O CARTEL DE EMPRESAS E SEUS ASPECTOS CRIMINAIS
Eduardo Reale Ferrari
João Augusto Prado da Silveira Gameiro
1. A problemática do cartel de empresas
A Lei 8.884/94, seguindo os passos da antecessora Lei
4.137/62, passou a disciplinar, entre outras providências,
a
prevenção
e
repressão
às
infrações
contra
a
ordem
econômica.
No diploma de 1994 foram definidas diversas condutas
consideradas
cartel
de
prejudiciais
empresas,
à
isto
concorrência,
é,
o
acordo
entre
firmado
elas
o
entre
concorrentes para a adoção de políticas comerciais comuns,
seja para fixar preços, margens de lucro ou de descontos,
visando lesar ou eliminar ardilosamente a concorrência.
Destaca-se que, entre a vigência das leis de 1962 e
1994, editou-se a Lei 8.137/90, que passou a definir, em
sua segunda parte, crimes contra a ordem econômica. Foram
criminalizadas
diversas
práticas
anticoncorrenciais,
a
destacar-se a formação de cartel, impondo-se pena privativa
de liberdade de 2 a 5 anos de reclusão e multa.
Tal prática, cada vez mais comum entre as empresas,
constitui objeto de inúmeros procedimentos administrativos
por
parte
da
SDE
e
da
SEAE,
com
a
correspondente
investigação criminal realizada pela soma de esforços entre
1
o Ministério Público, os Delegados de Polícia e os órgãos
econômicos, visando tutelar a livre concorrência.
A relevância do assunto ganha mais importância tendo
em vista que a SDE abriu mais de 200 processos por indícios
de formação de cartel em um único ano, envolvendo setores
que
vão
desde
sucos
de
laranja
até
aviação
(Cf. MÁRCIO
CHALEGRE COIMBRA. Os cartéis. in. Jus Navigandi, Teresina,
ano
6,
n.
52,
nov.
2001,
www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2377),
contando
somente o mercado de combustíveis líquidos com cerca 180
denúncias, de acordo com dados do Ministério da Justiça.
Partindo dessa problemática, e buscando-se apresentar
uma interpretação sistemática da legislação relacionada aos
cartéis,
determinaremos
a
natureza
dos
tipos
penais
referentes a essa prática anticoncorrencial contidos na Lei
8.137/90,
fundada
na
caracterização
fornecida
pela
Lei
8.884/94.
Para isso, analisaremos, em um primeiro momento, o
cartel
de
conferindo
empresas
ênfase
na
visão
do
especialmente
Direito
aos
Concorrencial,
acordos
realizados
entre concorrentes diretos – a chamada colusão horizontal , suas formas de manifestação e os efeitos produzidos no
mercado.
Já
atingida
adiantamos
por
que
acordos
a
concorrência
existentes
também
entre
pode
produtores
ser
e
distribuidores – ocasião em que se caracteriza a colusão
vertical -, cabendo referências a este tipo de infração
somente de forma comparativa, vez que os limites adotados
2
para
o
desenvolvimento
deste
artigo
não
nos
permite
abranger todas as vicissitudes da matéria.
2. A colusão horizontal sob a ótica do Direito
Concorrencial
Um primeiro delineamento sobre a natureza do cartel de
empresas pode ser encontrado na lição de FÁBIO NUSDEO, para o
qual essa modalidade de concentração econômica se trata “de
um acordo entre empresas que passam a adotar decisões ou
políticas comuns quanto a todos ou a um determinado aspecto
de suas atividades. Por se tratar de um acordo, as empresas
nele
envolvidas
individualidade.
não
perdem
Elas
apenas
a
se
sua
autonomia
submetem
aos
ou
a
sua
termos
do
acordo no seu particular âmbito de aplicação.” (Curso de
Economia. São Paulo: RT, 1997, p. 315).
A concorrência entre os agentes econômicos, apesar de
beneficiar o mercado, diminui os lucros dos empresários,
pois
exige
constantes
investimentos
para
garantir
a
qualidade dos produtos.
Nesse contexto, a colusão horizontal, caracterizada
pelo acordo efetivo entre concorrentes diretos,
que
atuam
no mesmo mercado relevante visando a eliminação ou lesão da
concorrência por meio da adoção de uma política comercial
pactuada, apresenta-se como uma alternativa atrativa aos
maus empresários que visam ao lucro a qualquer custo sem
atentar-se às conseqüências jurídico-penais de seus atos.
O cartel mostra-se, assim, como uma ação concertada de
alguns agentes econômicos que vêem nesse expediente um meio
3
de
aumentar
seus
ganhos.
Todos
se
mantêm
aparentemente
independentes, mas seu agir é guiado por parâmetros comuns,
neutralizando-se mutuamente a força concorrencial, a fim de
que se alcancem os efeitos nocivos almejados.
Segundo
estimativas
cartelizado,
o
da
consumidor
OCDE,
pode
em
um
encontrar
mercado
produtos
com
preços de dez a vinte por cento mais caros.
Note-se
elemento
que
o
essencial
acordo
com
cartel
e,
o
prejuízo
para
próprio
portanto,
a
concorrência
caracterização
texto
uma
à
da
lei,
infração
constitui
do
cartel.
De
somente
teremos
um
econômica,
se
houver
aptidão à produção de algum dos efeitos enumerados no art.
20 da Lei Antitruste, quais sejam: I – limitar, falsear ou
de qualquer forma prejudicar a livre concorrência e a livre
iniciativa;
II
–
dominar
mercado
relevante
de
bens
ou
serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV –
exercer de forma abusiva posição dominante”.
Não são raros os exemplos norte-americanos em que há
aparente acordo entre agentes econômicos, tratando-se, na
verdade, de “jogo de palavras” visando a enganosidade de
informações
entre
concorrentes
tendo
o
fim
de
competitividade, e não de infração concorrencial.
Interessante, por outro lado, saber quais os limites
dentro dos quais se pode caracterizar um cartel.
Diversos elementos devem ser analisados para se chegar
a uma conclusão, destacando-se a forma pela qual se dá o
acordo, seu conteúdo, as características dos participantes,
os efeitos no mercado e, especialmente, a probabilidade
4
concreta de obtenção de lucro por parte dos participantes,
utilizando-se de meios ilícitos.
2.1. Colusão horizontal e vertical
Ao
se
falar
em
acordo
de
empresas
e
adoção
de
políticas comerciais padronizadas, imagina-se desde logo um
acerto apto a causar lesão à concorrência, celebrado entre
agentes econômicos que atuam em um mesmo mercado relevante
(geográfico e material), em direta relação de concorrência,
características próprias da colusão horizontal.
A
colusão
vertical,
por
sua
vez,
envolve
agentes
econômicos em posições distintas. Uma clara visão nos é
trazida por PAULA FORGIONI, segundo a qual “(...) os acordos
verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que
desenvolvem
suas
atividades
em
mercados
relevantes
diversos, muitas vezes complementares. (...) lida-se com
uma imaginária linha vertical que nos conduz, através da
extração da matéria-prima, das várias fases da produção e
comercialização, até o consumidor final do produto. Assim,
à guisa de exemplo, um acordo celebrado entre uma empresa
fabricante do produto e outra distribuidora é um típico
acordo vertical.” (Cf. Os fundamentos do antitruste. São
Paulo: RT, 1998, p. 324).
O acordo vertical tem sua gravidade intensificada uma
vez
que
freqüentemente
pode
levar
à
exclusão
de
concorrentes tanto do mercado de fornecimento de matériaprima quanto do produtor ou mesmo do distribuidor.
5
2.2. Espécies de acordos
A
colusão
horizontal
possui
como
pré-requisito
a
existência de um acordo ilícito de vontades entre agentes
econômicos, o qual poderá ser expresso ou tácito, sendo
caracterizado,
nesse
último
caso,
por
meio
de
um
comportamento paralelo intencional.
Tanto os acordos expressos quanto os tácitos estão
abarcados
pela
Lei
seguintes
condutas,
8.884/94,
além
de
que
dispõe:
outras,
na
“Art.
medida
21.
em
As
que
configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos,
caracterizam infração da ordem econômica: I – fixar ou
praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma,
preços e condições de venda de bens ou de prestação de
serviços” (grifo nosso).
a. acordos expressos
O
principal
ponto
envolvendo
os
acordos
expressos
refere-se à sua durabilidade e estabilidade. Nesse tipo de
acordo
previsão
há
a
da
possibilidade
política
de
unificar
empresarial
dos
ou
permitir
concorrentes,
a
que
acompanham o pré-anúncio de elevação dos preços feito pelo
líder do cartel, devendo-se levar em conta a verificação
dos indícios de que o vínculo criado perdurará pelo tempo
necessário
para
permanentemente
que
os
(Cf.
envolvidos
CALIXTO
possam
SALOMÃO
se
FILHO.
beneficiar
Direito
concorrencial – as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
261).
6
Mostra-se difícil, porém, a colheita de provas, vez
ser
improvável
que
o
acordo
conste
de
um
documento
formalizado, assinado pelas partes e com menção expressa do
intuito anticoncorrencial dos participantes; geralmente se
dá de maneira informal, oral ou disfarçada, utilizando-se
artifícios.
Com bem já destacava BENJAMIN SHIEBER na década de 60, “A
dificuldade
em
encontrar
provas
documentais,
decorre
do
fato de raramente acontecer que conspiradores que visam
praticar
um abuso do poder econômico lavrem e arquivem
atas de suas reuniões, tanto quanto provas testemunhais,
pois
é
evidente
participantes
de
que
não
acordo
em
podemos
esperar
restrição
da
que
os
concorrência
testemunhassem contra si e admitissem a existência de tal
acordo” (Abusos do Poder Econômico. São Paulo: RT, 1966, p.
87).
Tal
dificuldade
tem
levado
à
uma
sofisticação
nas
investigações de formação de cartéis, principalmente por
parte
das
autoridades
administrativas,
combinando-se
o
aparato investigativo do Estado com conhecimento técnico
especializado.
A repercussão da mídia relatando o sucesso de algumas
operações, todavia, não pode conduzir ao excesso por parte
das autoridades, sob pena de que todo o trabalho realizado
seja em vão.
Infelizmente,
na
busca
de
maior
efetividade
nas
investigações, parte-se da premissa de que qualquer reunião
entre
concorrentes
anticoncorrencial,
configura
adotando-se
indício
juízos
de
prática
preconceituosos
em
7
relação
às
diversas
associações
comerciais
que
realizam
reuniões entre seus afiliados, não se levando em conta que
há reuniões para discutir questões como incentivos fiscais
e
novas
tecnologias.
constitucionalmente,
Tais
associações
devendo-se
são
estabelecer
garantidas
o
limite
do
lícito e do ilícito, figurando relevante verificar se há ou
não disfarce para práticas anticompetitivas a justificar
uma investigação.
Para se caracterizar a formação de um cartel deve-se
ir além da prova do acordo. Outros elementos auxiliam sua
identificação como as características do conluio do qual se
tem indícios.
Destaque-se que o CADE, desde a vigência da lei de
1962, tem fixado entendimento de que somente se caracteriza
um
cartel
quando
o
acordo
entre
os
agentes
econômicos
possa, de fato, produzir efeitos anticompetitivos.
Nos acordos tácitos, porém, ocorre situação inversa: a
estabilidade
e
durabilidade
do
acordo
são
muito
mais
difíceis de serem verificadas, mostrando-se imprescindíveis
os elementos estruturais do mercado para a identificação do
cartel.
b. acordos tácitos
Se
em
certo
mercado
todos
os
concorrentes
mantêm
preços semelhantes, isso não significa, necessariamente,
que está ocorrendo uma prática em prejuízo da concorrência,
figurando apenas um indício a ser apurado preliminarmente
pela
via
administrativa.
Em
mercados
marcados
pela
sua
8
singularidade,
uma
concorrência
acirrada
exige
que
os
agentes econômicos fixem seus preços entre um mínimo e um
máximo muito próximos, vez que todos estão sujeitos mais ou
menos na mesma intensidade à pressão dos custos variáveis
de produção, o que se reflete em uma alteração de preços
quase simultânea e dentro de parâmetros aproximados.
Essa a razão pela qual a repressão administrativa não
se volta contra a simples semelhança de preços praticados.
O
CADE
tem
efetuado
o
arquivamento
de
diversos
procedimentos nos quais a prova se resume à proximidade dos
preços, estando ausentes fundamentos econômicos e jurídicos
para se concluir sobre a existência de acordo entre os
agentes
FILHO.
em
prejuízo
Regulação
e
da
concorrência
concorrência.
(Cf.
São
CALIXTO SALOMÃO
Paulo:
Malheiros,
2002, p. 158).
Reforçam-se os indícios da existência de um cartel
tácito quando ocorrem modificações nos preços de todos os
concorrentes
de
forma
imediata,
sem
uma
correspondente
justificativa de alteração da demanda ou dos custos de
produção.
O
sucesso
confiável
de
participantes
comerciais
do
cartel
troca
de
tenham
o
que
serão
tácito
depende
informações
exato
tomadas
de
para
que
conhecimento
por
seus
um
sistema
das
todos
os
medidas
concorrentes
baseando-se em um parâmetro concreto para determinação de
seus próprios comportamentos.
Diferentemente dos acordos expressos, essencial para a
verificação dos requisitos estruturais a constatação se o
9
mercado e as características dos participantes do acordo
oferecem probabilidade de prejuízo ilícito à concorrência.
Nesse
jaez,
conforme
ensina
CALIXTO
SALOMÃO
FILHO,
(Regulação..., p. 157) exige-se que exista um oligopólio
pois,
nesse
modelo,
qualquer
baixa
de
preços
é
imediatamente acompanhada pelos concorrentes, não trazendo
ganho de mercado e implicando apenas na perda de lucros.
Cada um dos participantes tende a seguir os progressivos
aumentos
de
preço
acrescentando-se
sob
que
o
comando
quanto
do
price
menor
o
leadership,
número
de
participantes, menor a dificuldade para que todos tenham
conhecimento
da
política
diminuindo-se
também
o
comercial
risco
de
a
que
ser
um
adotada,
dos
agentes
econômicos tente maximizar seus ganhos rompendo a coalizão.
Destarte, os participantes do cartel devem contar com
poder de mercado suficiente para que a estrutura criada
possa resultar em sua dominação, não havendo sentido falarse em conluio sem a incidência de uma das causas do art. 20
da Lei 8.884/94.
Fixado o preço de determinado bem pelos participantes
do cartel de forma elevada, outros agentes econômicos que
oferecem
entrar
uma
no
concorrência
mercado,
e,
potencial
caso
tenham
serão
estimulados
êxito,
evitarão
a
o
desfrute da posição monopolística pelos membros do acordo,
forçando um retorno dos preços aos parâmetros iniciais (Cf.
PAULA FORGIONI. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT,
1998, p. 283).
Dessa
forma,
os
membros
do
cartel
devem
estar
protegidos por barreiras à entrada de novos concorrentes,
10
não
se
mantendo
mais
um
mercado
contestável,
o
que
significa que o cartel é apto a impedir a livre entrada de
novos concorrentes e a saída do setor sem a implicação de
elevados e irrecuperáveis custos (sunk costs).
2.3.
Pontos
principais
sobre
a
colusão
horizontal
no
Direito Concorrencial
Da
síntese
apresentada
sobre
a
colusão
horizontal,
verifica-se ser esta uma forma de concentração econômica
que admite manifestações diversas.
Tanto se pode ter um cartel originado de um acordo
expresso dos participantes, ocasião em que se dá destaque
aos
elementos
possibilidade
do
dos
acordo,
como
participantes
sua
poderem
estabilidade
determinar
e
suas
condutas de acordo com os atos de seus concorrentes, quanto
de um acordo tácito, hipótese em que as atenções também
ficam voltadas para a intenção dos agentes do mercado.
Em
ambos
os
casos
deve
estar
presente
o
binômio
objetivo anticoncorrencial/possibilidade de realização do
objetivo.
O que se tem por certo é que a transposição da matéria
para uma legislação de cunho penal não pode resultar em uma
interpretação que ignore ditames do Direito Concorrencial,
ultimando-se a repressão penal contra aquelas condutas que
efetivamente
constituam
dano
ou
perigo
de
dano
ao
bem
jurídico concorrência.
11
3. A criminalização do cartel de empresas
Apresentadas
as
formas
de
cartel
sob
a
visão
do
Direito Concorrencial, passemos a analisar os dispositivos
da Lei 8.137/90 que tratam da colusão horizontal, quais
sejam, o art. 4o e seus incisos I, “a”, II, “a” e “b”, III
e V.
4o .
“Art.
Constitui
crime
contra
a
ordem
econômica:
I – abusar do poder econômico, dominando o
mercado ou eliminado total ou parcialmente
a concorrência mediante:
a) ajuste ou acordo de empresas;
(...)
II
–
formar
acordo,
convênio,
ajuste
ou
aliança entre ofertantes, visando:
a) à
fixação
artificial
de
preços
ou
quantidades vendidas ou produzidas;
b) ao controle regionalizado do mercado por
empresa ou grupo de empresas;
(...)
III
–
discriminar
prestação
de
preços
serviços
de
por
bens
ou
ajustes
de
ou
acordos de grupo econômico, com o fim de
estabelecer monopólio ou de eliminar, total
ou parcialmente, a concorrência;
(...)
V
–
provocar
detrimento
de
oscilações
empresa
de
preços
concorrente
em
ou
vendedor de matéria-prima, mediante ajuste
ou acordo, ou por outro meio fraudulento;”
(grifo nosso)
12
A primeira constatação é que a legislação penal peca
pela
falta
de
técnica
jurídica
e
legislativa;
primeiro
porque a lei se mostra, em alguns pontos, totalmente alheia
aos conceitos da Lei 8.884/94, destacando que, mesmo após a
sua
superveniência,
necessárias
à
não
se
tipificação
operaram
dos
as
crimes,
adequações
ressaltando,
secundariamente, uma verdadeira confusão de dispositivos
que,
às
vezes
por
meio
de
palavras
diversas,
definem
condutas semelhantes, abrangendo umas as outras.
Ao nosso ver, os crimes de dano estão definidos nos
incisos
I,
alínea
“a”,
e
V,
ambos
do
art.
4o
da
Lei
8.137/90.
Como afirmado, somente há uma infração concorrencial
administrativa se um agente econômico praticar uma conduta
descrita no art. 21 devendo a conduta ser apta a produzir
os resultados enunciados no art. 20.
No mesmo sentido o art. 4o, I, “a”. O ajuste ou acordo
ilícito de empresas é apresentado como uma das formas por
meio das quais pode o agente econômico abusar de seu poder,
limitando a concorrência, sendo imprescindível o nexo de
causalidade.
Destarte,
o
legislador
não
pormenorizou
a
descrição do conteúdo do acordo, engoblando acertos sobre
preços,
quantidades
comercializadas
e
qualquer
outra
prática passível de afetar à concorrência.
O inciso V, por sua vez, apesar de também definir um
crime de dano – vez que se exige o prejuízo efetivo ao
concorrente – poderia ter a primeira parte de seu texto
eliminado, pois já incluído na alínea “a” do inciso I, que
13
é mais genérico. Um acordo ilícito que visa a oscilação de
preços em prejuízo de um concorrente não deixa de ser uma
forma de ajuste ilegal mediante o qual se abusa do poder
econômico,
restando
necessário
apenas
a
permanência
do
texto criminalizador em relação às condutas fraudulentas
que atingem a concorrência.
Os tipos penais definidos nos incisos II, “a” e “b”, e
III, da Lei 8.137/90, por sua vez, constituem crimes de
perigo concreto. Isso porque não se exige o efetivo dano
para que se tenha o delito consumado. A simples celebração
de acordo ilegal entre empresários com o intuito de fixar
preços artificiais, obter controle regionalizado de mercado
ou discriminar preços constitui um perigo concreto ao bem
jurídico
concorrência
que
demanda
uma
resposta
estatal,
exigindo-se, contudo, que os atos não se mostrem inócuos.
No
crime
de
cartel
há
a
necessidade
da
prova
da
criação de um perigo efetivo ao bem jurídico concorrência,
não havendo presunção absoluta na conduta do acusado.
Deduz-se a caracterização desses crimes como de perigo
concreto das lições emanadas do Direito Constitucional e
Concorrencial.
No âmbito administrativo só se admite uma infração se
as condutas analisadas podem, de fato, produzir efeitos
ilegais em prejuízo da concorrência. Não basta a intenção
dos
agentes
econômicos,
sendo
também
necessária
a
probabilidade de se alcançar os objetivos almejados.
A lógica no âmbito administrativo forçosamente traz
como conseqüência que o crime de cartel configura infração
14
de
perigo
concreto
ou
de
dano.
Se
a
repressão
administrativa é admitida somente nos casos nos quais os
efeitos
anticoncorrenciais
são
possíveis
de
serem
alcançados, inadmissível será impor situação mais gravosa
na
esfera
penal,
presumindo-se
que
um
acordo
entre
concorrentes traz danos à concorrência - sendo portanto um
crime
de
perigo
abstrato
-
não
fazendo
sentido
a
caracterização da infração se ausente a afetação ao bem
jurídico.
A conclusão pela classificação de alguns crimes da Lei
8.137/90
como
de
perigo
concreto
decorre
também
da
necessária harmonização de diplomas legais, sem a qual terse-á decisões judiciais conflitantes.
Apesar das imperfeições da legislação penal em vigor,
constata-se
que
concorrenciais
uma
eficaz
depende,
antes
repressão
dos
delitos
de
da
perfeita
tudo,
compreensão dos conceitos jurídicos e econômicos da Lei
Antitruste e da análise de condutas isoladas dentro de todo
um
contexto
de
proteção
do
interesse
institucional
concorrência, pressupostos estes sem os quais se terá uma
persecução penal inócua, com custos estatais e frustrações
aos interesses sociais.
Eduardo
Reale
Direito
Penal
Processual
Ferrari
da
Penal
é
USP
da
advogado,
professor
e
professor
PUC,
sócio
do
doutor
doutor
em
em
Direito
escritório
Reale
Advogados Associados.
João
Augusto
Prado
da
Silveira
Gameiro
é
advogado,
mestrando em Direito Penal pela USP, membro do escritório
Reale Advogados Associados.
15
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