Afinal, o nome da área é Recursos Humanos, Gestão de Pessoas ou o quê? Um estudo com empresas que atuam no segmento de saúde sobre os impactos da mudança de papeis da área na identidade do grupo Autoria: Camilla Zanon Bussular, Angela Beatriz Busato Scheffer, Roberta Cristina Sawitzki Resumo As sucessivas mudanças de papeis a que vem sendo demandada a área de Recursos Humanos remetem a uma necessidade de equivalente alteração de mind set por parte de seus profissionais. A partir da questão: por que a área de Recursos Humanos possui diferentes denominações? Procedeu-se uma investigação junto a seis instituições do segmento de saúde, buscando entender como a mudança de papeis da área afeta a identidade do grupo. Os resultados indicaram que demandas internas e externas à organização, influenciaram diretamente a estrutura, papeis e perfis dos profissionais da área, alterando, dessa forma, a identidade coletiva de RH. Palavras-chave: Gestão de Recursos Humanos, Papeis e Funções de Recursos Humanos. 1. Introdução Estudar a construção e o desenvolvimento das práticas de recursos humanos consiste em compreender não apenas conceitos técnicos, mas também aspectos idiossincráticos referentes à heterogeneidade e à pluralidade de ações. Em tempos em que o ideal de diversidade ganha espaço nas organizações, nenhum setor incorpora tal pensamento com a mesma intensidade da área de RH. Tantas são as manifestações neste sentido que a própria identidade do departamento é influenciada. Achados empíricos mostram uma diversidade de denominações assumidas pela área nas organizações: Recursos Humanos, Gestão de Pessoas, Desenvolvimento Organizacional, Gestão de Talentos, Capital Humano, Administração de Pessoal, Departamento de Pessoal, Relações Industriais, Setor de Gente, não se limitando a essas opções. Sendo o nome um elemento que compõe a identidade de um indivíduo ou coletivo, o que motiva essa mudança e variedade? Ela é de fato necessária? Esses questionamentos iniciais impulsionaram a construção desta pesquisa. Com o intuito de organizar as colocações, a área será referida como Recursos Humanos (RH) para fins didáticos e por essa ser a nomenclatura que prevalece no campo pesquisado para este artigo. Essa variedade de nomes suscita o entendimento de que novos papeis estão sendo colocados e assumidos pela área de Recursos Humanos frente ao desenvolvimento das organizações, e de que a construção da identidade da área vai se formando e moldando também a partir de demandas externas, especialmente aquelas vindas da alta gestão (GLYNN, M. A.; ABZUG, R, 2001). Carrieri (2002) acrescenta os estudos realizados por Glynn e Abzug (2001) ao debater que a construção desta identidade não se restringe às demandas do corpo diretivo, sugerindo que ela é uma construção social provocada pelos impactos dos vários grupos que compõem a organização. Esta “ampliação” perceptiva é reforçada por Berger e Luckmann (1973) quando os autores afirmam que a identidade é fruto dos processos sociais, sendo mantida, modificada ou remodelada pelas relações sociais, isto é, a formação e a conservação da identidade são determinadas pela estrutura social que as rodeia. 1 Partindo da curiosidade inicial e dando um caráter científico à observação empírica, busca-se, através de um estudo de caso múltiplo (YIN, 2001), focado em seis organizações que atuam no segmento da saúde em Porto Alegre, analisar a percepção de profissionais de RH sobre a identidade da área frente a esses novos papeis. Procuram-se como objetivos específicos: identificar as mudanças ocorridas e as demandas por novos papeis da área de RH; verificar os possíveis desdobramentos para a identidade da área e levantar as perspectivas futuras. Após uma breve revisão teórica sobre a temática da identidade grupal nas organizações e um resgate histórico sobre a atuação e constituição do RH, seguirão as seções sobre a metodologia utilizada, os achados de campo, sua análise e as considerações finais. Por ser um debate amplo, não se espera com este estudo encontrar uma resposta definitiva para a questão central e sim proporcionar uma discussão a respeito do tema, pois se “quem eu sou?” provoca algo tão difícil de ser respondido, mais complexa é a resposta para “quem somos nós?”. 2. Revisão Teórica A revisão teórica dará suporte de análise no desenvolvimento da pesquisa e na explicação dos achados de campo. Nesta seção serão apresentados um breve resgate conceitual sobre a identidade coletiva ou grupal, um resgate histórico da área de Recursos Humanos, seus papeis e desafios. 2.1 A identidade coletiva ou grupal O tema identidade desperta interesse em pesquisadores de vários campos do conhecimento, como da filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e também dos estudos organizacionais (CARRIERI; PAULA; DAVEL, 2008). Caldas e Wood Jr. (1997) fazem um resgate conceitual sobre a identidade, através do pensamento clássico e da psicologia, afirmando que o termo foi inicialmente cunhado para referir-se apenas ao indivíduo. Posteriormente, a terminologia e as definições foram apropriadas por outros campos do conhecimento, como é o caso da administração, e o conceito de identidade passa a ser aplicado também a grupos sociais, nações, espécie humana etc. (CALDAS; WOOD JR., 1997). Dentre os autores que dedicaram estudos sobre a identidade na dimensão individual, coletiva e da organização, estão Machado-da-Silva (2003), Davel (2008), Vasconcelos e Vasconcelos (2001), Carrieri (2008), Caldas e Wood Jr. (1997), Karreman e Alvesson (2001), Essers e Benschop (2007), Brown (2001), Luckmann (2008;1985). Segundo Caldas e Wood Jr. (1997), a noção psicanalítica de identidade foi um dos conceitos mais influentes e utilizados dentro das ciências sociais. No construto desses autores, o conceito de identidade e self são utilizados com significados parecidos. Em sua pesquisa sobre o tema, a palavra self está vinculada ao prenômio indo-europeu se-, que denota “o eu de cada um”. Enquanto a palavra identidade, a partir de sua origem latina, refere-se a um conteúdo ou propriedade, o self pode representar a entidade que o incorpora. O conceito mais divulgado sobre identidade “define-a como uma classificação do self que expressa o indivíduo como reconhecidamente diferente dos demais, e como similar a membros da mesma classe” (CALDAS; WOOD JR., 1997, p. 10). Cabe ressaltar que essa é uma das várias definições e ramificações que a palavra identidade possui e que depende, inclusive, da perspectiva de análise que está sendo utilizada. A questão é articular a dicotomia que circunda as diferenças individuais e as semelhanças coletivas, produzidas quando as pessoas formam um grupo. Ciampa (2006), ao falar de identidade coletiva, cita que os membros de um determinado grupo, ao compartilharem significados relevantes, dão sentido às suas atividades. Na ausência desse compartilhamento 2 simbólico, para o autor, os membros de uma coletividade estariam utilizando apenas, como “rótulo”, um mesmo nome ou título. Caldas e Wood Jr. (1997) propõem um esquema conceitual para mapear as principais correntes existentes no estudo da identidade a partir de duas dimensões básicas: a dimensão do objeto focal e a dimensão da observação (Figura 1). Por esse esquema, na dimensão do objeto focal, além do “indivíduo”, outras entidades também podem ser objeto de análise e possuir uma identidade, como é o caso dos grupos. Na dimensão da observação, os teóricos alvitram a distinção dos conceitos de identidade formulados a partir de diferentes pontos de observação, ou seja, independente do objeto analisado, a identidade pode ser observada tanto internamente, quanto externamente. Dessa forma, os autores abrem uma possibilidade teórica onde os grupos/coletividades podem ser tomados como objetos focais para a análise da identidade, podendo ser observados pelos que o compõe (autopercepção do grupo sobre si mesmo) e por outros grupos ou indivíduos (imagem refletida e percebida externamente). A Figura 1 apresenta esse esquema conceitual, que na própria visão dos autores, possui limitações teóricas. Figura 1 – Identidade – quadro conceitual proposto Fonte: Caldas e Wood Jr. (1997, p. 11). A partir da figura acima, Caldas e Wood Jr. (1997) elucidam os seis agrupamentos do seu esquema conceitual, onde: (1) o primeiro enfoca o objeto indivíduo, a partir do self, do autoconceito (self-concept) que tem de si e da imagem percebida pelos outros; (2) há no segundo a influência dos conceitos da Psicologia Social que tratam a identidade como um autoconceito (self-concept) que os indivíduos ou grupos possuem de si mesmos e a relação entre as identidades individuais e grupais, especialmente pela ideia de “identificação” da pessoa com determinado grupo e da significativa influência do grupo na construção da identidade individual. Além disso, por esta perspectiva, a identidade pode ser ampliada da visão do sujeito para a do grupo, pois esse último passa a ser um objeto focal que possui uma identidade; (3) o terceiro deriva da identidade individual, reunindo concepções clássicas de identidade no âmbito organizacional que compreendem as crenças compartilhadas pelos seus membros sobre o que é central (essência da organização), distintivo (o que diferencia uma organização de outra) e duradouro (características estáveis através do tempo); (4) já o quarto tem uma conexão com o segundo no sentido de que a organização possui uma percepção sobre si mesma; (5) o quinto apresenta uma perspectiva mais instrumental, quando 3 apresentam a forma como a organização administra e vende a sua imagem externa. Analisamse criticamente nessa esfera a forma como a organização manipula a sua imagem corporativa frente às outras organizações e sociedade; (6) e por último, o sexto, que abarca os estudos que discutem as definições de identidade numa perspectiva macro (sociedades, nações e humanidade. É importante salientar que o esquema, mesmo apresentado com delimitações e sequências definidas, envolve seus objetos focais, ou seja, o indivíduo, os grupos, a organização e as sociedades, num emaranhado de relações e influências mútuas. Assim, a partir desse esquema, pode-se analisar a identidade da área de Recursos Humanos dentro das organizações e a forma como ela é influenciada pelas pessoas, pela instituição na qual está inserida e pela sociedade, especialmente por outras organizações que compõem o campo de atuação no qual se insere. Na próxima seção, serão analisados brevemente a trajetória da área de Recursos Humanos, os papeis desempenhados, apontando que as mudanças ao longo do tempo afetam de alguma forma a identidade da área. 2.2 Os papeis desempenhados e a sua influência na identidade da área de Recursos Humanos Wood Jr., Tonelli e Cooke (2011) apresentam uma análise histórica da evolução de Recursos Humanos nos últimos 60 anos, dividindo suas reflexões sobre a área em dois períodos, um que vai de 1950-1980 e o outro de 1980-2010. O primeiro período (1950-1980), segundo os autores, foi marcado por importantes mudanças na gestão de RH. Dois agentes fundamentais neste processo foram: 1) as empresas multinacionais, que trouxeram de suas matrizes diversas práticas já difundidas em outros países, tais como recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento e 2) as escolas de administração, que também tiveram um papel definitivo na disseminação dos modelos e práticas de Recursos Humanos. É válido ressaltar que neste período a maior parte das empresas ainda contava com um departamento de RH voltado para cumprir as leis trabalhistas e processar os pagamentos e encargos consequentes. Marras (2000) coloca que a função de RH começou a ser estruturada nas empresas a partir da necessidade de “contabilizar” os registros dos trabalhadores, com ênfase, obviamente, nas horas trabalhadas, faltas e atrasos para efeitos de pagamento ou de desconto. O autor acrescenta que nesse campo pouco ou nada mudou. Afirma, ainda, que o “chefe de pessoal” tinha em comum, tanto na Itália quanto nos Estados Unidos e no Brasil, as mesmas características que o definiram por muitos anos: um sujeito inflexível, seguidor das leis e dono de uma frieza incalculável na hora de demitir alguém. Dessa forma, ser enviado ao departamento pessoal, como era chamado o RH, foi por muitos anos sinônimo de estar sendo chamado para receber uma carta de demissão. É válido salientar que as mudanças estruturais e de papeis não acontecem de modo semelhante para todas as empresas e de modo mecânico através do tempo. Não existe uma “evolução linear” das funções da área de RH para todas as organizações. É por isso que até hoje muitas empresas funcionam com o modelo de RH focado em questões operacionais e trabalhistas. A análise temporal, como fazem Wood Jr., Tonelli e Cooke (2011), mais do que demonstrar uma “evolução linear” ou totalitária, quer apresentar e discutir uma série de modificações sofridas pela área no Brasil e que acompanham de alguma forma as transformações ocorridas no cenário econômico-empresarial do país. Continuando sua análise, os autores apontam que o período de 1980-2010 foi marcado por três mudanças fundamentais para a área de RH: o alinhamento com os objetivos empresariais, a adoção intensiva de novos modelos e práticas e a adoção de uma nova retórica pela área, com a finalidade de disseminar 4 valores individualistas, o culto aos líderes, o incentivo à adaptabilidade, à inovação e à competitividade (WOOD JR.; TONELLI; COOKE, 2011). Segundo Ulrich (1998), os requerimentos da nova economia, com forte pressão pela redução de custo e pela inovação, dada a duração cada vez menor dos ciclos de vida de produtos, associados aos requerimentos de qualidade e atendimento às satisfações do cliente, trouxeram demandas crescentes relativas ao incremento das competências organizacionais e profissionais. Tal quadro levou as empresas a empreenderem mudanças expressivas no seu ambiente interno, nas quais se inclui a gestão de recursos humanos. Esta fase estratégica foi demarcada operacionalmente, segundo Albuquerque (1988), pela introdução dos primeiros programas de planejamento estratégico atrelados ao planejamento estratégico central das organizações. Foi, assim, nessa fase que se registraram as primeiras preocupações de longo prazo, por parte do board das empresas, com os seus trabalhadores. Iniciou-se nova alavancagem organizacional do cargo de Gerente de RH, que, de posição gerencial de terceiro escalão, em nível ainda tático, passou a ser reconhecido como diretoria, em nível estratégico nas organizações. Nesta perspectiva, a área de Recursos Humanos (RH) migra cada vez mais das funções técnicas para as funções consultivas (staff); assumindo até uma nova denominação: Gestão de Pessoas (GP). Essa mudança de lente, associando os referenciais teóricos de vantagem competitiva e visão baseada em recursos promove uma associação mais intima entre o desempenho da empresa, seus recursos, competências e seus processos internos, incluindo-se as pessoas e os processos de gestão de pessoas. Mascarenhas (2008) complementa que a função de gestão de pessoas passa a ser entendida como um conjunto privilegiado de princípios, práticas, políticas e processos por meio dos quais competências e recursos organizacionais (estratégicos e complementares) são desenvolvidos, entre eles o capital humano (as pessoas, dotadas de inteligência, e em relação de emprego com a organização), o capital social (seus relacionamentos) e sistemas de gestão capazes de satisfazer as demandas cotidianas. Revendo a trajetória percorrida pela área de Recursos Humanos, cabe ressaltar que este movimento está situado em um recorte de tempo que compreende menos de um século. As sucessivas transformações, adaptações e mudanças de posicionamento do setor não ocorreram suavemente. Puxadas pelas demandas de mercado, as alterações do RH acabaram proporcionando uma crise de identidade perceptível nos modelos atuais e que reverberam por suas práticas organizacionais. A seguir, serão apresentados os procedimentos metodológicos utilizados e, posteriormente, a análise dos dados, onde serão apontados os principais pontos da pesquisa e sua correspondente problematização. 3. Procedimentos Metodológicos Para compreender as percepções dos profissionais de RH em referência à identidade da área, foi utilizada a análise de estudos de casos múltiplos proposta por Yin (2001). Optou-se por esta abordagem por se tratar de um trabalho baseado em entrevistas semiestruturadas com gestores de Recursos Humanos de seis diferentes instituições hospitalares da cidade de Porto Alegre, RS. A escolha do setor hospitalar se deu em função do mesmo ter passado por significativas alterações, no que tange a gestão de Recursos Humanos. Desta feita, salienta-se ser uma pesquisa qualitativa de ordem exploratório-descritiva, conforme a classificação proposta por Vergara (2006) sobre a finalidade do trabalho. A pesquisa é descritiva na medida em que se buscou observar fenômenos, descrevendo-os, classificando-os e interpretando-os no sentido de entender as variáveis relacionadas à presença de práticas de gestão de Recursos Humanos e sua relação com a identidade do Departamento de RH. Além de caracterizar-se como pesquisa exploratória, na medida em que buscou conhecer e se aprofundar nas 5 percepções das pessoas entrevistadas em relação ao contexto nos quais as práticas de gestão de RH se relacionam com a base teórica dos papeis desempenhados pela área. A seleção das instituições participantes seguiu critérios de representatividade e relevância no contexto do mercado hospitalar da região metropolitana do RS. As seis organizações são reconhecidas como referências de práticas em seu segmento e participam de um grupo para debate e desenvolvimento de best practices do setor. As visitas foram agendadas diretamente com os gestores devido ao fato destes profissionais oferecerem maior concentração de conhecimentos e informações pertinentes à temática deste artigo. Uma vez angariados os dados, os mesmos foram transcritos individualmente: cada entrevista durou aproximadamente 1h30min e os dados foram coletados entre os meses de maio a julho de 2010, de acordo com a disponibilidade de cada instituição. Na sequência, procedeu-se a análise de conteúdo, de acordo com o que classifica Bardin (2004). Estes dados passam a ser detalhados e problematizados nas seções abaixo. 4. Apresentação e análise dos resultados Após a realização das seis entrevistas que compõem este estudo e suas transcrições, iniciou-se o processo de análise de conteúdo, conforme apresentado na seção dos procedimentos metodológicos. À medida que elas foram realizadas, emergiram três macrocategorias de análise, aqui designadas como “Campo Organizacional”, “Organização” e “Identidade da área de RH” e respectivas microcategorias de análise, apresentadas e resumidas na Figura 2. É importante destacar o quanto essas dimensões influenciam-se mutuamente e, por isso, a figura está desenhada com linhas pontilhadas, denotando a fluidez das interações e influências recíprocas. Ela está organizada a partir da dimensão do objeto, ou seja, partindo da identidade do grupo, que é composta pela multiplicidade de identidades dos profissionais que compõem a área, até o campo organizacional que, de forma geral, abarca outras organizações do segmento da saúde e os movimentos do mercado. Figura 2 - Influências sobre a identidade de RH nas organizações que compõe o estudo Fonte: elaborado pelos autores, a partir dos dados coletados nas entrevistas Com o intuito de preservar a confidencialidade das seis organizações participantes, elas serão aqui alcunhadas O1, O2, O3, O4, O5 e O6, identificando o respondente da pesquisa, quando os recortes de seus discursos forem utilizados para elucidar os itens especificados. 6 Para que a apresentação dos resultados fique mais didática no início de cada subseção será apresentado um quadro com a macrocategoria e suas respectivas microcategorias de análise, surgidas da interpretação do conteúdo das entrevistas realizadas. Na sequência, elas são explicadas, exemplificadas com as falas dos entrevistados e articuladas com o referencial teórico proposto neste estudo. 4.1 Macrocategoria Identidade da Área de Recursos Humanos (RH) Nesta macrocategoria de análise apresentam-se os aspectos que compõem e influenciam a identidade da área de Recursos Humanos nas organizações estudadas, segundo a percepção dos entrevistados. De forma geral, os profissionais de RH que participaram da pesquisa mencionam o quanto a área, a partir das demandas oriundas no negócio, da complexificação das relações de trabalho e também por tendências do mercado, se modificou ao longo do tempo. Isso se reflete na estrutura - aumento dos subsistemas que compõem a área – na denominação do setor, nos profissionais que atuam em Recursos Humanos e nos papeis desempenhados pela área. O Quadro 2 apresenta, sinteticamente, essas percepções que emergiram das entrevistas e em cada parágrafo subsequente serão elucidadas cada microcategoria de análise dessa temática. MACROCATEGORIA MICROCATEGORIA Estrutura Nome IDENTIDADE DA ÁREA DE RECURSOS HUMANOS (RH) Profissionais Autoconceito (selfconcept) Papeis Desempenhados Desafios DEFINIÇÃO - Identificação da estrutura da área e sua modificação ao longo do tempo impactada pelas mudanças ocorridas nos papeis desempenhados pelo RH; - Aumento sistemático dos subsistemas de RH para suprir as demandas e necessidades do negócio. - O nome da área, sua alteração ou não e os impactos dessa mudança nos papeis e práticas de RH. - A multidisciplinaridade dos profissionais que compõem a área de RH nas organizações do estudo. - A percepção que a área de Recursos Humanos tem de si ou a imagem que respondentes acreditam que os clientes internos tenham da área; - As características centrais da área. - As mudanças dos papeis desempenhados ao longo do tempo e aqueles que o RH destas organizações possui hoje. - Um relato dos desafios que a área tem para os próximos períodos. Quadro 2 - Categoria da Análise: Identidade da Área de Recursos Humanos Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas. A respeito da estrutura da área, de forma geral, o RH está vinculado diretamente ao principal executivo da organização (diretoria ou superintendência) denotando a posição de assessoria/staff na organização, conforme relatos: [O6] - Somos ligados diretamente à presidência dentro do organograma. Isso é bastante importante. O RH participa das decisões estratégicas junto à administração central. [O1] - O RH está ligado diretamente ao principal executivo. Só de estar ligado a este profissional o RH tem um peso estratégico. Isso mostra como este papel acaba sendo estratégico aqui. Como é a nossa estrutura: existe o conselho gestor (que é formado por pessoas daqui, por pessoas de fora, de outras empresas que participam do conselho), um presidente, um diretor-superintendente e respondem para ele outros diretores. O RH é um staff, um assessor da organização, pois permeia todas as áreas, assim como a controladoria. 7 Para os entrevistados, essa posição no organograma facilita o desempenho de funções estratégicas, dando ao RH mais visibilidade e acesso ao corpo diretivo e decisório. Nota-se o orgulho que os entrevistados falam desse posicionamento e destaque da área. A partir dessa retórica percebe-se a necessidade que o RH tem em buscar a sua legitimação e importância dentro das organizações. Mostrar o quanto “somos importantes e estratégicos” para o negócio. Para analisar de fato esse posicionamento, seria necessário entrevistar os dirigentes da empresa e gerentes que são clientes internos do departamento a fim de compor a análise. Essa, porém, é uma limitação do estudo, pois os entrevistados são exclusivamente os profissionais que atuam em RH. Outro aspecto estrutural insurge: o aumento do número de profissionais, bem como o aumento dos subsistemas da área de RH. Vários citam que em suas empresas o RH começou com as funções de Administração de Pessoal e foram aumentando seus subsistemas para Recrutamento e Seleção, Universidade Corporativa/Educação Continuada, Consultoria Interna de RH/Desenvolvimento Humano e Medicina e Segurança do Trabalho. Há uma variação no número de profissionais que atuam nesses subsistemas em cada uma das instituições. Percebese que na maioria delas a estrutura da área é bem enxuta, mas possuem a delimitação clara dos subsistemas. Em apenas uma das instituições investigadas, que é pública, o número de profissionais aumenta significativamente se comparado com as demais. Em relação ao nome da área, em quatro organizações ela se denomina Recursos Humanos, com exceção de duas, cuja denominação é Desenvolvimento Humano e Gestão de Pessoas. As impressões sobre esse assunto convergem para o seguinte consenso: a mudança de nome só é válida quando há uma mudança na identidade, atitude e práticas da área em relação às pessoas da organização. A maioria, inclusive, afirma que essa mudança é apenas simbólica ou segue tendências de mercado e que o mais importante, em sua opinião, é que as práticas e os papeis sejam revistos e modificados ao invés da nomenclatura: [O1] Não acho importante o nome e sim a atuação da área. Posso ter aqui RH Administrativo, posso ter Consultoria de RH, eles vão perceber o serviço prestado lá na ponta, não o nome que ele tem. Para quem atua na área talvez seja um glamour, sabe, trabalho na área de Gestão de Pessoas. Eu trabalhei no Departamento de Pessoal, no RH Administrativo, no Desenvolvimento e na Consultoria. Talvez em termos de currículo fique melhor colocar que “trabalhei na área de gestão de pessoas”. Para esses profissionais pode ser interessante, mas para a empresa não faz diferença. [O3] Aqui, pelo histórico que sei, sempre foi Recursos Humanos. Algumas pessoas já até comentaram que o mercado tem outros nomes e se agente nunca pensou em mudar. Com toda a sinceridade, acho isso uma bobagem, em minha opinião, o nome não tem a menor importância. Acho que mais importante é a política que tu praticas, que valores que tu tens, como tu és, as pessoas que trabalham na sua empresa e o que tu faz em relação a elas. Tu podes ter um nome lindo - “gestão de talentos” - e não ter política nenhuma, não ter valorização nenhuma e tratar mal as pessoas. Ou tu podes ter um nome mais antigo como Área de Pessoal, que é a mais inicial e tu podes ter por trás da estrutura uma política, uma valorização das pessoas que é fantástica. Para mim o nome é uma bobagem, não entendo porque existem tantos nomes diferentes, para fazer a mesma coisa ou até menos. Nas empresas que modificaram a sua denominação, a justificativa foi a seguinte: [O2] - Deve ter mudado faz mais ou menos 5 anos. A área passou de Administração de Pessoal para Recursos Humanos e hoje está como Desenvolvimento Humano. Não há registros formais dessas alterações, mas a demanda veio da superintendência e aconteceu a partir de uma reestruturação e de uma nova posição da área aqui na organização. [O6] A gente tem até as evoluções aqui. Até o ano 2000, era um grupo de RH, aí, a gente teve mudança de gerência. ...várias equipes aqui propuseram uma estrutura pro RH. Na época era RH e, aí, a gente se tornou Coordenadoria de Gestão de Pessoas. Então, com 8 outro enfoque. Criamos uma missão. Agora em 2008, 2009, a gente teve uma nova reestruturação, em função de outras demandas, que ampliou a área de desenvolvimento, criando a seção de ensino voltada a educação corporativa, ensino à distância, agregando toda a parte de educação. A gente está bem num momento de transição, indo pra gestão por competências, meritocracia e vendo que área de Gestão de Pessoas a gente tá querendo. Está maturando. E provavelmente vamos ter uma mudança na nossa estrutura, nos processos... A gente tem que se adequar a esses novos planos. Pode-se concluir, observando os relatos dos entrevistados, que mais do que a denominação, a mudança da identidade do grupo frente à organização é mais importante. Nas duas organizações onde a área teve esse movimento, de fato, houve mudanças marcantes que foram seguidas pela mudança na nomenclatura. Novamente, percebe-se a busca pela legitimação interna da área. Se comparada a outros grupos da organização, a área de RH, por lidar com a dicotomia “Organização X Funcionários”, muitas vezes, perde a clareza do seu papel institucional. Isto vai de encontro ao histórico de outras áreas que sempre se chamaram da mesma forma, como por exemplo, financeiro, contabilidade, produção e marketing. Outro aspecto observado é a variedade e a multiplicidade de profissionais que compõem a área. Na amostra da pesquisa, observa-se que ela está composta por administradores, pedagogos, psicólogos, médicos, enfermeiros, publicitários etc. [O1] - Talvez pessoas com os mesmos perfis tendam a não dar certo no modelo de consultoria como esse. Eu vejo, inclusive, no ponto de vista da formação. Não tenho preconceito com nenhuma formação e todas acabam se complementando. Na medida em que eu tenho uma enfermeira na minha área de consultoria, eu tenho uma psicóloga, um administrador, uma pessoa de publicidade (que agora está fazendo administração), já teve pedagogo fazendo consultoria, eu acho que isso acaba complementando a equipe. Onde tem um ponto mais fraco o outro vai lá e apoia, isso internamente até para a resolução de problemas da instituição é importante. A partir dessa colocação, pode-se inferir a grande exigência feita à área de Recursos Humanos, que deve, na maioria dos casos, resolver uma diversidade de problemas e eventos da instituição. Além das pessoas, o RH deve compreender o negócio, as funções das outras áreas, os processos e os movimentos do mercado, ou seja, deve ser um especialista da objetividade e da subjetividade intrínsecas à organização. Exige-se, assim, uma “super-área” que consiga ser responsiva e gerar resultados em muitas frentes da organização. Isso se reflete na variedade de formações que a área busca, como uma forma de complementar os saberes e concretizar suas incumbências. Ao serem questionados sobre a imagem que a área possui internamente e suas características, os respondentes trouxeram suas percepções e seu autoconceito (self-concept) sobre o espaço em que atuam. Nesse item, as falas contendo essas definições são diversas, tendo destaque para as colocações “parceiro”, “área que trabalha unida”, “referência para a organização e para os demais profissionais”, “acolhimento”: [O5] - Ser RH é tentar entender, ser parceiro, propondo soluções para problemas, como absenteísmo. É o setor que dá oportunidades. [O1] - O que me chama a atenção é como o grupo é unido. Nós contamos muito uns com os outros. Eu não trabalho sozinho. Eu tenho as minhas áreas, os gestores, esse é o grupo pelo qual eu sou responsável, mas eu não trabalho sozinha, apesar de cada um ter os seus processos e suas responsabilidades. Esse grupo faz isso muito bem – comparando com outros. Por sermos tão diferentes, o trabalho da área não poderia acontecer se não fosse essa parceria. [O6] - Como eu te disse, existe uma diferença entre o RH de antes e o RH de agora. As pessoas se sentem muito à vontade com o RH. Como eu te disse, isso aqui é aberto. As 9 pessoas vem aqui bem tranquilas. Se percebe que a gente conquistou um espaço muito grande aqui dentro. Pra além das coisas de frequência e de registros, as pessoas vem aqui porque sabem que vão ser acolhidas para as coisas que estão precisando. [O3] - Tem outras coisas aí: comunicação, facilidade de adaptação, flexibilidade, “tem que ser referência”, eu sempre digo aqui pra minha equipe: “os outros podem, vocês não”, “vocês têm que ser o exemplo de conduta, comportamento, de atitude”, acho que quem trabalha em Rh tem que ser referência. Caldas e Wood Jr. (1997), como mencionado no referencial teórico, abrem uma possibilidade teórica onde os grupos/coletividades podem ser tomados como objetos focais para a análise da identidade, podendo ser observados pelos que os compõem (autopercepção do grupo sobre si mesmo) e por outros grupos ou indivíduos (imagem refletida e percebida externamente). Essas seriam, como os autores chamam, as dimensões de análise do objeto focal, podendo a identidade ter uma constatação interna e externa. No caso deste estudo, a percepção sobre a área foi desenvolvida apenas com aqueles que a compõem, ou seja, com os profissionais de RH entrevistados. Sugere-se, para estudos futuros, que entrevistas sejam estendidas a pessoas externas à área com a finalidade de expandir as visões e percepções sobre a mesma. A respeito dos papeis desempenhados surgem múltiplas visões que vão do posicionamento estratégico às demandas mais operacionais. Destaque para a fala do entrevistado [O1] que ressalta que antes o papel era o atendimento das demandas mais operacionais dos empregados e que hoje também passa pelo atendimento das demandas da alta direção, conforme visto em Ulrich (1998). [O3] - Aqui na organização sempre tivemos presente a participação do RH nas questões do negócio. A direção entende que RH é estratégico, sempre teve esse entendimento aqui e isso torna mais fácil as coisas. ...se tu olhares os valores lá está presente a questão dos recursos humanos, se tu olhar os projetos estratégicos de 2010, 2011 e 2012, tu vais ver que há projetos específicos voltados para a valorização, para o desenvolvimento das pessoas, e eu acho que essa é a dinâmica do negócio, especialmente na área da saúde. A gente precisa trabalhar constantemente a questão do desenvolvimento, treinamento das equipes. Isso está presente na dinâmica, na estratégia da instituição. [O1] - Eu vejo o RH fazendo diferentes papeis. O Rh faz um papel estratégico junto à diretoria, a alta cúpula da instituição, que é disseminar todas as políticas, tudo aquilo que é objetivo estratégico para instituição, então tem que ter um alinhamento muito forte e muito próximo da diretoria, de quem decide as coisas dentro da instituição. Ao mesmo tempo atende a ponta, que são os clientes internos, os gestores, os funcionários. Então o RH tá ali, entre os dois. Antes ele era visto só como ponta. Talvez essa seja a diferença. Ontologicamente, observa-se o quanto o discurso de Recursos Humanos tende a focar o estratégico, mas, na prática, percebe-se a predominância do papel operativo e reativo, como demonstra esse último entrevistado. Estudos como o de Bosquetti e Albuquerque (2005) cruzam informações sobre a visão dos profissionais da área e os clientes internos da organização. Os resultados demonstram o quanto essas percepções podem estar distantes: o RH se vê com um posicionamento estratégico mais que seus clientes internos. Esse cruzamento trata-se de uma sugestão para estudos futuros, dentro do segmento em questão. Quando questionados sobre os papeis e os desafios para a área, os entrevistados afirmam: [O6] - Eu acho que faltam alguns dos projetos modernos que as empresas provadas praticam. Falta aprovação, pois estão desenhados pra entrar no ar a qualquer momento. Eu acho que falta uma preparação para a aposentadoria. 10 [O1] - O nosso desafio constante é ser realmente estratégico e entender do negócio. Sem isso, a gente não vai conseguir trabalhar. Se for para ser só consultor de recursos humanos, não é o que eu quero. É participar e influenciar as tomadas de decisão do negócio. [O4] - A Instituição agora está focando no RH, antes era muito focada na questão assistencial. O próprio RH como um desafio. [O3] - ...é ter uma escola de formação de alguns profissionais que a gente tem uma dificuldade maior – técnico de enfermagem, camareira, copeira. Então, a minha expectativa está vinculada a isso, ao desenvolvimento das pessoas e alguns sistemas de manutenção dessas pessoas aqui dentro. Percebe-se que os desafios da área variam conforme a instituição e o estágio em que ela se encontra frente ao que lhe é exigido. Enquanto para umas, como citado pelo entrevistado O1, o desafio é manter o papel estratégico já desempenhado, outras buscam o seu espaço de consolidação na instituição, como exemplificado por O4. Há um foco também nas ações operacionais da área, como, por exemplo, a ampliação de subsistemas já existentes e a implantação de projetos tidos como “modernos”. A partir disso, pode-se coligir que mesmo apresentando semelhanças na maioria das microcategorias de análise (estrutura, nome, profissionais e papeis desempenhados), os respondentes variam suas respostas em duas: no autoconceito e nos desafios para a área. Resgata-se nesse ponto o conceito de identidade proposto por Caldas e Wood Jr. (1997, p.10), apresentado no referencial, onde define-a como “uma classificação do self que expressa o indivíduo como reconhecidamente diferente dos demais e como similar a membros da mesma classe”. No caso, transpõe-se o conceito de identidade de indivíduo para grupo, ou seja, altera-se o objeto focal. 4.2 Macrocategoria Organização Nesta macrocategoria de análise, busca-se expor como a organização (alta direção, demais áreas e clientes internos) com suas diretrizes, missão e valores, influencia a identidade da área de Recursos Humanos na visão dos entrevistados. O Quadro 3 apresenta, sinteticamente, as percepções que emergiram das entrevistas e em cada parágrafo subsequente serão elucidadas cada microcategoria de análise dessa temática. MACROCATEGORIA MICROCATEGORIA Alta Direção ORGANIZAÇÃO Demais áreas Clientes Internos DEFINIÇÃO - Influência exercida pela alta direção na identidade de RH, especialmente em função da posição da área na estrutura das organizações da pesquisa. - Demandas e influências geradas pelas demais áreas da organização. - Demandas e influências geradas pelos demais funcionários da organização, que são “clientes internos” da área. Quadro 3 - Categoria da Análise: Organização Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas. Entende-se o quanto os movimentos de mudança da organização afetam o agir e o ser RH. Além disso, há uma forte influência também do gestor de RH, que direciona e influencia a identidade da área, assim como as diretrizes, a missão e os valores da organização em que se está inserido. Questionado sobre o perfil do profissional que atua em RH, um entrevistado, que é gestor de RH, comentou que “mais do que a profissão, busca-se uma pessoa com o perfil da empresa. Se a nossa missão é humanizar, então o profissional que atua em RH deve ter esse perfil, deve saber humanizar as relações, o atendimento. Deve ser acolhedor”. Todas essas características determinam e delineiam a identidade de Recursos Humanos. 11 Apesar de não ter sido mencionada literalmente, percebe-se a influência da cultura na formação da identidade de Recursos Humanos a partir da afirmativa de outro entrevistado que defende que “o RH deve ter a cara da instituição”. Como afirmam Machado-da-Silva e Nogueira (2001, p.1) “As culturas não só oferecem significados às pessoas possibilitando sentidos às suas vidas, mas, também, constituem fonte de significados para as identidades delas, na medida em que contribuem para a compreensão de como se identificam para si e entre si”. Sobre cultura organizacional, Cavedon (2008, p.59) entende como sendo uma “rede de significações que circulam dentro e fora do espaço organizacional, sendo simultaneamente ambíguas, contraditórias, complementares, díspares e análogas implicando ressemantizações que revelam a homogeneidade e a heterogeneidade organizacionais”. Através das interações sociais, essa rede de significados é compartilhada, gerando comportamentos e formas de agir dentro do espaço organizacional. A identidade do RH é afetada por esse conjunto de significados compartilhados, exemplificada pela fala deste entrevistado: [O3] - acho importante dizer que a gente tem uma missão aqui, que está muito voltada para a questão da humanização, então todas as nossas políticas têm isso como pano de fundo: qual é a política da instituição? E o que nós podemos contribuir? Nada do que a gente faça pode ser contrário à Missão. Eu estimulo a minha equipe a pensar dessa forma também, nada do que a gente faça pode ser contrário à missão, essa é a referência maior. Independente do que está acontecendo no mercado, a gente tem uma referência no cristianismo, no amor ao próximo, tudo isso está presente. Isso é muito forte e a gente quer passar isso para cada um, respeitando todas as religiões, sem nenhuma imposição. Sobre a influência das demais áreas e dos clientes internos em geral, este gestor de RH provoca a seguinte reflexão em sua equipe: Eu diria assim, que a coisa mais importante pra mim na minha equipe é o trato com o nosso cliente interno. Pensar que essas pessoas todas para as quais nós prestamos serviço são nossas clientes. Sempre agente se perguntar, assim, se eles nos escolheriam como fornecedores. Porque hoje eles não têm escolha, né, eles são obrigados a ter um serviço nosso. Eu sempre insisto com a minha equipe, se os nossos clientes internos tivessem a oportunidade, eles manteriam o atendimento que estamos dando? Conclui-se, a partir disso, o quando os grupos, as pessoas e as organizações são produzidas dentro de um contexto de relações sociais. Resgata-se a contribuição de Berger e Luckmann (1973) quando afirmam que a identidade é fruto dos processos sociais, sendo mantida, modificada ou remodelada pelas relações sociais, isto é, a formação e a conservação da identidade são determinadas pela estrutura social que as rodeia. 4.3 Macrocategoria Campo Organizacional Nesta macrocategoria de análise discute-se o quanto o campo organizacional externo às instituições pesquisadas influi na construção da identidade de Recursos Humanos. A busca por referências de mercado denota o quanto as práticas e os papeis de RH precisam de legitimação. O Quadro 4 apresenta, sinteticamente, as percepções que emergiram das entrevistas e em cada parágrafo subsequente serão elucidadas cada microcategoria de análise dessa temática. MACROCATEGORIA MICROCATEGORIA DEFINIÇÃO CAMPO ORGANIZACIONAL Outras Organizações do Segmento da Saúde - Busca da área de RH por referências em outras organizações do segmento da saúde. 12 Tendências do Mercado - Demandas e influências geradas pelo mercado e por organizações de outros segmentos. Quadro 4 - Categoria da Análise: Campo Organizacional Fonte: elaborado a partir dos dados coletados nas entrevistas. Torna-se necessário, antes de expor as colocações dos entrevistados, um conceito sobre o que se entende por campo organizacional. DiMaggio e Powell (1983), estudiosos da teoria institucional, definem campo organizacional como “as organizações que, em conjunto, constituem uma área conhecida da vida institucional: fornecedores-chaves, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzam serviços e produtos similares”. As áreas de RH das organizações que participaram deste estudo possuem um grupo de troca de informações de Recursos Humanos. Através dele, informações como indicadores, práticas, políticas e a própria constituição da área é transmitida para os demais. Essas referências externas, portanto, influenciam diretamente a identidade do setor. Lacombe e Chu (2008) afirmam o quanto a teoria institucional pode ser relevante para explicar o desenho e a implementação de políticas e práticas de RH. Quando questionados se buscavam no mercado referências para atuação da área, houve um consenso entre os respondentes: [O6] - Sempre que a gente vai fazer alguma coisa, a gente tenta ver como está em volta. Pelo fato da gente ser ligado à uma instituição X, também, isso traz muito a academia aqui pra dentro. A gente tem muito contatado com profissionais com mestrado, muito contato com a academia... mas o benchmarking, a gente não tem uma fonte exclusiva, até porque a gente tem uma carreira muito solo... a nossa organização é diferenciada [O4] – Buscamos referência no grupo de informações de RH da saúde e outros benchmarkings. . [O2] - De todas as empresas que eu trabalhei vejo que aqui se busca muitas referências de mercado. Junto ao grupo de informações de RH, de outras práticas de mercado, viajam muito, visitam muitas empresas buscando essas alternativas, comparações. DiMaggio e Powell (1983) propõem uma tipologia analítica, identificando três mecanismos por meio dos quais ocorrem mudanças isomórficas institucionais: 1) isomorfismo coercitivo, que deriva das influências políticas e da busca pela legitimidade; 2) isomorfismo mimético, que resulta das respostas padronizadas às incertezas e 3) isomorfismo normativo, que deriva das normas atreladas às profissões. Alterando o objeto focal da organização para a área de Recursos Humanos, no caso em questão, verifica-se, principalmente, que a legitimidade é buscada por algum tipo de isomorfismo, e os mais presentes são o coercitivo e o mimético. Além da influência direta do campo organizacional das instituições do estudo na identidade da área, verifica-se que a tendências de mercado, ou seja, o que outras grandes empresas de segmentos distintos estão realizando em termos de RH é também considerado na opinião dos respondentes. Configura-se uma busca pela validação das práticas e do ser RH dentro das empresas. Portanto, o ser RH passa também por uma questão “como outras áreas de Recursos Humanos são?”. 5. Considerações Finais A construção deste artigo foi uma tentativa de entender o que empiricamente é tão observado: por que a área de Recursos Humanos possui tantas denominações? A partir desta questão, buscou-se analisar a percepção de profissionais de RH sobre a identidade da área frente aos novos papeis que são demandados e colocados por várias esferas que extrapolam, inclusive, os limites da organização. A maioria dos entrevistados afirma o quanto a área de 13 RH está vinculada diretamente aos altos executivos da organização e atribuem a isso uma exigência por papeis mais estratégicos que, segundo a maioria dos entrevistados, já é desempenhado pela área. Com exceção de uma organização, que afirmou o quanto seu papel ainda é operacional, mas que tende a mudar. É válido salientar que mesmo exercendo funções mais estratégicas dentro da organização, as áreas de RH ainda dedicam-se, nas instituições pesquisadas, no desempenho de papeis mais operacionais, que são demandados por seus clientes internos. Dessa forma, a área assume funções diferenciadas e simultâneas, que vão das mais relevantes para a organização, às mais funcionais-cotidianas, com a finalidade de abranger as demandas da alta direção e de seus funcionários. Sobre a identidade da área, os profissionais de RH observam influências diversas, como por exemplo: demandas oriundas no negócio, especialmente em relação às exigências advindas da direção das empresas; das alterações nas relações de trabalho – que se tornaram mais complexas e que exigem mais da área; além das exigências de mercado (se as empresas do meu segmento estão adotando novas funções, por que não fazemos da mesma forma?). Essas influências se refletiram na estrutura da área (que passou a contar com mais subsistemas), nos papeis desempenhados (do mais estratégico aos mais operacionais e que subsistem conjuntamente) e na diversidade de profissionais da área (profissionais com diferentes formações e experiências), explicadas detalhadamente no corpo do artigo através das microcategorias de análise. São essas várias forças e relações simbólicas, internas e externas à organização, que influenciam as características e papeis desempenhados pelo setor. A construção da identidade de RH, na percepção dos entrevistados, passa por essas influências. Visualizou-se que, na maioria das organizações participantes, o nome da área continua a ser Recursos Humanos e que os mesmos valorizam mais a mudança de atitude e de prática do que simplesmente a mudança de nome, apesar de vários “novos” papeis, como o estratégico, por exemplo, já serem exercidos. Há um consenso de que tal prática é um modismo. Portanto, nas instituições pesquisadas, mudaram-se as práticas, mas o nome permaneceu o mesmo, com exceção de duas organizações que mudaram suas práticas e também sua denominação. Espera-se que o presente estudo tenha contribuído para a desmistificação de que as mudanças de papeis devam vir acompanhadas de uma mudança de nome. Essa alteração constante de denominações representa o quanto a área precisa legitimar a sua ação e a sua importância nas organizações. Propõe-se que outros estudos sobre identidade de Recursos Humanos sejam conduzidos e, como sugestão, que sejam entrevistados outros atores organizacionais para complementar a percepção sobre a identidade de RH nas organizações, uma limitação percebida no presente estudo. 6. Referências Bibliográficas BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade. 33ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011. BOSQUETTI, Marcos; ALBUQUERQUE, Lindolfo. Gestão Estratégica de Pessoas: Visão de RH x Visão dos Clientes. In: ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais .... Brasília: ANPAD, 2005. BROWN, A. D. Organization studies and identity: Towards a research agenda. Human Relations. London, v. 54, n. 1, p. 113-121, 2001. CALDAS, Miguel P.; WOOD JR., Thomaz. Identidade Organizacional. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 37, n. 1, p. 6-17, jan./mar. 1997. 14 CARRIERI, A. P.; PAULA, A. P. P. de; DAVEL, E. 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