resultados de mais de vinte anos de uso da remuneração variável no governo federal americano. O autor argumenta que o desempenho de programas de remuneração variável é, no mínimo, decepcionante em relação às expectativas. O resultado da implantação é, muitas vezes, contraprodutivo. Dois livros recentemente publicados sobre a reforma do serviço v vi civil – Bilmes e Gould (2009) e Donahue (2008) – rejeitam a ideia de remuneração variável nos governos. Segundo Bowman (2010), muitos estudos sugerem que os indivíduos não querem acreditar que trabalham apenas por dinheiro. Isso vale especialmente para os servidores públicos. Eles podem até se sentir ofendidos quando são tratados como se pudessem ser manipulados por incentivos monetários. Um argumento semelhante ao de Bowman (2010) é defendido por Weibel, Rost e Osterloh (2010). Para estes, a remuneração variável, em geral, vii destrói a motivação intrínseca, levando, assim, a uma queda no desempenho. Weibel et al (2010) propõem a suspensão da implantação da remuneração variável no setor público. Importantes estudos (OCDE, 2005; Perry et al 2009; Marsden, 2010; Burgess e Ratto, 2003) enfatizam que as limitações dos modelos de remuneração variável no setor público são sérias, recorrentes e estão relacionadas às más condições institucionais, estruturais, ambientais e de implementação. Por que, então, a PRP fracassa na maior parte dos casos? E por que ela, às vezes, tem efeitos positivos? Algumas dessas questões serão exploradas a seguir. 3. A visão dos economistas: a remuneração variável sob a ótica da escolha racional e da relação agente x principal Estudos publicados, principalmente no campo da Economia, argumentam que os problemas de ineficácia da remuneração variável no setor público estão relacionados a esquemas de incentivo modelados e administrados incorretamente. Weibel et al (2010) afirmam que esses estudos baseiam-se na teoria da escolha racional, do indivíduo auto-interessado, viii egoísta e extrinsecamente motivado . Segundo os autores dessa vertente, em situações adequadas a PRP geraria, necessariamente, aumento no desempenho das pessoas. Entretanto, existiriam problemas típicos da relação agente x principal e características estruturais da administração pública que levariam a incentivos subótimos. O foco dos pesquisadores é, então, compreender essas situações, estudar formas adequadas de modelagem e implementação e possíveis soluções para esses problemas. Essa ótica enxerga a PRP a partir da relação agente x principal. Nessa relação, um ator (principal) delega a outro ator (agente) a realização de determinada atividade. A relação fica problemática na medida em que principal e agente não compartilham os mesmos objetivos, o que possibilita a esses últimos atuar contrariamente aos interesses desejados. Podem-se enxergar os servidores públicos como agentes de cidadãos, políticos e lideranças burocráticas (principais). O principal, no exercício de suas atribuições e na busca de seu interesse, pode exigir maior produtividade dos servidores. Estes não necessariamente compartilham dessa vontade e podem se negar ao pretendido desempenho superior. O problema se agrava quando o comportamento ou o desempenho do agente é difícil de ser medido e o principal tem informação incompleta, 142 Novos Rumos para a Gestão Pública insuficiente, para avaliar quão bem o agente está atuando no exercício de suas funções (EISENHARDT, 1989). 3.1. As consequências das múltiplas tarefas no sistema de incentivos Segundo Burgess e Ratto (2003), características típicas do setor público dificultam a implantação de sistemas de incentivos. A existência de múltiplas tarefas desempenhadas pelos agentes, por si só, já complica a estrutura de incentivos. Se as ações forem substituíveis entre si (no sentido de que mais tempo numa atividade significa menos tempo em outra), o uso de poderosos sistemas de incentivo pode gerar efeitos indesejados nos resultados globais. Segundo ix MacDonald e Marx (2001) , diante da existência de atividades substitutas, os agentes irão privilegiar as tarefas menos difíceis, enquanto o principal desejará que eles realizem todas as atividades. Os autores afirmam que, se o principal não tem certeza sobre as preferências de seus agentes, estabelecer recompensas por desempenho a tarefas individuais pode ser subótimo, já que pode induzir os empregados a focar em tarefas mais fáceis. Uma possível solução seria fazer com que todas as atividades importantes fossem mensuradas de forma separada, com metas específicas. A cada meta atribuir-se-ia uma recompensa ou uma parcela distinta da recompensa. Quanto mais metas fossem atingidas, maior seria a premiação auferida. Novamente o risco de múltiplas tarefas existe. O peso da recompensa a cada tarefa deve, então, ser cuidadosamente calculado em função da dificuldade de executá-la e de sua importância relativa face às prioridades da organização. 3.2. O problema dos múltiplos principais Uma característica-chave do setor público é que os agentes (servidores públicos) trabalham para diversos principais (cidadãos, lideranças políticas, altas lideranças da burocracia, gerência intermediária da burocracia). Nessas circunstâncias, estabelecer incentivos adequados é mais complicado, uma vez que esses principais estão interessados em apenas alguns aspectos dos resultados e, ainda, por vezes, os interesses dos diversos principais não estão alinhados. O x argumento elaborado por Bernheim e Whinston (1986) é que, nessas condições, cada principal vai oferecer mais incentivos positivos aos elementos em que está interessado e incentivos negativos aos demais, enquanto os agentes vão acabar privilegiando aqueles que oferecerem incentivos maiores, deixando de lado outros principais e outras tarefas. Uma possível solução é tentar negociar com os diversos principais para formalizar os objetivos e metas, deixando-os claros para os agentes. 3.3. Dificuldades na mensuração de resultados no setor público Segundo Burgess e Ratto (2003), alguns tipos de tarefas no setor público são particularmente difíceis de serem mensuradas e recompensadas. Isso ocorre por duas razões: a) na administração pública, parte dos servidores é tomadora de decisão em diversas atividades, tais como as dos policiais, fiscais de renda e assistentes sociais e b) os servidores trabalham para organizações que não têm uma meta única, clara e evidente. Para os autores, as duas características combinadas tornam mais difícil o incentivo e o monitoramento desses indivíduos. Considerando a dificuldade em se mensurar resultados finais, torna-se ainda mais importante monitorar o desempenho durante a execução das atividades, mas novamente, características típicas de organizações públicas complicam essa tarefa. Wilson (1989) analisou diversas organizações do governo dos Estados Unidos e as classificou em relação à possibilidade de mensurar os meios que os funcionários utilizam e os fins (resultados) que elas perseguem. Nessa classificação, surgem organizações nas quais nem os resultados nem os xi meios são fáceis de medir . Nelas, os burocratas têm o controle da distribuição de bens e serviços para os clientes e suas decisões dependem de fatores ou variáveis que não são facilmente observados por seus superiores. Policiais são o exemplo típico: a decisão de prender uma pessoa é baseada na suspeita imediata de culpa, o que não é observável por seus superiores. E a decisão de transferir um bem ou prestar um serviço não pode ser baseada num preço pago pelo cliente, o que seria facilmente observável. Nessas organizações, em que nem o esforço do agente nem o resultado entregue são facilmente observáveis, a mensuração do desempenho é desafio e um problema recorrente. Burgess e Ratto (2003) argumentam que, nessas situações, as informações sobre desempenho estão geralmente disponíveis somente de forma mais agregada. Os resultados são produzidos por indivíduos, mas são mensuráveis tendo por referência o grupo de indivíduos (unidade gerencial). Assim, o foco em equipes é particularmente relevante como solução para mensuração de desempenho no setor público. 143 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 3.4. Tipos de mensuração de desempenho e modelagem de incentivos Gehardt (2009) afirma que, quanto ao tipo de mensuração do desempenho, os modelos de remuneração variável se dividem em: a) baseados em comportamento, que avaliam subjetivamente o cumprimento de determinados requisitos, tais como percepção da chefia em relação ao trabalho em equipe, comprometimento, etc, chamados remuneração por mérito (merit pay) e b) baseados em resultados objetivamente mensuráveis, chamados de remuneração por desempenho (performance-related pay). Para o autor, o modelo baseado em comportamento tem como potencial vantagem o fato de poder ser utilizado em qualquer tipo de situação, além de verificar requisitos que estão totalmente dentro da governabilidade do funcionário, cabendo basicamente a este tomar medidas xii para melhorar seu desempenho. Burgess e Metalcafe (1999) afirmam que esse tipo de medida é mais adequado quando os resultados são mais difíceis de ser mensurados. Entretanto, o caráter subjetivo desse tipo de medida faz com que seja mais difícil para os avaliadores justificar diferenças de desempenho entre empregados (GEHARDT, 2009). Esse aspecto, como se verá ao longo deste texto, é especialmente preocupante no caso brasileiro, fazendo com que essa opção de mensuração seja pouco adequada ao Brasil. Já o modelo baseado em resultados é mais facilmente percebido como justo pelos empregados, em função do seu caráter objetivo. Por esse motivo, ele é mais utilizado quando se trata de incentivos mais significativos. Burgess e Metalcafe (1999) afirmam que ele é mais adequado para situações em que os resultados são mais facilmente mensuráveis. Existem aspectos negativos também nessa modalidade: nem todas as tarefas permitem mensuração adequada de seus resultados e a não mensuração de alguns aspectos da tarefa podem fazer com que os empregados os ignorem. Além disso, quando há desempenho ruim, caso os empregados atribuam esse resultado a fatores exógenos, os quais eles não controlam, pode-se gerar reações negativas e pressões para rever metas (GEHARDT, 2009). Não obstante essas críticas, o argumento de Barbosa (1996), apresentado no decorrer deste texto, vai indicar essa modelagem como a mais adequada ao caso brasileiro, em função da sua objetividade. 3.5. O trabalho em equipe e sua relação com incentivos xiii Holmström (1982) argumenta que, em uma situação em que os membros de uma equipe dependem uns dos outros para a produção dos resultados, surge o problema do “carona” (free rider). Esse problema fica mais grave quanto maior for a organização. Uma recompensa ótima, nessa situação, depende de quanto o resultado é fácil de medir e também depende do tamanho da equipe. Quanto maior for a dificuldade em medir os resultados, maior e mais complexa será a concepção de um sistema ótimo de incentivos. O problema do free-rider é a explicação mais comum da Economia para a dificuldade em se ter sucesso com sistemas de recompensas por equipes (Burgess e Ratto, 2003). Ainda segundo esta visão, no trabalho em equipe, uma situação que pode estimular o desempenho é o monitoramento pelos pares (colegas de trabalho). Vincular recompensas ao desempenho do grupo estimula esse monitoramento e, xiv consequentemente, reduz a prática do free-rider. Kendel e Lazear (1992) mostram que um maior monitoramento pelos pares pode induzir a um maior esforço dos indivíduos caso o risco de ser pego “fazendo corpo mole” seja maior. Isso tem uma implicação no tamanho das equipes, uma vez que em equipes muito grandes fica mais difícil o monitoramento pelos pares. Na análise de Holmström (1982), a equipe é definida por ser uma unidade de produção, na qual seus membros contribuem para um mesmo resultado. Um importante debate a respeito da modelagem de sistemas de incentivo ocorre entre os defensores de avaliações baseadas no indivíduo e avaliações baseadas em equipes. Gehardt (2009) aponta que, quanto ao nível de mensuração do desempenho, os modelos de remuneração variável se dividem em individuais, coletivos ou híbridos (em que a remuneração baseia-se parte no desempenho individual e parte no desempenho coletivo). Embora a visão econômica apresente riscos envolvidos na utilização de modelos coletivos, eles estão crescentemente ganhando força nas experiências de PRP nos governos. Os modelos focados em indivíduos, embora possam promover forte incentivo em função da ligação direta desempenho individual-premiação, também possuem aspectos negativos, principalmente vinculados à cooperação. Gehardt (2009) argumenta que o uso de modelos de incentivo individuais pode fomentar a desagregação e dificultar o trabalho em grupo, na medida em que cada servidor será avaliado e recompensado individualmente e o resultado coletivo do trabalho pode deixar de ser prioridade. O estudos da OCDE (2005a, 2005b) e de Perry et al (2009) concluem que modelagens focadas em equipe parecem ter melhores resultados do que esquemas baseados na avaliação individual de desempenho. 144 Novos Rumos para a Gestão Pública xv Uma das principais consequências do relatório Makinson (2000) , que sugeriu modelagens de incentivos para o serviço público britânico, foi o surgimento de sistemas de remuneração variável baseados em equipes. Essas equipes variavam desde 100 funcionários até milhares de empregados de divisões inteiras. Burgess e Ratto (2003) argumentam que uma definição clara da equipe é muito importante para a concepção exitosa de um sistema de incentivos. Nesse sentido, equipes podem ser definidas em função do processo de produção ou, então, ser “forjadas artificialmente”, no sentido de proporcionarem um estímulo para a cooperação entre unidades distintas. Deve haver uma racionalidade na definição da equipe e isso deve ser estudado caso a caso. Por exemplo, se o objetivo for gerar incentivo e controle pelos pares (colegas de trabalho), evitando assim o free-rider, a concepção da equipe deve considerar esse aspecto, especialmente em função do tamanho do grupo, devendo esse ser relativamente pequeno. 4. As interferências da questão psicológica na remuneração variável Visões mais ligadas à Psicologia enxergam as causas do fracasso de sistemas de PRP não em incentivos subótimos, mas sim na motivação dos empregados. Segundo Weibel et al (2010), as teorias econômicas baseadas no autointeresse não possuem uma estrutura analítica suficiente para analisar a motivação dos empregados, especialmente empregados do serviço público. O uso da remuneração variável geraria efeitos adversos nos servidores públicos, muitas vezes reduzindo sua motivação. As modernas teorias psicológicas fundamentam-se na ideia de que existem dois componentes na motivação: a motivação intrínseca e extrínseca. Enxergar o peso desses dois componentes na motivação dos indivíduos parece ser fundamental para a compreensão do impacto da remuneração variável no desempenho de cada profissional. Segundo Weibel et al (2010), no serviço público os funcionários têm, em geral, motivação intrínseca significativa, realizando tarefas em função do senso de dever, lealdade e prazer, ou seja, realizam as atividades porque acreditam nelas e, ao fazê-lo, têm a sensação de que estão cumprindo seu dever. Essa motivação intrínseca, em certas condições, pode ser reduzida ao ser introduzida a remuneração variável. Dar a alguém incentivos financeiros para realizar tarefas que já seriam feitas por prazer reduz a motivação, na medida em que a pessoa passa a enxergar a tarefa como algo controlado por incentivos externos e não por um prazer, por uma vontade interna. Portanto, esses incentivos financeiros podem produzir custos ocultos e, assim, reduzir o desempenho (WEIBEL et al, 2010). Esse efeito da redução ou neutralização da motivação intrínseca em função da existência de recompensas extrínsecas é genericamente conhecido na literatura como efeito deslocamento ou expulsão (crowding-out effect). Em outras palavras, o aumento motivação extrínseca por meio de mecanismos externos (recompensas) provoca o “deslocamento” ou a “expulsão” da motivação intrínseca. É atribuída a este efeito boa parte das limitações motivacionais da remuneração variável. xvi 4. 1. O efeito crowding-out Diversos autores têm buscado compreender o problema do efeito crowding-out. Osterloh e Frey (2002) sintetizam argumentos teóricos e resultados de pesquisas empíricas sobre o assunto. Duas visões existem a respeito desse efeito. Segundo a visão da teoria da avaliação cognitiva, o referido efeito faz com que a motivação intrínseca seja substituída pela intervenção externa, o que é percebido como uma restrição à autonomia do indivíduo. O indivíduo em questão não mais se sente responsável por determinada tarefa, já que a tarefa está sendo “controlada” e incentivada pelo dinheiro, pela premiação variável. A tarefa passa a ser orientada não mais pelo prazer, mas pelo dinheiro. O indivíduo passa, então, a atribuir a responsabilidade da tarefa para quem está pagando por ela, isentando a si próprio de investir energia em sua realização. Já a teoria dos contratos psicológicos argumenta que cada relação de trabalho inclui um aspecto extrinsecamente motivado (dinheiro) e um aspecto relacional entre as duas partes. Caso a parte relacional do contrato seja quebrada, a boa-fé recíproca é colocada em xeque. Evidências empíricas demonstram que, quando isso ocorre, as partes no contrato percebem que a realização da tarefa foi transformada numa simples relação comercial. Por exemplo, quando um supervisor cumprimenta um empregado por um grande esforço com um presente simbólico (flores, por exemplo), a motivação intrínseca desse empregado tende a aumentar porque ele sente que seu esforço é valorizado. Entretanto, se por algum motivo, esse empregado percebe que o gesto do superior serve somente a um objetivo instrumental, sua motivação intrínseca é 145 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 afetada negativamente. As flores passam a ser percebidas como controladoras e a relação é interpretada como comercial, reduzindo a motivação (OSTERLOH e FREY, 2002). Diversas análises empíricas têm sido realizadas a respeito do crowding-out effect. Uma xvii das mais relevantes (Eisenberger e Cameron, 1996) analisou um total de 59 artigos produzidos entre 1971 e 1997 e concluiu que recompensas reduzem a motivação intrínseca para atividades consideradas interessantes (aquelas que os experimentos mostraram ser intrinsecamente orientadas) de uma maneira altamente significante e bastante confiável. Osterloh e Frey (2002) argumentam, portanto, que não há dúvidas de que o crowding-out effect existe e é um fenômeno significativo sob certas condições. Assim, é necessário calcular o resultado líquido entre o efeitopremiação (decorrente da recompensa) e subtrair o efeito crowding-out, para avaliar de fato o impacto da remuneração variável sobre a motivação. 4. 2. A comparação entre estímulos intrínsecos e extrínsecos A visão da Psicologia propõe, portanto, que a remuneração variável reduz o desempenho no caso de tarefas interessantes. Em oposição, a visão da Economia argumenta que a remuneração variável aumenta o desempenho independentemente do tipo da tarefa, quando o sistema de incentivos está modelado e implementado corretamente. Novos estudos publicados por Weibel et al (2010) iluminam essa aparente controvérsia. Os autores revisaram conclusões de 46 estudos publicados em revistas acadêmicas das áreas de Economia e Psicologia. Os estudos foram classificados na medida em que se referiam a atividades interessantes e não interessantes. Os autores concluíram que a remuneração variável aumenta significativamente o desempenho no caso de atividades não interessantes, enquanto no caso de atividades interessantes ela reduz o desempenho. No estudo, não foram encontradas diferenças significativas entre os estudos publicados em revistas de Economia e Psicologia. Assim, é possível articular as duas visões (econômica e psicológica) em uma conclusão convergente. A Economia argumenta que boa parte dos problemas da remuneração variável está relacionada a incentivos modelados inadequadamente. A visão da Psicologia complementa esse raciocínio acrescentando um aspecto: PRP funciona bem para atividades não interessantes e tem sérias limitações para atividades interessantes, podendo, nesses casos, até reduzir o desempenho do funcionário. Essas conclusões têm importantes consequências para a modelagem de incentivos no setor público. O estudo da OCDE (2005a) mostrou que os incentivos variáveis tendem a ser de, no máximo, 10% da remuneração para o nível não gerencial. Como consequência, o efeitoxviii premiação é pequeno no serviço público . O efeito crowding-out, contudo, é alto, já que o conteúdo do trabalho e a motivação intrínseca parecem ser importantes elementos de incentivo xix no serviço público, o que é confirmado por uma série de autores . Um pequeno efeito-premiação somado a um grande efeito crowding-out resulta em uma queda de desempenho, especialmente para tarefas interessantes. Para Weibel et al (2010), essa realidade sintetiza a maior parte das causas do fracasso da remuneração variável no setor público. Nesse ambiente, servidores de nível operacional são xx mais propensos a considerarem seus trabalhos menos interessantes do que os gerentes e, assim, são bons candidatos para a remuneração variável. Já para os gerentes, a PRP seria uma estratégia arriscada e potencialmente negativa, já que a função gerencial tende a ser interessante em razão do desafio e da complexidade da tarefa. Essas afirmações teóricas parecem estar de acordo com estudos empíricos. Perry et al (2009) concluem, após avaliar a efetividade das experiências de PRP, que elas parecem ter mais sucesso nos níveis operacionais, onde as tarefas são menos ambíguas e os resultados mais concretos e mensuráveis, contradizendo a premissa de que seriam mais efetivas nos níveis gerenciais. 5. Em busca do impacto positivo: outras condições críticas de implementação A maioria dos estudos enfatiza, porém, que a remuneração variável no setor público pode ter efeitos positivos (OCDE, 2005; Perry et al 2009; Marsden, 2010; Burgess e Ratto, 2003). O modelo não é um simples fracasso. Suas limitações, embora sérias e recorrentes, podem ser enfrentadas ou minimizadas e resultados positivos podem ser obtidos. Segundo Marsden (2010), embora a remuneração variável possa ter efeitos perversos sobre a motivação em algumas condições, existem contribuições para a melhoria do desempenho das organizações. A mensuração do desempenho e a definição de metas (que geralmente são fortalecidas com a implantação da PRP) têm contribuído para um melhor desempenho. O autor afirma que a implantação da remuneração variável tem incentivado a renegociação de prioridades e padrões de desempenho entre empregados e chefia. Uma vez que metas e objetivos 146 Novos Rumos para a Gestão Pública organizacionais são a base de cálculo da parcela variável, torna-se necessário que eles sejam esclarecidos, comunicados, negociados e repactuados com os empregados. A relação contratual entre chefe e subordinado passa a ser regularmente rediscutida e favorece a convergência das metas individuais e organizacionais. Os estudos reforçam uma importante constatação: discutir a relação entre remuneração variável e melhoria do desempenho não implica, somente, em verificar possível aumento no esforço dos funcionários. Há de se verificar, também, em que grau esse esforço foi redirecionado aos objetivos desejados (Gerhart, 2009). O simples redirecionamento do esforço (mesmo que não haja aumento dele) em direção às prioridades da organização pode gerar melhoria do desempenho. Mesmo que a PRP não gere mais esforço, ela pode induzir a um esforço de melhor qualidade, ou seja, pode melhorar o alinhamento entre indivíduo e organização. Essas observações são coerentes com importantes estudos publicados recentemente. Os trabalhos de Perry et al (2009) e OCDE (2005a, 2005b) concluíram que a PRP pode melhorar o desempenho, em geral, não por via da motivação. Os bons resultados são decorrentes de efeitos derivados como o alinhamento de esforços em torno de prioridades, mensuração e avaliação do desempenho, melhor tomada de decisão e maior cooperação quando as metas são coletivas. A literatura aponta, entretanto, que esses efeitos positivos ocorrem quando há boas condições de implementação. Mas estas condições parecem presentes em poucas experiências investigadas. Uma vez que grande parte dos autores mostra-se reticente e pessimista quanto aos resultados da remuneração variável no serviço público, é necessário aprimorar a modelagem e os processos de implementação da remuneração variável para fortalecer seus aspectos positivos. A seguir, serão discutidos outros aspectos relevantes de modelagem e implementação. 5.1. Primeiros passos na introdução de sistemas de PRP Kerr (2004) afirmou que para se ter uma gestão efetiva, o estabelecimento das recompensas deve ser a terceira coisa com o que se preocupar. Mensurar o desempenho deve vir em segundo lugar e tanto as recompensas quanto a mensuração devem estar subordinadas à definição clara e precisa sobre o que, de fato, deve ser feito. O primeiro passo, portanto deve ser a construção de um plano estratégico para a organização. Ele pode estar em uma folha de papel com as dez prioridades para o ano ou em um mapa estratégico elaborado com o apoio de uma boa consultoria. Ainda segundo o autor, o mais interessante desse princípio é que ele, por mais senso comum e autoevidente que seja, é violado sistematicamente. Kerr (2004) ensina que estabelecer indicadores de desempenho e metas para verificar o cumprimento (ou não) das prioridades definidas pela organização deve vir antes de se pensar na implantação de um sistema de PRP. A ausência de um plano estratégico com metas organizacionais anteriores à introdução de sistemas de incentivo pode levar a metas criadas de qualquer maneira, apenas para a implantação da PRP, desconectadas de um processo maior, estipuladas apenas para setores (ou carreiras) específicos da organização e direcionadas para objetivos nebulosos (já que não se discutiram as prioridades e a estratégia para a organização como um todo). Assim, surgem, naturalmente, situações como a descrita por Kerr (1975), ou seja, a organização pode estar recompensando coisas erradas e, inclusive, aquilo que deseja evitar. 5.2. Definição dos indicadores de desempenho Segundo Pacheco (2009) diversos autores têm discutido a questão de mensurar os produtos/serviços ou impactos. Entende-se produtos/serviços como aqueles oferecidos ou prestados em nome do governo pelos ministérios/secretarias a indivíduos ou a organizações externas (Trosa, 2001). São conhecidos na literatura como outputs. Os produtos/serviços são diretamente vinculado às políticas públicas, como por exemplo o número de atendimentos preventivos nos postos de saúde. Já os impactos – também chamados de outcomes – são as mudanças efetivas desejadas pela sociedade em decorrência das políticas públicas, como por exemplo a redução da mortalidade infantil de determinada população. Os produtos/serviços são muito importantes para avaliar o resultado da política pública de forma mais específica e concreta, estabelecendo relação entre processos e resultados. Existem argumentos clássicos: os defensores dos produtos/serviços argumentam que eles são mais facilmente mensuráveis, são consequência direta da política pública e, portanto, mensuram melhor o desempenho. Os defensores dos impactos argumentam que são estes que medem, de fato, se a política está funcionando - embora apenas sejam observáveis em médio/longo prazo. Trosa (2001) apresenta uma solução pragmática: produtos/serviços e impactos são, ambos, importantes e respondem a perguntas distintas. Para a autora, a mensuração dos produtos/serviços permite conhecer o que é efetivamente produzido com os recursos públicos e 147 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 os impactos permitem indagações sobre a eficácia e utilidade daquilo que é produzido. Os governos devem começar pelos produtos/serviços, cuja mensuração é mais fácil, e ir evoluindo em direção aos impactos, por meio da construção da cadeia lógica que liga as ações aos objetivos visados, relacionando impactos, resultados intermediários e ações. Para Behn (2003, 2004a), não basta discutir a medição de produtos/serviços ou impactos. Deve-se explicitar qual o propósito com a mensuração, pois diversos objetivos requerem diferentes medidas. Segundo o autor, para motivar as pessoas, a organização precisa de medidas praticamente em tempo real, pois só tem sentido a recompensa caso seja possível monitorar os resultados a tempo de corrigir rumos. Behn defende enfaticamente a mensuração de produtos/serviços, especialmente quando o objetivo é motivar. Portanto, quando se fala em remuneração variável por desempenho, a literatura nos esclarece que o foco em medidas de produtos/serviços é mais eficaz, pois gera condições efetivas de corrigir rumos e também gera a percepção, nos servidores, de que basta modificar o comportamento para melhorar os resultados, já que esses resultados são consequência direta da ação da organização. xxi Segundo Pacheco (2010 ), parece haver, no Brasil, uma tendência a supervalorizar os impactos. Fala-se cada vez mais em impactos, como se eles representassem a mais moderna face da gestão por resultados no serviço público. Entretanto, embora sejam medidas importantes e que devem ser mensuradas, restringir-se aos impactos traz sérias limitações. Eles podem demorar muito tempo (às vezes muitos anos) para manifestar o resultado de ações. Os impactos também são influenciados por diversos fatores. Por exemplo, a melhoria das condições de saúde da população não depende somente do número de atendimentos preventivos. Há também influências do padrão de saneamento, do nível de educação e higiene e de uma série de outros fatores. Embora a mensuração desses impactos seja importante e necessária para uma série de objetivos, a utilização deles para sistemas de PRP deve ser bastante reduzida. 5.3. O papel da dificuldade e do volume das metas no desempenho Locke e Latham (2002) afirmam que metas difíceis levam a melhores resultados. Foi encontrada uma correlação positiva linear, fortemente significativa, de que as metas mais difíceis (na percepção de quem deve cumpri-las) levam a maiores níveis de esforço e desempenho. Segundo os autores, essa relação entre metas difíceis e desempenho foi comprovada por 35 anos de pesquisas e verificada em mais de 100 diferentes tarefas envolvendo 40 mil participantes em 8 países, tanto em laboratório quanto em estudos de campo. Os resultados são aplicáveis a indivíduos e grupos (LOCKE e LATHAM, 2002). Os autores também compararam os efeitos da definição de metas difíceis e específicas à simples utilização do incentivo moral “faça o seu melhor”. Os resultados mostram que metas difíceis, específicas e claramente definidas levam a um desempenho superior do que simples incentivo moral verbal. Outro ponto importante é que metas em excesso levam a uma “sobrecarga cognitiva”. A não ser que a maior parte delas possa ser delegada, um gerente sozinho, provavelmente, tem condições de gerenciar algo entre três e sete metas, dependendo de sua complexidade e de quanto tempo elas demandam para sua consecução (LOCKE, 2004). Os autores também argumentam que, para que as metas sejam efetivas, as pessoas precisam de feedbacks periódicos para revelar a evolução do seu desempenho. Se elas não souberem de que forma estão desempenhando sua função, será praticamente impossível ajustar ou redirecionar o esforço e as estratégias em direção à meta. Este é mais um argumento a favor dos produtos/serviços, em detrimento dos impactos, para subsidiar sistemas de incentivo. 5.4. Os riscos associados ao fenômeno do gaming em sistemas de PRP A palavra gaming se refere à situação em que os controlados aprendem “a regra do jogo” e passam a “jogar” em busca do seu interesse, mesmo que isso vá de encontro aos objetivos do sistema. Trata-se de uma manipulação e mau uso do sistema, especialmente por parte dos controlados (agentes). Qualquer modelo de incentivo que se baseie na avaliação de indicadores e metas está sujeito a esse fenômeno, o que representa, assim, uma limitação e um risco para os sistemas de remuneração variável. A literatura está recheada de exemplos desse fenômeno. Hood (2006) mostra que, na Inglaterra, houve situações em que foi solicitado a pacientes que aguardassem dentro das ambulâncias (evitando que chegassem à recepção) até que o hospital tivesse certeza de que eles poderiam ser atendidos dentro da meta de 4 horas de espera. Observaram-se, também, professores treinando alunos especificamente para o teste que avalia o desempenho da escola, esquecendo qualquer outro conteúdo ou disciplina que não fossem aqueles da prova; ainda, há 148 Novos Rumos para a Gestão Pública relatos de que alunos fracos são “deixados de lado”, na expectativa de focar a atenção naqueles xxii que vão melhorar o desempenho da escola no teste . Incentivos perversos geralmente aparecem quando o trabalho exige uma série de tarefas, mas somente algumas são mensuradas e recompensadas. Neste caso, o trabalhador concentra esforços somente nas que são recompensadas, em detrimento dos objetivos organizacionais. Robert Behn (2007) alerta os gestores públicos a este respeito ao afirmar que poucas medidas concentram a atenção das pessoas, o que é uma vantagem óbvia e, ao mesmo tempo, uma desvantagem. Para o autor, o que não é medido não é feito e, portanto, os gestores devem avaliar cuidadosamente o que deve ser estabelecido como medida e, especialmente, quais medidas devem ser a base do sistema de incentivo. Segundo Hood (2006), especialistas identificaram no mínimo três tipos de gaming e comportamentos oportunistas em torno de metas. O mais conhecido ocorre quando os controlados (agentes) percebem que as próximas metas serão influenciadas pelo maior desempenho obtido no passado (rachet effect ou efeito bola de neve). Assim, eles passam a acreditar que se trabalharem muito durante o ano irão prejudicar a si próprios, já que uma meta ainda maior lhes será imposta no próximo ano. Consequentemente, os agentes tendem a reduzir a produtividade no período corrente para ficarem mais confortáveis no futuro. Um segundo tipo é conhecido como efeito do limite mínimo ou “nivelamento por baixo” (threshold effect). Ele ocorre quando metas iguais são impostas a todas as unidades do sistema, fazendo com que não haja incentivos para a excelência e, ainda, com que aqueles que têm melhor desempenho sejam encorajados a reduzir a quantidade e qualidade de seus serviços em direção ao nível mínimo definido pela meta. Um terceiro tipo de gaming consiste na distorção dos objetivos – “hitting the target and missing the point” “atingir o alvo mas não o sentido”- como, por exemplo, situações em que tempos de resposta são reduzidos com perda da qualidade de atendimento. Nessas condições, o processo de definição de metas pode se assemelhar a um jogo entre agente e principal, em que ganha quem for mais esperto. E o objetivo de melhor desempenho se perde neste jogo. Na concepção e implementação de um sistema de remuneração variável, mais importante do que tentar reduzir o gaming depois de identificada sua existência, é evitar criar incentivos para que ele venha a surgir. A possibilidade de ocorrer o gaming está relacionada a dois aspectos: a pressão exercida nos indivíduos em função do sistema de metas, por um lado, e a existência de mecanismos anti-gaming, por outro. A existência de remuneração variável atrelada à avaliação dos resultados ou a um sistema de monitoramento de metas gera maior pressão e maior incentivo para que as pessoas pratiquem o gaming. Uma situação típica ocorre quando há forte cobrança de metas pela liderança, como no caso do inglês na gestão de Tony Blair (em que gestores sofriam pesada xxiii cobrança executiva e poderiam ser demitidos em função de resultados ruins). Nesse sentido, o valor ou o peso monetário da remuneração variável faz diferença. Segundo a OCDE (2005b), o valor monetário da PRP no setor público tem ficado, nos países desenvolvidos, até o limite de 10% do salário, para servidores, e de 20% para o nível gerencial. Não ultrapassar esse limite parece ser importante para evitar o “vale-tudo” na busca de resultados, o que incentivaria a prática de gaming. Mecanismos anti-gaming podem minimizar a ocorrência desse fenômeno. Hood (2006) cita a definição de especificações detalhadas em relação aos indicadores e metas, à realização de auditorias e à punição exemplar de controlados mal-intencionados. Para Locke (2004), uma forma adequada à prevenção desse tipo de comportamento é fazer com que regras de conduta, normas éticas e padrões de comportamento sejam claramente comunicados e sistematicamente reforçados pela liderança. Outras medidas são possíveis para reduzir o efeito bola de neve. O principal pode buscar meios de aumentar o conhecimento sobre a execução da tarefa, reduzindo a assimetria de informações e conhecendo mais sobre o nível de esforço despendido na produção. Além disso, esse principal pode comparar o desempenho de sua unidade de produção com o de outras similares na mesma organização ou em outras organizações, o chamado benchmarking. A definição de metas pode, por si só, minimizar o gaming. A pactuação de resultados pode ser feita por “conjunto de indicadores”, buscando contemplar, nesses indicadores, quantidade e qualidade, gerando incentivos para evitar efeitos perversos. Metas de redução de tempo de espera de serviços, por exemplo, devem vir acompanhadas de indicadores de qualidade e satisfação desses serviços. A aplicação desses mecanismos anti-gaming demanda, entretanto, análise, pesquisa, diálogo e conhecimento da política pública. A existência de uma unidade de inteligência 149 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 composta por servidores qualificados, ligada diretamente ao principal e que o auxilie nos detalhes da negociação com o agente parece ser fundamental. Na relação agente x principal, solucionar o problema da assimetria de informação pode ser impossível, mas implementar mecanismos para minimizá-la parece necessário. 5.5. A cultura brasileira e sua influência sobre os resultados do sistema de PRP Barbosa (1996) mostrou que tentativas de implementar sistemas de avaliação individual por mérito no Brasil foram feitas diversas vezes em nossa história e pressões sociais sempre levaram os modelos ao fracasso. Embora todos apoiem a lógica meritocrática, a prática social não a legitima. A autora argumenta que o valor de igualdade no Brasil é diferente do existente nos Estados Unidos. Lá, a ideia de igualdade significa o tratamento igual perante a lei, não necessariamente significa a busca de um estado substancialmente igualitário. A existência da diferença entre os indivíduos é reconhecida, legitimada e percebida como o resultado do diferencial de talento – aptidão inata –, que permite a alguns indivíduos realizar e praticar certas ações com muito melhor desempenho do que outros, em função de sua capacidade e desejo de realização. As diferenças são, assim, percebidas como inevitáveis e desejadas. A sociedade americana está pronta para admitir a igualdade jurídica e a desigualdade de fato, em função das diferenças de desempenho individual. Nesse contexto, o desempenho funciona como um mecanismo socialmente legítimo, que permite à sociedade diferenciar, avaliar, hierarquizar e premiar os indivíduos entre si. A noção de igualdade no Brasil é diferente. Barbosa (1996) afirma que o desempenho é entendido mais como resultado do ambiente do que como esforço do indivíduo. A consequência disso é que produções individuais não são comparáveis, pois o produto de cada uma é visto como fruto de condições históricas subjetivas. Para a autora, os brasileiros atribuem um desempenho ruim à falta de oportunidades na vida, não legitimando o mérito enquanto fonte natural de diferenciação social – em uma frase: “no Brasil, desempenho não se avalia, se justifica”. Daí a síndrome da isonomia, as progressões automáticas para todos e o engessamento do serviço público, no qual diferentes categorias funcionais se encontram amarradas umas às outras, de forma que qualquer diferenciação, mesmo que baseada na diferença de funções, é vista como concessão de direitos que devem ser estendidos a todos, o que leva ao famoso efeito cascata. Na sociedade brasileira, o estabelecimento de gradações ou hierarquias é visto como a introdução de uma desigualdade que vai de encontro ao próprio objetivo do sistema. Em um universo como este, a luta pelo reconhecimento do mérito individual é extremamente difícil e polêmica. Especialmente quando essa avaliação tem impactos financeiros, o problema se radicaliza. Mesmo quando há avaliações objetivas sobre diferenciação de desempenhos, no momento de eventuais distribuições financeiras a distribuição acaba sendo igualitária. O argumento é que, normalmente, como o dinheiro disponível é muito pouco, é melhor “dar um pouquinho para cada um. para todos receberem alguma coisa”. Por isso é que ou todos são avaliados positivamente, ou ninguém é avaliado. (BARBOSA, 1996). As consequências dessa análise são impactantes para a modelagem e para a possibilidade de sucessos de sistemas de PRP no Brasil. Embora o argumento de Barbosa se volte especificamente à noção de avaliação de desempenho individual, qualquer modelo de incentivo vai se basear nessa parcela individual ou em uma avaliação coletiva para aferição da remuneração variável. A síndrome da isonomia e a busca de uma igualdade substantiva fazem com que, mesmo havendo diferença de desempenho, exista uma pressão social para que todos ganhem de forma igual. Isso leva a pressões adicionais no sistema de avaliação porque a cultura brasileira atribui a desigualdade de desempenho à falta de oportunidades na vida. Assim, não faz sentido dar uma nota diferente de 10, uma vez que cada um fez o que pôde. A implantação de sistemas de PRP no Brasil deve considerar esse aspecto cultural e, assim, prever mecanismos que possam tornar mais objetiva possível a diferenciação do desempenho. Modelos baseados em resultados mensurados de forma objetiva são, por esse motivo, mais adequados ao caso brasileiro do que modelos estruturados em avaliações subjetivas de desempenho . 5.6. Os efeitos da credibilidade e do senso de justiça A imagem que os empregados constroem sobre o funcionamento do sistema de remuneração variável influencia o fracasso ou o sucesso do modelo. Perry et al (2009) concluíram que o sucesso da PRP depende da percepção, por parte dos empregados, de que o sistema é justo, transparente e não político. O nível de confiança e a consistência do sistema de avaliação foram observados como fatores críticos para o sucesso do modelo. Se os empregados perceberem que as regras do sistema foram relativizadas, flexibilizadas ou manipuladas em 150 Novos Rumos para a Gestão Pública benefício de alguns, o sistema cairá em descrédito. Os autores também argumentam que a credibilidade da liderança parece ter um papel importante para induzir os empregados a um senso de justiça em relação à PRP. Gehardt (2009) e Dahlström e Lapuente (2010) também reafirmam a importância de que os empregados tenham o sentimento de confiança e credibilidade em relação às regras, para a efetividade do modelo. 6. Escolhendo modelagens adequadas para sistemas de incentivo no caso brasileiro As experiências investigadas nas diversas publicações aqui referenciadas e os argumentos teóricos propostos pelos autores indicam práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro. A seguir, descreve-se uma proposta preliminar dessas práticas, que podem e devem ser aprimoradas pela literatura gerencial brasileira. Conforme foi possível observar na literatura, para que a PRP realmente contribua para a melhoria do desempenho, é necessário garantir que o modelo incentive o comportamento e os resultados na direção adequada. Metas criadas apenas para compor o cálculo variável da remuneração dificilmente são levadas a sério. A remuneração variável é, nas experiências exitosas, parte de um sistema mais amplo de gestão de resultados e metas, em que as informações do desempenho são monitoradas e utilizadas para a tomada de decisão no dia a dia. É nessas condições que o potencial do sistema é utilizado plenamente, já que os incentivos podem ser acompanhados e redirecionados à medida que prioridades específicas da organização forem identificadas. Assim, cabe esperar que a prática 1, a seguir, gere bons resultados no contexto brasileiro: Prática 1: Uma primeira e indispensável etapa para a concepção de um sistema eficaz é a construção de uma agenda estratégica (com indicadores e metas) para toda a organização (e não para apenas partes dela). Conforme apontado na literatura, é arriscado estruturar o modelo de PRP em torno de avaliações de comportamento que têm um grau maior de subjetividade. O motivo principal é o risco de tendência benevolente. Dessa forma, parece ser mais indicado estruturar a mensuração em torno de produtos/serviços. Eles são mais adequados para proporcionar redirecionamento de esforços em busca de resultados, uma vez que podem ser medidos praticamente em tempo real. Eles também são mais adequados para representar, de fato, o esforço empreendido na execução da política pública. Os produtos/serviços “enxergam” melhor e mais diretamente o desempenho, sendo mais úteis para a tomada de decisão e gestão do dia a dia. Estudos apontam que as pessoas precisam ter a sensação de que cabe a elas alcançar as metas para, assim, sentirem-se motivadas. Uma pequena parcela da composição variável pode ser reservada aos impactos, apenas para que eles exerçam a função de inspiradores e para que o exercício de repensar a relação processos x resultados seja constante. Assim, cabe esperar que a prática 2, a seguir, venha a gerar bons resultados no contexto brasileiro: Prática 2: O modelo deve basear-se na avaliação de resultados objetivamente quantificáveis, exclusivamente. Os resultados devem privilegiar mais produtos/serviços e menos impactos. Sistemas baseados em equipes têm sido apontados como mais eficazes no setor público, seja pela dificuldade em medir resultados no nível individual, seja porque fortalecem a cooperação. Não existe uma receita única para a definição da equipe. Deve-se avaliar, caso a caso, o que favorece mais o desempenho. A equipe deve ser composta por indivíduos que respondam pela produção de um único produto/serviço, ou seja, indivíduos que contribuam para um mesmo resultado. Equipes pequenas podem favorecer o controle pelos pares, se esse objetivo for relevante para o caso concreto. E, finalmente, equipes podem ser ampliadas, para que diferentes unidades persigam as mesmas metas, fortalecendo a cooperação. Assim, cabe esperar que a prática 3, a seguir, venha a gerar bons resultados: Prática 3: O modelo deve basear-se em metas por equipe e em premiação por equipe. A composição e o tamanho da equipe devem ser estudados caso a caso e privilegiar dois critérios: unicidade da produção/serviço e possibilidade de controle pelos pares. A construção de indicadores e metas de forma que eles orientem os comportamentos desejados não é trivial. Cada resultado requer um conjunto de indicadores para promover o incentivo na direção correta e evitar o gaming. Essa construção requer pesquisa, análise e conhecimento da política pública. Além disso, considerando a relação agente x principal, quanto mais informação puder ser levantada sobre benchmarking, melhor será a efetividade da relação e melhor será a definição das metas. Contudo, não parece crível que metas difíceis, que levam a melhores resultados, possam ser definidas sem uma análise detalhada do desempenho. É, 151 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 portanto, indispensável, para a efetividade de modelos de PRP, o estabelecimento de uma unidade de inteligência, dotada de alta qualificação e ligada diretamente ao principal, com o propósito de coordenar o modelo e assessorar a liderança. Assim, cabe esperar que a prática 4, a seguir, venha a gerar bons resultados: Prática 4: Uma unidade de inteligência deve ser constituída para negociar metas ousadas, reduzir a assimetria de informações e evitar o gaming. Para minimizar o problema dos múltiplos principais, um processo de formalização daquilo que será a base para o cálculo da parcela variável parece importante. Quanto mais esse processo for formal, sistemático, discutido e negociado, melhor será o resultado final em termos de efetividade da PRP. Os estudos mostram, também, que a credibilidade do modelo perante os empregados é fator imprescindível para se obter sucesso. E essa credibilidade depende da percepção, por esses empregados, de que o sistema tem regras claras, é justo, transparente e não político. Assim, cabe esperar que a prática 5, a seguir, venha a gerar bons resultados: Prática 5: É necessário um processo formal, sistemático e periódico de contratualização de metas quantitativas que servirão como base do sistema. Nesse processo, os empregados devem ser ouvidos. Regras claras de funcionamento do sistema devem ser estabelecidas, divulgadas e respeitadas. Deve-se investir na transparência das metas e do processo de avaliação. A teoria claramente mostra que a PRP funciona muito bem para tarefas pouco interessantes. Nessa parcela do funcionalismo, deve-se tomar cuidado apenas para que o valor monetário da premiação não gere pressões fortes demais, de modo a estimular o gaming. O teto identificado na experiência internacional, de 10% da remuneração dos servidores, parece adequado. Assim, a prática 6 parece adequada: Prática 6: A modelagem do sistema deve adaptar-se em função do tipo de atividade. Uma modelagem única parece ser ineficaz. Tarefas (ou funcionários) com características diferentes precisam de modelagens de remuneração variável também distintas. No nível operacional, especialmente em setores que realizam tarefas pouco interessantes, a implantação da PRP com valores monetários relativamente baixos é altamente eficaz para a melhoria do desempenho. Excetuando-se tarefas operacionais e pouco interessantes, as quais são, claramente, alvos preferenciais de sistemas de remuneração variável, uma questão mais estrutural aparece: deve-se implantar PRP nas outras parcelas do funcionalismo? Uma resposta precisa e definitiva a essa questão não parece possível neste momento. Pode-se arriscar uma hipótese: uma vez que os efeitos positivos e não mensuráveis da PRP parecem estar levando esse método a ser implantado em governos de todo o mundo, pode-se inferir que os ganhos derivados são suficientemente interessantes para que se aceite os custos ocultos da perda de parte da motivação. Mas não há consenso. Para atividades interessantes, outros fatores motivacionais como possibilidade de participação em treinamentos especializados, alocação do servidor em xxiv ações estratégicas e premiação e divulgação dos bons resultados parecem mais eficazes . A remuneração variável como fator motivador para esse tipo de tarefa parece muito limitada. 7. Considerações finais O presente trabalho mostrou que os sistemas de remuneração variável utilizados no setor público estão fracassando ou têm sucesso muito limitado. As explicações para um desempenho insuficiente estão reunidas em duas vertentes teóricas. A primeira origina-se a partir de trabalhos no campo da Economia e se estrutura em torno da teoria da escolha racional e da relação agente x principal. O argumento é que boa parte dos problemas da remuneração variável está relacionada aos incentivos modelados inadequadamente e às características estruturais do serviço público (Burgess e Ratto, 2003). A segunda vertente, mais ligada às teorias psicológicas, explica que a remuneração variável, sob certas condições, não tem motivado as pessoas a ter um melhor desempenho. Segundo Weibel et al (2010), no serviço público os funcionários têm, em geral, motivação intrínseca significativa, realizando tarefas em função do senso de dever, lealdade e prazer. As pessoas realizam as atividades porque acreditam nelas e, ao fazê-lo, têm a sensação de que estão cumprindo seu dever. Nesse contexto, a implantação de sistemas de incentivo monetário pode gerar efeitos negativos na motivação, especialmente no caso de tarefas interessantes. Discutiu-se, também, uma série de argumentos fundamentados em pesquisas empíricas que indicaram fatores críticos de implementação, dentre os quais os gestores devem dedicar atenção: ao necessário cumprimento de certas etapas na implementação, à importância de metas difíceis, à relevância do fenômeno do gaming e às implicações da cultura brasileira na modelagem de esquemas de incentivo. 152 Novos Rumos para a Gestão Pública Foram, ainda, identificadas as seguintes práticas que podem contribuir para melhorar os resultados dos sistemas de remuneração variável no setor público brasileiro: 1) a construção de uma agenda estratégica com indicadores e metas para toda a organização; 2) o estabelecimento de resultados quantitativos, preferencialmente produtos/serviços, como base da premiação; 3) o uso de metas e prêmios por equipes; 4) o uso de uma unidade de inteligência contra o “gaming”; 5) a realização de um processo formal e periódico de contratualização de metas e 6) a criação de sistemas de incentivo diferenciados em função do tipo de tarefa. Os argumentos analisados neste artigo não deixam dúvida de que é importante melhorar o design e a implementação de modelos de incentivo. De toda forma, o contraste entre a opinião pessimista dos acadêmicos e a prática otimista dos gestores (que estão expandindo o uso da PRP) pode ter explicações no desenho das pesquisas. Os estudos acadêmicos procuraram enxergar sucesso ou fracasso dos modelos de incentivo em função da análise de séries históricas de indicadores de desempenho que estariam mensurando os principais resultados das organizações. Esses estudos, dessa maneira, são incapazes de enxergar outros efeitos positivos da PRP, como a melhoria do desempenho em função do incentivo ao debate em torno de metas e resultados. O incentivo a este debate pode estimular reflexões relevantes, eventualmente alterando os produtos/serviços e provocar modificações sobre os processos e estratégias utilizados no ambiente de trabalho. Um eventual redirecionamento de esforços, decorrente desse debate, não é captado pelas pesquisas, uma vez que o foco no desempenho pode se deslocar e não ser mensurado pela mesma série histórica de indicadores. Colocar o desempenho no centro do debate cotidiano da organização parece ter um importante – porém ainda pouco estudado – efeito positivo. Essa é uma das lacunas que poderiam ser investigadas por novas pesquisas. Outras duas lacunas do conhecimento poderiam ser preenchidas por novos estudos. Não obstante a crítica metodológica acima, continua sendo indispensável o estudo sobre quais resultados estão sendo obtidos pelas experiências de PRP em funcionamento no governo brasileiro. E, finalmente, a experiência internacional nos mostra, de forma inequívoca, que distintas modelagens e estratégias de implementação são variáveis importantes para explicar fracassos ou sucessos de sistemas de incentivo. Compreender melhor o impacto de diferentes modelagens e diferentes práticas de implementação no contexto nacional é outro passo indispensável para gerar uma perspectiva mais otimista na implantação da remuneração variável no setor público brasileiro. Referências Barbosa, Lívia (1996). Meritoracia à brasileira: o que é desempenho no Brasil? Revista do Serviço Público, 120(3), 58-102. Behn, Robert (2003). Why measure performance? Different purposes require different measures. Public Administration Review, 63(5), 586-600. Behn, Robert. (2004a). On the limitations of pay for performance. Public Management Report 1(5) January 2004. Behn, Robert (2004b). On why public managers should measure outputs. Public Management Report 1(10), June 2004. Behn, Robert (2007). Danger of using too few measures. Public Management Report 5(2), October 2007. Bowman, James S. (2010) The success of failure: the paradox of performance pay. Review of Public Personnel Administration, 30(1), 70-88. 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Isso porque, a função administrativa é também exercida pelos demais Poderes como função atípica. Assim, cada um dos Poderes exerce com preponderância sua função típica e de maneira atípica a 1 função dos demais. É nesse sentido que os Poderes são “independentes e harmônicos entre si ”, 2 nos termos da Constituição de 1988. Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello : tanto Legislativo quanto Judiciário, como Executivo, exerceriam as três funções estatais: de modo normal e típico aquela que lhes corresponde primacialmente – respectivamente, legislar, julgar e administrar – e, em caráter menos comum (ou até mesmo em certas situações muito invulgares como ocorre no processo de impeachment), funções, em princípio, pertinentes a outros órgãos do Poder. Á vista disto, jamais se poderia depreender, com segurança, se uma atividade é legislativa, administrativa ou jurisdicional pelo só fato de provir do corpo do Legislativo, Executivo ou Judiciário. Daí que o Poder Judiciário exerce também função administrativa. A Administração judiciária – exercida em caráter menos comum, uma vez que administrar é função primária do Poder Executivo – envolve toda sorte de atividade do Poder Judiciário que contenha a necessidade de gestão da coisa pública, seja a realização de licitação, a organização de concursos públicos, o planejamento e a execução do seu orçamento, a contratação de serviços terceirizados, a nomeação de servidores, dentre outros. Nesse contexto, a gestão eficiente dos recursos públicos prevista pela Constituição de 1988 para a Administração Pública é regra cogente também para o Poder Judiciário quando atua nesse mister. Assim, aplicam-se ao Poder Judiciário quando exerce atividade administrativa todos 3 os princípios elencados no caput e as demais regras do art. 37 da Constituição Federal, as vedações do art.167; as suas contas sofrem fiscalização e pode também ser objeto de inspeção e auditoria contábil do Tribunal de Contas e assim por diante. Portanto, a discussão que se põe aqui é procurar examinar o Poder Judiciário quando não está debruçado sobre o julgamento de processos. Cabe analisar as origens do conservadorismo do Judiciário e a importância de se rever determinadas posturas. Além disso, é também um objetivo desse trabalho sinalizar a importância da introdução da gestão eficiente e de mecanismos democráticos mais contemporâneos na sua estrutura. 2. Breve evolução histórica do Poder Judiciário Antonio Carlos Wolkmer, analisando o período colonial, faz referência a um "'abrasileiramento' da magistratura" que "significava a corrupção das metas essencialmente burocráticas, porquanto os critérios de validade passavam a ser imputados à pessoas, à posição social e à interesses econômicos. A corrupção cobria um lastro de desvios da legislação e das 4 regras burocráticas ". Registros de privilégios do Judiciário no Brasil datam desde 1715, quando El-Rei fez saber que “todos os que na cidade de São Paulo servirem de juízes ordinários, vereadores e procuradores do Conselho, fiquem com a nobreza de cavaleiros e logrem os 5 privilégios deles ”, tudo isso no sentido de livrá-los de qualquer condenação por erros do ofício. À época das Ordenações Afonsinas, o governo local era formado por Câmaras e “compunham-se estas de juízes e vereadores, eleitos pelos homens bons com a interferência dos 6 corregedores ”. Como aponta Raymundo Faoro, “os ‘homens bons’ compreendiam, num alargamento contínuo, além dos nobres de linhagem, os senhores de terras e engenhos, a 7 burocracia civil e militar, com a contínua agregação de burgueses comerciantes ”. A primeira instância era formada "por juízes singulares que eram distribuídos nas categorias de ouvidores, juízes ordinários (...) e juízes especiais (...). A segunda instância, composta de tribunais colegiados, agrupava os chamados Tribunais de Relação (...) Já o Tribunal de Justiça Superior, de 8 terceira e última instância, (...) era representado pela Casa de Suplicação ". A posse na magistratura não decorria de nenhum mérito pessoal. Segundo Faoro, “os magistrados, na grande maioria, são leigos, com os cargos herdados ou obtidos no enxoval da 9 noiva ”. Em 1587, é criado o Tribunal de Relação do Brasil. A ostentação sempre esteve presente no âmbito do Judiciário: “haverá na Casa de Relação panos para se cobrirem as mesas dos 10 despachos, e os da grande serão de seda, e o tinteiro, poeira e campainha serão de pratas ” e “os desembargadores, enquanto estiverem em despacho na Relação com o governador, estarão 11 assentados em escabelos de encosto na mesa grande ” e “andarão vestidos, assim na Relação, 155 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 como na cidade, com as ópas, que costumam trazer os desembargadores da Casa da Suplicação, 12 13 de maneira que representem os cargos que tem ”. Em 1626, foi suprimida a Relação e 14 posteriormente restabelecida, em 1652 . Em 1751, foi criada a Relação do Rio de Janeiro e, 15 posteriormente, com a transferência da capital, instalou-se a Casa da Suplicação . Segundo Wolkmer, "com a criação e o funcionamento do Tribunal da Relação, no Brasil, consolidou-se uma forma de administração da justiça não mais efetuada pelo ouvidor-geral, mas centrada na 16 burocracia de funcionários civis ". À época do Brasil colônia, Stuart Schwartz, citado por Wolkmer, alega que havia duas modalidades de organização política do Judiciário: relações burocráticas e relações baseadas em parentesco. Assim, segundo Wolkmer, "o entrelaçamento desses dois sistemas de organização –burocracia e relações pessoais – projetaria uma distorção que marcaria 17 profundamente o desenvolvimento de nossa cultura jurídica institucional ". Wolkmer sugere, ainda, que as relações pessoais "iam desde o casamento colonial (forma de incorporação na sociedade local e de aquisição de riqueza e propriedades) até os laços de amizade e compadrio 18 (padrinho de batismo ou de casamento ). Em 1824, o Brasil conheceu sua primeira Constituição, ainda no Império, mas já independente. O Judiciário ganhou estatura Constitucional. Em 1845, iniciaram debates a respeito de projeto de lei que restringia a participação de magistrados no processo eleitoral. Segundo noticia José Murilo de Carvalho, magistrados eram ao 19 mesmo tempo fazendeiros, senhores de engenho e senadores . Segundo o autor, as 20 manifestações contrárias foram vencidas “e os juízes mantiveram-se no controle ”. Na seqüência, como leciona Vladimir Passos de Freitas, “o início da grande transformação vivida pelo Poder Judiciário brasileiro ocorreu após a proclamação da República, 21 em 1889 ”. Ainda naquele ano é criada a Justiça Federal (decreto-lei 848 de 1889). A Constituição de 1891– agora, sim, da República – optou pelo modelo unitário, isto é, sem uma jurisdição administrativa, como é o Conselho de Estado francês, e o Judiciário se moldou, pois, 22 como terceiro Poder . Aqui surge o Supremo Tribunal Federal. Em 1945 é criado o Tribunal Federal de Recursos, posteriormente extinto com a criação do Superior Tribunal de Justiça com o advento da Constituição de 1988. Foi nesse cenário, portanto, que nasceu e se desenvolveu o Poder Judiciário, em meio ao patrimonialismo que configurava a estrutura do Estado brasileiro. Em meio, portanto, à diluição dos limites que separam o público do privado misturando as regras da casa e da rua, para fazer 23 menção à obra prima de Roberto DaMatta . Esse patrimonialismo de outrora se faz presente nos dias de hoje quando se assiste à situações como aquela noticiada pela revista IstoÉ, em abril de 2009. Segundo a publicação, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Alberto Menezes Direito, falecido naquele mesmo ano, teria se beneficiado de ofícios expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde foi Ministro até 2007, solicitando tratamento privilegiado 24 para parentes seus em aeroportos brasileiros . No mesmo sentido fez o então Ministro do STJ e hoje do STF, Luis Fux. No ofício n. 112/08, expedido pelo chefe de representação do STJ ao gerente da Air France no aeroporto internacional Antonio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, foi solicitado sala "vip", atendimento especial no check in e assento up deck, na área superior do avião. É dizer, ofícios emitidos pela cúpula de um órgão público requisitando favores à empresa privada. Ora, “o juiz deve ter ciência que faz parte de uma categoria diferenciada em alguns aspectos, mas faz parte do gênero dos servidores públicos, sendo um indivíduo do povo, pago 25 pelo mesmo povo, para servir ”. Tais situações são excepcionais e não podem resumir, é certo, o Judiciário. De toda sorte, trata-se de um Poder com características que o afastam do trato comum. Isto se traduz nas vestes, no tratamento, em expressões como “Estado-juiz” e em prerrogativas inexistentes para os 26 cidadãos comuns, como férias de 60 dias . Toda essa simbologia de poder permanece válida até hoje. Quanto à linguagem, o Direito é pródigo no uso de expressões rebuscadas. Ora, o uso de termos difíceis afasta o jurisdicionado, sujeito da decisão, da realidade do processo. Como aponta Jose Renato Nalini, o cliente da Justiça tem direito a uma solução justa, mas para ele inteligível. Se é fácil ser complicado – basta se valer de um dicionário e escolher sinônimos desconhecidos – é muito difícil ser simples. A concisão, a objetividade, a utilização de frases sintéticas, tudo isso auxilia a comunicação. E atua em favor da credibilidade e da legitimação. Cabe questionar, ainda, a capacidade de compreensão de determinadas decisões 27 quando utilizam língua estrangeira como fundamento jurídico , como a seguinte: Incide, aqui, o magistério de um dos maiores constitucionalistas norte-americanos, HENRY CAMPBELL BLACK, em seu clássico Handbook of American Constitutional Law, 156 Novos Rumos para a Gestão Pública 2ª ed., St. Paul, Minn., West Publishing CO., 1897, p. 70, verbis: '10. It is not permissible do disobey, or to construe into nothingness, a provision of the constitution merely because it may apeear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxious consequences or invidious and unmerited discriminations, and still less weight should be attached to the argument from mere inconvenience.' (...) A respeito, assinalou PAUL ROUBIER, verbis: 'La situation de fonctionnaire public constitue un statut légal, qui peut toujours être modifié par les lois nouvelles in futurum' (in Les Conflits de Lois dans le Temps, Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1933, t. II, p; 471, n. 122) (...) Ainda, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis: 'L'obligation de respecter les lois comporte pour l'administration une double exigence, l'une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l'autre, positive, consiste à les appliquer, c'est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu'implique nécessairement leur exécution.' (In Les Grands Textes Administratifs, Sirey, Paris, 1970, p. 376) 28 (...) Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo . Na lição do magistrado José Paulo Baltazar Junior, “nem sempre a sentença mais longa é a melhor. Se a questão não merece maiores digressões, não há porque se alongar. A Justiça é 29 um serviço público e não integra a academia ”. Ainda no campo da linguagem, o uso de certos pronomes de tratamento sugere o exercício de um poder supremo, acima daquele da vida cotidiana. Prova disso é o Regimento Interno do STF que garante que seus membros “receberão o tratamento de Excelência, conservando o título e as honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria, e usarão 30 vestes talares, nas sessões solenes, e capas, nas sessões ordinárias ou extraordinárias ” (g.n). Há uma simbologia de poder refletida no uso da toga. Daí a expressão “juiz togado”. No âmbito da Câmara dos Deputados, por exemplo, o Regimento Interno só obriga o uso do termo “excelência” 31 entre deputados . Aqui, aliás, cabe questionar o uso das honras e títulos após a aposentadoria no caso de o Ministro do STF passar a atuar em defesa de interesses privados após o período da 32 quarentena . O que interessa aqui, porém, é apresentar algumas resistências e avanços acerca de mecanismos de controle social, transparência e participação popular na sua atuação administrativa do Judiciário. 3. A administração da Justiça a partir da Constituição de 1988 A promulgação da Constituição de 1988 foi um importante marco normativo no sentido de afastar o patrimonialismo histórico da realidade do Estado brasileiro. Assim, segundo Luis Roberto Barroso, o esforço mais notável da Constituição é o de procurar resguardar o espaço público da apropriação privada, o que faz mediante normas que exigem concurso público para ingresso em cargo ou emprego público, licitação para a celebração de contratos com a Administração Publica, prestação de contas dos que administram dinheiro público, bem como sancionam a improbidade administrativa. Proibição emblemática, quem em si abriga mais de cem anos de uma República desvirtuada, é a do art. 37 §1º, que interdita autoridades e servidores de 33 utilizarem verbas publicas para promoção pessoal . Posteriormente, em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 promoveu alterações no texto constitucional no sentido de sinalizar com um modelo mais contemporâneo de gestão da coisa pública. Assim, dentre outras novidades, foi inserido o princípio da eficiência no art. 37, vinculante também ao Judiciário na sua atuação administrativa, e cujo núcleo “é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro 34 público ”; foram estabelecidos limites aos cargos de confiança que passaram a ser exclusivos de ocupantes de cargo efetivo e apenas para atribuições de direção, chefia e assessoramento; exigiuse que por lei infraconstitucional sejam reguladas formas de participação do usuário na Administração Pública, o acesso a informações sobre atos do governo e representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública – e aqui inclui-se o Judiciário no exercício de atividade administrativa. Uma terceira onda normativa veio com a edição da Emenda Constitucional n. 45 de 2004 que promoveu a Reforma do Poder Judiciário. Além de questões processuais, como a previsão de súmulas vinculantes, a necessidade de repercussão geral no recurso extraordinário e 35 a alteração de algumas competências do STF , interessa aqui examinar as reformas administrativas e institucionais promovidas pela Emenda. A EC n. 45 teve claro propósito de uma 157 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 reestruturação do Judiciário. Nas palavras de Sérgio Renault, então secretário da reforma, “o Judiciário brasileiro precisa chegar ao século 21, atento para a necessidade de modernização da 36 sua gestão administrativa, informatizando procedimentos e incorporando novas tecnologias ”. Segundo ele, a reforma “é o primeiro passo na construção de um novo Judiciário, mais 37 transparente, mais racional e mais moderno ”. Nesse sentido, vale enumerar algumas alterações à Constituição promovidas pela EC n. 45: a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – tema a ser tratado alhures; a previsão de 03 anos de atividade jurídica como requisito para ingresso na magistratura; a aferição de merecimento de magistrados, para fins de promoção na carreira mediante critérios objetivos de produtividade; proibição de promoção do juiz que retiver autos além do prazo legal injustificadamente; a previsão de curso de preparação de magistrados como etapa obrigatória para o vitaliciamento; a publicidade das decisões administrativa dos Tribunais; a proibição do magistrado receber qualquer tipo de auxilio ou contribuição a qualquer título; a previsão de "quarentena", constituída na proibição do exercício de advocacia no tribunal ou juízo do qual o juiz se afastou nos três primeiros anos de afastamento; a exigência de destinação das custas e emolumentos apenas para os serviços afetos às atividades específicas da Justiça; a proibição de gastos além dos limites estabelecidos na LDO durante a execução orçamentária. Por fim, a Emenda criou o dever da duração razoável do processo (judicial e administrativo). 3.1 A Atuação do Conselho Nacional de Justiça. Pois bem, alteração importante foi a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O CNJ, órgão de estatura constitucional, tem funções explícitas: de um lado, realizar o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, ou seja, um controle sobre a instituição e, de outro, realizar o controle de cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. No exercício dessas funções, o Conselho poderá expedir atos regulamentares ou recomendar providências; apreciar a legalidade de atos administrativos dos membros do Judiciário, podendo revê-los ou fixar prazos para que adotem as providências necessárias; conhecer de reclamações contra membros e órgãos do Judiciário, sem prejuízo da competência correicional dos Tribunais – isto é, existindo ou não atuação correicional em curso no Tribunal local, o CNJ pode atuar – podendo avocar processos disciplinares em curso e aplicar, inclusive, aposentadoria e outras sanções administrativas; rever processos disciplinares julgados há menos de um ano. E tem o dever de 38 elaborar relatórios acerca da atuação do Poder Judiciário . Segundo o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Elton Leme, “a criação do Conselho Nacional de Justiça, com a Emenda Constitucional 45, que trouxe uma série de outras responsabilidades, colocou o Judiciário num novo patamar, no que diz respeito às suas responsabilidades perante a 39 sociedade ”. Nesse mister, é louvável a atuação do CNJ no controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário como alternativa de paradigma para a gestão pública. Dentre as 40 determinações do CNJ já impostas aos Tribunais, é possível citar a criação de ouvidorias , a 41 regulamentação do uso de carros oficiais e a publicação da frota de veículos na Internet , a 42 criação de núcleos de métodos consensuais de resolução de conflitos , a criação de 43 44 planejamento estratégico pelos Tribunais , a proibição do nepotismo e a ampliação do horário 45 de atendimento ao público . O CNJ, contudo, desde a sua criação vem sofrendo controle abstrato de constitucionalidade no STF quanto à legitimidade de suas atribuições. Segundo aponta Maria Tereza Sadek, à época da discussão do projeto que gerou a EC n. 45, ainda “em maio de 2000, a AMB divulgou documento no qual afirmava que `o relatório aprovado pela comissão especial 46 causou enorme apreensão em toda magistratura nacional '”. Nesse sentido, foi emblemática a primeira ação, a ADI 3.367/DF, ter sido ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A ação foi distribuída em 09 de dezembro de 2004, antes mesmo da publicação da Emenda, tanto que o Ministro Relator Cezar Peluso despachou no sentido de se aguardar sua 47 publicação . A AMB questionou a própria existência do CNJ, sob o argumento de ofensa à separação de Poderes e ao pacto federativo. Por decisão unânime, o STF rejeitou o pedido. Questão que gera debate na doutrina diz respeito ao poder normativo do CNJ. Essa competência é largamente utilizada pelo órgão, que já editou mais de 140 resoluções. O exercício do poder normativo do CNJ foi discutido a partir da resolução n. 07, editada em outubro de 2005. Na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12, proposta pela AMB, foi declarada constitucional a legitimidade da atuação do CNJ ao editar a resolução n. 7 proibindo o nepotismo. Entendeu o STF que "as restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as 48 mesmas já impostas pela Constituição de 1988 ". Dessarte, com a proibição do nepotismo, o CNJ 158 Novos Rumos para a Gestão Pública nada mais fez que expressar aquilo que já se depreende do texto constitucional. Apesar disso, algumas decisões judiciais parecem optar por interpretação diversa. Foi o caso da apelação cível n. 00010185020078200108, julgada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, em 2008, que versava sobre alegação de nepotismo fora do âmbito do Judiciário. Entendeu a Justiça potiguar que, por se tratar de nepotismo em órgão diverso do Judiciário, não se aplicaria a resolução, uma 49 vez que se tratava de "prática de nepotismo tolerada constitucionalmente ". A decisão ensejou o RE 579951, no STF, que acabou por reformar o acórdão. Em 2011, outra resolução do CNJ foi discutida. A AMB questionou a resolução n. 130 50 que uniformiza o horário de atendimento nos fóruns . A ação se encontra pendente de 51 julgamento. Mais recentemente, é alvo de ADI , novamente proposta pela AMB, a resolução n. 135 que uniformiza as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades. Uma das questões mais polêmicas da petição inicial da AMB nessa ação, diz respeito à alegação de inconstitucionalidade do art. 20 da resolução, que reza que “o julgamento do processo administrativo disciplinar de magistrado será 52 realizado em sessão pública”. A associação sugere que o sigilo seria de interesse público e afirma que, a figura do Estado-Juiz, que exige grau máximo de seriedade e de idoneidade, não pode ficar maculada no exercício da jurisdição. E não há como negar que o magistrado que estiver, publicamente, respondendo a processo disciplinar, d.v., não será visto pela sociedade ou pelo jurisdicionado como alguém que possua autoridade para julgar suas 53 as ações ou as ações de outrem . Outra questão interessante nessa mesma ação da AMB, objeto da pecha de inconstitucionalidade, é a previsão na resolução n. 135 de que toda e qualquer pessoa pode noticiar uma irregularidade contra magistrado. Segundo a Associação, essa previsão contraria a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), Lei Complementar n. 35, que traz no art. 27 os legitimados para representar contra o juiz: o Poder Executivo ou Legislativo, o Ministério Público ou o Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil. Alegam que caberia somente à lei complementar a normatização da questão. Por fim, cabe apontar uma última questão presente nessa ADI, que é o argumento da AMB no sentido de que o CNJ somente teria uma atuação correicional subsidiária. É dizer, o CNJ somente atuaria diante da omissão do Tribunal local. A Associação classifica como “fraude normativa” a interpretação do CNJ. 3.2 A Transparência no Judiciário. Essas novidades, tanto as alterações promovidas pelas emendas n. 19 e 45 quanto às resoluções do CNJ, têm um interesse comum: a gestão eficiente e democrática da coisa pública. E o primeiro passo é a transparência, a permitir um controle tanto pelos órgãos institucionalizados (Ministério Público, Tribunais de Contas, Corregedorias) quanto pela sociedade civil. Portanto, bem ou mal, as resoluções do CNJ impõem um dever de boa gestão e transparência. É a 54 “democracia enquanto prestação de contas ”, como aponta Maria Teresa Sadek. Contudo, a democratização dos instrumentos de atuação do Poder Público e a eficiência não se concretizam pela mera imposição de cima para baixo. Como pondera Sergio Buarque de Hollanda, a democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido (...). É curioso notar-se que os movimentos aparentemente reformadores, no Brasil, partiram quase sempre de cima para baixo: foram de inspiração intelectual, se assim se pode dizer, tanto quanto sentimental. Nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade. Não emanavam de uma predisposição espiritual e emotiva particular, de uma concepção da vida bem definida e específica, que tivesse chegado à maturidade plena. Os campeões das novas idéias esqueceram-se, com freqüência, de que as formas de vida nem sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se “fazem” ou”desfazem” por decreto (p.160-161). Assim, própria criação de ouvidorias, por exemplo, não se efetiva pela mera imposição por meio de resolução do órgão de controle. É dizer, sem um preparo dos servidores que ocupam os cargos de ouvidores, sem liberdade para enviar denúncias e reclamações contra juízes e servidores, sem a compreensão de que um órgão do Poder Judiciário pode sofrer fiscalização popular, de nada valerá a ouvidoria. A título de exemplo, cabe reproduzir resposta encaminhada pela ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, a respeito da disponibilização do relatório mensal que o órgão é obrigado a enviar à Presidência daquele Tribunal. Questionada, a ouvidoria respondeu em nota oficial: 159 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Prezado Sr., Esta Ouvidoria é subordinada diretamente à Presidência desta Corte e relatórios, bem como estatísticas são encaminhados ao Exmo. Des. Presidente. Para ter acesso basta o Sr. prestar concurso público para a magistratura trabalhista e com o tempo ser promovido à Desembargador do TRT e após concorrer e assumir o cargo de 55 Presidente deste E. Tribunal Regional. Atenciosamente Ouvidoria Isso parece reforçar a lição de Sergio Buarque de Holanda ao retratar o Brasil do século XIX, no Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio 56 em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal . De toda sorte, não fosse a atuação do CNJ, o enclausuramento do Judiciário seria maior. Sem a pressão exercida pelo CNJ, muitos tribunais não apresentariam, por exemplo, sua 57 frota de veículos . Aliás, a escolha dos modelos desses veículos também é uma questão a ser discutida quando se propõe uma gestão eficiente, uma vez que eventual opção por modelos de luxo pode sinalizar um mau uso do dinheiro público. Além da frota de veículos, tribunais chegam a 58 gastar quase dois milhões de reais com serviço de motorista . A exigência de transparência no Judiciário evidencia outros gastos questionáveis. Dessarte, por conta do esforço do CNJ, fica possível saber que em alguns casos o Judiciário gastou, de janeiro a outubro de 2011, mais de R$57.000,00 com o fornecimento de frutas para o 59 serviço de copa . Apenas com serviços de garçons, há contratos da ordem de mais de um milhão 60 de reais . 4. Conclusão A ideia em torno do direito à boa Administração é recente. No âmbito da Comunidade Europeia já existe previsão normativa desse direito. Nesse sentido, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que prevê o direito a uma boa administração, no seu art. 41. No Brasil, reformas periódicas e alterações pontuais vem sendo instituídas tendo em vista esse ideal. Como visto, a Emenda Constitucional n. 45 foi a última grande novidade no que tange o Poder Judiciário, um Poder que sempre teve contornos elitistas e conservadores, seja na escolha de seus membros – antes por meio de eleição por "homens bons" e hoje, com o acesso restrito a uma elite intelectual mediante concurso –, seja no uso de trajes formais e solenes, ou ainda na linguagem rebuscada ou em prerrogativas que distanciam os membros desse Poder do resto da 61 população, como férias de 60 dias e ausência de prazos próprios . É nesse cenário que essas modificações promovidas pelo CNJ e pelas emendas n. 19 e 45 foram construídas, no sentido de restringir privilégios e instituir uma gestão eficiente e transparente. Ao analisar o Poder Judiciário da década de 90, José Eduardo Faria já apontava alguns problemas, além de arcaicas, as engrenagens burocrático-administrativas das instituições judiciais também se revelam ineficientes e, o que é mais grave, pródigas. Isto porque, se por um lado os tribunais costumam queixar-se da falta de recursos materiais para funcionar bem, por outro muitas vezes tendem a empregá-los – como têm reiteradamente noticiado os órgãos de comunicação – de maneira perdulária, com a construção de prédios luxuosos, superdimensionados e superfaturados; a aquisição de automóveis para ministros, desembargadores e juízes de alçada; aposentadorias com vencimentos integrais e 62 contagem de tempo de serviço a partir de critérios absolutamente imorais . Ora, estamos, pois, diante de um novo cenário e por isso é preciso pensar um novo modelo de Administração Pública. No dizer do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Elton Leme, Diante de novos paradigmas administrativos e valendo-se de indicadores de gestão, novas tecnologias métodos gerenciais, além de muita inovação, os juízes passaram a promover uma verdadeira “reforma silenciosa da Justiça”. A partir deste ponto, foi fortalecida a opção política brasileira de não contratar um “gestor externo”, terceirizado, alheio aos quadros do Judiciário, para 63 administrar a Justiça do país, devendo o juiz ser o gestor de sua própria instituição . No mesmo sentido, Eugenio Raul Zaffaroni, a única forma de romper com este perfil produzido pela deterioração da burocratização ou pelas profundezas do primitivismo judiciário, é conceber o juiz como integrado plenamente e por direito próprio à sociedade civil, quer dizer, o juiz cidadão, que 64 participa das inquietações, dos movimentos e das necessidades da vida coletiva . 160 Novos Rumos para a Gestão Pública Esse novo conceito de Administração deverá se contextualizar dentro da idéia de “governança pública”. Essa ideia reflete um conjunto de práticas que leva a uma condução responsável do Estado. É, pois, um modelo que exige que "os governos sejam mais eficazes em um marco de economia globalizada, atuando com capacidade máxima e garantindo e respeitando 65 as normas e valores próprios de uma sociedade democrática ". Esse modelo deve se impor também ao Poder Judiciário, uma vez que, como se disse, também exerce atividade administrativa. E o juiz deve abraçar o seu papel de gestor público. 5. Referências Bibliográficas. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Função Correicional dos Tribunais e Deveres do Magistrado. R. CEJ, Brasília, n. 28, p.54-63, jan/mar. 2005. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010. CARVALHO, Jose Murilo. A Construção da Ordem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. HOLLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder, São Paulo: Globo, 2001. FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995. FERREIRA, Waldemar. História do Direito Brasileiro. Vol1. FOLHA DE S. PAULO, 09 de dezembro de 2004. Tendências/Debates. FREITAS, Vladimir Passos de. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. FREITAS, Vladimir Passos de. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. LEME, Elton. O juiz como gestor. In Cadernos FGV Projetos. Maio/junho 2010, ano 5, n. 12. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. Nota da AJUFE. Disponível em http://www.ajufe.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4238:ajufe-rebatedeclaracoes-do-presidente-do-stf&catid=52:destaque-2e3. Acesso em 12/10/2011. OLIVEIRA, Gustavo Justino. Contrato de Gestão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. Revista Istoé, reportagem disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/detalhePrint.htm?idReportagem=12841&txPrint=completo. SADEK, Maria Tereza. Controle Externo do Poder Judiciário in Reforma do Judiciário. Maria Tereza Sadek (org). 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A mesma norma tratou das carreiras da AGU em seu artigo 20, além de definir os cargos e funções de confiança que iriam integrar a estrutura organizacional da AGU. Como carreiras, previu as de Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, e de Assistente Jurídica, posteriormente incorporada à primeira (MP n. ). O ingresso se daria mediante concurso público de provas e títulos (art. 21). 4. No artigo 49, tratou dos cargos de chefia dentro da AGU, definindo que: Art. 49. São nomeados pelo Presidente da República: I – mediante indicação do Advogado-Geral da União, os titulares dos cargos de natureza especial de Corregedor-Geral da Advocacia da União, de Procurador-Geral da União, de Consultor-Geral da União, de Secretário-Geral de Contencioso e de Secretário-Geral de Consultoria, como os titulares dos cargos em comissão de Corregedor-Auxiliar, de Procurador Regional, de Consultor da União, de Procurador-Chefe e de Diretor-Geral de Administração; II – mediante indicação do Ministro de Estado, do Secretário-Geral ou titular de Secretaria da Presidência da República, ou do Chefe do EstadoMaior das Forças Armadas, os titulares dos cargos em comissão de Consultor Jurídico; III – mediante indicação do Ministro de Estado da Fazenda, o titular do cargo de natureza especial de Procurador-Geral da Fazenda Nacional. § 1º São escolhidos dentre os membros efetivos da Advocacia-Geral da União o Corregedor-Geral, os Corregedores-Auxiliares, os Procuradores Regionais e os Procuradores-Chefes. § 2º O Presidente da República pode delegar ao Advogado-Geral da União competência para prover, nos termos da lei, os demais cargos, efetivos e em comissão, da instituição. 5. No artigo 66 previu uma regra de transição ao § 1º do artigo citado anteriormente, que diz o seguinte: Art. 66. Nos primeiros dezoito meses de vigência desta lei complementar, os cargos de confiança referidos no § 1º do art. 49 podem ser exercidos por Bacharel em Direito não integrante das carreiras de Advogado da União e de Procurador da Fazenda Nacional, observados os requisitos impostos pelos arts. 55 e 58, bem como o disposto no Capítulo IV do Título III desta lei complementar. 6. Naquele momento, ainda não haviam membros efetivos da carreira de Advogado da União, cujo ingresso deveria se dar em futuro concurso público, cujos primeiros 600 (seiscentos) cargos já vinham previstos no artigo 62 do mesmo diploma legal, o que tornou necessária a instituição de outra norma de transição, prevista no artigo 69, com o objetivo de possibilitar a pronta implantação das unidades da AGU nos Estados. A norma diz o seguinte: Art. 69. O Advogado-Geral da União poderá, tendo em vista a necessidade do serviço, designar, excepcional e provisoriamente, como representantes judiciais da União, titulares de cargos de Procurador da Fazenda Nacional e de Assistente Jurídico. 7. Naquele momento a AGU foi instalada, com a nomeação de Bacharéis em Direito que não integravam a carreira de Advogado da União, em sua maioria Procuradores da Fazenda Nacional, nos cargos de Direção das mais diversas unidades da AGU nos Estados. Muitos foram também os exercícios provisórios de Assistentes Jurídicos para essas unidades, onde passaram a atuar, de forma excepcional, no exercício da atividade de representação judicial da União. 162 Novos Rumos para a Gestão Pública 8. Cumpre ressalvar que esses exercícios deveriam se dar de forma excepcional e provisoriamente, restando, em face disso, demonstrada a exclusividade das atribuições dos Advogados da União na representação judicial da Administração Direta Federal. 9. Em 1996 foram nomeados os primeiros Advogados da União, em torno de 35, que, obviamente, foram insuficientes para assumirem os cargos vagos nas unidades de execução da AGU Brasil afora, o que significou a manutenção dos exercícios provisórios previstos no artigo 69 até que se realizasse a nomeação dos futuros Advogados da União aprovados em concurso público, o que só veio a ocorrer em fevereiro de 2000. 10. Em fevereiro de 2000 foi nomeado um grupo maior de Advogados da União, cerca de 400 (quatrocentos), o que tornou possível, finalmente, a plena instalação das Procuradorias nos Estados, ainda que com carência de Advogados, dado o crescimento das demandas judiciais que envolviam a União. Nesse momento, persistiam como chefes das Procuradorias da União Procuradorias da Fazenda Nacional e integrantes de outras carreiras, dado o fato de que não era razoável entronizar-se em cargos de tal relevância Advogados da União recém egressos de concurso público. 11. Em 2003, contudo, o cenário mudou, com a estabilização no cargo dos Advogados da União oriundo do concurso de 1998 e que tomaram posse em 2000. Esses Advogados já possuíam experiência no exercício da função, e tiveram então, por iniciativa do então Advogado-Geral da União, a oportunidade de chefiar suas unidades de lotação. Nesse momento, ainda no início do primeiro Governo do Presidente Lula, todos os cargos de Chefia das Unidades da PGU passaram aos cuidados dos Advogados da União, cumprindo-se, finalmente, o disposto na Lei Complementar n. 73/93. 12. Em 2007, o então Procurador-Geral da República Luis Henrique Martins dos Anjos institucionalizou o procedimento, publicando a Portaria n. 01, de 08 de maio de 2007, definindo regras para essa consulta e estabelecendo um prazo máximo de 04 (quatro) anos para o exercício 1 dos cargos de chefia por um Advogado da União . 12. Importante assinalar que a Portaria citada está de pleno acordo com o sugerido pela Lei n. 9.784/99, que em seu artigo 31 diz o seguinte: Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. o § 1 A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. o § 2 O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais. 13. Trata-se, pois, de dispositivo que consagra o novel princípio administrativo da Gestão Democrática, e que se encaixa com perfeição aos ditames do Princípio Republicano e do Estado Democrático de Direito. A Portaria em si, diga-se de passagem, é ato que pode ser considerado histórico no âmbito da Administração Interna da AGU, representando um marco na aplicação dos dois princípios citados no âmbito dessa instituição. II – Da Alternância enquanto medida de aperfeiçoamento da gestão pública. 14. Como é de amplo conhecimento, a Administração Pública brasileira, ao longo da sua história, notabilizou-se por ser um organismo prevalentemente “patrimonialista”, no sentido de que alguns setores da sociedade brasileira que detinham o comando político do Estado sempre utilizaram a administração para proveito meramente pessoal, utilizando-se da sua estrutura e dos cargos para prestigiar interesses secundários e pessoais, familiares ou políticos. O interesse da sociedade sempre foi secundário nessa prática patrimonialista, como bem descreve Raimundo Faoro em sua já clássica obra “Os Donos do Poder”. 15. Na década de 90, contudo, a Administração Pública brasileira passou a sofrer o influxo de teorias de administração então em voga na maioria dos países ocidentais, corrente essa que foi denominada de “Nova Administração Pública”, dentro do modelo que é conhecido como “Estado Gerencial”, consectário do ideário político neoliberal. 16. Tal corrente defendia um modelo moderno de Administração Pública, cujos principais traços seriam: 163 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 1. uma mudança na ênfase do processo de elaboração de políticas para habilidades gerenciais; 2. uma mudança de ênfase de processos para resultados; 3. uma mudança de ênfase para hierarquias ordenadas para bases mais competitivas e para a provisão de serviços, de pagamentos fixos para variados, e de serviços uniformes e 2 inclusivos para contratos de provisão ; 17. Matias-Pereira resume bem aquele momento de implantação do modelo gerencial na Administração Pública brasileira: “A partir da decisão do governo de promover a reforma do Estado Brasileiro, procurou-se criar novas instituições legais e organizacionais que permitissem a uma burocracia profissional e moderna ter condições de gerir o Estado. Inicialmente, sob a responsabilidade do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), foram estabelecidas condições para que o governo federal pudesse aumentar sua governança. Com esse propósito, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, como um instrumento 3 balizador da reforma e modernização deste (PDRAE/MARE, 1995)” . 18. O Brasil evoluiu então do modelo de gestão pública burocrática, com forte influência do patrimonialismo ainda, para o modelo gerencial. Pelo menos tentou-se adotar o novo modelo, e reduzir a influência do modelo patrimonial e burocrático no Estado Brasileiro. 19. Cumpre lembrar que a Administração Pública Burocrática foi concebida na segunda metade do século XIX exatamente com o propósito de superar o modelo meramente patrimonialista, combater a corrupção e o nepotismo que se adotavam naquele modelo. Pregava o os princípios do desenvolvimento, profissionalização, carreira pública, hierarquia funcional, impessoalidade e 4 outros . 20. A visão gerencial modificava alguns aspectos da visão burocrática, notadamente no que concerne aos seguintes aspectos: 1. voltada para o cidadão; 2. combate à corrupção e ao nepotismo; 3. controle por resultados; 4. descentralização de competências; 5 5. confiança e descentralização das decisões . 21. A visão gerencial redefinia o papel do Estado Brasileiro, até porque era consectário do modelo neoliberal do Estado. Priorizou, portanto, a transferência para o setor privado de serviços que poderiam ser controlados pelo mercado, ou seja, áreas em que o Estado atuava como mero particular, em intervenção econômica. 22. Posteriormente já surgiu o modelo Democrático-Participativo, que além de gerencial, preza uma interface com a sociedade, criando fóruns de discussão que permita um maior controle social sobre as ações públicas. Esse modelo adota, portanto, o controle social como forma de preservar o interesse público nas ações do Estado. 23. Tal é modelo que se apresenta na Administração Pública brasileira atual, de forma prevalente. Contudo, muitos resquícios da Administração Pública Patrimonial ainda subsistem no Estado Brasileiro, e tem prejudicado sobremaneira o avanço na eficiência e na boa gestão da coisa pública, bem como na implementação de políticas voltadas para o controle da Administração Pública. 24. Exemplo desse modelo é a previsão do artigo 31 da Lei n. 9.784/99, já transcrito anteriormente, que prevê a possibilidade da participação de terceiros no procedimento administrativo, auxiliando na tomada de decisões pela autoridade administrativa. 25. Hoje, ainda se verifica que a Administração Pública sobre forte influência política em sua atuação. O montante de cargos comissionados é excessivo, e esses cargos, em sua grande maioria, são exercidos por servidores que não possuem vínculos com a Administração Pública, e são selecionados por critérios onde prepondera o subjetivismo e o interesse meramente pessoal ou político-partidário. 26. Tal situação ainda impera em órgãos que são fundamentais para o Controle do Estado. Ainda temos um grande número de cargos em comissão em órgãos como a Receita Federal, Controladoria-Geral da União e Advocacia-Geral da União que são ocupados por pessoas que não passaram pelo crivo do concurso público, e que, portanto, devem, naturalmente, em muitos casos, obediência ao mandatário ou titular da pasta responsável pela sua indicação. 27. Não se pode dizer de forma conclusiva, mas é possível concluir que boa parte dos casos de corrupção e de ineficiência no âmbito da Administração Pública se devem ao fato de que o titular 164 Novos Rumos para a Gestão Pública do cargo, responsável pela improbidade, fora nomeado mais por critérios subjetivos ou políticos do que por critérios meritocráticos. 28. É preciso, pois, que se fortaleçam as carreiras de estado, notadamente aquelas carreiras que exercem importante função técnica de controle do Estado, como as carreiras da Advocacia Pública, Polícia e Controle Financeiro. Em tais áreas, torna-se ainda mais relevante a implantação de modelos de gestão que prestigiem a eficiência, a meritocracia e a independência do agente público encarregado da atividade. Dentre tais medidas entende-se que seja plenamente aplicável a adoção de um sistema de alternância no exercício de cargos de chefia ou direção, visando dar maior oxigenação aos modelos de gestão implantados internamente, garantir a continuidade e a boa prestação dos serviços públicos. 29. A alternância ou o rodízio nos cargos de chefia de órgãos públicos possui várias vantagens em relação ao modelo em que não há qualquer tipo de alternância ou sistema de seleção, mas a principal é, de fato, a possibilidade de dar-se um incremento constante decorrente da motivação que sempre permeia o novo gestor, imbuído do espírito público de fazer mais e melhor a sua atividade. 30. Outro aspecto importante é que esse rodízio impede que haja, no âmbito de órgãos de controle, a intervenção de natureza meramente política, pois possibilita que apenas agentes públicos concursados possam se candidatar ao exercício do cargo de direção, e dentro de parâmetros estabelecidos pela própria administração, baseado na meritocracia. Há que se buscar um modelo em que os critérios sejam objetivos, e válidos para toda e qualquer situação de rodízio no cargo. 31. Tanto é assim que vários órgãos federais já adotam a consulta e o rodízio como forma de provimento de cargos de direção e chefia, vide o Ministério Público Federal, cujos nomes indicados pela Associação Nacional dos Procuradores da República sempre foram, nos últimos anos, acatados pelo Presidente da República, e a Defensoria Pública Federal, cujo procedimento de consulta e alternância consta, inclusive, da sua Lei Complementar em vigor. No caso da Defensoria Pública Federal, a consulta está prevista na Lei Complementar n. 80, conforme podemos ver no seguinte dispositivo: Art. 6º A Defensoria Pública da União tem por chefe o Defensor Público-Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. 32. Outro exemplo recente é o do Decreto n. 7.127, de março de 2010, que trata da ocupação dos cargos comissionados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, prevendo, em seu artigo 46, a EXCLUSIVIDADE na ocupação desses cargos por servidores de carreira, bem como um procedimento interno de SELEÇÃO dos servidores que serão designados para essas funções. Vejamos o teor do dispositivo: DECRETO Nº 7.127, DE 4 DE MARÇO DE 2010. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e dá outras providências. Art. 46. O Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento identificará os cargos em comissão e as funções gratificadas referentes aos órgãos específicos singulares e de unidades descentralizadas, que serão ocupados, exclusivamente, por servidores efetivos do quadro de pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Parágrafo único. Será estabelecido processo de seleção interna que definirá os parâmetros para ocupação dos cargos em comissão e das funções gratificadas, de forma a priorizar méritos profissionais dos servidores referidos no caput deste artigo e indicados em lista tríplice. 165 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 II – CONCLUSÃO. 33. Enfim, a alternância é sob vários aspectos salutar ao serviço público, à eficiência e à boa gestão do Estado, de modo que a sua implementação, mais do que trazer ganhos para a carreira, instituir-se como verdadeiro mecanismo de incremento administrativo e de boa governança do Estado Brasileiro. 34. Por outro lado, a medida é salutar do ponto de vista de proteção do Estado contra o patrimonialismo e a intervenção política em área tão sensível quando a de Advocacia do Estado, onde é indispensável que o profissional tenha prerrogativas e independência para bem exercer o seu mister, o que é garantia da moralidade e da legalidade nas ações do Estado. 166 Novos Rumos para a Gestão Pública A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO NO BRASIL À SOMBRA DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO ATÉ A PROMULGAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 2.300/86 E, POSTERIORMENTE, DA LEI Nº 8666/93, NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Natália Ciscotto Ferreira Palavras-Chaves: Evolução legislativa. Contrato Administrativo no Brasil. 1 INTRODUÇÃO Tem-se por objeto do presente artigo a análise criteriosa da evolução legislativa, no direito pátrio, do contrato administrativo, instituto do ramo do direito administrativo, desde meados do século XIX até a promulgação da Lei Federal nº 8.666 em 1993. Neste enredo, o tema será delineado a partir de uma análise histórica da citada evolução, por meio da técnica de pesquisa teórica, com base na legislação brasileira, por meio da qual se observa que a evolução do contrato administrativo, no âmbito legislativo, ocorreu à sombra do procedimento licitatório. Tendo em vista a extensão da abordagem, a análise sobre o desenvolvimento legislativo pátrio quanto ao presente instituto é realizada de meados do século XIX até a promulgação da Lei 8.666/93. Para tanto, são abordados dois marcos na linha evolutiva do contrato administrativo no Brasil, quais sejam, o Decreto-lei nº 2.300/86 e a Lei nº 8.666/93, dois instrumentos legais que marcaram a evolução do instituto administrativo. Assim, o desenvolvimento do trabalho se divide em duas fases, sendo que a primeira se inicia em meados do século XIX e se alonga até a promulgação do Decreto Lei. 2.300/86 e é subdividida em dois períodos, um que aborda considerações preliminares quanto ao tratamento do instituto na Europa no século XIX e seus reflexos no Brasil, em meados século XIX, cuja parca legislação existente dispunha implícita e superficialmente, sobre contratação pela administração pública, à sombra do enfoque explícito quanto aos procedimentos prévios e outro período, que remonta à evolução do contrato administrativo desde o início do século XX até a promulgação do Decreto Lei. 2.300/86. Em seguida, é apresentada a segunda fase, que se fragmenta em duas etapas. Sendo a primeira, a que tem como termo inicial a publicação do Decreto Lei nº 2.300, de 1986 (legislação brasileira que, pioneiramente, dispõe sobre o contrato administrativo como um instrumento autônomo e independente dos procedimentos licitatórios) e como termo final a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. E, a segunda etapa, que se inicia com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, institucionalizadora do Estado Democrático de Direito e tem seu término com a edição da Lei Federal nº 8.666, de 1993, que traduz o apogeu da normatização do instituto em análise. Com esta exposição, se almeja demonstrar que o citado instituto, por um longo período, mais precisamente, até a publicação do Decreto Lei nº 2.300, de 1986, se desenvolveu à sombra dos procedimentos preparatórios da contratação pela Administração Pública, hoje denominados procedimentos licitatórios e, ainda, que com o advento da Lei nº 8.666/93, as disposições quanto ao instituto se aperfeiçoaram e se adequaram às balizas do Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Cidadã de 1988. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Primeiro período: evolução legislativa dos contratos administrativos no Brasil até a promulgação do Decreto-Lei nº 2.300/86. 2.1.1 Considerações Preliminares - tratamento da matéria no século XIX na Europa e os Reflexos no Brasil. O entendimento quanto ao contrato administrativo, advindo especialmente dos estudos franceses, chegou ao Brasil, influenciando tanto a legislação como a doutrina pátria. Assim, a noção teórica de contrato administrativo chega ao Brasil, ainda no século XIX, mas de firma apenas no século XX, já que no século XIX, havia ação administrativa de contratar por parte do Império, mas não havia maiores preocupações em formalizar um tratamento legal especificamente sobre a matéria. Neste ensejo, verifica-se que no século XIX o Brasil império celebra contratos com os particulares, especialmente na modalidade de concessão e, que já utiliza prerrogativas legitimadas no interesse geral e em detrimento do interesse particular, não existindo nem mesmo garantias que resguardassem o contratante em face do abuso autocrático do Estado. 167 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Desta feita, no Século XIX, não se encontrava uma abordagem específica quanto a contrato administrativo, mas tão somente legislações esparsas que, indiretamente dispunham sobre ele, ao tratar, diretamente, sobre o que seriam os procedimentos prévios à contratação. Dentre tais normas, merece destaque o Decreto nº 2.926, de 14 de maio de 1892, que aprovou o regulamento para as arrematações dos serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e mesmo que subsidiariamente, dispôs sobre a execução do contrato firmado entre o particular arrematante e Governo. Se no “CAPÍTULO I - DO PROCESSO DE ARREMATAÇÕES”, cuidou de dispor sobre as normas referentes ao procedimento de arrematação, cujo trâmite tem certa similaridades com o procedimento das atuais modalidades licitatórias, que não é o enfoque do presente, já no CAPÍTULO II – DAS CLÁUSULAS GERAES DAS ARREMATAÇÕES, estabeleceu determinações quanto à contratação do particular pela Administração Pública. Assim, no primeiro artigo do capítulo, qual seja, o artigo 10, dispõe que os arrematantes se obrigam às cláusulas gerais do capítulo e passa a descrever sobre as tais cláusulas gerais, abordando: 1. a caução (artigo 11) e a fiança (artigo 12); 2. que os documentos anexos aos contratos são parte integrantes deste e que o arrematante tem direito à cópia dos documentos que assinar (artigo 13); 3. que não poderá haver subdelegação da execução do contrato sem autorização prévia do Governo, cuja inobservância da disposição enseja rescisão contratual (artigo 14); 4. que durante a execução pode ser conveniente alterações e modificações aos projetos primitivos e que elas devem ser executadas pelos arrematantes e que, o aumento ou diminuição do trabalho, acarreta também respectiva variação no contrato, esta, caso superior a um quinto, enseja ao arrematante, direito de rescisão do contrato (artigo 18); 5. caso, observados vícios ou defeitos das obras, o arrematante se recusar ou contestá-los, o assunto é levado à tutela jurisdicional (artigo 21); 6. que o pagamento será realizado conforme fixado no contrato (artigo 28), mas que o arrematante não tem direito a qualquer indenização pela demora do pagamento (artigo 33), bem como não tem direito à indenização por perdas, nem mesmo por força maior (artigo 31); 7. que é lícita a ocorrência da cessação ou suspensão do trabalho pelo Governo (artigo 34), mesmo sem culpa do arrematante, e que, neste caso, terá direito à indenização pelas despesas realizadas (artigo 35) e, por fim; 8. que as dúvidas quanto as cláusulas gerais e especiais do contrato, que demandem brevidade em serem dirimidas, devem ser solucionadas pelo Ministério (artigo 38). Diante das exposições, se constata que o citado Decreto tratou de algumas questões referentes à execução contratual, várias delas demonstrando as prerrogativas do Governo em detrimento do particular, umas não mais tuteladas pela legislação vigente e outras ainda dispostas, entretanto que, o que mais interessa, o procedimento da execução do contrato era observado como uma decorrência do processo de arrematação, prévio àquele e enfoque primordial da legislação, tanto que a normativa jurídica, ao designar o particular, em momento algum o denomina contratante, mas sempre arrematante, demonstrando assim, pela própria designação dele, que o objeto da disposição legal era o procedimento prévio à contratação pela Administração e não essa, enquanto ato final, que dirá a apreciação da modalidade contrato administrativo. O que parece é que nesta época o legislador nem mesmo cogitava a idéia de estabelecer critério legal específico à contratação pela Administração, desvinculada das normativas quanto ao procedimento prévio e tão menos em avançar, estabelecendo disposições específicas ao contrato administrativo. 2.1.2 Evolução no século XX até o ano de 1986. No início do século XX, constata-se efetivamente a influência da doutrina francesa quanto a matéria contrato administrativo no direito pátrio, sendo uma categoria de contrato, submetido a regras de um regime administrativo especial, introduzido no Brasil a partir do estudo sobre contratos de concessões de serviços públicos. Mas mesmo assim, não ocorreram significativas novidades quanto à abordagem legislativa do tema, já que o contrato administrativo não era enfoque de legislação formal, havendo, somente disposições esparsas em diversas legislações vigentes à época. As tais normas eram: Leis nº 2.221, de 30 de dezembro de 1909, nº 3.232, de 05 de janeiro de 1917, nº 3.454, de 06 de janeiro de 1918 e nº 3.991, de 05 de janeiro de 1920, que ao 168 Novos Rumos para a Gestão Pública determinarem regras orçamentárias e de despesas e dispor sobre certa espécie de concorrência precedente à contratação, a esta fazia menção superficialmente. Todavia, em 1922 se destaca o Decreto nº 4536, de 28 de janeiro, como legislação demarcatória da apreciação legal da matéria, denominado Código de Contabilidade da União, que já previa em seu capítulo IV, intitulado “Da Despesa Pública”, artigos pertinentes, como não poderia ser diferente, ao procedimento prévio, denominado concorrência pública e, logo em seguida, aos contratos firmados pela União, iniciando-se as disposições específicas no artigo 54, que dispunha sobre requisitos de validade do contrato, passando pelos artigos 55 e 57, que determinavam que os contratos firmados pela União deveriam ser submetidos à fiscalização do Tribunal de Contas da União - TCU pelo artigo 56, que estabelecia sobre a necessidade de caução em todos os contratos. Desta forma, tem-se que, mesmo sendo regras referentes ao gênero, contratos firmados pela Administração, também são aplicáveis à espécie, contrato administrativo. Isto fica mais claro com o advento do Decreto nº 15.783, de 08 de novembro de 1922, por meio do qual foi aprovado o regulamento para a execução do Código de Contabilidade Pública e, em seu título VII, tratou das normas administrativas que deveriam preceder ao empenho das despesas, dispondo especificamente no capítulo II deste, sobre os Contratos. Em continuidade à sistematização vigente sobre as disposições legais quanto à matéria, primordialmente tratou no capítulo I do procedimento prévio, intitulado “DAS CONCURRENCIAS” e, em seguida, no capítulo II, designando “DOS CONTRACTOS”, tratou de estabelecer mais minuciosamente, disposições legais sobre os contratos. O Capítulo em tela abarcou os artigos 764 a 802 se subdividiu em quatro seções, a seção I que estabeleceu normas gerais, a II, que expôs sobre “Estipulação dos contractos”, a III, que tratou da “Approvação dos contractos” e, finalmente, a IV, que determinou normas sobre a “Execução dos contractos”. Cita-se neste enredo, aos artigos dispostos em cada uma das seções que são mais importantes à presente abordagem. Na seção I, intitulada “Normas Geraes” tem-se o primeiro artigo, qual seja, 764 que determina: “São providos mediante contracto todos os fornecimentos, transportes, acquisições, alienações, aluguéis ou serviços relativos aos diversos departamentos da administração pública.” Aqui se observa que a legislação abarca tudo que pode ser objeto de contratação pela Administração, mas não distingue qual objeto seria satisfeito mediante contrato privado ou administrativo, firmado pela Administração. Em seguida, no artigo 766, estabelece que os contratos administrativos, quanto ao acordo de vontade e ao objeto, seriam regulados por normas de direito civil e quanto à sua estipulação, aprovação e execução, por normas administrativas, dispostas no presente capítulo. Admite então, a derrogação do regime de direito comum, por normas do regime especial de direito público, quanto à estipulação, aprovação e execução, aparecendo, portanto, pela primeira vez, formalmente e em um âmbito geral, (pois aplicada a todos os órgãos da União), a idéia do regime especial de direito público que regem os contratos da Administração. Já no artigo 767, alíneas “a” a “i” estabelece os requisitos de validade dos contratos, dos quais destaca-se de “a” a “e”, pois, respectivamente, tratam da competência (autoridade administrativa competente), da finalidade (serviço a que se vincula o objeto), da vinculação legal (a lei que permite que o contrato seja firmado para a execução de um determinado objeto), do objeto (descrição minuciosa daquilo que foi contratado) e da vinculação do contrato ao procedimento prévio realizado. No artigo 769 desta mesma seção, regulamenta a submissão do instrumento à análise do Tribunal de Contas da União, já tratado no Código de Contabilidade da União, mas neste enfoque, também quando prorrogado, suspenso ou rescindo o contrato. Ratifica a necessidade de caução no artigo 770 e no último dispositivo da seção, artigo 772, prevê a possibilidade de a União firmar outros ajustes ou acordo, o que seria então, um primeiro precedente ao disposto no artigo 116 da Lei nº 8.666/93. Na seção II, que trata, na realidade, do procedimento de formação dos contratos, do artigo 773 a 783, destaca-se o artigo 775, onde são elencadas, nas alíneas “a” a “f”, as ditas cláusulas essenciais, cuja ausência acarreta a nulidade contratual e que, como se pode perceber, correspondem aos requisitos de validade dos contratos, como referentes ao objeto ( alínea “a”), à lei que o autoriza (alínea “c”), dentre outras que estabelecem diretamente questões pertinentes às obrigações contratuais das partes (alínea “b”), a garantias como caução e cláusula penal (alínea “d”), à previsão do Foro competente (alínea “e”) e à necessidade de registro no Tribunal de Contas da União (“f”). E ressalta em seu parágrafo que as demais cláusulas são acessórias. 169 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 E, registra-se também o artigo 777 que estabelece que o prazo contratual está adstrito ao prazo de 05 (cinco) anos, lapso temporal este que se observa nas disposições da Lei nº 8.666/93 quanto aos contratos de execução continuada. Na seção III, ressalta-se que, após descrever, dos artigos 784 a 793, todo o trâmite necessário para que o contrato seja aprovado, finaliza o dispositivo por meio do artigo 794, estabelecendo que o contrato que estiver em concordância com as normas expostas e, registrado no Tribunal de Contas da União – TCU tem força de título, para os fins legais e estão sujeitos às leis que regem os atos públicos. Por fim, na seção IV, concernente à execução contratual, iniciada pelo artigo 795 e finalizada no artigo 802, cita-se o artigo 798 que prevê possibilidade de rescisão contratual, unilateralmente, pela Administração, mediante indenização do particular, mas mediante aprovação do Congresso Nacional, o artigo 799, que estabelece sobre a possibilidade da rescisão administrativa do instrumento, sem necessidade de interpelação judiciária e, o artigo 802, que dispõe que a tutela jurisdicional se aplica nos casos em que o particular reclame em face da Administração. Em análise contínua da legislação vigente à época, observa-se que, em 25 de fevereiro de 1967, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 200, que dispôs sobre a organização da Administração Federal e, como não podia ser diferente, não fugiu à sistemática de tratar expressamente dos procedimentos prévios à contratação e apenas, subsidiária, implícita e superficialmente, desta. Desta forma, dispôs especificamente, no seu Título XII, designado “DAS NORMAS RELATIVAS A LICITAÇÃO PARA COMPRAS, OBRAS, SERVIÇOS E ALIENAÇÕES”, sobre o procedimento licitatório, fazendo referência ao contrato no âmbito destas disposições, mas estes sempre por estar vinculado àquele, como mera decorrência do processo prévio sob enfoque. Registre-se que no título XIV, capítulo V, que tratam de normas gerais sobre matérias diversas, dispôs no artigo 166 que poderia haver exploração de interurbanos, diretamente pela Empresa Brasileira de Telecomunicações ou, indiretamente, mediante celebração contrato (portanto, modalidade de concessão de serviço público) por convênio ou delegação. Mas, observa-se que nada dispôs especificamente sobre contratação pela Administração e muito menos sobre contrato administrativo. A norma legal em questão, não trouxe assim, nenhum desenvolvimento no âmbito legislativo, quanto ao tema. Desta forma, a matéria contrato administrativo permaneceu sob o enfoque do Código de Contabilidade da União, de 1922 que, como visto, dispunha de forma superficial (e não específica) sobre a matéria, o que, segundo Hely Lopes MEIRELLES (p.179, 1987) propiciou, por vezes, equivocada interpretação doutrinária sobre os contratos administrativos à época, ensejando também, por outro lado, impasse na jurisprudência pátria. Assim, a alteração substancial e profunda do quadro em questão quanto ao contrato administrativo vem a ocorrer em 1983, apenas seis décadas após a promulgação do Código de Contabilidade da União, com o advento do Decreto-Lei nº 2.300. 2.2 Evolução legislativa dos contratos administrativos nos Brasil após a promulgação do Decreto-Lei nº 2.300/86 e antes da Constituição Federal. Em 1986 chega-se ao ápice do tratamento legislativo quanto à matéria, com o advento da publicação do Decreto-Lei nº 2.300, em 21 de novembro de 1986, que dispôs sobre licitações e contratos da Administração Federal configurando a primeira legislação brasileira que especificamente tratou de contratos da Administração em legislação própria à matéria. Antes de adentrar especificamente às modificações trazidas à baila pela normativa jurídica, informa-se que seus dispositivos revogaram diversas normativas, especialmente quanto aos procedimentos licitatórios, tais como o Decreto nº 185, de 23 de fevereiro de 1967, que estabelecia normas para a contratação de obras e para a revisão de preços em contratos de obras ou serviços a cargo do governo federal, a Lei nº 5.456, de 20 de junho de 1968, que dispunha sobre a aplicação aos Estados e Municípios das Normas Relativas às Licitações Previstas no Decreto Lei nº 200, de 1967, e algumas disposições deste, que preconiza sobre a organização da Administração Federal e estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Ainda, revogou a Lei nº 5.721, de 26 de outubro de 1971, que determinava normas relativas às licitações e alienações de bens do Distrito Federal e a Lei nº 6.946, de 17 de setembro de 1981, que atualizava os limites de valor aplicáveis às diferentes modalidades de licitações, simplificava a organização de cadastros de licitantes e dava outras providências. 170 Novos Rumos para a Gestão Pública A normativa em questão, marco inicial da evolução legislativa quanto à matéria específica, estabeleceu já em seu primeiro artigo:“Art 1º. Este decreto-lei institui o estatuto jurídico das licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras e alienações, no âmbito da Administração Federal centralizada e autárquica”. Assim, foi a primeira normativa que abordou a matéria, em enfoque direto, uma análise específica, autônoma e independente das disposições sobre procedimentos prévios e neste enredo, revolucionou o tratamento da matéria trazendo expressos em seu Capítulo III dispositivos específicos à regulação exclusiva aos contratos firmados pela Administração. E, em que pese ter sofrido alterações trazidas pelo Decreto nº 2.348, de 1987, não foi substancialmente modificado, apenas melhorado. O capítulo, subdivido em cinco seções, abarcou as mais diversas determinações sobre a matéria, incluindo não apenas aquelas já anteriormente dispostas nas legislações não específicas, como outras nunca antes expostas. Inicialmente, na seção I, trouxe as “Disposições Preliminares”, na seção II tratou da “Formalização dos Contratos”, na III, “Da Alteração dos Contratos”, na IV, “Da Execução dos Contratos”, na V, “Da Inexecução e da Rescisão dos Contratos”. Neste capítulo, é possível observar que lei recepcionou várias teses e entendimentos defendidos pela doutrina e jurisprudência até então, especialmente quanto ao regime jurídico especial de direito público, que rege o contrato administrativo. Tendo em vista a enorme gama de dispositivos legais expressos no corpo do texto legal, traz-se à baila apenas os principias. Assim, já na primeira seção, que abarca do artigo 44 a 49, tem-se em seu primeiro artigo, 44, a novidade substancial do tratamento da matéria, da qual decorrerá, direta ou indiretamente, todas as demais disposições legislativas, verbis: “Art.44. Os contratos administrativos de que trata este Decreto-lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, disposições de direito privado”. Desta forma, pela primeira vez, além de se notar a expressão “contrato administrativo” especificamente, em uma norma legal, ela, expressamente dispõe o que já estava assente na doutrina e jurisprudência, de que os contratos administrativos submetem-se ao regime de direito público e apenas, supletivamente, ao privado. Assim, por critério legal, reconhece-se o regime jurídico especial de direito público que regulamenta os contratos administrativos. O seu artigo 45 estabelece as cláusulas necessárias ao contrato, das alíneas I a X, abrangendo não só aquelas anteriormente tratadas Código de Contabilidade da União, como outras já dispostas na formalização do contrato, mas não amparadas como cláusulas necessárias. São elas: I – objeto, II – regime de execução, III- preço, condições de pagamento e critérios de reajuste, IV- os prazos, V – a indicação dos recursos financeiros, VI – as garantias à execução, VII- as responsabilidades das partes, bem como multa e penalidade pela inadimplência, VIII- os casos de rescisão, IX- os direitos da Administração quando da rescisão administrativa e X- as condições de importação quando for o caso. Ainda, no parágrafo único, estabeleceu o foro do Distrito Federal como competente a julgar quaisquer questões referentes a contratos firmados pela União e suas autarquias com entidades domiciliadas no exterior. No artigo 46 submete a exigência de garantia à discricionariedade da autoridade competente e desce a minúcias várias quanto à sua estipulação, bem como às espécies de garantias: caução em dinheiro, fiança bancária e seguro garantia. No artigo 47 ratifica o entendimento anteriormente disposto de que a duração dos contratos está vinculada à vigência dos créditos e aqueles relativos ao orçamento plurianual, adstritos a cinco anos, prorrogados mediante interesse da Administração. O parágrafo primeiro já afirma como prerrogativa da Administração, a possibilidade de prorrogação dos prazos contratuais, a critério exclusivo seu, mediante a ocorrência de fatos como a alteração do projeto inicial, fato superveniente, excepcional e imprevisível, alheio à vontade das partes, mas que enseja alteração das condições da execução do contrato, a interrupção ou desaceleração da execução, por ordem da Administração, impedimento da execução do contrato, por ato ou fato de terceiro e, impedimento ou retardamento na execução devido a omissão ou atraso pela Administração. Pelo artigo 48, direta e claramente, expressa que o regime jurídico público a que os contratos administrativos estão submetidos, conferem à Administração prerrogativas, sendo, portanto, um regime especial, diferente do regime de direito comum. Tais prerrogativas da Administração viriam a ser intituladas cláusulas exorbitantes, presentes no regime de direito público e derrogatórias de direitos abarcados pelo direito privado. 171 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 São elas, segundo o artigo 48 do Decreto-Lei, I – modificação unilateral dos contratos pela Administração, para melhor adequação ao interesse público, II- extinção unilateral nos casos previstos no próprio Decreto; III- fiscalização da execução do contrato, IV- aplicação de sanções devido à inexecução contratual, seja parcial ou total. Já no derradeiro artigo da seção, o 49, abarca a questão da nulidade do contrato, o que não impede que a Administração indenize o particular pelo gasto já realizado, quando este não é culpado da nulidade. Na seção II, que engloba as normativas sobre, especificamente, a formalização dos contratos, iniciando-se no artigo 50 e finalizando no artigo 54, dispõe: no artigo 50, do lugar da formalização como sendo a repartição pública e da invalidade do contrato verbal, no artigo 51 do que deve ser mencionado no preâmbulo contratual e da necessidade de publicação de seu extrato no Diário Oficial da União, no artigo 52 deixa claro que as disposições quanto às clausulas necessárias, prerrogativas da Administração e necessidade de indenização do particular nos casos de nulidade do contrato sem sua culpa são aplicadas aos contratos de seguro, financiamento e locação, sendo o Estado locatário, mesmo sendo estes, regidos, substancialmente por normas de direito privado. Por meio da seção III, ficam estabelecidas as normas pertinentes à alteração contratual, todas expressas no único artigo da seção, o artigo 55, que determina no inciso I, alíneas “a” e “b”, quando há a alteração unilateral pela Administração (melhor adequação do projeto aos objetivos e modificação do valor contratual conforme a alteração quantitativa do objeto, respectivamente) e no inciso II, alíneas “a” a “d”, por acordo entre as partes, registrando-se a última, quando há a necessidade de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. Ainda, preleciona do parágrafo primeiro que o contratante é obrigado a aceitar, nas mesmas condições, os acréscimos ou supressões que a Administração fizer ao contrato, seja de 25% ou 50%, conforme o caso. Sendo esta também uma prerrogativa da Administração em detrimento do particular. Por outro lado, na seção IV dispõe sobre normas específicas à execução contratual. Iniciase no artigo 56 e se finda no artigo 66, ressaltando no artigo 56 a obrigação das partes de executarem fielmente o contrato, no 57, o direito-dever da Administração designar um representante como fiscal da execução contratual e, no artigo final, 66, que a Administração tem o direito de rejeitar o produto da execução do contrato, quando em desalinho com o disposto no instrumento contratual. Por fim, na seção V, concernente à inexecução e rescisão contratual, iniciada pelo dispositivo 67 e finda no artigo 70, constata-se que já no primeiro artigo (67) dispõe sobre a possibilidade de rescisão do contrato, ensejada pela sua inexecução total ou parcial. No artigo seguinte, o 68, dentre os mais diversos motivos que ensejam a rescisão, além daqueles decorrentes da inadimplência por parte do particular ( I a X e XII) tem-se também os alheios a vontade das partes (XVIII), os provenientes das ações da Administração (XIV a XVII), e ainda, das suas prerrogativas, como é o caso do inciso XI, que leva em conta a discricionariedade da Administração em rescindir o contrato, devido à modificação da finalidade ou estrutura da empresa contratada e do inciso XIII, que estabelece a possibilidade de rescisão por “razões de interesse público”. Ainda, registre-se que o capítulo imediatamente posterior a este (III – Dos Contratos) também pertine aos contratos, pois enfoca certas conseqüências advindas da inexecução total ou parcial ou ainda, má execução dos contratos, é o capítulo IV- Das Penalidades. Enfim, no Capítulo VI – Disposições Finais e Transitórias, ressalta-se as disposições referentes aos contratos: no artigo 79, sobre sua fiscalização pelo Tribunal de Contas da União, no artigo 82, quanto à previsão dos demais “acordos” e no artigo 86, por meio do qual está expressamente regulamentada a especificidade quanto à aplicação das regras às sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas pela União. Ressalta-se, por outro lado, que as disposições deste Decreto-Lei foram regulamentadas pelo Decreto nº 30, de 7 de fevereiro de 1991, que no artigo 10 especificou o assunto pertinente à rescisão contratual deste instrumento, quando tivesse por objeto a prestação de serviço público. A partir de então, há no direito administrativo pátrio uma legislação formal que sistematizou a matéria de contrato administrativo, contribuindo, em um passo verdadeiramente histórico, marco na evolução legislativa administrativa, para a evolução das elucidações sobre contrato administrativo no Brasil. Isto porque tanto a doutrina administrativista como a jurisprudência pátrias passaram a utilizar o critério legislativo para embasar suas interpretações e uniformizar seus respectivos 172 Novos Rumos para a Gestão Pública entendimentos sobre a matéria, o que contribuiu, em última análise, significativamente, para o desenvolvimento do contrato administrativo no Brasil. Assim, o Decreto-lei nº 2.300/86, foi a primeira norma legal que sistematizou a matéria de contrato administrativo e que, em um passo verdadeiramente histórico, marcou a sua tratativa legal retirando sua análise da “sombra” da apreciação dos procedimentos prévios. Foi assim que o Decreto-lei em voga contribuiu para que o instituto em exame fosse apreciado de forma independente e autônoma, tendo, portanto, a tratativa merecida em legislação específica, de acordo com sua importância dentro do arcabouço do direito administrativo. 2.3 Evolução legislativa dos contratos administrativos nos Brasil após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 até 1993. A novidade neste período é que a Carta Magna de 1988 trouxe em alguns dispositivos, determinações, a respeitos de certos tipos de contratos administrativos. No “título III - DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA”, “Capítulo I – DA UNIÃO”, dispõe no artigo 21, incisos XII e XIII, alínea “b”, como competência material da União, a exploração direta, ou mediante autorização, concessão ou permissão, de certos recursos ou serviços. Desta forma, expressamente previu a possibilidade de a União firmar contratos administrativos com particulares, a fim de viabilizar certas atividades estatais, como instalações nucleares. Outra novidade significativa trazida à baila pela Carta Maior de 1988 é o artigo 22, inciso XXVII, por meio do qual delimita, claramente, como competência privativa da União, legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos. A matéria relativa a contrato era, até então, objeto de competência privativa de cada ente político, de forma que, a partir da Carta Magna de 1988, fica estabelecido que a União é competente para legislar sobre normas gerais e que aos Estados, Distrito Federal e Municípios, compete estabelecer as normas suplementares. Já no Capítulo VII deste mesmo título, ao tratar da Administração Pública, estabelece no artigo 37, inciso XXI, como normativa constitucional, a determinação de prévia licitação às contratações públicas quanto a obras, serviços, compras e alienações, realizadas nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, seja de administração indireta ou direita. Por fim, no seu “Titulo VII – DA ORDEM ECONOMICA E FINANCEIRA”, “Capítulo I – DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONOMICA”, preleciona no art. 173, parágrafo 1º combinado com o inciso III, que o estatuto jurídico, proveniente de lei, referente às empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, deve prever normas de licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública. E, ainda, no artigo 175 determina, expressamente, sobre a possibilidade de a Administração prestar serviço público por meio de concessão. Assim, pode-se perceber que a Carta Magna recepcionou o já disposto no Decreto-Lei nº 2.300/86, mas trouxe ao âmbito constitucional as normas específicas aos contratos administrativos, apenas estabelece alguns dispositivos referentes à possibilidade de os entes federados firmarem contratos administrativos, especialmente na modalidade concessão e determina, expressamente, a necessidade de licitação prévia à celebração contratual entre as entidades e órgãos dos entes de federados e os particulares. Mas, ao estabelecer o Estado Democrático de Direito e prever que a Administração Pública, no âmbito desta nova forma de Estado, deve obedecer a princípios como o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dentre outros, tornou imperiosa a elaboração de uma norma legal específica que adequasse a matéria ao novo amparo constitucional. Diante desta premente necessidade, em 21 de junho de 1993 foi promulgada a Lei nº 8.666, por meio da qual foram dispostos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais já assentes quanto ao contrato administrativo, bem como recepcionados, dispositivos já expressos no Decreto-Lei nº 2.300/86, agora, de forma adequada às disposições ao Estado Democrático de Direito, estatuído pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. E, embora seja de notório saber que a legislação citada, ora em vigor, apresenta falhas, não há como negar que é marco do tratamento legal sobre a matéria, no âmbito do Estado Democrático de Direito e que, ao recepcionar diversas disposições do Decreto-lei nº 2.300/86, apenas adequando-as ao novo Estado, como se pode perceber pela similaridade das 173 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 determinações no corpo de ambos instrumentos legais, ratificou o fato de que realmente foi o Decreto-lei ora citado. 3 CONCLUSÃO. Diante do presente estudo, constata-se, primeiramente que no Brasil – Império do século XIX, embora houvesse ação administrativa de contratar, não existia legislação específica em um âmbito geral e que pudemos apenas extrair da legislação esparsa desta época o Decreto nº 2.926, de 14 de maio de 1892, que aprovou o regulamento para as arrematações dos serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e mesmo que subsidiariamente ao procedimento de arrematação, dispôs sobre a execução do contrato, no seu capítulo II. A citada normativa traduz que, realmente, nesta época, a legislação quanto aos contratos se desenvolvia à sombra dos procedimentos prévios. Isto porque, ela trouxe em seu corpo normativo, normas que, mesmo intituladas cláusulas gerais da arrematação eram, na realidade, concernentes à formalização e execução do contrato. Por outro lado, mesmo que as normas sobre contrato tenham sido tratadas subsidiariamente às regras de procedimento licitatório, elas se faziam presentes na legislação, mesmo que esta não fosse geral a todos os órgãos da União, mas relativa a apenas um. Já no Século XX, constatam-se legislações esparsas que, ao tratar de outras matérias, como orçamentos e despesas, ou ainda, espécie de concorrência precedente à contratação, referiam-se implicitamente à contratação pela Administração, especialmente no que atine à concessão, mas não se ocupavam especificamente da matéria contratos. Assim, o tratamento deste continuava vinculado e subsidiário ao disposto aos procedimentos prévios. Mas em 1922, o cenário se alterou, uma vez que o Decreto nº 4.536, de 28 de janeiro de 1922, denominado Código de Contabilidade da União, dispôs, neste âmbito, um capítulo específico a Contratos, inserindo, no bojo deste, diversas normativas. Pela primeira vez, os contratos foram observados especificamente e fora do âmbito das normas quanto aos procedimentos prévios, em análise mais substancial, em regras explícitas e não mais implícitas no arcabouço de outras. A alteração aqui é significativa, mas ainda não se chegou ao ápice, uma vez que, embora a citada normativa tenha ampliado as regras quanto à matéria, de maneira uniforme, para todos os órgãos da União, tais dispositivos legais ainda estavam inseridos, subsidiariamente, em um âmbito amplo e diverso, pertinente à regulação da contabilidade e não em uma legislação específica a contratos. Mas mesmo assim, não há como negar que o citado Decreto trouxe a novidade de tratar os contratos, de modo uniforme, no âmbito União, ampliando o tratamento, bem como, neste âmbito, tecer a matéria a minúcias, pela primeira vez. E isto, traduz uma evolução quanto à ampliação e aprofundamento do tema, mesmo que a abordagem não seja por uma legislação exclusivamente específica a contratos. Nesse ensejo, até quase final do século XX, o contrato administrativo não tinha sido sistematizado no Brasil, em legislação específica, pois apenas o Decreto nº 4.536, de 28 de janeiro de 1922, denominado Código de Contabilidade da União, era a única legislação a estabelecer, no âmbito de um arcabouço maior, normas jurídicas, mesmo que em linhas gerais, sobre contrato administrativo, de forma que esta situação se alterou apenas com a promulgação do Decreto-Lei nº 2.300, de 1986, já que, como visto, nem o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que reestruturou a organização administrativa federal, trouxe inovação expressa quanto à matéria que, consequentemente, continuou regulada pelos dispositivos do Código de Contabilidade. Somente no final da década de 80, com o advento do Decreto nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, legislação brasileira que, pioneiramente, dispõe sobre o contrato administrativo como um instrumento autônomo e independente dos procedimentos licitatórios, é que se sistematizou, em norma específica, a regulamentação quanto ao contrato administrativo. O Decreto-lei, além de ter sido a primeira legislação específica a cuidar exclusivamente do assunto, em âmbito próprio, detalhando e aprofundando as disposições sobre o tema, sendo o ápice do tratamento legislativo quanto ao assunto, também provocou uniformização na interpretação doutrinária e também ratificou várias questões já assentadas na jurisprudência. Portanto, é marco teórico no estudo da evolução do contrato administrativo, pois além de retirar, definitivamente, as normas referentes a contrato administrativo da sombra das regras de procedimentos licitatórios, figura como o primeiro critério legislativo a embasar as elucidações da doutrina e jurisprudência. 174 Novos Rumos para a Gestão Pública Ainda, pode-se perceber que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, se por um lado estabelece alguns dispositivos referentes aos contratos administrativos, especialmente na modalidade concessão, mas não aprofunda na matéria, por outro, ao firmar o Estado Democrático de Direito e prever que a Administração Pública, no âmbito desta nova forma de Estado, está submetida a certos princípios constitucionais e balizas democráticas de direito, tornou imprescindível a elaboração de uma norma legal específica, que adequasse a matéria ao novo amparo constitucional. Assim, o que se pode concluir é que a mais importante alteração no que se refere ao tratamento constitucional dado à matéria é que restou demonstrada a necessidade de que houvesse nova regulamentação da matéria, por lei ordinária, conforme previsão constitucional e que estivesse em estreita consonância com os preceitos constitucionais dispostos na Carta Magna de 1988. Diante desta necessidade, foi promulgada a Lei nº 8.666/93, por meio da qual foram dispostos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais já assentes quanto ao contrato administrativo, bem como recepcionados, dispositivos já expressos no Decreto-Lei nº 2.300/86, como, se ressalte, quanto ao regime jurídico especial de direito público que regulamenta os contratos administrativos, e às prerrogativas da administração, hoje conhecidas como cláusulas exorbitantes. E, embora seja de notório saber que a legislação citada, ora em vigor, apresenta falhas, não há como negar que é marco do tratamento legal sobre a matéria, no âmbito do Estado Democrático de Direito e que, ao recepcionar diversas disposições do Decreto-lei nº 2.300/86, apenas adequando-as ao novo Estado, (como se pode perceber pela similaridade das determinações no corpo de ambos instrumentos legais), ratificou o fato de que, realmente, foi o Decreto-lei ora citado, que alterou o cenário da tratativa legislativa quanto à matéria, significando o primeiro critério legal a embasar, substancialmente as disposições doutrinárias e jurisprudenciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL,Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, Brasília, 2010. BRASIL, Decreto nº 4536, de 28 de janeiro de 1922, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL, Decreto nº 2.926, de 14 de maio de 1892. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL,Decreto nº 15.783, de 08 de novembro de 1922 Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL,Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL,Decreto-Lei nº 2.300, em 21 de novembro de 1986, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL, Lei nº 2.221, de 30 de dezembro de 1909, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL, Lei nº 3.232, de 05 de janeiro de 1917, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL, Lei nº 3.454, de 06 de janeiro de 1918, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. BRASIL, Lei nº 3.991, de 05 de janeiro de 1920, Disponível em: http://www.planalto.gov.br. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias. Teoria do contrato administrativo, Tese de LivreDocência, USP, 2010. 175 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O ACESSO AO DIREITO SOCIAL À MORADIA NAS METRÓPOLES: a periferização da oferta de habitação da Região Metropolitana de Belo Horizonte Natália Cardoso MARRA RESUMO O direito à moradia é um direito social e fundamental, mas ainda deficiente, principalmente nas metrópoles. Sua efetivação depende de uma gestão urbana participativa, cooperativa e que realize políticas públicas habitacionais relacionadas com todas as demandas necessárias para uma moradia de qualidade, como saneamento básico, segurança, transporte e outras. As legislações urbanas tendem a expulsar as classes baixas da sociedade para as periferias, como forma de higienizar os grandes centros. Ocorre a segregação do acesso a terra urbanizada e bem localizada, proporcionando ainda mais o surgimento de zonas urbanisticamente irregulares. As normas civis tradicionalmente opõem o direito à posse ao direito à propriedade, por isso, o poder público historicamente cria programas habitacionais que relacionam moradia com o exercício da propriedade. A Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Cidade dispõem sobre instrumentos capazes de permitir a efetividade da função social da propriedade e a segurança da posse. A partir desses novos instrumentos, é possível promover novos meios de concretização do direito à moradia. Os altos índices de déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras correspondem ao intenso processo de crescimento das mesmas. Na atualidade é comum o surgimento de conglomerados urbanos nos quais os limites municipais se tornaram indefinidos. As cidades passaram a coexistir de forma integrada, de modo que a população de diversos municípios próximos passou a interagir no território de mais de uma administração municipal. Essa interação fez com que surgissem problemas em uma localidade derivados de situações regionais. O crescimento das áreas metropolitanas foi além do aumento populacional, houve intensificação dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Dessa maneira, se tornou necessária uma gestão metropolitana. A urbanização desordenada que atinge as grandes metrópoles brasileiras e a exclusão social são responsáveis por uma gama de problemas enfrentados diariamente pela administração pública e de difícil solução individual por cada município. Ocorre que a simples criação de regiões metropolitanas não resolve os problemas originados a partir do crescimento das cidades, são necessários institutos e normas que regularizem a atuação e a competência dessas instâncias da administração pública. Mais importante ainda é a necessária cooperação entre as esferas do poder público, o setor privado e a sociedade. O desenvolvimento local depende de formas coletivizadas de gestão. Nas regiões metropolitanas a expansão da periferia e o abandono da mesma agravam a segregação sócio-espacial e inviabilizam a garantia da dignidade da pessoa humana. Esse trabalho, a partir da análise de dados demográficos e de políticas públicas, visa demonstrar que apenas uma administração intermunicipal, participativa e intersetorial é capaz de trabalhar todos os requisitos necessários para uma moradia de qualidade na periferia das cidades que são pólo regional. O caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi o escolhido para ser tratado nesse estudo devido à capital mineira ter sido planejada ainda assim apresentar intenso crescimento desordenado e altos índices de déficit habitacional. Palavras-chave: moradia – região metropolitana – periferia – direito social 1 Introdução Os altos índices de déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras correspondem ao intenso processo de crescimento das mesmas. Na atualidade é comum o surgimento de conglomerados urbanos nos quais os limites municipais se tornaram indefinidos. As cidades passaram a coexistir de forma integrada, de modo que a população de diversos municípios próximos passou a interagir no território de mais de uma administração municipal. Essa interação fez com que surgissem problemas em uma localidade derivados de situações regionais. O crescimento das áreas metropolitanas foi além do aumento populacional, houve intensificação dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Dessa maneira, se tornou necessária uma gestão metropolitana. Em 1973 foram criadas oito regiões metropolitanas no país, sendo uma delas a de Belo Horizonte. Essas regiões foram institucionalizadas com a função de solucionar problemas derivados da ausência de uma gestão regional. Basicamente, as regiões metropolitanas da década de 70 tinham como contexto a prestação de serviços comuns e a função dessas evoluiu quando foram 176 Novos Rumos para a Gestão Pública regulamentadas pela Constituição de 1988 e outras normas estaduais, federais e municipais (TEIXEIRA, 2008). As regiões metropolitanas dependem da cooperação interinstitucional para serem implantadas de forma efetiva. Essa cooperação deriva de um sistema federativo também cooperativo (ABRUCIO, 2006). A divisão de competências e recursos no contexto do pacto federativo brasileiro não deveria ser um fator impeditivo da cooperação, mas na prática esse fato acontece. O sistema federativo brasileiro é competitivo, a cooperação não é estimulada e as desigualdades regionais apenas tendem a estimular a competição (ABRUCIO, 2006). Os entes federativos são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Na atualidade vem sendo discutida a existência de uma quarta instância, a regional, derivada da interligação e da interdependência que predominam hoje em algumas áreas de alto adensamento urbano, conurbadas ou não. A urbanização desordenada que atinge as grandes metrópoles brasileiras e a exclusão social são responsáveis por uma gama de problemas enfrentados diariamente pela administração pública e de difícil solução individual por cada município. Ocorre que a simples criação de regiões metropolitanas não resolve os problemas originados a partir do crescimento das cidades, são necessários institutos e normas que regularizem a atuação e a competência dessas instâncias da administração pública. Mais importante ainda é a necessária cooperação entre as esferas do poder público, o setor privado e a sociedade. O desenvolvimento local depende de formas coletivizadas de gestão (FISCHER, 2002). Segundo Marcelo Lopes de Souza (2008, p. 73): Quando se trata de formular políticas públicas e estratégias de mudança social, torna-se imprescindível mobilizar os conhecimentos aportados pelas várias ciências sociais, inclusive a temática do desenvolvimento em escalas supralocais. A falta de uma gestão metropolitana intersetorializada e interdicisplinar inviabilizam o sucesso das políticas públicas de acesso a habitação, pois não trabalham a fragilidade e a dinamicidade do meio urbano, degradado e desestruturado. O direito à moradia é essencial para a dignidade humana e para a concretização de todos os direitos sociais previstos constitucionalmente. Os gestores metropolitanos precisam estar atentos ao crescimento da periferia da cidade pólo e das demais que formam as regiões metropolitanas. É na periferia que vão viver a maior parte das pessoas de baixa renda e que não são atendidas pelas políticas públicas de habitação. Esse trabalho, a partir da análise de dados demográficos e de políticas públicas, visa demonstrar que apenas uma administração intermunicipal é capaz de trabalhar todos os requisitos necessários (mobilidade, saneamento básico, saúde, segurança) para uma moradia de qualidade na periferia das cidades que são pólo regional. 2 Déficit habitacional e o direito fundamental e social à moradia O direito à moradia configura-se entre os direitos humanos e fundamentais, estando expressamente disposto no art. 6° da CR de 1988 e, atualmente, vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões jurídicas e sociais, em face do déficit habitacional das cidades, da irregularidade fundiária e da dificuldade de acesso a uma moradia digna para as parcelas mais pobres da sociedade. O direito à moradia foi pela primeira vez tratado como direito no art. XXV, 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstancias fora de seu controle. Posteriormente, a matéria foi tratada no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, que estabeleceu em seu artigo 11 que os Estados signatários reconhecem o direito de toda pessoa a ter um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive moradia adequada. A Constituição da República Federativa do Brasil recepcionou o direito à moradia como um direito social via a Emenda n° 26, de 14.02.2000, que alter ou a redação do artigo 6°, que elenca os direitos sociais. Assim, o legislador atento a situação caótica das cidades brasileiras, em especial ao alarmante déficit habitacional, conferiu caráter de direito fundamental social expresso ao direito à moradia. No entanto, é possível dizer que o direito à moradia já era previsto, porém de forma 177 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 implícita, como direito fundamental em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CF), uma vez que este reclama a s atisfação mínima das necessidades existenciais para uma vida digna. Todavia, a CR/88 não faz referência direta ao que seja uma moradia digna, que é o objeto do direito à moradia. Na ausência de posicionamento do constituinte, faz-se necessário recorrer às disposições contidas nos diversos tratados e documentos internacionais firmados pelo Brasil e incorporados ao direito interno. Assim, para a interpretação do direito à moradia, há que se levar em conta o mínimo indispensável para uma vida saudável e para o bem-estar. Segundo Ingo Wolfgan Sarlet (2003, p. 213 e 214) a Comissão da ONU para direitos econômicos sociais e culturais, buscando estabelecer padrões internacionais, identificou elementos básicos para atender ao direito à moradia: a) Segurança jurídica para a posse, independentemente de sua natureza e origem, incluindo um conjunto de garantias legais e judiciais contra despejos forçados; b) Disponibilidade de infra-estrutura básica para a garantia da saúde, segurança, conforto e nutrição dos titulares do direito (acesso à água potável, energia para o preparo da alimentação, iluminação, saneamento básico, etc.); c) As despesas com a manutenção da moradia não podem comprometer a satisfação de outras necessidades básicas; d) A moradia deve oferecer condições efetivas de habitação, notadamente assegurando a segurança física aos seus ocupantes; e) Acesso em condições razoáveis à moradia, especialmente para os portadores de deficiência; f) Localização que permita o acesso ao emprego, serviços de saúde, educação e outras serviços sociais essenciais; g) A moradia e o modo de sua construção devem respeitar e expressar a identidade e diversidade cultural da população. É inegável a vinculação entre o Princípio da Dignidade Humana - que é alicerce dos direitos fundamentais - e os direitos sociais, destacando-se entre estes o direito à moradia visto que não é possível haver dignidade de uma pessoa que não tem onde morar; ou não possui uma moradia em condições mínimas de se proteger das variáveis climáticas, sem direito à intimidade, à privacidade, à saúde, ao bem-estar físico, mental e social, educação, segurança. Portanto, é impossível enxergar a dignidade humana sem antes vislumbrar maior efetividade do direito à moradia. No Brasil, o déficit habitacional supera 6,6 milhões de unidades. Dois terços desse déficit está concentrado nas regiões urbanas e menos de 1/3 na zona rural. São inúmeros os movimentos que buscam a construção de casas populares para a população e a retirada de moradores de áreas de risco. O mencionado déficit é um problema nacional, que está presente em todo país, mas o estado brasileiro que mais sofre com o problema da falta de moradia é o de Pernambuco. Na região metropolitana de Belo Horizonte o déficit habitacional é de cerca de 152.623 mil domicílios e inversamente proporcional à renda mensal dos habitantes (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009). As legislações urbanas tendem a expulsar as classes baixas da sociedade para as periferias, como forma de higienizar os grandes centros. Ocorre a segregação do acesso a terra urbanizada e bem localizada, proporcionando ainda mais o surgimento de zonas urbanisticamente irregulares. As normas civis tradicionalmente opõem o direito à posse ao direito à propriedade, por isso, o poder público historicamente cria programas habitacionais que relacionam moradia com o exercício da propriedade. A Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Cidade dispõem sobre instrumentos capazes de permitir a efetividade da função social da propriedade e a segurança da posse. A partir desses novos instrumentos, é possível promover novos meios de concretização do direito à moradia. É condição para uma vida digna, viver em uma moradia adequada que deve possuir esgoto, água, iluminação, segurança e ser suficiente para os nela residentes (AGÊNCIA BRASIL, 2008). A Comissão das Nações Unidas para Assentamentos Humanos estima que somente nas áreas urbanas há 1,1 bilhão de pessoas vivendo em condições inadequadas de moradia (UN-HABITAT, 2008). Existem 4.410.385 famílias urbanas no Brasil com renda familiar menor que três salários mínimos e que se encontram em situação de déficit habitacional, sem condições de solucioná-lo por meio dos instrumentos oferecidos pelo mercado imobiliário, com financiamento público ou privado. Essas famílias vivem principalmente nas Regiões Nordeste e Sudeste (73,3% do total) (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009). Sem um lugar adequado para se viver, é difícil incentivar a educação e manter o emprego, o que favorece a precariedade da saúde e se apresenta como um impedimento para a participação social dessas pessoas que se encontram marginalizadas. O não 178 Novos Rumos para a Gestão Pública cumprimento do direito social à moradia impossibilita o exercício dos demais direitos sociais, descritos no artigo sexto da Constituição da República de 1988. O déficit habitacional é composto pelos seguintes indicadores: habitações precárias, coabitação familiar e ônus excessivo com aluguel. Desses, o grande responsável pelos altos índices brasileiros de ausência de moradia é a coabitação familiar e esse fato é observado em todas as regiões do país, principalmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco. As habitações precárias são mais comuns na zona rural e o ônus excessivo com aluguel é característico das áreas de grande adensamento urbano, em destaque o estado de São Paulo. Esse último indicador é reflexo direto das dificuldades do mercado imobiliário em se adequar às necessidades da população (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p.36) Dados da Fundação João Pinheiro (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p.28) demonstram que mais de 90% das famílias que demandam por moradia detém uma renda média mensal de até três salários mínimos, que somadas às famílias na faixa de renda imediatamente superior, entre três e cinco salários mínimos, representam quase a totalidade do déficit habitacional no Brasil. Interessante dado é que entre os anos 2000 e 2006 houve significativa redução do déficit habitacional para as famílias de renda mensal de três a cinco salários mínimos. Essas informações demonstram que as políticas públicas de financiamento de casas populares apoiaram principalmente as pessoas cuja renda é de mais de três salários mínimos, permanecendo sem atingir as classes mais baixas da sociedade, já que entre estas os índices de déficit habitacional aumentaram do ano 2000 ao ano de 2006. Não é necessário ir longe para se observar a quantidade de pessoas que vivem nas ruas ou em condições subumanas. As favelas tomam conta das periferias das cidades e chegam, inclusive, a se manter em áreas da zona nobre, como a Vila Acaba Mundo e o Morro do Papagaio em Belo Horizonte. Além das favelas existem os cortiços e os loteamentos clandestinos, sem infra-estrutura alguma de higiene ou qualidade de vida. Segundo Zaluar (2000, p.64), a realidade urbanística encontra-se em estado precário e repleto de favelas porque o crescimento urbano no Brasil ocorreu devido ao aumento constante do processo de urbanização, sem que o crescimento industrial pudesse acompanhá-lo. A partir desta constatação, surgiu a concepção de que a solução de tais problemas, tanto dos estudos acadêmicos quanto das políticas públicas destinadas à população de baixa renda, seria a remoção dos favelados para casas populares resultaria na incorporação desses à sociedade. A resolução do problema da moradia no Brasil sempre esteve muito ligada à formação de favelas. As políticas habitacionais variam entre remoção de favelados para conjuntos de casas populares e a revitalização ou regularização de favelas. Respectivas políticas são influenciadas pelas grandes empresas de engenharia civil, uma vez que tradicionalmente essas financiam campanhas eleitorais (ZALUAR, 2000, p.65). Outro fator que influencia significantemente as políticas públicas voltadas para a desfavelização é o interesse do mercado imobiliário nas áreas ocupadas irregularmente que possuem valor comercial. Diante do exposto acima e observando algumas legislações que fundaram planos habitacionais, podemos concluir que de fato, as políticas públicas brasileiras que visam à efetivação do direito à moradia fundamentam-se na concretização e garantia do direito de propriedade, a partir de intervenções em favelas, construção ou financiamento da compra de casas populares. A maioria dos loteamentos ou prédios destinados a abrigar as pessoas de baixa renda se localizam distantes dos centros urbanos. A periferia das grandes cidades aumenta com a chegada de pessoas em busca de melhores condições de vida no meio urbano. O alto custo da habitação nas áreas centrais, com eficiente estrutura urbana exclui a possibilidade de cidadãos pobres viverem nessas áreas e esses se vêem obrigados a morar em locais ou pouca ou nenhuma infraestrutura básica, como loteamentos clandestinos. O mercado imobiliário segrega o espaço das cidades e as camadas sociais de alta renda não questionam respectiva segregação, apóiam, intrinsecamente, a higienização das áreas por elas ocupadas. A pressão sobre administração municipal por políticas públicas e implantação de serviços urbanos é mais eficaz quando realizada pelas pessoas abastadas, as classes sociais mais baixas não exercem tanta pressão e ficam submetidas a pequenas ações de melhoria do espaço onde vivem (LÔBO, 2006). A causa básica da favelização urbana parece ser não a pobreza urbana, mas a riqueza urbana, baseada na desigualdade social (DAVIS, 2006). Existem leis no ordenamento jurídico capazes de fundamentar políticas eficientes de efetivação do direito à moradia. Desse modo a não efetivação do direito à moradia advém de uma deficiência na execução e formulação de políticas públicas habitacionais. 179 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 3 Região Metropolitana de Belo Horizonte: da capital à periferia Em 1701 o bandeirante João Leite da Silva Ortiz chegou à serra de Congonhas onde fundou a fazenda Cercado que prosperou rapidamente e começou a atrair pessoas, formando um arraial. O Arraial ficou conhecido como Curral Del Rey e é esse o nome como é conhecida hoje a antiga serra de Congonhas (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). O nome Curral Del Rey foi adotado porque na Fazenda Cerrado pernoitava o gado destinado ao pagamento de taxas reais (BELOTUR, 2010). De acordo com Célio de Castro (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010), a Proclamação da República em 1889 deixou os curralenses eufóricos e esses decidiram mudar o nome do local para Belo Horizonte. A notícia da construção da nova capital em seu território foi recebida com muita festa, mas os moradores locais não imaginavam que não faziam parte dos planos para a moderna cidade que seria levantada. A mudança da capital de Minas Gerais para outra cidade que não Ouro Preto era uma intenção antiga. O primeiro lugar almejado foi São João Del Rei, afinal, não imaginavam que a mudança da sede administrativa implicaria na construção de toda uma nova cidade. O motivo que incentivou respectivas iniciativas foi a necessidade do Estado de Minas Gerais se mostrar politicamente unido e forte frente a República recém instaurada. Era importante a capital ser um local moderno centralizado no Estado. A construção de uma cidade planejada parecia ser a melhor solução (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). No dia 17 de dezembro de 1893, a lei n.º 3 foi adicionada à Constituição Estadual, determinando que a nova sede do Governo fosse erguida em Belo Horizonte, chamando-se Cidade de Minas. O nome Belo Horizonte substituiu o de Cidade de Minas em janeiro de 1901 (BELOTUR, 2010). Em 1885 o projeto da nova capital estava pronto, e sua execução levaria a baixo todo o arraial. Desta forma, todas as casas foram desapropriadas por um valor irrisório e derrubadas. As famílias que ali residiam tiveram que mudar para locais distantes de onde seria o centro da capital e passaram a viver em locais como Venda Nova. O centro era reservado para os órgãos públicos e seus funcionários. Cada lote era muito caro e somente aqueles de classe abastada poderiam habitar a região central (BH SERVIÇO, 2010). No Brasil, por muito tempo, urbanização foi compreendida no sentido de revitalização e obras de paisagismo foram realizadas com a finalidade de urbanizar as regiões e centrais, o que acabou excluindo ainda mais a população carente e humilde para as periferias (UN-HABITAT, 2010). Conforme Célio de Castro (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010), imigrantes estrangeiros, mineiros do interior e gente de todas as partes do país foram para a nova capital. Buscavam empregos, melhores oportunidades de vida e, sobretudo, a modernidade. Esses bravos sonhadores ergueram Belo Horizonte. A cidade a ser construída deveria funcionar como um organismo vivo, higiênica, saneada, livre de doenças, desordens e revoluções. A inspiração do projeto veio de Washington e Paris. A Cidade de Minas era elitista, feita para os funcionários públicos e aqueles que tinham condições de adquirir lotes. A área central recebeu imediatamente todos os serviços necessários, enquanto a rural e a suburbana iriam ser preparadas mais tarde (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). Problemas sociais, como a pobreza, pretendiam ser evitados e por essa razão não foram criadas políticas capazes de trabalhar essas demandas. Com a obra concluída os operários deveriam ser retirados, sinal nítido de segregação e elitização. Ocorre que não foi isso que aconteceu. Belo Horizonte foi inaugurada às pressas, estando ainda inacabada. Os operários, aglomerados em meio às obras, não foram retirados. Sem lugar para ficar aqueles que se esforçaram para o sucesso da preparação da nova capital, se viram sem lugar e formaram favelas na periferia da cidade (a periferia ocupada nesse primeiro momento era próxima do centro se comparada ao que é considerado periferia na atualidade). A primeira favela, a do Leitão, ficava nas proximidades do atual Instituto de Educação, em plena Avenida Afonso Pena. Essa massa de trabalhadores que não eram considerados cidadãos legítimos de Belo Horizonte revelava o grau de injustiça social existente nos seus primeiros anos de vida (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). Belo Horizonte foi planejada para ser a capital de Minas Gerais. Mesmo tendo sido feito um estudo da região ocupada, a cidade teve seu crescimento desordenado. O crescimento desordenado de BH é um fator histórico e que se perpetua até os dias de hoje. A população da capital no ano de 1991 era composta por 2.020.161 habitantes. Desse ano para o ano de 1996 houve um aumento de 71.214 habitantes, e de 1996 para o ano 2000 o aumento foi ainda mais marcante, somando 147.155 (BH SERVIÇO, 2010). 180 Novos Rumos para a Gestão Pública A cidade não se desenvolveu como o planejado, a industrialização tardou. O número de desempregados era grande (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). As periferias ficaram cada vez mais distantes do centro da capital, assim como a preocupação dos governantes com essas regiões, agravando-se assim o índice de violência, pobreza e qualidade de vida da população de baixa renda, em grande parte, vinda do interior do estado ou do nordeste. Os loteamentos clandestinos, que não ofereciam condições de serem habitados, se multiplicaram nos municípios próximos a Belo Horizonte e nos bairros mais distantes da mesma. Como reflexo do fim da I Guerra Mundial a cidade ganhou um impulso de desenvolvimento na década de 20. Pessoas buscaram a capital de Minas em busca de melhores condições de vida e trabalho. Na década de 40 a arquitetura moderna marcou a capital. Em 1941 foi criado o Parque Industrial, em 1943 foi inaugurado o Complexo da Pampulha, a prestação de serviços foi expandida e altos edifícios foram construídos, dando início à especulação imobiliária na área central. Novos bairros surgiram na periferia sem qualquer infraestrutura para atender aqueles que chegavam à cidade. Na década de 50 a população dobra de 350 mil para 700 mil habitantes. Preocupado com o crescimento desordenado da cidade, o prefeito, na época Américo René Gianetti, dá início à elaboração de um Plano Diretor para Belo Horizonte (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). Na década de 70 a cidade possuía um milhão de habitantes e continuava crescendo desordenadamente. Nas regiões norte e oeste e nos municípios vizinhos, com a criação de distritos industriais e a instalação de empresas multinacionais, a população tornou-se cada vez mais densa. As pessoas que chegaram à capital em busca de trabalho forma viver na periferia e como o centro da cidade era objeto de especulação imobiliária, Belo Horizonte cresceu de fora pra dentro, da periferia para o centro. Na tentativa de resolver os problemas causados pela falta de planejamento, foram tomadas várias medidas: criou-se o Plambel e foi instituída pela União a Região Metropolitana de Belo Horizonte (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). A falta de infra-estrutura nas periferias proporcionou o surgimento de cada vez mais favelas e a ocupação de áreas de risco ou de reserva ambiental. Belo Horizonte foi inaugurada em 1897, e já possuía duas favelas, com população estimada de 3.000 (três mil) habitantes, enquanto a população da cidade era no total, de 10.000 (dez mil) (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008). O direito à cidadania é ameaçado pela ausência de políticas públicas nas regiões periféricas, já que cidadania é um conceito que engloba direito à moradia, à saúde e outros tantos quesitos básicos para a garantia de boa qualidade de vida. Conforme afirma Alfonsin e Fernandes (2003) as cidades se tornam um “caldeirão” devido a dois fatores: o mercado imobiliário, com sua lógica mercantilista e ordem urbana, cuja legislação e medidas públicas têm como alicerce a elite, devido às promiscuidades entre esta e os gestores urbanos. A Lei Orgânica do Município foi aprovada em 1990 e trouxe avanços em diversos setores sociais. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município foi criado em 1992, para tratar do tombamento de construções de valor histórico e impedir a destruição de símbolos belorizontinos. O Plano Diretor da cidade e a Lei de uso e Ocupação do Solo, que datam de 1996, passaram a regular e ordenar o crescimento da capital (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). O advento do Estatuto das Cidades em 2001 proporcionou nova fundamentação jurídica para a efetivação dos direito à cidade, que engloba a função social da propriedade, o direito à moradia e a participação popular. Surge dessa forma um novo cenário para a solução dos problemas derivados da ocupação desordenada dos espaços urbanos. 4 O desenvolvimento da periferia na Região Metropolitana de Belo Horizonte A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é a terceira maior aglomeração urbana do Brasil e a sétima da América Latina. Composta por 34 municípios e uma população de mais de 5 milhões de habitantes, concentra 25% da população do Estado e 40% de sua economia (ALFONSIN; FERNANDES, 2006). A desigualdade sócio-econômica e demográfica entre os municípios que compõem a RMBH é marcante (GOUVÊA, 2005). Pela análise do Quadro 1 é possível analisar essa realidade (IBGE, 2000). A população e a economia se concentram basicamente na cidade pólo da RMBH, mas observando-se as taxas de crescimento anual da população da capital e dos municípios do entorno é possível concluir que na atualidade os locais que mais crescem em termos populacionais são as cidades da periferia, próximas de Belo Horizonte, sendo que essa última teve uma das menores taxas de crescimento (Dados no Quadro 2 ao final do texto). 181 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A periferização da RMBH é uma realidade. Os loteamentos clandestinos ocupam a periferia há muitos anos e hoje em dia até mesmo as classes mais abastadas têm optado por viver em locais mais distantes do centro, desde que o acesso a esses seja rápido. Os condomínios fechados têm se multiplicado no entorno de Belo Horizonte, com a finalidade de atender os anseios de mercado das pessoas com alto poder aquisitivo, que desejam viver em áreas tranqüilas, cercadas pela natureza, seguras e higienizadas da presença dos símbolos da pobreza urbana. Mesmo com o aumento do número de condomínios fechados a realidade da periferia, cada vez mais distante, ainda tende para a ocupação pelos mais pobres. Para Jupira Gomes de Mendonça (2008), fatores históricos determinam padrões de urbanização centro-periférico, caracterizado por ocupação dispersa, pela distância física entre as classes sociais – classes média e alta vivendo nos bairros centrais, legalizados e bem equipados, enquanto os pobres vivem na periferia precária -, sistema de transporte em automóveis para os ricos e baseado no uso de ônibus para aqueles de classe baixa. A análise de dados do censo demográfico (IBGE, 2000) nos permite perceber como o grau de escolaridade e o tipo de trabalho exercido pelos moradores da capital interferem na ocupação do espaço. Na região central se concentram as pessoas que possuem ensino superior e nos locais mais afastados do centro, na periferia, maior o número de operários e de pessoas com baixo grau de escolaridade (MENDONÇA, 2008). A escolaridade e o tipo de trabalho exercido influenciam na renda e assim, na qualidade da habitação, ou seja, as pessoas de condições financeiras humildes vivem longe das áreas centrais e em moradias precárias. Em Belo Horizonte a elite se concentra no eixo centro-sul, a classe média fica espalhada pelas regiões peri-centrais e entre os operários do eixo industrial, os espaços populares se consolidaram na periferia, especialmente ao norte da capital (MENDONÇA, 2008). A população do eixo industrial da RMBH somada à da periferia abriga mais de 50% de todos os habitantes da região metropolitana. Já a população residente do núcleo central com a da área peri-central representa 25% d o total (CARNEIRO; SOUZA, 2008) O desenvolvimento do mercado popular da moradia no vetor norte da RMBH se deve à falta de fiscalização das prefeituras na implantação de loteamentos clandestinos, e à flexibilidade da legislação urbanística de algumas municipalidades, como ocorreu em Ribeirão das Neves. A omissão que marca a postura do poder público local frente ao intenso processo de parcelamento e ocupação do solo redundou em danos irreversíveis ao meio ambiente e em pesados ônus para a prefeitura e para a população. A principal razão para a despreocupação das prefeituras com a proliferação dos loteamentos clandestinos era o interesse em receber o Imposto Predial Territorial Urbano dos novos moradores (DE SOUZA, 2008). Conforme Elieth Almeida de Souza (2008), a ação dos agentes imobiliários precisa ser contraposta a uma atuação firme do poder público, seja para definição das diretrizes e para a normatização da expansão urbana ou na fiscalização e monitoramento do parcelamento do solo. O acesso à moradia é um desafio para a população de baixa renda e assim não pode depender do mercado, são necessárias políticas públicas articuladas, intersetorializadas e intermunicipais para tratarem de todos os pontos indispensáveis à habitação de qualidade. O processo de periferização fez com que a demanda por moradia, saúde, transporte, emprego, saneamento básico, coleta de lixo, dentre outras necessidades, inicialmente restritas a um único município, extrapolassem os limites da administração local. Milhares de pessoas saem todos os dias de cidades do entorno da capital para nela trabalhar, estudar, ir ao médico, etc. O sistema de transporte deve ser definido intermunicipalmente para permitir a conexão das pessoas entre as diferentes localidades. A moradia com preço acessível, muitas vezes, se localiza em outros municípios e trabalhadores de Belo Horizonte são obrigados a migrar diariamente. Onde há conurbação as pessoas têm dúvida quanto ao município onde vivem. O descaso com assentamentos irregulares da periferia refletem a expansão urbana do último século. Esses assentamentos são tratados como problemas transitórios de ordem pública, que precisam ser eliminados ou que vão desaparecer sozinhos com o desenvolvimento econômico (MARTINE; MCGRANAHAN, 2010). Segundo Ana Clara Torres Ribeiro (2006, p.482): Outra grande marca do urbano atual é reconhecível na expansão da urbanização periférica, realizada em condições cada vez mais precárias e desassistidas pelo Estado. Esse processo corresponde ao esgotamento de determinadas formas históricas de habitação popular. Os filhos dos mais pobres não permanecem mais nas áreas tradicionais da pobreza. São destinados a favelas nos espaços mais distantes da metrópole ou a loteamentos em regiões desconectadas da malha urbana. Em verdade, esse processo talvez deva ser denominada “desurbanização periférica”. 182 Novos Rumos para a Gestão Pública 5 Considerações Finais A periferia das regiões metropolitanas, com pouco valor agregado, tem crescido mais do que as próprias cidades-pólo. Esse fato decorre da valorização do espaço urbano provido de infraestrutura, sendo que o déficit habitacional é mais acentuado entre famílias cuja renda fica em torno de três salários mínimos. O encarecimento dos terrenos próximos às regiões centrais e a legislação urbanística elitista fez com que pessoas das classes sociais mais baixas fossem obrigadas a migrar para locais segregados, sem recursos e muitas vezes que apresentam riscos de desabamento, enchentes e outras fatalidades naturais. É função do município zelar pela ocupação do espaço urbano, porém, nas regiões metropolitanas, respectiva função deve ser empregada intermunicipalmente, já que os movimentos pendular e de migração que envolvem grande parte da população desses locais englobam mais de uma municipalidade. Segundo Jupira Gomes de Mendonça (2008, p. 48): Na agenda da governança metropolitana a melhor distribuição de recursos entre os grupos sociais vai implicar também a melhor distribuição de recursos entre os municípios. Nesse sentido, são ainda pontos de pauta da agenda metropolitana: inversão de prioridades na implantação da infraestrutura urbana, definição de mecanismos legais para a contenção de processos especulativos no solo urbano, além da redefinição de políticas públicas habitacionais e de transporte coletivo no nível metropolitano. As políticas públicas de habitação devem ser implantadas com uma visão intersetorial. Não adianta as pessoas terem teto e paredes em casa, elas necessitam de condições de habitabilidade como segurança, luz, água, esgoto, transporte e privacidade. As políticas públicas nem sempre estão atentas a todos esses fatores e se resumem a construir casas populares em áreas distantes e desprovidas dos recursos básicos. As regiões metropolitanas, como a de Belo Horizonte, existem desde a década de 70, ocorre que essas precisam ser instrumentalizadas e as ações locais, regionalizadas. A efetivação do direito à cidade assim como do direito à moradia, com redução das desigualdades sócias, somente poderão acontecer quando a ideia de intermunicipalização for incorporada nas administrações municipais. Quadro 1: Dados de alguns municípios que compõem a RMBH Municípios População % da RM Taxa de urbanização PIB Total PIB Per capta (R$x105) Belo Horizonte 2.238.526 51,37 100,00 19.717.257 8.910 Betim 306.675 7,04 97,3 3.427.914 11.791 Contagem 538.017 12,35 99,1 710.038 24.070 Jaboticatubas 13.530 0,31 52,6 34.142 2.541 183 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Mário Campos 10.535 0,24 75,5 17.732 1.792 Nova Lima 64.397 1,48 97,9 499.978 7.938 Nova União 5.427 0,12 26,3 33.035 5.053 Ribeirão das Neves 246.846 5,66 99,4 390.816 1.664 Santa Luzia 184.903 4,24 99,6 433.853 2.418 Vespasiano 76.422 1,75 98,4 430.172 5.886 Quadro 2: Taxa de Crescimento anual de alguns municípios da RMBH (IBGE, 2000) Município Taxa de Crescimento anual (%) Belo Horizonte 1,15 Betim 6,71 Brumadinho 3,63 Contagem 2,02 Esmeraldas 7,63 Ibirité 4,10 Igarapé -1,08 Lagoa Santa 2,69 Mateus Leme -1,25 Nova Lima 2,32 Pedro Leopoldo 2,93 Raposos 0,04 Ribeirão das Neves 6,18 Rio Acima 0,90 Sabará 2,83 Santa Luzia 3,32 Referências ABRUCIO, Fernando Luiz. 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As contratações de bens e serviços, em sua grande maioria, são realizadas sob a égide do tipo “menor preço” e engessadas pela rigidez e elevado controle burocrático que caracterizam o seu ordenamento jurídico. A Lei 8.666/93 vem sendo considerada por alguns especialistas como um dos principais entraves à melhoria da gestão das aquisições governamentais pelas regulamentações extremamente complexas e pouco céleres para os atuais padrões de exigências. Para BARROS (1995) o legislador, por intermédio do processo licitatório, instituído pela Lei 8.666/93, procurou garantir a contratação contra conluios, partindo do pressuposto ou do preconceito de que administradores e administrados não merecem confiança. Em 2000, visando tornar o processo de aquisição de bens e serviços mais eficiente, uma vez que os processos licitatórios além de não garantirem a ausência de corrupção, se prolongam por meses comprometendo a efetividade das ações do governo, foi criada uma nova forma de licitação: o pregão, válido para a aquisição dos chamados bens e serviços comuns, surge como alternativa mais eficiente, porque garante maior transparência e celeridade ao processo de aquisição quando realizado em sua forma eletrônica e pode ser adotado para os mesmos tipos de compras e contratações realizadas por meio das demais modalidades, constituise assim em alternativa amplamente utilizada. No que pese a chegada da nova modalidade, mais célere e transparente, a busca do menor preço pela administração continua sendo o critério adotado nas contratações. O pregão, na verdade se constitui em um leilão de menores preços, cujo objetivo é identificar, conforme previsto na legislação, a proposta mais vantajosa para a administração, porém na prática a vantagem é analisada apenas em relação ao preço, uma vez que os critérios de qualidade não são considerados nas sessões do leilão. A Administração Pública Federal contabiliza uma economia de custos da ordem de 20% nas aquisições do governo com a adoção do pregão eletrônico, sem contar com outros ganhos de eficiência. Não se verifica, entretanto, avaliação sobre a qualidade dos bens e serviços que vem sendo contratados pela administração. Este artigo tem como objetivo trazer à discussão a qualidade das contratações de bens e serviços, visando questionar a efetividade do custo da contratação menor preço, demonstrando os desdobramentos e comprometimentos futuros conseqüência deste tipo de contratação. 1. PRINCIPIOS QUE NORTEIAM A CONTRATAÇÃO A necessidade do uso eficiente dos recursos públicos, conseqüência da cobrança da sociedade por maior controle em sua aplicação, garantiu na Constituição Federal de 1988 o inciso XXI do art. 37 contemplando a previsão legal que obriga que as obras, serviços, compras e alienações públicas sejam feitas por meio de processo licitatório, assegurando igualdade de condições a todos os concorrentes. Licitação, significando o “procedimento administrativo pelo qual, a administração pública, obediente aos princípios constitucionais que a norteiam, escolhe a proposta de fornecimento de bem, obra ou serviço mais vantajoso para o erário.” (MOTA 2005) A política de compras governamentais vem sendo fortemente influenciada, conforme consta na lei 8.666/93, seu mais importante marco regulatório, que se propõe a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração, pelo princípio da economicidade e, portanto construída sob a égide do menor preço. Observa-se na legislação uma forte preocupação com a forma de contratar, para assegurar, com tantas exigências, que ela seja justa, transparente e dentro da moral e da ética. 186 Novos Rumos para a Gestão Pública Constata-se, em última analise, a preocupação do legislador com a legalidade da contratação e não com sua eficiência. Esta preocupação é explicada em parte pelo fato da lei 8.666/93 ter sido sancionada em um Período pós-impeachment, onde houve várias suspeitas de favorecimentos em contratações no governo federal. As medidas tomadas nesse período não obtiveram êxito. Houve o desmantelamento de diversos setores e políticas públicas, além da redução de atividades estatais essenciais. Tal Período foi um marco da Administração Pública brasileira, onde se privilegiou a forma dos atos, a fim de garantir a sua legalidade e lisura, em detrimento dos objetivos finais da Administração, que restou em segundo plano. Ainda neste período, disseminou-se uma sensação de desconfiança por toda a máquina federal. Como conseqüência, a legalidade serviu de esteio para engessar as atividades do Estado. Neste cenário, foi praticamente ignorado que a administração pública mundial passava por grandes mudanças, cujo foco era centrado nos resultados das ações e não nos meios para alcançá-las. Eram os primórdios da reforma da gestão pública que pretendia transformar os burocratas profissionais em administradores públicos, tornando o governo mais eficiente e mais responsável. Neste contexto surge a Emenda Constitucional 19/1998 que acrescenta o princípio da eficiência ao artigo 37 da Constituição Federal, norteando toda a atuação da administração publica, ligada a idéia de ação para produzir resultados de modo rápido e preciso. A inclusão do novo princípio na constituição decorre sem dúvida do contexto de reforma administrativa, inserida no cronograma de reforma do estado, presente à época que deram realce ao princípio da eficiência. “A administração burocrática, marcada pelo controle de meios, deve ser substituída pela administração gerencial, em que se destacam os controles de resultados”(DI PIETRO et al, 2005). Para PAULA (2005) a eficiência da administração seria medida pela satisfação das necessidades do cidadão e não apenas pelo controle dos processos administrativos. A reforma dos anos 1990, por intermédio da proposta gerencial se opõe ao estilo burocrático de gestão e busca uma maior participação da sociedade organizada na administração publica. As propostas da vertente gerencial foram implementadas no governo Fernando Henrique Cardoso pelo então ministro da Administração e Reforma do Estado que se tornou hegemônica e implantou a administração pública gerencial, com o objetivo de transformar a cultura burocrática presente nas administrações até então em uma cultura gerencial. O princípio da eficiência surge então dentro do contexto da reforma administrativa para garantir a preocupação com os resultados e com o atendimento das necessidades dos cidadãos. Não bastava apenas obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade era preciso ser eficiente. Apesar da inclusão na carta magna do princípio da eficiência, a lei de licitações e contratos, 8.666/93, continua, com todos os seus 126 artigos, voltados ao espírito burocrata, engessando o servidor, tendo o seu foco no processo, na forma. Nenhuma alteração foi feita ao artigo 45 que prioriza o tipo de licitação “menor preço”. “A eficiência como pressuposta da reforma do serviço público, não se mostrou sólida, a administração pública burocrática, mostrou-se lenta, dispendiosa, autoritária e sem compromisso com as demandas sociais. Embora possam coexistir em uma mesma estrutura institucional burocrática práticas gerenciais de maior ou menor qualidade, ficam cada vez mais claro que a administração pública burocrática é inerentemente irracional ou ineficiente” (PEREIRA, 2009). 2. UMA MODALIDADE ALTERNATIVA BRESSER PEREIRA (2009) se apoiou numa idéia mobilizadora: a de uma administração voltada para resultados, ou modelo gerencial, como era chamado à época. Embora a reforma não tenha sido concretizada em sua plenitude, não se pode negar que houve um “choque cultural”. Os conceitos referentes a esta visão foram espalhados por todo o país e influenciaram na atuação de gestores públicos e numa série de inovações governamentais nos últimos anos. Neste contexto de cobranças por resultados, dentro de uma realidade administrativa engessada por exigências exaustivas, responsável por promover a realização de processos licitatórios muito longos e pela grande utilização de dispensas de licitações, prevista apenas para situações emergências, porém largamente utilizada para fugir do rigor da licitação, surge à nova modalidade licitatória: Pregão. 187 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 “O pregão é absolutamente peculiar, com duas características fundamentais. Uma consiste na inversão das fases de habilitação e julgamento. Outra é a possibilidade de renovação de lances por todos ou alguns dos licitantes. Em segundo lugar, o pregão comporta propostas por escrito, mas o desenvolvimento do certame envolve a formação de novas proposições ("lances"), sobre forma verbal (ou, mesmo, por via eletrônica). Em terceiro lugar, podem participar quaisquer pessoas, inclusive aqueles não inscritos em cadastro. O pregão visa à aquisição de bens ou contratações de serviços comuns, pelo menor preço”.(JUSTEN FILHO.2000) Instituído pela medida provisória n.° 2.026, de mai o de 2000 e regulamentado pelo decreto n.° 3.555 de agosto do mesmo ano foi poster iormente constituído em Lei 10.520/2002, com a responsabilidade de dar agilidade às aquisições publicas e reduzir os custos com bens e serviços. O Pregão surge como uma nova modalidade de licitação pública por meio da qual a administração, garantindo a isonomia, seleciona fornecedor ou prestador de serviço, permitindo aos licitantes, em sessão pública presencial ou virtual, reduzir o valor da proposta por meio de lances verbais e sucessivos. Segundo FERNANDES (2005), o Pregão apresenta as seguintes características: 1. Aplicado apenas a compras e serviços considerados comuns; 2. O licitante pode reduzir o valor da proposta durante a sessão; 3. As fases de julgamento da habilitação e da proposta são invertidas; e 4. A redução dos recursos a apenas um, apresentado no final do certame. A inversão das fases e a redução dos recursos possibilitam uma considerável redução no tempo para conclusão do certame, tornando o Pregão a modalidade licitatória mais célere. Entretanto, sua característica mais alardeada é a possibilidade de redução do valor da proposta. A nova modalidade foi rapidamente absorvida pela Administração Federal, especialmente com a publicação do decreto n.º 5.504 /2005 que torna a modalidade obrigatória para a Administração Publica Federal. “O Pregão se caracteriza como uma modalidade licitatória que dispõe de elementos diferenciados, em relação àqueles originalmente previstos na lei 8.666/93, pois, além de se buscar a melhor proposta para a administração, embora promovendo o tratamento isonômico entre os interessados, torna-se evidente uma acentuação na busca pelo menor preço, a qual contamina o espírito desta nova modalidade. ”(TORRES,2008). Para a sociedade, estão disponíveis informações que permitem o acompanhamento das contratações do governo. O cidadão também pode acompanhar, em tempo real, as aquisições por pregão eletrônico e observar o valor dos lances apresentados pelos fornecedores. O site oferece consultas sobre convites, tomadas de preços, concorrências e pregões realizados pela Administração Federal. Também é possível o download da íntegra de editais de licitações e a consulta a resultados das licitações realizadas. Pode-se dizer com convicção que o Pregão, especialmente na forma eletrônica, é a modalidade de licitação que oferece maior transparência, uma vez que disponibiliza o acompanhamento pela sociedade e que, de certa forma, garante a impessoalidade do certame, vez que não são identificados os licitantes, dificultando os conluios e a obtenção de privilégios. São várias as vantagens trazidas pela nova modalidade que além de deixar o processo de aquisição mais transparente e participativo, também o torna mais célere. O quadro I apresenta o crescimento da utilização da nova modalidade em relação às demais. Como já ressaltado, a modalidade pregão vem se mostrando bem mais célere que as demais modalidades. Assegura maior transparência, garante maior competição, porém considera exclusivamente a opção menor preço como critério de julgamento. Quando o item licitado é de fácil especificação, caso, por exemplo, do papel A4, largamente utilizado na Administração Publica e adquirido em grandes volumes, o pregão adéqua-se de forma perfeita, conseguindo baixar os preços sem promover mergulhos irresponsáveis uma vez que seus custos são rapidamente calculados. O sucesso é assegurado pela simplicidade do item, facilmente especificado de forma a não deixar margens quanto a sua qualidade. A utilização da modalidade pregão em larga escala, uma vez que pode ser adotado para aquisição de todos os bens e serviços comuns, gera alguns problemas pois a delimitação de serviços comuns é bastante ampla: aqueles com padrões de qualidade que podem ser descritos objetivamente pelo edital de licitação, por intermédio de especificações usuais no mercado, que 188 Novos Rumos para a Gestão Pública devem ser fornecidos por um grande número de empresas e facilmente comparáveis entre si. Ocorre que as especificações nem sempre descrevem os bens ou serviços de forma a garantir um mínimo de qualidade nas contratações e nestes casos o Pregão, pela sua própria natureza, empurra os preços muito para baixo provocando o comprometimento da qualidade da contratação. 3. PREÇOS INEXEQUIVEIS NAS CONTRATAÇÕES Se considerados apenas os princípios da economicidade, transparência e impessoalidade, concluí-se que a nova modalidade vem atendendo seus objetivos e trazendo grandes avanços ao processo de compras governamentais. Entretanto, quando analisado sob a ótica do princípio da eficiência, cabem muitos questionamentos. Do ponto de vista da celeridade do processo licitatório, indubitavelmente o pregão é eficiente, porém quando avaliada a qualidade dos bens e serviços contratados os resultados não são animadores. As falhas identificadas na modalidade são em relação à qualidade dos produtos e dos serviços contratados e é necessário que o gestor atente para a necessidade de evitar que a busca por preços sempre decrescentes provoque redução da qualidade do produto ou serviço a ser contratado. Na prática, verifica-se que embora o pregão tenha como principal missão a eleição do melhor preço, conforme claramente descrito na Lei, não interessa a administração a seleção de propostas com preços impraticáveis, que inviabilizarão a prestação regular dos serviços contratados. Este cuidado, necessário ao gestor, por não encontrar amparo legal claramente expresso, é reconhecido por poucos juristas, quando apesar de entenderem que a vocação pela busca do menor preço permite, e até sugere, que o pregoeiro, antes da desclassificação do menor lance, busque subsídios que sirvam a demonstrar a aceitabilidade de seus preços, revertendo à presunção relativa imposta contra sua proposta. Entretanto, ressalta TORRES (2008) que, tal atitude não foi imposta pelo legislador, obviamente preocupado com a celeridade do certame O Tribunal de Contas da União, órgão de controle da administração tem se pronunciado em suas decisões e acórdãos, a favor da supremacia do menor preço e não tem visto com bons olhos a utilização do parágrafo 3º do artigo 44 da lei 8.666/93 para desclassificação de propostas consideradas inexeqüíveis. De acordo com o artigo: Art.44 No julgamento das propostas, a comissão de licitação levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta lei. (...) § 3° Não se admitirá proposta que apresente preços gl obais ou unitários, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços de insumo e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais eles renunciem a parcela ou a totalidade da remuneração. O parágrafo terceiro do artigo 44 possibilita a desclassificação de propostas com preços inexeqüíveis por conterem valores irrisórios incompatíveis com preços de mercado, entretanto em suas decisões o órgão de controle vem dificultando as desclassificações amarrando-as a critérios objetivos definidos no Edital ou permitindo ao licitante a comprovação de sua exeqüibilidade, por meio da apresentação de outros contratos nem sempre em condições semelhantes ao objeto da contratação. Os excertos apresentados no Anexo I são resumos de decisões ou acórdãos sobre o tema proferidos entre 2001 e 2009. Onde constata-se a exigência da previsão no instrumento convocatório de critérios objetivos para desclassificação de propostas por preços inexeqüíveis. O tema não foi tratado pela Lei n° 10.520/2002 que institui o pregão e a lei 8.666/93 estabelece critérios objetivos apenas para a contratação de obras de engenharia. Entretanto, no parágrafo 3° do artigo 44 da lei 8.666/93 encontra- se amparo legal para a desclassificação por preços irrisórios que comprometam a execução do objeto a ser contratado. Parece desnecessário solicitar a comprovação da exeqüibilidade de valores irrisórios, caso contrário deve-se aceitar colocações do tipo que a empresa renuncia ao lucro do contrato. Para MEIRELLES (2003) é discutível a legalidade da proposta gratuita, pois pressupõe a existência de interesses escusos, a que o princípio da moralidade administrativa se opõe veementemente. Nas contratações por meio de pregão o pregoeiro trabalha com preços de referência e planilhas com formação de custos que lhe possibilitam um julgamento coerente com os valores ofertados no mercado. O fundamento para o julgamento dos preços inexeqüíveis atualmente pode 189 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 ser dado com segurança pelos parâmetros de preços praticados na própria administração pública por intermédio do registro de preços, art.15 II e V da lei 8.666/93 , pelas pesquisas de preços realizadas, art.43,IV e ainda pela grande quantidade de pregões eletrônicos realizados, cujos preços ficam disponibilizados em um sistema de registro de preços de âmbito nacional. Fica assim, assegurada a tão propagada impessoalidade da licitação, uma vez que o pregoeiro terá referências objetivas para o seu julgamento. Cabe ao Pregoeiro decidir motivadamente sobre a aceitabilidade das propostas, entendendo-se como motivadamente a decisão com respaldo em razões objetivas, claras e congruentes. Os valores de mercado e os orçamentos apresentados pela administração são parâmetros de confiabilidade para determinar a faixa de exeqüibilidade das propostas, que poderão evitar, por um lado, a contratação de valores superfaturados e por outro os preços inviáveis a execução dos contratos de forma eficiente. “A proposta inexeqüível constitui-se, como se diz, numa “armadilha” para a administração: o licitante vence o certame; fracassa na execução do objeto; e não raro intenta, junto ao órgão contratante, reivindicações de revisão de preços, baseadas nos mais engenhosos motivos”. (MOTTA. 2007) A utilização do pregão nos serviços seja contínuo, tipo: vigilância, limpeza, portaria etc., ou mesmo nos serviços de engenharia, têm trazido sérias problemas nas execuções dos contratos. O licitante frente a uma planilha de composição de custos complexa, com vários itens é obrigado a decidir sobre seus preços e adequar sua planilha no momento do lance. A tarefa é bastante difícil e a possibilidade de preço inexeqüível bem maior, pois a competição acirrada leva os licitantes a mergulharem em suas propostas para posteriormente adequarem suas planilhas de composição de custos, o que nem sempre é possível. “A adoção da modalidade em larga escala, embora aparentemente registre uma economia na contratação, pode trazer prejuízos posteriores, que comprometem a sua própria eficiência. É imperioso destacar que a celeridade e a sumariedade do pregão são incompatíveis com as dilações necessárias à apuração das qualidades dos objetos ofertados, o que descaracteriza a própria modalidade.” (JUSTEN FILHO, 2005). 4. CRITÉRIOS DE QUALIDADE NAS CONTRATAÇÕES. A modalidade pregão vem reforçar a concepção em vigor de que a melhor proposta é a de menor preço. Pelas próprias características da modalidade que realiza um leilão de menor preço. O critério de qualidade fica em segundo plano e mascarado com a possibilidade das especificações dos bens tidos como comuns e de baixa complexidade serem especificados de forma a garantir padrões de qualidade. FURTADO (2007) recomenda a necessidade de atentar-se para problemas relacionados à qualidade dos produtos e dos serviços e evitar que a busca por preços sempre decrescentes não importe em igual redução da qualidade do que se contrata. Na verdade, para alguns itens tipo: cola, caneta, grafite, borracha, fitas adesivas entre outros, o pregão não vem se apresentando como eficiente, pois no que pese a economia que vem sendo realizada a administração tem comprado produtos de péssimas qualidade, que não funcionam e/ou tem vida útil muito curta. No que pese toda a fiscalização dos gestores no recebimento do material, tem sido difícil à devolução e as administrações dos vários órgãos acabam ficando com este material inservível em seus almoxarifados. Este custo não está sendo calculado quando se divulgam as vantagens do pregão. Os itens citados são de difícil especificação e não conseguem garantir o padrão de qualidade desejado pelas administrações. Mesmo com a solicitação de amostras nos certames, o problema tem permanecido, pois as empresas não agüentam os preços baixos e acabam entregando produtos diferentes dos da amostra e a administração não consegue acompanhar as entregas que normalmente são fracionadas em vários locais. As alternativas para garantir qualidade nas aquisições vêm sendo buscadas pelos gestores por meio da exigência de selos de qualidade de produtos ou serviços nem sempre aceitos pelo Tribunal de Contas da União que vem confirmando a supremacia do tipo menor preço largamente expressa tanto na Lei 8.666/93 quanto na legislação que regulamenta o pregão. Os excertos apresentados no Anexo II são resumos de acórdãos sobre o tema proferidos em 2007, 2008 e 2009, cujos conteúdos são de mesma natureza e representam aposição do Tribunal de Contas da União sobre a questão. 190 Novos Rumos para a Gestão Pública O mercado dispõe de certificados reconhecidos por instituições credenciadas que asseguram critérios de qualidade a produtos e empresas, tipo a série ISO 9000, amplamente utilizados. Segundo DORNELHES (1997) a certificação da série ISO 9000 pressupõe a avaliação dos processos de fabricação e da organização do controle da qualidade e dos tipos e instalações de inspeção e ensaios em relação à determinada tecnologia de produção e apesar de não referirse diretamente ao produto, a qualidade do processo de fabricação reflete-se diretamente nele. Constata-se nos excertos de decisões e acórdãos do tribunal de Contas da união apresentados no Anexo II que a egrégia corte de contas vem recomendando a administração que se abstenha de exigir nas licitações certificados da série ISO 9000 e sugerindo que seja buscada a real qualidade do produto e não certificações que possam apenas auxiliar a garantir essa qualidade, porém não garantem que outros que não a possuem não tenham a capacidade para atender ao interesse público. Sugere inclusive que se deve assegurar aos interessados, mesmo não dispondo da certificação, a faculdade de comprovar sua idoneidade para execução do objeto licitado. A pergunta que se faz é como a empresa poderá demonstrar, de forma objetiva, sua idoneidade e se a administração que a contrata tem condições técnica de efetuar de forma segura esta avaliação. Os gestores estão buscando no mercado, por intermédio de reconhecidos instrumentos, a garantia para suas contratações. Nota-se aqui a preocupação do órgão de controle em garantir a ampla competição do processo que em última análise assegura menores preços, entretanto não se computa as contratações realizadas com empresas que apesar de legalmente capacitadas para a execução dos serviços, não se encontram tecnicamente competentes para tal. O princípio da eficiência, apesar de previsto na constituição, parece não ter força para competir em condições de igualdade com os demais princípios constantes do art. 3° da lei 8.666/93. A preocupação maior parece ser com o processo e não com a finalidade da ação. Sem dúvida, a competição é saudável para qualquer processo licitatório, a questão é que não pode ser levada a extremo, pois apenas ela não garante eficiência nas contratações, especialmente em áreas em que as especificações dos produtos ou serviços são vagas e difíceis de serem realizadas. A tese da eficiência como dever da administração foi pioneiramente assim tratada: “Dever da eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas como legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” (MEIRELLES. 1989) Em nome dessa tese é que os gestores públicos devem buscar a qualidade final dos serviços públicos e a satisfação do usuário como fim, deixando a vertente da legalidade, das normas e da ritualística apenas como meio para atingir o fim. No momento em que se exige a eficiência da máquina pública, a comprovação da ineficiência deverá ensejar aplicação de responsabilidade, não devendo o gestor sentir-se amparado pelas excessivas exigências da lei e dos órgãos de controle para eximir-se de sua ineficiência. A eficiência deve ser entendida como a “melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, em termos de plena satisfação dos administrados com menores custos para a sociedade.” (MOREIRA NETO. 2000) 5. CONCLUSÃO A preferência do legislador pelo critério menor preço e as restrições ao critério da técnica, presentes na lei 8.666/93, e confirmadas na legislação e jurisprudência subseqüentes trazem sérios problemas para a administração, especialmente nos contratos de obras e serviços técnicos especializados, que apesar de não atenderem todos os requisitos do § 3° do art. 46, deveriam ser licitados levando em consideração a técnica apresentada sob pena de, ao realizar licitação do tipo menor preço, a administração correr o risco de aceitar propostas que não sejam as tecnicamente mais recomendadas. Mesmo na licitação do tipo melhor técnica, a supremacia do critério preço ainda se faz presente, pois, como bem avalia DI PIETRO (2006) se houver coincidência de melhor técnica e menor preço, ótimo, porém se a melhor proposta técnica não for à de melhor preço, uma negociação deverá ser realizada até o proponente da melhor técnica ou os subseqüentes, chegarem ao menor preço classificado e assim sendo, o legislador está admitindo que a melhor técnica seja desprezada em benefício do menor preço. A qualificação técnica, prevista do art. 30 da lei 8.666/93, deveria ter como objetivo assegurar uma qualificação mínima para impedir que fossem realizadas contratações sem 191 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 nenhuma exigência de qualificação e não limitar as exigências às apresentadas na lei. Afinal, é de interesse público assegurar à máxima qualidade as contratações realizadas com recursos públicos e do interesse da população ter acesso a bens e serviços de qualidade. Enquanto uma revisão não é realizada para atualizar a lei 8.666/93, promulgada há 17 anos no clima de combate a corrupção e imbuída da responsabilidade de moralizar e legalizar uma prática administrativa burocrática ainda influenciada por uma administração patrimonialista e clientelista é preciso que se flexibilizem as posições, pois em nome de uma ampla competição, não se pode permitir que a administração continue contratando e comprando mal e em última análise aplicando mal o recurso público. Os gestores vêm fazendo tentativas de inclusão de critérios de qualidade, dando sinais evidentes de que a administração pública vem sendo vítima de contratações mal feitas, que geram rescisões de contratos e interrupções de obras e serviços essenciais a população e que esses custos precisam ser considerados na análise de custo da opção exclusiva menor preço para contratação. A modalidade Pregão, utilizado quase que exclusivamente em sua forma eletrônica, já garante ampla competição nos processos licitatórios, pois vem facilitando o acesso dos licitantes as informações e simplifica a própria participação nas sessões. Haja vista o número de fornecedores cadastrados nos sites de compras da Administração os quais são automaticamente comunicados das licitações a serem realizadas pela administração pública direta e indireta. Assim sendo, é pouco provável hoje que uma licitação não seja competitiva, salvo objetos especiais que apresentam restrições do próprio mercado. Pode-se dizer que com o pregão eletrônico a ampla competição das licitações ficou assegurada. A preocupação com a restrição dos certames, portanto deve ser substituída pela preocupação em garantir eficiência às contratações realizadas pela Administração Pública, pois a grande concorrência do pregão aliada ao critério exclusivo de menor preço da modalidade e ainda reforçado pela dificuldade de se incluir exigências de qualidade nas propostas tem trazido à competição todo tipo de licitante e alguns deles preocupados apenas em ganhar a qualquer preço, apostando em um posterior aditamento de contrato que assegure melhores margens de lucro. Este quadro fica especialmente evidenciado nas contratações de serviços contínuos que tem perspectivas para cinco anos. As empresas mergulham seus preços, apresentando planilhas que se encontram no limite, com pequenas margens de lucro e sem previsão para as ocorrências naturais do contrato. Durante a execução pagam os salários e benefícios dos empregados atrasados, deixam de recolher as obrigações trabalhistas e a administração é obrigada a realizar rescisões unilaterais, ficando sem os serviços e muitas vezes sendo chamada a responder na justiça de forma subsidiária pelas rescisões trabalhistas dos empregados das empresas que não são encontradas. O custo de rescisão de um contrato, somado ao de novas licitações e ainda o tempo que os usuários ficam sem os serviços precisam ser computados no momento de se exigir a supremacia do critério menor preço nas licitações de serviços. Qualquer exigência que se faça no sentido de minimizar os riscos da contratação, como exigência de filial ou representação no local da prestação do serviço, credenciamento de profissional em entidade de classe, certificações de qualidade etc., vem sendo entendidas pelos órgãos de controle como restritivas a competição. É preciso que se entenda que apesar da pretensa restrição que poderá produzir, estas exigências tiram da competição as empresas que apresentam maiores riscos para a administração e ainda assim, mesmo que algumas sejam excluídas da competição, a concorrência que garante a disputa de preços não fica comprometida, frente ao grande número de empresas com participação registradas nas licitações realizadas pelos sites governamentais. É preciso ainda que se enfatize que uma postura mais exigente da administração com relação à qualificação técnica, produzirá em médio prazo a melhoria na qualificação das empresas. Uma nova questão vem se colocando de forma a exigir a revisão do critério exclusivo de menor preço nas licitações, bem como as restrições a incorporação de critérios técnicos por parte dos órgãos de controle. A sustentabilidade das licitações. A Administração pública não pode se eximir de seu papel de promotora e executora dos programas de proteção ao meio ambiente. As compras governamentais movimentam cerca de 10% do PIB, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, o que comprova que a administração pública é uma grande consumidora e pode 192 Novos Rumos para a Gestão Pública desenvolver papel estratégico na revisão dos padrões de produção e de consumo, apoiados no tripé da atividade econômica, meio ambiente e bem estar da sociedade. o De acordo com recente legislação publicada a IN MPOG 01, de 19 de janeiro de 2010, que dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. A administração poderá exigir, nas licitações, alguns critérios de sustentabilidade ambiental, entre eles que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável, conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2; que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada entre outros. Prevê ainda para a comprovação desses critérios deve ser a apresentação de certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada, ou por qualquer outro meio de prova que ateste que o bem fornecido cumpre com as exigências do edital. Entretanto, mais adiante estabelece que selecionada a proposta, antes da assinatura do contrato, em caso de inexistência de certificação que ateste a adequação, o órgão ou entidade contratante poderá realizar diligências para verificar a adequação do produto às exigências do ato convocatório, correndo as despesas por conta da licitante selecionada. O edital ainda deve prever que, caso não se confirme a adequação do produto, a proposta selecionada será desclassificada. Apesar de vago em relação às exigências da lei 8.666/93, a IN n.°1 pode ser uma grande aliada na inclusão de critérios de qualidade nas licitações. Parece ser um grande desafio adquirir bens e serviços ecologicamente corretos e ao mesmo tempo seguir o critério menor preço, pois os produtos tidos como “verdes” são mais caros, apesar de gerarem menores impactos ambientais. Fica aí lançada à questão, qual o preço que a sociedade está disposta a pagar? qual será o menor preço para a sociedade? Não há alternativa, que não aderir aos selos “verdes” que garantam à origem dos insumos, o trabalho dos resíduos, e a utilização de produtos não agressivos a natureza. A administração Pública não pode abrir mão do papel estratégico de interferir na produção de novos padrões de consumo. Uma nova realidade se apresenta com tamanha força que não restará alternativa, que não a revisão da legislação com a flexibilização de posturas cristalizadas, que precisam voltar à atenção para as necessidades da sociedade e se colocarem a serviço dos cidadãos e não dos processos ritualísticos pelos quais se busca atender as demandas da sociedade. ANEXO I EXCERTO MANIFESTAÇÃO DO RELATOR Sessão: 26/08/08 Relator: Ministro MARCOS VINICIOS VILAÇA AC-2740-30/08-1 Determinar à Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério das Cidades, que, em futuras licitações: [...] 1.6.2. Estabeleçam nos instrumentos convocatórios de licitações, critérios objetivos para a desclassificação de licitantes em razão de preços excessivos ou manifestamente inexeqüíveis, sem prejuízo de que, antes de qualquer providência para desclassificação por inexequibilidade, seja oferecida ao licitante a oportunidade de comprovar sua capacidade de cumprimento do objeto no preço ofertado; EXCERTO MANIFESTAÇÃO DO RELATOR 9.1. Determinar a Petróleo Brasileiro S.A. que: [...] 9.1.2 estabeleça, nos instrumentos convocatórios de licitações, critérios objetivos para a desclassificação de licitantes, em especial em razão de preços excessivos ou manifestamente inexeqüíveis, ou ainda, por ineficiência técnica, atendendo ao princípio do julgamento objetivo, nos termos do art. 3º da Lei nº 8.666/93; Sessão: 17/02/09 Nos termos da jurisprudência do TCU, não cabe ao pregoeiro ou à 193 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 Relator: Ministro AUGUSTO NARDES AC-0559-04/09-01 comissão de licitação declarar a inexequibilidade da proposta da licitante, mas facultar aos participantes do certame a possibilidade de comprovarem a exeqüibilidade das suas propostas. 9.2. Determinar à Gerência Executiva do INSS em Fortaleza que adote, em suas licitações, critérios objetivos e claros de aceitabilidade de preços unitários e globais, consoante os arts. 40, inciso X, 44, caput e § 1°, e 45, caput, da Lei n° 8.666/1993, bem como faculte a os participantes dos certames a possibilidade de comprovarem a exeqüibilidade de suas propostas, conforme a jurisprudência deste Tribunal Sessão: 28/08/07 Relator: Ministro MARCOS BEMQUERER AC-2586-29/07-1 9.2. Determinar ao Tribunal Regional do Trabalho da 6a Região TRT/PE que: [...] 9.2.2. Nas licitações para a contratação de serviços, estabeleça critérios objetivos para a aferição de preços inexeqüíveis no instrumento convocatório, conforme estabelecido no art. 48, inciso II, da Lei n. 8.666/1993 e nos moldes previstos pela IN/Mare n. 18, de 23 de dezembro de 1997; Fonte: site do TCU ANEXO II EXCERTO MANIFESTAÇÃO DO RELATOR Sessão: 13/08/08 Relator: Ministro BENJAMIN ZYMLER AC-1612-32/08-P Auditoria de conformidade realizada nas obras de expansão do Sistema de Transmissão Acre/Rondônia, na Região Norte] [ACÓRDÃO] 9.1. Determinar à Eletronorte que: [...] 9.1.3. Abstenha-se de incluir, nos editais de seus certames licitatórios, cláusulas em que a certificação ISO e outras semelhantes sejam empregadas como exigências para habilitação ou como critério para desclassificação de propostas; Sessão: 02/06/09 Relator: Ministro JOSÉ JORGE AC-2776-17/09-2 1.6.1.4. Recomendar a Universidade Federal de Uberlândia, [...], que evite exigir dos licitantes, quanto à qualificação técnica, documentos além daqueles relacionados no art. 30 da Lei n.º 8.666/93, a exemplo da exigência sem amparo legal de certificação da série ISO 9000 para habilitação em processos licitatórios (subitem 6.1.1.1 do RA/CGU); Sessão: 08/10/08 Relator: Ministro BENJAMIN ZYMLER 9.3. Determinar ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica Federal que se abstenham de orientar e exigir das Prefeituras Municipais que exijam o Certificado Brasileiro de Qualidade e Produtividade de Habitat - PBQPH como critério de habilitação nas licitações contempladas com recursos federais; [...] 9.5. Determinar à Prefeitura Municipal de Rondonópolis e ao SANEAR - Serviço de Saneamento Ambiental de Rondonópolis que, nas próximas licitações que efetuarem com recursos do Orçamento Geral da União: [...] 9.5.2. Não exijam como requisito para habilitação das licitantes, a apresentação de certificados de qualidade e outros documentos que não integrem o rol da documentação exigida por lei para comprovação de capacidade técnica, nos termos do inciso II c/c o § 1º do art. 30 da Lei 8.666/93, abstendo-se, em especial, de exigir certificado do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade de Habitat (PBQPH), por falta de amparo legal; Sessão: 25/06/08 Relator: Ministro VALMIR CAMPELO [...] 9.7. Determinar à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais que, quando utilizar recursos federais: [...] 9.7.2.2. Não inclua, em seus editais de licitação, 194 Novos Rumos para a Gestão Pública AC-1224-25/08-P cláusulas que restrinjam a competitividade do certame licitatório, em atendimento ao art. 3º da Lei n. 8.666/93, entre as quais a exigência de Certificado ISO 9001/2000, como ocorreu nos pregões de n. 1 e 13/06, contrariando a jurisprudência do TCU e o disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93 e Decisão 20/98-Plenário TCU; EXCERTO MANIFESTAÇÃO DO RELATOR Sessão: 10/06/09 Relator: Ministro BENJAMIN ZYMLER AC-1265-23/09-P 9.4. Determinar à Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso que: [...] 9.4.2. Não exija como condição para participar de processos licitatórios, a apresentação de certificados de qualidade e outros documentos que não integrem o rol da documentação exigida por lei, nos termos do inciso II c/c o § 1º do art. 30 da Lei nº 8.666/93; Sessão: 12/09/07 Relator: Ministro RAIMUNDO CARREIRO AC-1890-38/07-P Inclusão, no edital e no contrato decorrente, de exigência de apresentação, pelas licitantes, de Certificação ISO, considerada desnecessária e restritiva, afrontando ao art. 37 da CF/88 e ao art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93, bem como descumprindo determinação do TCU expressa na Decisão Plenária 1.526/02-P, de 06/11/2002. [...] 33. Aproveitando excerto de ensinamento de Marçal Justen Filho, citado na defesa dos responsáveis - Para Concluir, nada impede que o ato convocatório preveja certificado ISO como evidência de habilitação. O que não se admite é a vedação de participação das empresas não certificadas. Dever-seá assegurar aos interessados, mesmo não dispondo da certificação, a faculdade de comprovar sua idoneidade para execução do objeto licitado.¿ (¿Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos¿, Marçal Justino Filho, 11 a. Edição, São Paulo: Dialética, 2005, fl. 340) -, perguntamos: foi dada oportunidade aos demais licitantes que não possuíam a certificação requerida de comprovar sua idoneidade para execução do objeto? Pelo que observamos nos dispositivos editalícios aqui citados, ficou claro que não. [...] 43. O Tribunal reiteradas vezes já se manifestou a respeito da exigência de certificação ISO, considerando-a ilegal como requisito de habilitação técnica, porém aceitando-a como critério de pontuação (Decisões Plenárias 408/96, 20/98 e 140/99; Acórdão 1937/2003 - Plenário). No caso em tela, como se tratava de uma licitação na modalidade pregão, que tem como critério de julgamento obrigatório o menor preço, não seria possível estabelecer um procedimento de pontuação técnica. Tal fato, entretanto, não pode justificar a inserção de tal exigência como se item de qualificação técnica fosse, ou seja, com caráter eliminatório. [Acórdão] 9.1. Rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelos Srs. [omissis] - em face da inclusão, no edital e no contrato decorrente, de exigência de apresentação, pelas licitantes, de Certificação ISO, considerada desnecessária e restritiva ao caráter competitivo do certame, afrontando o art. 37 da Constituição Federal e o art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93. Fonte: site do TCU 195 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BRASIL. Constituição (1988). Lex: legislação federal e marginalia, São Paulo, 1995. BRASIL. Lei n° 8.666 de 21 de junho de 1993. 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Evocamos as lições de Lainé e Pontes de Miranda, para bem compreender a controvérsia que gira em torno da sujeição do Estado, por sua Administração Pública, à arbitragem. No que concerne aos precedentes jurisprudenciais, tratamos o tão famoso Caso Lage e o caso da extinta Cia de Navegação Lloyd brasileiro. Trazemos à tona a legislação pertinente, dando especial ênfase a Lei nº 9.307, de 23/9/1996, sem deixar de cuidar de outras normas relevantes como as Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), o antigo Código Comercial, de 1850, a Lei nº 1.350, de 14/9/1866, além das Constituições brasileiras de 1937, a de 1967/1969 e a atual, de 1988, além de mencionarmos os tratados internacionais de que o Brasil é signatário atinentes à matéria em análise. Discorremos com minúcias sobre as normas de arbitragem mais estritamente relacionadas ao contrato administrativo propriamente dito, quais o o o sejam o Decreto-Lei n 960/1938, o Decreto-Lei n 1.312/1974, as leis estaduais n 7.835/1982 de o São Paulo e n 1.481/1989 do Rio de Janeiro, o Decreto-Lei nº 2.300/1986 (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 2.348/1987), a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 8.987/1995 (com as o atualizações da Lei n 11.196/2005), a Lei nº 9.472/1997 (ANATEL), a Lei nº 9.478/1997 (ANP), a Lei nº 11.079/2004 (PPPs) e a Lei nº 11.196/2005 (franquia postal). A partir daqui, nos detemos ao ponto-chave da discussão: se é ou não é cabível ao Estado convencionar cláusula de arbitragem / compromisso arbitral no seio dos contratos administrativos que celebra, de forma geral. Para tanto, sistematizamos tudo quanto a doutrina e legislação pátrias levantam a respeito, para, então, analisarmos criticamente suas formulações teóricas, dispositivos e argumentos a favor e contra a arbitrabilidade estatal objetiva e subjetiva. Concluímos apontando a arbitragem como um dos meios de resolução dos conflitos surgidos nos contratos administrativos em geral, sempre que versarem sobre a parcela disponível dos direitos do Estado, uma vez que não há óbice jurídico a que a Administração se submeta a juízo arbitral. PALAVRAS-CHAVE: arbitrabilidade estatal – resolução de conflitos – contratos administrativos INTRODUÇÃO A arbitragem é uma técnica de resolução de conflitos que se ultima com a decisão por uma ou mais pessoas escolhidas pelas partes contratantes sobre convenção privada e cuja determinação, conquanto tenha a mesma eficácia de uma sentença judicial, não sofre qualquer intervenção estatal. Por meio da convenção de arbitragem, um contrato de direito privado, estipulam-se os efeitos processuais inter partes e firma-se o compromisso de não levar ao Judiciário o conhecimento da causa. Se amplamente difundida no meio privado, continua a dúvida sobre se a arbitragem é meio hábil à composição de controvérsias que envolvam o Estado. É este artigo elaborado com o fito de contribuir para as reflexões sobre o tema específico da arbitrabilidade estatal. 1 De maneira a alcançarmos o nosso objetivo, inicialmente trataremos da evolução histórica do instituto da arbitragem no Brasil, entendendo como ao longo da história brasileira, tem a doutrina, legislação e jurisprudências pátrias organizado o assunto. Decompomos, então, em duas partes este primeiro trecho do estudo, para, na primeira, relatar sobre o instituto de uma forma geral e, na segunda, tratar mais especificamente das formulações que relacionam Estado e arbitragem. Em seguida, nos deteremos no ponto-central deste artigo: pode ou não o Estado submeter suas causas à juízo arbitral? As incursões teóricas, muito mais de fundo bibliográfico e legislativo e menos jurisprudencial, serão formuladas em dois segmentos: no primeiro, falaremos da arbitrabilidade estatal subjetiva para, no segundo, nos determos à objetiva. Assim, esperamos, ao final, sem nos esquivar de tomar partido, ter trazido à tona todo o debate em torno da possibilidade de o Estado convencionar a arbitragem em seus contratos administrativos, tema tão importante e atual do Direito Administrativo. 197 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL Para bem conhecer o objeto de estudo sugerido neste artigo, é imprescindível rememorar os principais marcos da história que delinearam o próprio instituto da arbitragem no Brasil. 2.1 O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL Conforme ensinamentos do professor Eros Roberto Grau, o instituto da arbitragem é herança dos gregos e romanos e sua história se mescla com o nascimento da própria jurisdição e 2 só se separam, irremediavelmente, quando da organização do Estado e sistematização do direito . No Brasil, segundo nos conta Mauro Roberto Gomes de Mattos, as Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) já previam a arbitragem para composição de 3 conflitos e vigeu regularmente no Brasil . Depois, em 1850, editou-se o Código Comercial brasileiro, que, em seu artigo 294, regulamentado pelo art. 411 do Regulamento 737/1850, exigia 4 o juízo arbitral para a solução de causas comerciais . o Apesar da grande desenvoltura do instituto, sobreveio em 14/9/1866 a Lei n 1.350, que revogou os artigos supracitados e suprimiu a possibilidade de solução de conflitos por arbitragem no Brasil, a não ser quando se tratasse de direito internacional, especialmente nos contratos de navegação – daí também que nosso país aderiu ao Protocolo de Genebra de 1923, incorporado o ao direito interno por força do Decreto n 21.187, de 22/3/1932. A propósito, no campo do direito internacional, o Brasil faz parte inclusive da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá em 1975, ratificada e promulgada em 10/5/1996, subscreveu em 2002 a Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (a chamada Convenção de Nova Iorque, de 1958) e é signatário do Protocolo de Brasília, que estabelece a arbitragem como meio de composição de conflitos no âmbito do Mercosul (cap. IV, art. 8º). E o ex-vice-presidente da República, Marco Maciel, em palestra proferida por ocasião da comemoração dos 13 anos da Lei de Arbitragem – diga-se logo que ele foi autor do projeto de lei o que culminou na edição da Lei n 9.307/96 – trouxe à memória que também foi utilizado de arbitragem para delimitar os limites fronteiriços entre o Brasil e a Guiana Inglesa, quando era Ministro de Relações Exteriores o Barão do Rio Branco e advogado do governo brasileiro Joaquim 5 Nabuco . 2.2 A ARBITRABILIDADE DO ESTADO Especificamente quanto à arbitrabilidade estatal, é oportuno rememorar os marcos de interpretação que delineamos ao longo da nossa história sobre arbitrabilidade relacionada ao Estado brasileiro. Primeiramente, tem-se notícia de que, sob influência de Lainé, Pontes de Miranda teria sido quem primeiro teorizou a respeito entre nós, sustentando, no início do século XX, a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, “considerando-a como uma alternativa nova que importaria na 6 renúncia à processualidade estatal” . E a questão da admissibilidade da arbitragem pelo Estado há longa data também é alvo de reflexão e teorização pelas principais cortes brasileiras há muito tempo. A Suprema Corte, por exemplo, em histórico julgamento ao qual se costuma designar simplesmente de “Caso Lage” (Agravo de Instrumento nº 52.181, julgado em 14/11/73), decidiu nessa longa demanda judicial que envolvia a União e os herdeiros de Henrique Lage – estes reivindicando o direito a receber indenizações decorrentes do torpedeamento de navios durante a Segunda Guerra Mundial, que integravam o acervo incorporado ao Patrimônio Nacional – que: Juízo Arbitral – Na tradição de nosso direito, o instituto do juízo arbitral sempre foi admitido e consagrado, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Pensar de modo contrário é restringir a autonomia contratual do Estado, que, como pessoa ‘sui generis’, pode prevenir o litígio pela via do pacto de compromisso, salvo nas relações em que age como Poder Público, por insusceptíveis de transação. Esta decisão confirma a tradição doutrinária brasileira, existente desde os tempos do império, em aceitar a arbitragem nas causas da Fazenda, na linha dos autorizados pronunciamentos de Lafayette, do Visconde de Ouro Preto e do Conselheiro Silva Costa, bem como a impossibilidade de proibição do uso do juízo arbitral nessas causas, o que significaria a restrição à autonomia contratual do Estado. 198 Novos Rumos para a Gestão Pública O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, com poucos anos de existência, foi logo instado a se manifestar a respeito do tema no caso da extinta Cia de Navegação Lloyd brasileiro, o em 1990, no Recurso Especial n 616, cuja ementa transcrevemos a seguir: CLAUSULA DE ARBITRAGEM EM CONTRATO INTERNACIONAL. REGRAS DO PROTOCOLO DE GENÉBRA DE 1923. 1. Nos contratos internacionais submetidos ao Protocolo, a cláusula arbitral prescinde do ato subseqüente do compromisso e, por si só, é a apta a instituir o juízo arbitral. 2. Esses contratos tem por fim eliminar as incertezas jurídicas, de modo que os figurantes se submete, a respeito do direito, pretensão, ação ou exceção, a decisão dos árbitros, aplicando-se aos mesmos a regra do art. 244, do CPC, se a finalidade for atingida. 3. Recurso conhecido e provido. Decisão por maioria. (Rel.p.acórdão Min. Gueiros Leite, Terceira Turma, j. em 24/4/1990, DJ de 13/8/1990) Esses dois foram os primeiros precedentes a partir dos quais se entendeu ser o Estado “capaz” de convencionar arbitragem em contrato de cunho “administrativo”. Foi, no entanto, no campo normativo que se pôde perceber a maior discussão sobre o tema. No plano constitucional, nem a Constituição de 1937, nem a de 1967/1969 vedavam a 7 instituição de juízo arbitral, que não violava o princípio da competência do Poder Judiciário Com a promulgação da Constituição da República em 1988, que trouxe consigo a Constitucionalização do Direito Administrativo e, poucos anos mais tarde, a Reforma o Administrativa implementada pela Emenda Constitucional n 19/98, a Administração incorporou os princípios da eficiência e da consensualidade (este pressuporia a arbitragem inclusive). Por outro lado, no campo infraconstitucional, cronologicamente, vieram o Decreto-Lei o o n 960/1938, que vetou a arbitragem no caso de dívidas fiscais, o Decreto-Lei n 1.312/1974, surgido um ano após a decisão histórica do STF no “Caso Lage” e que, em seu art. 11, 8 autorizava o Tesouro Nacional a firmar contratos internacionais com cláusula arbitral e as Leis o o estaduais do Rio de Janeiro (n 1.481, de 21/6/89, art. 5º, parágrafo 2º) e de São Paulo (n 7.835, de 8/5/82, art. 8º, XXI), prevendo a arbitragem como instrumento de solução consensual de controvérsias nesses estados. O debate doutrinário mais acalourado se deu especialmente após a sucessiva edição 9 de leis confundindo os estudiosos quanto à arbitrabilidade desde o ano de 1986. São elas o o o o Decreto-Lei n 2.300/1986, o Decreto-Lei n 2.348/1987 (que alterou aquele), a Lei n o 8.666/1993 e a Lei n 8.987/1995, que previu expressamente em seu artigo 23, inciso XV, a possibilidade de arbitragem para compor questões relacionadas aos contratos de concessão que viessem a celebrados pelos entes públicos. Por fim, coroando definitivamente o juízo arbitral, é que, em 23 de setembro de 1996, o promulgou-se a Lei n 9.307. Esta firmou em definitivo que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” 10 (seu art. 1º) e, reafirmada sua constitucionalidade pelo Egrégio STF em 2001 , resta apenas confirmar se suas disposições são aplicáveis aos contratos administrativos. 3 DA ARBITRABILIDADE DO ESTADO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Divide-se a arbitrabilidade em subjetiva e objetiva. A primeira determina quem pode se submeter ao juízo arbitral, enquanto a segunda relaciona-se ao objeto da controvérsia, estabelecendo quais matérias podem ser resolvidas por meio do instituto. 3.1 ARBITRABILIDADE ESTATAL SUBJETIVA Quanto à arbitrabilidade subjetiva, a legislação brasileira sempre foi no sentido de que as pessoas capazes podem se valer da arbitragem e que esta era vinculada à transação, de maneira que apenas as pessoas que têm poderes para transigir poderiam celebrar compromisso arbitral / 11 cláusula compromissória . o O Decreto-Lei n 2.300/1986, que disciplinava as licitações e contratos na Administração, previa, no parágrafo único do art. 45, a obrigatoriedade de cláusula que declarasse competente o 12 foro do Distrito Federal para dirimir controvérsias vedando expressamente a arbitragem . 199 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 No entanto, menos de um ano após o início de sua vigência, foi promulgado o Decreto-Lei o o n 2.348 de 1987, que alterou vários artigos do Decreto-Lei n 2.300/86, dentre eles o citado parágrafo único do art. 45, possibilitando, assim, a utilização da arbitragem em algumas hipóteses 13 de licitação internacional. Observa-se que o dispositivo ainda não se apresentava satisfatório, uma vez que previa a obrigatoriedade de previsão do foro do DF apenas para os contratos celebrados com pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, deixando de abranger as pessoas domiciliadas no País. o o Em 1993, com a superveniência da Lei n 8.666, o Decreto-Lei n 2.300/86 foi revogado, passando a reger as licitações e contratos da Administração Pública direta, indireta e entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Distrito-Federal, Estados e Municípios (art 1º). Todavia, no que tange à possibilidade de solução de controvérsias pela via arbitral, a Lei n° 8.666/93 trouxe regra imprecisa e lacunosa, o qu e acabou por gerar incerteza, até os dias de 14 hoje, sobre a possibilidade de uso do instituto pela Administração Pública. Sem dúvida, a regra geral era a proibição de escolha de foro estrangeiro, estendendo, também, a obrigatoriedade do foro da sede da Administração aos contratos celebrados com o pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil, diferentemente do Decreto-Lei n 2300/86. o A imprecisão da Lei n 8.666/93 residiu na retirada da menção expressa ao juízo arbitral para algumas hipóteses de licitação internacional. Essa omissão levou a dúvidas que, para fins didáticos, organizamos em três correntes basicamente: A 1ª corrente seria a daqueles que entendiam não mais ser possível submeter o Estado a juízo arbitral; a 2ª corrente, a dos que pensavam ser possível a arbitrabilidade estatal desde que houvesse lei expressa a autorizando; e a 3ª corrente, aquela dos estudiosos que vislumbravam a possibilidade da arbitragem ser convencionada pelo Estado em seus contratos, haja vista os princípios da eficiência e consensualidade insertos na Constituição Federal de 1988 por força da o EC n 19/1998. A matéria continuou, no entanto, sendo alvo de elaboração e “aperfeiçoamento” pelo o legislador ordinário e, com o advento da Lei n 8.987/95, “Lei de Concessão de Serviços Públicos”, mais uma vez admitiu-se a arbitragem pelo Estado no seu art. 23, inciso XV, do qual se extrai: “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.” Dessa feita, a maior parte da doutrina passou a entender que tal dispositivo autorizou o uso da arbitragem nos contratos de concessão e permissão de serviços públicos, mesmo não tendo 15 explicitamente utilizado o termo “arbitragem” , o que só veio a acontecer anos mais tarde, com a o inclusão do art. 23-A, determinação da Lei n 11.196/2005: Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos o termos da Lei n 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) Assim, novamente polarizou-se a doutrina pátria, subdividindo-se em duas correntes principais: a dos que criam só ser possível a arbitragem nos contratos de concessão, tal como o o autorizado no art. 23, XV, da Lei n 8.987/95 (em em casos que tais, como o da Lei n 9.472/1997, o o “Lei da Anatel”, o da Lei n 9.478/1997, “Lei da ANP”, o da Lei n 11.079/2004, “Lei das PPPs”, o o 16 da Lei n 11.668/2008, “Lei da franquia postal” etc.) , tendo em vista o princípio da legalidade; e, o em lado oposto, os que defendiam que o art. 23, inciso XV, da Lei n 8.987/1995 se constituía 17 permissão genérica para o manejo da arbitragem nos contratos administrativos em geral . Pedindo vênia à primeira corrente, sem querer adentrar na discussão sobre a distinção entre o princípio da legalidade e o princípio da juridicidade, nos filiamos à segunda corrente, entendendo ampliativamente o princípio da legalidade, o que redunda em dizer que, ao nosso ver, é legal a conduta extraída do ordenamento jurídico como um todo. o Daí, é bem verdade que a Lei n 9.307/96 não menciona expressamente o Estado como ente capaz de se submeter à arbitragem, mas cremos que assim não o fez porque a “Lei da Arbitragem” pertence à esfera do direito privado. Ocorre que as disposições do direito privado podem ser aplicadas supletivamente aos o contratos administrativos, sob a dicção do art. 54 da Lei n 8.666/93, in verbis: Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se, 200 Novos Rumos para a Gestão Pública supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. (grifos nossos) Essa formulação não é nossa mas de professores expoentes do nosso direito brasileiro, 18 19 20 como Adilson de Abreu Dallari e Arnold Wald , além de outros . Saliente-se, ainda, haver ensinamento no sentido de que a própria Lei de Licitações, ao prever no seu art. 72, II, a rescisão amigável do contrato por acordo entre as partes, já tendia à adoção do arbitramento estatal e de que só havendo lei que negasse expressamente autorização ao Estado para convencionar a arbitragem é que esta possibilidade seria de todo extirpada, como o 21 ocorrido no Decreto-Lei n 960/1938. 3.2 ARBITRABILIDADE ESTATAL OBJETIVA No que diz respeito à arbitrabilidade objetiva, ela sempre esteve restrita às questões 22 passíveis de transação, quer dizer, àquelas referentes a direitos patrimoniais disponíveis . É por isso que a discussão acerca da arbitrabilidade objetiva do Estado centra-se na natureza dos direitos envolvidos, se disponíveis ou indisponíveis. Lúcia Valle Figueiredo é firme na sua argumentação de que não é possível instituir juízo arbitral no seio de contratos administrativos, por dois motivos. A uma, porque o interesse público é indisponível; a duas, porque o fato de não caber recurso ao Judiciário da sentença proferida em 23 sede arbitral feriria o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Diversamente é o pensamento de Carlos DelPiazzo. Vejamos: (...) pactuar a cláusula compromissória não significa contrariar o interesse público quando o ordenamento, implícita ou 24 explicitamente, atribui competência a uma entidade pública para firmar tal compromisso. Outrossim, Diogo Moreira Neto, também adepto da corrente que pensa ser possível ao Estado firmar a arbitragem, se utiliza da distinção entre interesse público primário e secundário, para formular que, quanto àquele primeiro, é perfeitamente possível a aplicação do instituto em 25 comento. E o ilustre professor distingue inclusive as órbitas, interna e externa, de solução de conflitos envolvendo o Estado, ao que conclui que, na órbita externa, estamos jungidos ao que preconiza o art. 4º, inciso VII, da Constituição Federal, que aponta o emprego das vias pacíficas (consensuais), para dirimir conflitos em que sejam parte a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais. Nessas hipóteses, o Estado não está apenas autorizado, mas obrigado constitucionalmente a esgotar as soluções de consenso, mesmo que envolvendo direitos 26 indisponíveis. O autor prossegue o raciocínio sustentando que, se a arbitragem é expressamente permitida na órbita externa, não há porque haver impedimento para que o Estado a utilize na órbita interna. Toda a questão do cabimento da arbitragem na órbita interna se reduziria à definição do campo contratual em que a Administração negocia e estatui como qualquer particular, excluídas, portanto, quaisquer cláusulas em que seja prevista a satisfação de um interesse 27 finalístico da sociedade, cometido ao Estado, este sim, indisponível. Logo, no tocante à arbitrabilidade objetiva estatal, colhem-se os seguintes posicionamentos da doutrina: 1) o primeiro, esposado por Lúcia Valle Figueiredo, Sidney Bittencourt, Suzana Domingues Medeiros, Luis Roberto Barroso, dentre outros, que afirma que a Administração Pública não pode transigir com o interesse público e, por conseguinte, estaria impedida de firmar compromisso arbitral / cláusula compromissória; 2) o segundo, defendido especialmente por Carlos Delpiazzo, Diogo de Figueiredo Moreira 28 29 30 31 Neto, Caio Tácito , Pedro Batista Martins , Rafael Bielsa e Carlos Alberto Carmona , para quem se admite a submissão da Administração ao juízo arbitral nas hipóteses em que pratique atos de gestão, sempre que operacionalizar interesses primários hábeis a ser quantificados, e, portanto, que tenham expressão patrimonial. 201 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 4 CONCLUSÃO Este trabalho teve como escopo remontar à origem do instituto da arbitragem no Brasil para, contextualizando-o ao atual estágio da normativa ao seu respeito, julgar sobre se é ou não possível ao Estado estipular convenção de arbitragem no seio de contrato administrativo, ao que concluímos: a) em analisando a historicidade do instituto da arbitragem no Brasil, vê-se, mais que nunca, que há diversas leis prevendo a submissão do Estado à juízo arbitral que convencione, como que inserindo na Administração Pública uma visão negocial antes não aceita. Ao que nos parece, inicialmente eram absolutas as regras proibitivas, que, principalmente a partir da década de 80 do século passado, foram sendo mitigadas e hoje temos forte tendência a ampliar o âmbito de aplicabilidade de soluções amigáveis (consensuais) de conflito, como o é a arbitragem, inclusive para alcançar o ente estatal; b) quanto à sua arbitrabilidade estatal: o b.1) a autorização ampla e genérica do art. 1º da Lei n 9.307/96, que possibilita a “pessoas capazes de contratar” convencionar a cláusula de arbitragem, não exclui de seu alcance o Estado, que, como outros pessoas jurídicas, pode validamente assumir obrigações de natureza bilateral, sempre que o ordenamento não veicular vedação e respeitado o interesse público; b.2) como também admite parte da doutrina, a utilização da arbitragem pela Administração Pública pode ser convencionada desde que os direitos envolvidos sejam disponíveis, pois há casos, sim, em que eles se restringem à esfera negociável do Estado. c) por fim, transcrevemos as palavras de Themístocles Cavalcanti: Parece-me que a Administração Pública realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as partes que com ela contratarem, a resolver as controvérsias de direito e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das partes, remetendo-as ao juízo ordinário ou prolongando o processo administrativo, com diligências intermináveis, 32 sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo. (grifos nossos) 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luis Roberto. Sociedade de economia mista prestadora de serviço público: cláusula arbitral inserida em contrato administrativo sem prévia autorização legal. Invalidade. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e de Arbitragem. São Paulo, n. 19. BIELSA, Rafael. Estúdios de Derecho Publico, vol. III, Buenos Aires: Depalma, 1949. BITTENCOURT, Sidney. Arbitragem envolvendo o Estado no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 233, p. 71-101. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei n. 9307/1996. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. DALLARI, Adilson Abreu. Arbitragem na Concessão de Serviço Público. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, v. 32, n. 128/63-67, 1995. DELPIAZZO, Carlos E. El arbitraje en la contratación administrativa en el ámbito del Mercosur. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, n. 4, Curitiba, 2000. 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Rio de Janeiro: FGV, n 223, jan./mar.2001, p. 115-131. 202 Novos Rumos para a Gestão Pública MEDEIROS, Suzana Domingues. Arbitragem envolvendo o Estado no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 233, p. 71-101. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Arbitragem nos contratos administrativos. Mutações do Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 221-235. TÁCITO, Caio. O juízo arbitral em direito administrativo. Reflexões sobre arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTR, 2002, p. 23-28. 203 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 O PARADIGMA TERRITORIAL NO PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA NOVA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE? Sandro Pereira Silva 1. INTRODUÇÃO Nos anos finais de 1990, o governo federal brasileiro passou a considerar a definição de diferentes escalas para o planejamento de suas intervenções, tendo como influência todo o acúmulo da abordagem territorial em curso em vários países da União Européia. Essa abordagem considera o território, definido com base em múltiplas dimensões que lhe conferem sua identidade, como o espaço de mediação social e de incidência de políticas públicas, e, portanto, lócus privilegiado para o planejamento estatal (SILVA, 2008). Sob essa influência, surgiu no Brasil uma série de políticas públicas nos últimos 10 anos ancoradas em uma abordagem territorial, cada uma com seu enfoque, seus recortes territoriais e seus arranjos institucionais específicos. Diversas instâncias colegiadas (fóruns, conselhos, etc.) envolvendo representantes do poder público e sociedade civil foram constituídas no desenho dessas políticas como instâncias de deliberação. Com base nessas colocações, este trabalho de pesquisa parte da seguinte indagação: quais as inovações trazidas pela abordagem territorial nas relações entre Estado e sociedade civil no contexto do planejamento e implementação de políticas públicas no Brasil? Com base nesse questionamento, buscou-se compreender os avanços e contradições na condução desse novo paradigma de intervenção estatal, com seus métodos, instrumentos e procedimentos, ou seja, o foco de análise está mais nos mecanismos de governança estabelecidos pelas políticas do que em seu conteúdo propriamente dito. 2. POLÍTICAS E PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL A ação deliberada de planejamento estatal teve um marco importante com a criação do Ministério do Planejamento em 1962, no governo de João Goulart. O primeiro ministro a assumir a pasta foi o economista Celso Furtado, reconhecido internacionalmente por seu trabalho como professor na França, sua atuação na CEPAL nos anos 1950 e por seus escritos sobre a economia brasileira e teorias do desenvolvimento econômico. Suas teses fundamentaram as principais ações governamentais de planejamento econômico naquela época e ainda persistem como referência. A principal ação prática no sentido de reorganização do espaço econômico regional e sua integração nacional foi viabilizada ainda no governo de Juscelino Kubitschek, em 1959 com, a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, como proposta para coordenar um projeto de desenvolvimento do Nordeste, região com maiores índices de pobreza e deficiências estruturais do país. Embora a SUDENE tenha sofrido posteriormente, sobretudo após 1964, deturpações no seu projeto original, o debate em torno do planejamento regional para a ação governamental persistiu. Porém, diferentes autores apontam críticas à base de referência regional brasileira atual, quando, na realidade, existe uma diversidade de padrões territoriais e regionais presentes na definição e na de função de cada núcleo de convívio. Brandão (2007) é um dos autores a abordar a questão do estabelecimento de escalas regionais apropriadas para a elaboração de políticas públicas. Para ele, as políticas de desenvolvimento com maiores e melhores resultados são aquelas que não discriminam nenhuma escala de atuação e reforçam as ações multiescalares: microregionais, mesorregionais, metropolitanas, locais, entre outras, e o faz de tal maneira que contribui para a construção de escalas espaciais analíticas e políticas adequadas a cada problema concreto a ser diagnosticado e enfrentado. A escolha adequada de escalas para cada iniciativa de ações territoriais deve considerar a complexidade dos cenários e a necessidade de soluções conjuntas coordenadas e articuladas. Contudo, Brandão (2007) chamou atenção para um sobre-empodeiramento imputado 1 ao território , transformado em sujeito coletivo, difuso, com poder de decisão, e um conseqüente negligenciamento do papel do Estado. Para Perico (2009), o planejamento de políticas públicas deve levar em conta alguns fatores que irão diferenciá-las entre si. Por um lado, elas se diferenciam em relação a sua matéria de tratamento (educação, saneamento, saúde, habitação, etc.), que a definirá enquanto uma política setorial. Por outro lado, as políticas também se diferem pelo âmbito de sua cobertura, a ser definido pelos gestores e organismos responsáveis, sobretudo quanto ao público a ser beneficiado, quais os critérios de inclusão e, em alguns casos, defini-se também as localidades de sua execução. Assim, a abordagem territorial para o planejamento de políticas públicas auxilia no entendimento dos fenômenos sociais, contextos institucionais e cenários ambientais sob os quais 204 Novos Rumos para a Gestão Pública ocorrerá a intervenção desejada, de maneira a propiciar meios mais acurados para a definição e alcance de metas, parcerias necessárias e instrumentos de implementação. Para Rodrigues (2005: p. 46), o território constitui uma base flexível sobre a qual agem diversas forças endógenas e exógenas, de forma que ele se encontra continuamente submetido a pressões de mudanças, conflitos e relações de poder que podem implicar em expansão ou deslocamento. Essas pressões expõem a importância de se manter a “integridade fundamentalmente social do território”. Nesse contexto, afirmou a autora que a noção de território enquanto unidade de planejamento e gestão administrativa possibilita a visualização das possibilidades de atender as complexas demandas sociais “mediante políticas e estratégias de manejo dos recursos econômicos, culturais e ambientais que sustentam a integridade do território” e lhe confere um caráter multidimensional. A temática territorial permitiu ainda a emergência de um discurso de revalorização do meio rural na definição de políticas públicas. Uma das motivações para a adoção da abordagem territorial no planejamento governamental refere-se à constatação das limitações do município em gerir programas governamentais estratégicos, que muitas vezes exigem a ampliação das ações para além de seus limites políticos. Como exemplos de ações dessa natureza, pode-se citar: projetos ambientais de recuperação de áreas degradadas, gestão de bacias hídricas, articulação de cadeias produtivas ou de arranjos produtivos locais, entre outros. Nesse sentido, as novas institucionalidades geradas em bases territoriais facilitam a articulação e a cooperação de entidades políticas e da sociedade civil, nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), evitando a fragmentação das ações. Já no entendimento de Sabourin (2002), o planejamento das ações de Estado sob uma ótica territorial envolve três desafios de grande relevância na atualidade, quais sejam: i) estabelecer ações que garantam uma representação democrática e diversificada da sociedade, a fim de que os diferentes grupos de atores possam participar mais ativamente das tomadas de decisão e ter mais acesso à informação; ii) realizar ações de capacitação junto aos atores locais para que possa ser formada uma visão territorial de desenvolvimento, rompendo a visão setorial como a única forma de análise; e iii) estabelecer novas formas de coordenação das políticas públicas, no que se refere aos recursos, às populações e aos territórios, baseadas em novas lógicas de desenvolvimento. Portanto, a abordagem territorial possui um interessante instrumental para o planejamento e implementação de políticas públicas. Isso ocorre porque cada localidade ou território caracterizase por uma determinada estrutura produtiva, um mercado de trabalho e um sistema produtivo próprios, uma dotação de recursos naturais e infraestruturais, uma tradição cultural, um sistema social e político, sobre os quais se articulam os processos de desenvolvimento local (CEPAL, 2000). 3. AS EXPERIÊNCIAS RECENTES DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL Uma das principais referências atuais para a formulação e implantação de estratégias de planejamento territorial é o Programa de Ligações entre Ações do Desenvolvimento da Economia Rural (LEADER). Esse programa surgiu no contexto da União Européia em 1991, tendo como principal objetivo apresentar um enfoque multisetorial e integrado para a dinamização de espaços rurais com base em projetos territoriais inovadores (SARACENO, 2005). No contexto dos países da América Latina, a utilização desses enfoques ainda são muito incipientes. No Brasil, somente com a promulgação da Carta Constitucional de 1988 e da reforma do Estado ao longo da década de 1990 é que a temática territorial começou de fato a ganhar espaço no campo das políticas públicas, sobretudo com a emergência de uma maior descentralização administrativa na gestão de políticas públicas nacionais. Contudo, Guanziroli (2009) apontou fragilidades do processo de descentralização ocorrida no Estado brasileiro. Além de não fornecer aos municípios os meios necessários para corresponderem às novas responsabilidades, a descentralização por si só não alterou as relações de poder nos municípios e a forma autoritária e clientelista de governar que ainda caracterizam muitas prefeituras, nem garantiu maiores possibilidades de participação dos grupos mais marginalizados da população. Bandeira (2007: p. 202) assinalou dois fatos como marcos importantes para a emergência da dimensão territorial no contexto das políticas públicas brasileiras. O primeiro deles refere-se à tentativa de abordar a problemática macroterritorial do desenvolvimento brasileiro na elaboração do Plano Plurianual 2000-2003, que usou como referência o estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, realizado pelo governo federal. Já o segundo foi a própria criação do Ministério da Integração Nacional em 1999, que de acordo com a Medida Provisória nº 1.911/1999, possui entre suas competências: “formular e conduzir a política de desenvolvimento 205 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 nacional integrada”; “formular os planos e programas regionais de desenvolvimento”; e “estabelecer estratégias de integração das economias regionais”. Em 2000, o Ministério da Integração Nacional elaborou o documento Bases para as Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, o qual propunha uma série de objetivos amplos para a gestão do território, tais como: promover a competitividade sistêmica; mobilizar o potencial endógeno de desenvolvimento das regiões; fortalecer a coesão econômica e social; promover o desenvolvimento sustentável; e fortalecer a integração continental. Em 2003, o governo federal, por meio da Lei nº 10.683, conferiu a responsabilidade sobre o ordenamento territorial aos ministérios da Integração Nacional e da Defesa. Já em 2006, o Ministério da Integração Nacional apresentou os subsídios para a elaboração da proposta da Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT. A partir de 2003, com o início do governo do presidente Lula, outros programas surgiram. Entre os principais programas que adotaram a abordagem territorial para seu planejamento e execução, e que ainda estão em curso, pode-se citar: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR; os Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD’s); o Programa Nacional de Desenvolvimento Territorial Sustentável – PRONAT; e o Programa Territórios da Cidadania. É comum haver entre esses programas a sobreposição espacial na definição dos territórios para a intervenção de cada um deles, do tipo: os territórios se coincidirem; o território de um programa encontra-se contido no território de outro, de maior extensão; ou apenas alguns municípios de um território estarem inseridos na delimitação territorial de outro programa. No entanto, Fernandes (2009: p. 206) não vê problemas nisso, pois para ele, os territórios são “utilizados de diferentes formas assim como as pessoas assumem e executam distintas funções ou como as relações sociais se mesclam, gerando multiterritorialidades”. Dentre esses programas citados acima, o primeiro é a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), sob a gestão do Ministério da Integração Nacional (MI). Segundo seu marco institucional, a PNDR “define premissas, parâmetros e critérios básicos para a redução das desigualdades regionais no Brasil e estabelece uma tipologia sub-regional por microrregiões, a partir da qual o Governo Federal poderia orientar as ações a desenvolver no terreno”, e surgiu como “instrumento de planejamento estatal com vistas à redução das desigualdades regionais, exposta como um dos objetivos fundamentais do Brasil pela Constituição de 1988”. O foco das preocupações incide, portanto, na dinamização das regiões e na melhor distribuição das atividades produtivas pelo território nacional. A PNDR trabalha com o conceito de mesorregião para seus recortes territoriais, sendo identificados inicialmente 13 mesorregiões. Seus seguintes objetivos específicos são: a) dotar as regiões das condições necessárias de infraestrutura, crédito e tecnologia; b) promover a inserção social produtiva da população, a capacitação dos recursos humanos e a melhoria da qualidade de vida; c) fortalecer as organizações sócio-produtivas regionais, ampliando a participação social; e d) estimular a exploração das potencialidades sub-regionais que advêm da diversidade socioeconômica, ambiental e cultural do país. Para a definição de suas ações, a PNDR leva em consideração a presença de fortes desequilíbrios inter e intrarregionais. As regiões consideradas de alto rendimento concentram-se predominantemente no eixo sul-sudeste do país, enquanto que nas regiões Norte e Nordeste persistem um quadro em que convergem baixos indicadores de renda e pouco dinamismo de sua base produtiva. Com base nesse cenário, as ações da PNDR constituem uma tentativa de diminuição das desigualdades existentes no Brasil. As principais ações são: o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-árido (Conviver); o Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais (Promeso); o Programa de Organização Produtiva de Comunidades Pobres (Produzir); o Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões (Promover); o Plano de Desenvolvimento Estratégico para o Semi-Árido (PDSA); o Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163; o Plano para a Amazônica Sustentável (PAS); o Programa de Desenvolvimento das Áreas de Fronteira (PDAF); e o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional. Entre as estratégias de governança traçadas pela PNDR para alcançar seus objetivos, primeiramente é criado em cada mesorregião um fórum mesorregional como instrumento para a articulação institucional entre as diversas esferas de governo e organizações da sociedade civil em cada território (mesorregião). Os fóruns assumem função de destaque na concepção da PNDR, pois representam o eixo no qual as articulações se completam, tanto com vistas às atividades de planejamento e definição de prioridades (ações estratégicas), quanto para o acompanhamento e controle da execução de projetos e programas específicos (MORAES; LOURO, 2003). 206 Novos Rumos para a Gestão Pública Perico (2009) apontou a relevância da PNDR para abrigar o discurso do território na esfera do planejamento federal. No entanto, o autor disse haver certa confusão conceitual em seu estatuto na definição das diferentes escalas espaciais com as quais trabalha, tais como região e território. Além disso, como os recortes territoriais das mesorregiões são muito amplos, englobando inclusive diferentes estados em uma única mesorregião, torna-se muito difícil a coordenação e operacionalização de projetos conjuntos no interior dos territórios. Flores (2006) também chamou a atenção para a definição de territórios com largas dimensões. Segundo ele, as grandes diferenças de identidades dentro dos territórios estabelecidos como objetos de intervenção dificultam tanto o estabelecimento de estratégias de valorização dos produtos com base nas especificidades territoriais, como também a formação de arranjos institucionais locais para a execução de políticas. No entendimento de Bandeira (2007: p. 203), uma verdadeira política nacional de desenvolvimento regional, como pretende ser a PNDR, apresenta um sentido duplo: de um lado, sustentar uma trajetória de reversão das desigualdades regionais que, à exceção de curtos períodos históricos, não pararam de se ampliar no Brasil; de outro, explorar, com afinco, os potenciais endógenos da magnificamente diversa base regional de desenvolvimento, em conformidade com os fundamentos sociais atuais de uma produção mais diversificada e sofisticada, mas portadora de valores sociais regionalmente constituídos. Contudo, apesar dos esforços empreendidos, a discussão sobre os objetivos que devem presidir a atuação do poder público sobre o território ainda não chegou a um grau de amadurecimento capaz de institucionalizar um nível de consenso necessário, sem o qual, torna-se difícil mobilizar apoio suficiente para alcançar a prioridade necessária para viabilizar políticas ou ações mais efetivas relacionadas com o ordenamento do território. A segunda ação governamental citada trata dos Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD’s), os quais configuram um desejo de estabelecer uma estratégia de cooperação entre o poder público e a sociedade civil voltada para o apoio logístico e a canalização de recursos para as iniciativas territoriais, projetos e ações estruturantes. Esse programa surgiu em 2003 para a promoção da segurança alimentar e desenvolvimento local, inserido em uma ação maior do governo federal para o combate à fome e à pobreza no Brasil, que foi o Programa Fome Zero, sob responsabilidade do então recém criado Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Os CONSAD’s são arranjos territoriais em regiões de baixo índice de desenvolvimento que busca promover a cooperação entre os municípios. Em 2003, foram mapeados e constituídos pelo MDS 40 CONSAD’s, com pelo menos um em cada estado brasileiro, que correspondem a um total de 585 municípios e uma população de mais de 11 milhões de habitantes. Os critérios de seleção dos municípios pelo MDS foram com base no perfil socioeconômico, destacando também o “perfil rural”, as carências infraestruturais e a presença de agricultura familiar nos municípios. Seu enfoque territorial abrange as seguintes dimensões: a) as relações sociais, comerciais, produtivas, políticas e culturais existentes na região..., b) a dimensão física e ambiental do território [...], c) as potencialidades geoestratégicas do território como base dos arranjos sócio-produtivos sustentáveis; d) a necessidade de reorganização do território de forma a proporcionar a inclusão social [...], e) [...] construção de uma institucionalidade capaz de mediar conflitos, agregar esforços e gerar sinergias de forma a direcionar o processo de integração territorial para os objetivos de segurança alimentar e nutricional e desenvolvimento local; f) fortalecimento da identidade territorial e a construção de um sentimento de solidariedade social (JESUS, 2006: p. 62). As ações do CONSAD envolvem basicamente três linhas principais: 1) implementação de ações e políticas específicas de segurança alimentar; 2) articulação de iniciativas de competência de outras esferas de governo e instituições da sociedade civil; e 3) gestão participativa com vistas a tornar as comunidades protagonistas de seu processo de emancipação. Eles são concebidos como uma associação intermunicipal, sob orientação da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN/MDS), com o objetivo de congregar objetivos sociais do poder público e da sociedade civil para a promoção de ações conjuntas, com foco na segurança alimentar e no desenvolvimento sustentável. Cada consórcio deve buscar o enfrentamento dos problemas de sua região e a alavancagem das potencialidades de cada município de maneira articulada, reunidos por laços de identidades sociais, culturais, ambientais e econômicas. 207 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A partir dos consórcios intermunicipais são escolhidos os membros que irão compor o Fórum do CONSAD, instância máxima deliberativa dentro consórcio e responsável pelas decisões políticas Os agentes envolvidos têm a incumbência de promover uma articulação para a elaboração de um plano intermunicipal de desenvolvimento sustentável, baseado em um diagnóstico dos principais problemas dos municípios. Cada Fórum deve respeitar dois pressupostos básicos: 1) refletir a pluralidade entre os múltiplos segmentos sociais existentes no território; garantir uma representação majoritária da sociedade civil (2/3 dos membros), buscando estimular e fortalecer a organização social do território como protagonista nas decisões diversas (JESUS, 2006). Outra ação governamental sob a estratégia de intervenção territorial é o Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), também iniciada em 2003 e incluída no Plano Plurianual de Aplicações (PPA) 2004-2007, sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e coordenação de sua Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT). O programa, centrado na inclusão e na justiça social, na reativação das economias locais e na gestão sustentável dos recursos naturais, foi concebido para ser implementado no longo prazo, alcançando todos os espaços rurais do Brasil, especialmente os que apresentem características de estagnação econômica, problemas sociais e riscos ambientais, com forte presença de agricultores familiares e assentados de reforma agrária (BRASIL, 2005). De acordo com as diretrizes do MDA, o desenvolvimento rural, pensado de forma sustentável, tem como meta principal estimular e favorecer a coesão social e territorial das regiões e dos países onde ela é empregada como “elemento harmonizador” dos processos de ordenamento e de desenvolvimento da sociedade em geral. Para alcançar suas principais metas, assim como nos CONSAD’s e nos Fóruns Mesorregionais, um dos objetivos do PRONAT é articular atuações conjuntas com outros órgãos da administração federal, estadual e municipal, bem como da sociedade civil em geral. Esses elementos devem propiciar um sentimento de pertencimento aos diversos grupos locais espalhados pelos municípios que o compõem de forma a consolidar uma maior coesão social e territorial entre seus atores sociais. A caracterização geral da denominação “território rural” no âmbito do MDA, além das condições acima, tem por base as microrregiões geográficas que apresentam densidade demográfica menor que 80 habitantes por quilômetro quadrado e população média por município de até 50.000 habitantes, incluindo-se nesses territórios os espaços urbanizados que compreendem pequenas e médias cidades, vilas e povoados (BRASIL, 2005). Atualmente, a SDT/MDA atua em 164 territórios rurais, os quais compreendem um total de 2.392 municípios com cerca de 47,1 milhões de habitantes, sendo 16,1 milhões residentes em áreas rurais, segundo critérios do IBGE. Esses territórios abrangem uma área de 52% da superfície nacional. Uma de suas principais inovações institucionais encontra-se na definição de suas áreas de resultado, que são quatro: articulação de políticas públicas; formação e fortalecimento de redes sociais; dinamização econômica de territórios rurais; e gestão social. Sobre as três primeiras, pode-se dizer que são comuns a qualquer outro programa de desenvolvimento local ou territorial. A novidade fica pelo fato de gestão social estar entre as áreas de resultado do programa, deixando de ser considerada apenas como instrumento para se chegar aos resultados esperados. Ou seja, o fortalecimento da gestão social é por si só um resultado a ser alcançado. Para fortalecer e garantir o processo de gestão social dos territórios rurais são formados em cada um deles os Conselhos de Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável (CODETER), que são espaços públicos compostos paritariamente por representantes do poder público local e sociedade civil. Estes colegiados constituem-se como as instâncias maiores de deliberação no território no que diz respeito a ações prioritárias de desenvolvimento rural sustentável e na definição de políticas públicas, com o objetivo principal de compartilhar o poder de decisão e “empoderar” os atores sociais no sentido de desenvolver a capacidade e habilidades coletivas de transformar a realidade (BRASIL, 2005). Os recursos do programa para os projetos territoriais também contemplam recursos para a realização de oficinas, custeio das despesas para as assembléias do CODETER, além do pagamento de um assessor territorial, que se dedica integralmente ao apoio das atividades do CODETER e é a principal personagem de referência no território. O principal instrumento de planejamento e gestão social no território é o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), que apresenta os eixos principais para o planejamento das ações com vistas ao desenvolvimento sustentável do território. Eles são elaborados conjuntamente por consultores contratados pelo MDA e atores sociais locais (agricultores familiares, gestores públicos, representantes de ONG’s, sindicatos, instituições de 208 Novos Rumos para a Gestão Pública pesquisa, agências financeiras e outras entidades que atuam no âmbito do território), a partir de metodologias participativas para o levantamento e problematização das informações e definição da visão de futuro do território. Os projetos no âmbito do PRONAT são debatidos no interior dos CODETER’s, devendo atender, por um lado, todos os critérios definidos anualmente pelo MDA, e por outro, os eixos estratégicos para o desenvolvimento territorial estabelecidos no PTDRS do território. Todos os projetos aprovados são encaminhados para o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável (CEDRS), que avalia o mérito de cada projeto, podendo sugerir ajustes ou correções de acordo com as instruções normativas do PRONAT para aquele ano. Após a análise dos projetos, o CEDRS emite um parecer a ser encaminhado para a SDT/MDA, acompanhado de cópia da documentação requerida. Por sua vez, a SDT/MDA emite outro parecer técnico sobre o projeto, e em caso de aprovação, ele será homologado e encaminhado aos agentes financeiros, cujo principal é a Caixa Econômica Federal. Toda essa sequência para a apresentação e seleção dos projetos aponta que os proponentes estão sujeitos às normas que vem de “cima para baixo”. Outra grande preocupação é quanto às exigências burocráticas dos agentes financeiros, tidas por muitos atores envolvidos como os principais responsáveis pela paralisação dos projetos (FREITAS, 2011). Em 2008, o programa de desenvolvimento territorial do MDA ganhou maior vulto institucional com o lançamento do Programa Territórios da Cidadania. Esse programa é administrado pelo governo federal, por meio do Ministério da Casa Civil, e envolve outros 21 ministérios e autarquias diferentes. Ele visa permitir uma melhor focalização e articulação entre as ofertas de políticas públicas aos municípios de territórios elencados a partir de alguns critérios, como índice de pobreza, baixo IDH, existência de grande número de agricultores familiares e assentados de reforma agrária, etc. Além disso, o governo federal acenou com aumento dos recursos de seus outros programas a esses territórios, bem como com a maior abertura para a participação dos atores sociais locais no planejamento, execução e monitoramento desses projetos, por intermédio de seu respectivo CODETER. No primeiro ano foram escolhidos 60 territórios rurais entre aqueles já homologados pelo MDA, passando em 2009 para 120 territórios. Em seu desenho inicial, o programa reuniu um conjunto de 135 ações de desenvolvimento regional e de garantia de direitos sociais a serem ofertadas. Segundo Corrêa (2009: p. 23), o Programa Territórios da Cidadania pode ser considerado um marco na estratégia de planejamento territorial de políticas públicas orquestrada pelo governo federal, na medida em que busca articular o “direcionamento de recursos e programas oriundos de diferentes ministérios para os territórios eleitos como prioritários para receberem tais apoios”. De acordo com a autora, a perspectiva é a de que as ações desenvolvidas articulem aspectos de propostas de políticas “de baixo para cima” (top down), articuladas a projetos vindos das próprias comunidades que os recebem (button up), visando um movimento de descentralização de decisões, de transversalidade de políticas e de contínua avaliação do direcionamento dos recursos. Por outro lado, Corrêa (2009) chamou a atenção ao fato de que, ao mesmo tempo em que o número de ministérios envolvidos é um indicador positivo, as várias ações propostas podem gerar dificuldades para o território poder gerir, articular e encaminhar os projetos necessários, dificultando a execução dos recursos. Com isso, os ministérios devem se atentar sobre essa possibilidade e definir, na estrutura normativa de seus programas, recursos e instrumentos para auxiliar o trabalho dos atores locais na elaboração e consolidação dos projetos. O Programa Territórios da Cidadania não constitui um programa governamental propriamente dito, de acordo com a terminologia empregada no Plano Plurianual. Na verdade, ele constitui mais uma estratégia de articulação de políticas públicas em recortes territoriais prioritários e pré-determinados. Ele não traz também uma inovação em termos de arranjos locais de governança e participação social, já que ele faz uso da estrutura já constituída no arranjo do PRONAT. A única novidade foi a determinação para a inclusão de novos atores nos CODETER’s, ligados aos demais temas referentes aos outros ministérios, como cultura, educação, gênero, etc. Com isso, os CODETER’s foram incentivados a constituírem câmaras temáticas diversas para o encaminhamento de ações e projetos setoriais, mantendo a assembléia geral como instância máxima de deliberação do território. Porém, não foram destinados novos recursos para essa maior mobilização social que o programa passou a demandar dos territórios, o que obrigou os atores locais a destinar uma parte de seu tempo dedicado à ação territorial para conseguir parcerias que auxiliem nos custos para a mobilização social. 209 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 4. CONVERGÊNCIAS ENTRE OS PROGRAMAS ESTUDADOS Com base na análise documental e na literatura empírica sobre os programas relatados acima, observou-se que o histórico das ações governamentais de planejamento territorial se fundamentam a partir de uma crítica ao modelo tradicional de políticas públicas no país, ao substituírem o enfoque municipalista, de gestão autocrática ou centralista, por uma atuação intermunicipal, legitimada pelos agentes sociais. Eles buscam articular em suas engenharias institucionais as seguintes dimensões, com vistas à maior incidência territorial das políticas públicas: a) política: capacidades e competências para a gestão territorial; b) sociocultural: identidade e coesão social que facilitem as ações coletivas; e c) econômica: desenvolvimento e superação dos patamares de pobreza e desigualdade. De maneira geral, os principais pontos normativos comuns detectados entre os programas, em especial os programas em curso analisados neste texto, são: definem um recorte espacial para sua atuação; priorizam áreas de concentração de pobreza; atuam de forma descentralizada e interescalar; partem da elaboração de um planejamento estratégico para o desenvolvimento do território; e priorizam instâncias coletivas de deliberação e participação social (espaços públicos), como os conselhos, fóruns, comitês, etc. A superposição de territórios entre diferentes ministérios, que se observa tanto entre os programas analisados como em outros também em curso, não se constitui em um problema maior, já que as escalas e as temáticas para a definição de cada tipo de território são diferentes. Por outro lado, a convergência dos vários espaços públicos criados em uma única instância de participação, organizada em câmaras temáticas de acordo com os interesses dos atores locais e das políticas ofertadas, poderia ser uma ação que permitisse um melhor fluxo de informações entre os atores envolvidos, o que reduziria o custo de transação da gestão dos projetos. O Programa Territórios da Cidadania almejou constituir um desenho dessa natureza, mas ainda não se tem relatos de sucessos alcançados nesse ponto. Verificou-se também que a extensão geográfica média dos territórios varia bastante tanto entre os programas como entre os territórios do mesmo programa. Isso em parte se explica pelo fato de que a população não está dispersa de maneira homogênea em toda a sua extensão geográfica, havendo fortes disparidades regionais. Além disso, muitos territórios foram criados a partir de outras formações sócio-políticas intermunicipais já existentes. Entende-se que esse fato em si não constitui um problema para os programas, desde que haja mecanismos em seu corpo normativo que possibilitem uma intervenção diferenciada de acordo com algumas especificidades pré-definidas de seus territórios, o que não foi observado em nenhum dos programas. Em termos de concepção dos programas, deve-se ressaltar que eles também convergem em algumas deficiências. Ortega (2007) citou algumas deficiências importantes, tais como: dependência do ambiente macroeconômico, sobretudo em termos de política fiscal; minimização da estrutura das classes sociais e conflitos políticos locais; e desconsideração da inserção histórica na ordem capitalista dos diferentes territórios. Além desses pontos, cita-se também o fato de, em nenhum deles, a questão da concentração fundiária é tratada como um tema importante a ser levado para o debate, dado o fato de o Brasil apresentar uma concentração fundiária alta e permanente. Temas como reforma agrária e regularização fundiária aparecem apenas de maneira vaga e marginal, sem apontar mecanismos concretos de viabilização, dado todo o teor de conflituosidade que esses temas carrega sobre si. Por último, cita-se ainda o fator político, já que uma proposta de planejamento nesses termos exige uma concertação bem estabelecida entre os três entes federativos, e como os processos eleitorais ocorrem de dois em dois anos no Brasil, essas pactuações se tornam frágeis por natureza, pois nada garante que os novos governantes honrarão os acordos firmados pelas administrações anteriores. 5. CONCLUSÃO Este trabalho abordou as principais inovações normativas e institucionais que o paradigma territorial trouxe para a ação de planejamento e implementação de políticas públicas no Brasil. Como essa temática ainda é relativamente nova no campo das políticas públicas e os programas analisados ainda estão em processo de institucionalização, seria muito difícil apontar uma conclusão precisa, com base nos materiais disponíveis, sobre o questionamento aqui proposto. As análises realizadas permitem um entendimento de que a abordagem territorial supera a visão anterior de desenvolvimento com base nas escalas macrorregionais, que congregam uma realidade extremamente heterogênea para serem pensadas enquanto totalidade. Da mesma forma, ela possibilita um avanço em termos de uma visão essencialmente municipalista, dado que os municípios são instâncias muito numerosas e pequenas para o planejamento de uma ação estatal a nível nacional. Com isso, ela fornece elementos novos que favorecem relação entre as 210 Novos Rumos para a Gestão Pública diversas escalas do poder público com as organizações sociais existentes nos territórios de incidência das políticas públicas. Porém, pôde-se constatar a persistência de alguns entraves para uma consolidação e institucionalização de fato da abordagem territorial no Brasil. Entre os principais entraves diagnosticados estão: a dificuldade em estabelecer programas intersetoriais inovadores; a falta de um marco jurídico mais favorável para o desenvolvimento de programas territoriais de desenvolvimento, onde tanto o território e seus respectivos fóruns deliberativos ganhem maior legitimidade; maior autonomia institucional dos programas com relação aos ciclos políticoeleitorais no Brasil; a necessidade de ações diferenciadas para o empoderamento de grupos sociais invisibilizados dada a estrutura de desigualdade social no interior dos territórios brasileiros; os mecanismos de financiamento ainda são inadequados para darem suporte a projetos territoriais estratégicos; e o desprezo de temas que, a princípio, geram sérios conflitos de interesse no debate territorial, como a reforma agrária e regularização fundiária, levando a crer o processo de definição de projetos territoriais ocorrem apenas sob um contexto de relação harmônico entre as forças sociais presentes, desconsiderando a existência de conflitos. Esses entraves apontam que a temática territorial ainda não alcançou um nível de prioridade suficiente no campo da decisão política no país, embora apareça cada vez mais como diretriz dos programas governamentais. Entende-se com isso que a retórica discursiva presente nos documentos oficiais não foi acompanhada no mesmo ritmo por inovações normativas que a legitime. Por outro lado, as experiências em curso já desencadearam bons resultados, como a formação de novos arranjos institucionais locais, a maior aproximação entre atores sociais e a gestão de políticas e projetos territoriais, o que pode ser considerado um ponto de partida importante para uma institucionalização mais forte no país de uma proposta dessa natureza, bem como seu enraizamento pela sociedade nos diferentes contextos territoriais do país. Apesar das diversas dificuldades que ainda persistem, as novas relações contraídas entre sociedade civil e Estado passaram a promover mudanças organizacionais importantes, como a adaptação estrutural para a dinâmica de poder nacional com um emergente projeto de democracia interna participativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, Pedro Silveira. As fronteiras nos processos de integração supranacional. In: DINIZ, Célio campolina. Políticas de desenvolvimento regional: desafios e perspectivas à luz das experiências da União Européia e do Brasil. Brasília: UnB, 2007. BRANDÃO, Carlos. Territórios com classes sociais, conflitos, decisão e poder. In: ORTEGA, Antônio; FILHO, Niemeyer (Orgs.). Desenvolvimento Territorial: segurança alimentar e economia solidária. Campinas: Alínea, 2007. BRASIL. Referências para uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável para o Brasil. Brasília: MDA/SDT, 2005. _____________. Manual de avaliação do Plano Plurianual 2004-2007. Brasília: MP/SPIE, 2007. 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A análise contempla uma reflexão teórica sobre a administração pública, qualidade, modelo de excelência e avaliação do negócio, buscando a utilização do conhecimento na Gestão Pública, através do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) e o Modelo de Excelência por ele proposto. A reflexão acerca deste trabalho visa promover um maior e melhor entendimento desse fenômeno da busca de qualidade, bem como gerar subsídio para a criação de uma plataforma de gestão pública padronizada e otimizada, que possa garantir a sobrevivência do modelo de gestão e geração de mais qualidade de vida como resultado final do esforço contínuo. Palavras chave: Gestão pela Qualidade; Qualidade; Gestão Pública. ABSTRACT The objective of this work is to generate a reference guide and contribute to the discussion of an important theme in the organizational field, sustainable and competitive business strategies, geared towards the pursuit of excellence in the public sector, through learning and continuous improvement, aligned to the criteria of excellence Gaúcho Program Quality and Productivity (PGQP). The analysis includes a theoretical reflection on the public administration, quality, excellence model and evaluation of our business using the knowledge in the Public Management Program through the Gaúcho Quality and Productivity (PGQP) Excellence Model and he proposes. The reflection on this work aims to promote a greater understanding of this phenomenon and better search quality and create a basis for the creation of a standardized platform for public management and optimized, which can ensure the survival of the management model and generation of higher quality end of life as a result of continued effort. Key Words: Quality management; Quality; Public Management. 2 1 INTRODUÇÃO As empresas de todos os setores vêm sendo confrontadas diariamente por desafios competitivos e esta situação demanda muita informação e metodologias novas. A gestão pública precisa aprender a utilizar as novas e determinantes ferramentas inovadoras para garantir a sustentabilidade das organizações. Portanto, o principal agente de mudança, que garantirá a aplicabilidade de um programa de qualidade, deve ser o gestor público com ajuda de seu funcionalismo. Qualidade no serviço público é um tema que vem despertando a atenção de muitas organizações e governos. Melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários, como resultado da adoção de uma administração pública gerencial, flexível, eficiente e aberta ao controle social pode gerar resultados surpreendentes e, até então, desconhecidos pela gestão pública usual. Porém, os Programas de gestão pela qualidade muitas vezes são encarados pelo setor público como ferramentas voltadas somente ao setor privado, com práticas mistificadas como inaplicáveis a este setor em questão. Mas já existem muitos gestores públicos que se utilizam da melhor forma possível destes modelos de gestão, impondo diferenciais atrativos e competitivos em suas organizações. A urgência da necessidade de melhoria da gestão pública brasileira tem como origem a observação de que tem havido convergência entre gestores públicos, especialistas e formadores de opinião a respeito das fragilidades e também das potencialidades o Estado brasileiro perante a sua administração. Marcado pelo Decreto nº 6.932, o ano de 2009 foi instituído o ano da gestão pública e desde então, o momento é propício à esta questão e os debates em sua volta. Independente de partido ou pessoa que assuma um cargo público, cada vez mais, terá que colocar a busca pela excelência 213 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 como prioridade, buscando a mudança cultural e o pensamento estratégico como meios para a profissionalização da gestão e conseqüentemente a sustentabilidade. Assim sendo, a institucionalização deste processo de mudança e da busca pela excelência pressupõe a vinculação entre melhorias de gestão, novas práticas introduzidas e os impactos das mesmas em termos de resultados para a sociedade. Mas para que essa revolucionária mudança aconteça precisamos conhecer e determinar algumas variáveis. “O desafio do Estado e dos sucessivos governos que o colocam em movimento é, antes de tudo, um desafio de natureza gerencial, pois quanto maiores forem as demandas sociais e menores os recursos para atendê-las, mais capacidade de gestão será exigida” (LIMA, 2007, p.49). De qualquer maneira, as mudanças são latentes e necessárias para a manutenção de serviços públicos e sustentabilidade dos mesmos. Sendo assim, entende-se que a mudança de foco da administração pública deve mudar, extrapolar o sentido político e buscar a mudança cultural de raiz. A grande dificuldade reside nesta mudança, constituída de dois elementos, cuja substituição requerem operação complexa, a cultura burocrática e o apego ao poder (LIMA, 2007, p. 49.). Diante destes grandes desafios propostos junto a um modelo para implantação de um Programa de qualidade na gestão pública, muitas instituições não conseguem levar adiante ou mesmo iniciar trabalhos com foco na excelência dos serviços pois não estão preparados para deixar para trás estes traços arraigados da cultura do público, apesar de que sabe-se que na cultura privada também não é trabalho fácil. Mas em contrapartida, muitas das instituições públicas e empresas privadas que conseguem consolidar Programas de qualidade como uma plataforma de gestão sustentável, percebem visivelmente mudanças na cultura, na satisfação geral e nos resultados. Então, porque organizações públicas podem se beneficiar e conquistar diferenciais competitivos através do Programa de Qualidade? A resposta a essas perguntas é justamente o objeto que motiva este estudo e desafia a pesquisa sobre este tema. 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Neste capítulo apresenta-se uma revisão bibliográfica sobre a administração pública e seus princípios básicos. Neste contexto, apresenta também uma evolução histórica da evolução da administração pública e a mudança de abordagens para o tema, bem como tendências e limitações desta área de gestão. 2.1 Princípios básicos Para que a gestão pública aconteça de forma plena, ela é regida por cinco princípios básicos, que devem estar presentes e ser prezados por qualquer funcionário ou gestor público. Estes princípios norteadores são apresentados a seguir (LIMA, 2007): a)Legalidade O setor público só pode fazer o que é determinado pela lei. Por este princípio não é possível ser excelente à revelia da lei, portanto, cabe buscar apoio nas leis estabelecidas para melhorar a gestão. b)Moralidade Pauta a gestão pública por um código moral. Não se trata de ética (no sentido de princípios individuais, de foro íntimo), mas de princípios morais de aceitação pública. c)Impessoalidade A excelência em gestão pública é para todos, não admire tratamento diferenciado, a não ser para casos específicos tratados na lei. Os valores devem ser os mesmos agregados para todos os cidadãos indistintamente. d)Publicidade Este princípio determina que todos os atos e fatos da administração pública são públicos. Os casos em que este princípio não seja aplicável precisam estar estabelecidos em lei.Este princípio é considerado crítico para a introdução do controle social. e)Eficiência A eficiência como princípio, no campo do direito constitucional administrativo, só é valida se aplicada á ações e atividades que gerem ou contribuam para um bem comum.Trata-se de produzir resultado que gere a melhor relação entre qualidade e gastos para produzi-lo. 214 Novos Rumos para a Gestão Pública 3 PLATAFORMA DE GESTÃO Por definição, segundo http://www.dicionarioweb.com.br, recuperado em 01/08/2011 , Plataforma é uma obra de terra, concreto, metal ou madeira sobre a qual assenta a artilharia ou no Brasil, programa de governo de um candidato a cargo eletivo. A mesma fonte define Gestão como ação de gerir, gerência ou administração, sendo que conceitos mais aprofundados do assunto remetem a inúmeras variações de interpretação. Mas se seguirmos estas definições mais simplórias do que significam estes dois termos em separado, percebe-se que é correto afirmar que um governante, ou melhor dizendo, gestor pode elaborar uma plataforma de gestão, que abranja todas os seus objetivos estratégicos e desdobramentos em práticas de gestão, atendendo a critérios de qualidade, que serão dispostos mais adiante deste trabalho. “Ao contrário das empresas que enfatizam os ativos intangíveis, as empresas de vanguarda enfatizam uma abordagem adepta da qualidade gerencial, reconhecida e medida em termos dos conhecimentos necessários para uma incessante ênfase nos recursos totais de uma empresa e na integração desses recursos – ativos tangíveis e intangíveis – nos novos modelos de gestão e liderança com uma infra-estrutura forte e competitiva para a sustentação de seu crescimento organizacional” (FEINGENBAUM & FEINGENBAUM, 2004, pg. 11). Para que tenham sucesso na sua gestão, segundo Feingenbaum & Feingenbaum (2004), os líderes precisam criar uma gestão sustentável através de sistemas e processos gerenciais capazes de sustentar um crescimento contínuo 4 HISTÓRICO DA QUALIDADE O homem desde seu passado mais remoto, ainda nas cavernas, aprendeu a buscar a qualidade como forma de garantir sua sobrevivência por mais tempo com segurança e conforto, apesar da vida primitiva. Paladini (1995, pg.32) afirma que a "preocupação com a qualidade remonta à épocas antigas, embora não houvesse, neste período, uma noção muito clara do que fosse qualidade". A qualidade estava consagrada na arquitetura, na literatura, nas artes, na Matemática. 6 A afirmação de que a preocupação com a qualidade é antiga, parece ser um consenso entre os estudiosos do tema. Juran (1990, pg.2), por exemplo, expõe que "as necessidades humanas pela qualidade existem desde o crepúsculo da história". Entretanto, os meios para obter essas necessidades - os processos de gerenciamento para a qualidade - sofreram imensas e contínuas mudanças. Garvin (1992) entende que a qualidade é conhecida, como conceito, a milênios. Todavia, só recentemente, surgiu como função de gerência formal. Para o autor, a disciplina ainda está em formação podendo ser identificadas quatro "eras da qualidade" distintas: inspeção, controle estatístico da qualidade, garantia da qualidade e gestão estratégica. Neste contexto, a qualidade alcança o setor de serviços, gerando a necessidade de raciocínios e práticas adequadas às características deste segmento de atividade. Os responsáveis pela revolução japonesa da qualidade foram a JUSE (Union of Japanese Scientists and Engineers) e os estatísticos W. E. Deming, Shewhart, Kaoru Ishikawa e Joseph M. Juran. Sendo que nos anos seguintes se destacariam também Armand V. Feigenbaun, dando origem ao conceito de TQC (Total Quality Control), sendo seguido por Philip B. Crosby que criou o conceito de “defeito-zero” no qual tudo pode ser bem feito da primeira vez. Seguindo esta linha histórica, depois da criação de conceitos e ferramentas valiosas de busca pela qualidade de produção, produto e serviço. O próximo grande passo da história da qualidade pode ser chamado de normatização e segundo Seleme e Stadler (2010), a partir de 1987, com a criação da ISO9000, houve uma popularização das certificações dos sistemas de garantia da qualidade segundo padrões adotados internacionalmente, já iniciando o processo de abordagem da qualidade não só do produto final, mas também das práticas que compõe a gestão, o chamado Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ). No embalo difundido dos conceitos, ferramentas e certificações da Qualidade, surgiu no Brasil, o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP). Este teve início 1990 através dos esforços do Governo Federal, para apoiar a modernização das empresas brasileiras que precisavam se ajustar à abertura econômica e à forte concorrência estrangeira. O Programa difundiu o conceito de qualidade como estratégia empresarial e gerencial, gerando na década de 1990, o aumento médio da produtividade da indústria brasileira foi de 8,6% ao ano, segundo o site (http://www.abrasil.gov.br/avancabrasil, recuperado em 12/02/2011). Além de gerar estes ganhos, 215 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 multiplicar o Programa porém de forma que estes ganhassem roupagem estadual. O Rio Grande do Sul Atendeu este chamado em 1992, quando deu início ao PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade), conforme (http://www.mbc.org.br/pgqp, recuperado em 12/02/2011). Neste mesmo ano de criação do Programa no Rio Grande do Sul, um dos grandes precursores da aplicação dos conceitos de qualidade no Brasil, o Professor Vicente Campos destacava no seu livro, TQC Controle da Qualidade Total (1992) o que ele chamou de “Apelo aos Empresários Brasileiros”, para que estes expandissem os horizontes de seus negócios e de uma vez por todas, entrassem de forma competitiva no mercado mundial: “1 – Qualidade é uma questão de vida ou morte. Sua empresa só sobreviverá se for a melhor no seu negócio; 2 – Qualidade é mudança cultural. É preciso que as pessoas sintam a ameaça de morte da empresam ainda que ela possa estar num horizonte de 5 a 10 anos; 3 – Qualidade é mudança cultural. É preciso tempo para conduzir (5 a 10 anos). Se não dispuser deste tempo, não inicie esta longa caminhada; 4 – Qualidade é mudança cultural. É preciso liderança para conduzir mudança. Se você não está disponível para isto, não inicie o programa; 5 – Você está pensando em Qualidade para melhorar seus resultados. Acompanhe estes resultados mensalmente através de gráficos mostrados a todos. É necessário um placar para certificar-se que você está ou não ganhando o jogo; 6 – Todos devem estar envolvidos. TODOS. Para isto é necessário Emoção. Reveja suas políticas de recursos humanos e proponha uma visão de Futuro compartilhada por todos. Estamos todos no mesmo barco e temos que sobreviver” (CAMPOS, 1992). Mesmo sem saber, ou já se adiantando ao que viria na seqüência, Campos (1992) trouxe neste apelo o que hoje faz parte da pauta de avaliações dos Programas de Qualidade em geral, cada um de sua forma, porém todos com o mesmo propósito: atingir excelência não só nos produto final, mas sim na gestão como o todo que ela abrange. 5 ASPECTOS CONCEITUAIS DA QUALIDADE Conforme Selene e Stadler (2010), o termo Qualidade vem do latim Qualitate, e é utilizado amplamente para referir-se às necessidades das pessoas e do padrão de produção de produtos e serviços. No “Dicionário Aurélio” (1975) - “sf. 1. Propriedade, atributo condição das coisas ou das pessoas que as distingue das outras e lhes determina a natureza. 2. Dote, virtude”.Como o termo tem diversas utilizações, o seu significado nem sempre é de definição clara e objetiva”. Segundo Selene e Stadler (2010), a satisfação das pessoas é a razão da existência da organização e por isso deve suprir as mesmas com produtos e serviços esperados pelos clientes e mercado, salientando que a qualidade não é mais uma opção das instituições. A idéia de qualidade é natural a todas as pessoas, quando se remete a um produto ou serviço e por isso, mesmo sendo um tema bastante atual, é bastante antigo se formos pensar em conceitos individuais. O termo “qualidade” embora permita diferentes entendimentos, pode ser isolada de outros atributos de um produto ou serviço, e é ela que permite às pessoas fazer seu juízo de valor quanto a este aspecto. Segundo Lima (2007), quando nos referimos a baixa qualidade de alguma coisa, estamos negando-a em parte e do mesmo modo quando se fala de qualidade na gestão pública, onde necessariamente atribuiremos um valor positivo que a organização pode ou não ter. 6 QUALIDADE NO SERVIÇOS PÚBLICO O setor público tem sido considerado menos eficiente que o setor privado por não estar sujeito às pressões do mercado competitivo, segundo Rutkowski (1998), porém não menos cobrado por seus clientes diretos, os usuários ou cidadãos e por que não pelos próprios servidores que buscam no setor público as mesmas premissas de uma empresa privada com a diferença de uma estabilidade mais certa. Lima (2007) enfatiza que o desafio dos governos que colocam o Estado em movimento é de natureza gerencial e quanto maiores forem as demandas sociais e menores forem os recursos disponíveis para atende-las, maior capacidade de gestão é exigida. “A qualidade da gestão pública mantém uma relação direta com as práticas de trabalho enraizadas na organização. A chave para compreender uma organização consiste em determinar com precisão a cultura institucional, em sua relação com as práticas de trabalho vigentes” (MATUS, 1996 apud RUTKOWSKI, 1998, pg. 291). 216 Novos Rumos para a Gestão Pública Meirelles (1988), expõe cinco princípios da Administração Pública que também podem caracterizar a qualidade em serviços: o princípio da permanência que impõe continuidade no serviço; o da generalidade que impõe serviço igual para todos; o da eficiência que exige a atualização do serviço; o da modicidade que exige tarifas razoáveis; e o da cortesia que se traduz em bom tratamento para com o público. Ainda segundo o autor, faltando qualquer desses requisitos em um serviço público ou de utilidade pública, é dever da Administração intervir para restabelecer o seu regular funcionamento, ou retomar a sua prestação. As organizações públicas de qualquer natureza, mesmo aquelas que estão cumprindo sua missão de interagir com o cidadão, estão se limitando a cumprir regras, normas e prazos que definem tramites e controles impostos há muito tempo e estão deixando de lado aspectos importantíssimos quando se fala de qualidade no serviço público. Aspectos como empatia, cortesia, discernimento, flexibilidade e comunicação são deixados de lado no tipo de atendimento já arraigado e conhecido pelo público e que por sua vez gera a conhecida desconfiança do cidadão ao procurar o serviço (LIMA, 2007). Esse comportamento desconfiado do usuário/cidadão acontece porque ele utiliza os parâmetros de qualidade que busca em uma empresa privada também no serviço público, e isso acarreta também em dúvidas sobre a diferença do servidor público e a diferença de um funcionário de empresa privada, a diferença entre a empresa pública (de qualquer natureza) e a privada. A avaliação do as satisfação do usuário/cidadão do serviços públicos em geral é uma dimensão vital para a melhoria contínua na gestão pública, conforme Lima (2007). Porém existem duas formas de perceber a satisfação deste usuário, uma é através de uma pesquisa direta e outra acontece através de técnicos capazes e conhecedores do assunto em questão. Independente da forma, este é um importante caminho para que se conheça se a qualidade do serviço é percebida pelo usuário/cidadão ou se existem possibilidades de adaptação e melhoria, passo este que caracteriza o caminho da gestão em busca da qualidade, sendo importante lembrar que este aspecto é válido tanto para empresa pública como privada. A adoção da Qualidade como instrumento de modernização da Administração Pública Brasileira deverá levar em conta simultaneamente a sua dimensão formal - que se refere à competência para produzir e aplicar métodos, técnicas e ferramentas - e a sua dimensão política - que se refere a competência para projetar e realizar organizações públicas que atendam às necessidades dos clientes. A gestão pela Qualidade instrumentalizará o alcance da dimensão política em sua expressão mais ampla: a qualidade de vida (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO,1997, pg.15). Lima (2007) destaca também que é importante compreender que para ter qualidade comprovada em um serviço público, não basta que as práticas implantadas pareçam boas aos olhos de gestores e servidores de uma organização. As mudanças precisam ser aprovadas e validadas por quem utiliza o serviço e ser capaz de atender as necessidades e expectativas geradas pelo usuário/cidadão. 7 SUSTENTABILIDADE E GESTÃO PÚBLICA O Relatório Brundtland (1987) afirma que o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Fica claro no Relatório também que há um limite máximo para a utilização dos recursos de modo que sejam preservados para o futuro, e isso se refere não só ao meio embiente, mas ao bem estar social e econômico. A análise da sustentabilidade de determinado objeto ou de interesse reside na integração de suas dimensões, norteada por um conjunto de princípios que transmitem, de forma sintética , uma visão conjunta da qualidade de vida, dos valores da sociedade e do futuro desejado (MILANEZ & TEIXEIRA, 2003). Segundo Porter (1991) "normalmente as companhias têm uma estratégia económica e um estratégia de responsabilidade social, e o que elas devem ter é uma estratégia só". Uma consciência sustentável, estratégicamente desenvolvida e implantada por parte das organizações, pode significar uma vantagem competitiva e como defende Porter, deve ser um estratégia única e abrangente, não apenas parte da política de imagem ou de comunicação. U seja, a sustentabilidade deve ser um aspecto presente no planejamento de uma empresa e não uma ação estratégica em busca de outros fins, se não o que visa a sustentabilidade. A gestão pública de qualidade tem o desafio de envolver o cidadão de forma mais ativa nas decisões à eles direcionadas. É uma questão de sustentabilidade que se envolva não só os cidadãos, mas também servidores e gestores nas questões que estão diretamente ligadas aos 217 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 recursos disponíveis e sua utilização. Segundo Lima (2007) são próprios da responsabilidade pública o cumprimento da missão institucional e a manutenção do patrimônio público. É importante que os gestores públicos compreendam quais as formas mais sustentáveis, dentro das respectivas tendências regionais, de conduzir o negócio, ou a “máquina pública” como é popularmente conhecida. Conforme Feingenbaum & Feingenbaum (2004) as empresas estão integrando e focalizando seus recursos totais nos novos modelos gerenciais de liderança à uma estrutura forte e competitiva visando crescimento e sustentabilidade através da melhoria e capacitação da força de trabalho, criatividade e difusão da responsabilidade. 8 COMPETITIVIDADE NA GESTÃO PÚBLICA Por natureza, quando se pensa em Gestão Pública automaticamente exclui-se a competição como fator que influi na administração. Sabe-se , que por definição, segundo http://www.dicionarioweb.com.br, recuperado em 01/08/2011, Competição é a ação de competir ou concorrência simultânea de duas ou diversas pessoas à mesma coisa e, partindo desta explicação simples, pode-se afirmar que este é sim, um conceito presente diariamente na vivência pública. Segundo Feingenbaum & Feingenbaum (2010), existem quatro características que determinam o sucesso de qualquer negócio e permitem que seja competitivos sob qualquer perspectiva, sendo elas: 1) a interação e empatia com o cliente; 2) liderança estendida a todos os setores da organização; 3) a melhoria contínua e a disseminação das mesmas para as partes interessadas e; 4) estruturação de planejamento, com objetivos e sistema de suporte para acompanhamento da realização das ações em busca de resultados. A competitividade passa a ser não é só uma premissa básica para sobrevivência no mercado, mas também uma característica intrínseca na busca de diferenciação e forma de sobressair em situações difíceis. No caso da gestão pública, quando pensamos em competitividades não podemos deixar de pensar em produtividade, pois estão intimamente ligados sendo que se a organização consegue ter aproveitamento de seus recursos através de uma produtividade e qualidade, automaticamente passa a ser vista como referencial de mercado, ao mesmo tempo que se torna altamente competitiva no pleito de novos recursos, sejam eles quais forem. Alves (2005) define competitividade sendo a capacidade de competir no âmbito internacional tanto por meio do comércio e da negociação diplomática quanto pelo uso dos meios de violência, impondo a vontade quando necessário e afirma que a partir da industrialização e depois da evolução para uma sociedade de serviços houve uma maior estabilização que permitiu aos países reagir muito melhor aos choques econômicos, influenciados pelo conceito de competitividade. Economias diversificadas resistem melhor à variações econômicas, pois a perda em alguns setores é compensada pelo ganho em outros e se recuperam melhor pois se valem de sinergias internas. O ganho em produtividade afetou positivamente a posição competitiva dos países de todo o continente, e em especial da amostra dando-lhes um maior poder de barganha e uma maior resistência às crises internacionais (ALVES, 2005, pg.188). 9 PROGRAMAS DE QUALIDADE Os diferentes modelos de gestão pela qualidade total muitas vezes são encarados pelas empresas como simplesmente formas de chegar a uma certificação, cada vez mais exigidas pelo mercado e também muito importantes (KÜHLEIS, 2010). Porém existem gestores que se utilizam da melhor forma possível destes modelos de gestão, além de buscar esta certificação, conseguem ser bem sucedidos na sua escolha. Conforme a norma da ISO 9000, convém que a adoção de um sistema de gestão da qualidade seja uma decisão estratégica de uma organização. O projeto e a implementação de um sistema de gestão da qualidade de uma organização são influenciados por várias necessidades, objetivos específicos, produtos fornecidos, os processos empregados e o tamanho e estrutura da organização (SELEME & STADLER, 2010). A implantação dos Programas de Gestão da Qualidade no RS desenvolve-se nas organizações através de alguns modelos como a ISO (International Organization for Standardization) , o TQC (Total Quality Control) e do PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade), sendo este último, foco de estudo deste trabalho. 218 Novos Rumos para a Gestão Pública 9.1 PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade) Os diferentes modelos de gestão pela qualidade total muitas vezes são encarados pelas empresas como simplesmente formas de chegar a uma certificação, cada vez mais exigidas pelo mercado e também muito importantes. Porém existem gestores que se utilizam da melhor forma possível destes modelos de gestão, além de buscar esta certificação, conseguem ser bem sucedidos na sua escolha de profissionalizar a sua gestão. Conforme o Caderno de Avaliação do Programa Gaúcho de qualidade e produtividade (2009) o seu modelo agrega em seus critérios para gestão pela qualidade o modelo Japonês e Americano, reconhecidos mundialmente como precursores desta cultura de Qualidade e Melhoria contínua nas empresas. O diferencial competitivo que as empresas geram ao adotar os modelos de gestão do PGQP e seus critérios de excelência perante o mercado de atuação e a sociedade em que estão inseridas são visíveis. Conforme o PGQP, o Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade começou a estruturar sua base em 1992. No Brasil, o Governo Federal havia lançado, no início da década de 90, o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade, destinado a melhorar os níveis de produtividade, confiabilidade e qualidade na indústria. Essa iniciativa alavancou um avanço significativo no desenvolvimento e crescimento do parque produtivo nacional. No Rio Grande do Sul, a parceria entre o setor público e a iniciativa privada permitiu a divulgação da filosofia e dos princípios da qualidade de forma democrática e deu a oportunidade de ser promovida uma série de iniciativas voltadas ao aprimoramento dos produtos e serviços das empresas gaúchas, (http://www.mbc.org.br/pgqp, recuperado em 12/02/2011). Atualmente, as melhorias que o Programa ajudou a promover podem ser visualizadas pela maior competitividade e qualificação nos serviços públicos e privados. Através do comprometimento do governo, empresários, trabalhadores e consumidores, os sistemas de gestão foram aprimorados ainda mais. 10 CRITÉRIOS DE EXCELÊNCIA Conforme Critérios de compromisso com a Excelência e Rumo à Excelência (2009), são oito os critérios de excelência destacados pelo PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade) como base para a construção de uma gestão de qualidade. Estes critérios nasceram junto com a criação da Fundação Nacional da Qualidade (FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE), na mesma época do lançamento do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e dos Programas regionais, e foram evoluindo conforme os referenciais internacionais (EUA e Japão principalmente) mudavam para se adaptar ao mercado. Sempre com base nos critérios de excelência, a FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE desenha o chamado MEG (Modelo de excelência em gestão) que, segundo a própria Fundação, “simboliza a organização, considerada como um sistema orgânico e adaptável ao ambiente externo” e representa a interação entre os oito critérios. O MEG em vigência está representado na Figura 1. Figura 1: MEG (Modelo de excelência em Gestão) indispnivel na versão preliminar Fonte: FNQ, 2011. 219 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A seguir, apresenta-se a descrição dos oito critérios de excelência e sua utilização dentro de qualquer organização, pública ou privada. 10.1 Liderança A FNQ diz que a Liderança estabelece os princípios da organização, pratica e vivencia os fundamentos da excelência, impulsionando, com seu exemplo, a cultura da excelência na organização e também que são os líderes, principais responsáveis pela obtenção de resultados que assegurem a satisfação de todas as partes interessadas (clientes, fornecedores, força de trabalho e outras, definidas pela instituição) e a perpetuidade da organização. Conforme Lima (2007), liderar na gestão pública significa ser apto a influenciar, ser exemplo e inspirar as pessoas buscando obter cooperação e não oposição. Para que um sistema de liderança seja reconhecido em uma empresa ou instituição este precisa demonstrar comprometimento com o processo. Conforme Lima (2007), a liderança precisa saber controlar e avaliar periodicamente o processo decisório interno, além de garantir que inicie na alta administração e chegue a ponta final com agilidade, clareza e qualidade. 10.2 Estratégias e Planos A FNQ diz que o processo de formulação das estratégias enfatiza a análise do mercado de atuação e do macroambiente. Também, por este processo, é que as pessoas serão capazes de examinar o processo de implementação das estratégias, incluindo a definição de indicadores, o desdobramento das metas e planos para as áreas da organização e o acompanhamento dos ambientes internos e externos. Porter (1991) descreveu, a estratégia competitiva como ações ofensivas e defensivas de uma empresa para criar uma posição sustentável dentro da indústria. A formulação das estratégias de uma empresa exige conhecimento aprofundado de sua visão, seus limites e clareza para visualizar o futuro, além de vigor para leva-las a frente, segundo Lima (2007). A estratégia não pode ser definida apenas como uma trajetória, mas depende de uma para existir e a sequencia em que ela irá seguir dependerá dos momentos oportunos de cada ação. 10.3 Clientes A FNQ traz que este critério examina como a organização segmenta o mercado e como identifica e trata as necessidades e expectativas dos clientes e dos mercados, divulga seus produtos e marcas e estreita seu relacionamento com os clientes. Também examina como a organização avalia a satisfação dos clientes. O termo “cliente” é comumente utilizado no setor privado, mas no setor público prefere-se “cidadão”, pois segundo Lima (2007), o cidadão não remunera diretamente a instituição que o está atendendo. Apesar disso, quando se fala em gestão da qualidade, o termo se aplica, pois ainda segundo o autor, o atendimento às necessidades e expectativas dos mesmos, deve ser um dos princípios de existência de uma instituição pública ou privada. O conceito que Campos (1992) define para sobrevivência de uma instituição diz que qualquer tipo de empresa deve saber cultivar uma equipe de pessoas que saibam projetar produtos e serviços que conquistem o interesse e a confiança do cliente final, ou na caso da gestão pública, o cidadão. “As empresas de vanguarda enfatizam que a “orientação o mercado” significa que a qualidade da empresa é aquilo que o cliente – e não a empresa – diz ser, e que “a qualidade disponível” significa aumentar continuamente o número de ações que deram certo com o cliente, não apenas reduzir o número de ações que deram errado” (FEINGENBAUM & FEINGENBAUM, 2004, pg. 83). Segundo Lima (2007) “a excelência na gestão pública pressupõe atenção prioritária ao cidadão e a sociedade na condição de usuário do serviço público de destinatário da ação decorrente do poder do Estado e de mantenedores do Estado”. “Toda organização pública deve orientar sua gestão para o cidadão, seja como prestadora de serviço, seja como operadora da ação do Estado. Qualquer prática que busque a participação do cidadão na gestão dos serviços públicos é, em princípio, válida” (LIMA, 2007, pg. 154). 10.4 Sociedade A FNQ define que este critério examina o cumprimento da responsabilidade socioambiental pela Organização, destacando ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Também examina como a organização promove o desenvolvimento social, Incluindo a realização ou apoio a projetos sociais ou voltados para o desenvolvimento Nacional, regional, local ou setorial. Segundo Lima (2007), este critério não se refere somente ao cidadão de forma individual e sim, como ele interage e representa, através de empresas, associações, igrejas, grupos comunitários, 220 Novos Rumos para a Gestão Pública representações e outros. Este critério é também a forma de exercer uma espécie de “controle social”. 10.5 Informações e Conhecimento Este critério , conforme a FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE (www.fnq.org.br, recuperado em 12/02/2011), examina a gestão das informações, incluindo a obtenção de informações comparativas pertinentes. Também examina como a organização compartilha, amplia e protege o seu conhecimento. Conforme Lima (2007) a gestão baseada em informações é requisito para a qualidade do processo decisório e natural para qualquer sistema efetivo de monitoramento e avaliação e é a qualidade desta informação que vai definir o sucesso ou fracasso do desempenho institucional. 10.6 Pessoas Conforme a FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE (FNQ), este critério examina os sistemas de trabalho da organização, incluindo a Organização do trabalho e os processos relativos à seleção e à contratação de Pessoas. Também examina os processos relativos à capacitação e desenvolvimento Das pessoas e como a organização promove a construção do ambiente propício à Qualidade de vida das pessoas no ambiente de trabalho. Conforme Lima (2007), as pessoas fazem a diferença quando o assunto é o sucesso da organização. A valorização das pessoas pressupõe dar autonomia para atingir metas, criar oportunidades de aprendizado e reconhecimento pelo bom desempenho. No setor público,assim como no privado, a preparação das pessoas para o desempenho de suas funções é aspecto crítico de sucesso. Além disso, as pessoas precisam ser valorizadas e ter capacidade de trabalhar de forma integrada e harmônica, sendo este um pré requisito para a continuidade e viabilização da sustentabilidade ao desenvolvimento da gestão, segundo Lima (2007). 10.7 Processos A FNQ define este critério como a forma que a instituição examina como a organização identifica, gerencia, analisa e melhora os processos principais do negócio e os processos de apoio. Também examina como a organização gerencia o processo de relacionamento com os fornecedores e conduz a gestão dos processos econômico-financeiros, visando à sustentabilidade econômica do negócio. A análise do processo leva ao melhor entendimento do funcionamento da organização e permite a definição de responsabilidades, a prevenção e solução de problemas, a eliminação de atividades redundantes e a identificação clara de usuários e fornecedores. Para o conhecimento objetivo o processo, que possibilite o seu acompanhamento, controle e avaliação, é indispensável o estabelecimento de indicadores que viabilizem a mensuração dos aspectos relacionados com a sua eficiência, eficácia e efetividade (LIMA, 2007, pg.77). A melhoria no processo traz benefícios para a organização, quando permite que mais clientes adquiram um produto em função de suas características de qualidade e segundo Seleme e Stadler (2010) são os processos que determinarão os resultados obtidos pelas organizações. 10.8 Resultados Conforme a FNQ, este critério examina os resultados relevantes da organização, abrangendo Os econômico-financeiros e os relativos aos clientes e mercados, sociedade,Pessoas, processos principais do negócio e de apoio, assim como os relativos ao Relacionamento com fornecedores. Como forma de avaliar a gestão, segundo Lima (2007), o resultado é o único referencial aceitável, pois os resultados obtidos permitem posicionar qualquer organização, pública ou privada em uma escala de sucesso. Segundo Campos (1992) todas as pessoas são motivadas por resultados, mas que o princípio básico do controle diz que para melhorar é necessário, antes de tudo, saber manter o controle. CONCLUSÃO As empresas estão em busca de mudanças estratégicas que promovam a competitividade e a permanência no mercado. Assim também o setor público precisa buscar esse posicionamento e ainda integrar a sustentabilidade em sua base de gestão. Mas é necessário saber que não adianta apenas a vontade, é preciso gerar conhecimento e dar início à um movimento que promoverá a mudança cultural, ambiental e comportamental. 221 Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública - Ano 2011 A mudança no contexto organizacional, público ou privado, engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Este trabalho teve por objetivo a aplicação prática dos conceitos trabalhados nas disciplinas do curso de Especialização em Gestão Pública. Foi tomado por base, como referencial do trabalho, o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade, estabelecido no estado do Rio Grande do Sul. Pode-se perceber que a Administração pública ainda esta aquém das possibilidades de melhoria na gestão, mas que existe a possibilidade latente de iniciar um caminho rumo a excelência neste setor. Mesmo com todas as diferenças apresentadas em relação ao setor privado, existem muitas similaridades que podem aproveitadas para a otimização do meio público. Dessa forma, como trabalho futuro, sugere-se que organização públicas adotem o modelo do Programa colocado em questão como forma de levantar um diagnóstico da gestão e elaborar uma plataforma de gestão com práticas que perdurem e ajudem a tornar a Administração pública sustentável e conseqüentemente competitiva. Este é um desafio que pode e deve ser encarado como forma de continuidade na evolução do que temos hoje como gestão pública e que desta forma, os conhecimentos adquiridos possam ser efetivamente aplicados para a melhoria de nosso meio público. 222