O Acidente do Trabalho e a
Responsabilidade Civil do
Empregador
1ª edição — 2003
2ª edição — 2005
3ª edição — 2006
4ª edição — 2008
5ª edição — 2009
6ª edição — 2013
7ª edição — 2014
José Cairo Júnior
Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade
Estadual de Santa Cruz — UESC. Mestre em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco — UFPE. Doutorando pela Universidade Castilla La Mancha (Espanha). Juiz
do Trabalho do TRT da 5ª Região, titular da 3ª Vara do Trabalho de Ilhéus. Professor de
Direito e Processo do Trabalho da Universidade Estadual de Santa Cruz — UESC.
O Acidente do Trabalho e a
Responsabilidade Civil do
Empregador
7ª Edição
R
EDITORA LTDA.
 Todos os direitos reservados
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São Paulo, SP — Brasil
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Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO
Impressão: GRAPHIUM
Abril, 2014
Versão impressa - LTr 5020.9 - ISBN 978-85-361-2867-2
Versão digital - LTr 7758.6 - ISBN 978-85-361-2950-1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cairo Júnior, José
O acidente do trabalho e a responsabilidade
civil do empregador / José Cairo Júnior. —
7. ed. — São Paulo : LTr, 2014.
1. Acidentes do trabalho — Brasil
2. Empregadores — Responsabilidade — Brasil
I. Título.
14-01505
CDU-347.51:331.823(81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Acidentes do trabalho : Responsabilidade
civil do empregador : Direito do trabalho
347.51:331.823(81)
2. Brasil : Responsabilidade civil do empregador :
Acidentes do trabalho : Direito do trabalho
347.51:331.823(81)
Dedico este livro
A Waldete Góes Brito, mãe querida, por ter me ensinado a aprender.
A José Cairo dos Santos, pelo amor e compreensão dispensados
a mim durante toda a minha existência.
A Mateus Lutfi Viana Cairo, filho querido e fonte de inspiração.
A Indra Lutfi Viana Cairo, pela sua meiguice e carinho.
A Keyla Karina Ferrari Barbosa (in memoriam), companheira,
amiga e incentivadora, pelos momentos em que teve de ficar
longe de mim por conta do tempo dedicado a esta obra e
por tudo que aconteceu entre nós até aqui.
Agradeço
Primeiramente a Deus, porque sem Ele nada somos e nada podemos.
A Raildes Santos, Gislianne Couto e Manuela Mendonça Lima.
À professora Eneida Melo, pela ajuda, atenção, incentivo e liberdade
que me dispensou durante a elaboração deste trabalho.
Às minhas colegas e amigas Ana Paola Diniz,
Fernanda Viana e Ana Karena.
E, finalmente, ao professor e colega Rodolfo Pamplona Filho.
SUMÁRIO
Lista de Siglas................................................................................................... 13
Prefácio — Rodolfo Pamplona Filho............................................................... 15
Nota do Autor à Sétima Edição........................................................................ 17
Nota do Autor à Sexta Edição.......................................................................... 19
Nota do Autor à Quinta Edição........................................................................ 21
Nota do Autor à Quarta Edição........................................................................ 23
Nota do Autor à Terceira Edição...................................................................... 25
Nota do Autor à Segunda Edição..................................................................... 27
Nota do Autor à Primeira Edição..................................................................... 29
Capítulo I — Responsabilidade Civil............................................................... 31
1 — Escorço histórico......................................................................................... 33
1.1 — Direito antigo..................................................................................... 33
1.2 — Direito moderno................................................................................. 37
1.3 — Responsabilidade civil no Brasil........................................................ 38
1.4 — Teoria do risco................................................................................... 39
2 — Classificações.............................................................................................. 42
2.1 — Responsabilidade civil contratual e extracontratual.......................... 42
2.2 — Responsabilidade civil e penal.......................................................... 43
3 — Elementos.................................................................................................... 44
3.1 — Ação ou omissão.............................................................................. 45
3.2 — Culpa................................................................................................ 46
3.3 — Dano................................................................................................. 47
3.4 — Nexo causal....................................................................................... 49
4 — Causas excludentes da responsabilidade................................................... 50
Capítulo II — Acidente do Trabalho................................................................. 52
1 — Conceito....................................................................................................... 52
2 — Ampliação legal do conceito de acidente do trabalho.................................. 54
2.1 — Doença ocupacional.......................................................................... 55
2.2 — Acidente de trajeto............................................................................ 59
3 — Estatísticas.................................................................................................. 60
9
4 — Efeitos do acidente do trabalho................................................................... 62
4.1 — Lesão corporal e perturbação funcional............................................ 63
4.2 — Consequências da lesão ou da disfunção......................................... 64
4.2.1 — Morte................................................................................... 64
4.2.2 — Incapacidade...................................................................... 65
5 — Trabalho preventivo dos órgãos estatais..................................................... 67
Capítulo III — Responsabilidade Acidentária................................................. 69
1 — Características............................................................................................. 70
2 — Escorço histórico-legislativo........................................................................ 71
2.1 — Constituições..................................................................................... 71
2.2 — Legislação ordinária.......................................................................... 73
3 — Benefícios previdenciários acidentários...................................................... 76
4 — Fator acidentário de prevenção e nexo técnico epidemiológico previdenciário........................................................................................................... 79
4.1 — Fator Acidentário de Prevenção — FAP............................................ 81
4.1.1 — Definição do FAP................................................................ 82
4.1.2 — Contestação do FAP........................................................... 83
4.1.3 — Benefícios do FAP.............................................................. 83
4.2 — Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário — NTEP.................... 83
5 — Impugnação à perícia do INSS.................................................................... 86
5.1 — Impugnação ao NTP, NTI e ao NTDEAT........................................... 87
5.2 — Impugnação ao NTEP....................................................................... 87
6 — Ação regressiva do INSS............................................................................. 88
Capítulo IV — Responsabilidade Civil do Empregador................................. 91
1 — Cláusula de incolumidade — Dever de segurança...................................... 92
2 — Conteúdo mínimo legal do contrato de trabalho.......................................... 96
3 — Fatores que aumentam o risco de acidente................................................ 98
3.1 — Macrofatores...................................................................................... 99
3.2 — Microfatores....................................................................................... 100
3.2.1 — A questão do meio ambiente do trabalho........................... 101
3.2.2 — Higiene do trabalho............................................................ 103
3.2.3 — Segurança do trabalho....................................................... 104
3.2.4 — Normas de medicina e segurança do trabalho................... 104
3.2.5 — Jornada de trabalho........................................................... 105
3.2.6 — Adicionais para o trabalho em condições anormais........... 107
4 — Responsabilidade contratual....................................................................... 108
5 — Elementos da responsabilidade civil do empregador.................................. 111
5.1 — Ação ou omissão............................................................................... 111
5.2 — Culpa................................................................................................. 112
10
5.3 — Nexo causal....................................................................................... 114
5.4 — Dano.................................................................................................. 116
5.4.1 — Dano material...................................................................... 117
5.4.2 — Dano moral.......................................................................... 118
5.4.3 — Dano estético ou morfológico.............................................. 119
6 — Responsabilidade civil objetiva do empregador.......................................... 121
7 — Indenização................................................................................................. 126
7.1 — Indenização por danos materiais....................................................... 126
7.2 — Indenização por danos morais.......................................................... 129
7.3 — Cumulação de indenizações............................................................. 132
7.4 — Compensação de indenizações........................................................ 134
8 — Questões correlatas..................................................................................... 139
8.1 — Validade do contrato de trabalho....................................................... 139
8.2 — Hipóteses de exclusão da responsabilidade..................................... 142
8.3 — Responsabilidade em caso de terceirização..................................... 143
8.4 — Prescrição......................................................................................... 144
8.4.1 — Início do prazo prescricional............................................... 149
8.4.2 — Suspensão do prazo prescricional...................................... 152
8.5 — Efeitos da sentença criminal no processo cível............................... 153
8.6 — Efeitos sobre o contrato de trabalho................................................ 155
8.6.1 — Suspensão do contrato de trabalho.................................... 156
8.6.2 — Aposentadoria por invalidez................................................ 157
8.6.3 — Estabilidade no emprego.................................................... 159
8.6.4 — Planos de saúde................................................................. 161
8.6.5 — Férias.................................................................................. 163
Capítulo V — Sistema de Indícios da Responsabilidade do Empregador... 165
1 — Exame médico ocupacional......................................................................... 167
1.1 — Espécies............................................................................................ 167
1.2 — Importância........................................................................................ 168
1.3 — Ato discriminatório............................................................................. 168
1.4 — Meio de prova................................................................................... 169
2 — Comunicação de acidente do trabalho....................................................... 170
2.1 — Conceito........................................................................................... 170
2.2 — Espécies........................................................................................... 170
2.3 — Competência para emissão............................................................. 170
2.4 — Constatação e suspeita de doença ocupacional.............................. 171
2.5 — Consequências da omissão da empresa......................................... 172
2.6 — A CAT e o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário................. 172
11
3 — Concessão do benefício previdenciário acidentário................................... 172
3.1 — Objetivo da perícia do INSS............................................................ 173
3.2 — Presunção do nexo de causalidade................................................. 173
3.3 — Efeitos da concessão do benefício previdenciário acidentário........ 174
4 — Perfil Profissiográfico Previdenciário........................................................... 174
4.1 — Conceito e conteúdo........................................................................ 175
4.2 — O PPP e o dever de sigilo profissional............................................. 176
4.3 — Meio de prova................................................................................. 176
5 — Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.......................................... 176
5.1 — Fatores de risco e estrutura do PPRA.............................................. 177
5.2 — Avaliação de desenvolvimento do PPRA......................................... 178
5.3 — Meio de prova.................................................................................. 178
6 — Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional............................ 178
6.1 — Objetivos.......................................................................................... 179
6.2 — O profissional médico responsável pelo PCMSO............................ 179
6.3 — Etapas de elaboração...................................................................... 180
6.4 — Relatório do PCMSO........................................................................ 180
6.5 — Meio de prova.................................................................................. 181
7 — Gravidade do dano: capacidade de recuperação........................................ 181
7.1 — O problema da cura......................................................................... 181
7.2 — Fixação do valor da indenização...................................................... 182
8 — Exclusão do nexo de causalidade............................................................... 184
8.1 — Doenças não ocupacionais.............................................................. 184
8.2 — Fatores não laborais....................................................................... 186
8.3 — Concausalidade............................................................................... 187
8.4 — Nexo etiológico dos distúrbios dolorosos da coluna vertebral......... 188
Capítulo VI — Competência Jurisdicional...................................................... 195
1 — Introdução.................................................................................................... 202
2 — Análise histórica da competência................................................................ 203
3 — Competência em razão da pessoa.............................................................. 204
4 — Direito comum e causa de pedir.................................................................. 206
5 — Competência residual da justiça comum..................................................... 206
6 — Interpretação sistemática da Constituição................................................... 207
7 — Responsabilidade contratual do empregador.............................................. 208
8 — Orientação doutrinária e jurisprudencial...................................................... 209
9 — Competência atribuída pela legislação ordinária......................................... 213
10 — Reforma do Poder Judiciário..................................................................... 214
11 — Competência em caso de morte do empregado........................................ 216
Bibliografia citada e consultada...................................................................... 219
12
LISTA DE SIGLAS
AI
Agravo de Instrumento
ART
Agência Regional do Trabalho
ASO
Atestado de Saúde Ocupacional
APS
Agência da Previdência Social
BEAT
Boletim Estatístico sobre Acidentes de Trabalho
CAT
Comunicação de Acidente de Trabalho
CF
Constituição Federal
CFM
Conselho Federal de Medicina
CID
Código Internacional de Doenças
CIF
Classificação Internacional de Funcionalidade
CIPA
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLT
Consolidação das Leis do Trabalho
CNAE
Código Nacional de Atividade Econômica
CNPS
Conselho Nacional de Previdência Social
CP
Código Penal
CPC
Código de Processo Civil
DJ
Diário da Justiça
DORT
Distúrbios Osteomusculares Relacionados com o Trabalho
DOU
Diário Oficial da União
DRT
Delegacia Regional do Trabalho
EC
Emenda Constitucional
EPI
Equipamento de Proteção Individual
FAP
Fator Acidentário de Prevenção
FGTS
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
GFIP
Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço e Informações à Previdência Social
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS
Instituto Nacional de Seguridade Social
13
LER
Lesão por Esforço Repetitivo
MP
Medida Provisória
MPAS
Ministério da Previdência e Assistência Social
MPPS
Médico Perito da Previdência Social
NR
Norma Regulamentadora
NTEP
Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário
NTI
Nexo Técnico Individual
NTP
Nexo Técnico Previdenciário
OIT
Organização Internacional do Trabalho
OJ
Orientação Jurisprudencial
PCMSO
Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PEC
Proposta de Emenda à Constituição
PIB
Produto Interno Bruto
PIS/PASEP Programa de Integração Social/Programa de Assistência ao
Servidor Público
PP
Pedido de Prorrogação
PPP
Perfil Profissiográfico Previdenciário
PPRA
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
PR
Pedido de Revisão
R Região
RO
Recurso Ordinário
RPS
Regulamento da Previdência Social
RR
Recurso de Revista
SAT
Seguro Acidente do Trabalho
SDI
Seção Especializada em Dissídios Individuais
SESMT
Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho
SSST
Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho
STJ
Superior Tribunal de Justiça
STF
Supremo Tribunal Federal
SUS
Sistema Único de Saúde
TRT
Tribunal Regional do Trabalho
TST
Tribunal Superior do Trabalho
14
PREFÁCIO
Esta obra, de autoria do Juiz do Trabalho José Cairo Júnior, tem tudo
para se tornar uma referência no estudo da matéria.
De fato, fruto da sua dissertação de Mestrado — que tive a honra de
avaliar, em banca composta ainda pelos Professores Doutores Eduardo
Rabenhorst Ramalho e Raymundo Juliano do Rego Feitosa, da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Pernambuco —, enfrenta um dos temas
mais tormentosos da atualidade laboral, a saber, o acidente do trabalho e a
responsabilidade civil do empregador.
Tal circunstância acadêmica respalda o caráter científico da investigação
realizada, avalizando sua importância perante o exigente público leitor.
Todavia, a propriedade e atualidade da temática escolhida revelam
também a profunda preocupação do autor com aspectos pragmáticos
das ações de responsabilidade civil decorrentes de acidente do trabalho,
notadamente quanto ao terrível problema da prova e seu ônus.
Perfilando o entendimento de que a responsabilidade civil do empregador
tem natureza contratual, acaba-se por concluir que há uma inversão do ônus
da prova, em função de uma cláusula de incolumidade que deve conter toda
avença de natureza trabalhista.
Trata-se de conclusão que, se prosperar nos pretórios laborais
especializados, poderá constituir-se em uma verdadeira revolução na tutela
reparatória dos danos causados pelos infortúnios trabalhistas, o que não
deixa de ser uma medida relevante em um país que ostenta o lamentável
título de campeão mundial em número de acidentes de trabalho.
Ainda que, eventualmente, não se concorde com suas conclusões, não
há como se deixar de louvar a iniciativa de José Cairo Júnior, que, mesmo
atarefado em suas funções judicantes (que desempenha com denodo
e simpatia), não se acomodou com a enorme carga de trabalho a que é
submetido diuturnamente e produziu uma obra de tal magnitude, honrando a
estirpe jurídica grapiúna.
15
Partilhando da sua amizade pessoal e da inestimável honra de ser seu
colega nesta labuta, recomendo a leitura deste livro, que se constitui em uma
contribuição de monta à altura da tradição trabalhista da escola baiana de
pensamento jurídico.
Rodolfo Pamplona Filho
Juiz do Trabalho da 5ª Região. Professor Universitário.
Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP.
16
NOTA DO AUTOR À SÉTIMA EDIÇÃO
O núcleo desta obra, que consiste na defesa da contratualidade da
responsabilidade civil do empregador decorrente do acidente do trabalho,
permanece incólume.
Todavia, a modificação na legislação, que não é fato raro de ocorrer
no ordenamento jurídico nacional, acompanhada da alteração da tendência
interpretativa dos Tribunais, ensejou a necessidade de atualização deste
trabalho monográfico.
Assim, esta sétima edição já está adaptada à nova ordem legal,
notadamente aquela decorrente da promulgação Emenda Constitucional n.
72, que ampliou os direitos dos empregados domésticos; da edição da Portaria
MPAS/MF n. 413/2013, que estabeleceu o fator acidentário previdenciário —
FAP para o ano de 2014; da aprovação da Portaria MPS/MF n. 15/2013,
que reajustou os valores dos benefícios previdenciários; e da Resolução n.
2015/13, do Conselho Federal de Medicina — CFM, que alterou a redação
do art. 12 da Resolução n. 1488, para permitir que o médico da empresa
possa desempenhar a função de assistente técnico em perícias judiciais.
Além da revisão do texto, também foi incorporada à obra as informações contidas na nova tábua de mortalidade brasileira, para o ano de 2011,
divulgada pelo IBGE; bem como a modificação na redação da Súmula n. 378
do TST, que passou a admitir a estabilidade do trabalhador decorrente de
acidente de trabalho mesmo na hipótese de contratação por tempo determinado.
Por fim, foi feita a substituição de alguns acórdãos citados nas edições
anteriores por outros mais recentes, inclusive publicados em 2013, permitindo
ao leitor ter ciência do entendimento dos Tribunais trabalhistas em relação a
temas que ainda não foram objeto de súmulas ou orientações jurisprudenciais
do TST.
17
NOTA DO AUTOR À SEXTA EDIÇÃO
Depois de decorridos quase dez anos do lançamento desta obra, chega-se
à sexta edição. Em 2003, quando da primeira edição, o cenário observado na
doutrina e na jurisprudência era totalmente diverso daquele que se apresenta
atualmente, no que diz respeito às questões relacionadas com a responsabilidade
civil do empregador em decorrência do acidente de trabalho.
Primeiramente, no âmbito processual, predominava o entendimento que
atribuía à Justiça Comum a competência para analisar litígios envolvendo a
matéria acidentária, ainda que a demanda fosse proposta contra o empregador.
Hoje não há mais qualquer dúvida sobre o alcance da competência da Justiça
do Trabalho nesse particular. Pelo contrário, continuam avançando as teses
progressistas de ampliação de competência, para abarcar, por exemplo,
ação regressiva proposta pelo INSS em face do empregador negligente no
cumprimento das obrigações relativas à segurança e higiene do trabalho.
No âmbito do Direito material, também se consolidou a principal tese
defendida neste trabalho, que é teoria da responsabilidade contratual do
empregador em decorrência de danos provocados por acidente do trabalho,
para contrapor a teoria da responsabilidade aquiliana, defendida pela doutrina
e pela jurisprudência até então.
A obra tornou-se referência para o estudo da responsabilidade civil
acidentária, sendo utilizada no meio acadêmico, bem como para fundamentar
as decisões proferidas pelos Juízes do Trabalho, Tribunais Regionais do
Trabalho e pelo TST.
A atualização da sexta edição observou as mudanças legislativas
ocorridas desde 2009, mais precisamente por conta da vigência das seguintes
normas legais: Lei n. 12.470/2011, que modificou a redação do art. 16 da Lei n.
8.213/1991; Decretos ns. 7.331/2010, 7.126/2010, 6.957/2009 e 6.945/2009,
que alteraram o Regulamento da Previdência Social; Decreto n. 6.577/2008,
que adiou a implantação do FAP para 1º de janeiro de 2010; Resolução
normativa n. 279/2011 da ANS, que regulamentou a Lei n. 9.656/1998; Portaria
interministerial MPS/MF n. 02, de 01.01.2012, que reajustou o valor do
teto salário-de-contribuição e do salário-de-benefício; e Portaria MPAS/
MF n. 579/2011, que divulgou o FAP do ano de 2011, com vigência para
o ano de 2012.
19
As mudanças na jurisprudência dos Tribunais ficaram por conta da
edição da Súmula n. 386 do STJ, da alteração da redação da Súmula n. 291
do TST e da mudança no texto da OJ de n. 375 da SDI-1 do TST.
Além disso, diversos acórdãos transcritos nas edições anteriores foram
substituídos por outros mais recentes, inclusive alguns publicados em 2012,
permitindo ao leitor ter ciência do entendimento dos Tribunais trabalhistas
em relação a temas que ainda não foram objeto de súmulas ou orientações
jurisprudenciais do TST.
20
NOTA DO AUTOR À QUINTA EDIÇÃO
Nesta quinta edição, permanece a preocupação em aprofundar a análise
das questões envolvendo as doenças ocupacionais, em seu sentido amplo,
que abrange os conceitos de transtorno de saúde, distúrbio, disfunção e
síndrome relacionados com o meio ambiente laboral.
A obra foi atualizada com informações recentes das estatísticas sobre
agravos ocupacionais, principalmente depois da adoção do nexo técnico
epidemiológico previdenciário — NTEP, que propiciou a diminuição do
número de subnotificação, bem como sobre a expectativa de vida do brasileiro
referente ao ano de 2007.
Novos temas mereceram abordagem específica, principalmente
aqueles decorrentes da interpretação da Instrução Normativa do INSS/PRES
n. 31/2008, que revogou a IN do INSS n. 16/2007. Para tanto, foi necessária
a inserção de dois novos itens no Capítulo III, para tratar do processo
administrativo de impugnação à perícia do INSS, e outro analisando as
questões relativas à ação regressiva dessa autarquia em face das empresas
negligentes no que pertine à adoção de medidas visando prevenir a ocorrência
de acidentes laborais.
Por fim, foram adicionados recentes julgados sobre as matérias mais
polêmicas, inclusive as Súmulas ns. 362 e 366 do STJ, além da inserção
das alterações normativas relacionadas com as questões tratadas na obra,
principalmente o Decreto n. 6.722/2008 e a Portaria Interministerial MPS/MF
n. 48/2009.
Espera-se que esse conjunto de modificações sirva para melhorar o
auxílio aos leitores interessados nos diversos pontos da temática do acidente
laboral.
21
NOTA DO AUTOR À QUARTA EDIÇÃO
Com o advento da quarta edição, esta obra atinge os objetivos inicialmente propostos, consolidando-se as teses formuladas, através da sua
ampla utilização, tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria. Agora,
a atenção volta-se para as questões envolvendo as doenças ocupacionais,
uma vez constatada a dificuldade de identificar-se o nexo de causalidade
entre essas espécies de enfermidades e o meio ambiente de trabalho.
Apresenta-se como principal novidade desta edição os comentários
à inovação legislativa (Lei n. 10.666/2003, Lei n. 11.430/2006 e Decreto n.
6.042/2007), que foi responsável pela instituição do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário — NTEP e do Fator Acidentário de Prevenção — FAP,
tratados no item 4 do capítulo III.
Especial destaque também foi conferido às questões relativas à
prescrição, mormente no que se refere ao prazo aplicável, já que ainda
não se consolidou o entendimento quanto à incidência daquele previsto na
Constituição Federal de 1988 ou daquele que consta no Código Civil, bem
como no que diz respeito à possibilidade de suspensão do referido prazo,
quando for constatada a incapacidade do obreiro para o trabalho.
Foi feita uma ampliação da obra, acrescentando-se comentários aos
seguintes temas: a) efeitos da suspensão do contrato de trabalho sobre as
férias, por conta do acidente do trabalho (capítulo IV, item 8.6.5); b) relação
entre a emissão da CAT e a identificação do nexo técnico previdenciário
através do NTEP (capítulo V, item 2.6); c) efeitos da concessão do benefício
previdenciário acidentário (capítulo V, item 3.3); d) nexo etiológico dos
distúrbios dolorosos da coluna vertebral (capítulo V, item 8.4); e e) competência
da Justiça do Trabalho em caso de morte do empregado (capítulo VI, item 11).
Após a realização de pesquisa jurisprudencial, foram inseridas, no bojo
desta obra, decisões recentes abordando os temas aqui tratados, principalmente os mais controvertidos constantes dos capítulos IV (responsabilidade
civil do empregador) e V (sistema de indícios da responsabilidade do empregador).
Finalmente, as atualizações procedidas dizem respeito às estatísticas
de acidentes e doenças ocupacionais; aos valores dos benefícios previdenciários, e à tábua de mortalidade fornecida pelo IBGE.
23
NOTA DO AUTOR À TERCEIRA EDIÇÃO
Nesta terceira edição, o Autor teve a satisfação de transcrever o acórdão do STF que, por unanimidade, em sede de conflito de competência, reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar conflitos
envolvendo pedidos de indenização por danos morais decorrentes de acidente do trabalho, acolhendo a tese aqui defendida desde a primeira edição.
Além disso, procedeu-se com a revisão e atualização do texto e procurou-se ampliar a obra no sentido de dotá-la de fundamentos necessários à
atuação dos profissionais do Direito, quando se encontram em juízo, na
identificação das doenças ocupacionais e do seu nexo etiológico, aclarando,
também, os demais elementos da responsabilidade civil do empregador.
Justifica-se essa especial atenção às aludidas questões em face de
existir, não raro, divergência no que se refere às provas técnicas produzidas
em processos judiciais em que o empregado acometido de doença do
trabalho postula indenização por danos morais e materiais.
Para atingir esse objetivo, foi introduzido um novo capítulo intitulado
“Sistema de Indícios da Responsabilidade do Empregador”.
No capítulo IV, que trata da responsabilidade civil do empregador, aprofundou-se os comentários acerca da prescrição da pretensão do empregado
acidentado, sobretudo no que diz respeito ao prazo respectivo e à possibilidade
de sua suspensão; análise das teorias que defendem a imprescritibilidade
das ações dessa natureza, e os efeitos do infortúnio laboral sobre o contrato
de trabalho.
Por fim, as atualizações foram efetivadas inserindo-se recentes decisões
abordando temas relativos ao prazo prescricional da ação de indenização por
danos materiais e morais, competência da Justiça do Trabalho para apreciar
essas espécies de litígios, responsabilidade objetiva do empregador etc.
Também foram inseridos novos dados relativos aos valores dos benefícios
previdenciários, tábua de mortalidade fornecida pelo IBGE, identificação
legal da LER/DORT, estatísticas de acidente do trabalho etc.
25
NOTA DO AUTOR À SEGUNDA EDIÇÃO
Nesta segunda edição, procedeu-se a atualização, ampliação e revisão
da obra.
Foi mantido o texto básico da edição anterior, acrescendo-se comentários
sobre a responsabilidade civil objetiva do empregador quando a sua atividade
implicar risco para o empregado, em face da importância do tema e do conflito
aparente com a norma constitucional que exige o elemento subjetivo para
caracterização da responsabilidade civil, bem como em relação à Proposta
de Emenda Constitucional em tramitação no Congresso Nacional que amplia
a competência da Justiça Laboral.
Também foram inseridas decisões mais recentes sobre a problemática da
responsabilidade civil, principalmente no que se refere à competência da Justiça do Trabalho para examinar as ações decorrentes de acidente do trabalho
em que o empregador figure como Reclamado, e aquelas concernentes ao
prazo prescricional dessas ações.
Ressalte-se que o tema deste trabalho é relativamente novo e continua
a provocar debates entre os juristas que se dedicam ao seu estudo, fato que
justificou a execução de uma atualização, ampliação e revisão cuidadosa,
de forma que pudesse conter pronunciamentos e observações dos diversos
pontos de vista existentes, já que a primeira edição ocorreu logo após a
vigência do novo Código Civil, que introduziu dispositivos legais importantes
para regulamentar toda a matéria.
27
NOTA DO AUTOR À PRIMEIRA EDIÇÃO
O presente trabalho tem por escopo aprofundar o estudo sobre a
responsabilidade civil do empregador derivada do acidente do trabalho e a
questão da competência jurisdicional para julgar essa espécie de litígio.
Esta obra representa, com algumas alterações, a dissertação defendida
perante a Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Pernambuco — UFPE, como condição à obtenção do título de
Mestre em Direito, formada pelos Professores Doutores Rodolfo Mário Veiga
Pamplona Filho, Eduardo Rabenhorst Ramalho e Raymundo Juliano do
Rego Feitosa.
Foram analisados, detidamente, os fatores que determinam a responsabilidade civil direta do empregador, na hipótese em que o acidente do
trabalho provoque danos ao patrimônio econômico e moral do empregado.
Como consequência direta, examinou-se, também, além de outras
questões, a autonomia da responsabilidade acidentária em face da responsabilidade civil do empregador; a compensação da indenização derivada do
direito comum e a indenização acidentária; a natureza jurídica objetiva ou
subjetiva da responsabilidade de direito comum, identificando o detentor do
ônus da prova em relação à configuração da culpa; e a delimitação e eliminação
dos equívocos que cercam o entendimento segundo o qual a competência
para o julgamento das ações envolvendo acidente do trabalho pertence à
Justiça Estadual, à luz dos procedimentos de interpretação da norma constitucional vigente.
Foi feita, inicialmente, uma abordagem geral sobre o instituto da responsabilidade civil, visto por diversos ângulos (objetivo, subjetivo, contratual,
extracontratual, penal, civil etc.), inclusive em sua evolução histórica, passando pelo campo da infortunística laboral, coberta pelo seguro obrigatório,
para depois ser analisada a responsabilidade civil direta do empregador, e,
por fim, definir com precisão a competência do órgão jurisdicional incumbido
de dirimir eventuais conflitos dessa natureza.
Para completar, procedeu-se à utilização e interpretação de dispositivos
constitucionais e legais que regulamentam a matéria, notadamente o Código
29
Civil de 1916 e a Lei n. 10.406, de 10.1.2002, que instituiu o novo Código Civil, por
meio de um estudo comparativo entre as duas normas estatais, sem esquecer
dos dispositivos do Código de Napoleão, concernentes à responsabilidade
civil, que grande influência teve na elaboração dos referidos diplomas legais.
O contrato de trabalho tem o seu conteúdo mínimo formado por cláusulas
obrigatórias legais que, dentre outras determinações, impõem ao empregador zelar pela incolumidade psicofisiológica dos seus empregados.
Vista sob esta ótica, percebe-se que, em caso de dano sofrido pelo
empregado, vítima de acidente do trabalho, a responsabilidade tem nítida
natureza contratual, posto que decorrente de um inadimplemento contratual.
A questão social impulsionou o surgimento de uma denominada “responsabilidade acidentária”, de natureza objetiva, transferida por imposição
legal ao próprio Estado que, mediante contribuições periódicas do empregador, ficaria responsável pelo pagamento das indenizações devidas em caso
de acidente do trabalho.
Ocorre, porém, que a referida indenização acidentária não cobre, integralmente, o dano sofrido pelo operário, e por esta razão este se encontra
autorizado a ingressar em juízo para pleitear o complemento indenizatório,
desde que tenha agido o empregador com culpa ou dolo.
A principal consequência do reconhecimento da natureza contratual da
responsabilidade civil do empregador, negada pela maioria daqueles que se
dedicam ao estudo da matéria, é a questão do ônus da prova da culpa, que
passa a ser deste último, livrando o empregado, hipossuficiente na relação
empregatícia, do grave encargo processual que lhe cabia e que, na maioria
dos casos, lhe privava da indenização necessária para reparar os prejuízos
sofridos com o acidente do trabalho.
Em resumo, pretendeu-se demonstrar, com o presente trabalho, que: a)
a responsabilidade de direito comum do empregador tem natureza contratual;
b) são cumuláveis as ações acidentárias e de indenização; c) são compensáveis as indenizações de direito comum e acidentária; d) a responsabilidade
civil é, via de regra, de natureza subjetiva, mas com a inversão do ônus da
prova para o empregador; e) a responsabilidade civil do empregador, em
decorrência do acidente do trabalho, é objetiva quando sua atividade for de
natureza insalubre ou perigosa; f) a Justiça do Trabalho é órgão judicial competente para o julgamento dos litígios originados pelo acidente do trabalho.
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CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL
O estudo do instituto da responsabilidade civil é de vital importância,
não só para o Direito Civil, mas para qualquer ramo do Direito, pois todo
ele se encontra permeado pela ideia de manutenção da ordem pública e de
proteção daqueles que sofrem os efeitos dos fatos danosos.
O estudo preliminar do instituto da responsabilidade civil é relevante,
posto constituir o fundamento teórico deste trabalho, base para a definição,
natureza e limites do dever de indenizar do empregador, em virtude de dano
sofrido pelo empregado, vítima de acidente do trabalho.
Registre-se, inicialmente, que a tarefa de se enunciar o conceito de
responsabilidade civil não é fácil. Muito pelo contrário, a falta de consenso
no que se refere à adoção de uma definição semelhante pelos estudiosos da
matéria evidencia a dificuldade dessa tarefa.
A expressão “responsabilidade”, pelo senso comum, revela uma ideia de
ressarcimento, de reparação, o que induz, logicamente, admitir a existência
de algo antecedente.
Evidentemente que, para se reparar algo, é necessário que esse algo
exista incólume antes da ocorrência de algum evento que altere sua essência.
Essa situação anterior constitui o bem da vida sobre o qual incide a
tutela jurídica. Não se pode falar em reparação sem a preexistência de um
bem ou relação juridicamente tutelado de forma que mantenha o equilíbrio do
homem, vivendo em sociedade. Destruído esse equilíbrio, mediante a ação
ou omissão de alguém, caberá ao autor do ato contrário ao direito, na forma
de norma estatal ou de convenção prévia, restabelecer a situação inicial,
configurando-se, desse modo, a responsabilidade civil.
Nota-se, assim, que a responsabilidade civil pressupõe a liberdade do
homem. Por ser livre, o homem tem a faculdade de agir em conformidade
ou contra o ordenamento jurídico. Mas, nesse último caso, deve arcar com
as consequências de seu ato ilícito, por meio do comprometimento do seu
patrimônio.
Em algumas hipóteses, entretanto, em razão da natureza não econômica
do bem atingido, será impossível recompor o status quo ante. Ainda assim,
o ordenamento jurídico protege a vítima no sentido de responsabilizar o
31
ofensor, determinando o pagamento de uma indenização que possibilitará
a aquisição de um bem material e, por via de consequência, compensará a
dor suportada pela vítima, além de representar uma punição para o ofensor.
A responsabilidade civil representa o dever de ressarcir ou de compensar,
imposto àquele que, por ação ou omissão, por fato próprio, de terceiro ou de
coisas dele dependentes, provoque a diminuição ou alteração no patrimônio
material ou moral de alguém.
Bastante simples, porém abrangente, pois abarca as espécies objetiva
e subjetiva, é a definição de responsabilidade civil proposta por Caio Mario:
“a responsabilidade civil representa a efetivação da reparabilidade abstrata
do dano em relação àquele que sofre o prejuízo”.(1)
Para que se configure a responsabilidade civil, é necessário que haja
inobservância de um dever legal, genérico ou específico, ou a inexecução de
uma obrigação estabelecida previamente entre o ofensor e a vítima.
Compreendida dessa forma, a responsabilidade civil não pode ser
resultado do exercício regular de um direito, mas, se houver abuso, com
a consequente provocação de dano a outrem, o dever de indenizar restará
configurado.
Essa teoria foi acolhida pelo Código Civil vigente, em seu art. 187:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”.
Sobre o tema, manifesta-se Orlando Gomes:
Apesar da dificuldade de sua caracterização e das vacilações a
propósito de sua configuração como instituto, a verdade é que o
exercício anormal de um direito pode criar para o prejudicado uma
pretensão contra quem praticou o ato abusivo, ficando este obrigado
a indenizar o dano causado ou a abster-se da prática do ato abusivo.(2)
O direito pode ser concebido como o conjunto de normas destinadas a
regular a vida em sociedade, estabelecendo os limites da liberdade de cada
pessoa.
O ideal seria que todos agissem conforme as prescrições legais,
evitando-se, assim, as consequências da ação ou omissão que importassem
em violação do direito de outrem.
(1) PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 11.
(2) GOMES, ORLANDO. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 39.
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Por isso é que a responsabilidade civil está calcada basicamente na
máxima neminem leadere, ou seja, o dever de não prejudicar ninguém, regra
fundamental do Direito natural.
1 — ESCORÇO HISTÓRICO
O Direito é um fenômeno cultural que varia inexoravelmente no tempo e
no espaço. Encontra suas raízes no passado. Assim considerado, entende-se que, para ser completo, qualquer estudo nessa área do conhecimento
científico deve contemplar os horizontes históricos.
Saliente-se, entretanto, que não se pode, em nenhum momento, entender o estudo do direito como um processo evolutivo, ou seja, considerar que
hoje esse ramo da ciência ocupa uma posição de maior desenvolvimento
cultural em comparação com o Direito antigo.
A análise histórica de qualquer instituto jurídico serve apenas como
paradigma, pois a questão de ser avaliado como mais evoluído ou não irá
depender das demais características culturais de cada povo.
A história serve, assim, utilizando-se das palavras de Paulo Dourado de
Gusmão, para evidenciar os erros cometidos do passado, apontando para o
jurista e para o legislador o caminho que não deve ser seguido.(3)
1.1 — Direito antigo
A responsabilidade civil relaciona-se profundamente com as formas de
composição dos conflitos de interesses, pois representa um dos reflexos da
violação de um dever legal ou de uma obrigação criada por declaração de
vontade.
A inobservância das determinações fixadas por uma norma individual
e concreta ou pela lei, instituídas com o objetivo de possibilitar a vida do
homem em sociedade, gera o conflito de interesses e, na hipótese de dano,
origina a responsabilidade civil.
Justifica-se, assim, no estudo histórico do instituto da responsabilidade
civil, a sua análise concomitantemente com a evolução das espécies de
solução dos conflitos.
(3) GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 27. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 24.
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Sendo o Direito pátrio de tradição romanista, qualquer estudo sobre a
história da responsabilidade civil passa inevitavelmente pela história do Direito
Romano, mesmo porque seus institutos atingiram uma perfeição jurídica que
influenciou diretamente grande parte dos ordenamentos jurídicos modernos.
Com efeito, nenhuma civilização ocidental antiga alcançou o desenvolvimento organizacional atingido pelos romanos no que se refere ao Direito,
pelo que o seu estudo contribuirá também para demonstrar cientificamente
a tese aqui exposta.
Antes de existir uma sociedade organizada e mesmo nos primórdios
desta, prevalecia o princípio da vingança coletiva, ou seja, a ação ou
omissão provocava uma reação imediata e desmedida do ofendido, por
meio de violência física ou moral não só ao ofensor, mas também à sua
família, tribo ou grupo social, característica do Direito arcaico em que não só
a responsabilidade era coletiva, mas também a propriedade.
Nesse primeiro estágio, ainda não se podia falar em reparação, posto
que inexistia a intenção de reparar a ofensa com a restituição do estado
anterior. Muito pelo contrário, após a vingança, passavam a existir duas
vítimas e dois ofensores.
Dourado de Gusmão relata as características da responsabilidade civil
nesse momento histórico:
Para ser responsável, bastava viver. Nessa sociedade, a idade, a
sanidade mental, a culpa, o desenvolvimento mental e a própria
vida não influíam na responsabilidade. Predominava o nexo de
causalidade material, podendo ser responsável por uma ofensa
tanto o animal, a criança, o adulto, a coisa, como o louco ou o cadáver.(4)
Ainda numa fase primitiva, aparece a vingança privada, momento em
que a reação da vítima passa a ser proporcional à ação do autor do dano.
Utilizava-se a regra do olho por olho, dente por dente (Lei de Talião).
A regulamentação da vingança privada deu-se por intermédio da consagração legal do uso da pena de Talião, dando origem à intransmissibilidade
pessoal da pena e sua proporção ao dano sofrido.
Segue-se a fase da composição voluntária, em que o ofendido ainda
poderia optar pela vingança privada. Entretanto, não perceberia qualquer
indenização (compensação material), denominada poena, com a qual se
obtinha o perdão do ofendido, qualidade da composição.
Da mesma forma como aconteceu com a pena de Talião, a lei consagrou
o uso da composição voluntária, transformando-a em composição legal.
(4) GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit., p. 315.
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O Acidente do Trabalho e a Responsabilidade Civil do