BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 ASPECTOS DESTACADOS DA GUARDA COMO COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA Paulo Roberto Bianchi Junior1 Sandra Regina Ioris2 SUMÁRIO Introdução; 1 A Família; 2 Colocação em Família Substituta; 2.1 Modalidades; 3 Guarda como Colocação em Família Substituta; 4 Aspectos Destacados da Guarda e a Lei 12.010/2009; Considerações finais; Referência das fontes citadas. RESUMO O trabalho apresentado tem como objeto de análise as alterações introduzidas pela Lei 12.010/2009, na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no que diz respeito ao aperfeiçoamento a colocação em família substituta sob a forma de guarda, como garantia do direito à convivência familiar e comunitária a todas as crianças e adolescentes. Neste sentido os aspectos do instituto e sua formação, bem como sua evolução legislativa foram analisados. Para desenvolver a investigação a pesquisa utilizou o método indutivo, operacionalizado com as técnicas da pesquisa bibliográfica, do fichamento e do conceito operacional e utilizado o histórico, como método de procedimento. O levantamento dos dados foi realizado através da pesquisa bibliográfica, no ramo do direito civil e do direito da criança e do adolescente. O trabalho não esgota o tema nem muda conceitos do Instituto da Guarda, antes faz uma reflexão sobre a importância do papel do Estado, na criação de leis que defendam a criança e o adolescente e seu direito a convivência familiar e comunitária. Palavras-chave: Adolescente. Criança. Colocação em Família Substituta. Estatuto da Criança e do Adolescente. Guarda. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo pesquisar sobre a forma mais adequada de colocação em família substituta, a partir da análise do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069) - ECA/90 e das inovações trazidas pela Lei 12.010/2009, que alterou substancialmente vários artigos do mencionado estatuto. 1 Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Graduada em Direito pela PUC/PR. Professora do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail: [email protected] 1461 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Além de, como objetivo institucional, produzir um artigo científico para a obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. A pesquisa levantou a seguinte hipótese: a possibilidade da guarda regulamentada pelo ECA/90 ser a forma mais adequada de colocação em família substituta, pois viria a garantir as condições necessárias de crescimento e desenvolvimento adequados, sem a necessidade de destituição do poder familiar. No desenvolvimento da pesquisa foi utilizado o método indutivo, operacionalizado através das técnicas da pesquisa bibliográfica, do fichamento e dos conceitos operacionais.3 O levantamento dos dados é realizado através da pesquisa bibliográfica, no ramo do direito civil, mais especificamente voltado para o direito da criança e do adolescente, analisando a legislação e a doutrina, tratando-se, portanto de pesquisa teórica. O trabalho foi dividido em quatro títulos, havendo no segundo deles, uma subdivisão. No primeiro título aborda-se a questão histórica da família, e sua evolução através dos séculos. É abordado, ainda que preliminarmente, a instituição dos princípios reguladores de questões familiares, introduzidos com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/88, ECA/90 e após o advento da Lei 12.010/2009. Em um segundo momento, passa-se às considerações acerca da colocação em família substituta, sob enfoque do ECA/90, sempre vinculadas também aos preceitos constitucionais. Há neste segundo titulo a mencionada subdivisão, que visa esclarecer ao leitor quais seriam as modalidades de colocação em família substituta vigentes em nosso ordenamento jurídico. No terceiro título, é que se desenvolve a ideia central do trabalho. Destina-se essa parte do artigo a esclarecer o instituto da guarda de que trata o ECA/90. São evidenciadas suas características principais, bem como suas finalidades. É neste ponto que se evidencia seu caráter preferencial de aplicação em detrimento das outras formas de colocação em família substituta. No quarto, e último título, são abordadas as inovações acrescidas pela Lei 12.010/2009 ao corpo do ECA/90, no que se refere ao instituto da Guarda. Se destacam neste tópico as inovações realizadas especificamente em dois artigos do ECA/90, em especial o art. 33, parágrafos 2° e 4°, bem como o art. 34, parágrafos 1° 3 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: ideias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 9. ed. Florianópolis OAB/SC, 2005.p.56. 1462 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 e 2°. Há o enfoque principal nas modificações realizadas que atingem a questão da guarda. 1 A FAMÍLIA O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto pelo Estado Brasileiro, traz em seu bojo a tutela de bens jurídicos prioritários, como o direito que crianças e adolescentes possuem de viver em família. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, no seu artigo 227, prevê a toda criança e adolescente o direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Da mesma forma, o ECA/90, embasado na doutrina da proteção integral, sustenta que toda criança e adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio de sua família. Tarcísio José Martins Costa apud Katia Maciel4 aponta que “o direito à convivência familiar e comunitária, antes de ser um direito, é uma necessidade vital da criança, no mesmo patamar de importância do direito fundamental à vida”. Aduz ainda Katia Maciel5: Podemos conceituar a convivência familiar como o direito fundamental de toda a pessoa humana de viver junto à família de origem, em ambiente de afeto e de cuidado mútuos, configurando-se como um direito vital quando se tratar de pessoa em formação (criança e adolescente). Já Irene Rizzini6 entende que existe convivência familiar e comunitária quando crianças e adolescentes permanecem no lugar de onde pertencem, de preferência junto à sua família de origem, ou junto a seus pais, avós ou parentes próximos, e quando isto não for possível, junto a uma família que as acolha. 4 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. 5 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. p. 75. 6 RIZZINI, Irene (coord.), RIZZINI, Irma, NAIFF, Luciene, BAPTISTA, Rachel. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do Direito à Convivência Familiar e Comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006, p.22. 1463 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Portanto, para o estudo do direito e convivência familiar e comunitária, como direito fundamental de crianças e adolescentes, previsto na CRFB/88 e no ECA/90, é necessário que se entenda o conceito de família. Para os antepassados, a família era instituição basicamente política e religiosa, havendo pouca relação de afetividade entre seus membros. Era sob a figura central do pai que se estruturava todo o conglomerado familiar. Como bem ressalta César Fiuza7: “O pater-familias era, assim, senhor absoluto da domus. Era o sacerdote que presidia o culto aos antepassados; era o juiz que julgava seus subordinados; era o administrador que comandava os negócios da família”. A autoridade do pater-familias, o qual se submetiam todos os integrantes daquele organismo social, alcançava uma posição notável de grandeza, pois era exercido o poder sobre todos aqueles que estavam ao seu redor8. Esta realidade só veio a tomar contornos diferenciados com o advento das revoluções modernas e as constantes insurgências contra a soberania opressora, que impedia a liberdade do pensamento livre. Segundo Fiuza9, o ponto referencial dessa mudança ocorreu com a Revolução Industrial, que insere a mulher no mercado de trabalho, inicializando a revolução na família; isto em pleno século XVIII. Com o passar dos séculos, o poder absoluto do pater-familias perdeu força, mas a estrutura familiar baseada na figura patriarcal continuou ainda por muito tempo a vigorar. O homem, já não exerce mais o papel de líder absoluto em casa, o papel da mulher se torna cada vez mais ativo e importante, o sustento do lar é provido por ambos e as obrigações dividem-se constantemente. Dessa conjuntura extrai-se que a concepção de família vem constantemente sofrendo mutações. A evolução dessa categoria é incessante, e acompanha historicamente o desenvolvimento social como um todo, sendo uma de suas definições mais adequadas hoje em dia, a acepção dada por Kátia Maciel10, que aduz: [...] Modernamente, passou a significar o ambiente de desenvolvimento da personalidade e da promoção da dignidade de seus membros, sejam adultos ou infantes, o qual pode apresentar 7 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 15 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.p.1027. 8 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 15 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.p.1027. 9 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 15 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.p.1028. 10 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.68. 1464 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 uma pluralidade de formas decorrentes das variadas origens e que possui como elemento nuclear o afeto”. Como se vê, é inequívoca a vinculação dos conceitos contemporâneos de família com a intrínseca afetividade que deve existir entre seus membros. Nossa legislação atual é toda baseada nas características de afetividade no que tange ao relacionamento familiar, não ficando restrita ao convívio destes somente, como forma de caracterização de unidade familiar. Com o advento da CRFB/88, a ideia fechada de família, como sendo um aglomerado de pessoas vinculadas à figura do pai se descaracterizou, passando a integrar a pauta jurídica nacional e de todo sistema a questão da pluralidade das formas de instituição familiar. Ainda sob o advento da Constituição Federal de 88, que cuidou em capítulo próprio, (Capítulo VII do Título VIII) da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso, houve ainda outras inovações marcantes, como elenca Arnoldo Wald11: A união estável entre o homem e a mulher é reconhecida como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. É estabelecida a igualdade do homem e da mulher no exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal. O prazo para o divórcio é reduzido. Em caso de separação judicial, será concedido após um ano ou após dois anos de comprovada separação de fato. Aos filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, são concedidos os mesmo direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Aos filhos maiores é imposto o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.12 Uma vez que a CRFB/88 passou a olhar com mais atenção a relação entre pessoas unidas por afetividade e não somente por convívio, todos os institutos inerentes aos direitos dos membros de uma entidade familiar tiveram que se moldar a novos parâmetros. 11 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito de família. 17 ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 5. p.2. 12 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito de família 17 ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 5. p. 27. 1465 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Diante disto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei 8.069/90 inseriu ao conjunto normativo nacional ajustes, que norteiam os novos parâmetros familiares a serem observados. Dentre essas novas diretrizes, e em acordo com princípios Constitucionais abordados pela CRFB/88, traz o Estatuto um novo embasamento familiar motivado acima de tudo nos próprios princípios da Constituição, entre eles: Princípio da dignidade da pessoa humana, Princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança, Princípio da isonomia entre filhos e Princípio da igualdade de direitos entre os gêneros13. Cabe ressaltar que, sem a instituição destes princípios, as relações familiares acabariam por se tornar institutos vazios e fadados a desaparecer, pois são elementos indispensáveis, estruturais e de manutenção. O Estatuto da Criança e Adolescente, em alterações feitas pela Lei 12.010/2009, passou e elencar valiosos princípios relacionados aos direitos fundamentais de crianças de adolescentes. No entender de Kátia Maciel14, dois desses princípios destacam-se por serem diretamente relacionados ao papel da família na formação dos filhos, quais sejam: principio da responsabilidade parental e princípio da prevalência da família. Ainda de acordo com Katia Maciel15 Representam tais princípios que a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres com os filhos, e na promoção de seus direitos e proteção deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta. Esta intervenção foi regulamentada com a entrada em vigor da Lei 12.010/2009, chamada Lei Nacional da Adoção, que alargou a conceituação estatutária da expressão família. Sempre voltada para o reconhecimento de afinidade e da afetividade, inerentes à formação de um grupo familiar, reconheceuse a partir dessa Lei, a importância de uma categoria familiar que já há algum tempo 13 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.69. 14 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.70. 15 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.70. 1466 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 havia ocupado lugar na sociedade; a denominada família extensa, expressa no parágrafo único do art. 25 da lei: Art. 25: [...] Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.16 Essa nova forma de arranjo familiar, caracteriza-se por ter um núcleo não somente entre pais e filhos, mas por agrupar também parentes próximos, que convivem e mantém laços de afetividade e afinidade com a pessoa em desenvolvimento. Segundo Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore17, a disposição de um novo tipo de família no Estatuto, induz que as relações sociais pedem o reconhecimento jurídico de novas formas de relacionamento, que se atinem para as especialidades e individualidades dos sujeitos envolvidos, com o objetivo maior de garantir-lhes respeito e dignidade. Seria de fato, uma extensão da família natural, a qual merece proteção diferenciada por parte do estatuto, no entendimento de que é reconhecida como o lugar mais propício para a manutenção da criança e do adolescente, por justamente, ser o primeiro seio afetivo da criança, em sua exteriorização com o mundo. 2 COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA Os pais, como detentores do poder familiar devem buscar sempre o melhor interesse de seus filhos. Ocorrem, no entanto, determinadas situações, onde se torna impossível a permanência de crianças e adolescentes junto a sua família natural. Para abarcar estas situações o ECA/90 criou institutos com o objetivo de supervisionar e administrar o poder familiar, apoiando as famílias e verificada a impossibilidade de permanência, colocando estas crianças e adolescentes em 16 BRASIL. Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis n 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da o Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, o o aprovada pelo Decreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943; e dá outras providências. 6. Ed. São Paulo: Saraiva.2012.p.1519. os 17 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.28. 1467 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 famílias substitutas, não sem antes averiguar a possibilidade da permanência junto ao mencionado grupo intitulado família extensa. Nas palavras de Kátia Maciel18:“A colocação em família substituta [...], é uma medida excepcional aplicada à criança e ao adolescente, quando não se mostrar possível a criação e a educação destes no seio da sua família natural”. Inadvertidamente a colocação do menor em família substituta obedece sempre os preceitos do Direito Fundamental da convivência familiar, e é realizada diante da pormenorização de vários procedimentos que asseguram a crianças e adolescentes os efetivos direitos aos quais estão categoricamente vinculados na CRFB/88. Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore19 advertem que diante a retirada do menor de sua família natural, este deve ser integrado a uma família substituta formada preferencialmente pelos parentes mais próximos, com os quais mantenha vínculos de afinidade e afetividade. Ressaltam ainda a importância da entrega da criança ou adolescente a um parente próximo, que mantenha os vínculos de afinidade e afetividade, tendo em vista que a possível integração da criança a um estranho, quebraria laços familiares importantes, interferindo no bom desenvolvimento da medida. Desta forma, torna-se fundamental o aprofundamento do estudo das diferentes formas de integração do menor em família substituta, garantindo a compreensão acerca dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes diante os modelos de acolhimento previstos em nosso ordenamento jurídico. 2.1 MODALIDADES São 3 as modalidades de colocação em família substituta: guarda, tutela e adoção, elencadas no artigo 28 do ECA/90. A guarda como forma de colocação em família substituta, será tratada em tópico específico. Neste ponto do trabalho serão estudados os institutos da tutela e da adoção como formas de colocação em família substituta. 18 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.155. 19 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.36. 1468 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Para Maria Helena Diniz20, a tutela é um instituto de caráter assistencial, que tem por escopo substituir o poder familiar. A função do tutor é dirigir a pessoa e administrar os bens do menor que não está sob o poder familiar do pai ou da mãe, zelando pela sua criação, educação e haveres. Portanto, segundo a ilustre doutrinadora, a tutela e o poder familiar são institutos que não podem coexistir, onde há a incidência de um, não há lugar para outro. Sob o prisma do ECA/90, extrai-se que a tutela diferencia-se das outras formas de colocação em família substituta principalmente quanto a configuração de seu objetivo maior, que é o de conferir um representante legal à criança ou adolescente que não o possui. Ildeara de Amorim Digiácomo e Murillo José Digiácomo21 em seus comentários ao ECA/90 aduzem: Vale sempre lembrar que a tutela é uma medida de proteção, visando atender aos interesses da criança/adolescente, e não dos adultos, e as normas relativas à colocação em família substituta são de direito público, orientadas pelo princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente, que considera estes como sujeitos de direitos (e não meros “objetos” de livre disposição máxime quando post mortem - de seus pais), prevalecendo, portanto, em relação a disposições contidas na Lei Civil que, de uma forma ou de outra, devem ser interpretadas e aplicadas à luz do disposto nos arts. 1º, 6º e 100, par. único, inciso II, do ECA e art. 227, caput, da CF. Segundo redação do art. 36 do ECA/9022, a tutela será deferida a pessoa de até dezoito anos incompletos, ou seja, que tenha menos de dezoito anos. Acerca dessa medida de proteção, ensinam Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore23: A tutela se configura como uma medida de proteção que regulariza a posse de fato da criança e do adolescente e confere direito de representação ao tutor, permitindo a administração de bens e interesses do pupilo (diferentemente da guarda, que permite a representação apenas em hipóteses excepcionais) e pressupondo 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26.ed. São Paulo:Saraiva, 2011. v. 5. p.665. 21 DIGIÁCOMO, Murilo José. DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná, disponível em: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Legislacao%20e%20Jurisprudencia/ECA_coment ado.pdf. Acesso em: 19 de Setembro de 2012.p.48. 22 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do Adolescente. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.1083. 23 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009. p.40. 1469 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 por lógica, a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar. Presta-se portanto, para amparar a criança ou adolescente enquanto não tem condições de manter-se sozinha. Sabe-se que a tutela, como medida de proteção ao menor, é cabível nas hipóteses de falecimento ou desconhecimento dos pais, ou ainda aos pais que tiverem sido destituídos ou suspensos de seu poder familiar. A matéria é abordada nos artigos 1.728 a 1.766 do Código Civil, onde se percebe que o intuito da tutela é regulamentar a atuação de uma pessoa que, não só zele pela criança ou adolescente, mas também por seus bens, sendo um instituto que visa não só deveres pessoais, mas também patrimoniais. Sávio Bittencourt24, a respeito da funcionalidade da tutela aduz: “Sua utilização para garantir o direito à convivência familiar é possível, mas pouco usual, já que as crianças e adolescentes privados de suas famílias de origem, em geral, não possuem bens”. Como se percebe, em uma escala de importância e relevância, estaria a tutela em terceira posição, atrás dos institutos da adoção e da guarda, diante da sua aplicabilidade pouco usual. A adoção, como forma de colocação em família substituta, é uma medida protetiva, de caráter excepcional, que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado. Está regulamentada no ECA/90, no Código Civil de 2002, e em sua lei própria, Lei 12.010/2009, além de ser mencionada no artigo 227, parágrafo 5º, da CRFB/88. Destaca-se a adoção, pois é medida especialmente protetiva, e é a única que vem a estabelecer vínculos de filiação, paternidade e parentesco para a criança e o adolescente. Como ensina Sávio Bittencourt25, é através do estudo e interpretação da Lei Maior, que podemos constatar que a adoção é a única forma de acolhimento de criança que juridicamente a torna membro de uma família, garantindo a ela direitos perpétuos relativos a alimentos, nome e sucessão, não só aplicáveis aos pais adotantes, mas aos demais parentes, na forma da legislação infraconstitucional. 24 BITTENCOURT, Sávio. A Nova lei de Adoção: do abandono à garantia do direito à convivência Familiar e Comunitária. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010. p.120. 25 BITTENCOURT, Sávio. A Nova lei de Adoção: do abandono à garantia do direito à convivência Familiar e Comunitária. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010.p.126. 1470 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Comumente se fala da nobreza da atitude da adoção. E certamente, esse grau de nobreza está vinculado às grandes dificuldades que surgem no decorrer deste processo. São vários os requisitos a serem cumpridos, e a própria lei converge no sentido de prezar pela manutenção dessas crianças e adolescentes em suas famílias naturais. Como lecionam Luciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore26: Isso não quer dizer que a adoção seja ruim, ou que ela não vá atingir os objetivos do Estatuto. O que há é simplesmente uma opção do Sistema de Garantia, sempre com o condão de propiciar a manutenção do regular desenvolvimento da criança ou adolescente, haja vista o fato de o processo de adoção se tornar, muitas vezes, desgastante para o adotando. A adoção possui qualidades que não se estendem às demais modalidades de colocação em família substituta. É por este meio de acolhimento, que crianças e adolescentes alcançam a possibilidade de desenvolvimento de uma personalidade saudável, tolhida em suas famílias de origem. 3 GUARDA COMO COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA A guarda como forma de colocação em família substituta, prevista no ECA/90 é diferente da guarda que se atribui aos pais, prevista no Código Civil. Das formas de colocação em família substitua, o instituto da guarda é a mais simples e usual. A guarda regulariza a posse de fato de crianças e adolescentes que já se encontram convivendo com um guardião. O deferimento da guarda deve sempre levar em consideração o melhor interesse de crianças e adolescentes retirados de sua família natural. O ECA/90 trata do instituto da guarda nos arts. 33 a 35, sendo competente para processar as ações de guarda aplicadas como medida de proteção nos casos previstos no art. 98 do Estatuto, as Varas da Infância e Juventude Como bem enfatiza o Procurador de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, Mário Romera27, a guarda objetiva regularizar a posse de fato da criança ou adolescente e mostra-se como meio de gerar um vínculo jurídico que só será quebrado por decisão judicial, sempre em beneficio do menor. O Procurador ressalta 26 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.47. 27 ROMERA, Mário, O instituto da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Rio Grande do Sul, disponível em: www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/idl30.htm. Acesso em: 19 de setembro de 2012. 1471 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 ainda que, a partir do deferimento judicial, a guarda será uma forma de colocação em família substituta, como se fosse uma família natural, de maneira duradoura. Pela leitura do art. 33 do ECA/90, extraímos que a guarda é uma das modalidades de colocação de criança ou adolescente em família substituta, onde o detentor assume o compromisso de prestar toda a assistência ao menor, detendo também o direito de opor-se a terceiros, de forma a regularizar a posse de fato da criança e adolescente. É Importante ressaltar que a guarda não importa prévia suspensão ou destituição do poder familiar. Sobre este ponto, comenta Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel28: Assim, a guarda é coexistente ao poder familiar, não operando mudanças substanciais na autoridade exercida pelos genitores, mas apenas destacando o encargo da guarda e responsabilidade ao(s) detentor(es) de fato da criança ou do adolescente. Dentre as consequências do instituto da guarda destaca-se portanto, que este modelo de colocação em família substituta, não pressupõe a suspensão ou destituição do poder familiar, pois não é incompatível com este. Mario Romera29, atenta ainda para a tipificação da guarda. Segundo o mencionado Procurador, há duas classificações gerais: guarda permanente e guarda temporária, estas as quais subdividem-se em duradoura ou definitiva, e provisória, respectivamente Permanente é a guarda, quando o instituto é visto como um fim em si mesmo. Em outras palavras, quando o guardião busca com que a criança ou adolescente se torne membro de família substituta, com as devidas obrigações daí advindos. Já a guarda temporária, se caracteriza quando visa um atendimento de situação limitada ou por termo, ou condição, tendo assim, um fim em si mesmo.30 28 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.155. 29 ROMERA, Mário, O instituto da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Rio Grande do Sul, disponível em: www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/idl30.htm. Acesso em: 19 de Setembro de 2012. 30 ROMERA, Mário, O instituto da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Rio Grande do Sul, disponível em: www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/idl30.htm. Acesso em: 19 de Setembro de 2012. 1472 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel31 explica que a concessão de uma das modalidades de colocação em família substituta não deve ser aplicada de forma imediata. Extrai-se daí a importância de, desde logo, inserir o menor, como medida preliminar, na família substituta através da guarda provisória, de forma a garantir um processo de adaptação ao lar que o acolhe. Independentemente do tipo de guarda, é ponto pacífico nas doutrinas o entendimento de que este instituto, como medida de colocação em família substituta é a forma mais adequada de atuação, diante as outras modalidades existentes. Nas palavras de Sávio Bittencourt32: Há uma verdadeira preferência legal pelo acolhimento de crianças ou adolescentes na modalidade da guarda, em detrimento do acolhimento institucional, anteriormente denominado abrigamento. Deve, pois, este tipo de solução transitória ser estimulada pelo poder público. Ademais, o próprio legislador atribui o caráter preferencial da guarda, pela interpretação do art. 34 do ECA/90, com nova redação, acrescida pela Lei 12.010/90 que assim dispõe: Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. E o poder público o faz, através de estímulos à guarda, inclusive através de incentivos, dedução do IR, auxílio-família, benefícios previdenciários entre outros, conforme previsto no já citado art. 34, nos seus parágrafos 1º e 2º. Desta forma, sempre voltados à aplicação das situações mais benéficas, e sob os preceitos da convivência familiar e comunitária assegurados a crianças e adolescentes, entende-se que a guarda, como forma de colocação em família substituta é a medida mais assertiva, no sentido de garantir ao seu público-alvo, as condições necessárias de crescimento e desenvolvimento adequados. 4 ASPECTOS DESTACADOS DA GUARDA E A LEI 12.010/2009 31 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.p.157. 32 BITTENCOURT, Sávio. A Nova lei de Adoção: do abandono à garantia do direito à convivência Familiar e Comunitária. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010.p.120. 1473 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Com o advento da Lei 12.010/2009, observaram-se significantes alterações na redação do ECA/90. Destacar-se-ão por ora, diante da temática do trabalho, as mudanças ocorridas que dizem respeito principalmente, ao instituto da Guarda, como forma de colocação em família substituta. Inicialmente, cabe ressaltar a modificação feita no parágrafo 2º do art. 33, que veio a assegurar o caráter de temporalidade de aplicação deste instituto. Como bem ressalta Sávio Bittencourt em relação a este ponto: “A regra geral é que a guarda seja uma transição para a adoção ou tutela da criança, sendo um instituto de aplicação provisória.”33 Este caráter provisório se justifica diante da possibilidade de reestruturação da família de origem, que pode vir a se restabelecer, propiciando uma futura reintegração a esta família. No que tange às alterações do parágrafo 4º, do mencionado artigo, cabem as considerações de Luciano Paulo Rossato e Paulo Eduardo Lépore34, que assim aduzem: Segundo inovação legal, o deferimento da guarda de criança a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação especifica, a pedido do interessado ou do Ministério Público. O exercício do direito de visitas e o dever de prestar alimentos só estarão impedidos durante a guarda exercida por terceiros se houver expressa e fundamentada determinação em contrário, emanada da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção. Esta alteração ressalta uma característica fundamental do instituto da guarda: ela não pressupõe a perda do poder familiar, conforme já esclarecido anteriormente. Assim, os efeitos de incidência do poder familiar permanecem, entre eles, o dever de prestar alimentos e o direito de visitas. Também sofreu alteração o art. 34 do referido Estatuto, quando determina que o Poder Público deve estimular, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. A mudança ocorreu na substituição da expressão 33 BITTENCOURT, Sávio. A Nova lei de Adoção: do abandono à garantia do direito à convivência Familiar e Comunitária. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010.p.118. 34 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.38. 1474 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 “criança ou adolescente órfão ou abandonado” por “criança e adolescente afastado do convívio familiar”, que engloba um número maior de situações.35 Os mencionados autores, por suas próprias palavras aduzem quanto à questão: Abandonar a utilização do termo órfão foi uma decisão acertada do legislador. Órfão é aquele que perdeu os pais. Traz em si, portanto, uma noção de que a pessoa em desenvolvimento foi privada, definitivamente, da figura de seus pais. Ora, se a guarda é medida transitória de colocação em família substituta, em que os pais ainda mantêm o poder familiar, isso quer dizer que a pessoa em desenvolvimento ainda não os perdeu, portanto, ela não é órfã. Aliás, o que se almeja, é que a criança ou adolescente seja reintegrada ao convívio de sua família natural, e não que seja definitivamente privada da companhia de seus genitores. 36 Ademais, foram ainda incluídos dois parágrafos no art. 34 do ECA/90. O parágrafo 1º que determina a preferência do acolhimento familiar em relação ao acolhimento institucional. Atenta ainda este parágrafo para o caráter excepcional e temporário desta medida. Conforme já abordado anteriormente neste trabalho, extrai-se da leitura desse parágrafo uma verdadeira preferência legal que tende sempre ao acolhimento de crianças e adolescentes na modalidade da guarda, em detrimento do acolhimento institucional. Por sua vez, o parágrafo 2º do mencionado artigo inovou, ao determinar que a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar, poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, desde que observadas as regras de colocação de menores em famílias substitutas.37 A respeito da abordagem desse parágrafo, elucidam Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo38: A pessoa ou casal cadastrado em programa de acolhimento familiar não poderá receber a criança ou adolescente diretamente da entidade responsável pela sua execução, mas sim mediante guarda, 35 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.39. 36 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.39. 37 ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à lei nacional da adoção: Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009: e outras disposições legais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.39. 38 DIGIÁCOMO, Murilo José. DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná, disponível em: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Legislacao%20e%20Jurisprudencia/ECA_coment ado.pdf. Acesso em: 19 de Setembro de 2012. 1475 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 com a formalização da medida perante a autoridade judiciária competente. A respeito desse aspecto, cabe ressaltar que, a família inserida no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança sob a forma de guarda, com os direitos e deveres inerentes a ela. E tendo o sentido da palavra “poderá”, adotada pelo legislador, muito mais abrangência do que aparentemente demonstra. Murillo Digiácomo e Ildeara Digiácomo39 alertam: O legislador foi impreciso ao utilizar o termo “poderá”, quando se refere à colocação da criança ou adolescente em regime de acolhimento familiar sob guarda, pois neste e em outros casos éindispensável que a colocação familiar seja efetuada pela autoridade judiciária. Assim sendo, compreendem-se como assertivas as modificações trazidas pela Lei 12.010/2009, principalmente no que tange à regulamentação da guarda como forma de colocação em família substituta. Ao serem observadas suas reais intenções, e dentre elas a maior, que consiste em fomentar políticas públicas no sentido de promover o retorno de crianças e adolescentes às famílias de origem, tem-se edificada a relevância jurídica da guarda, que na prática surge como uma espécie preliminar, e por isso, de maior importância, diante das outras formas de colocação em família substituta. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho apresentado teve por objetivo investigar, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, das alterações promovidas pela Lei 12.010/2009 e da doutrina, aspectos destacados da Guarda como colocação em família substituta. Para dar uma sequência lógica, o trabalho foi dividido em títulos. O primeiro título trata da abordagem do conceito de família e sua evolução. Em um segundo momento, passa-se às considerações acerca da colocação em família substituta e suas modalidades. O terceiro título destina-se a esclarecer o instituto da guarda de que trata o ECA/90, com as alterações promovidas pela Lei 12.010/2009. São 39 DIGIÁCOMO, Murilo José. DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná, disponível em: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Legislacao%20e%20Jurisprudencia/ECA_coment ado.pdf. Acesso em: 19 de Setembro de 2012. 1476 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 evidenciadas suas características principais, bem como suas finalidades. É neste ponto do trabalho que resta comprovado o caráter da guarda como a melhor forma de colocação em família substituta. No último título estão evidenciadas as inovações trazidas pela Lei 12.010/2009 ao corpo do ECA/90, no que se refere especificamente ao instituto da Guarda. Pode-se extrair do presente trabalho que a guarda, como forma de colocação em família substituta, amparada pelas inovações acrescidas pela Lei 12.010/2009 ao ECA/90, é uma instituição importantíssima do ramo do Direito Civil, especificamente voltado ao Direito da Criança e do Adolescente. A hipótese levantada no início da pesquisa se revelou concretizada, ao passo que se pode observar o caráter preliminar e preferencial do instituto da guarda em detrimento das demais modalidades de colocação em família substituta. Nestes termos, percebeu-se que durante a elaboração do presente artigo cientifico foram abordados diversos aspectos, os quais contribuem para o entendimento de que o instituto da guarda é o que melhor atende crianças e adolescentes como garantia da convivência familiar e comunitária. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BITTENCOURT, Sávio. A Nova lei de Adoção: do abandono à garantia do direito à convivência Familiar e Comunitária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 08 de outubro de 1988. 17. ed. São Paulo: Saraiva,1997. BRASIL. Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. 6. Ed. São Paulo: Saraiva.2012. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do Adolescente. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. DIGIÁCOMO, Murilo José. DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná, disponível em: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/ Legislacao%20e%20Jurisprudencia/ECA_comentado.pdf. Acesso em: 19 de Setembro de 2012. 1477 BIANCHI JUNIOR Paulo Roberto; IORIS, Sandra Regina. Aspectos destacados da guarda como colocação em família substituta. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 1461-1478, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26.ed. São Paulo:Saraiva, 2011. v. 5. FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 15 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade et al. Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. rev. e atual. conforme lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. RIZZARDO, Arnaldo. 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