UNIFAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS
FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO
ESTUDO POLÍTICO-ECONÔMICO
DA CARGA TRIBUTÁRIA
BRASILEIRA
PROF. MS. GILBERTO BRANDÃO MARCON
Estudo desenvolvido para o livro Pesquisas e
Temáticas do UNIFAE com o título Políticas
Públicas por Gilberto Brandão Marcon,
Professor e Pesquisador da UNIFAE, ExPresidente do IPEFAE (2007/2009),
Economista graduado pela UNICAMP
(1982/1985), pós-graduado „lato sensu‟ em
Economia de Empresas pela FAE (1986/1988),
com Mestrado Interdisciplinar em Educação,
Administração e Comunicação pela
UNIMARCO (2006/2008), Comentarista
Econômico TV União, Escritor, e com
aperfeiçoamento como aluno especial no
Mestrado de Filosofia da UNICAMP na área
de Filosofia da Psicanálise (2002/2003).
SÃO JOÃO DA BOA VISTA-SP
2010
RESUMO
O texto aqui apresentado visa a identificar historicamente a intervenção do Estado como
gestor das políticas públicas e também como parte integrante e complementar da
economia ao setor privado, onde as políticas tributária e fiscal são vistas além do seu
aspecto de gestão financeira, mas também como instrumento capaz de dinamizar a
demanda, a produção e consequentemente o emprego na economia de um Estado de
regime democrático, onde a peça orçamentária é vista não apenas sob o olhar
econômico, mas como interação resultante das forças políticas representantes da
vontade dos cidadãos.
Palavras-Chave: Gestão Pública, Intervenção do Estado, Orçamento, Política Fiscal,
Política Tributária.
1
ABSTRACT
The text presented here aims to identify historically the intervention of the State as
manager of public policy and also as part of the economy and complement the private
sector, where tax and fiscal policies are seen in addition to its financial management
aspect, but also as an instrument able to stimulate the demand, production and hence
employment in the economy of a democratic state, where part of the budget is seen not
only from the view of economy, but as resulting interaction of political forces
representing the will of citizens.
Keywords: Budget, Fiscal Policy, Public Management, State Intervention,
Tax Policy.
2
INTRODUÇÃO
A questão da carga tributária foi sempre um assunto político. Tanto é assim que
a história nos mostra que momentos críticos de contendas sociais surgiram em torno da
arrecadação de tributos. Apenas para citar alguns, primeiramente no Brasil: a
Inconfidência Mineira, em 1789, dos colonos contra a coroa portuguesa e a Guerra dos
Farrapos (1835-1845), dos gaúchos contra o império brasileiro. No plano internacional a
Revolução Americana dos colonos norte-americanos contra o colonizador inglês e
posteriormente a Revolução Francesa, da burguesia e das classes mais baixas contra a
monarquia da França. E apenas para citar mais recentemente, a Inglaterra no início dos
anos noventa, quando a consagrada primeira ministra, Margareth Thatcher, já eleita por
três vezes, perdeu a reeleição por conta de propor criação de um novo imposto.
O conceito utilizado para se mensurar o total de tributos recolhidos é a carga
tributária, que implicará a somatória de todos os recursos transferidos da sociedade para
o governo. Trata-se de uma variável quantitativa, que pode se transformar em
qualitativa quando for transformada em percentual de carga tributária que, neste caso,
será o total dos recursos transferidos para o governo, dividido pelo total de riquezas
produzidas no país no mesmo período, identificado pelo PIB, produto interno bruto. O
resultante de tal divisão será o percentual da carga tributária.
TABELA DE EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA
ANO
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
CARGA EM
DIAS
82
74
73
81
109
90
93
92
104
106
100
100
CARGA EM
PORCENTAGEM
22,66%
20,27%
20%
22,19%
29,86%
24,66%
25,48%
25,21%
28,49%
29,04%
27,40%
27,40%
ANO
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
CARGA EM
DIAS
107
115
121
130
133
135
138
140
145
146
148
147
CARGA EM
PORCENTAGEM
29,32%
31,51%
33,15%
35,62%
36,44%
36,99%
37,81%
38,36%
39,73%
40,00%
40,55%
40,28%
Fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário1
1
SITE
IBPT,
Dias
trabalhados
em
2009
para
pagar
http://www.ibpt.com.br/img/_publicacao/13709/179.pdf. Acesso: 14/05/2010
tributos,
20/05/2009,
3
O que ocorre é que a tal carga tributária vem apresentando, ao longo das últimas
décadas, um aumento contínuo. Cada vez mais a sociedade transfere recursos para o
setor público. Para se ter ideia, a partir de informações fornecidas pelo IBPT (Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário), ao longo do governo José Sarney a carga
flutuou de 20% até 22,66%, o que se transposto para os dias do ano, tomando o ano de
365 dias, significaria que se trabalhou de 73 a 82 dias no período para arcar com a
transferência de recursos ao governo, ou seja, algo entre 2,5 meses a aproximadamente
pouco menos de 3 meses. Ou dito de outra forma, concentrando o pagamento, até o mês
março se trabalharia meramente para arcar com carga tributária.
A partir do Governo Collor-Itamar, temos um aumento da carga que flutua entre
o mínimo de 24,66% até o máximo de 29,86% , ou seja, mínimo de 90 dias e máximo
de 109, ou seja, agora o mínimo é de 3 meses, e já se avançam meados de abril os dias
trabalhados para sustentar o Estado. No primeiro governo FHC, a carga praticamente se
estabiliza no pico do período anterior; o mínimo é 27,40% e máximo de 29,04%, ou
seja, entre 100 a 107 dias, porém em seu segundo mandato, vai estabelecer um
crescimento progressivo iniciando com 31,51% em 1999 e terminando em 36,44% em
2002, quantificados em dias de 115 dias para 133, ou seja, do final de abril para
abocanhar recursos inerentes até meados de maio.
Iniciado o governo Lula, a expansão desacelerou-se, mas continuou a acontecer.
Assim, a partir em 2003 de 135 dias, com 36,99%, terminou seu primeiro mandado com
39,73%, portanto 145 dias, ou seja, de meados de maio para a última semana de maio.
Já em seu segundo mandato, a partir de 2007, inicia-se com um pequeno crescimento e
parece se estabilizar em torno 40 a 40,5%, o que implica dizer que são
aproximadamente cinco meses de carga tributária.
De modo geral, o que vemos foi que se consideramos os anos 70 que segundo o
IBPT teve uma média de 76 dias correspondendo à carga, e que ainda apresentou
valores aproximados nos anos 80, foi um profundo acréscimo, já que hoje nos
aproximamos dos 150 dias; por muito pouco, não podemos dizer que a carga tributária
dobrou, ou dito de outra forma que antes pagávamos em torno de 2,5 meses de carga,
mas passamos a recolher praticamente 5,0 meses.
Isto também poderia ser visto em relação a semana, em seis dias trabalhados,
2,5 dias seriam destinados ao governo, ou seja de segunda até aproximadamente a
4
metade da quarta feira se estaria trabalhando para recolher os seus impostos. A conta
também poder ser feita em dias no caso supondo trabalhar-se 7h e vinte minutos por dia,
praticamente três horas por dia para sustentar a carga tributária paga ao governo.
Seguindo tal raciocínio, o citado instituto em outro estudo procurou observar a
evolução da tributação, tendo por variáveis de um lado a perspectiva de vida do
brasileiro em dado momento, de do outro a carga tributária deste mesmo momento. E o
que se obteve foi o seguinte, a partir de uma avaliação dos referidos dados nos últimos
108 anos de história do Brasil. De modo geral, enquanto a expectativa de vida do
cidadão brasileiro cresceu 116 %, a carga tributária aumentou no mesmo período 256%.
A avaliação é que o brasileiro vive cada vez mais, porém paga cada vez mais impostos.
Observando estes dados com maior proximidade teríamos o seguinte: em 1900, a
expectativa de vida era de 33,4 anos, enquanto que a expectativa de pagamento de
tributos era de 3,92 anos, de modo que aproximadamente 11,8% da sua vida seriam
destinados ao pagamento de impostos. Na sequência, dando um salto de 50 anos;
chegamos em 1950, na metade do século XX, e o brasileiro já vive em média 42,6 anos,
e, destes, 6,82 serão destinado a pagar tributos, ou seja, 16% da sua vida estavam
comprometidos com o pagamento de impostos.
Mais um salto de 50 anos e chegamos à virada do século, no mítico ano 2000, e
percebemos um grande salto na expectativa de vida do brasileiro, que passou a ser de
70,5 anos. Mas o salto da carga tributária foi ainda maior; assim, 23,31 passaram a ser
destinados a transferir compulsoriamente tributos para o fisco, 33,06%, ou praticamente
um terço da vida pagando impostos. Por fim, oito anos depois, nova evolução da
expectativa de vida atingindo o patamar dos 72,30 anos, mas o crescimento da carga
tributária novamente supera e assim agora já são 29,29 anos pagando impostos.
TABELA: DIAS TRABALHOS PAGOS EM IMPOSTOS
Dias
País
Trabalhados
Suécia
185
França
149
Espanha
137
EUA
102
Argentina
97
Chile
92
México
91
Uma maneira de entendermos se isto é pouco ou muito é comparar a nossa carga
tributária com de outros países, uma comparação interessante é com as economias da
5
Argentina e do México, que juntamente com a do Brasil compõem as maiores
economias latino-americanas onde, segundo dados do FMI (Fundo Monetário
Internacional), o Brasil ocupa o oitavo posto, enquanto o México a décima quarta
posição e a Argentina a trigésima primeira, portanto a maior economia latinoamericana, respectivamente a segunda e quarta economia latino-americana, logo atrás
da liderança brasileira.
Segundo dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Política Tributária), atualmente
no México os cidadãos deste país trabalham 91 dias e na Argentina 97 dias para dar
conta da sua carga tributária, algo bem menor que os 147 dias por aqui trabalhados, ou
seja, um mexicano trabalha 58 dias a menos que um brasileiro, e um argentino 50 dias a
menos por ano para pagar seus impostos, o que significa que têm à sua disposição mais
recursos para sua sustentação. Não é pouco, são aproximadamente 2 meses a menos.
Lembrando, são economias com pontos em comum com a nacional.
A comparação também pode ser feita com a maior economia do mundo, a norteamericana. Por lá se trabalha em torno de 102 dias, ou seja, aproximadamente 3,5
meses, ainda assim 45 dias a menos que no Brasil. Portanto, por aqui quase 1,5 mês a
mais. É interessante observar que ao se buscarem países com cargas similares
encontram-se países europeus tais como a França e a Espanha, cujos estados promovem
benefícios sociais e serviços bem mais adequados aos seus cidadãos, respectivamente
149 e 137 dias, respectivamente quinta e nona maiores economias do mundo.
Mais do que no Brasil é o caso da Suécia, vigésima segunda economia do
mundo. Recolhe 185 dias, pouco mais de um mês a mais que o Brasil. Entretanto, o
Estado oferece serviços de alta qualidade à sua população, ou seja, paga-se, mas existe
retribuição, enquanto no Brasil, isto ocorre de maneira insatisfatória. A questão, porém,
não é meramente de quantidade; já dizia o filósofo Jean Jacques Rousseau a respeito do
melhor governo: “Não é pela quantidade dos tributos que se deve medir o ônus, mas sim
pelo caminho que tem de fazer para voltar às mãos dos que saíram. Quando esta
circulação é rápida e bem estabelecida, não importa que se pague muito ou pouco, pois
o povo será sempre rico e as finanças andarão sempre bem”(ROSSEAU, 1978, p.94).
Ou seja, a questão a relação: preço (imposto cobrado) e retribuição (serviço prestado).
O objetivo deste artigo é, por meio da utilização da pesquisa bibliográfica,
identificar os aspectos da intervenção do governo brasileiro via gestão pública, através
da política fiscal, e suas subsequentes política tributária e de gastos contempladas no
Orçamento Público, visando construir informações em torno da temática carga tributária
6
que, conforme o exposto, se mostra em níveis elevados, a partir de um enfoque teórico e
histórico geral, para depois se fixar no caso brasileiro.
I -TEORIA TRIBUTÁRIA E POLÍTICA FISCAL
O fato é que existe atualmente o que se define como teoria da tributação que
propõe alguns princípios:
[...] a finalidade de aproximar de um sistema tributário „ideal‟é
importante que alguns aspectos principais sejam levados em
consideração: a) conceito de equidade, ou seja, a idéia de que a
distribuição ônus tributário deve ser eqüitativa entre os diversos
indivíduos de uma sociedade; b) o conceito de progressividade,
isto é, o princípio de que deve-se tributar mais quem tem uma
renda mais alta; c) o conceito de neutralidade, pelo qual os
impostos devem ser tais que minimizem os possíveis impactos
negativos, segundo o qual o sistema tributário deve ser de fácil
compreensão para o contribuinte e de fácil arrecadação para o
governo. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.37)
A questão é que, de modo geral, pode-se dizer que o dinheiro que é arrecadado
pelo Estado, ou seja, pelo setor público, visto sob um olhar macroeconômico, implica a
transferência de recursos do setor privado para o Governo, ou dito de outra forma,
implicará necessariamente, num primeiro momento, a redução de poder de compra do
setor privado em favor do setor público; assim se poderia identificar o governo:
Recorrendo ao conceito de EDEY-PEA-COCK2 entendemos o
governo como: “um agente coletivo que contrata diretamente o
trabalho das unidades familiares e que adquire uma parcela da
produção das empresas para proporcionar serviços úteis à sociedade
como um todo. Trata-se, pois, de um centro de produção de bens e
serviços coletivos. Suas receitas resultam da retirada compulsória do
poder aquisitivo das unidades familiares e das empresas, feita por
meio do sistema tributário; e suas despesas são caracterizadas pelos
pagamentos efetuados aos agentes envolvidos no fornecimento dos
bens e serviços públicos à sociedade” (ROSSETTI, 1995, pp. 54/55).
José Paschoal Rossetti também identifica institucionalmente a estrutura que
compõe o governo: “engloba os órgãos federais, as administrações estaduais e
municipais e outras repartições públicas que fornecem serviços de uso coletivo [...] a
2
EDEY, Harold C., e PEACOCK, Alan T., Renda Nacional e Contabilidade Social, Zahar, Rio de
Janeiro, 1963, p.51
7
segurança, a administração da justiça e os programas públicos de saúde, saneamento,
educação e lazer” (ROSSETTI, 1995, p.55).
De modo geral, o governo deverá, através dos recursos transferidos do setor
privado para o setor público, cumprir sua função segundo Alfredo FILELLINI: “em
termos de redução analítica, podemos dizer que o nexo da sociedade é a busca eficiente
do bem-estar, através da elevação das oportunidades de concretização das metas de vida
peculiares a cada um de seus membros e dos objetivos comuns” (FILELLINI, 1994. p.
22) , e vai além afirmando que: “tais oportunidades, ainda que o fim não seja econômico
em si, se apóiam na disponibilidade ampliada de recursos econômicos e no acesso da
população a eles” (FILELLINI, 1994. p. 22).
Entretanto, nos termos que estão propostos, tais aspectos pedem outros conceitos
que proporcionem avaliar a eficiência do Estado no cumprimento do propósito acima
exposto. Neste sentido são utilizados dois critérios, trata-se da eficiência alocativa e
eficiência distributiva, conforme abaixo identificadas: “Eficiência alocativa: „é a
capacidade de maximizar a produção de bens econômicos, a partir da disponibilidade
existente de recursos produtivos‟. Eficiência distributiva: „é a capacidade de maximizar
satisfações a partir da ordem da produção realizada‟ (FILELLINI, 1994. p. 22).
Segundo Fernando Rezende, os textos tradicionais de finanças públicas
propõem a seguinte classificação segundo a distinção entre tributos em torno de quem
suporta o ônus dos mesmos: “em princípio suportado pelo próprio contribuinte e aquele
que admite a transferência total ou parcial do pagamento para terceiros e feita separando
os tributos em: Diretos e Indiretos” (REZENDE, 1983 , p.160)
Outros dois autores que contribuem na definição desta classificação são
Giambiagi e Além:
Os impostos diretos incidem sobre o indivíduo e, por isso, estão
associados à capacidade de pagamento de cada contribuinte. Os
impostos indiretos, por sua vez, incidem sobre a atividade ou objeto,
sobre consumo , vendas ou posse de propriedades, independentemente
das características do indivíduo que executa a transação ou que é
proprietário. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44)
A carga tributária, que pode ser entendida como o percentual total que o governo
transfere da sociedade para os seus cofres, trata-se da somatória da tributação de modo
direto e indireto. No que se refere aos diretos, “seriam aqueles tributos cujos
contribuintes são os mesmos indivíduos que arcam com o ônus da respectiva
contribuição” (REZENDE, 1983, p.160) são aqueles que incorrem sobre a renda do
8
trabalho, tais como salários e honorários em torno dos quais recai o IRPF (Imposto de
Renda da Pessoa Física), e INSS, associado à previdência e saúde, assim como as
contribuições sindicais; trata-se de recolhimentos diretos sobre a renda, mas também
sobre a renda do capital acumulado
Assim, quanto à base de tributação, neste primeiro caso tem-se que o imposto
sobre a renda: “incide sobre todas as remunerações geradas no sistema econômico, ou
seja. salários, lucros, juros, dividendos e aluguéis – é uma forma de tributação direta e
classifica-se em imposto de renda da pessoa física (IRPF) e imposto de renda da pessoa
jurídica (IRPJ)” (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44). No caso do IRPF: “é cobrado em
base pessoal, com isenções e alíquotas progressivas, determinadas pelas características
individuais do contribuinte” (IDEM). Já no caso do IRPJ3: “incide sobre o lucro das
empresas, que pode ser calculado por três métodos: a) o do lucro real; b) o do lucro
presumido; e c) o do lucro arbitrado” (IDEM, p. 45)
Entretanto, não é só isto, além do cidadão já ter parte de sua renda destinada a
este fim terá outra parte deduzida no momento que for consumi-la novamente, pagando
sobre o consumo através dos denominados impostos indiretos, que “seriam os tributos
para os quais os contribuintes poderiam transferir total ou parcialmente o ônus da
contribuição para terceiros” (REZENDE, 1983, p.160),ou seja, quando o consumidor
paga por um produto ou serviço no seu preço estarão incluídas parcelas referentes a
vários recolhimentos, são os denominados impostos indiretos, identificados por siglas
tais como: PIS, COFINS, Contribuição Social, IPI, ICMS e ISSQN.
Nestes casos, o que se tem quanto à base de aplicação são as vendas, de modo
que quem acaba pagando é o consumidor, ou seja, o vendedor simplesmente recolhe o
imposto do consumidor e repassa ao Fisco:
Os impostos sobre as vendas de mercadorias e serviços são tributos
indiretos, também conhecidos como impostos sobre o consumo. Este
tipo de imposto pode ser classificado quanto: a) à amplitude de sua
base de incidência; b) ao estágio do processo de produção e
3
No que tange a classificação direto e indireto, o IRPJ apresenta segundo Giambiagi & Além o seguinte
problema em torno de questão ainda ser aqui tratada: “o principal problema inerente ao IRPJ é que ele
pode contrariar os princípios da equidade e da progressividade, tendo em vista que não se pode ter certeza
de que o ônus da imposto sobre o lucro recaia integralmente sobre o produtor” (GIAMBIAGI & ALÉM,
2001, p.45), em especial no caso do lucro presumido e o arbitrado, onde se utiliza a receita bruta, o que
em tese o tipificaria como indireto, sendo pago pelo consumidor, o que já não acontece no real onde é
efetivamente apurado. Ainda em relação ao tema esclarece Montouro: “Sendo o Imposto de Renda da
Pessoa Juridica (IRPJ) uma parcela deste lucro ele é em última instância pago pelas famílias e é
considerado um imposto direto” (MONTOURO, 1994, p. 43)
9
comercialização sobre o qual incide e c) à forma de apuração da base
para o cálculo do imposto (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.47).
Mas ainda não sendo suficiente, após receber a renda, deixando outra parte dela
no consumo, se o cidadão conseguir poupar o suficiente ou então tomar financiamento
para constituir seu patrimônio, também continuará a pagar tributos sobre ele: para quem
tem imóvel urbano, o IPTU; para o imóvel rural, o ITR; quem tem automóvel paga o
IPVA; além disto, acresçam-se o ITCMD e o ITBI; também pagam-se estas taxas
inerentes às eventuais transferências patrimoniais.
O grupo acima se refere aos
impostos pagos tendo por base o patrimônio:
O imposto sobre o patrimônio pode ser cobrado regularmente em
função do simples ato de posse dos ativos durante um determinado
período, como no caso do imposto predial e territorial urbano (IPTU)
ou do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA).
Alternativamente, a cobrança pode se dar no momento em que os
ativos mudam de propriedade – como se o imposto sobre a
transmissão da propriedade. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.47).
Isto não sendo suficiente, paga-se, conforme o lugar, algumas taxas extras tais
como a de coleta de lixo, taxa para a limpeza pública, taxa para emitir documentos,
para manter aberta qualquer tipo de atividade, o tal alvará,
e somem-se a isto,
eventualmente, contribuições para iluminação pública.
Do exposto se pode verificar que além de classificados entre diretos e indiretos,
os tributos também poderiam ser classificados segundo à base do que é tributado. Neste
sentido: “as bases de incidência dos impostos são a renda, o patrimônio e o consumo”
(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44), que por seu lado devem ser pensadas dentro do
quadro de variáveis macroeconômicas, passíveis de instrumentalização a partir da teoria
keynesiana que define as suas relações:
Keynes propôs em sua obra um novo entendimento dos mecanismos
da determinação dos níveis de produção e emprego, assinalado a
importância da atividade governamental na compreensão dos
eventuais declínios do consumo e investimento privados, que
acompanham a explicam os períodos de recessão. [...] É indiscutível a
importância da contribuição de Keynes em relação ao papel dos gastos
público, como suplemento ao dispêndio privado (PEREIRA, 2003,
p.92).
Ou seja, quando Keynes propõe a intervenção do Estado, via governo, na
economia, ele num primeiro momento estava pensando em Política Fiscal, que de modo
simplificado pode ser assim definida: “chama-se de política fiscal às decisões do
governo sobre quanto gastar, quanto arrecadar e que tipos de impostos recolher”
10
(CARSOSO, 1987, p.92), ou seja, implica de um lado as receitas produzidas a partir da
política tributária, acima conceitualmente esclarecida, e na contrapartida os gastos:
No que se refere aos aspectos da política fiscal e suas opções para a política
tributária é importante identificar que: “os impostos são chamados progressivos quando
os ricos pagam proporcionalmente mais do que os pobres, contribuindo para tornar a
distribuição de renda mais igualitária. Caso contrário, os impostos são chamados
regressivos” (CARDOSO, 1987, p.98). Conciliando este conceito com os tipos de
impostos conforme a base: “os impostos indiretos são regressivos, enquanto que o
imposto de renda, [...] progressivo” (CARDOSO, 1987, p.99).
Isto é assim explicado: “os impostos de renda são aplicados de acordo com o
princípio da capacidade e são progressivos, taxando os ricos proporcionalmente mais do
que os pobres. Como o imposto de renda recai mais fortemente sobre os ricos, ele
contribui para diminuir a diferença entre ricos e pobres” (CARDOSO, 1987, pp.98/99),
enquanto que: “os impostos indiretos não têm essa característica, já que todos
indivíduos pagam a mesma alíquota, [...]” (CARDOSO, 1987, p.99) .
Em termos da política econômica, a opção por uma tributação progressiva,
possibilitará ao governo cumprir o papel redistributivo da política tributária:
Atuação sobre a política fiscal tributária, utilizando-se de uma
política tributária progressiva, que objetiva absorver parte
relativamente maior da renda dos ricos do que da renda dos pobres,
contribuindo para diminuir via captação da receita tributária a
desigualdade de renda, o que pode ainda ser mais potenciado
conforme a destinação dada ao imposto arrecadado, no sentido de
benefícios sociais aos pobres, nesta etapa atuando de forma
redistributiva. Neste caso, tal atuação será efetivamente favorável ao
consumo e diminuirá a dependência do investimento para a
manutenção do nível de emprego (DILLARD, 1981, p.77).
Há que se pensar a política fiscal, também, dentro de um quadro de
enfrentamento das flutuações da atividade econômica. Neste caso, passa a prevalecer a
questão da condução do orçamento e suas possibilidades de deficitário, superavitário ou
equilibrado, no sentido de aquecer ou esfriar a demanda, o que está ligado à função do
Estado. Visando a evitar o desemprego é que Keynes fundamenta a sua proposta de
gasto público, objetivando para cobrir a insuficiência do investimento privado.
Sintetizando: “a manutenção de elevados níveis de emprego recai sobre os gastos
públicos destinados a cobrir a disparidade existente entre a renda e o [...] consumo [...]
para atingir o pleno emprego” (DILLARD, 1982, p.96).
11
Neste sentido seriam duas as opções, uma política fiscal expansiva ou regressiva.
A primeira seria usada quando se detectasse insuficiência de demanda agregada na
economia, situação esta caracterizada pela formação de estoques indesejáveis que
levariam à redução da capacidade ocupada do capital e redução do emprego do trabalho,
gerando desemprego. No sentido oposto se teria excesso de demanda, com estoques
abaixo dos planejados e ocupação próximos ao limite da capacidade produtiva do
capital e intensa procura por trabalho, normalmente iniciando a tendência inflacionária.
Visando a aquecer a demanda agregada, a política fiscal visará ao aumento dos
gastos públicos em despesas ou investimentos, a diminuição da carga tributária,
estímulo à exportação visando à ampliação do mercado via front externo e aumento de
tarifas e colocação de barreiras às importações, defendendo o produtor nacional. No
sentido inverso, objetiva-se a redução dos gastos públicos, aumenta-se a carga tributária
retirando renda do setor privado e aumento das importações acrescido de redução das
tarifas e barreiras para intensificar a concorrência no mercado interno.
No plano da política econômica, em especial a política fiscal e a política
tributária, o conjunto de conceitos acima apresentado no tópico visou propiciar
instrumentos capazes de permitir uma análise do tema proposto.
II-VISÃO HISTÓRICO-TEÓRICA DA GESTÃO PÚBLICA
Uma discussão que está presente no plano político desde o nascimento da
democracia moderna, surgida em contraposição ao absolutismo monárquico, assim
como no plano econômico, ligada à revolução comercial e depois industrial que deu
origem ao modo de produção capitalista é identificada pela intervenção do Estado, que
tem por fundamentação a ideologia liberal que defende a idéia de Estado Mínimo, que é
aquele que “pretende ser enxuto, cuidar tão somente de segurança, sistema jurídico e
moeda nacional. [...] a ideia liberal de economia de mercado, da propriedade privada, do
mérito da competência individual e do risco. [...] o mercado é sempre mais eficiente do
que o Estado” (FRANCO, 2005, p.12), são estes os preceitos seguidos pelos regimes
democráticos até a Crise de 1929, denominado de democracias liberais.
A visão de não intervenção na economia passará a ser questionada, e acabará
contestada e teorizada por John Maynard Keynes, e por fim instrumentalizada , no
sentido de oferecer ao gestor público instrumentos econômicos para tanto, ou seja: “a
12
crise econômica deflagrada em 1929 colocou os responsáveis pela política econômica
desses países diante da contingência de intervir decididamente em suas economias com
a finalidade premente de reativar os negócios em geral, e o ritmo de produção e o nível
de emprego, em particular” (FIGUEIREDO, 1999, p.12)
O professor e economista André Franco Montouro Filho destaca a importância
de Keynes para a evolução da macroeconomia4 e consequentemente a capacitação do
gestor público na intervenção na economia:
A Teoria Geral de Keynes, verdadeira Carta Magna teórica da
macroeconomia, inaugurou efetivamente a utilização e construção de
modelos em macroeconomia, ou seja, supor algumas relações de
comportamento, derivar resultados destas relações e verificar como os
resultados variam se houver mudança de parâmetros. A técnica em si
não era a novidade. A sua utilização no campo sim, como indica o fato
de Keynes ter sido forçado a idealizar um modelo macroeconômico
„clássico‟ em oposição a seu próprio modelo. Podemos considerar que
antes de Keynes a teoria monetária era a única teoria econômica
agregativa que existia, assim como a política monetária era o único
instrumento de estabilização aceito. (MONTOURO, 1994, p.11)
A proposta de Keynes é inovadora justamente por instrumentalizar a utilização
do Orçamento Fiscal, para o que se desenvolveu as hoje denominadas políticas fiscais, a
partir da identificação de que a economia era conduzida pelo denominado Princípio da
Demanda Efetiva5, assim: “é indispensável a importância de Keynes em relação ao
papel dos gastos públicos como suplemento ao dispêndio privado [...] quando ocorresse
insuficiência de demanda o governo deveria assumir o papel ativo de complementar o
gasto privado ou reduzindo impostos” (PEREIRA, 2003, pp.92/93),ou seja, uma clara
instrumentalização do Orçamento visando interferir da demanda agregada da economia.
Será uma mudança de foco nos países capitalistas democráticos que atuavam
segunda as linhas liberais, será o momento onde acabará por se desenvolver a reforma
da teoria econômica promovida pelo economista John Maynard Keynes, que defenderá
a intervenção do Estado na economia como meio de combater a crise, levando a
economia ao equilíbrio. Neste sentido: “é perfeitamente coerente para aqueles que
preconizam os gastos com empréstimos ou financiamentos de déficits, em períodos de
4
“O termo macroeconomia foi introduzido pro Ragmar Frish em 1933. Ele se aplica ao estudo das
relações entre grandes agregados econômicos e se diferencia do estudo do processo de tomada de decisão
de indivíduos e empresa, que é o objetivo da microeconomia” (MONTOURO, 1994, p, 09)
5
“O ponto de partida lógico da teoria do emprego, de Keynes, é princípio da procura efetiva. [...] O pleno
emprego depende da procura agregada e o desemprego é o resultado duma carência de procura agregada
(DILLARD, 1982, p.28)”.
13
depressão,
preconizar
orçamentos
equilibrados
nos
períodos
de
prosperidade”(DILLARD, 1982 , p.104).
Não se trata de uma opção pelo intervir ou não intervir, mas pela conveniência e
a forma, seja pelo lado da receita, seja pelo lado do gasto; dois aspectos interativos no
orçamento público: “a finalidade do financiamento de déficits é criar uma plena
utilização dos recursos econômicos. Acima do ponto de pleno emprego não há mais a
necessidade de manter uma política de déficits. O programa de Keynes aspira ao pleno
emprego, sem inflação ou deflação. (DILLARD, 1982, p.104)”.
No que tange o aspecto de sua sistematização teórica, a teoria keynesiana surgirá
em meio à crise dos anos 30, em 1936, através da obra Teoria Geral do Emprego,
Investimento e Juros; com isto: “abriu caminho à decisiva intervenção do Governo no
processo econômico. Isto porque caberia aos gastos públicos, movidos por razões de
interesse social, assegurar que a demanda agregada [...] pudesse ser mantida em níveis
adequados de estimula a atividade econômica” (FILELLINI, 1994, p.14)
Keynes vai além da produção teórica e acaba por produzir instrumentos que
contribuíram de modo definitivo na condução da intervenção do Estado via gestão
pública: “Credita-se a Keynes, portanto, o esforço pelo desenvolvimento de um
instrumental nos campos metodológico, teórico e normativo do sistema econômico em
sua totalidade. Sua teoria geral, além da mudança da ênfase da microeconomia para a
macroeconomia, introduziu grande número de inovações” (PEREIRA, 2003, p.92).
Ou seja: “suas vigorosas idéias semearam nas férteis necessidades de melhor
compreensão do fenômeno econômico global, vital para inspiração das exigidas
respostas antidepressivas [...] conduzidas pelos gastos bélicos dos países envolvidos na
crise” (FILELLINI, 1994, p.14) e que acabariam por envolver no confronto da Segunda
Guerra Mundial em 1939.
Durante a citada vai ocorrer a intensificação da intervenção do estado; neste
sentido: “entre 1939 e 1945, o esforço bélico tornou ainda mais premente a participação
dos órgãos públicos na atividade econômica dos países conflagrados” (FIGUEIREDO,
1999, p.12) se havia um corpo teórico agora se fazia necessário: “ressaltar a busca de
instrumentos mais refinados, tanto para a análise econômica quanto para a programação
.[...] Impulsiona o progresso dos métodos de quantificação macroeconômica, entre os
quais se insere a Contabilidade Nacional” (FIGUEIREDO, 1999, p.13).
É importante ter em mente que não basta a base teórica e suas variáveis, se faz
necessário a sua instrumentação quantitativa: “nesse sentido, é bom lembrar que a
14
elaboração das contas nacionais não depende apenas da adoção de bases teóricas, que
são bastante simples. Depende, sim, da disposição das séries estatísticas exigidas pelos
métodos. Isto é mais difícil e trabalhoso” (FILELLINI, 1994, p. 16).
A relação entre Teoria Macroeconômica e Contabilidade Social é íntima.
Enquanto a primeira identifica as variáveis e suas relações no plano teórico, a outra
permite quantificar e operacionalizar a gestão pública. Neste sentido: “o
desenvolvimento da contabilidade social foi decisivo para o próprio desenvolvimento
do conhecimento macroeconômico. [...] É preciso ressaltar que temos aqui uma avenida
de duas mãos. Os avanços da teoria macroeconômica, especialmente na vertente
keynesiana [...], foram ajudados pelos progressos na contabilidade social”
(MONTOURO, 1994, p.15).
O período da Segunda Guerra em parte contribuirá para a integração entre a
teoria macroeconômica com a contabilidade nacional: “as economias de mercado
transformaram-se necessariamente em economias centralizadas planificadas nos
períodos de guerra. Circunstancialmente, coube a Keynes esboçar o planejamento de
esforço de produção bélica da Inglaterra no período 1939-1945” (FILELLINI, 1994,
p.15); neste período acabará por vir a receber a colaboração de outro economista que
teve papel primordial no desenvolvimento da contabilidade social: “coube a Richard
Stone a função de assessorá-lo, tarefa que resultou na elaboração de um sistema de
registros
contábeis
estatísticos
que
objetivava
o
melhor
entendimento
e
acompanhamento dos acontecimentos a administrar” (FILELLINI, 1994, p.15).
Desta interação se originariam as denominadas „Contas Nacionais‟6, que depois
passaram a receber o nome de „Contas Sociais‟. O Sistema de Contas Nacionais7 de
Stone: foi esboçado o início da década de 1940 , embora só em 1947 seria publicado o
relatório Definition and Measuremente of the National and Related Totais, que revela as
bases metodológicas que vinham sendo aplicadas na Inglaterra” (ROSSETTI, 1995,
p.33). A evolução é contínua e em 1949: “este relatório foi adequadamente esclarecido
em Functions and Criteria of a System of Social Accounting [...] em sua última versão
6
“Em 1984, Richard Stone ganharia o Prêmio Nobel de Economia, em reconhecimento à contribuição
dada por seu trabalho ao conjunto do conhecimento econômico” (FILELLINI, 1994, p. 15).
7
“No pós-guerra, o desenvolvimento conceitual da Contabilidade Social foi marcado pelo
aperfeiçoamento e padronização internacional dos Sistemas de Contas desenvolvidos no período
imediatamente anterior. O sistema de Richard Stone exerceu importante papel, ao se transformar no
modelo básico dos padrões que viriam a ser propostos e difundidos por organizações internacionais”
(ROSSETTI, 1995, p. 34).
15
[...] foi resumida em A Stardardised
System of
National Accounts, de 1952”
(ROSSETTI, 1995, p.33).
Para se ter noção da importância do trabalho de Richard Stone 8 para a gestão
pública9, há que se observar que ele serviu de base para uso geral entre os membros da
recém-fundada ONU (Organização das Nações Unidas) no pós-guerra:
Em 1952, as Nações Unidas, com o objetivo de padronizar a
metodologia das Contas Públicas, publicou o United Nations System
of Nacional Accounts. Este trabalho de divulgação baseou-se na
experiência, adquirida nos pós-guerra, que pioneiramente implantaram
os sistemas padronizados sugeridos, procurando atender não apenas às
nações mais avançadas, onde são abundantementes e abrangentes os
levantamentos estatísticos de dados econômicos, como também às
economias pouco desenvolvidas, geralmente carentes de uma rede
nacional de coleta e processamento de estatísticas econômicas. [...] O
sistema pioneiro de Contas Nacionais da ONU [...] forneceu, uma
estrutura coerente para os trabalhos de levantamento e apresentação
dos principais fluxos relacionados à produção, consumo, acumulação,
atividades econômicas do governo e transações econômicas com o
exterior (ROSSETTI, 1995, p.35).
A participação do Estado no desenvolvimento será a expressão dominante nas
décadas seguintes, até que numa inversão passe a ser vista como empecilho:
Tendo sido o grande promotor do desenvolvimento econômico e
social ocorrido no mundo, nas décadas 1930/1960, o Estado, a partir
da década de 70, foi identificado como o responsável pela redução das
taxas de crescimento econômico, e guindado ao papel de vilão,
passando a ser responsabilizado pela queda das taxas de crescimento,
elevação dos níveis de desemprego e inflação. Era a retomada das
idéias neoliberais de Estado mínimo, fundadas na constatação de um
crescimento disfuncional do Estado e impulsionadas pelo fenômeno
da globalização (PEREIRA, 2003, p. 21).
8
“Em 1953 um grupo de especialistas da ONU, presidido por Richard Stone, elabora Um Sistema de
Contas Nacionais e correspondentes quadros estatísticos, trabalho que se constituiu num marco geral
metodológico e que serviu de orientação para a construção de Sistemas de Contas Nacionais em grande
número de países” (FIGUEIREDO, 1999, pp.13/14)
9
“A Contabilidade Social é, basicamente, um metodologia para registrar e quantificar os agregados
macroeconômicos de uma forma coerente e sistemática, [...] „é uma técnica que tem por objetivo
representar e quantificar a economia de um país. O esquema descritivo visa reproduzir os fenômenos
essenciais do circuito econômico: produção, geração de renda, consumo, financiamento, acumulação e
relações com o resto do mundo” (MONTOURO, 1994, p. 15)
16
Com a denominada globalização, fenômeno de natureza histórica, mudanças
políticas acabaram por determinar as novas tendências econômicas, conforme esclarece
Demétrio Magnoli:
Economia e política são aspectos inseparáveis de uma única realidade.
Em 1989, a queda do Muro de Berlim assinalou o encerramento do
ciclo da Guerra Fria, anunciando a reunificação alemã e implosão da
União Soviética. Esses acontecimentos, simultâneos à completa
integração da China nos fluxos internacionais de mercadorias e
investimentos, dissolveram a fronteira invisível que separava as
economias estatizadas da economia mundial capitalista. Eles também
representaram a senha para a introdução de um novo conceito de
discussão geográfica, geopolítica e histórica: a globalização.
(MAGNOLI, 2006, p.07)
Assim o que se pode dizer é que a globalização trouxe no seu bojo um ideário
que irá sedimentar a reforma e a modernização do Estado. Não se trata de defender ou
refutar tal acontecimento, mas simplesmente constatá-lo:
A reforma e modernização do Estado – entendidas aqui com um
complexo processo de transição das estruturas políticas, econômicas e
administrativas – surgem como tema central da agenda política
mundial. Esse processo teve sua origem quando o modelo de Estado
estruturado pelos países desenvolvidos no pós-guerra entrou em crise
no final da década de 70. Esse modelo de Estado – que primava por
estar presente em todas as faces da vida social – contribuiu para
modificar e desgastar significativamente suas relações com a
sociedade civil e com suas instituições. A resposta para esse problema,
em princípio foi a adoção de um modelo liberal conservador. As
políticas propostas na década de 80, em decorrência da necessidade de
reformar o Estado, restabelecer seu equilíbrio fiscal e equilibrar o
balanço de pagamentos dos países em crise, foram orientadas com
única preocupação: reduzir o tamanho do Estado e viabilizar o
predomínio total do mercado. (PEREIRA, 2003, p.210)
No caso da Brasil, no que tange a gestão pública, não foi diferente: seguiu as
tendências mundiais impostas a partir dos anos 30, e em especial no pós-guerra, em
princípio em torno das diretrizes organizacionais propostas pela ONU:
No caso do Brasil a Fundação Getúlio Vargas assumiu inicialmente o
encargo de realizar o levantamento da Renda Nacional do país.
Posteriormente este sistema foi incorporado ao esforço maior do qual
resultou o Sistema de Contas Nacionais do Brasil. Os números
brasileiros cobrem o período posterior a 1947 e as Contas Nacionais
do Brasil são, na verdade, adaptação do esquema básico indicado pela
ONU. (FIGUEIREDO, 1999, p.14)
17
Atualmente10 a responsabilidade da apuração das contas nacionais brasileiras em
torno das quais se faz possível exercer a gestão pública brasileira passará a ficar a cargo
de outra instituição:
Até o ano de 1986, a contabilidade nacional do País esteve sob
responsabilidade do Centro de Contas Nacionais do IBRE – Instituto
Brasileiro de Economia, órgão da Fundação Getúlio Vargas – FGV,
que a partir de simples compilações respectivas ao Balanço de
Pagamentos, a fez evoluir até os níveis propostos pela ONU em suas
recomendações de 1952. Em 1987, a responsabilidade da escrituração
da contabilidade social passou para a Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE (órgão vinculado ao Ministério do
Planejamento – SEPLAN) que procedeu a uma reformulação das
bases metodológicas de estimação dos principais agregados
macroeconômicos. O objetivo era aproximá-las dos parâmetros de
1968 da ONU, para o que vem encontrando sérias barreiras
operacionais (FILELLINI, 1994, p.16) .
No que se refere ao Brasil e à temática da gestão pública existem muitos pontos
cruciais no que tange a sua evolução. Entretanto, cabe destacar alguns momentos que
atuaram de modo marcante na situação presente, um deles é a Constituição de 1988:
Devemos recordar que, antes da Constituição Federal de 1988, o
Brasil não dispunha de normas constitucionais definidoras das grandes
linhas de atuação do governo federal. As definições na área de
planejamento governamental eram decididas de forma exclusiva e
desvinculadas legalmente no âmbito do Poder Executivo. Desse
período até a atualidade, o processo e a política orçamentária sofrerão
enormes alterações. A Constituição Federal de 1988 – mantendo a
tradição de Constituições anteriores, também definiu, de maneira
minuciosa, os instrumentos de planejamento e orçamento. Os
constituintes optaram por um modelo significativamente centralizado,
a partir da visão de que existia excessiva fragmentação orçamentária,
com programações e despesas fora do orçamento, como, por exemplo,
os recursos da Previdência Social. Dessa forma foi definido um
processo integrado de alocação de recursos, que compreende as
atividades de planejamento e orçamento, mediante a definição do
Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
da Lei Orçamentária Anual. (MATIAS, 2003, p.13)
Os resultados da Constituição de 1988 podem ser observados sobre o aspecto do
controle da gestão pública de modo geral. Além de aumentar o grau de transparência
pública, aumentou a visibilidade da política fiscal: “acabando com práticas contábeis
confusas e que impediam um melhor acompanhamento das contas por parte do público-,
tiveram o mérito de eliminar importantes focos de desperdício de recursos públicos,
seja pelo fim de algumas brechas de financiamento do gasto” ”(GIAMBIAGI & ALÉM,
10
“As novas contas, tanto quanto as antigas, são encontradas sequencialmente nas edições do Anuário
Estatístico do Brasil, publicadas pelo próprio IBGE. (FILELLINI, 1994, p.16)
18
2001 , p.142), ou pelo menos criando meios de limitação, no fundo fazendo um
paralelo: “representaram a constituição de um „painel de controle‟ da situação, através
da criação de „botões‟ que, devidamente apertados, poderiam gerar um melhora no
resultado fiscal”(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001 , p.142).
Entretanto, se os esforços no sentido de apuração da gestão pública se faziam
presentes, ao se tratar de uma „Constituição Cidadão‟ trouxeram no seu bojo uma série
de acréscimos de direitos que implicaram uma substancial pressão sobre o Orçamento
Público: “a nova Constituição – moderna na defesa dos direitos civis e inovadora em
outros aspectos institucionais – criou uma série de dificuldades para a gestão da política
econômica”(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.142), no sentido de pressionar o gasto
público, tais como:
A elevação das alíquotas das transferências de receita para estados e
municípios; A sobrecarga imposta ao sistema previdenciário, com o
aumento das suas despesas; o incremento da proporção dos recursos
da União obrigatoriamente destinada a certas rubricas de gasto,
tipicamente sociais (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.142).
É interessante observar que tais alterações em parte ocorrem em conexão com as
tendências neo-liberais cada vez mais predominantes, no que tange a gestão pública.
Mas de modo contraditório, ao expandir direitos do cidadão que implicam uma direção
contrária às „ideias de estado mínimo‟, ou seja, o contexto presente para a futura
aplicação da constituição será a primeira eleição direta para presidente após mais de
duas décadas sem o exercício do voto direto. Assim o governo Collor assume em 1990,
atrelado às seguintes diretrizes gerais: “definição do tamanho do Estado;
desregulamentação, elevação da capacidade financeira e administrativa do Estado de
formular e implementar políticas públicas; realização de esforços visando a legitimidade
política para implementar reformas” (PEREIRA, 2003, p.210).
Um conjunto de grandes alterações vai surgir dentro deste contexto, visando a
enfrentar naquele momento o principal problema da economia brasileira: o processo
inflacionário, que já vitimara vários planos econômicos desde meados dos anos 80. Era
a vez do Plano Real, que tinha por característica a ortodoxia em contraposição à linha
heterodoxa dos planos anteriores, com ampla intervenção no mercado tendo por
principal medida dos congelamentos de preços até o bloqueio de ativos financeiros:
Até 1994, era comum se ouvir que a inflação e o desequilíbrio fiscal
refletiam a inconsistência entre a soma das demandas sociais dos
diferentes setores da sociedade, devidamente expressas no orçamento,
19
de um lado; e a disposição dessa mesma sociedade de arcar com os
custos dessas despesas, através da tributação, de outro. O déficit – e,
muitos argumentavam até então, a inflação – surgiria assim como a
consequência natural de uma equação sócio-econômica que
combinava abundância de direitos com escassez de financiamento
para atender a todos eles (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.155).
O sucesso do combate à inflação, e estabilização da moeda trouxe uma situação
de gestão diferenciada, embora deletéria; havia um ajuste ao administrar em torno da
ciranda financeira ligada à contínua desvalorização da moeda:
Depois de 1994, a inflação cedeu drasticamente e, em 1998
praticamente chegou a desaparecer. [...] Até o Plano Real, a diferença
entre as demandas sociais e a disposição da sociedade para ser taxada
(a) espelhava-se e m déficits elevados - até 1989 – cobertos pela
receita de senhoriagem; ou (b) na primeira metade dos anos 1990, era
„escondida‟ por uma inflação elevada, que permitia „atender‟ às
demandas nominais e, ao mesmo tempo gerar um resultado fiscal
próximo do equilíbrio. Com a estabilização, a continuidade da referida
inconsistência gerou como resultado uma tendência ascendente da
relação dívida pública/PIB, embora atenuadas pelas receitas da
desestatização, que permitiram, durante um curto período de tempo,
sustentar déficits, sem que esta relação crescesse na intensidade [...]
Esse expediente [...] ter duração limitada no tempo e se esgotaria
quando os ativos a serem privatizados já tivessem sido vendidos
(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.156).
Tem-se, assim, um desequilíbrio potencial que historicamente coincide com o
primeiro mandato de FHC, o problema foi a aposta na política de manutenção do valor
da moeda, a denominada âncora cambial, e sua falta de sustentabilidade por conta do
estímulo à importação e o contínuo endividamento externo. A grande vulnerabilidade
do Plano Real ficava por conta da sua dependência de contínuo financiamento externo,
mas o governo insistiu no modelo, mesmo após claros sinais de desconfiança do
mercado externo: “Gustavo Franco assumiu a presidência do Banco Central [...] era o
maior defensor da moeda supervalorizada como âncora para o programa de
estabilização” (PILAGALLO, 2006, p.80). A crise se alastrava atingindo, inclusive, a
Bolsa de Nova York, o que piorava a situação brasileira, mas o governo insistiu no
modelo em crise:
A equipe econômica decidiu então reforçar a aposta no real: aplicou
um choque nos juros, dobrando a taxa, e baixou um pacote fiscal com
mais de 50 medidas para equilibrar as contas públicas. Não se tratava
propriamente de reforma fiscal sempre adiada, mas um arranjo feito às
pressas e que não surtiu o efeito desejado. [...] Acuado o governo não
desistiu de defender a moeda. Apesar de estar às vésperas da eleição
FHC lançou mão de medidas impopulares para estancar a crise, como
20
um novo choque dos juros e cortes nos gastos do governo sobretudo
na área social. (PILAGALLO, 2006, p.82)
A questão eleitoral, sem dúvida, pesou. Portanto, as tais medidas ditas
impopulares teriam menos visibilidade do que a de aceitar a crise da moeda. É o que se
faz concluir, pois imediatamente eleito para o segundo mandato, modificou-se
radicalmente o que era visível: a falta de sustentabilidade do Plano Real na âncora
cambial, sendo substituída pela âncora fiscal, aspecto que em muito contribuiu para a
elevação da carga tributária, além da reversão da diretriz importadora para exportadora
visando a buscar urgentes saldos superavitários de balança comercial. Assim, em 1998:
Fechadas as urnas, teria início o ajuste fiscal. Em novembro, o
governo obteve um acordo com o FMI, que liberou uma ajuda
multilateral de mais de US$ 40 Bilhões, com a contrapartida da
adoção de uma política de austeridade. Os credores exigiam superávit
fiscal para poder pagar a dívida pública, que equivalia a metade do
PIB. Para se enquadrar anunciou no final daquele ano um pacote que
elevou substancialmente a carga fiscal. Outras medidas com o mesmo
objetivo seriam tomadas nos meses seguintes. Depois de cinco anos de
Plano Real, o país começava a pagara a conta da estabilidade
(PILAGALLO, 2006, p.83).
É na busca deste contínuo ajuste que outro aspecto marcante virá a contribuir
para o aprimoramento da gestão pública, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional,
institucionalmente constituída em torno da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, com sua aprovação:
[...] Preencheu um vácuo institucional e deu eficácia a vários
dispositivos da Constituição Federal, especialmente a seus arts. 163 e
169 -, retoma-se, com vigor, o debate sobre a importância do
planejamento no contexto da Administração Pública. Deve-se ressaltar
que o planejamento não é o único elemento no qual a LRF apóia as
suas determinações. Seu alcance é mais amplo, à medida que enfatiza
o controle de recursos para as ações governamentais, o equilíbrio entre
receita e despesa, a transparência da gestão fiscal e responsabilidade
dos dirigentes pelo não-cumprimento de seus preceitos (PEREIRA,
2003, p.14).
No que se refere aos aspectos mais práticos inerentes a gestão pública:
[...] aceita aqui como um instrumento de modernização das Finanças
Públicas no Brasil-, as informações de receita assumiram importância
crucial. Nela diversos procedimentos e mecanismos de controle foram
estabelecidos, com base em previsão e arrecadação de receita, o que
impôs a necessidade de atenção especial no tocante à consistência
dessas informações. Constata-se assim que as mudanças ocorridas no
21
papel do Estado, apoiadas numa abordagem crítica da experiência
sedimentada na área de planejamento e orçamento, permitiram, a
partir de 2000, que o país introduzisse nova formatação na sistemática
de planejamento e orçamento. Para isso, foram estabelecidas normas
para elaboração e execução do Plano Plurianual e dos orçamentos da
União, bem como atualizada a discriminação da despesa por funções
(PEREIRA, 2003, p.14).
Atualmente. do total arrecado, segundo artigo do IBPT (Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário), a divisão dos recursos foi a seguinte, tomando por base o
primeiro semestre de 2009: os tributos federais totalizaram 67,43%, os estaduais
27,08% e os municipais R$ 28,55 bilhões. 5,50%, o citado instituto ainda calculou que
no primeiro semestre de 2009 o recolhido equivaleria a R$ 2.711,22 por pessoa.
CONCLUSÃO
Não por acaso o cidadão sente por vezes que precisa trabalhar cada vez mais,
que os membros da família devem todos buscar renda no mercado. Trata-se da presença
cada vez mais ativa do custo do Estado na sua vida, afinal isto se reflete no seu dia-adia, pois há que buscar meios para suprir os serviços públicos não oferecidos como
contrapartida aos tributos recolhidos, ou seja, adquiri-los no setor privado. Quanto a isto
a história é antiga, em número no ano de 2004, na edição 1864 da Revista Veja de 28 de
julho11, matéria denunciava que além da carga tributária alta, havia incapacidade do
Estado para suprir de modo adequado os serviços para os cidadãos, o que implicava a
necessidade de adquirem novamente tais serviços junto à iniciativa privada.
Neste sentido, focou-se em especial o cidadão de classe média, já que aqueles
com renda mais baixa poderiam até desejar adquirir tais serviços, mas faltava-lhes renda
para atingir tal intento. Do citado período para a atualidade houve uma inflação em
torno 33%, media via INPC, e a carga tributária aumentou em mais de três pontos, ou
seja, não houve alívio da situação. Assim, apresenta-se o exemplo, e entre parênteses os
valores atualizados no percentual de inflação, do que se obtém que uma família com
renda mensal de 5000 reais ( reajusta 33% de inflação deveria hoje ganhar 6650)
pagaria por mês em tributos e contribuições diretos 1269 (ou 1687,77), algo em torno
de 25,38%, além disto mais 795 (ou 1057,35) ou 15,90% do total de sua renda em
impostos embutidos em bens e serviços, como alimentação e telefone, vão mais, por fim
11
VEJA ONLINE, Sobra pouco dinheiro porque o governo fica com quase tudo, Revista Veja 1864,
28/07/2004. http://veja.abril.com.br/280704/p_042.html. Acesso em 15/05/2010
22
gastaria 1220 (ou 1622,60) , portanto 24,40% da renda em gastos com educação, saúde
e segurança, que deveriam ser providos pelo Estado
Neste sentido, chega-se à seguinte conclusão: de que a soma do que a família
paga de impostos mais os gastos para custear os serviços que o Estado lhe sonega fica
em 3284 (ou 4367,32) que em termos percentuais implica em 65,7% da renda familiar,
que convertido em dias do ano daria algo como 240 dias a disposição do governo, no
sentido de recolher impostos de depois novamente pagar aquilo que ele deveria
retribuir, trata-se de 8 meses trabalhando para o governo, de modo que, somente a partir
de setembro até dezembro que se ganha é integralmente do cidadão.
Um dos aspectos em torno desta falta de retribuição do Estado via sonegação de
serviços, é a sonegação por parte do cidadão de parte do que deveria contribuir em
tributos, neste sentido existe uma espécie de rebelião silenciosa, onde de modo caótico o
contribuinte tenta escapar das malhas da arrecadação, burlando a legislação tributária e
sonegando parte do recolhimento de impostos. A este respeito é interessante observar
que, conforme reportagem Folha de São Paulo12 de 17 de setembro de 2006, sem
sonegação e calote a carga fiscal seria de 59,38% do PIB. Para tanto, citando estudo do
IBPT , ou seja , se todos os contribuintes pessoas físicas e empresas pagassem todos os
tributos corretamente, como manda a lei, sem sonegação e calote, a carga tributária no
país convertida em dias do ano atingiria 216 dias.
Esta situação fica mais complexa se unirem-se as duas informações, ou seja, se
somados os serviços que deveriam ser prestados com os que não o são, (24,40%),
atingiríamos a absurda porcentagem de 83,78%, ou seja, 305 dias à disposição do
governo. Em caso de não haver sonegação ou, dito de outra forma, 10 meses, uma
aberração contra a liberdade que acaba por colocar a alta sonegação no país. Mais do
que esperteza, no âmbito da sobrevivência, o que não é correto e longe de se defender a
sonegação, afinal neste caso o sonegador pode ser visto como aquele que não quer: “dar
a sua contribuição para o pé-de-meia comum: sonega impostos e pratica fraudes. O
sonegador se utiliza, tanto quanto o cidadão que paga impostos, dos equipamentos que o
Estado coloca à disposição [...] ao sonegar pratica um ato de injustiça seus concidadãos”
(FRANCO, 2005, p.20), pois não estará pagando a sua parte da conta para a sociedade.
Então, cabe simplesmente dizer para que o cidadão não sonegue. Ora, isto seria
unilateral, seria o mesmo que querer que o governo prestasse serviço sem recolher
12
CÉZARI, M., Sem sonegação e calote, carga fiscal é de 59% do PIB, Folha On Line, 17/09/2006,
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u111057.shtml. Acesso em 15/06/2010.
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tributos; não se pode querer pensar de forma unilateral, o que se tem aqui é uma relação
entre Estado e cidadão, representada por governo e contribuinte. O problema é que o
governo é prestador de serviços e o contribuinte, consumidor; uma relação especial, pois
o consumidor cidadão deve se diferenciar do consumidor individual, ou seja, ele deve
ponderar que existe, sim, sua individualidade, mas esta está presente dentro de uma
coletividade, cuja harmonização é papel do governo. E neste sentido cabe-lhe cumprir o
papel de redistribuir renda, visando a sanar os problemas sociais, assim como obedecer
a justiça e fazer cumprir o papel de poder de polícia.
E então a questão: ser honesto numa relação que não seja guiada pela lealdade
compensa? Ou dito de outra forma: se alguém não cumpre parte de um contrato e o
outro cumpre, este não será prejudicado? O senso de realidade indica que se faz
necessária a honestidade, não só de parte do contribuinte para o governo, mas do
governo para com o contribuinte também. Um traidor pedir lealdade é algo que seria
cômico se não fosse trágico, e nesta relação há que se lembrar que o governo tem o
poder punitivo, enquanto o cidadão apenas poder eleitoral; são bem distintos, se faz
necessário um pacto, mas um pacto exige lealdade entre as partes, coisa que parece
distante das atuais circunstâncias.
Um governo esperto e cidadão honesto não funcionam; um governo honesto e
um cidadão esperto também não. É preciso eliminar ou ao menos reduzir a esperteza em
prol da honestidade. E que se constata é que, de um lado, existe um alto preço e do
outro, retribuição inadequada: “os tributos devem oferecer serviços de qualidade, em
vez de carcaças de hospitais, apenas iniciados, médicos e enfermeiros insatisfeitos e
com baixos salários, [...] prédios escolares sem manutenção e professores mal
remunerados, ônibus lotados e sujos, polícia desmotivada; Justiça lenta” (FRANCO,
2005, p.45).
Há que se acordar de um desvio que produz prédios que acabam como
monumentos à falta de atendimento adequado: “o administrador público confunde
prédio com serviço, isto é, constrói escolas, hospitais e delegacias, mas não remunera
nem capacita adequadamente aqueles que devem prestar bons serviços à população”
(FRANCO, 2005, p.46). A avaliação que se faz ao observar esta evolução e a
contrapartida oferecida é que: “o Estado brasileiro custa caríssimo à maioria dos seus
cidadãos, porque nossos administradores públicos não planejam, desperdiçam nosso
dinheiro em favorecimentos ilícitos e projetos sociais dos quais não têm controle e nem
fiscalização” (FRANCO, 2005, p. 17).
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Não por acaso pode-se dizer que: “o contrato social brasileiro, é leonino. E o
leão é o Estado, como bem reconhecia a propaganda da Receita Federal” (FRANCO,
2005, p. 17), aliás é um símbolo a ser psicanalisado, afinal o leão é um predador, e vive
de abater suas presas; não parece ser um símbolo democrático, antes é intimidador pela
força, do que algo que convide a uma cidadania esclarecida, resquício. Pode-se
argumentar que a carga tributária efetivamente cresceu por conta do custo social da
Constituição cidadão de 1988. Pode-se alegar que foi o custo da estabilização do Plano
Real de 1994, pode-se criticar o perfil da política tributária centrada em impostos
indiretos, que a tornaria regressiva. Seria inadequado não reconhecer que houve
evolução na gestão pública, assim como não reconhecer os aspectos positivos das
políticas sociais que ajudaram a tirar parte da população da miséria.
Evidentemente, não se trata de abolir aqui preceitos contra o Estado em si, e o
desejo de estado mínimo; a intervenção pública é mais do que devida, mas o foco é
buscar corrigir o que precisa de correção. O Estado precisa deixar de ficar voltado para
si, e se colocar à disposição dos seus verdadeiros proprietários: os cidadãos, que são
todos e não grupos políticos de direito, centro ou esquerda; os partidos não são donos do
Estado, mas deveriam ser representantes dos anseios da cidadania.
O natural, então, é ficar buscando uma causa entre os eruditos, ou um culpado
entre os cidadãos comuns. Qual é a causa? De quem é a culpa, e nada melhor do que
uma fiscal de rendas de Estado para responder, mediadora entre o contribuinte e o fisco,
caso de Silvia Cintra Franco, da Secretaria de Receita de São Paulo: “Sem dúvida a
culpa é do governo, por que administra mal, não planeja e não fiscaliza. Mas também
nossa também. Nossa?! Talvez não aceite a sua parcela de culpa e pense que para
governar, o Estado só precisa de dinheiro” (FRANCO, 2005, p.08) e prossegue:“além
do dinheiro, o Estado precisa de quem fiscalize. Nós, cidadãos, não podemos nos
conformar com serviços públicos deficientes e uma administração pública ineficaz”
(IDEM).
É comum a carga tributária ser vista como questão econômica, assim como o
orçamento, mas trata-se de uma visão incompleta. Antes de ser econômica, são questões
políticas. Numa linguagem que contribua para o entendimento, a carga tributária deveria
ser vista como o custo da existência do Estado. Ora: “nenhuma instituição se sustenta
sem dinheiro, daí a importância do Fisco, o órgão encarregado de recolher impostos”
(FRANCO, 2005, pp. 10/11), cuja justificativa é: “a manutenção do Estado e dos
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serviços oferecidos aos cidadãos depende, pois, do dinheiro público obtido por meio de
impostos” (FRANCO, 2005, p. 11).
No caso de um regime político democrático, isto é uma espécie de contrato entre
o cidadão e o Estado; a conta é pública, assim como também os benefícios devem ser,
assim como “somos todos obrigados a contribuir, é bom que saibamos o que são
tributos e os benefícios que nos trazem ou deveriam nos trazer” (FRANCO, 2005, p.
11), e aí entra o conceito político de orçamento, nele está definida a forma pela qual a
receita obtida será gasta. E quem o faz são os políticos, que atuam como gestores
públicos e são representantes da sociedade pelos eleitos pelo voto, ou seja, o cidadão
não apenas divide a conta, mas também lhe cabe eleger aqueles que vão administrar. No
primeiro caso cumpre a sua função de contribuinte, no segundo, de eleitor, e ambas
fazem parte do contrato entre o cidadão e o Estado, o cidadão é de fato o patrão.
Sim, o cidadão é a unidade que irá unir-se abrindo mão de sua individualidade
para surgir o Estado para lhe atender naquilo que, do modo solitário, não conseguiria
fazer. Assim é patrão, no sentido de ser dono de parte que o leva a ser cidadão, e como
tal tem o dever de contribuir e eleger os que irão representá-lo na gestão. Ocorre que
este aspecto formal não é suficiente para garantir a contrapartida daqueles que, eleitos,
deveriam produzir, via gestão, a satisfação das necessidades do cidadão, ou seja: “ é
necessário pagar os tributos com um olho atento em sua aplicação, reclamando e
pressionando para que as políticas públicas sejam coerentes” (FRANCO, 2005, p. 20).
O voto é o instrumento institucional para o regime democrático, infelizmente o
mesmo sem a cobrança e fiscalização da sociedade tem o seu papel esvaziado. É
necessário o engajamento político democrático, que implica a participação, e que neste
sentido deve, como primeiro ponto, pressionar para a livre circulação de informações na
sociedade. O passo seguinte está na mobilização da opinião pública, ou seja, em caso de
atos reprováveis, pressionar pela via institucional pela punição dos responsáveis pela
conduta indevida.
É claro que para que ocorra uma atuação neste sentido seria necessária uma
educação cidadã, algo em que os gestores públicos não parecem interessados, pois
significaria dar vida crítica aos cidadãos; e quando se diz educação não se está propondo
processo de indução ideológica, mas senso crítico e capacidade de decisão para se fazer
adequadamente representado, e não formar grupo de força para tomar poder em moldes
autoritários. É preciso repensar a relação entre o político profissional e o eleitor amador,
afinal, enquanto o primeiro entra na campanha armado no mínimo das múltiplas
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técnicas da Administração de Marketing adaptadas ao Marketing Político, o eleitor tem
à sua disposição unicamente a informação, à qual o candidato terá acesso e poderá fazer
com que faça parte do seu discurso, sem que tenha compromisso futuro do
cumprimento. Sim, o cidadão no papel de eleitor é responsável, mas não é ele que
pratica dissimulação profissional, e sem dúvida para isto não esperemos que a ética sem
a solução, a justiça e a lei são o caminho para aqueles que se fizerem estelionatários
frente à sociedade, proposta de governo tem que sair do espaço do mero discurso.
Num sentido conclusivo, é importante o cidadão: “ter consciência de que o dever
de pagar impostos se completa com o direito de exigir a sua adequada aplicação” e para
tanto é preciso exercer de forma integral a sua cidadania e isto: “pede entre outras
coisas, que o indivíduo compreenda quais são as relações de poder existentes no interior
da sociedade e conheça os mecanismos que levam a uma participação enérgica e
consistente”, ou seja, a integralidade da cidadania implica a interação do aspecto
econômico ao político e estes ao social e à justiça, na forma mais ampla do direito,
como expressão viva da vontade da sociedade, e não como calhamaço consagrado aos
muitos oportunismos onde a sensação é que a lei não é justa, e escrita em linguagem
cifrada, onde o rito burocrático processual prevalece sobre a justiça.
Uma sugestão, que foi proposta pelo autor José Matias Pereira para o seu livro
sobre finanças públicas, merece atenção. Transposto para um sentido mais amplo, de
uma educação à cidadania, algo que antecede uma consciente depressão democrática:
A preocupação central é submeter ao debate e permitir que sejam
feitas reflexões sobre a importância do papel do Estado e suas relações
com a sociedade com o mercado e a política orçamentária, para
atingimento do bem comum. E, dessa, forma, estimular a discussão
para a adoção de medidas e de criação de instrumentos que permitam
o fortalecimento da sociedade e suas relações com o Estado,
estreitando vínculos com a política orçamentária e o processo
orçamentário, aumentando e diversificando os espaços de negociação
e de intermediação de interesses e reforçando as táticas internas de
alianças. (PEREIRA, 2003, p.19)
Ou seja, é importante se perceber que a relação entre governo e sociedade se dá
via orçamento, em si econômico, mas que as decisões de quais e quantos serão os
recursos a serem retirados na forma de tributos e devolvidos em serviços através do
gasto trata-se de decisão política. Portanto, segundo as diretrizes em torno das quais se
subsidiar o gestor público: “no encaminhamento das políticas públicas a serem
implementadas pelo Estado, [...]de que é necessária uma postura menos hegemônica do
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Estado – entendido aqui como as instituições governamentais” (PEREIRA, 2003, p
.21), como contrapartida de: “uma participação mais ativa da sociedade na condução da
política orçamentária do Estado, e por decorrência, no processo orçamentário”
(PEREIRA, 2003, p .21).
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