ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 DIFICULDADES NA IMPLANTAÇÃO DE EQUIPES DE REFERÊNCIA E APOIO MATRICIAL: UMA REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA Leila de Fátima Machado1 Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa INTRODUÇÃO: O tema desse trabalho são as equipes de referência e o apoio matricial. Estas propostas surgem como arranjos organizacionais em meio as necessidades de uma nova metodologia de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS). Esses arranjos são propostas da Política Nacional de Humanização na Atenção e Gestão do SUS – PNH e tem seus conceitos oriundos do Método Paidéia idealizado por Gastão Wagner de Souza Campos. Documentos do Ministério da Saúde apontam que estas propostas estão sendo implantadas na rede de saúde mental e na Estratégia de Saúde da Família visando a reorganização dos serviços de saúde. Neste sentido, este trabalho justifica-se perante o entendimento que esses novos arranjos, desde que superada a fase de propostas e sendo implementados nas equipes e serviços, podem produzir melhorias na qualidade assistencial. É incontestável, portanto, a necessidade de discutir e aprofundar conhecimentos em relação às origens e objetivos da implantação das equipes de referência e apoio matricial nos serviços de saúde de modo a auxiliar os profissionais e usuários envolvidos nesse processo de mudanças. OBJETIVOS: Esse trabalho tem como objetivo identificar as dificuldades encontradas na implantação das equipes de referência e apoio matricial nos serviços de saúde a partir de revisão bibliográfica de publicações que tratam da temática. Através desse estudo pretende-se auxiliar no esclarecimento de dúvidas e estimular a abertura de espaços para discussão entre os sujeitos envolvidos no processo de implantação das equipes de referência e do apoio matricial. METODOLOGIA: Esta pesquisa se caracteriza como uma pesquisa exploratória com revisão bibliográfica. A coleta de publicações e documentos foi realizada no período de março a maio de 2010. Foram utilizadas como bases de dados para a pesquisa a Biblioteca Virtual de Saúde do Ministério da Saúde (BVS-MS) em sua área de humanização, na qual foram encontrados 22 (vinte e dois) documentos 1 Especialista em Saúde Pública. Enfermeira do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas de Toledo – PR. Rua Santos Dumont, 1590, Centro, Toledo – PR. Telefone: (45) 3252-8856. E_mail: [email protected] ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 relacionados a PNH, dos quais 4 (quatro) foram analisados pois são os que comportam fundamentalmente o tema pesquisado. Para revisão bibliográfica e análise dos documentos foi utilizada a Biblioteca Virtual de Saúde – Brasil (BVS-BRASIL), com pesquisa de palavras-chave que referenciassem o tema, pois não foram encontrados descritores oficiais apropriados. Optou-se por artigos completos em língua portuguesa brasileira. Foram utilizadas como palavras-chave “apoio matricial”, “equipe de referência”, matriciamento, “equipes de referências”, “apoio especializado matricial”. Foram encontradas 13 (treze) publicações, sendo necessária a exclusão de um destes por se tratar de documento de fonte primária e outro que após a leitura não foi identificada relação com a temática. Totalizaram, portanto, 11 (onze) publicações que comportam artigos direcionados a apresentação do tema e discussão teórica e outros destinados a divulgar experiências envolvendo a implantação desses arranjos. As publicações encontradas ocorreram entre 1998 e 2009. RESULTADOS: As equipes de referência e o apoio matricial são propostos como arranjos organizacionais que tem como objetivo a reorganização da atenção e gestão nos serviços em saúde. Esses arranjos são dispositivos da PNH, a qual desde sua elaboração em 2003 está em constante processo de construção por meio da adequação dos documentos que a referenciam. Entretanto, esses arranjos não foram elaborados nessa política, eles fazem parte do Método Paidéia, proposto pelo Dr. Prof. Gastão Wagner de Souza Campos e aplicado como Saúde Paidéia. Dessa forma, pode-se considerar que esses arranjos são relativamente novos no cenário nacional quando em relação a sua disposição em uma política pela qual torna-se amplamente divulgado, entretanto os conceitos e origens dessa proposta a remetem a uma antiga construção histórica. As equipes de referência são os profissionais que atendem diretamente o usuário, seja esse um indivíduo, uma família ou uma comunidade, e que se responsabilizam em realizar um acompanhamento contínuo não apenas diante das enfermidades, mas também direcionado a promoção de saúde. Essa responsabilização cabe tanto a equipes como a profissionais específicos. A formação de equipes e ou atuação de profissionais de referência podem ocorrer nos diversos serviços de saúde. Concebendo que as equipes de referência não podem cumprir totalmente para com o atendimento integral de seus usuários é proposto o apoio matricial para fornecer um suporte especializado a estas equipes. Esse suporte pode ser direcionado aos usuários e às próprias equipes de referência e contar com uma ampla disponibilização de ações e serviços. Os arranjos propostos inicialmente por Campos e depois pela PNH ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 tem sido implementados e estão presentes em pesquisas cientificas sobre o assunto. As implementações têm refletido na prática os pontos positivos e as dificuldades até então apresentados teoricamente. As dificuldades apresentadas nas publicações pesquisas foram classificadas a partir de Campos e Domitti (2007) em obstáculo estrutural, obstáculo político e de comunicação, obstáculo subjetivo, cultural e ético, e obstáculo epistemológico. Quanto ao obstáculo estrutural, Campos e Domitti (2007), expõem que estes se referem a forma como estão organizados os serviços de saúde e, também, ao excesso de demanda e carência de recursos. Sua influência para com o apoio matricial foi citada no artigo publicado por Soares (2009, p. 11), no qual o autor referencia um estudo realizado por Nascimento em 2007 em uma cidade de São Paulo. Esse estudo identificou que “os profissionais, tanto da saúde mental, quanto da Atenção Básica, reconhecem a importância desse trabalho, entretanto, como característica de todo cenário de saúde coberto pelo SUS, faltam recursos humanos, materiais e financeiros”. Segundo artigo publicado por Arona (2009) sobre a implantação do matriciamento nos serviços de saúde de Capivari/SP, entre as dificuldades cita que em algumas equipes o quadro de funcionários estava incompleto. A autora relata também que no processo de implantação ocorreu a contratação de profissionais, aquisição de equipamentos, ampliação das unidades de saúde, capacitações com as equipes, reuniões para avaliação durante o processo e pactuações de classificação de risco para organizar o fluxo de encaminhamento. Os obstáculos político e de comunicação estão relacionados ao poder nas organizações de saúde. Este poder tende a estar concentrado nos diretores, médicos e especialistas de forma que chegam a fazer parte da mentalidade e legislação do SUS. A falta de espaços coletivos para participação e controle social, com circulação de informações e compartilhamento do poder entre os profissionais dificulta a consolidação do apoio matricial nos serviços de saúde (CAMPOS; DOMITTI, 2007). Segundo Campos (2007) não é complicado organizar arranjos que sejam implementados no cotidiano, como os pactos de gestão, contatos com definição de encargos, programas clínicos ou preventivos com caráter vinculatório. A dificuldade está em sustentar ao longo do tempo arranjos que alteram as relações de poder entre usuários, profissionais e gestores. Relacionado ao obstáculo político e de comunicação, pode-se citar que para Figueiredo e Onocko Campos (2009) entre as dificuldades do processo de mudança institucional, tal como a pretendida na implantação do apoio matricial está o descompasso entre os tempos e ritmos da gestão e das transformações das práticas no ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 cotidiano. Em seus estudos foi observado que perante a necessidade de mudança cultural o posicionamento dos gestores foi o de implantar de forma radical, se traduzindo em uma introdução de transformações pouco processual. Estas escolhas foram sentidas pelos trabalhadores como uma imposição da gestão. Esse processo reflete em profissionais que não compreendem as finalidades desses arranjos, e se tornam pouco permeáveis às mudanças. Quanto ao obstáculo subjetivo e cultural, Campos e Domitti (2007, p. 404) referem que “o trabalho interdisciplinar depende também de certa predisposição subjetiva para se lidar com a incerteza, para receber e fazer críticas e para tomada de decisão de modo compartilhado”. Esse obstáculo reflete a dificuldade de trabalhar em equipe, compartilhar conhecimentos e de superar conceitos de autonomia profissional como uma forma individualista de trabalho. Segundo Arona (2009, p. 35) na experiência em Capivari/SP, os problemas a princípio foram de resistência de alguns profissionais quanto à mudança no direcionamento de suas ações. Alguns profissionais seguiram resistentes, desconfiando e foi comum encontrar os que preferem manter a comodidade do serviço centralizado, sem descartar, contudo, que “muitos profissionais da rede pública apresentam formação para atendimento privado, não conhecendo a história e os preceitos do SUS”. Segundo Figueiredo e Onocko Campos (2009, p. 137), a mudança da lógica de trabalho proposta pelo apoio matricial não é fácil de ser assumida pelas equipes e não ocorre automaticamente e “deve ser especificamente trabalhada junto às equipes, instalando espaços destinados à reflexão e análise crítica sobre o próprio trabalho, e que possam ser continentes aos problemas na relação entre a equipe [...]”. Os obstáculos epistemológicos são tidos por Campos e Domitti (2007) como aqueles relacionados ao referencial dos profissionais e equipes sobre o processo de saúde e doença. Os autores consideram há um referencial restritivo tendendo ao biológico, ao social e/ou a subjetividade. Entretanto, para efetivar o trabalho das equipes de referência e do apoio matricial é necessário trabalhar sob o enfoque da clínica ampliada e com “adesão a um paradigma que pense o processo saúde, doença e intervenção de modo mais complexo e dinâmico” (CAMPOS; DOMITTI, 2007, p. 405). Nos estudos de Gomes (2006) o apoio matricial representa acolhimento entre as equipes e permite a existência de espaços nos quais se é permitido não ter domínio total sobre todos os assuntos, de forma que possam coabitar trocas de saberes, parcerias e busca por diferentes formas de se trabalhar profissionalmente de modo a qualificar os serviços da rede. Alerta também que o ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 trabalho com apoio matricial não pode se restringir a uma supervisão de caso e que toda a rede dever estar ciente do papel do apoiador para com a equipe de referência, sendo que este não deve assumir responsabilidades condizentes a falha no provimento de recursos humanos. Esse autor também indica a necessidade de análise da experiência por parte dos que a vivenciam, de forma a potencializar as mudanças e “não incorrer no erro de se tornar um modo cristalizado de trabalho” (GOMES, 2006, p. 11). Segundo Figueiredo e Onocko Campo (2009), a instituição do apoio matricial possibilitou a ampliação da clínica, o acolhimento da dimensão subjetiva dos sujeitos, diversificação das ofertas terapêuticas, foco da orientação da assistência a partir das necessidades do usuário seja ele um indivíduo, uma família ou um determinado território, e construção de projetos terapêuticos pensados para cada situação singular. Contudo “todas essas conquistas não significam, evidentemente, que a subversão da lógica de trabalho buscada pelo Apoio Matricial esteja resolvida, até porque o que se observa é mais uma sobreposição de duas lógicas antagônicas e menos a substituição de uma pela outra” (FIGUEIREDO; ONOCKO CAMPOS, 2009, p.135). CONCLUSÕES: A PNH é uma política estruturada a partir de experiências bem sucedidas que abordavam a humanização dos serviços de saúde mas que estavam dispersas pelo país. Uma dessas experiências é o Programa Paidéia Saúde da Família que foi implantado na cidade de Campinas, no estado de São Paulo, a partir de 2001. Esse programa representa a concretização do Método Paidéia proposto por Campos. Mas é através da PNH que as equipes de referência e apoio matricial são impulsionadas no cenário nacional. Entre os objetivos desses arranjos organizacionais está o estabelecimento de um novo método de trabalho em saúde, no qual a fragmentação seja substituída pela responsabilização do cuidado, o vínculo permeie a relação entre usuários e profissionais de saúde, o trabalho interdisciplinar atue em clínica ampliada, e estabeleça-se a gestão democrática nas instituições com maior participação dos profissionais nas decisões sobre o processo de trabalho em saúde. Portanto, em concordância com o que os documentos da PNH apontam, esses arranjos ao mesmo tempo em que propõe humanização na atenção em saúde, também a propõe na gestão dos serviços de saúde. Foi observado que as dificuldades não têm impossibilitado a efetivação dos projetos e também representam problemas pré-existentes nos serviços e devem compor um diagnóstico para discussão conjunta ao processo de implantação dos arranjos. Envolver os sujeitos desse processo nas discussões potencializa a atuação e o comprometimento para com o serviço de ANAIS DA 4ª MOSTRA DE TRABALHOS EM SAÚDE PÚBLICA 29 e 30 de novembro de 2010 Unioeste – Campus de Cascavel ISSN 2176-4778 saúde. Além da apropriação dos objetivos da pesquisa, soma-se ao resultado a compreensão sobre a importância do trabalho acadêmico para propostas de melhorias nos serviços de saúde e a importância em investir na formação e capacitação de profissionais para os serviços públicos de saúde. PALAVRAS-CHAVE: Equipes de Referência. Apoio Matricial. Atenção e Gestão dos Serviços de Saúde. REFERÊNCIAS: ARONA, E. da C. Implantação do matriciamento nos serviços de saúde de Capivari. IN: Rev. 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