1
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
Postas, assim, as linhas introdutórias sobre as quais
se assenta este trabalho, passa-se à análise de outras
questões pertinentes ao desenvolvimento da matéria.
É preciso não confundir, desde o princípio, usura
pecuniária e usura real.
No escólio de Luiz Antonio Scavone Junior:
Com fundamento no art. 4o da Lei 1.521/1951,
que trata dos crimes contra a economia popular, a
doutrina pátria passou a conceituar a usura, distinguindo as duas espécies.
Sendo assim, deve ser feita distinção entre usura pecuniária, ligada precipuamente à taxa de juros
(Lei 1.521/1951, art. 4o, a), e usura real, que envolve o conceito de lesão e lucros exorbitantes (Lei
1.521/1951, art. 4o, b).1
Arnaldo Rizzardo, por seu turno, explica que:
Constituem, os juros, o proveito tirado do capital
emprestado, ou a renda do dinheiro, como o aluguel é o preço correspondente ao uso da coisa locada no contrato de locação.
1
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito Brasileiro. 3.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2009, p. 346/347.
26 Juros compostos
Duas as espécies de juros: os moratórios, devidos
em decorrência do atraso na devolução do capital;
e os compensatórios, representando o fruto, ou a
remuneração, do capital mutuado, incidentes desde
sua entrega ao mutuário.2
Das definições de juros moratórios e compensatórios ou remuneratórios desvenda-se o período de incidência de cada um deles, ou seja, o primeiro é devido
depois de vencida a dívida e o segundo antes do vencimento. A esse respeito, são precisas as ponderações de
Rizzatto Nunes:
Os juros remuneratórios, como o próprio nome
diz, remuneram o capital no prazo do empréstimo,
apenas. Não podem ir além, já que não há empréstimo após o vencimento.
Vencida a dívida, o credor tem direito a certo
‘quantum’, que daí para frente não pode mais ser
acrescido das taxas contratuais remuneratórias.
2
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 8. ed. rev. atual.
e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 376.
Não é diferente a definição de Silvio Rodrigues, assim proclamada: “Juro é o preço do uso do capital. Vale dizer, é o fruto
produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina
o define. Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado
de seu capital e paga-lhe o risco que incorre de não o receber
de volta. Distinguem-se os juros em compensatórios e moratórios. Quando compensatórios, os juros são os frutos do capital
emprestado e nesse sentido é que melhor assenta o conceito
acima formulado. Quando moratórios, constituem indenização
pelo prejuízo resultante do retardamento culposo”. (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v. 2. Parte Geral das Obrigações. 30.
ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 257).
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 27
Ora, juros são remuneração de capital. São apenas
esses independentemente do nome que se dê a eles
os que podem ser cobrados a título de empréstimo,
mútuo, financiamento etc. E, naturalmente, esses
juros remuneratórios vigoram apenas no tempo estipulado para o empréstimo, deixando de incidir a
partir do vencimento de cada parcela (quando o pagamento da dívida se dá em prestações, como é o
caso) ou a partir do vencimento final ou antecipado
da dívida (no caso de ter sido pactuada uma única
prestação).3
Outras conclusões afloram destes conceitos, a saber: os juros compensatórios ou remuneratórios são
inacumuláveis com juros moratórios, multa contratual
e comissão de permanência. São exigíveis apenas no
período da normalidade e se abusivos, neste interstício
de tempo, descaracterizam a mora do devedor. Não incidem, portanto, no período da inadimplência, consoante prevê a súmula 296/STJ.
A capitalização de juros remuneratórios pelo regime composto (juros sobre juros) constitui usura real
que, frise-se, não tem relação com um limite de taxa,
embora sua aplicação influa sobre esta.
A distinção entre limitação de taxa e capitalização
é de grande valia, na medida em que a súmula 596/
STF (“As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas
que integram o sistema financeiro nacional”) trata da
3
TJSP, 23a Câmara de Direito Privado, Ap. no 948.763-4, rel. Des.
Rizzatto Nunes, j. em 14.12.2005.
28 Juros compostos
tarifação dos juros e não do anatocismo (cálculo de juros sobre juros).
Perceba-se que, quanto ao regime de capitalização,
os juros podem ser calculados de forma simples ou linear e composta ou exponencial.
Juros simples e compostos são conceituados, pela
economia, da seguinte maneira:
... Quando o juro é calculado sobre o montante
do capital, é chamado de juro simples. Para o cálculo
do juro composto, o juro vencido e não pago é somado ao capital emprestado, formando um montante
sobre o qual é calculado o juro seguinte... O juro
composto... é maior do que o juro simples... Na medida em que o juro composto é calculado sobre um
montante cada vez maior, seu resultado será sempre maior do que o juro simples...4
No que tange à taxa de juros, a Constituição Federal previu no seu art. 192, § 3o, o limite de doze por
cento ao ano, que acorde a súmula 596/STF não se
aplicava às instituições financeiras.
Todavia, mesmo antes de sua revogação pela Emenda Constitucional 40/2003, o referido dispositivo constitucional não era considerado auto-aplicável, conforme
remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, posteriormente transportada, em sessão plenária de
11/06/2008, para o enunciado da súmula vinculante no
7: “A norma do § 3o do artigo 192 da Constituição, revo4
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. 4. ed.
Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 446.
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 29
gada pela Emenda Constitucional no 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação
condicionada à edição de lei complementar”.5
A interpretação jurisprudencial deve ter sido bem
recebida pelos economistas que consideravam nefasta ao mercado, frente ao seu dinamismo, a limitação
constitucional da taxa de juros, destacando-se, dentre
eles, Antonio Evaristo Teixeira Lanzana que, antes da
noticiada revogação, comentava que:
Uma aberração da Constituição foi o tabelamento
das taxas de juros. Aliás, muitos que desconhecem
os princípios básicos de uma economia têm defendido o tabelamento das taxas de juros, levando inclusive a Constituição de 1988 a estabelecer o limite de
12% ao ano para os juros. Felizmente, esse artigo
nunca foi regulamentado (e nem deve ser) e o governo continuou operando livremente as taxas de
juros. A discussão efetuada ao longo deste capítulo
parece ser suficiente para mostrar a inviabilidade de
tal prática.6
5
6
Eis o entendimento consolidado pelo STF, anteriormente à edição da súmula vinculante no 7: “CONSTITUCIONAL. AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JUROS. AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 192, § 3o, DA CF/88. PRETENSÃO DE REFORMA DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. ADI
4/DF. SÚMULA VINCULANTE 7. 1. O art. 192, § 3o da Constituição Federal, já revogado, não era auto-aplicável. Súmula
Vinculante 7. 2. Agravo regimental improvido”. (STF, AgRg no
RE no 423.920/PR, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 11/11/2008,
DJe 27/11/2008).
LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia brasileira: fundamentos e atualidade. 3. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009, p. 69.
30 Juros compostos
Firmou-se, recentemente, no Superior Tribunal
de Justiça, o entendimento de que a taxa de juros remuneratórios abusiva é aquela que comprovadamente extrapole sobremaneira a taxa média praticada por
outras instituições financeiras em situações idênticas
nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor e que a sua limitação compete ao Conselho
Monetário Nacional (art. 4o, IX, Lei no 4.595/64), havendo quem suscite a inconstitucionalidade desta duvidosa atribuição de competência, v.g. Luiz Antonio
Scavone Junior.
Nessa linha de raciocínio, nasceu a súmula 382/STJ
que diz: “A estipulação de juros remuneratórios acima
de 12% ao ano, por si só, não caracteriza abuso”.
Quanto aos juros moratórios o Superior Tribunal
aprovou, em 2009, a súmula 379, segundo a qual: “Nos
contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1%
ao mês”.
Os contratos excepcionados pela súmula em comento são as cédulas e notas de crédito rural, industrial, comercial e à exportação, nas quais é permitida
a capitalização semestral de juros remuneratórios pelo
regime composto e a incidência de juros de mora em
até 1% ao ano (Súmula 93/STJ, Decretos-lei 167/67
e 413/69, recepcionados pela CF/1988 como leis complementares).
Entretanto, não se aprofundará aqui, por fugir ao
escopo desta obra, as especificidades da limitação da
taxa de juros, mas sim aquelas atinentes à capitalização
destes na forma composta.
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 31
Ao final desta obra, se constatará que o anatocismo
(juros compostos) é defeso, convencionado ou não.
Acaso não seja convencionado é peremptoriamente vedado face ao principio pacta sunt servanda. E, se
convencionado sem a prévia ciência do devedor não o
vincula (art. 46, CDC e art. 422, CC).
Por outro lado, a questão ganha contornos mais
complexos se o anatocismo for claramente estipulado.
A Convenção Americana de Direitos Humanos,
também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, inserida no sistema jurídico pelo Decreto no
678/1992, estabelece em seu art. 21, § 3, que: “Tanto
a usura como qualquer outra forma de exploração do
homem pelo homem, devem ser proibidas pela lei”.
Veja-se, por exemplo, o ensinamento de Fábio
Konder Comparato:
Da maior importância também, no art. 21, é a
disposição do § 3o, determinando a punição da usura e de todas as formas de exploração do homem
pelo homem. Os Harpagões do mundo contemporâneo já não são os agiotas isolados e encobertos, mas
sim os controladores e dirigentes de bancos e outras
instituições financeiras, que exploram organizadamente os consumidores necessitados, os agricultores e os pequenos empresários urbanos, não raro
com o apoio e o incentivo das autoridades governamentais, em nome do liberalismo econômico.7
7
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 383.
32 Juros compostos
A proibição da usura, pois, tem índole constitucional ou supralegal no direito interno, porque prevista
em tratado internacional que versa sobre direitos humanos.8
A vedação ali inserta é matéria de ordem pública
de observância obrigatória, portanto.
Nesse cenário, ainda que se repute conflituosa a
relação entre o direito internacional de proteção contra
a usura e o direito interno (cf. MP 2.170-36/2001 tratada no terceiro capítulo), atribui-se primazia à norma
contida no art. 21, § 3, do Pacto de San Jose da Costa
Rica, porque é a que melhor ampara os direitos da pessoa humana.
Nas palavras lapidares de Flávia Piovesan:
Os direitos internacionais constantes dos tratados
de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo
constitucional... Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da norma
mais favorável à vítima. Em outras palavras, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os
direitos da pessoa humana. A escolha da norma mais
8
Na esteira da jurisprudência do STF: “... Posição hierárquica dos
tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento
positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de
supralegalidade? – Entendimento do Relator, Min. CELSO DE
MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos...”. (STF, Segunda
Turma, HC 96772, rel. Min. Celso de Mello, j. em 09/06/2009).
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 33
benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos
aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção possível ao ser humano.9
Resta perquirir qual é a lei nacional a que se refere
a expressão “... proibidas pela lei”.
Chega-se, destarte, a um dos pontos mais polêmicos deste estudo.
Entende-se, particularmente, que as leis que proíbem a usura ou a capitalização composta em periodicidade inferior a anual no país são: o Decreto 22.626/33
(Lei da Usura), art. 4o, como lei especial, e o Código
Civil, art. 591 (parte final) do Código Civil, como lei
geral.
Interessa destacar que o art. 4o da Lei de Usura não
foi revogado pela Lei no 4.595/95 (Lei de Reforma Bancária), pois englobam assuntos distintos; um descreve o
anatocismo (juros compostos) e a outra cuida da competência para fixação da taxa de juros.
Registre-se, ainda, que o acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp no
1.061.530/RS, a teor do art. 543-C do CPC, refere-se
apenas às taxas de juros praticadas nos contratos de
mútuo bancário.
A autorização ou não da prática de anatocismo pelas instituições financeiras, por conseguinte, ainda não
foi solucionada, em definitivo, pelo Superior Tribunal
de Justiça.
9
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 28-29.
34 Juros compostos
A questão foi reconhecida como repetitiva e será
dirimida nos recursos especiais 973.827/RS e 100.3530/
RS, cujo julgamento estava pendente até a conclusão
desta obra.
Acredita-se que o Superior Tribunal aplique o art.
o
4 da Lei de Usura, nos termos da fundamentação acima formulada, para solucionar a controvérsia, como já
fez em hipótese na qual o contrato não estabeleceu o
percentual de juros para remuneração do mútuo, embora também versasse sobre taxa, dada a impossibilidade de utilização de dois pesos e duas medidas.
Nessa direção, assim se manifestou a Corte Superior, verbis:
Comercial. Contrato de arrendamento mercantil. Valor residual de garantia. Caução substitutiva
da opção de compra. Prequestionamento. Ausência. Súmulas nos 282 e 356/STF. Cobrança antecipada. Descaracterização do contrato. Juros. Limitação
(12% ao ano). Lei de Usura (Decreto no 22.626/33) e
Código Civil, art. 1.062. Incidência quando não pactuados.
I. Inadmissível recurso especial na parte que
é debatida questão não enfrentada no acórdão ‘a
quo’, nos termos das Súmulas nos 282 e 356/STF.
II. A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido importa na descaracterização do contrato de
arrendamento mercantil.
III. Aplica-se a limitação de juros de 12% ao
ano prevista na Lei de Usura e no Código Civil aos
contratos realizados por instituições integrantes do
Sistema Financeiro Nacional que não estabeleçam
percentual para remuneração do mútuo.
PRIMEIRAS NOÇÕES SOBRE JUROS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 35
IV. Recurso especial conhecido em parte e improvido.10
Seria não só admirável, mas também coerente,
que o Superior Tribunal aplicasse o vetusto dispositivo
ao caso.
Esse precedente servirá, inequivocamente, de instrumento de implementação da igualdade substancial,
de consolidação e fortalecimento dos direitos humanos,
de promoção e fortalecimento do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e, simultaneamente, de redefinição da cidadania no Brasil.
10
STJ, T4, REsp no 400.019/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior,
j . em 07/03/2002, DJU de 29/04/2002, p. 253.
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