MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ___ VARA CÍVEL FEDERAL DA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO – SP
“(...) o direito à saúde, em sua dimensão própria e ampla,
compartilha a natureza de um direito a um tempo individual e
social. Pertencendo, como o direito à vida, ao domínio dos
direitos básicos ou fundamentais, o direito à saúde é um direito
individual no sentido de que requer a proteção da integridade
física e mental do indivíduo e de sua dignidade; e é também um
direito social no sentido de que impõe ao estado e à sociedade
a responsabilidade coletiva pela proteção da saúde dos
cidadãos e pela prevenção e tratamento das doenças. O direito
à saúde, assim apropriadamente entendido, fornece, como o
direito à vida, uma ilustração vívida da indivisibilidade e da
inter-relação de todos os direitos humanos.”
(Cançado Trindade)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores
da República signatários, vem, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 127,
caput, da Constituição Federal, no art. 6º, XIV, “g”, da Lei Complementar nº75/93 e art. 5º, §
1º da Lei n.º 7.347/85 propor a presente
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face da
AGÊNCIA NACIONAL
DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA), autarquia federal sob regime
especial, localizada no SEPN 515, Bloco B, Edifício Ômega, 5º andar, Brasília/DF, pelos
fatos e fundamentos a seguir expostos:
I – DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação tem por escopo a proteção dos direitos do
consumidor à informação e à saúde, por meio da obtenção de decisão judicial que obrigue a
ANVISA a editar ato normativo que discipline a rotulagem de todos os produtos alimentícios
que contenham o corante amarelo Tartrazina como ingrediente, para que conste uma
advertência acerca das reações de sua natureza alérgica, especialmente em crianças e pessoas
hipersensíveis ao Ácido Acetil Salicílico.
II – DOS FATOS
Em 14 de abril de 2004, foi apresentada denúncia ao Ministério
Público Federal (fls.3/4), com informações sobre os possíveis danos à saúde causados por
alimentos que contêm o corante amarelo Tartrazina como ingrediente. Com base em tais
informações, foi instaurada a Representação MPF/SP nº 1.34.001.002075/2004-13, que
objetivou verificar o respeito ao direito básico do consumidor à informação e analisar a
2
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importância da obrigatoriedade de constar na rotulagem dos produtos uma advertência acerca
dos efeitos alérgicos que seu consumo pode causar.
A pretensão do procedimento investigatório teve por base a
contraposição entre a Resolução-RE nº 572 (fls. 06) e a Resolução RDC nº 340/2002, ambas
da ANVISA. Considerando os prejuízos que podem ser causados pelo consumo do aditivo, a
Resolução-RE nº 572 determina que os medicamentos que o contenham devem apresentar,
tanto na bula quanto no cartucho, de forma claramente visível e destacada, o seguinte aviso:
“Este produto contém o corante amarelo de TARTRAZINA que pode causar reações de
natureza alérgica, entre as quais asma brônquica, especialmente em pessoas alérgicas ao
Ácido Acetil Salicílico”, ao passo que a Resolução RDC nº 340/2002, referindo-se aos
alimentos, determina que eles declarem em suas rotulagens, especificamente na lista de
ingredientes, apenas o nome do corante por extenso.
Em 28 de abril de 2004, a ANVISA foi oficiada pelo Ministério
Público Federal para se manifestar sobre os documentos acostados aos autos da
representação. Por meio do ofício nº 510/2004-GADIP/ANVISA (fls. 23/26), a autarquia
concluiu pela desnecessidade de inclusão de advertência nos rótulos das embalagens dos
produtos alimentícios que contenham o corante em questão. Para tanto, baseou suas
infundadas razões em estudos que demonstrariam que o possível mecanismo pelo qual a
tartrazina causa efeitos adversos nos seres humanos não estaria ligado a uma reação
imunológica.
Segundo a ANVISA, a maioria dos estudos em sentido diverso ,
qual seja: que a tartrazina causa efeitos adversos nos seres humanos e poderia desecadear uma
reação imunológica, seria inadequada, tanto em virtude da abordagem metodológica, quanto
da população estudada, que teria abrangido apenas doentes crônicos e não agudos. Em suma,
o foco de suas alegações foi a ausência de bases científicas que comprovassem a intolerância
ao corante por populações específicas.
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Em 23 de junho de 2004, o autor da denúncia trouxe nova
manifestação aos autos, acostada às fls. 28/29, na qual salientou, fundamentalmente, que os
efeitos alergênicos do corante, de fato, existem. Assim, ponderou:
“ (...) Tanto faz mal, que existem restrições a seu uso em
diferentes países. Alergia é uma reação anômala do organismo
frente a uma determinada substância, diferente da reação que a
população em geral apresenta; alergia é uma reatividade
alterada: enquanto a população em geral tem uma reação mais
ou menos constante ou previsível ao ter contacto com
determinada coisa, o alérgico entra em contato com essa
mesma substância e tem reação outra, diferente, anômala,
imprevisível. Isto é alergia.
Ocorre que podemos fazer jogo de palavras, usar nomes tais
como intolerância, hipersensibilidade, etc e a pessoa deixa de
ser alérgica e passa a ser intolerante. Isto é apenas uma
questão de semântica, que foi em parte usada pela ANVISA.
Deixando de lado este aspecto, é fato que determinadas pessoas
tem reações indesejáveis, adversas quando ingerem o corante
amarelo tartrazina. E ficam doentes por isto. E podem passar
mal, com doenças potencialmente graves ou incômodas. Isto é
uma realidade”.1
Com base na documentação acostada ao procedimento
administrativo, o Ministério Público Federal, nos termos do artigo 6º, inciso XX da Lei
Complementar nº 75/93, exarou à ANVISA, em 17 de fevereiro de 2005, a Recomendação
MPF/SP nº 06, cujo teor transcrevemos in verbis:
1
Em manifestação escrita de autoria do Dr. Antonio Miguel Zarvos, CRMESP 18.203, fls. 28/29 do
procedimento administrativo MPF/SP nº 1.34.001.002075/2004-13
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“O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com o escopo de
prevenir responsabilidades e visando à salvaguarda dos
consumidores e da saúde pública, vem RECOMENDAR à
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA que
edite ato normativo exigindo que, na rotulagem de produtos
alimentícios que contenham o corante amarelo TARTRAZINA,
conste, de forma claramente visível e destacada, a seguinte
informação: “Este produto contém o corante amarelo
TARTRAZINA, que pode causar reações de natureza alérgica,
entre as quais asma brônquica, especialmente em pessoas
alérgicas ao Ácido Acetil Salicílico”, como já sugerido pelo
IDEC no ofício DT MD 078-02, de 19 de novembro de 2002”
Em 31 de março de 2005, a ANVISA, informando o não
cumprimento da Recomendação, encaminhou parecer técnico (fls. 178/180) elaborado por
sua Gerência de Ações de Ciências e Tecnologia da Gerência-Geral de Alimentos. Em linhas
gerais, a agência apresentou os mesmos argumentos que também o foram às fls. 23/26,
concluindo, ao final, que a obrigatoriedade da declaração por extenso do corante na lista de
ingredientes dos alimentos que o contenham seria o suficiente para o momento.
Todavia, o teor da Resolução RDC 340/2002 não atende aos
ditames legais, especialmente aos direitos básicos do consumidor à saúde e à informação,
como será demonstrado nesta ação.
III- DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Por definição apresentada pelo art. 127 da Constituição Federal
de 1988, é o Ministério Público órgão indispensável à atividade jurisdicional do Estado,
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cabendo a ele zelar pela defesa da ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Tal escopo encontra-se inserido entre as
funções institucionais do órgão ministerial, elencadas no art. 129 da Carta Magna, como
segue:
"Art. 129 - (...)
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;"
Ante a reprodução do texto constitucional, verifica-se a
incumbência de resguardar o interesse público, consubstanciado não só no respeito à
orientação dos Poderes Públicos como em questões outras de importância significativa para o
Estado e para a sociedade, enquadradas entre os interesses difusos e coletivos. Com vistas a
esse procedimento, é conferido ao órgão ministerial, pela Constituição, valer-se de
instrumentos como a propositura de ação civil pública, que ora se faz.
Pelo que prevê a Lei nº7.347/85, é cabível o ajuizamento de
ação civil pública para intenta a responsabilização da Ré por danos morais e patrimoniais
causados aos objetos de proteção jurídica elencados pelo art. 1°, quais sejam:
I. o meio ambiente;:
II. o consumidor,
III. os bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
6
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IV. qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V. a ordem econômica.
Para propor a ação a que aqui se alude, dispõe a Lei nº7.347/85
sobre os órgãos que estão legitimados a fazê-lo, acompanhando a Constituição Federal, de
forma expressa, ao também atribuir a função ao Parquet:
"Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas
pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e
Municípios." (caput, p.p.)
Na ocorrência de situação aflitiva aos interesses e direitos dos
consumidores, bem como de ofensa ao patrimônio público, a Lei nº8.078/90 admite a
possibilidade de apreciação da questão em juízo (art. 81), sendo possível ao Ministério
Público motivar o Judiciário para tanto, conforme o disposto no art. 82, I, do referido
Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, cumpre dizer que a Lei Complementar 75/93, que
dispõe sobre a organização, as atribuições e os estatutos do Ministério Público da União,
outorga a este órgão a competência para propor ação civil pública em defesa dos interesses
difusos e coletivos, como os direitos do consumidor, bem como o habilita para a defesa do
patrimônio público lesado por ação ou por omissão da autoridade. Essas disposições se
encontram entre as funções institucionais e as atribuições do órgão ministerial elencadas,
respectivamente, nos arts. 5º e 6º do diploma normativo mencionado.
IV- DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Afirma-se a competência da Justiça Federal para cuidar de ação
vertente pela presença do Ministério Público Federal no pólo ativo, na esteira do que vem
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sendo decidido pelo E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A exemplo: Se o Ministério
Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo – CC
4927-0, DF, 1ª seção, j. 14.9.93 – rel. Humberto Gomes de Barros – DJU 4.10.93.
Tal entendimento é dominante em nossa jurisprudência,
havendo firmado posição a respeito o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no seguinte
sentido:
“EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LEGITIMIDADE DO MPF. Se a ação proposta pelo MPF está
incluída dentro de suas atribuições, prevista na CF 88 e na LC
n.º 75/93, como é o caso dos autos, basta esse fato para legitimar
o Parquet Federal para a causa e, conseqüentemente, a Justiça
Federal é a competente para o processo e julgamento do feito.
Precedentes da jurisprudência. Apelação conhecida e provida.”
(TRF4. TERCEIRA TURMA, APELAÇÃO CÍVEL N.º
2001.04.01.065054-8/SC, Relator JUIZ CARLOS EDUARDO
T. F. LENZ, data da decisão 26/03/02, DJU 25/04/02, PÁGINA
471).
Ademais, trata-se de feito com interesse federal, também em
razão de que a regulamentação e fiscalização da atividade que ora se impugna cabe à União,
por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia federal sob
regime especial, no âmbito da qual está cristalizada, nos termos do artigo 6º da Lei nº
9.782/99, que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária e dá outras providências, a finalidade institucional de promoção da saúde
da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de
produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos,
dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos
e fronteiras.
8
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Dessa forma, tendo em vista o disposto no artigo 109, inciso I da
Constituição, não restam dúvidas acerca da competência da Justiça Federal para apreciar a
demanda que aqui se apresenta.
“Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes
do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho;”
No que tange à competência territorial, cabe a apreciação da
lide ao Juízo da Subseção Judiciária de São Paulo, pois, embora o dano seja difuso e atinja
toda a população brasileira, fica consagrada a regra firmada pelo parágrafo 2º, do artigo 109,
da Constituição Federal.
V – DOS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO
1. DAS RAZÕES DA RECOMENDAÇÃO MPF/SP Nº 06, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2005
A Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal foi
elaborada com base na literatura científica de diversos países. Tais estudos alertam para a
grande potencialidade alergênica da tartrazina, largamente utilizada nas indústrias
farmacêutica e alimentícia e que pode causar, dentre outras reações, asma brônquica,
especialmente em pessoas alérgicas ao princípio ativo aludido e que em pacientes que
possuem hipersensibilidade à aspirina.
Tendo em vista a mesma fundamentação técnica, a agência de
proteção à saúde dos consumidores dos Estados Unidos, “Food and Drugs Administration”,
9
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já havia publicado, em 01 de abril de 2001, no Code of Federal Regulations Title 21, Vol 4 –
Sec. 201.20, a obrigatoriedade da declaração da presença do FD&C Yellow nº 5 em certos
medicamentos para uso em humanos, assim devendo ser redigida a informação: “Este
produto contém FD&C Yellow nº 5 (tartrazina) que pode causar reações do tipo alérgicas
(incluindo asma brônquica) em certas pessoas susceptíveis. Embora a incidência de
sensibilidade a FD&C Yellow nº 5 na população em geral seja baixa, esta é freqüentemente
vista em pacientes que também possuem hipersensibilidade a aspirina”.
Pelas mesmas
razões destacadas pela agência americana, a
utilização do corante tartrazina foi proibida em países como a Suécia, Noruega e Áustria.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ré na
presente ação- reconhecendo que reações como asma e urticária vinham sendo relatadas com
certa freqüência, principalmente em decorrência do consumo de alimentos e medicamentos
que continham tartrazina como ingrediente. E, reconhecendo também que as reações, em
alguns casos, eram bastante severas, editou a Resolução-RE nº 572, cujo artigo 1º determina
que os medicamentos contendo o excipiente corante tartrazina devem conter, tanto na bula
quanto no cartucho, de forma claramente visível e destacada, o seguinte aviso: “Este produto
contém o corante amarelo de tartrazina, que pode causar reações de natureza alérgica,
dentre as quais asma brônquica, especialmente em pessoas alérgicas ao Ácido Acetil
Salicílico”.
Ocorre que, a despeito de ter sido regulamentada a necessidade
da presença desta informação em medicamentos, no que concerne aos demais produtos que
contenham o aditivo, foi editada apenas a Resolução RDC nº 340/2002, cujo artigo 1º
determina unicamente que seja declarada na lista de ingredientes, de forma genérica, o
nomen “tartrazina”, sem o necessário alerta acerca de sua potencialidade alergênica.
A própria ANVISA, nos autos da representação de nº
1.34.001.001751/2004-31, que investigou a fiscalização estatal da importação de produtos
alimentícios com presença de ingredientes transgênicos, por meio de seu Gerente Geral de
10
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Alimentos, Cleber Ferreira dos Santos, em nota técnica de nº 009/04, reconheceu a
necessidade de informação ao consumidor sobre os riscos que a tartrazina pode apresentar,
assim alertando: “ (...)Este é o caso para o aditivo Tartrazina, para o adoçante Aspartame e
para os alimentos que possuem a proteína do trigo chamada glutém. Todos esses produtos
necessitam ter informações específicas no rótulo. A ANVISA tem sistematicamente realizado
programa de inspeção de alimentos que possam apresentar riscos à saúde, como os que
foram citados.”
Destarte, é injustificável o tratamento diverso dado aos produtos
alimentícios que contenham a tartrazina, quando comparados à legislação editada para os
medicamentos. Não se pode admitir que o consumidor seja alertado quando consome um
medicamento com tartrazina e não o seja quando consume um alimento com o mesmo
corante. A distinção é ilegal é há de ser reparada por decisão judicial.
2 – DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELA ANVISA
A autarquia, em resposta às fls. 176/180, informou que a
tartrazina teria sido avaliada toxicologicamente pelo “Joint FAO/WHO Expert Committee on
Food Additives”, um grupo de especialistas que avalia a segurança do uso de aditivos
alimentares, segundo o qual seria permitido uma ingestão diária aceitável de 7,5 mg/Kg do
corante.
Além deste dado, estudos teriam demonstrado que o possível
mecanismo pelo qual a tartrazina causa efeitos adversos aos seres humanos não estaria ligado
a uma reação imunológica, podendo tratar-se de casos de hipersensibidade.
Segundo a ANVISA, ainda, a maioria destes estudos seria
inadequada quanto à abordagem metodológica, uma vez que a população estudada teria
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abrangido apenas doentes crônicos. Ademais, afirmou a agência que o corante seria de uso
restrito no Brasil, nos moldes da União Européia e nos Estados Unidos.
Concluiu, com isso, que a colocação de uma advertência a rigor
do que foi recomendado pelo Ministério Público Federal em relação aos demais produtos que
contenham a tartrazina seria desnecessária tendo em vista a ausência de bases científicas para
tanto.
3 – DO DIREITO À SAÚDE
O direito à saúde tem na Constituição a dimensão de sua
importância para a sociedade e o Estado brasileiro. A atuação política capaz de garantir a
efetividade desse direito está direcionada na Lei Maior, a partir do artigo 1º, III (dignidade da
pessoa humana), passando pela previsão da saúde como direito individual inviolável (art. 5º)
e social (art. 6º) até o tratamento específico da saúde como integrante da ordem social nos
artigos 196 e seguintes.
O artigo 196, da Constituição Federal estabelece:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.”
12
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nota-se que, nesse artigo, cabe ao Estado a promoção de
políticas e ações que tornem o direito à saúde efetivo,2 tanto no
âmbito individual, quanto no âmbito coletivo.
Destaca Helita Barreira Custódio que:
“Evidentemente, a Constituição de 1988, além de garantir a
inviolabilidade do direito à vida, incluída a inviolabilidade do
direito à saúde (art. 5º) e de definir a competência decorrente
da União, dos Estados e do Distrito Federal (incluída a dos
Municípios, implícita e expressamente, por se tratar de matéria
de interesse local – CF, art. 24, XII, c/c/ o art. 30, I) para
legislar sobre a proteção e defesa da saúde (art. 24, XII) e a
competência comum de tais Unidades para cuidar da saúde e
assistência pública (art. 23, II), introduziu, de forma inovatória,
relevantes princípios e normas reguladores de um conjunto de
ações e serviços de iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos á saúde,
à previdência e à assistência social (CF, art. 194), bem como a
garantir a promoção, a proteção, a recuperação, a melhoria e a
conservação da saúde, definida como direito de todos e dever
do estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
além da prioridade para as atividades preventivas, em caráter
permanente (CF, arts. 196 a 200), tudo visando a proteger a
vida presente e futura como inviolável direito fundamental da
pessoa
humana,
individual,
coletiva
e
publicamente
considerada”.3
2
Como ressalta Sebastião Botto de Barros Tojal, o Estado está “juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde visando a
construção da nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem-estar e a justiça sociais”´(A Constituição Dirigente e o Direito
Regulatório do Estado Social: O Direito Sanitário, in “ Manual Conceitual doCurso de Especialização à distância em Direito Sanitário para
membros do Ministério Público e da Magistratura Federal”, UNB/CEAM e ENSP/FIOCRUZ, Brasília, 2002.
3
Agrotóxicos no Sistema Legal Brasileiro, in Revista de Direito Ambiental nº 08/97, RT, p. 22.
13
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
No mesmo sentido, a Carta Constitucional, no capítulo em que
trata do meio ambiente, destaca a importância da sadia qualidade de vida, a dimensão
coletiva deste direito e a obrigatoriedade do controle, pelo poder público, das substâncias que
comportem risco para a qualidade de vida:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.”
Nota-se, pela disposição constitucional transcrita que, na
perspectiva coletiva, cabe também à sociedade a responsabilidade pela proteção desse direito.
As ponderações de Cançado Trindade acerca da obrigação positiva para resguardar o direito à
saúde são valiosas:
“Tal obrigação positiva: ligando o direito à vida ao direito a
um padrão de vida adequado, é reveladora do fato de que o
direito à saúde, em sua dimensão própria e ampla, compartilha
a natureza de um direito a um tempo individual e social.
Pertencendo, como o direito à vida, ao domínio dos direitos
básicos ou fundamentais, o direito à saúde é um direito
individual no sentido de que requer a proteção da integridade
física e mental do indivíduo e de sua dignidade; e é também um
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
direito social no sentido de que impõe ao estado e à sociedade
a responsabilidade coletiva pela proteção da saúde dos
cidadãos e pela prevenção e tratamento das doenças. O direito
à saúde, assim apropriadamente entendido, fornece, como o
direito à vida, uma ilustração vívida da indivisibilidade e da
interrelação de todos os direitos humanos.”4
Ao dispor no artigo 197 que os serviços de saúde são de
relevância pública, “cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”, a
Constituição reparte a responsabilidade da execução da atuação do Poder Público nos
serviços de saúde com a sociedade.
A saúde é considerada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como o primeiro princípio básico para a felicidade, as relações harmoniosas e a
segurança de todos os povos.5 Na conceituação adotada pela OMS, saúde é “o estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.”. A saúde não
tem apenas um aspecto individual e, portanto, não basta que sejam colocados à disposição
das pessoas todos os meios para a promoção, proteção ou recuperação da saúde para que o
Estado responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados
são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os
perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus cidadãos.6
Dalmo de Abreu Dallari destaca a importância das implicações
éticas da definição de saúde consagrada pela OMS e suas conseqüências:
“Com efeito, sendo muito mais do que a ausência de doença e
compreendendo também o completo bem-estar físico, mental e
4
Cançado Trindade, Antonio Augusto, Direitos Humanos e Meio Ambiente, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1993, p. 84.
Cf. DALLARI ,Sueli Gandolfi, Direito Sanitário, Manual Conceitual do Curso ....., ob. cit., p. 53.
6
Idem, p. 57.
5
15
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
social, a saúde exige que os sistemas políticos reconheçam e
procurem tornar efetiva a igualdade de todos, desde o nascituro
até aquele que está em seus últimos momentos de vida,
relativamente ao acesso às medidas preventivas, aos cuidados
médicos, aos recursos hospitalares e aos equipamentos, bens e
serviços relacionados com a saúde. É também indispensável
que a utilização dos recursos econômicos disponíveis, assim
como o estabelecimento das condições de vida e de trabalho,
tenham como prioridade a busca do bem-estar para todos.”7
A
informação
acerca
dos
ingredientes
consumidos,
especialmente para as pessoas sensíveis ou que desenvolvem algum tipo de reação alérgica
(como é o caso das reação provocadas pela tartrazina), é uma medida preventiva prática,
barata e eficiente. A resistência da ré em não regulamentar não guarda apoio no nosso sistema
jurídico. Não tem embasamento também nas políticas públicas estabelecidas para a saúde. As
repercussões positivas na saúde e na qualidade de vida de amplos contingentes populacionais
passam pela adoção de modelos preventivos e de informação ao consumidor, para que o
mesmo consuma com consciência. Como destaca Ediná Alves Costa:
“Na atualidade, as sociedades experimentam, em todo o
mundo, profundas e aceleradas mudanças que apresentam
novos desafios para o setor saúde: as necessidades em saúde se
ampliam em decorrência de um conjunto de interações de
processos de natureza econômica, social, cultural, política e
científico-tecnológica, que não têm sido capazes de operar
repercussões positivas na saúde e na qualidade de vida de
amplos contingentes populacionais.”8
7
8
DALLARI, Dalmo de Abreu, “Ética Sanitária”, in Manual Conceitual ..., ob. cit., p. 137.
“Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde”,in Manual Conceitual ..., ob. cit., p. 380.
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Certamente todas as medidas de prevenção, ainda mais uma
medida como esta: de determinação de informação dos malefícios de um ingrediente de um
alimento, que não representem custos financeiros ao Estado e sim ao fornecedor do produto,
devem ser priorizadas e efetivadas. Mas assim não age a ré.
A Carta Magna direciona o agir do Estado para a garantia de um
patamar mínimo de saúde da coletividade. Não basta que individualmente grupos tenham
acesso a serviços e ações de proteção, promoção ou recuperação de saúde. É essencial, para
cumprimento da precisão constitucional, que as informações básicas acerca dos produtos
consumidos e os impactos de tais produtos sobre a saúde sejam repassadas obrigatoriamente à
população, como no caso da necessidade de rotulagem dos alimentos que contenham o
corante Tartrazina.
Nesse sentido, Sueli Dallari diz:
“O direito da saúde pública é um conjunto de normas jurídicas
que têm por objeto a promoção, prevenção e recuperação da
saúde de todos os indivíduos que compõem o povo de
determinado Estado, compreendendo, portanto, ambos os
ramos medicinais em que se convencionou dividir o direito: o
público e o privado. Tem, também, abarcado a sistematização
da preocupação ética voltada para os temas que interessam à
saúde.”9
No mesmo sentido assevera Sebastião Tojal:
“Especialmente no campo da saúde pública, é absolutamente
imperativo reconhecer que a sua proteção se faz exata e
precisamente pela compreensão de que as normas típicas do
que já se definiu como o Direito Sanitário não se conformam
aos modelos clássicos de um Direito concebido à luz de
9
“Direito Sanitário”, in Manual Conceitual..., ob. cit., p. 58.
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
paradigmas estatutários, informados por princípios como
certeza e segurança jurídicas, já que é inerente a esse processo
de rematerialização da racionalidade legal o particularismo, a
legitimidade determinada pela observância de critérios
fundados numa ética de convicção, a partir da qual os fins
acabam definindo os meios necessários para a sua consecução,
tudo perfeitamente em consonância com os novos desígnios
constitucionais já referidos.”10
Dessa maneira, acompanhando a argumentação de Sebastião
Tojal, a finalidade de manutenção de um mínimo de estado de saúde para a população
justifica a obrigatoriedade de informação na rotulagem dos alimentos acerca do possível
impacto na saúde do consumidor pela ingestão do corante tartrazina.
No plano infraconstitucional, o direito à saúde é contemplado
pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, tendo em vista que o conceito de
saúde abrange também os danos causados ao consumidor nesse sentido.
Assim, o artigo 6º, inciso I deste diploma dispõe, como direito
básico do consumidor, sobre “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou
nocivos”.
No intuito de assegurar a política nacional das relações de
consumo, o artigo 4º, inciso II, alínea “d”, regula também a necessidade de ação
governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor pela garantia dos produtos
e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, ,durabilidade e desempenho.
Dessa forma, mais uma vez, é garantido ao consumidor, principalmente no que tange a
medicamentos e alimentos, que seja devidamente alertado para os riscos a que poderá se
10
Ob. cit., p. 37.
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submeter quando do consumo de produtos que contenham ingredientes com grande
potencialidade alergênica, como é o caso dos inúmeros alimentos que contém a tartrazina.
Com o exato objeto de assegurar a saúde dos consumidores, o
artigo 8º, caput claramente determina que “os produtos e serviços colocados no mercado de
consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os
considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se
os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu
respeito”.
Outrossim, tratando-se de hipótese semelhante à do presente
caso e, tendo em vista os prejuízos à saúde que podem ser causados por substâncias outras,
como é o caso, principalmente, do glútem, foi publicada, em 16 de maio de 2003, a Lei nº
10.674, cujo artigo 1º determina, como medida preventiva e de controle da doença celíaca,
que “todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula,
obrigatoriamente, as inscrições contém Glútem ou não contém Glútem, conforme o caso”.
Dessa forma, tanto a Constituição quanto o Código de Defesa
do Consumidor consagram, como direito fundamental, social e básico dos consumidores o
direito à saúde, cuja garantia deve ser implementada seja por entes da Administração Direita,
seja por entes da Administração Indireta, dentre os quais se insere a ANVISA, autarquia sob
regime especial responsável pela vigilância sanitária em todo o país.
4 – DO DIREITO À INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR
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O direito à informação é contemplado constitucionalmente, de
modo genérico, como garantia individual e fundamental de todos os cidadãos, estando
disposto no artigo 5º, inciso XIV da Carta Magna que : “é assegurado a todos o acesso à
informação (...)”. Sendo consagrado como garantia de todos os cidadãos e, nesse sentido, de
todos os consumidores, ele deve ser implementado caso a caso.
Especificamente no que concernente à tartrazina, ainda que seja
permitida uma ingestão diária aceitável do aditivo, muitos outros fatores devem ser levados
em conta. Nessa senda, é exatamente em decorrência da relação lógica existente entre as
possíveis reações imputadas ao consumo de produtos que contenham este corante e a
hipersensibidade apresentada por algumas pessoas, principalmente às alérgicas ao Ácido
Acetil Salicílico, que sua presença, bem como os possíveis prejuízos que podem ser com sua
ingestão causados, devem estar claramente advertidos nas embalagens dos alimentos,
principalmente quando considerados dados à semelhança dos contidos na tabela que
instrui o procedimento administrativo MPF(fls. 93), que indicam a presença do corante,
assiduamente, em produtos de consumo infantil, como balas, gomas, gelatinas e
chocolates.
João Batista de Almeida afirma, ao falar dos direitos básicos do
consumidor, que este “deve conhecer os dados indispensáveis sobre produtos ou serviços
para atuar no mercado de consumo e decidir com consciência”. 11
Foi esse também o reconhecimento do legislador nacional que,
no artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu como direito básico
do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem”. (grifo nosso)
Dessa forma, tendo em vista a grande potencialidade alergênica
da Tartrazina, não apenas sua presença, mas também os possíveis riscos que o consumo de
11
A proteção Jurídica do Consumidor, 4ª ed., Saraiva, 2003, p. 47.
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produtos que a contenham pode causar devem estar advertidos nas embalagens, não só de
medicamentos, mas de todos os alimentos que dela se utilizem.
Na mesma senda, dispôs o legislador, no artigo 9º que “o
fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou
segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade
ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso
concreto”.
Na verdade, o direito à informação tem estreita relação com o
direito à segurança e à saúde, uma vez que, quando não informado sobre os possíveis riscos
que podem ser causados pelo consumo de alguma substâncias, dentre as quais a tartrazina, o
consumidor pode sofrer graves prejuízos no que diz respeito a sua saúde.
Tal é a preocupação com a devida informação do consumidor e,
nesse caso, considere-se os consumidores de todos os produtos que contenham a tartrazina,
que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 63, tipifica como infração penal,
punida com detenção de dois meses a seis anos e multa, a omissão de dizeres ou sinais
ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros,
nos recipientes e por meio de publicidade.
Para que haja uma concretização do direito à informação, o
artigo 31 da Lei 8.078/90 estabelece, de forma expressa, que “a oferta e apresentação de
produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras e precisas, ostensivas e
em linguagem portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos
que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.(grifo nosso)
Sobre este dispositivo, os ensinamentos de Cláudia Lima
Marques12:
12
In “Contratos no Código de Defesa do Consumidor – O Novo Regime das Relações Contratuais” – 4ª Edição,
páginas 647/648.
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“Segundo o art. 31 do CDC o fornecedor deve cuidar para que
sua oferta, assim como a apresentação de seu produto ou o
nome de seu serviço assegure ao consumidor informações
claras, precisas e ostensivas sobre as características principais
do produto. O rol de características destacado pelo art. 31 é
meramente exemplificativo, preocupa-se com as características
físicas do produto (quantidade, qualidade, composição), com a
sua repercussão econômica (preço e garantia), com a saúde do
consumidor (prazo de validade e origem do produto) e com a
segurança do consumidor (informação sobre os riscos que
podem advir do produto)”.
Para a concretização destes direitos a Lei nº 9.782/99, que
define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária e dá outras providências, dispõe sobre a finalidade institucional desta agência em
promover a saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da
comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos
ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o
controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
Em consonância com seu artigo 2º, inciso III, a ANVISA é
competente para normatizar, fiscalizar e controlar produtos, substâncias e serviços de
interesse para a saúde, bem como, segundo o artigo 7º, inciso III, para implementação e
execução do disposto no primeiro dispositivo, tem competência para estabelecer normas,
propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária.
No mesmo sentido dos anteriores, o artigo 8º, caput e inciso II,
disciplina a incumbência da ANVISA em regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e
serviços que envolvam riscos à saúde pública, dentre os quais os alimentos, inclusive bebida,
águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de
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contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos, e de medicamentos veterinários. Destaquese que, neste âmbito, insere-se a competência da autarquia para regulamentar a
obrigatoriedade da informação, nas respectivas rotulagens, das reações alérgicas que o
consumo de produtos que contenham tartrazina pode causar, não devendo haver qualquer
restrição que justifique a normatização dos medicamentos, apenas.
Dessa forma, conclui-se pela desproteção dos consumidores dos
produtos alimentícios que contenham a Tartrazina, tendo em vista a sua potencialidade
alergênica, evidenciada pela literatura científica dos mais diversos países, uma vez que não
são devidamente informados sobre os prejuízos que podem resultar de seu consumo,
principalmente a pessoas que apresentam alguma hipersensibilidade.
A desproteção, inclusive normativa, decorre, especialmente, da
necessidade de efetividade das disposições do Código de Defesa do Consumidor - que
garantem o direito à informação- e da Lei nº 9.782/99 - que delineia, dentre outros, a
competência da ANVISA.
VI – DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
O instituto da tutela antecipada visa o resguardo de um direito que se
encontra em risco de ser afetado de forma letal, sendo impossível a sua reparação. Antecipase a tutela no intuito de se assegurar a manutenção do objeto de petição do autor, zelando-se
para que o curso do processo não seja lesivo ao que se pretende na ação.
O professor Cândido Rangel Dinamarco traduz a alma do instituto
supracitado:
"O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo
explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela
pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima
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contra os males corrosivos do tempo no processo." (A Reforma do
Código de Processo Civil”, 2ª. ed, rev. e ampl., São Paulo, Malheiros
Editores, 1995).
1 - DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
A vulnerabilidade é característica de todos os consumidores,
indistintamente (art. 4º, I, CDC). Neste caso, é colocada em relevo em face do bem jurídico
violado, qual seja, o direito à saúde e à informação. Vale destacar, a este respeito, as palavras
de Antõnio Herman de Vasconcellos e Benjamin13:
“A vulnerabilidade é um traço universal de todos os
consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes,
crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal,
limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade – mas nunca
a todos os consumidores. (...) A vulnerabilidade do consumidor
justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu
turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do
próprio Código, como, por exemplo, a previsão de inversão do
ônus da prova (art. 6º, VIII)”
A vulnerabilidade – diferentemente da hipossuficiência – é
conceito relacional. O consumidor é presumido vulnerável pela lei porque o seu poder
econômico em comparação com o poder econômico da empresa é de tal modo ínfimo que, se
o legislador não estabelecesse como regra que aquele é a parte mais fraca, ter-se-ia como
resultado um desequilíbrio permanente no tratamento dos sujeitos da relação de consumo. Por
conseqüência, os recorrentes abusos praticados pelos fornecedores de produtos e serviços –
13
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 7ª ed., Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 2001, p. 325.
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tais como os narrados na petição inicial da presente demanda – não encontrariam mecanismo
apto a corrigi-los, já que os consumidores nunca se encontrariam em paridade de condições
em relação às empresas das quais adquirem produtos e serviços.
2. DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
Justifica-se o pedido de antecipação dos efeitos da tutela inicial
quando existe probabilidade de que as alegações feitas pelo autor sejam verdadeiras – o que
resulta da conjugação dos requisitos
prova inequívoca e verossimilhança da alegação,
presentes no caput do artigo 273, do Código de Processo Civil. Neste sentido são os
ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO14:
“ O art. 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de
prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da
verossimilhança da alegação a dar peso ao sentimento literal
do texto. Seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque
prova inequívoca é prova tão robusta que não permite
equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do Juiz o
sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencerse da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar
mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática
pode ser como descreve o autor. Aproximadas as duas
locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273,
do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se
da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade,
portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”
(destaques nossos)
14
A reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1995.
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A plausibilidade do alegado é mais do que contundente em face
de tudo quanto foi exposto e provado nesta exordial, figurando clara a necessidade de que a
ANVISA edite ato normativo exigindo que, na rotulagem de produtos alimentícios que
contenham o corante amarelo Tartrazina, conste, de forma claramente visível e destacada
informação acerca da potencialidade alergênica do aditivo, sob pena de violar os direitos à
saúde e à informação de seus consumidores.
Destes fatos decorre a verossimilhança da alegação do MPF de
que a demandada descumpre preceitos legais pertencentes tanto à Constituição Federal,
quanto ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei nº. 9.782/99.
Além do requisito acima demonstrado, é necessário evidenciar –
como fundamento do pedido da antecipação de tutela – a existência de fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação.
Ao consumir produtos alimentícios que contenham o corante
amarelo Tartrazina, pessoas hipersensíveis ao aditivo, quando não informadas sobre sua
potencialidade alergênica, podem sofrer danos irreparáveis ou de difícil reparação,
primordialmente, à saúde - tendo em vista a gravidade das reações que podem ser causadas,
dentre as quais asma brônquica e urticária - e, secundariamente, ao direito à informação.
3. DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer seja
antecipada a tutela para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária:
a) Edite, no prazo de 30 (trinta) dias, ato normativo exigindo
que, na rotulagem de produtos alimentícios que contenham
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o corante amarelo TARTRAZINA, conste, de forma
claramente visível e destacada, a seguinte informação:
“Este produto contém o corante amarelo TARTRAZINA,
que pode causar reações de natureza alérgica, entre as quais
asma brônquica, especialmente em pessoas alérgicas ao
Ácido Acetil Salicílico”;
b)
seja condenada em multa diária (astreintes), no valor de R$
10.000,00 (dez mil reais), a partir do primeiro dia
subsequente ao final do prazo estabelecido no “item a)” a
ser revertida para o fundo previsto no artigo 13 da Lei nº
7.347/85.
VII – DO PEDIDO
Por todo o exposto, o Ministério Público Federal requer seja a
presente ação julgada procedente, com confirmação dos pedidos feitos em sede de tutela
antecipada para a condenação da Ré à edição de ato normativo exigindo que, na rotulagem de
produtos amarelos que contenham o corante amarelo TARTRAZINA, conste, de forma
claramente visível e destacada, a seguinte informação: “ Este produto contém o corante
amarelo TARTRAZINA, que pode causar reações de natureza alérgica, entre as quais asma
brônquica, especialmente em pessoas alérgicas ao Ácido Acetil Salicílico”.
Por fim, requer:
(i)
a citação da Ré, na pessoa de seu representante legal;
(i)
a juntada dos autos da representação MPF/SP nº
1.34.001.002075/2004-13.
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Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em
direito admitidos, especialmente por testemunhas, documentos, perícias e vistorias.
Colaborou na elaboração desta peça a estagiária Camila Maria
Escatena.
Dá-se à causa o valor de R$.10.000,00.
São Paulo, 20 de maio de 2005.
INÊS VIRGÍNIA PRADO SOARES
Procuradora da República
LUIZ FERNANDO GASPAR COSTA
Procurador da República
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excelentíssimo senhor doutor juiz de direito da - MPF SP