Construção social da violência e direitos humanos1 Wagner Vinhas2 Para construirmos uma idéia do que seja a Violência, no seu sentido metadiscursivo, ou seja, como uma totalidade de formas de violência, será preciso distinguir essas formas, bem como os tipos de violência. É dessa maneira que as formas e os tipos de violência não podem ser representados como mero reflexo um dos outros ou como se fossem homogêneos ou iguais. Como, de outro modo, poderíamos distinguir a violência que é praticada em casa daquela que é praticada pelo Estado ou mesmo por uma organização criminosa? Não é preciso ir muito longe para que descubram que a minha proposta consiste olhar as formas e os tipos de violência como inter-dependentes, e por isso partes de um todo em constante transformação pelas mudanças de suas partes constitutivas. Por isso, vejo essa totalidade inconclusa como objeto da exposição da mesa de hoje: "Direitos sexuais e Direitos Humanos" - Construção social da violência e direitos humanos. Não se trata aqui de fazer uma ontologia da violência e buscar no passado mais remoto as origens das formas de violência contemporânea, ou mesmo, fazer uma demonstração das formas que persistem ou daquelas que mudaram ou até mesmo desapareceram nos dias atuais. Seria um exercício pouco eficaz para entender a coabitação de instrumentos e formas de violência, ao mesmo tempo que, da mesma forma, não daria conta de explicar o fato de que a violência não se expressa somente por formas puramente concretas. Existe uma outra natureza da violência que é simbólica, e mesmo que possa ser objetivamente observável no comportamento humano, não pode ser compreendida pelas mesmas categorias analíticas de uma coação física, porque se trata de uma coação moral. Neste conjunto de formas de violência simbólicas podemos situar a discriminação e o preconceito econômico, social, sexual, cultural ou racial. De modo que, a minha proposta consiste olhar a violência como uma totalidade em constante transformação pelas partes em mudança. Esse exercício nos ajuda a caminhar em direção à compreensão de que o nosso entendimento sobre a violência precisa considerar as mudanças de suas formas e tipos, e porque também não dizer dos 1 Palestra proferida durante a Campanha pelo Fim da Violência Contra Mulheres: "Direitos sexuais e Direitos Humanos": construção social da violência e direitos humanos. UNEB, Irecê, 04/12/2010. 2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas; mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia; e professor substituto do Departamento de Sociologia da UFBA. 1 seus conteúdos. Para finalizar a exposição das bases metodológicas deste estudo, podese dizer que as formas de violência correspondem a uma totalização de conteúdos praticados como atos de violência. É dessa maneira que temos conteúdos que expressam formas de violência pelo uso da força física ou da ofensa moral. Por outro lado, será preciso olhar a Violência como uma produção social, o que implica, por um lado, considerar que cada sociedade desenvolve os seus tipos de violência, bem como as sanções e as regras que regulam as suas formas, tipos e conteúdos. É neste sentido que, os Direitos Humanos podem ser considerados como um marco na história, e que estabelecem limites, pelo menos ideais, das praticas de violência tidas como universais. Da mesma maneira será preciso tomar a condição humana como universal, e neste sentido como uma construção social enquanto seres humanos. Não cabe, aqui, prolongarmos a discussão das idéias que tomam por humanidade um projeto, mas, permitam apenas dizer que, mais uma vez, estamos falando de uma produção social, em que as escolhas, prioridades e definições do que somos e não somos participam ativamente. Somos humanos supostamente pela capacidade de construirmos laços com outros indivíduos, mesmo que não tenhamos tido ou não venhamos à ter contato com milhões deles. E, neste sentido, o mesmo podemos dizer de outras construções da modernidade, como parece ser o caso da nossa nacionalidade brasileira. O que parece ser crucial no surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é o confronto que pretende estabelecer com as formas e os tipos de violência praticados em cada organização social – seja em sociedades ocidentalizadas ou orientais, bem como tribos ou clãs. Para que fosse possível sintetizar, em uma única declaração, as experiências empíricas de formas e tipos de violência em cada sociedade, foi necessário encontrar nas subjetividades algo que pudesse ser considerado comum. Como afirmei anteriormente, trata-se de um ideal, nos termos definidos por Marx Weber (2001). As escolhas dos traços a serem acentuados – da nossa condição humana - partem de uma seleção que envolve valores e crenças dos que lutam pela legitimação do significado cultural na sociedade. É dessa forma que podemos entender uma declaração que pretende assegurar a nossa condição humana em termos de uma universalidade. Uma tipificação ideal pode ser representada da seguinte maneira: 2 Esclarecido a maneira como entendo a Violência e os Direitos Humanos, umanos, ou seja, como uma totalidade constituída de formas, tipos e conteúdos – totalizações -, pode-se se partir para uma caracterização mais apurada do que seja a violência praticada contra as mulheres,, bem como ddos Direitos Humanos. Inicialmente, pretendo esclarecer o que entendo por Violência, iolência, para em seguida tratar especificamente do caso das mulheres. Partindo de Hannah Arendt (1985), pode podese dizer que a violência ncia é um meio para o exercício do poder poder.. Neste sentido, não podemos entender a Violência, Violência tal qual o Poder, como um objeto ou uma coisa (FOUCAULT, 1985), mas como práticas e relações de dominação orientadas segundo os instrumentos de violência. Para Arendt (1985), “ o domínio através da violência pura vem à baila quando o poder está em vias de ser perdido [...]” (p. 34). 34) Desse modo, pode podese afirmar que a perda do poder pode levar a violência e, dessa forma, pode-se igualmente afirmar que o seu objetivo é a destruição do poder atribuído a outr outrem. É neste sentido que é possível afirmar que poder e violência não são a mesma coisa, e até mesmo se opõem,, ou seja, onde um predomina de forma absoluta não existe espaço para o outro. Resumidamente, pode-se pode dizer que poder e violência quase sempre aparecem juntos, s, mas não podem ser considerad consideradoss iguais, pois a violência sempre é praticada na ausência de poder daquele que pratica ou contra o poder daquele na qual é praticada. É dessa forma que o poder de um sobre o outro outro pode ser apreendido em termos de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominador quanto pelo dominado. É igualmente válido afirmar que partem de mecanismos históricos que eternizam através das instituições sociais (família, igreja, escola e etc.) um uma visão 3 naturalista ou essencialista das formas de dominação, poder e violência. Parece ser dessa forma que podemos falar da violência contra a mulher, ou seja, através da perda do poder exercido sobre ela, bem como pela legitimação histórica da dominação masculina sobre o outro gênero. Para Bourdieu (1999), a violência praticada contra as mulheres se dá acima de tudo através da violência simbólica, sem que, como isso, possamos minimizar a violência física, “e (fazer) esquecer que há mulheres espancadas, violentadas, exploradas [...]” (p. 11). Pelo contrario, essa perspectiva permite tornar objetivo a experiência subjetiva das relações de dominação, o que, de outro modo, poderia não ter uma devida atenção. Para que possamos compreender de forma mais acertada em que instância a legitimação da dominação atua, basta verificar que em muitos casos as mulheres preferem igualmente homens mais altos e mais velhos, o que lhes permitem um certo status social, o que poderia ser comprometido pela aceitação de um homem mais jovem ou mais baixo do que elas. Não parece ser surpreendente que, por outro lado, muitas vezes os homens preferem mulheres mais baixas e mais jovens, o que é igualmente considerado um símbolo de sua posição social. Neste sentido, não basta que as mulheres concordem em geral com os homens, mas é igualmente importante que levem em conta a representação de um conjunto de homens e de mulheres, ou seja, de esquemas de percepção e avaliação universalmente partilhados com o grupo em questão (BOURDIEU, 1999, 12). Dessa forma, a lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina só pode ser compreendida pelos efeitos duradouros que a ordem social exerce sobre as mulheres e os homens. É importante, neste ponto, assinalar que não estou tratando aqui de causas cuja origem pode ser atribuída a fatores psicológicos, mas, pelo contrário, o que trato nesta apresentação são evidencias na qual só podemos atribuir um caráter sociológico, ou seja, fruto da relações entre os indivíduos, mesmo que sejam do sexo aposto. Como demonstrei acima, a dominação masculina não depende das representações individuais, mas das representações sociais, assim como fora definido por Émile Durkheim (2007). Segundo este autor, existe um conjunto de representações compartilhadas pelos membros de uma mesma sociedade, e que, por um lado, não corresponderiam as representações individuais, nem a soma das representações individuais. As representações sociais possuem uma natureza diferente, e que pode ser verificada pela sua permanência independente das representações individuais. Por exemplo, o papel atribuído aos homens e as mulheres preexiste a existência de um indivíduo masculino 4 ou feminino, bem como permanece quando estes não existirem mais, ou seja, são externos aos indivíduos. A eficácia da dominação no plano simbólico está nas disposições que o trabalho de inculcação e incorporação realizou previamente, ou seja, o que, segundo Bourdieu, pode ser entendido através da noção de habitus3. Se podemos afirmar que as mulheres estão presas as formas de submissão, por outro lado, é igualmente válido dizer que os homens se encontram enclausurados nas formas de dominação. Dominação e submissão são noções eminentemente relacional, de homens para com outros homens, de mulheres para com outras mulheres, e de homens para com as mulheres. Basta lembrar que o machismo não pode ser atribuído exclusivamente aos homens, mas igualmente as mulheres, ou seja, homens e mulheres acabam sendo produtos de uma sociedade machista e até mesmo sexista. E, segundo Bourdieu (1999), a força material e simbólica da dominação masculina está na instituições sociais, mesmo que as unidades domésticas sejam os lugares em que a dominação se manifeste de forma mais evidente: Realmente, creio que, se a unidade domestica é um dos lugares em que a dominação masculina se manifeste de maneira mais indiscutível (e não só através do recurso à violência física), o princípio de perpetuação das relações de força materiais e simbólicas que aí se exercem se coloca essencialmente fora desta unidade, em instâncias como a Igreja, a Escola, o Estado e em suas ações propriamente políticas, declaradas ou escondidas, oficiais ou oficiosas [...] (idem, 1999, p. 34). Seria, então, a violência contra as mulheres uma forma de violência exercida pela perda do poder masculino ou da dominação masculina, e que se opõe ao poder, mesmo momentâneo, atribuído a um indivíduo do sexo feminino? Nem sempre essas formas de violência partem de um indivíduo masculino, e podem até mesmo partir de um indivíduo feminino, ou de uma entidade ainda mais abstrata, como é o caso do Estado. Essas formas de violência parecem mesmo partir de uma ordem social previamente estabelecida, e que coloca a mulher quase sempre em uma situação de submissão frente a um homem. A complexidade do enfretamento da dominação masculina reside no fato de que não é apenas o poder dos homens que está sendo confrontado, mas uma dada ordem social: as mudanças nas relações entre homens e 3 “(...) o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural...” (BOURDIEU, 1989. p. 91). 5 mulheres implicam conjuntamente em transformações de uma determinada estrutura social4. Concluída a exposição acerca de algumas bases de discussão sobre a violência contra a mulher, pode-se passar agora para os pressupostos que fundamentam o seu enfretamento. É neste sentido que podemos situar a Declaração dos Direitos Humanos. No artigo dois, da Declaração dos Direitos Humanos, encontramos uma menção direta aos direitos e as liberdades estabelecidos na declaração sem distinção de sexo. Dessa forma, encontramos permeando toda à declaração a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Não parece ser necessário retomar a discussão anterior acerca da universalidade dos Direitos Humanos, bem como o seu ideal de servir como orientação para garantir à dignidade da condição humana, mas vale à pena lembrar que o seu ideal repousa na idéia de igualdade entre os seres humanos, independente da raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. É uma condição universal que nem sempre encontra correspondência nas experiências empíricas, ou seja, em cada sociedade ou grupo em particular. Examinemos alguns pontos que podem evidenciar mais claramente essa problemática. No ano de 1979, foi aprovada pela Organizações das Nações Unidos – ONU – a Carta Magna dos Direitos das Mulheres, durante a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Em 1993, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos explicita que os direitos humanos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. No caso do Brasil, no ano de 19845, a Carta Magna foi ratificada pelo governo brasileiro, com reservas para os artigos referentes à liberdade de movimento, escolha de domicílio e casamento. Ou seja, não era permitido as mulheres o direito à organização, bem como suprimia os direitos fundamentais de liberdade, como parece ser o caso da escolha de domicílio e do casamento. Permitam lembrar um caso exemplar em relação à problemática da 4 Ver: MARQUES, Teresa Cristina de Novaes; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres casadas no Brasil entre 1916 e 1962: ou como são feitas as leis. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 16, n. 2, ago. 2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104026X2008000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em12 ago. 2009. doi: 10.1590/S0104026X2008000200008. 5 Os desdobramentos no Brasil, em relação aos direitos humanos das mulheres, podem ser verificados com a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, em 1985, através da Lei Federal 7.353/85, criando respectivamente o Fundo Especial dos Direitos das Mulheres. Em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres com status de Ministério. 6 universalização dos direitos humanos das mulheres. Durante o Encontro Internacional dos Direitos das Mulheres, a então primeira dama Ruth Cardoso, participava da elaboração das diretrizes que seriam assinadas pelos países membros da ONU. O que quero explicitar é o fato de que a Declaração de Intenções se viu comprometida porque alguns governos, em especial de países cuja religião oficial é o islamismo, se negaram a assinar à declaração, bem como se comprometerem com os direitos humanos das mulheres. O que estas breves citações evidenciam, é o desafio de universalizar a condição humana, tornando também universal o seu significado cultural, ou seja, os valores e as crenças que permeiam tal noção. Para Arendt (2000), a condição humana não se assemelha a natureza humana, ou seja, como algo imprescindível à existência humana, mas como tudo aquilo que entramos em contato e que se torna imediatamente uma condição de nossa existência. Segundo Arendt (2000), nada nos autoriza a dizer que o ser humano tem uma natureza ou uma essência tal qual atribuímos as outras coisas. O mundo consiste de coisas produzidas pelas atividades humanas e através da qual criamos as nossas próprias condições, e que, por outro lado, acabam assumindo a mesma força condicionante das coisas naturais, o que pode levar a vê-las como iguais, e não como são efetivamente, diferentes. A objetividade do mundo – o seu caráter de coisa ou objeto – e a condição humana complementam-se uma à outra; por ser uma existência condicionada, a existência humana seria impossível sem as coisas, e estas seriam uma amontoado de artigos incoerentes, um não-mundo, se esses artigos não fossem condicionantes da existência humana (idem, 2000, p 17). Neste sentido, pode-se dizer que a condição humana surge conjuntamente com as atividades humanas, o que nas palavras de Karl Marx (2001), equivale dizer que transformando a natureza, os seres humanos transformam a si mesmos. Por hora, acredito não ser necessário prolongar a discussão do que nos faz humanos, haja visto que, em todos os casos, existem defensores e críticos acerca das compressões do que nos faz ser efetivamente humanos. No entanto, será pertinente lembrar que essas discussões na antiguidade criaram as divisões entre civilizados e bárbaros, e mais recentemente, mais precisamente no século XIX, as classificações raciais embasadas nas supostas diferenças biológicas entre os povos. Neste sentido, precisamos lembrar também que as diferenças entre homens e mulheres, acima de tudo, insistem na idéia da diferença biológica, psicológica e social dos gêneros. É dessa forma que, segundo o meu 7 entendimento, essas dicotomizações continuam a povoar o imaginário do senso comum, e porque não dizer do senso comum científico, a qual falava Bourdieu (2007). Finalmente, em relação ao que toca os Direitos Sexuais, cabe alguns esclarecimentos. Inicialmente, a referida declaração trata dos direitos à sexualidade, seja de homens, mulheres, adolescentes ou idosos. Entendido como um fator de desenvolvimento humano, a Declaração dos Direitos Sexuais vem garantir a cada ser humano o exercício de sua sexualidade plena, mesmo que esteja sendo orientada pela idéia de responsabilidade. Neste sentido, a declaração não surge concomitante com a Declaração dos Direitos Humanos, mas como resultado da luta pelo direito à orientação sexual, bem como à saúde sexual, e contra o abuso e a exploração sexual. Neste sentido, para construirmos as relações entre Violência, Direitos Humanos e Sexuais, pode-se dizer que as mulheres, muitas vezes, vítimas de abusos e explorações sexuais, têm garantido na Declaração dos Direitos Sexuais à integridade sexual e à segurança do seu corpo sexual. No que toca a relação com o corpo, como bem observou o filósofo Michel Foucault (1985, 1988), o controle da sexualidade tem como objetivo o controle do corpo, transformando-o em algo dócil e fácil de controlar. Trata-se de uma problemática bastante complexa, e que possui estreitas relações com o que venho apontando ao longo dessa exposição, ou seja, o controle por parte das instituições sociais: família, escola, Estado etc. Parafraseando Foucault (1985), o controle do corpo também se estende ao controle do espírito (ou mente), à medida que um corpo reprimido produz pensamentos ou mesmo reflexões reprimidas. Como, de outra forma, poderíamos falar da repressão da mulher em relação à sua sexualidade e, por outro lado, não encontrada, pelo menos na mesma intensidade, nos corpos dos homens. É neste sentido que podemos, mais uma vez, falar de violência contra as mulheres, seja de forma objetiva, através da força física exercida sobre os seus corpos, seja de forma subjetiva, a negação continuada de sua sexualidade através de uma série de sanções ou tabus no seu meio social. Para exemplificar e trazer à tona as experiências empíricas dessas implicações, quero remetê-los as pesquisas no campo da antropologia em comunidades consideradas tradicionais. Existe um tema recorrente nas pesquisas antropológicas e que se refere aos tabus: alimentares, parentesco, sexuais etc. Para os objetivos pretendidos aqui, quero citar o exemplo de grupos em que a sexualidade da mulher está diretamente relacionada 8 com a reprodução, ou seja, a vida sexual ativa de um membro feminino equivale ao tempo de sua capacidade reprodutiva, cessando conjuntamente. Muitas vezes, é a própria mulher que estabelece esse tabu para si mesma. Vale lembrar que, esse tipo de tabu, não está exclusivamente relacionado com estes grupos, haja visto que à Igreja Católica apenas permite relações sexuais com o objetivo de reprodução e, neste caso, estendendo a ambos os sexos. Contudo, é igualmente válido lembrar que, desde Idade Média, as punições para homens e mulheres são desiguais. Neste sentido, a severidade da punição para mulheres adulteras não se estendia aos homens. O mesmo pode-se dizer sobre o mundo islâmico, e no qual condena as mulheres ao apedrejamento em caso de adultério, mas não sentencia da mesma forma os homens. Para finalizar, é importante ressaltar a relevância e a urgência de colocarmos à baila essas noções de diferença entre homens e mulheres. Neste sentido, acredito que o movimento feminista, ao longo dessas últimas décadas, tem procurado dar evidência a essas dicotomizações e desigualdades em cada organização social. Do mesmo modo, quero ressaltar à importância do trabalho das feministas em produzir uma reflexão sobre as mulheres: os corpos, as visões de mundo, a cidadania, entre tantos outros temas. Para concluir, quero me dirigir aos homens e a necessidade de repensar o seu lugar-nomundo, como diria Merleau-Ponty (1999). Essa sugestão caminha ao revés do que comumente se acredita, ou seja, de que a masculinidade é algo dado, pronto e acabado, como se não houvesse mais nada para ser dito ou repensado. A minha proposta sugere o contrário disto, ou seja, nada no mundo, inclusive a noção de masculinidade, pode ser entendido como uma essência, como parte integrante ou natural deste mundo. Se aceitarem as colocações que foram aqui proferidas como pertinentes, posso acrescentar que somente o conhecimento mais apurado do que queremos ser, e não do que somos, pode trazer luz a essas inquietações que afligem homens e mulheres. Neste sentido, quero ressaltar que, a minha experiência científica e acadêmica, tem demonstrado que os estudos mais aprofundados não levam a certezas inexoráveis ou verdades absolutas, mas, pelo contrário, quanto mais nos debruçamos sobre os nossos temas de pesquisa, somos cada vez mais desafiados em nossa intenção de cristalizar as experiências empíricas, bem como as dinâmicas de suas relações sociais. Parafraseando Georges Balandier (1997), a ciência em que acredito se volta para o elogio do movimento. 9 Referências bibliográficas: ARENDT, Hannah. Da violência. Trad. Maria Cláudia Drummond Trindade. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985. ______________ . A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BALANDIER, Georges. Desordem: elogio do movimento. Lisboa: Bertrand, 1997. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. _______________ . A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999. _______________ . CHANBOREDON, Jean-Claude. PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia; Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. 6ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. Roberto Machado. 5.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. pp. 15-38. ________________ . A história da sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1988. MAX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo:Martins Fontes, 1999. WEBER, Marx. Metodologia das ciências sociais. Vol. I. Tradução Augustin Wernet. São Paulo: Cortez, 2001. 10