LIVRO
JORNALISTA ESMIÚÇA O PAPEL DO FBI NA REPRESSÃO À ESQUERDA ESTUDANTIL NOS ANOS 1960
retrato
7 4>
9 771980 37900 4
doBRASIL
WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | NO 74 | SETEMBRO DE 2013
CIÊNCIA
PESQUISADORES ACHAM O ADÃO DA EVA GENÉTICA — UM AFRICANO QUE VIVEU HÁ 120 MIL ANOS
AA RB74capaPSD.indd 1
02/09/13 14:15
retrato
doBRASIL
WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | N O 74 | SETEMBRO DE 2013
FALE CONOSCO:
www.retratodobrasil.com.br
5 Ponto de Vista
FINALMENTE, ENTRE NÓS...
Os tucanos paulistas estão na berlinda
com a suspeita de formação de cartel na
contratação das obras do metrô e de trens
36 ADÃO ENCONTRA EVA. E DAÍ?
O primeiro humano do sexo masculino
teria aparecido há 120 mil anos e veio fazer
companhia à mulher primordial, surgida antes
[Flávio de Carvalho Serpa]
CARTAS À REDAÇÃO
[email protected]
praça da república, 270 - sala 108 - centro
cep 01045-000 são paulo - sp
ATENDIMENTO AO ASSINANTE
[email protected]
tel. 11 | 3814 9030
de 2a a 6a, das 9h às 17h
Entre em contato com a redação
de Retrato do Brasil.
Dê sua sugestão, critique, opine.
Reservamo-nos o direito de editar
as mensagens recebidas para
adequá-las ao espaço disponível
ou para facilitar a compreensão.
Retrato do BRASIL é uma publicação
mensal da Editora Manifesto S.A.
8 O GRANDE ERRO DO SUPREMO
Com base na tese de desvio de dinheiro
público, os embargos à sentença do mensalão
foram negados pelo presidente do STF
[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira]
18 BOM PARA ELAS,
RUIM PARA NÓS
Produzir no Brasil é bom negócio para as
montadoras estrangeiras que, por tabela,
ajudam suas matrizes no exterior
[Téia Magalhães]
24 UM BANDEIDE PARA O SUS
O programa Mais Médicos está longe
de resolver os complexos problemas
apresentados pelo Sistema Único de Saúde
[Thiago Domenici]
28 QUE COISA FEIA
Após o asilo concedido a Snowden
– o informante da espionagem em massa
feita por agências americanas –, cresce a
tensão entre EUA e Rússia
[Sônia Mesquita]
4
A RB74pv.indd 4
40 QUEM FOI MAIS SUBVERSIVO?
Livro esmiúça o papel do FBI na repressão
à esquerda estudantil nos anos 1960 e
suas conexões com Ronald Reagan
[Renato Pompeu]
EDITORA MANIFESTO S.A.
PRESIDENTE
Roberto Davis
DIRETOR VICE-PRESIDENTE
Armando Sartori
DIRETOR EDITORIAL
Raimundo Rodrigues Pereira
EXPEDIENTE
SUPERVISÃO EDITORIAL
Raimundo Rodrigues Pereira
EDIÇÃO
Armando Sartori
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Thiago Domenici
REDAÇÃO
Lia Imanishi • Sônia Mesquita • Tânia
Caliari • Téia Magalhães
EDIÇÃO DE ARTE
Pedro Ivo Sartori
REVISÃO
Silvio Lourenço [OK Linguística]
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
Flávio de Carvalho Serpa • Renato Pompeu
• Weberson Santiago
FOTO DA CAPA
Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo
REPRESENTANTE EM BRASÍLIA
Joaquim Barroncas
ADMINISTRAÇÃO
Mari Pereira • Mariluce Prado
DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS
Global Press
| retratodoBRASIL 74
05/09/13 14:41
Ponto de Vista
Finalmente, entre nós...
O “bonde” do cartel sobre trilhos, pelo qual a Siemens vinha sendo há tempos
condenada globalmente, bate à porta dos tucanos paulistas. E pode ter custado
mais de 577 milhões de dólares
GattyImages
“Será que
o governador
Alckmin
não sabia?”
Ernest Werner von Siemens
(1816-1892), fundador da
empresa de mesmo nome
SÓ FICOU SURPRESO quem, há tempos, não queria ver. Na linguagem atual
dos bandidos brasileiros, um “bonde”,
o antigo veículo elétrico urbano sobre
trilhos, é um arrastão de malfeitorias.
Pois bem: desde 2006, a Siemens, a
gigante alemã do setor elétrico, passou
a confessar sua participação numa
espécie de “bonde” dos monopólios
do transporte urbano sobre trilhos,
o cartel de empresas fornecedoras
de equipamentos para esse tipo de
transporte, organizado para combinar
preços, elevar lucros e dominar o setor,
usando, para esse fim, sistematicamente, o suborno de funcionários públicos.
Os dois primeiros atos do escândalo
foram encerrados na Alemanha, em
2006, e nos EUA, em 2008, quando
a companhia foi multada em cerca de
500 milhões e 800 milhões de dólares,
respectivamente. A penitência seguiu
mundo afora, por países tão diferentes
como Nigéria, Israel, Grécia, Iraque
e China. Feito um balanço, em 2011 a
Siemens tinha confessado sua participação em conluios com suas colegas
de cartel em cerca de 20 países, para
ganhar 332 projetos, e pago mais de
3 bilhões de dólares em multas e despesas processuais. Foram punidos o
presidente-executivo e uma centena
de gerentes da empresa. Na China,
acusado de ter recebido parte de uma
propina no valor de 60 milhões de dólares, distribuída entre mais uns poucos
funcionários, ao longo de 2002 a 2009,
Shi Wanzhong, diretor de empresa estatal de telecomunicações, foi condenado
à morte em 2011, está preso e aguarda
o cumprimento da sentença.
É bem verdade que o bonde elétrico
saiu de moda no Brasil há meio século.
Nosso país seguiu o modelo americano:
arrancou os trilhos das ruas e as encheu de carros a partir dos anos 1960,
e a construção dos metrôs sobre trilhos
subterrâneos foi e continua sendo
modestíssima. Não era uma fatalidade
que fosse assim. Na China, por exemplo, foi diferente. Comparem-se duas
de suas maiores metrópoles, Pequim e
Xangai, com São Paulo e Rio de Janeiro,
todas com populações perto da casa
da dezena de milhões de pessoas: o
metrô carioca tem 46 quilômetros de
extensão e o paulistano, 65; do outro
lado, o de Pequim tem 370 quilômetros
e o de Xangai, 415. Também foram
diferentes, na China e no Brasil, os
destinos das indústrias nacionais de
fabricação de equipamentos para esse
tipo de transporte urbano. A maior fabricante local era a Mafersa, empresa
privada fundada em 1944, associada à
americana The Budd Company. Foi
74 retratodoBRASIL
A RB74pv.indd 5
|
5
02/09/13 14:15
estatizada em 1960 e teve seu apogeu
nos anos 1970, quando construiu unidades de trens para os comboios do
metrô de São Paulo, mas entrou em
decadência, acompanhando o declínio
da indústria de equipamentos similares
americana e a falência da Budd. Privatizada em 1991, finalmente a Mafersa foi
comprada pela Alstom, francesa, hoje a
segunda maior do mundo no setor. Para
comparação, as duas grandes estatais
chinesas de equipamento de transporte urbano sobre trilhos, China South
(CSR) e China North Locomotive and
Rail (CNR), estão hoje entre as cinco
maiores do mundo, depois de um processo de reestruturação e de grandes
acordos de transferência de tecnologia
feitos a partir dos anos 1980. E se os
chineses, com a condenação à morte
de Shi, ganharam do Brasil na aparente
determinação de punir o escândalo das
supostas propinas do cartel denunciado
pela Siemens, o Brasil não perde nas
suspeitas de que aqui tenha se passado
algo igual. As denúncias de suborno e
outras irregularidades nas compras de
equipamentos e serviços pelos poucos
e ralos metrôs e sistemas de transporte
urbano sobre trilhos das metrópoles
brasileiras são antigas, amplas, gerais
e irrestritas. Sobram para os governos
federal e estaduais, para administrações de metrópoles e estados governados por vários partidos e não só pelo
PT e pelo PSDB, que atualmente duelam
sobre o assunto. Tais denúncias tratam
de contratos que, somados, chegam a
quase 2 bilhões de dólares e denunciam
propinas que se aproximariam de 10%
do valor dos negócios, algo perto de
200 milhões de dólares. Num dos escândalos já denunciados, pelo jornal O
Estado de S. Paulo, em artigo de seu
correspondente na Suíça, se diz que
as autoridades daquele país, depois de
inquérito em contratos da Alstom tidos
como irregulares, teriam descoberto
que a companhia distribuiu 20 milhões
de dólares em propinas no Brasil nos
anos 1990.
A denúncia que ganhou as manchetes dos jornais e televisões a partir
do final de junho no Brasil teve como
foco os contratos de duas estatais
do governo paulista: a Companhia do
Metropolitano de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O estado é dirigido pelo
PSDB há tempos. Primeiro, com dois
6
A RB74pv.indd 6
mandatos de Mário Covas (1995–1998
e 1999–2001). Depois, Geraldo Alckmin
(2001–2006), José Serra (2007–2010)
e, desde 2011, de novo Alckmin, que
deve governar até o final de 2014.
Segundo os jornais, a 6 de março do
ano passado teriam sido iniciadas
conversações entre representantes do
Conselho de Administração e Defesa
Econômica (Cade), órgão do Ministério
da Justiça encarregado de “orientar,
fiscalizar, prevenir e apurar abusos do
poder econômico”, e seis executivos da
Siemens, sendo dois alemães e quatro
brasileiros, com o objetivo de assinar
um “acordo de leniência”. Esse documento, finalmente assinado no último
22 de maio, premia os delatores e a
empresa com a garantia de não serem
multados e condenados criminalmente
em troca de revelarem tudo que sabem
Deixemos a hipocrisia
de lado, diz Belluzzo:
o capitalismo da livre
concorrência de
pequenas e médias
empresas morreu no
final do século XIX e
não vai ressuscitar com
as fantasias liberais
sobre o cartel de empresas do qual a
Siemens teria feito parte desde 1998.
Mas ele não livra a empresa da responsabilidade de indenizar as vítimas dos
danos: por exemplo, devolver o sobrepreço embolsado graças ao cartel. Com
o acordo, foram tomados depoimentos
na Polícia Federal (PF) e entregues
nomes e documentos de participantes
do cartel. No começo de julho, a PF realizou operações de busca e apreensão
em 13 locais nas cidades de Brasília, São
Paulo, Diadema (SP) e Hortolândia (SP).
Estima-se que a documentação apreendida leve uns três meses para ser
analisada. O que tem saído na imprensa
é parte do material já recolhido. Nele,
por exemplo, um diário de um gerente
de vendas da Siemens dá conta de um
acordo entre a empresa e seus concor-
rentes, que teria sido supervisionado
pela cúpula do governo Covas nessa
área, para o fornecimento, a um custo
de 600 milhões de reais, na época, de
equipamentos para a Linha 5 – Lilás do
metrô paulistano, que vai, atualmente,
do Capão Redondo a Santo Amaro,
bairros da zona sul paulistana. Outros
documentos detalham negociações, a
partir de novembro de 2004, para a
reforma de 88 trens da CPTM. Foram
três contratos de serviços, para 10,
30 e 48 trens cada. A Siemens conta
ter decidido, inicialmente, apresentar
proposta sem consulta aos outros
concorrentes. Diz que essa proposta foi
abortada, antes da apresentação, graças à intervenção de dois lobistas, aos
quais depois pagou propinas. Diz ainda
a Siemens: sua proposta foi refeita e
fez-se um acordo geral no qual todos
os membros do cartel – ela, a francesa
Alstom, a canadense Bombardier, a
espanhola Construcciones y Auxiliar de
Ferrocarriles (CAF) e outras empresas
– foram contemplados com uma parte.
Os dois lobistas citados pela Siemens
também são apontados, em investigação já antiga, como intermediários de
propinas do cartel para funcionários
públicos paulistas.
A denúncia atingiu o governo
de São Paulo, que se tornou alvo de
manifestações de rua por suas responsabilidades no precário sistema
de transporte urbano da capital, num
momento particularmente crítico. O
governador Alckmin, o mais visado, deu
uma entrevista coletiva à imprensa em
meados do mês passado, durante a qual
disse basicamente que:
1. a Siemens é ré confessa e será
processada para devolver até o último
centavo do que conseguiu ilegalmente
nas concorrências viciadas pelo cartel;
2. o governo federal tem a maior
parte da culpa porque é do Cade a
responsabilidade de apurar fraudes
do tipo e porque é, também, grande
investidor, por meio do cartel, num
conjunto de obras em vários estados,
que também deveriam ter sido investigadas e não o foram.
O governador Alckmin tem razão
nesse ponto. O governo federal gastou 2 bilhões de reais para apoiar os
planos do transporte urbano sobre
trilhos em Salvador (800 milhões) e
Fortaleza (1,2 bilhão) e ainda investiu,
através da Companhia Brasileira de
| retratodoBRASIL 74
02/09/13 14:15
Edson Lopes Jr/A2 Fotografia
Edson Lopes Jr/A2 Fotografia
A lâmina de corte do chamado “tatuzão”,
a máquina alemã que fura o prolongamento
da linha 5-Lilás do metrô paulistano, ao
ser instalada, na presença do governador
Alckmin, no poço inicial dos trabalhos,
a serem feitos pelas empreiteiras brasileiras.
São dois os cartéis? Além do dos trens há
também o das empreiteiras?
Trens Urbanos (CBTU), em Recife,
Belo Horizonte, João Pessoa, Natal e
Maceió, e também na Trensurb, outra
estatal federal, operadora do metrô de
Porto Alegre. Em praticamente todos
esses contratos, as empresas são Alstom, Siemens, Bombardier, CAF e suas
acompanhantes.
O argumento, no entanto, não
desculpa os governos tucanos paulistas, mesmo porque os negócios do
cartel em São Paulo são os maiores e
há tempos a oposição local, com o PT
à frente, os denuncia. O governador
Alckmin poderia ter aproveitado a
oportunidade também para anunciar
sua disposição de levar adiante o trabalho de investigação do aparente cartel
das construtoras envolvidas no negócio de 11 túneis e 11 estações a serem
construídos para ligar a Linha 5 – Lilás
do metrô da estação Largo 13 à Linha
1 – Azul, que conecta as regiões norte
e sul da cidade, e à Linha 3 – Verde,
que passa sob a avenida Paulista e se
estende na direção de São Bernardo do
Campo. Esse meganegócio, de 8 bilhões
de reais no total, a cargo das grandes
empreiteiras nacionais da construção
civil, teve o resultado da maior parte
da licitação – com nome e preço dado
por seis dos 11 consórcios vencedores
–conhecido pela Folha de S.Paulo seis
meses antes da comunicação oficial.
Esse é um indício poderoso da existência de outro cartel, o das grandes empreiteiras, que sempre se supôs existir
no País e até hoje não foi levado aos
tribunais sob essa acusação, de fraude
da livre concorrência.
Mas, para concluir, o que é mesmo
a livre concorrência hoje? Cláudio
de Senna Frederico foi secretário de
Transportes do governo do estado de
São Paulo entre 1995 e 2001, nos dois
governos de Mário Covas – portanto,
no período do início das denúncias do
cartel agora delatado pela Siemens.
Ele diz que não teve conhecimento
da formação desse cartel, mas não
descarta que ele tenha ocorrido. Disse, segundo o diário Folha de S.Paulo:
“Não me lembro de ter acontecido uma
licitação de fato competitiva”. Ele tem
razão. O capitalismo da livre concorrência, de pequenas e médias empresas
disputando em igualdade de condições
a partir de preços oferecidos por elas
separadamente no mercado, é coisa do
final do século XIX. O capitalismo teve
três grandes crises, com início em 1873,
1929 e, a mais recente, em 2008, dizem
os estudiosos desse sistema. O capitalismo da livre concorrência existiu até
as vésperas da primeira crise, mais
precisamente nos anos 1860–1870. Na
solução dessa crise, os grandes engoliram os pequenos e surgiu o chamado
capitalismo monopolista, o sistema
cuja vanguarda são grupos organizados no que se chama de oligopólios
– coligações de empresas gigantes
com interesses comuns, regras para
disputas internas e externas – contra
“invasores”. Neles também é comum a
formação de cartéis, como o delatado
aqui. O objetivo é ganhar mercado e
elevar lucros. Segundo contas feitas
por um dos executivos da Siemens na
denúncia, se poderia estimar que, no
valor total de licitações realizadas, de
1,95 bilhão de dólares com o cartel, os
preços seriam, sem o cartel, 30% inferiores. Ou seja, o sobrepreço alcançado
teria sido de 577,5 milhões de dólares.
Disse o conhecido economista
Luiz Gonzaga Belluzzo, no artigo “O
capitalismo e seus cartéis”, publicado
no jornal Valor Econômico: “Para não
tropeçar nas hipocrisias, seria bom
compreender a lógica que move a concorrência entre os grandes blocos de
capital na economia contemporânea”.
Belluzzo critica os que achavam que
a privatização era um grande passo
à frente para eliminar a intervenção
do Estado a favor de um ou outro
interesse. “A transferência dos ativos
públicos para os grupos privados não
soluciona o conflito entre tais gigantes
‘coletivizados’ […] O capitalismo da
grande empresa torna-se ainda mais
promíscuo e pegajoso em suas relações
com o Estado.” Belluzzo critica também
a troca dos mecanismos de controle
tradicionais dos Estados pelas agências
reguladoras, como aconteceu no Brasil
com as reformas liberais. Essa mudança, diz ele, “não realizou, nem poderia
realizar, o milagre da ressurreição
da livre concorrência – livre, limpa e
desimpedida”. Ele diz que os liberais,
no entanto, preferiram refugiar-se na
“retórica da transparência, da livre
concorrência e da igual oportunidade
garantida a todos os interessados”.
Isso é o que se chama, em linguagem
popular, de “cascata”, ele conclui. O
escândalo denunciado pela Siemens
lhe dá plena razão.
74 retratodoBRASIL
A RB74pv.indd 7
|
7
02/09/13 14:15
Download

Clique aqui para fazer o