DIALOGANDO SOBRE AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OS MÉTODOS
DE ALFABETIZAÇÃO
Ilná A. Lobo (*)
RESUMO
A alfabetização é conduzida pela forma como se concebe a linguagem.
Nos métodos tradicionalistas a aprendizagem da escrita e da leitura é uma
questão técnica e neutra desvinculada dos interesses sociais conflitantes em
disputa pela interpretação da realidade. Diferente da concepção sóciointeracionista que percebe a linguagem enquanto interlocução, aprendizagem
ativa, inteligente, criativa que acontece na relação com outros falantes de forma
real e significativa, possibilitando a leitura crítica do mundo.
PALAVRAS – CHAVE: LINGUAGEM – ALFABETIZAÇÃO
O modo como concebemos a linguagem oral e escrita depende da forma como
conduziremos a alfabetização uma vez que a alfabetização é um trabalho com
essa modalidade da linguagem, ou seja, com a aprendizagem da leitura e da
escrita.
Na concepção tradicionalista de alfabetização a ênfase na aprendizagem da
leitura e da escrita é colocada na língua vista enquanto sistema abstrato,
imutável, homogêneo, de formas lingüísticas submetidas a uma norma. A
“aquisição” da linguagem se faria por um receptor passivo através da imitação, da
repetição de modelos. A aprendizagem deveria ser guiada pelas regras do falar,
escrever “bem”, escrever “certo”, de acordo com as normas da gramática.
A alfabetização passaria pelo ensino das convenções, formas gráficas,
correspondência som-letra, montagem de sílabas, palavras, frases, treino da
ortografia... onde a significação é deixada de lado ou relegada a um papel
secundário. Somente após o domínio das convenções, o aprendiz seria capaz e,
portanto, solicitado a escrever texto e fazer uma leitura compreensiva.
Na contramão dessa concepção vem a lógica sócio-interacionista que percebe
a linguagem enquanto interlocução, inferindo que a criança aprende a falar de
forma ativa, inteligente, criativa, interagindo com outros falantes e fazendo uso da
linguagem para satisfazer suas necessidades. Em confronto com seus
interlocutores, o aprendiz negocia significados e aperfeiçoa, gradativamente, sua
capacidade verbal. Assimila a variedade lingüística de seu grupo social e, aos três
anos, mais ou menos, já internalizou as regras básicas da gramática de sua
língua materna.
De forma similar, a criança aprende a ler e escrever. De acordo com a
pesquisadora sobre essa questão, Emília Ferreiro (1986) e sua colaboradora Ana
Teberosky (2002), interagindo com outras pessoas que lêem e escrevem à sua
frente, seja para ela, por ela ou para outros; respondendo a suas perguntas e lhe
fornecendo informações, levantando, testando e reformulando hipóteses é que as
crianças aprendem a ler e escrever de forma significativa e compreensiva. Esse é
o caminho para a formação de leitores e escritores funcionais e não de meros
decifradores de palavras.
Com efeito, a alfabetização passa a ser um processo significativo, centrado na
compreensão, comunicação, onde as funções da linguagem estão sempre sendo
exercidas, tanto na oralidade quanto na escrita. A aprendizagem da leitura e da
escrita é concebida como ação também política, de emancipação humana, como
dizia Paulo Freire (1984).
Nos métodos tradicionais de alfabetização a aprendizagem da leitura e da
escrita é vista como uma questão meramente técnica e neutra, ou seja,
desvinculada da política, onde não estariam presentes interesses conflitantes em
disputa pela interpretação da realidade. A cultura e a linguagem, nos métodos
tradicionais, são percebidas de forma desvinculadas das relações de poder
(dominação
x
emancipação).
Não
consideram
experiências
culturais
diversificadas, nem discutem a existência das variedades lingüísticas.
Os métodos tradicionais de alfabetização não trabalham de forma significativa
as relações som/letra e nem consideram a função social da escrita. Priorizam o
trabalho mecânico da cópia, da escrita, em detrimento da compreensão,
expressão, representação, interlocução/interação entre o leitor e escritor.
Enfatizam
mais
o
significante
(forma
gráfica/sonora),
do
que
a
significação/contextualização; a habilidade perceptivo-motora do que a linguagem
escrita
enquanto
expressão,
produção.
Não
consideram
as
diferentes
experiências relativas às escritas anteriores do aluno(a), nem as de fora da
escola; nem os diferentes níveis de compreensão a cerca da escrita.
Os métodos tradicionais de alfabetização não abrem espaço para as tentativas
não convencionais de escrever e ler. Não permitem a produção de textos antes do
domínio das convenções ortográficas. Partem do princípio que só se aprende a ler
e escrever através de um método pronto, prefixado, que cabe ao professor seguir,
na risca e de forma seqüencial todos os passos, independente da caminhada de
cada criança.
Assim, os métodos tradicionais partem do princípio de que antes de se
aprender a ler e escrever, o aluno deve ter desenvolvido algumas condições
anteriores. É o chamado período de “prontidão”. A noção de “prontidão” implica
em restringir a alfabetização a uma etapa específica. A criança precisa, nesta
visão, ser treinada em determinadas habilidades, as quais uma vez dominadas, a
deixaria “pronta” para ser submetida ao ensino do mecanismo da escrita.
A ênfase na prontidão perde sentido quando consideramos a alfabetização
como processo de apreensão, representação e comunicação durante o qual a
criança vai-se apossando, gradativamente, da escrita usando-a como mais uma
forma de linguagem.
Os programas de prontidão, apesar de não desconhecerem aspectos
intelectuais, afetivos e sociais implicados na alfabetização, enfatizam as funções e
habilidades específicas
como:
linguagem,
percepção, esquema corporal,
orientação espacial e temporal, noções quantitativas, metria, lateralidade e
grafismo. Muitos livros de alfabetização das crianças da educação infantil e
alguns da primeira série do ensino fundamental deixam bem claro a ênfase a
esses aspectos. Vejamos o que enfatizam cada um deles?
No trabalho com a Linguagem a ênfase recai nos aspectos fono-articulatórios,
ampliação do vocabulário, correção.
Com a Percepção, a preocupação é com as comparações (semelhanças,
diferenças):
com
a
visão
(claro/escuro,
igual/diferente,
formas,
círculo/quadrado/triângulo, linhas retas/curvas/inclinadas, etc...); com o olfato
(cheiros
fortes/fracos,
agradáveis/desagradáveis);
com
o
paladar
(gosto
bom/ruim/salgado/azedo/doce); com a audição (o silêncio/barulho, a intensidade
forte/médio/fraco, fala, grito, sussurro, ritmo, melodia); e por fim, com o tato
(sensações de quente/frio/gelado, molhado/úmido/seco, áspero/macio, mole/duro,
pesado/leve).
Com o esquema corporal a ênfase é com a consciência do corpo: suas
partes, movimentos (andar, correr, pular), posições (deitado, sentado, em pé).
Com a orientação espacial e temporal o trabalho é centrado nas posições
(na frente, atrás, no meio, para frente, para trás, para o lado, primeiro, último, em
cima, embaixo, dentro, fora, etc...).
Com
a
noção e
orientação temporal,
trabalha-se
com
o
tempo:
nascer/crescer/morrer, antes/depois, ações sucessivas (um fato após outro,
rápido/lento, manhã/tarde/noite, hoje/ontem/amanhã, a semana, etc...).
Nas
noções
quantitativas
tem-se
a
preocupação
de
trabalhar:
muito/pouco/igual; grande/pequeno; maior que, menor que – igual; largo/estreito;
fino/grosso...
Com metria trabalham-se os conceitos de distância, tamanho...
E finalmente, com o grafismo há uma preocupação excessiva, com linhas,
formas gráficas, letras, numerais...
Vale ressaltar que, na prática, o grafismo é o que mais se trabalha seguido da
percepção visual e auditiva.
Para concluir, salientamos que todos os itens do programa de prontidão para
a
alfabetização
enfatizados
acima
realmente
são
importantes
para
a
aprendizagem da leitura e da escrita. Entretanto, o que se critica nessa
perspectiva de alfabetização (a tradicionalista), e em sua prática, é a
artificialização do trabalho com os aspectos mencionados, que é feito de forma
desarticulada das atividades normais do aprendiz, de maneira mecânica e sem
significado real. Percebemos ao observar a criança que ela adquire e desenvolve
estas
habilidades
no
seu
dia-a-dia,
não
através
de
exercícios
descontextualizados, compartimentalizados e sem significado para ela, mas
através de experiências desafiadoras e significativas.
BIBLIOGRAFIA
- BRANDÃO, Carlos R. O Que é Método Paulo Freire. 7ª ed. Brasiliense, 1984;
- CAGLIARI, Luis Carlos. Alfabetização e Lingüística. Scipione, 1989;
- FERREIRO, Emília. Psicogênese da Língua Escrita. Artes Médicas, 1986;
- SMITH, Frank. Leitura Significativa. Artes Médicas, 1999.
-TEBEROSKY & COLOMER, Ana e Tereza. Aprendendo a Ler e Escrever – uma proposta
construtivista. Artméd, 2002;
- VOGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Antídoto, 1979.
(*) CREDENCIAIS DA AUTORA
Graduada em pedagogia e mestre em educação pela UFS. Especialista em Alfabetização
pela UNICAMP/SEED. Atualmente, professora de alfabetização da rede municipal e do ensino
superior da Faculdade Amadeus e Especialista em educação na rede estadual de ensino.
Acumula experiências como pesquisadora do NEPS e do NEPA (UFS), professora substituta
da UFS, professora do PQD (UFS), da Faculdade Pio Décimo, tendo exercido diversos cargos
em gestão em nível de secretaria de educação e escolas do ensino fundamental.
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