UNIFAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO ESTUDO POLÍTICO-ECONÔMICO DA CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA PROF. MS. GILBERTO BRANDÃO MARCON Estudo desenvolvido para o livro Pesquisas e Temáticas do UNIFAE com o título Políticas Públicas por Gilberto Brandão Marcon, Professor e Pesquisador da UNIFAE, ExPresidente do IPEFAE (2007/2009), Economista graduado pela UNICAMP (1982/1985), pós-graduado „lato sensu‟ em Economia de Empresas pela FAE (1986/1988), com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação pela UNIMARCO (2006/2008), Comentarista Econômico TV União, Escritor, e com aperfeiçoamento como aluno especial no Mestrado de Filosofia da UNICAMP na área de Filosofia da Psicanálise (2002/2003). SÃO JOÃO DA BOA VISTA-SP 2010 RESUMO O texto aqui apresentado visa a identificar historicamente a intervenção do Estado como gestor das políticas públicas e também como parte integrante e complementar da economia ao setor privado, onde as políticas tributária e fiscal são vistas além do seu aspecto de gestão financeira, mas também como instrumento capaz de dinamizar a demanda, a produção e consequentemente o emprego na economia de um Estado de regime democrático, onde a peça orçamentária é vista não apenas sob o olhar econômico, mas como interação resultante das forças políticas representantes da vontade dos cidadãos. Palavras-Chave: Gestão Pública, Intervenção do Estado, Orçamento, Política Fiscal, Política Tributária. 1 ABSTRACT The text presented here aims to identify historically the intervention of the State as manager of public policy and also as part of the economy and complement the private sector, where tax and fiscal policies are seen in addition to its financial management aspect, but also as an instrument able to stimulate the demand, production and hence employment in the economy of a democratic state, where part of the budget is seen not only from the view of economy, but as resulting interaction of political forces representing the will of citizens. Keywords: Budget, Fiscal Policy, Public Management, State Intervention, Tax Policy. 2 INTRODUÇÃO A questão da carga tributária foi sempre um assunto político. Tanto é assim que a história nos mostra que momentos críticos de contendas sociais surgiram em torno da arrecadação de tributos. Apenas para citar alguns, primeiramente no Brasil: a Inconfidência Mineira, em 1789, dos colonos contra a coroa portuguesa e a Guerra dos Farrapos (1835-1845), dos gaúchos contra o império brasileiro. No plano internacional a Revolução Americana dos colonos norte-americanos contra o colonizador inglês e posteriormente a Revolução Francesa, da burguesia e das classes mais baixas contra a monarquia da França. E apenas para citar mais recentemente, a Inglaterra no início dos anos noventa, quando a consagrada primeira ministra, Margareth Thatcher, já eleita por três vezes, perdeu a reeleição por conta de propor criação de um novo imposto. O conceito utilizado para se mensurar o total de tributos recolhidos é a carga tributária, que implicará a somatória de todos os recursos transferidos da sociedade para o governo. Trata-se de uma variável quantitativa, que pode se transformar em qualitativa quando for transformada em percentual de carga tributária que, neste caso, será o total dos recursos transferidos para o governo, dividido pelo total de riquezas produzidas no país no mesmo período, identificado pelo PIB, produto interno bruto. O resultante de tal divisão será o percentual da carga tributária. TABELA DE EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA ANO 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 CARGA EM DIAS 82 74 73 81 109 90 93 92 104 106 100 100 CARGA EM PORCENTAGEM 22,66% 20,27% 20% 22,19% 29,86% 24,66% 25,48% 25,21% 28,49% 29,04% 27,40% 27,40% ANO 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 CARGA EM DIAS 107 115 121 130 133 135 138 140 145 146 148 147 CARGA EM PORCENTAGEM 29,32% 31,51% 33,15% 35,62% 36,44% 36,99% 37,81% 38,36% 39,73% 40,00% 40,55% 40,28% Fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário1 1 SITE IBPT, Dias trabalhados em 2009 para pagar http://www.ibpt.com.br/img/_publicacao/13709/179.pdf. Acesso: 14/05/2010 tributos, 20/05/2009, 3 O que ocorre é que a tal carga tributária vem apresentando, ao longo das últimas décadas, um aumento contínuo. Cada vez mais a sociedade transfere recursos para o setor público. Para se ter ideia, a partir de informações fornecidas pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), ao longo do governo José Sarney a carga flutuou de 20% até 22,66%, o que se transposto para os dias do ano, tomando o ano de 365 dias, significaria que se trabalhou de 73 a 82 dias no período para arcar com a transferência de recursos ao governo, ou seja, algo entre 2,5 meses a aproximadamente pouco menos de 3 meses. Ou dito de outra forma, concentrando o pagamento, até o mês março se trabalharia meramente para arcar com carga tributária. A partir do Governo Collor-Itamar, temos um aumento da carga que flutua entre o mínimo de 24,66% até o máximo de 29,86% , ou seja, mínimo de 90 dias e máximo de 109, ou seja, agora o mínimo é de 3 meses, e já se avançam meados de abril os dias trabalhados para sustentar o Estado. No primeiro governo FHC, a carga praticamente se estabiliza no pico do período anterior; o mínimo é 27,40% e máximo de 29,04%, ou seja, entre 100 a 107 dias, porém em seu segundo mandato, vai estabelecer um crescimento progressivo iniciando com 31,51% em 1999 e terminando em 36,44% em 2002, quantificados em dias de 115 dias para 133, ou seja, do final de abril para abocanhar recursos inerentes até meados de maio. Iniciado o governo Lula, a expansão desacelerou-se, mas continuou a acontecer. Assim, a partir em 2003 de 135 dias, com 36,99%, terminou seu primeiro mandado com 39,73%, portanto 145 dias, ou seja, de meados de maio para a última semana de maio. Já em seu segundo mandato, a partir de 2007, inicia-se com um pequeno crescimento e parece se estabilizar em torno 40 a 40,5%, o que implica dizer que são aproximadamente cinco meses de carga tributária. De modo geral, o que vemos foi que se consideramos os anos 70 que segundo o IBPT teve uma média de 76 dias correspondendo à carga, e que ainda apresentou valores aproximados nos anos 80, foi um profundo acréscimo, já que hoje nos aproximamos dos 150 dias; por muito pouco, não podemos dizer que a carga tributária dobrou, ou dito de outra forma que antes pagávamos em torno de 2,5 meses de carga, mas passamos a recolher praticamente 5,0 meses. Isto também poderia ser visto em relação a semana, em seis dias trabalhados, 2,5 dias seriam destinados ao governo, ou seja de segunda até aproximadamente a 4 metade da quarta feira se estaria trabalhando para recolher os seus impostos. A conta também poder ser feita em dias no caso supondo trabalhar-se 7h e vinte minutos por dia, praticamente três horas por dia para sustentar a carga tributária paga ao governo. Seguindo tal raciocínio, o citado instituto em outro estudo procurou observar a evolução da tributação, tendo por variáveis de um lado a perspectiva de vida do brasileiro em dado momento, de do outro a carga tributária deste mesmo momento. E o que se obteve foi o seguinte, a partir de uma avaliação dos referidos dados nos últimos 108 anos de história do Brasil. De modo geral, enquanto a expectativa de vida do cidadão brasileiro cresceu 116 %, a carga tributária aumentou no mesmo período 256%. A avaliação é que o brasileiro vive cada vez mais, porém paga cada vez mais impostos. Observando estes dados com maior proximidade teríamos o seguinte: em 1900, a expectativa de vida era de 33,4 anos, enquanto que a expectativa de pagamento de tributos era de 3,92 anos, de modo que aproximadamente 11,8% da sua vida seriam destinados ao pagamento de impostos. Na sequência, dando um salto de 50 anos; chegamos em 1950, na metade do século XX, e o brasileiro já vive em média 42,6 anos, e, destes, 6,82 serão destinado a pagar tributos, ou seja, 16% da sua vida estavam comprometidos com o pagamento de impostos. Mais um salto de 50 anos e chegamos à virada do século, no mítico ano 2000, e percebemos um grande salto na expectativa de vida do brasileiro, que passou a ser de 70,5 anos. Mas o salto da carga tributária foi ainda maior; assim, 23,31 passaram a ser destinados a transferir compulsoriamente tributos para o fisco, 33,06%, ou praticamente um terço da vida pagando impostos. Por fim, oito anos depois, nova evolução da expectativa de vida atingindo o patamar dos 72,30 anos, mas o crescimento da carga tributária novamente supera e assim agora já são 29,29 anos pagando impostos. TABELA: DIAS TRABALHOS PAGOS EM IMPOSTOS Dias País Trabalhados Suécia 185 França 149 Espanha 137 EUA 102 Argentina 97 Chile 92 México 91 Uma maneira de entendermos se isto é pouco ou muito é comparar a nossa carga tributária com de outros países, uma comparação interessante é com as economias da 5 Argentina e do México, que juntamente com a do Brasil compõem as maiores economias latino-americanas onde, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil ocupa o oitavo posto, enquanto o México a décima quarta posição e a Argentina a trigésima primeira, portanto a maior economia latinoamericana, respectivamente a segunda e quarta economia latino-americana, logo atrás da liderança brasileira. Segundo dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Política Tributária), atualmente no México os cidadãos deste país trabalham 91 dias e na Argentina 97 dias para dar conta da sua carga tributária, algo bem menor que os 147 dias por aqui trabalhados, ou seja, um mexicano trabalha 58 dias a menos que um brasileiro, e um argentino 50 dias a menos por ano para pagar seus impostos, o que significa que têm à sua disposição mais recursos para sua sustentação. Não é pouco, são aproximadamente 2 meses a menos. Lembrando, são economias com pontos em comum com a nacional. A comparação também pode ser feita com a maior economia do mundo, a norteamericana. Por lá se trabalha em torno de 102 dias, ou seja, aproximadamente 3,5 meses, ainda assim 45 dias a menos que no Brasil. Portanto, por aqui quase 1,5 mês a mais. É interessante observar que ao se buscarem países com cargas similares encontram-se países europeus tais como a França e a Espanha, cujos estados promovem benefícios sociais e serviços bem mais adequados aos seus cidadãos, respectivamente 149 e 137 dias, respectivamente quinta e nona maiores economias do mundo. Mais do que no Brasil é o caso da Suécia, vigésima segunda economia do mundo. Recolhe 185 dias, pouco mais de um mês a mais que o Brasil. Entretanto, o Estado oferece serviços de alta qualidade à sua população, ou seja, paga-se, mas existe retribuição, enquanto no Brasil, isto ocorre de maneira insatisfatória. A questão, porém, não é meramente de quantidade; já dizia o filósofo Jean Jacques Rousseau a respeito do melhor governo: “Não é pela quantidade dos tributos que se deve medir o ônus, mas sim pelo caminho que tem de fazer para voltar às mãos dos que saíram. Quando esta circulação é rápida e bem estabelecida, não importa que se pague muito ou pouco, pois o povo será sempre rico e as finanças andarão sempre bem”(ROSSEAU, 1978, p.94). Ou seja, a questão a relação: preço (imposto cobrado) e retribuição (serviço prestado). O objetivo deste artigo é, por meio da utilização da pesquisa bibliográfica, identificar os aspectos da intervenção do governo brasileiro via gestão pública, através da política fiscal, e suas subsequentes política tributária e de gastos contempladas no Orçamento Público, visando construir informações em torno da temática carga tributária 6 que, conforme o exposto, se mostra em níveis elevados, a partir de um enfoque teórico e histórico geral, para depois se fixar no caso brasileiro. I -TEORIA TRIBUTÁRIA E POLÍTICA FISCAL O fato é que existe atualmente o que se define como teoria da tributação que propõe alguns princípios: [...] a finalidade de aproximar de um sistema tributário „ideal‟é importante que alguns aspectos principais sejam levados em consideração: a) conceito de equidade, ou seja, a idéia de que a distribuição ônus tributário deve ser eqüitativa entre os diversos indivíduos de uma sociedade; b) o conceito de progressividade, isto é, o princípio de que deve-se tributar mais quem tem uma renda mais alta; c) o conceito de neutralidade, pelo qual os impostos devem ser tais que minimizem os possíveis impactos negativos, segundo o qual o sistema tributário deve ser de fácil compreensão para o contribuinte e de fácil arrecadação para o governo. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.37) A questão é que, de modo geral, pode-se dizer que o dinheiro que é arrecadado pelo Estado, ou seja, pelo setor público, visto sob um olhar macroeconômico, implica a transferência de recursos do setor privado para o Governo, ou dito de outra forma, implicará necessariamente, num primeiro momento, a redução de poder de compra do setor privado em favor do setor público; assim se poderia identificar o governo: Recorrendo ao conceito de EDEY-PEA-COCK2 entendemos o governo como: “um agente coletivo que contrata diretamente o trabalho das unidades familiares e que adquire uma parcela da produção das empresas para proporcionar serviços úteis à sociedade como um todo. Trata-se, pois, de um centro de produção de bens e serviços coletivos. Suas receitas resultam da retirada compulsória do poder aquisitivo das unidades familiares e das empresas, feita por meio do sistema tributário; e suas despesas são caracterizadas pelos pagamentos efetuados aos agentes envolvidos no fornecimento dos bens e serviços públicos à sociedade” (ROSSETTI, 1995, pp. 54/55). José Paschoal Rossetti também identifica institucionalmente a estrutura que compõe o governo: “engloba os órgãos federais, as administrações estaduais e municipais e outras repartições públicas que fornecem serviços de uso coletivo [...] a 2 EDEY, Harold C., e PEACOCK, Alan T., Renda Nacional e Contabilidade Social, Zahar, Rio de Janeiro, 1963, p.51 7 segurança, a administração da justiça e os programas públicos de saúde, saneamento, educação e lazer” (ROSSETTI, 1995, p.55). De modo geral, o governo deverá, através dos recursos transferidos do setor privado para o setor público, cumprir sua função segundo Alfredo FILELLINI: “em termos de redução analítica, podemos dizer que o nexo da sociedade é a busca eficiente do bem-estar, através da elevação das oportunidades de concretização das metas de vida peculiares a cada um de seus membros e dos objetivos comuns” (FILELLINI, 1994. p. 22) , e vai além afirmando que: “tais oportunidades, ainda que o fim não seja econômico em si, se apóiam na disponibilidade ampliada de recursos econômicos e no acesso da população a eles” (FILELLINI, 1994. p. 22). Entretanto, nos termos que estão propostos, tais aspectos pedem outros conceitos que proporcionem avaliar a eficiência do Estado no cumprimento do propósito acima exposto. Neste sentido são utilizados dois critérios, trata-se da eficiência alocativa e eficiência distributiva, conforme abaixo identificadas: “Eficiência alocativa: „é a capacidade de maximizar a produção de bens econômicos, a partir da disponibilidade existente de recursos produtivos‟. Eficiência distributiva: „é a capacidade de maximizar satisfações a partir da ordem da produção realizada‟ (FILELLINI, 1994. p. 22). Segundo Fernando Rezende, os textos tradicionais de finanças públicas propõem a seguinte classificação segundo a distinção entre tributos em torno de quem suporta o ônus dos mesmos: “em princípio suportado pelo próprio contribuinte e aquele que admite a transferência total ou parcial do pagamento para terceiros e feita separando os tributos em: Diretos e Indiretos” (REZENDE, 1983 , p.160) Outros dois autores que contribuem na definição desta classificação são Giambiagi e Além: Os impostos diretos incidem sobre o indivíduo e, por isso, estão associados à capacidade de pagamento de cada contribuinte. Os impostos indiretos, por sua vez, incidem sobre a atividade ou objeto, sobre consumo , vendas ou posse de propriedades, independentemente das características do indivíduo que executa a transação ou que é proprietário. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44) A carga tributária, que pode ser entendida como o percentual total que o governo transfere da sociedade para os seus cofres, trata-se da somatória da tributação de modo direto e indireto. No que se refere aos diretos, “seriam aqueles tributos cujos contribuintes são os mesmos indivíduos que arcam com o ônus da respectiva contribuição” (REZENDE, 1983, p.160) são aqueles que incorrem sobre a renda do 8 trabalho, tais como salários e honorários em torno dos quais recai o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), e INSS, associado à previdência e saúde, assim como as contribuições sindicais; trata-se de recolhimentos diretos sobre a renda, mas também sobre a renda do capital acumulado Assim, quanto à base de tributação, neste primeiro caso tem-se que o imposto sobre a renda: “incide sobre todas as remunerações geradas no sistema econômico, ou seja. salários, lucros, juros, dividendos e aluguéis – é uma forma de tributação direta e classifica-se em imposto de renda da pessoa física (IRPF) e imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ)” (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44). No caso do IRPF: “é cobrado em base pessoal, com isenções e alíquotas progressivas, determinadas pelas características individuais do contribuinte” (IDEM). Já no caso do IRPJ3: “incide sobre o lucro das empresas, que pode ser calculado por três métodos: a) o do lucro real; b) o do lucro presumido; e c) o do lucro arbitrado” (IDEM, p. 45) Entretanto, não é só isto, além do cidadão já ter parte de sua renda destinada a este fim terá outra parte deduzida no momento que for consumi-la novamente, pagando sobre o consumo através dos denominados impostos indiretos, que “seriam os tributos para os quais os contribuintes poderiam transferir total ou parcialmente o ônus da contribuição para terceiros” (REZENDE, 1983, p.160),ou seja, quando o consumidor paga por um produto ou serviço no seu preço estarão incluídas parcelas referentes a vários recolhimentos, são os denominados impostos indiretos, identificados por siglas tais como: PIS, COFINS, Contribuição Social, IPI, ICMS e ISSQN. Nestes casos, o que se tem quanto à base de aplicação são as vendas, de modo que quem acaba pagando é o consumidor, ou seja, o vendedor simplesmente recolhe o imposto do consumidor e repassa ao Fisco: Os impostos sobre as vendas de mercadorias e serviços são tributos indiretos, também conhecidos como impostos sobre o consumo. Este tipo de imposto pode ser classificado quanto: a) à amplitude de sua base de incidência; b) ao estágio do processo de produção e 3 No que tange a classificação direto e indireto, o IRPJ apresenta segundo Giambiagi & Além o seguinte problema em torno de questão ainda ser aqui tratada: “o principal problema inerente ao IRPJ é que ele pode contrariar os princípios da equidade e da progressividade, tendo em vista que não se pode ter certeza de que o ônus da imposto sobre o lucro recaia integralmente sobre o produtor” (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.45), em especial no caso do lucro presumido e o arbitrado, onde se utiliza a receita bruta, o que em tese o tipificaria como indireto, sendo pago pelo consumidor, o que já não acontece no real onde é efetivamente apurado. Ainda em relação ao tema esclarece Montouro: “Sendo o Imposto de Renda da Pessoa Juridica (IRPJ) uma parcela deste lucro ele é em última instância pago pelas famílias e é considerado um imposto direto” (MONTOURO, 1994, p. 43) 9 comercialização sobre o qual incide e c) à forma de apuração da base para o cálculo do imposto (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.47). Mas ainda não sendo suficiente, após receber a renda, deixando outra parte dela no consumo, se o cidadão conseguir poupar o suficiente ou então tomar financiamento para constituir seu patrimônio, também continuará a pagar tributos sobre ele: para quem tem imóvel urbano, o IPTU; para o imóvel rural, o ITR; quem tem automóvel paga o IPVA; além disto, acresçam-se o ITCMD e o ITBI; também pagam-se estas taxas inerentes às eventuais transferências patrimoniais. O grupo acima se refere aos impostos pagos tendo por base o patrimônio: O imposto sobre o patrimônio pode ser cobrado regularmente em função do simples ato de posse dos ativos durante um determinado período, como no caso do imposto predial e territorial urbano (IPTU) ou do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA). Alternativamente, a cobrança pode se dar no momento em que os ativos mudam de propriedade – como se o imposto sobre a transmissão da propriedade. (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.47). Isto não sendo suficiente, paga-se, conforme o lugar, algumas taxas extras tais como a de coleta de lixo, taxa para a limpeza pública, taxa para emitir documentos, para manter aberta qualquer tipo de atividade, o tal alvará, e somem-se a isto, eventualmente, contribuições para iluminação pública. Do exposto se pode verificar que além de classificados entre diretos e indiretos, os tributos também poderiam ser classificados segundo à base do que é tributado. Neste sentido: “as bases de incidência dos impostos são a renda, o patrimônio e o consumo” (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.44), que por seu lado devem ser pensadas dentro do quadro de variáveis macroeconômicas, passíveis de instrumentalização a partir da teoria keynesiana que define as suas relações: Keynes propôs em sua obra um novo entendimento dos mecanismos da determinação dos níveis de produção e emprego, assinalado a importância da atividade governamental na compreensão dos eventuais declínios do consumo e investimento privados, que acompanham a explicam os períodos de recessão. [...] É indiscutível a importância da contribuição de Keynes em relação ao papel dos gastos público, como suplemento ao dispêndio privado (PEREIRA, 2003, p.92). Ou seja, quando Keynes propõe a intervenção do Estado, via governo, na economia, ele num primeiro momento estava pensando em Política Fiscal, que de modo simplificado pode ser assim definida: “chama-se de política fiscal às decisões do governo sobre quanto gastar, quanto arrecadar e que tipos de impostos recolher” 10 (CARSOSO, 1987, p.92), ou seja, implica de um lado as receitas produzidas a partir da política tributária, acima conceitualmente esclarecida, e na contrapartida os gastos: No que se refere aos aspectos da política fiscal e suas opções para a política tributária é importante identificar que: “os impostos são chamados progressivos quando os ricos pagam proporcionalmente mais do que os pobres, contribuindo para tornar a distribuição de renda mais igualitária. Caso contrário, os impostos são chamados regressivos” (CARDOSO, 1987, p.98). Conciliando este conceito com os tipos de impostos conforme a base: “os impostos indiretos são regressivos, enquanto que o imposto de renda, [...] progressivo” (CARDOSO, 1987, p.99). Isto é assim explicado: “os impostos de renda são aplicados de acordo com o princípio da capacidade e são progressivos, taxando os ricos proporcionalmente mais do que os pobres. Como o imposto de renda recai mais fortemente sobre os ricos, ele contribui para diminuir a diferença entre ricos e pobres” (CARDOSO, 1987, pp.98/99), enquanto que: “os impostos indiretos não têm essa característica, já que todos indivíduos pagam a mesma alíquota, [...]” (CARDOSO, 1987, p.99) . Em termos da política econômica, a opção por uma tributação progressiva, possibilitará ao governo cumprir o papel redistributivo da política tributária: Atuação sobre a política fiscal tributária, utilizando-se de uma política tributária progressiva, que objetiva absorver parte relativamente maior da renda dos ricos do que da renda dos pobres, contribuindo para diminuir via captação da receita tributária a desigualdade de renda, o que pode ainda ser mais potenciado conforme a destinação dada ao imposto arrecadado, no sentido de benefícios sociais aos pobres, nesta etapa atuando de forma redistributiva. Neste caso, tal atuação será efetivamente favorável ao consumo e diminuirá a dependência do investimento para a manutenção do nível de emprego (DILLARD, 1981, p.77). Há que se pensar a política fiscal, também, dentro de um quadro de enfrentamento das flutuações da atividade econômica. Neste caso, passa a prevalecer a questão da condução do orçamento e suas possibilidades de deficitário, superavitário ou equilibrado, no sentido de aquecer ou esfriar a demanda, o que está ligado à função do Estado. Visando a evitar o desemprego é que Keynes fundamenta a sua proposta de gasto público, objetivando para cobrir a insuficiência do investimento privado. Sintetizando: “a manutenção de elevados níveis de emprego recai sobre os gastos públicos destinados a cobrir a disparidade existente entre a renda e o [...] consumo [...] para atingir o pleno emprego” (DILLARD, 1982, p.96). 11 Neste sentido seriam duas as opções, uma política fiscal expansiva ou regressiva. A primeira seria usada quando se detectasse insuficiência de demanda agregada na economia, situação esta caracterizada pela formação de estoques indesejáveis que levariam à redução da capacidade ocupada do capital e redução do emprego do trabalho, gerando desemprego. No sentido oposto se teria excesso de demanda, com estoques abaixo dos planejados e ocupação próximos ao limite da capacidade produtiva do capital e intensa procura por trabalho, normalmente iniciando a tendência inflacionária. Visando a aquecer a demanda agregada, a política fiscal visará ao aumento dos gastos públicos em despesas ou investimentos, a diminuição da carga tributária, estímulo à exportação visando à ampliação do mercado via front externo e aumento de tarifas e colocação de barreiras às importações, defendendo o produtor nacional. No sentido inverso, objetiva-se a redução dos gastos públicos, aumenta-se a carga tributária retirando renda do setor privado e aumento das importações acrescido de redução das tarifas e barreiras para intensificar a concorrência no mercado interno. No plano da política econômica, em especial a política fiscal e a política tributária, o conjunto de conceitos acima apresentado no tópico visou propiciar instrumentos capazes de permitir uma análise do tema proposto. II-VISÃO HISTÓRICO-TEÓRICA DA GESTÃO PÚBLICA Uma discussão que está presente no plano político desde o nascimento da democracia moderna, surgida em contraposição ao absolutismo monárquico, assim como no plano econômico, ligada à revolução comercial e depois industrial que deu origem ao modo de produção capitalista é identificada pela intervenção do Estado, que tem por fundamentação a ideologia liberal que defende a idéia de Estado Mínimo, que é aquele que “pretende ser enxuto, cuidar tão somente de segurança, sistema jurídico e moeda nacional. [...] a ideia liberal de economia de mercado, da propriedade privada, do mérito da competência individual e do risco. [...] o mercado é sempre mais eficiente do que o Estado” (FRANCO, 2005, p.12), são estes os preceitos seguidos pelos regimes democráticos até a Crise de 1929, denominado de democracias liberais. A visão de não intervenção na economia passará a ser questionada, e acabará contestada e teorizada por John Maynard Keynes, e por fim instrumentalizada , no sentido de oferecer ao gestor público instrumentos econômicos para tanto, ou seja: “a 12 crise econômica deflagrada em 1929 colocou os responsáveis pela política econômica desses países diante da contingência de intervir decididamente em suas economias com a finalidade premente de reativar os negócios em geral, e o ritmo de produção e o nível de emprego, em particular” (FIGUEIREDO, 1999, p.12) O professor e economista André Franco Montouro Filho destaca a importância de Keynes para a evolução da macroeconomia4 e consequentemente a capacitação do gestor público na intervenção na economia: A Teoria Geral de Keynes, verdadeira Carta Magna teórica da macroeconomia, inaugurou efetivamente a utilização e construção de modelos em macroeconomia, ou seja, supor algumas relações de comportamento, derivar resultados destas relações e verificar como os resultados variam se houver mudança de parâmetros. A técnica em si não era a novidade. A sua utilização no campo sim, como indica o fato de Keynes ter sido forçado a idealizar um modelo macroeconômico „clássico‟ em oposição a seu próprio modelo. Podemos considerar que antes de Keynes a teoria monetária era a única teoria econômica agregativa que existia, assim como a política monetária era o único instrumento de estabilização aceito. (MONTOURO, 1994, p.11) A proposta de Keynes é inovadora justamente por instrumentalizar a utilização do Orçamento Fiscal, para o que se desenvolveu as hoje denominadas políticas fiscais, a partir da identificação de que a economia era conduzida pelo denominado Princípio da Demanda Efetiva5, assim: “é indispensável a importância de Keynes em relação ao papel dos gastos públicos como suplemento ao dispêndio privado [...] quando ocorresse insuficiência de demanda o governo deveria assumir o papel ativo de complementar o gasto privado ou reduzindo impostos” (PEREIRA, 2003, pp.92/93),ou seja, uma clara instrumentalização do Orçamento visando interferir da demanda agregada da economia. Será uma mudança de foco nos países capitalistas democráticos que atuavam segunda as linhas liberais, será o momento onde acabará por se desenvolver a reforma da teoria econômica promovida pelo economista John Maynard Keynes, que defenderá a intervenção do Estado na economia como meio de combater a crise, levando a economia ao equilíbrio. Neste sentido: “é perfeitamente coerente para aqueles que preconizam os gastos com empréstimos ou financiamentos de déficits, em períodos de 4 “O termo macroeconomia foi introduzido pro Ragmar Frish em 1933. Ele se aplica ao estudo das relações entre grandes agregados econômicos e se diferencia do estudo do processo de tomada de decisão de indivíduos e empresa, que é o objetivo da microeconomia” (MONTOURO, 1994, p, 09) 5 “O ponto de partida lógico da teoria do emprego, de Keynes, é princípio da procura efetiva. [...] O pleno emprego depende da procura agregada e o desemprego é o resultado duma carência de procura agregada (DILLARD, 1982, p.28)”. 13 depressão, preconizar orçamentos equilibrados nos períodos de prosperidade”(DILLARD, 1982 , p.104). Não se trata de uma opção pelo intervir ou não intervir, mas pela conveniência e a forma, seja pelo lado da receita, seja pelo lado do gasto; dois aspectos interativos no orçamento público: “a finalidade do financiamento de déficits é criar uma plena utilização dos recursos econômicos. Acima do ponto de pleno emprego não há mais a necessidade de manter uma política de déficits. O programa de Keynes aspira ao pleno emprego, sem inflação ou deflação. (DILLARD, 1982, p.104)”. No que tange o aspecto de sua sistematização teórica, a teoria keynesiana surgirá em meio à crise dos anos 30, em 1936, através da obra Teoria Geral do Emprego, Investimento e Juros; com isto: “abriu caminho à decisiva intervenção do Governo no processo econômico. Isto porque caberia aos gastos públicos, movidos por razões de interesse social, assegurar que a demanda agregada [...] pudesse ser mantida em níveis adequados de estimula a atividade econômica” (FILELLINI, 1994, p.14) Keynes vai além da produção teórica e acaba por produzir instrumentos que contribuíram de modo definitivo na condução da intervenção do Estado via gestão pública: “Credita-se a Keynes, portanto, o esforço pelo desenvolvimento de um instrumental nos campos metodológico, teórico e normativo do sistema econômico em sua totalidade. Sua teoria geral, além da mudança da ênfase da microeconomia para a macroeconomia, introduziu grande número de inovações” (PEREIRA, 2003, p.92). Ou seja: “suas vigorosas idéias semearam nas férteis necessidades de melhor compreensão do fenômeno econômico global, vital para inspiração das exigidas respostas antidepressivas [...] conduzidas pelos gastos bélicos dos países envolvidos na crise” (FILELLINI, 1994, p.14) e que acabariam por envolver no confronto da Segunda Guerra Mundial em 1939. Durante a citada vai ocorrer a intensificação da intervenção do estado; neste sentido: “entre 1939 e 1945, o esforço bélico tornou ainda mais premente a participação dos órgãos públicos na atividade econômica dos países conflagrados” (FIGUEIREDO, 1999, p.12) se havia um corpo teórico agora se fazia necessário: “ressaltar a busca de instrumentos mais refinados, tanto para a análise econômica quanto para a programação .[...] Impulsiona o progresso dos métodos de quantificação macroeconômica, entre os quais se insere a Contabilidade Nacional” (FIGUEIREDO, 1999, p.13). É importante ter em mente que não basta a base teórica e suas variáveis, se faz necessário a sua instrumentação quantitativa: “nesse sentido, é bom lembrar que a 14 elaboração das contas nacionais não depende apenas da adoção de bases teóricas, que são bastante simples. Depende, sim, da disposição das séries estatísticas exigidas pelos métodos. Isto é mais difícil e trabalhoso” (FILELLINI, 1994, p. 16). A relação entre Teoria Macroeconômica e Contabilidade Social é íntima. Enquanto a primeira identifica as variáveis e suas relações no plano teórico, a outra permite quantificar e operacionalizar a gestão pública. Neste sentido: “o desenvolvimento da contabilidade social foi decisivo para o próprio desenvolvimento do conhecimento macroeconômico. [...] É preciso ressaltar que temos aqui uma avenida de duas mãos. Os avanços da teoria macroeconômica, especialmente na vertente keynesiana [...], foram ajudados pelos progressos na contabilidade social” (MONTOURO, 1994, p.15). O período da Segunda Guerra em parte contribuirá para a integração entre a teoria macroeconômica com a contabilidade nacional: “as economias de mercado transformaram-se necessariamente em economias centralizadas planificadas nos períodos de guerra. Circunstancialmente, coube a Keynes esboçar o planejamento de esforço de produção bélica da Inglaterra no período 1939-1945” (FILELLINI, 1994, p.15); neste período acabará por vir a receber a colaboração de outro economista que teve papel primordial no desenvolvimento da contabilidade social: “coube a Richard Stone a função de assessorá-lo, tarefa que resultou na elaboração de um sistema de registros contábeis estatísticos que objetivava o melhor entendimento e acompanhamento dos acontecimentos a administrar” (FILELLINI, 1994, p.15). Desta interação se originariam as denominadas „Contas Nacionais‟6, que depois passaram a receber o nome de „Contas Sociais‟. O Sistema de Contas Nacionais7 de Stone: foi esboçado o início da década de 1940 , embora só em 1947 seria publicado o relatório Definition and Measuremente of the National and Related Totais, que revela as bases metodológicas que vinham sendo aplicadas na Inglaterra” (ROSSETTI, 1995, p.33). A evolução é contínua e em 1949: “este relatório foi adequadamente esclarecido em Functions and Criteria of a System of Social Accounting [...] em sua última versão 6 “Em 1984, Richard Stone ganharia o Prêmio Nobel de Economia, em reconhecimento à contribuição dada por seu trabalho ao conjunto do conhecimento econômico” (FILELLINI, 1994, p. 15). 7 “No pós-guerra, o desenvolvimento conceitual da Contabilidade Social foi marcado pelo aperfeiçoamento e padronização internacional dos Sistemas de Contas desenvolvidos no período imediatamente anterior. O sistema de Richard Stone exerceu importante papel, ao se transformar no modelo básico dos padrões que viriam a ser propostos e difundidos por organizações internacionais” (ROSSETTI, 1995, p. 34). 15 [...] foi resumida em A Stardardised System of National Accounts, de 1952” (ROSSETTI, 1995, p.33). Para se ter noção da importância do trabalho de Richard Stone 8 para a gestão pública9, há que se observar que ele serviu de base para uso geral entre os membros da recém-fundada ONU (Organização das Nações Unidas) no pós-guerra: Em 1952, as Nações Unidas, com o objetivo de padronizar a metodologia das Contas Públicas, publicou o United Nations System of Nacional Accounts. Este trabalho de divulgação baseou-se na experiência, adquirida nos pós-guerra, que pioneiramente implantaram os sistemas padronizados sugeridos, procurando atender não apenas às nações mais avançadas, onde são abundantementes e abrangentes os levantamentos estatísticos de dados econômicos, como também às economias pouco desenvolvidas, geralmente carentes de uma rede nacional de coleta e processamento de estatísticas econômicas. [...] O sistema pioneiro de Contas Nacionais da ONU [...] forneceu, uma estrutura coerente para os trabalhos de levantamento e apresentação dos principais fluxos relacionados à produção, consumo, acumulação, atividades econômicas do governo e transações econômicas com o exterior (ROSSETTI, 1995, p.35). A participação do Estado no desenvolvimento será a expressão dominante nas décadas seguintes, até que numa inversão passe a ser vista como empecilho: Tendo sido o grande promotor do desenvolvimento econômico e social ocorrido no mundo, nas décadas 1930/1960, o Estado, a partir da década de 70, foi identificado como o responsável pela redução das taxas de crescimento econômico, e guindado ao papel de vilão, passando a ser responsabilizado pela queda das taxas de crescimento, elevação dos níveis de desemprego e inflação. Era a retomada das idéias neoliberais de Estado mínimo, fundadas na constatação de um crescimento disfuncional do Estado e impulsionadas pelo fenômeno da globalização (PEREIRA, 2003, p. 21). 8 “Em 1953 um grupo de especialistas da ONU, presidido por Richard Stone, elabora Um Sistema de Contas Nacionais e correspondentes quadros estatísticos, trabalho que se constituiu num marco geral metodológico e que serviu de orientação para a construção de Sistemas de Contas Nacionais em grande número de países” (FIGUEIREDO, 1999, pp.13/14) 9 “A Contabilidade Social é, basicamente, um metodologia para registrar e quantificar os agregados macroeconômicos de uma forma coerente e sistemática, [...] „é uma técnica que tem por objetivo representar e quantificar a economia de um país. O esquema descritivo visa reproduzir os fenômenos essenciais do circuito econômico: produção, geração de renda, consumo, financiamento, acumulação e relações com o resto do mundo” (MONTOURO, 1994, p. 15) 16 Com a denominada globalização, fenômeno de natureza histórica, mudanças políticas acabaram por determinar as novas tendências econômicas, conforme esclarece Demétrio Magnoli: Economia e política são aspectos inseparáveis de uma única realidade. Em 1989, a queda do Muro de Berlim assinalou o encerramento do ciclo da Guerra Fria, anunciando a reunificação alemã e implosão da União Soviética. Esses acontecimentos, simultâneos à completa integração da China nos fluxos internacionais de mercadorias e investimentos, dissolveram a fronteira invisível que separava as economias estatizadas da economia mundial capitalista. Eles também representaram a senha para a introdução de um novo conceito de discussão geográfica, geopolítica e histórica: a globalização. (MAGNOLI, 2006, p.07) Assim o que se pode dizer é que a globalização trouxe no seu bojo um ideário que irá sedimentar a reforma e a modernização do Estado. Não se trata de defender ou refutar tal acontecimento, mas simplesmente constatá-lo: A reforma e modernização do Estado – entendidas aqui com um complexo processo de transição das estruturas políticas, econômicas e administrativas – surgem como tema central da agenda política mundial. Esse processo teve sua origem quando o modelo de Estado estruturado pelos países desenvolvidos no pós-guerra entrou em crise no final da década de 70. Esse modelo de Estado – que primava por estar presente em todas as faces da vida social – contribuiu para modificar e desgastar significativamente suas relações com a sociedade civil e com suas instituições. A resposta para esse problema, em princípio foi a adoção de um modelo liberal conservador. As políticas propostas na década de 80, em decorrência da necessidade de reformar o Estado, restabelecer seu equilíbrio fiscal e equilibrar o balanço de pagamentos dos países em crise, foram orientadas com única preocupação: reduzir o tamanho do Estado e viabilizar o predomínio total do mercado. (PEREIRA, 2003, p.210) No caso da Brasil, no que tange a gestão pública, não foi diferente: seguiu as tendências mundiais impostas a partir dos anos 30, e em especial no pós-guerra, em princípio em torno das diretrizes organizacionais propostas pela ONU: No caso do Brasil a Fundação Getúlio Vargas assumiu inicialmente o encargo de realizar o levantamento da Renda Nacional do país. Posteriormente este sistema foi incorporado ao esforço maior do qual resultou o Sistema de Contas Nacionais do Brasil. Os números brasileiros cobrem o período posterior a 1947 e as Contas Nacionais do Brasil são, na verdade, adaptação do esquema básico indicado pela ONU. (FIGUEIREDO, 1999, p.14) 17 Atualmente10 a responsabilidade da apuração das contas nacionais brasileiras em torno das quais se faz possível exercer a gestão pública brasileira passará a ficar a cargo de outra instituição: Até o ano de 1986, a contabilidade nacional do País esteve sob responsabilidade do Centro de Contas Nacionais do IBRE – Instituto Brasileiro de Economia, órgão da Fundação Getúlio Vargas – FGV, que a partir de simples compilações respectivas ao Balanço de Pagamentos, a fez evoluir até os níveis propostos pela ONU em suas recomendações de 1952. Em 1987, a responsabilidade da escrituração da contabilidade social passou para a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (órgão vinculado ao Ministério do Planejamento – SEPLAN) que procedeu a uma reformulação das bases metodológicas de estimação dos principais agregados macroeconômicos. O objetivo era aproximá-las dos parâmetros de 1968 da ONU, para o que vem encontrando sérias barreiras operacionais (FILELLINI, 1994, p.16) . No que se refere ao Brasil e à temática da gestão pública existem muitos pontos cruciais no que tange a sua evolução. Entretanto, cabe destacar alguns momentos que atuaram de modo marcante na situação presente, um deles é a Constituição de 1988: Devemos recordar que, antes da Constituição Federal de 1988, o Brasil não dispunha de normas constitucionais definidoras das grandes linhas de atuação do governo federal. As definições na área de planejamento governamental eram decididas de forma exclusiva e desvinculadas legalmente no âmbito do Poder Executivo. Desse período até a atualidade, o processo e a política orçamentária sofrerão enormes alterações. A Constituição Federal de 1988 – mantendo a tradição de Constituições anteriores, também definiu, de maneira minuciosa, os instrumentos de planejamento e orçamento. Os constituintes optaram por um modelo significativamente centralizado, a partir da visão de que existia excessiva fragmentação orçamentária, com programações e despesas fora do orçamento, como, por exemplo, os recursos da Previdência Social. Dessa forma foi definido um processo integrado de alocação de recursos, que compreende as atividades de planejamento e orçamento, mediante a definição do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual. (MATIAS, 2003, p.13) Os resultados da Constituição de 1988 podem ser observados sobre o aspecto do controle da gestão pública de modo geral. Além de aumentar o grau de transparência pública, aumentou a visibilidade da política fiscal: “acabando com práticas contábeis confusas e que impediam um melhor acompanhamento das contas por parte do público-, tiveram o mérito de eliminar importantes focos de desperdício de recursos públicos, seja pelo fim de algumas brechas de financiamento do gasto” ”(GIAMBIAGI & ALÉM, 10 “As novas contas, tanto quanto as antigas, são encontradas sequencialmente nas edições do Anuário Estatístico do Brasil, publicadas pelo próprio IBGE. (FILELLINI, 1994, p.16) 18 2001 , p.142), ou pelo menos criando meios de limitação, no fundo fazendo um paralelo: “representaram a constituição de um „painel de controle‟ da situação, através da criação de „botões‟ que, devidamente apertados, poderiam gerar um melhora no resultado fiscal”(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001 , p.142). Entretanto, se os esforços no sentido de apuração da gestão pública se faziam presentes, ao se tratar de uma „Constituição Cidadão‟ trouxeram no seu bojo uma série de acréscimos de direitos que implicaram uma substancial pressão sobre o Orçamento Público: “a nova Constituição – moderna na defesa dos direitos civis e inovadora em outros aspectos institucionais – criou uma série de dificuldades para a gestão da política econômica”(GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.142), no sentido de pressionar o gasto público, tais como: A elevação das alíquotas das transferências de receita para estados e municípios; A sobrecarga imposta ao sistema previdenciário, com o aumento das suas despesas; o incremento da proporção dos recursos da União obrigatoriamente destinada a certas rubricas de gasto, tipicamente sociais (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.142). É interessante observar que tais alterações em parte ocorrem em conexão com as tendências neo-liberais cada vez mais predominantes, no que tange a gestão pública. Mas de modo contraditório, ao expandir direitos do cidadão que implicam uma direção contrária às „ideias de estado mínimo‟, ou seja, o contexto presente para a futura aplicação da constituição será a primeira eleição direta para presidente após mais de duas décadas sem o exercício do voto direto. Assim o governo Collor assume em 1990, atrelado às seguintes diretrizes gerais: “definição do tamanho do Estado; desregulamentação, elevação da capacidade financeira e administrativa do Estado de formular e implementar políticas públicas; realização de esforços visando a legitimidade política para implementar reformas” (PEREIRA, 2003, p.210). Um conjunto de grandes alterações vai surgir dentro deste contexto, visando a enfrentar naquele momento o principal problema da economia brasileira: o processo inflacionário, que já vitimara vários planos econômicos desde meados dos anos 80. Era a vez do Plano Real, que tinha por característica a ortodoxia em contraposição à linha heterodoxa dos planos anteriores, com ampla intervenção no mercado tendo por principal medida dos congelamentos de preços até o bloqueio de ativos financeiros: Até 1994, era comum se ouvir que a inflação e o desequilíbrio fiscal refletiam a inconsistência entre a soma das demandas sociais dos diferentes setores da sociedade, devidamente expressas no orçamento, 19 de um lado; e a disposição dessa mesma sociedade de arcar com os custos dessas despesas, através da tributação, de outro. O déficit – e, muitos argumentavam até então, a inflação – surgiria assim como a consequência natural de uma equação sócio-econômica que combinava abundância de direitos com escassez de financiamento para atender a todos eles (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.155). O sucesso do combate à inflação, e estabilização da moeda trouxe uma situação de gestão diferenciada, embora deletéria; havia um ajuste ao administrar em torno da ciranda financeira ligada à contínua desvalorização da moeda: Depois de 1994, a inflação cedeu drasticamente e, em 1998 praticamente chegou a desaparecer. [...] Até o Plano Real, a diferença entre as demandas sociais e a disposição da sociedade para ser taxada (a) espelhava-se e m déficits elevados - até 1989 – cobertos pela receita de senhoriagem; ou (b) na primeira metade dos anos 1990, era „escondida‟ por uma inflação elevada, que permitia „atender‟ às demandas nominais e, ao mesmo tempo gerar um resultado fiscal próximo do equilíbrio. Com a estabilização, a continuidade da referida inconsistência gerou como resultado uma tendência ascendente da relação dívida pública/PIB, embora atenuadas pelas receitas da desestatização, que permitiram, durante um curto período de tempo, sustentar déficits, sem que esta relação crescesse na intensidade [...] Esse expediente [...] ter duração limitada no tempo e se esgotaria quando os ativos a serem privatizados já tivessem sido vendidos (GIAMBIAGI & ALÉM, 2001, p.156). Tem-se, assim, um desequilíbrio potencial que historicamente coincide com o primeiro mandato de FHC, o problema foi a aposta na política de manutenção do valor da moeda, a denominada âncora cambial, e sua falta de sustentabilidade por conta do estímulo à importação e o contínuo endividamento externo. A grande vulnerabilidade do Plano Real ficava por conta da sua dependência de contínuo financiamento externo, mas o governo insistiu no modelo, mesmo após claros sinais de desconfiança do mercado externo: “Gustavo Franco assumiu a presidência do Banco Central [...] era o maior defensor da moeda supervalorizada como âncora para o programa de estabilização” (PILAGALLO, 2006, p.80). A crise se alastrava atingindo, inclusive, a Bolsa de Nova York, o que piorava a situação brasileira, mas o governo insistiu no modelo em crise: A equipe econômica decidiu então reforçar a aposta no real: aplicou um choque nos juros, dobrando a taxa, e baixou um pacote fiscal com mais de 50 medidas para equilibrar as contas públicas. Não se tratava propriamente de reforma fiscal sempre adiada, mas um arranjo feito às pressas e que não surtiu o efeito desejado. [...] Acuado o governo não desistiu de defender a moeda. Apesar de estar às vésperas da eleição FHC lançou mão de medidas impopulares para estancar a crise, como 20 um novo choque dos juros e cortes nos gastos do governo sobretudo na área social. (PILAGALLO, 2006, p.82) A questão eleitoral, sem dúvida, pesou. Portanto, as tais medidas ditas impopulares teriam menos visibilidade do que a de aceitar a crise da moeda. É o que se faz concluir, pois imediatamente eleito para o segundo mandato, modificou-se radicalmente o que era visível: a falta de sustentabilidade do Plano Real na âncora cambial, sendo substituída pela âncora fiscal, aspecto que em muito contribuiu para a elevação da carga tributária, além da reversão da diretriz importadora para exportadora visando a buscar urgentes saldos superavitários de balança comercial. Assim, em 1998: Fechadas as urnas, teria início o ajuste fiscal. Em novembro, o governo obteve um acordo com o FMI, que liberou uma ajuda multilateral de mais de US$ 40 Bilhões, com a contrapartida da adoção de uma política de austeridade. Os credores exigiam superávit fiscal para poder pagar a dívida pública, que equivalia a metade do PIB. Para se enquadrar anunciou no final daquele ano um pacote que elevou substancialmente a carga fiscal. Outras medidas com o mesmo objetivo seriam tomadas nos meses seguintes. Depois de cinco anos de Plano Real, o país começava a pagara a conta da estabilidade (PILAGALLO, 2006, p.83). É na busca deste contínuo ajuste que outro aspecto marcante virá a contribuir para o aprimoramento da gestão pública, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional, institucionalmente constituída em torno da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, com sua aprovação: [...] Preencheu um vácuo institucional e deu eficácia a vários dispositivos da Constituição Federal, especialmente a seus arts. 163 e 169 -, retoma-se, com vigor, o debate sobre a importância do planejamento no contexto da Administração Pública. Deve-se ressaltar que o planejamento não é o único elemento no qual a LRF apóia as suas determinações. Seu alcance é mais amplo, à medida que enfatiza o controle de recursos para as ações governamentais, o equilíbrio entre receita e despesa, a transparência da gestão fiscal e responsabilidade dos dirigentes pelo não-cumprimento de seus preceitos (PEREIRA, 2003, p.14). No que se refere aos aspectos mais práticos inerentes a gestão pública: [...] aceita aqui como um instrumento de modernização das Finanças Públicas no Brasil-, as informações de receita assumiram importância crucial. Nela diversos procedimentos e mecanismos de controle foram estabelecidos, com base em previsão e arrecadação de receita, o que impôs a necessidade de atenção especial no tocante à consistência dessas informações. Constata-se assim que as mudanças ocorridas no 21 papel do Estado, apoiadas numa abordagem crítica da experiência sedimentada na área de planejamento e orçamento, permitiram, a partir de 2000, que o país introduzisse nova formatação na sistemática de planejamento e orçamento. Para isso, foram estabelecidas normas para elaboração e execução do Plano Plurianual e dos orçamentos da União, bem como atualizada a discriminação da despesa por funções (PEREIRA, 2003, p.14). Atualmente. do total arrecado, segundo artigo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a divisão dos recursos foi a seguinte, tomando por base o primeiro semestre de 2009: os tributos federais totalizaram 67,43%, os estaduais 27,08% e os municipais R$ 28,55 bilhões. 5,50%, o citado instituto ainda calculou que no primeiro semestre de 2009 o recolhido equivaleria a R$ 2.711,22 por pessoa. CONCLUSÃO Não por acaso o cidadão sente por vezes que precisa trabalhar cada vez mais, que os membros da família devem todos buscar renda no mercado. Trata-se da presença cada vez mais ativa do custo do Estado na sua vida, afinal isto se reflete no seu dia-adia, pois há que buscar meios para suprir os serviços públicos não oferecidos como contrapartida aos tributos recolhidos, ou seja, adquiri-los no setor privado. Quanto a isto a história é antiga, em número no ano de 2004, na edição 1864 da Revista Veja de 28 de julho11, matéria denunciava que além da carga tributária alta, havia incapacidade do Estado para suprir de modo adequado os serviços para os cidadãos, o que implicava a necessidade de adquirem novamente tais serviços junto à iniciativa privada. Neste sentido, focou-se em especial o cidadão de classe média, já que aqueles com renda mais baixa poderiam até desejar adquirir tais serviços, mas faltava-lhes renda para atingir tal intento. Do citado período para a atualidade houve uma inflação em torno 33%, media via INPC, e a carga tributária aumentou em mais de três pontos, ou seja, não houve alívio da situação. Assim, apresenta-se o exemplo, e entre parênteses os valores atualizados no percentual de inflação, do que se obtém que uma família com renda mensal de 5000 reais ( reajusta 33% de inflação deveria hoje ganhar 6650) pagaria por mês em tributos e contribuições diretos 1269 (ou 1687,77), algo em torno de 25,38%, além disto mais 795 (ou 1057,35) ou 15,90% do total de sua renda em impostos embutidos em bens e serviços, como alimentação e telefone, vão mais, por fim 11 VEJA ONLINE, Sobra pouco dinheiro porque o governo fica com quase tudo, Revista Veja 1864, 28/07/2004. http://veja.abril.com.br/280704/p_042.html. Acesso em 15/05/2010 22 gastaria 1220 (ou 1622,60) , portanto 24,40% da renda em gastos com educação, saúde e segurança, que deveriam ser providos pelo Estado Neste sentido, chega-se à seguinte conclusão: de que a soma do que a família paga de impostos mais os gastos para custear os serviços que o Estado lhe sonega fica em 3284 (ou 4367,32) que em termos percentuais implica em 65,7% da renda familiar, que convertido em dias do ano daria algo como 240 dias a disposição do governo, no sentido de recolher impostos de depois novamente pagar aquilo que ele deveria retribuir, trata-se de 8 meses trabalhando para o governo, de modo que, somente a partir de setembro até dezembro que se ganha é integralmente do cidadão. Um dos aspectos em torno desta falta de retribuição do Estado via sonegação de serviços, é a sonegação por parte do cidadão de parte do que deveria contribuir em tributos, neste sentido existe uma espécie de rebelião silenciosa, onde de modo caótico o contribuinte tenta escapar das malhas da arrecadação, burlando a legislação tributária e sonegando parte do recolhimento de impostos. A este respeito é interessante observar que, conforme reportagem Folha de São Paulo12 de 17 de setembro de 2006, sem sonegação e calote a carga fiscal seria de 59,38% do PIB. Para tanto, citando estudo do IBPT , ou seja , se todos os contribuintes pessoas físicas e empresas pagassem todos os tributos corretamente, como manda a lei, sem sonegação e calote, a carga tributária no país convertida em dias do ano atingiria 216 dias. Esta situação fica mais complexa se unirem-se as duas informações, ou seja, se somados os serviços que deveriam ser prestados com os que não o são, (24,40%), atingiríamos a absurda porcentagem de 83,78%, ou seja, 305 dias à disposição do governo. Em caso de não haver sonegação ou, dito de outra forma, 10 meses, uma aberração contra a liberdade que acaba por colocar a alta sonegação no país. Mais do que esperteza, no âmbito da sobrevivência, o que não é correto e longe de se defender a sonegação, afinal neste caso o sonegador pode ser visto como aquele que não quer: “dar a sua contribuição para o pé-de-meia comum: sonega impostos e pratica fraudes. O sonegador se utiliza, tanto quanto o cidadão que paga impostos, dos equipamentos que o Estado coloca à disposição [...] ao sonegar pratica um ato de injustiça seus concidadãos” (FRANCO, 2005, p.20), pois não estará pagando a sua parte da conta para a sociedade. Então, cabe simplesmente dizer para que o cidadão não sonegue. Ora, isto seria unilateral, seria o mesmo que querer que o governo prestasse serviço sem recolher 12 CÉZARI, M., Sem sonegação e calote, carga fiscal é de 59% do PIB, Folha On Line, 17/09/2006, http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u111057.shtml. Acesso em 15/06/2010. 23 tributos; não se pode querer pensar de forma unilateral, o que se tem aqui é uma relação entre Estado e cidadão, representada por governo e contribuinte. O problema é que o governo é prestador de serviços e o contribuinte, consumidor; uma relação especial, pois o consumidor cidadão deve se diferenciar do consumidor individual, ou seja, ele deve ponderar que existe, sim, sua individualidade, mas esta está presente dentro de uma coletividade, cuja harmonização é papel do governo. E neste sentido cabe-lhe cumprir o papel de redistribuir renda, visando a sanar os problemas sociais, assim como obedecer a justiça e fazer cumprir o papel de poder de polícia. E então a questão: ser honesto numa relação que não seja guiada pela lealdade compensa? Ou dito de outra forma: se alguém não cumpre parte de um contrato e o outro cumpre, este não será prejudicado? O senso de realidade indica que se faz necessária a honestidade, não só de parte do contribuinte para o governo, mas do governo para com o contribuinte também. Um traidor pedir lealdade é algo que seria cômico se não fosse trágico, e nesta relação há que se lembrar que o governo tem o poder punitivo, enquanto o cidadão apenas poder eleitoral; são bem distintos, se faz necessário um pacto, mas um pacto exige lealdade entre as partes, coisa que parece distante das atuais circunstâncias. Um governo esperto e cidadão honesto não funcionam; um governo honesto e um cidadão esperto também não. É preciso eliminar ou ao menos reduzir a esperteza em prol da honestidade. E que se constata é que, de um lado, existe um alto preço e do outro, retribuição inadequada: “os tributos devem oferecer serviços de qualidade, em vez de carcaças de hospitais, apenas iniciados, médicos e enfermeiros insatisfeitos e com baixos salários, [...] prédios escolares sem manutenção e professores mal remunerados, ônibus lotados e sujos, polícia desmotivada; Justiça lenta” (FRANCO, 2005, p.45). Há que se acordar de um desvio que produz prédios que acabam como monumentos à falta de atendimento adequado: “o administrador público confunde prédio com serviço, isto é, constrói escolas, hospitais e delegacias, mas não remunera nem capacita adequadamente aqueles que devem prestar bons serviços à população” (FRANCO, 2005, p.46). A avaliação que se faz ao observar esta evolução e a contrapartida oferecida é que: “o Estado brasileiro custa caríssimo à maioria dos seus cidadãos, porque nossos administradores públicos não planejam, desperdiçam nosso dinheiro em favorecimentos ilícitos e projetos sociais dos quais não têm controle e nem fiscalização” (FRANCO, 2005, p. 17). 24 Não por acaso pode-se dizer que: “o contrato social brasileiro, é leonino. E o leão é o Estado, como bem reconhecia a propaganda da Receita Federal” (FRANCO, 2005, p. 17), aliás é um símbolo a ser psicanalisado, afinal o leão é um predador, e vive de abater suas presas; não parece ser um símbolo democrático, antes é intimidador pela força, do que algo que convide a uma cidadania esclarecida, resquício. Pode-se argumentar que a carga tributária efetivamente cresceu por conta do custo social da Constituição cidadão de 1988. Pode-se alegar que foi o custo da estabilização do Plano Real de 1994, pode-se criticar o perfil da política tributária centrada em impostos indiretos, que a tornaria regressiva. Seria inadequado não reconhecer que houve evolução na gestão pública, assim como não reconhecer os aspectos positivos das políticas sociais que ajudaram a tirar parte da população da miséria. Evidentemente, não se trata de abolir aqui preceitos contra o Estado em si, e o desejo de estado mínimo; a intervenção pública é mais do que devida, mas o foco é buscar corrigir o que precisa de correção. O Estado precisa deixar de ficar voltado para si, e se colocar à disposição dos seus verdadeiros proprietários: os cidadãos, que são todos e não grupos políticos de direito, centro ou esquerda; os partidos não são donos do Estado, mas deveriam ser representantes dos anseios da cidadania. O natural, então, é ficar buscando uma causa entre os eruditos, ou um culpado entre os cidadãos comuns. Qual é a causa? De quem é a culpa, e nada melhor do que uma fiscal de rendas de Estado para responder, mediadora entre o contribuinte e o fisco, caso de Silvia Cintra Franco, da Secretaria de Receita de São Paulo: “Sem dúvida a culpa é do governo, por que administra mal, não planeja e não fiscaliza. Mas também nossa também. Nossa?! Talvez não aceite a sua parcela de culpa e pense que para governar, o Estado só precisa de dinheiro” (FRANCO, 2005, p.08) e prossegue:“além do dinheiro, o Estado precisa de quem fiscalize. Nós, cidadãos, não podemos nos conformar com serviços públicos deficientes e uma administração pública ineficaz” (IDEM). É comum a carga tributária ser vista como questão econômica, assim como o orçamento, mas trata-se de uma visão incompleta. Antes de ser econômica, são questões políticas. Numa linguagem que contribua para o entendimento, a carga tributária deveria ser vista como o custo da existência do Estado. Ora: “nenhuma instituição se sustenta sem dinheiro, daí a importância do Fisco, o órgão encarregado de recolher impostos” (FRANCO, 2005, pp. 10/11), cuja justificativa é: “a manutenção do Estado e dos 25 serviços oferecidos aos cidadãos depende, pois, do dinheiro público obtido por meio de impostos” (FRANCO, 2005, p. 11). No caso de um regime político democrático, isto é uma espécie de contrato entre o cidadão e o Estado; a conta é pública, assim como também os benefícios devem ser, assim como “somos todos obrigados a contribuir, é bom que saibamos o que são tributos e os benefícios que nos trazem ou deveriam nos trazer” (FRANCO, 2005, p. 11), e aí entra o conceito político de orçamento, nele está definida a forma pela qual a receita obtida será gasta. E quem o faz são os políticos, que atuam como gestores públicos e são representantes da sociedade pelos eleitos pelo voto, ou seja, o cidadão não apenas divide a conta, mas também lhe cabe eleger aqueles que vão administrar. No primeiro caso cumpre a sua função de contribuinte, no segundo, de eleitor, e ambas fazem parte do contrato entre o cidadão e o Estado, o cidadão é de fato o patrão. Sim, o cidadão é a unidade que irá unir-se abrindo mão de sua individualidade para surgir o Estado para lhe atender naquilo que, do modo solitário, não conseguiria fazer. Assim é patrão, no sentido de ser dono de parte que o leva a ser cidadão, e como tal tem o dever de contribuir e eleger os que irão representá-lo na gestão. Ocorre que este aspecto formal não é suficiente para garantir a contrapartida daqueles que, eleitos, deveriam produzir, via gestão, a satisfação das necessidades do cidadão, ou seja: “ é necessário pagar os tributos com um olho atento em sua aplicação, reclamando e pressionando para que as políticas públicas sejam coerentes” (FRANCO, 2005, p. 20). O voto é o instrumento institucional para o regime democrático, infelizmente o mesmo sem a cobrança e fiscalização da sociedade tem o seu papel esvaziado. É necessário o engajamento político democrático, que implica a participação, e que neste sentido deve, como primeiro ponto, pressionar para a livre circulação de informações na sociedade. O passo seguinte está na mobilização da opinião pública, ou seja, em caso de atos reprováveis, pressionar pela via institucional pela punição dos responsáveis pela conduta indevida. É claro que para que ocorra uma atuação neste sentido seria necessária uma educação cidadã, algo em que os gestores públicos não parecem interessados, pois significaria dar vida crítica aos cidadãos; e quando se diz educação não se está propondo processo de indução ideológica, mas senso crítico e capacidade de decisão para se fazer adequadamente representado, e não formar grupo de força para tomar poder em moldes autoritários. É preciso repensar a relação entre o político profissional e o eleitor amador, afinal, enquanto o primeiro entra na campanha armado no mínimo das múltiplas 26 técnicas da Administração de Marketing adaptadas ao Marketing Político, o eleitor tem à sua disposição unicamente a informação, à qual o candidato terá acesso e poderá fazer com que faça parte do seu discurso, sem que tenha compromisso futuro do cumprimento. Sim, o cidadão no papel de eleitor é responsável, mas não é ele que pratica dissimulação profissional, e sem dúvida para isto não esperemos que a ética sem a solução, a justiça e a lei são o caminho para aqueles que se fizerem estelionatários frente à sociedade, proposta de governo tem que sair do espaço do mero discurso. Num sentido conclusivo, é importante o cidadão: “ter consciência de que o dever de pagar impostos se completa com o direito de exigir a sua adequada aplicação” e para tanto é preciso exercer de forma integral a sua cidadania e isto: “pede entre outras coisas, que o indivíduo compreenda quais são as relações de poder existentes no interior da sociedade e conheça os mecanismos que levam a uma participação enérgica e consistente”, ou seja, a integralidade da cidadania implica a interação do aspecto econômico ao político e estes ao social e à justiça, na forma mais ampla do direito, como expressão viva da vontade da sociedade, e não como calhamaço consagrado aos muitos oportunismos onde a sensação é que a lei não é justa, e escrita em linguagem cifrada, onde o rito burocrático processual prevalece sobre a justiça. Uma sugestão, que foi proposta pelo autor José Matias Pereira para o seu livro sobre finanças públicas, merece atenção. Transposto para um sentido mais amplo, de uma educação à cidadania, algo que antecede uma consciente depressão democrática: A preocupação central é submeter ao debate e permitir que sejam feitas reflexões sobre a importância do papel do Estado e suas relações com a sociedade com o mercado e a política orçamentária, para atingimento do bem comum. E, dessa, forma, estimular a discussão para a adoção de medidas e de criação de instrumentos que permitam o fortalecimento da sociedade e suas relações com o Estado, estreitando vínculos com a política orçamentária e o processo orçamentário, aumentando e diversificando os espaços de negociação e de intermediação de interesses e reforçando as táticas internas de alianças. (PEREIRA, 2003, p.19) Ou seja, é importante se perceber que a relação entre governo e sociedade se dá via orçamento, em si econômico, mas que as decisões de quais e quantos serão os recursos a serem retirados na forma de tributos e devolvidos em serviços através do gasto trata-se de decisão política. Portanto, segundo as diretrizes em torno das quais se subsidiar o gestor público: “no encaminhamento das políticas públicas a serem implementadas pelo Estado, [...]de que é necessária uma postura menos hegemônica do 27 Estado – entendido aqui como as instituições governamentais” (PEREIRA, 2003, p .21), como contrapartida de: “uma participação mais ativa da sociedade na condução da política orçamentária do Estado, e por decorrência, no processo orçamentário” (PEREIRA, 2003, p .21). BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Eliana A., Economia Brasileira Atual ao Alcance de Todos, São Paulo: Brasiliense, 1987. 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