INTERAÇÕES NA SALA DE AULA, AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Carmem Dolores de Souza Reis1 Maria Carolina Lopes Bezerra Cireno2 Artur Gomes de Morais3 Resumo Esta pesquisa teve como objetivo examinar as interações que têm lugar em salas de aula e analisar possíveis implicações dos aspectos afetivos na aprendizagem. Observamos duas turmas de educação infantil (grupos de 5 anos) de uma escola pública municipal da Região Metropolitana do Recife e suas respectivas professoras. Além do registro etnográfico, realizamos entrevistas semi-estruturadas com as docentes responsáveis pelas turmas. A análise de dados revelou um protagonismo da expressão das professoras e uma tendência a que tratassem os alunos coletivamente. As crianças pouco trabalharam em grupo ou cooperativamente. De ambas as partes (professora-alunos, alunos-professora) foram pouco freqüentes as expressões de afeto. Discutiremos, ao final, as implicações para a formação inicial e continuada de professores. , Palavras chave: Interações na sala de aula, Afetividade, ensino-aprendizagem, educação infantil Introdução “É comumente aceito documentado que as influenciam imensamente aluno. Quer a professora e está razoavelmente bem características da professora a conduta e aprendizagem do seja orientada para a criança ou 1 Concluinte do curso de pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 2 Concluinte do curso de pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 3 Professor doutor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 1 para o objeto de estudo, a sua disposição e capacidade para aceitar um vasto repertório de comportamentos e atitudes dos alunos, para ser empática, franca e honesta, justa, entusiástica e autêntica, estão intimamente relacionadas com o seu êxito no ensino.” (BARDON e BENNETT, 1981, p. 160) Vários estudos, como os de Mukhina (1996) e Cury (2003) têm mostrado que a auto-estima mantém uma estreita relação com a motivação ou interesse do indivíduo para aprender e que a dimensão afetiva da relação professor x aluno é determinante na construção dessa auto-estima. Nosso interesse pelo tema advém desse entendimento, fruto também do que pudemos constatar em aulas que observamos na disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, no que refere à relação entre afetividade e aprendizagem. Marco teórico O lugar secundário que a educação escolar tem dado à afetividade Na sociedade capitalista em que vivemos, fica cada vez mais visível o crescimento de atitudes individualistas e competitivas entre os seres humanos. Conseqüentemente, percebemos que o processo educativo, algumas vezes, acaba sendo resumido à preparação para futuras situações de exame, e que, em certas instituições escolares, o estudante acaba se tornando apenas um número, uma estatística, preferencialmente positiva para atrair novos alunos. Segundo Gabriel Chalita (2001), para o educando, ser o aluno mais bem colocado no processo seletivo de uma boa universidade não terá sido uma grande conquista, caso o mesmo não tenha desenvolvido a maturidade necessária ao enfrentamento de problemas concretos de sua vida. Para ele, “se não houver o desenvolvimento da habilidade social e emocional, tudo de mais importante para o jovem se reduzirá a uma busca estéril por boas colocações por meio da mais insana competitividade” (CHALITA, 2001, p. 58). Afinal, que tipo de sujeito queremos formar? Deveria o conteúdo valer mais do que o equilíbrio do indivíduo? E o que dizer das questões emocionais e sociais? (Chalita, 2001). Acreditamos que, em pleno século XXI, precisamos formar homens 2 e mulheres ativos, que exerçam a sua cidadania de forma crítica e consciente, ou seja, precisamos encarar o desafio de formar indivíduos “aptos a se governar, a desenvolver a liderança participativa, a aprender a dizer sim e a dizer não sem servir de massa de manobra” (CHALITA, 2001, p. 65). Em outras palavras, indivíduos que entendam a história humana e que compreendam seu papel na construção do futuro. Dessa maneira, concordamos com Marchand (1985), quando ele diz que devemos preparar nossos alunos para os problemas concretos da vida, e não para o mero acúmulo desnecessário de informações. Por conta disso, necessitamos enxergar nosso aluno enquanto ser “vivo, inquieto e participante; com um professor que não tema suas próprias dúvidas; e com uma escola aberta, viva, posta no mundo” (MARCHAND, 1985, p. 05). O artigo 205 da constituição federal estabelece: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (apud CHALITA, 2001) Para Gabriel Chalita (2001), o pleno desenvolvimento da pessoa assegurado pela Constituição Federal significa o desenvolvimento integral do ser humano, de todas as suas dimensões, as quais ele denomina cognitiva, social e emocional, e não apenas o desenvolvimento da dimensão cognitiva ou da mera instrução. Para conseguirmos formar esse tipo de sujeito, é necessário investirmos em uma educação mais humanista, dotada de uma visão integral do ser humano. Dessa maneira, a escola não pode mais ser entendida enquanto um espaço destinado à mera transmissão do saber, ela necessita propiciar aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, afetivas e sociais. Algumas considerações sobre a psicologia do desenvolvimento para o enfoque das interações sociais e da expressão da afetividade na escola De acordo com as idéias de Vygotsky (apud Coll e Colomina, 1996), o processo educativo pode ser caracterizado como essencialmente social. Isto é, através das relações sociais, das relações com os outros, a criança vai se apropriando das práticas culturais da sociedade em que está inserida. Assim sendo, 3 a interação social é importante, pois é ela quem oferece os signos e instrumentos, possibilitando o desenvolvimento e a aprendizagem. Ainda relacionado ao caráter social do processo educativo, enfatizamos que a qualidade da experiência vivida pelo indivíduo com o outro imprime um sentido afetivo ao objeto de conhecimento. Para Monte-Serrat, “a emoção determina a qualidade dos registros na memória e a precisão de sua posterior reconstrução” (MONTE-SERRAT, 2005, p. 17). Portanto, além das emoções de ordem positiva, as negativas (medo, vergonha, etc.) também produzem seus efeitos no processo educativo. Por esse motivo, para que a criança possa ousar pensar, questionar, debater, romper paradigmas, ela precisa estabelecer relações interpessoais positivas. Dessa forma, a escola deve proporcionar o desenvolvimento integral do ser humano, investindo igualmente nas dimensões intelectual, afetiva e social. Porém, essas dimensões não aparecem de forma uniforme e linear. Segundo a teoria de Wallon (apud ALMEIDA e MAHONEY, 2000), existem fases em que predominam o afeto e fases em que predominam a inteligência, embora estas não possuam um caráter dicotômico, pois estão integradas e diretamente ligadas à socialização do sujeito. A afetividade na Educação Infantil Desde o nascimento, o bebê estabelece relações com o outro. Seguindo uma tradição darwinista, Wallon (apud Dantas, 1992) impõe um caráter de sobrevivência da espécie humana na emoção (a base da relação bebê-adulto). Para ele, o choro do bebê possui um poder intenso de mobilização sobre a mãe no sentido de suprir suas necessidades, pois o mesmo ainda não possui autonomia para isto. Assim, a atividade emocional “é simultaneamente social e biológica em sua natureza; realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que só pode ser atingida através da mediação cultural, social” (DANTAS, 1992, p. 85). Segundo Dantas (1992), a consciência afetiva na teoria de Wallon, “pelo vínculo que instaura com o ambiente social, garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo da sua história. Dessa forma é ela que permitirá a tomada de posse dos instrumentos 4 com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe dá origem” (DANTAS, 1992, p. 86). No momento em que a criança chega pela primeira vez à escola, acontece um rompimento parcial de sua vida familiar. A partir daí, a criança passa por uma nova experiência de socialização, que é a continuação do que vem acontecendo no contexto familiar desde seu nascimento. Em outras palavras, no ambiente escolar, da mesma forma como no familiar, é através da relação com o outro que a criança se apropria dos objetos de conhecimento. Por conta disso, a criança precisa se sentir aceita, bem recebida e segura, pois dessa forma, aquela nova experiência passa a ter um significado afetivo positivo para ela. Portanto, quando a criança sente que os indivíduos participantes desse novo contexto (a escola) são compreensivos, democráticos e tentam ajudá-la com dedicação, possibilita-se o sucesso dos objetivos educativos. Para Wallon (apud ALMEIDA e MAHONEY, 2000), é através da emoção que o aluno exterioriza seus desejos e vontades. Portanto, além de demonstrar carinho, o professor precisa estar atento aos seus alunos, demonstrando-se acessível, dando abertura para que eles sintam-se seguros ao se expressar. É importante saber ouvir o que o aluno tem a dizer, valorizando-o. Segundo Mukhina (1996), é através da interação com o outro que a criança extrai suas vivências. Dessa maneira, a criança desenvolverá um sentimento de bem-estar emocional, caso os que a rodeiam a tratem com respeito, carinho e atenção, possibilitando, assim, o desenvolvimento normal da sua personalidade. O educador precisa, ainda, levar em consideração que “os sentimentos imperam em todos os aspectos da vida da criança, dando cor e expressividade a essa vida” (MUKHINA, 1996, p. 209). Por isso, as crianças alternam da alegria para o choro com mais facilidade, pois as mesmas transmitem seus sentimentos com mais sinceridade e de uma forma mais involuntária que os adultos. Coll e Solé (1996), ao fazer uma revisão de estudos sobre a interação professor/aluno, constataram que não é só um professor ideal ou os métodos de ensino eficazes que facilitam o processo de ensino-aprendizagem. Faz-se necessário um estudo mais susceptível do que ocorre nas aulas. Na dinâmica real da sala de aula, as crianças precisam se sentir igualmente aceitas, amadas e respeitadas. A maioria dos pedagogos tende a defender que não 5 deve haver comparações, nem devemos salientar as diferenças entre meninos e meninas, e sim superar a promoção da comparação para a cooperação, que favorece o rendimento e a produtividade dos alunos. Ribeiro, Jutras e Louis (2005) afirmam que inúmeros estudos confirmam a importância da afetividade para a aprendizagem dos alunos. E que, por conta disso, existe uma necessidade de articulação entre esses dois aspectos (afetivo e cognitivo). Com o objetivo de descrever as representações sobre afetividade de professores que participam do curso de Licenciatura em Ensino Fundamental na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), os autores realizaram uma coleta de dados com cem professores, utilizando a técnica de associação livre, na qual os professores evocavam palavras, a partir do termo indutor “afetividade”. Os autores recrutaram quinze dos cem professores para uma segunda etapa de coleta de dados, que consistiu em entrevistas semi-estruturadas e na organização de conjuntos hierárquicos sucessivos. Um dos principais resultados das entrevistas referiu-se à importância da afetividade para o ensino-aprendizagem. Para os professores pesquisados, a criação de vínculos entre eles e seus alunos proporcionaria uma melhora significativa na aprendizagem dos alunos, na medida em que permite a criação de um “clima de confiança, de respeito mútuo, de amizade, de compreensão das necessidades dos alunos e da abertura para a expressão sincera dos sentimentos”. Outro ponto evidenciado na pesquisa refere-se à afetividade e suas conseqüências para a relação educativa. Segundo este ponto, a afetividade proporciona conseqüências positivas e negativas para a aprendizagem. As conseqüências positivas apareceriam quando o aluno consegue construir uma imagem positiva de si, fazendo com que ele se mobilize para participar efetivamente das aulas possibilitando-se, assim, a realização de aprendizagens significativas. Em relação às conseqüências negativas, estas podem aparecer quando, por conta da ausência da afetividade na relação educativa, o aluno desenvolve uma baixa autoestima, prejudicando a sua motivação para estudar. Uma boa estratégia para estimular a motivação dos alunos seria o diálogo, o esforço para compreendê-los. 6 Mais um ponto levantado pelos professores dizia respeito a um modelo de professor afetivo na relação educativa. Atribuíram a este modelo de professor um conjunto de características; ele teria que ser humano, afetuoso, seguro, paciente, maternal, estudioso, respeitoso, aberto às críticas e ao diálogo, além de ter a sensibilidade de perceber as dificuldades dos alunos e saber agir nos momentos adequados. O professor precisaria, ainda, saber estimular seus alunos, procurar estratégias criativas e dinâmicas para suas aulas, refletir sobre a sua prática, estar aberto a novas aprendizagens, procurar a formação continuada, dominar o conteúdo da disciplina, entre outros. No que diz respeito à expressão dos sentimentos dos alunos na sala de aula, os professores pesquisados, concebiam que isto configurase numa manifestação natural do ser humano, além de possibilitar ao professor conhecer melhor seus alunos, aproximar-se deles, relacionar-se melhor com eles e, consequentemente, ensinar seus alunos a relacionar-se melhor com o outro. Por fim, aos autores mencionam a falta de preparo dos professores para lidar com a questão afetiva na sala de aula. Os sujeitos investigados enfatizaram que o professor não está preparado para esta questão, não consegue decodificar os sinais emitidos pelos alunos, alguns, inclusive, podem chegar a reprimir ou impedir que os alunos se expressem, fazendo com que se perca o controle nessas situações. A afetividade e o aprendizado da linguagem no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Quando falamos das crianças menores, o educador precisa ser amigável, paciente e com um forte componente afetivo, ele precisa, ainda, se demonstrar acessível, pronto para ouvir e compreender o que as crianças estão comunicando a fim de proporcionar um clima agradável. Também é necessário que o educador esteja atento ao propor situações educativas, pois cada criança deve ter assegurado o respeito aos seus hábitos e ritmos, sem abrir mão do aprendizado da vivência em coletividade (RCNEI, 1998). Nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (MEC-SEF, 1998), as crianças são vistas como seres sociais que possuem capacidades afetivas, emocionais e cognitivas, considerando-as, portanto, enquanto seres 7 completos e indivisíveis. Neste contexto, o documento defende que a educação deve propiciar o conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, contribuindo para a formação de crianças felizes e saudáveis. Para isso, o RCNEI (1998) estabelece alguns objetivos para a Educação Infantil, dentre os quais destacamos três que fazem referência à afetividade, que são levar/ permitir à criança: - desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; - brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; - estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social. Durante o processo de construção de vínculos, de acordo com o RCNEI, “se estabelece uma forte relação afetiva (a qual envolve sentimentos complexos e contraditórios como amor, carinho, encantamento, frustrações, raiva, culpa, etc.)” (RCNEI, 1998, p. 17 vol 02). Partindo do pressuposto de que as aprendizagens acontecem na interação com os outros, o RCNEI (1998) afirma que as crianças, nesse sentido, dependem dos recursos de cada criança. Dentre os recursos que as crianças utilizam destacase o do nosso estudo, a linguagem. A linguagem no RCNEI (1998) é vista como um enriquecedor das possibilidades de comunicação e expressão, assim como um potente veículo de socialização. Segundo o documento, “é na interação social que as crianças são inseridas na linguagem, partilhando significados e sendo significadas pelo outro” (RCNEI, 1998, p. 24 vol 02). Cabe ao professor planejar situações de aprendizagens considerando as capacidades que as crianças possuem, utilizando, por exemplo, situações de conversas, brincadeiras ou aprendizagens orientadas que garantam a interação entre as crianças, de forma que possam comunicar-se em um ambiente acolhedor e que propicie a confiança e a auto-estima. 8 A aprendizagem da linguagem oral e escrita é extremamente importante, pois é a partir do uso da linguagem que a criança amplia suas possibilidades de inserção e participação das diversas práticas sociais, por conta disso, se constitui num dos eixos básicos da Educação Infantil. O documento curricular ressalta que ela possibilita: - a interação entre os sujeitos; - a construção de muitos conhecimentos; - o desenvolvimento do pensamento; - a ampliação das capacidades de expressão e acesso ao mundo letrado. Para isso, a escola deve promover experiências significativas no que diz respeito ao desenvolvimento gradativo das quatro competências básicas associadas à linguagem oral e escrita: falar, escutar, ler e escrever. Sabe-se que a criança utiliza a linguagem oral em diversas situações e que seu aprendizado acontece dentro de um contexto social. Portanto, não podemos considerar a linguagem enquanto sentenças ou palavras descontextualizadas. O educador deve, então, proporcionar diversas situações onde as crianças possam exercitar a fala, a escuta, a leitura e a escrita da maneira mais variada possível (RCNEI, 1998). Para isso, “a criação de um clima de confiança, respeito e afeto em que as crianças experimentem o prazer e a necessidade de se comunicar apoiadas na parceria do adulto é fundamental” (RCNEI, 1998, p. 138 vol 03). Nessa perspectiva, o professor precisa ter em mente que o freqüente burburinho existente nas salas é um indicador de que as crianças estão dialogando, se comunicando. Por isso, reafirmamos a importância de criar situações de comunicação para que se amplie o universo discursivo das crianças. Elas devem ter oportunidades para conversar bastante, seja na roda da conversa, da brincadeira, etc. Pode-se também fazer uma discussão sobre um filme, declamar poesias, relatar fatos recentes ocorridos com alguma das crianças, cantar. 9 Objetivos Nesta pesquisa, tivemos como objetivo geral realizar uma investigação sobre as implicações dos aspectos afetivos, na aprendizagem. Como objetivos específicos, procuramos identificar a importância atribuída por professores da Educação Infantil aos aspectos afetivos para a aprendizagem, além de analisar situações de ensinoaprendizagem em aulas da Educação Infantil, tomando como referências os aspectos afetivos revelados nas interações entre professores e alunos. Metodologia Nesta pesquisa fizemos dois estudos de caso, em duas turmas da Educação Infantil, de uma escola municipal situada no bairro dos Coelhos, na Região Metropolitana do Recife. Um estudo de caso consiste, segundo André (1995), num estudo exaustivo de uma instância em particular, buscando o conhecimento integrado, aprofundado e, ao mesmo tempo, amplo desta unidade. Para Stake (apud André, 1995), a metodologia do estudo de caso se faz ideal quando o pesquisador tem a intenção de entender um caso específico, levando em conta seu contexto e sua complexidade. É o que pretendíamos com esta pesquisa, que foi realizada numa instância em particular, pretendendo retratar o seu cotidiano da forma mais próxima possível do que ocorria naturalmente. Em cada turma realizamos um total de oito dias de observações, centradas nas aulas que priorizavam os conteúdos da área de linguagem. Cada observação durou aproximadamente 1h30 a cada dia, e a coleta de dados se deu no período de 17 de março de 2006 a 04 de abril de 2006. Também duas entrevistas semiestruturadas foram realizadas com as professoras dessas turmas. A escola funcionava nos três turnos, atendendo a alunos da Educação Infantil, Ensino Fundamental I, EJA e Pró-Jovem. Na escola não havia refeitório e parques ou áreas de lazer. Observamos, além das salas de aula, uma secretaria, uma diretoria, uma biblioteca, uma sala de professores, uma cozinha central, um 10 almoxarifado didático e outro de limpeza. A escola possuía dois andares e apenas dois banheiros destinados aos alunos, no andar inferior. Realizamos as observações em duas salas do Grupo V, que atendiam aproximadamente 25 crianças de cinco anos. Antes disso, houve, ainda, uma observação informal, para que a professora e as crianças se familiarizassem com as observadoras. As aulas foram gravadas em áudio e tivemos o cuidado de registrar também as expressões não-verbais através de relatórios escritos detalhados (consultar anexo I). Em 2006 a escola tinha 1.116 alunos matriculados, distribuídos em 45 turmas, conforme o quadro abaixo: Quadro I. Distribuição das turmas por turno e modalidade/série em 2006 Educação Infantil Ensino Fundamental I Pró Total Jovem EJA G4 G5 Alfa 1ª 2ª 3ª 4ª M1 M2 M3 MR* - - Manhã 2 2 3 3 3 1 2 - - - - - 16 Tarde 3 2 3 3 3 2 2 - - - - - 18 Noite - - - - - - - 1 2 2 1 5 11 Total 5 4 6 6 6 3 4 1 2 2 1 5 45 * Modular – corresponde aos 3 módulos de uma vez A professora A tinha se formado em pedagogia há 17 anos, porém já trabalhava há 27 anos na área de educação, sendo 15 na rede pública e 20 na Educação Infantil. Ela afirmou ter oportunidades de estudos (formação continuada) de seis em seis meses, e estas eram oferecidas pela Prefeitura da Cidade do Recife (PCR). Durante a pesquisa, a professora A trabalhava em dois turnos, sendo coordenadora pedagógica de creche pela manhã e professora de uma turma do “grupo 5”, composta por 25 alunos pela tarde (turma observada). Porém, nos dias observados, a freqüência media girava em torno de 20 alunos. Formada em pedagogia há 19 anos, a professora B trabalhava na rede estadual há 15 anos e na municipal do Recife há oito, dos quais cinco foram dedicados à Educação Infantil. Na ocasião da pesquisa, estava fazendo um curso de 11 especialização em sociologia. Tal como A, participava das situações de formação continuada oferecidas pela secretaria municipal. A turma que regia e que observamos era composta por 26 alunos, também do “grupo 5”, mas nos dias observados a freqüência média oscilava em torno de 20 crianças. A mestra B ensinava nos outros dois turnos (uma 4ª série pela manhã e filosofia, no Ensino Médio, à noite). Para a professora A, seus principais objetivos com a turma eram: “Trabalhar a relação interpessoal e a cidadania deles, trabalhar a questão assim... de formar o cidadão, né? Todas as normas, as regras de convívio em sociedade, percebeu? Tem que ensinar tudo: o que é certo, o que é errado. Pedagogicamente eu pretendo trabalhar o nome, trabalhar idade cronológica, filiação, né? Pai, mãe, irmão, não escrita. Mas só pra ter conhecimento de quem são, como é que se chamam, porque tem crianças quem não sabem nem o nome da mãe, não tem uma identificação” Já a professora B afirmou que seus objetivos eram vários, sobretudo “...dar uma educação que na casa deles (dos alunos) não têm, e assim, evoluir na aprendizagem”. No que se refere aos objetivos e conteúdos na área de linguagem, a professora A afirmou que procurava “... trabalhar as vogais, as palavras, os surgimentos das palavras que se juntando formam frases e frases formam histórias e aí sucessivamente”, e seu objetivo era “... que eles saiam pré-alfabetizados porque assim, nessa faixa etária eu não posso querer que eles saiam alfabetizados”. Já a professora B disse que pretendia fazer com que seus alunos saíssem do “grupo 5” “tendo noção do número de sílabas, da quantidade de letras, o som inicial, o som final (das palavras)”. Ainda como objetivos para a área de linguagem, ela pretendia que seus alunos saíssem conseguindo, pelo menos, ler e escrever algumas palavras simples e conseguindo produzir e interpretar textos coletivos. Para trabalhar esses conteúdos em sala, a professora A afirmava “... recorro a diversos materiais, onde tem eu tô atrás. Agora mesmo chegou TV escola aqui, eu já tô atrás dos dvds, já tô pesquisando, já peguei algumas coisas, já levei pra casa, já olhei, entendeu? E tem muita coisa boa”. A professora B disse recorrer a algumas fontes, entre elas “a Revista Nova Escola, a Revista Construir, a Revista do Professor e algumas coleções“. 12 Em geral a professora A tentava manter um clima disciplinar nas aulas que foram observadas e permaneceu durante as mesmas preocupada com a presença da observadora,procurando justificar cada atitude tomada. Percebemos, também, que durante as aulas era comum encontrar crianças dormindo, e descobrimos que isso acontecia porque as mesmas estudavam nos dois turnos. Um dado importante observado foi que a relação professor / aluno permaneceu instável até a quinta aula observada. Na sexta aula, houve uma recusa por parte dos alunos em aceitar a atividade proposta pela mestra (uma contação de história), deixando assim, a professora mais contida na sétima e oitava aulas. Em relação à outra turma, percebemos, através das observações, que a professora B, na maioria das vezes, se demonstrava um pouco seca com as crianças. Não costumava fazer carinhos, elogiar e, “na hora das broncas”, não era muito firme. No entanto, em algumas poucas situações ela demonstrava aproximação e compreensão com as crianças. As crianças demonstravam gostar da professora e o clima na turma, apesar de agitado, era bom. No cotidiano da turma B, também foi observado que algumas crianças dormiam durante as aulas. A professora explicou que elas estudavam de manhã em outra escola e geralmente chegavam cansadas na sala de aula. Notamos, ainda, que a presença da observadora alterou um pouco o comportamento das crianças, que ficaram mais agitadas. Em relação à professora, esta não demonstrou preocupação com a presença da observadora. A análise dos dados - as interações observadas nas salas de aula Inicialmente, procuramos identificar se, durante as aulas observadas, houve predominância na fala por parte dos diferentes atores envolvidos. Para isso, buscamos categorizá-la e codificá-la, levando em conta quem iniciava os turnos de fala (professora, grupo de alunos ou aluno) e quem era o interlocutor em cada situação. Os quadros II e III, abaixo, resumem os padrões de interação geral observados. 13 Quadro II: Padrões gerais de interação registrados na TURMA A Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 29 24 18 18 23 16 23 21 172 PC 3 0 1 2 2 1 0 0 9 PG 35 15 15 6 13 8 13 14 119 PA 15 14 6 6 18 10 14 9 92 CP 0 0 2 0 2 2 0 0 6 GP 0 0 1 0 1 0 0 0 2 CA 5 7 3 1 1 2 1 0 20 AC 3 4 2 3 0 2 0 4 18 AG 26 21 24 9 8 9 12 13 122 AP 2 3 0 3 0 2 3 0 13 AA 88 72 48 68 52 66 61 573 TOTAL 118 Quadro III: Padrões gerais de interação registrados na TURMA B Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 18 14 18 1 45 37 33 78 244 PC 1 5 5 3 1 1 3 3 22 PG 17 29 21 15 19 14 36 38 189 PA 9 5 9 0 34 13 23 31 124 CP 1 3 2 0 0 3 0 6 15 GP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 CA 8 4 1 0 0 8 5 1 27 AC 0 0 0 0 0 0 2 0 2 AG 4 11 13 8 16 13 25 46 136 AP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 AA 58 71 69 27 115 89 127 203 759 TOTAL PC – Professor dirige-se ao coletivo; PG – Professor dirige-se ao grupo; PA – Professor dirige-se ao aluno; CP – Coletivo dirige-se ao professor; GP – Grupo dirige-se ao professor; CA - Coletivo dirige-se ao aluno; AC – Aluno dirige-se ao coletivo; AG – Aluno dirige-se ao grupo; AP – Aluno dirige-se ao professor; AA – Aluno dirige-se ao aluno. Na turma A, percebemos que a fala da professora, durante as aulas, foi predominante e que a mesma, na maioria das vezes, se dirigia ao coletivo da turma. De acordo com o quadro II, acima, notamos, também, que geralmente seus alunos, quer de forma individual ou coletiva, se dirigiam à professora e pouquíssimas vezes falavam entre si. Este fator foi confirmado pela professora A em sua entrevista quando ela afirma que “Você tá falando assim como eles se relacionam entre si? Hoje mesmo eu fiz um trabalho cujo eu queria ver o relacionamento deles no grupo, como é que eles trabalhavam entre si, não é? A questão do coletivo, do dividir, do passar o cartão pro outro e eu vi que eles precisam trabalhar muito isso, né? Porque eles são muito individualistas” 14 Reexaminando os registros das aulas, percebemos que a professora A, em geral, se dirigia ao coletivo e alunos em duas situações. Na primeira, quando estava repreendendo / disciplinando e queria a atenção de todos. Por exemplo, ao dizer: “Que barulho é esse? Como vocês conseguem se concentrar assim?” (observação 01) “Silêncio. Porque a tia só pode falar e vocês só podem ouvir se fizerem silêncio, não é verdade?” (observação 01) Já no segundo tipo de situação, ela explicava tarefas. Por exemplo: “Qual dessas palavrinhas começa com a letra A?” (observação 02) “Hoje vamos primeiro ver as figuras e vocês vão me dizer o que acham que está acontecendo” (observação 05) A primeira situação foi justificada pela professora A da seguinte forma: “eu gosto muito assim de trabalhar na disciplina, eu não sei trabalhar muito livre, eu procuro dar sempre as regras de como será o trabalho, mostrar o que deve ser feito, o que não pode ser feito e mesmo assim sofro”. Já a segunda situação foi abordada pela professora A quando a mesma ressalta que: “ela (a criança) progrediria melhor se a professora desse uma assistência individual, agora isso não pode acontecer porque ficar só com uma é duro”. Já os alunos dessa turma, na maioria das vezes, ao falar com a professora de forma individual, faziam queixas de seus colegas: “Ela tava brincando na escada” (observação 01) “Tia, ele tá batendo em mim” (observação 07) Ou pediam algo particular: 15 “Tia, posso fazer xixi?” (observação 01) “Tia, deixa eu desenhar hoje?” (observação 03) No coletivo, buscavam responder perguntas da professora durante as explicações das tarefas: “Uma ár-vo-re”, ante a pergunta da professora “isso aqui é o que?” (observação 01) Na turma B, também percebemos a predominância da fala da professora. Ela se dirigia principalmente ao coletivo e, em segundo lugar, aos alunos, individualmente. Em relação às verbalizações dos alunos, notamos que estes se dirigiam predominantemente à professora, seja através de expressões individuais ou coletivas. Nos registros das aulas da turma B, observamos dois tipos de situações predominantes, em que a professora se dirigia aos alunos. Primeiro, para explicar a atividade ou fazer alguma pergunta sobre esta: “Aqui no quadro eu tenho escrito, presta atenção, vi-ta-mi-na de ba-na-na... fecha a mãozinha e vamos contar os pedacinhos de vi-ta-mi-na, quantos pedacinhos tem?” (observação 05) “Para cada letrinha eu vou chamar um menino ou uma menina para riscar ali” (observação 06) E, em segundo lugar, para repreender a turma em relação às questões de disciplina: “Aquela moça que tá ali tá achando tão feio vocês gritando” (observação 08) “Minha gente! Que comportamento é esse, hein?” (observação 02) 16 As poucas situações em que a professora B se dirigia a um grupo de alunos aconteciam, geralmente, quando ela passava de mesa em mesa, explicando a atividade: “Vocês vão olhar essas letrinhas e vão colocar aqui dentro dos quadradinhos... escrever aqui dentro” (observação 06) “Primeiro vocês vão copiar a letrinha E e depois vocês vão circular a letrinha E... onde tiver a letrinha. E vocês circulam, mas primeiro copia” (observação 04) Em relação aos alunos, observamos que estes se expressavam verbalmente de forma individual ou coletiva, geralmente para responder alguma questão proposta pela professora: A professora perguntou “a palavra coca-cola começa com que letra?” e um aluno responde sozinho “C” (expressão individual – observação 08) A professora perguntou “Que figura é essa?” e as crianças responderam “borboleta” (expressão coletiva – observação 07) Levando em conta a predominância da fala das professoras nas aulas observadas, procuramos, num segundo momento, qualificar melhor a natureza dessas expressões. Para isso, categorizamos em verbais e não-verbais as expressões que partiam das mestras. Os quadros IV e V, abaixo, ilustram as freqüências observadas em cada turma: Quadro IV:Expressões verbais e não-verbais partindo da PROFESSORA A Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 60 33 31 21 36 19 30 30 260 EV 8 7 12 9 6 10 16 10 78 ENV 68 40 43 30 42 29 46 40 338 TOTAL 17 Quadro V: Expressões verbais e não-verbais partindo da PROFESSORA B Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 35 38 36 12 59 36 66 116 398 EV 6 10 5 7 5 5 6 6 50 ENV 41 48 41 19 64 41 72 122 448 TOTAL EV – Expressão verbal; ENV – Expressão não-verbal. Olhando para o quadro IV, acima, percebe-se que as expressões verbais predominaram em todas as aulas observadas da turma A. Acreditando que esse não é um dado novo nem inesperado, partimos em busca da natureza das expressões não-verbais, já que elas apresentavam, de qualquer modo, um quantitativo elevado. Descobrimos que, em geral, em 23% das situações a professora A utilizou expressões não-verbais para repreender os alunos de maneira particular. Na maioria das vezes, eram olhares ameaçadores e sérios. Chegou a fazer sinal da cruz e virar o rosto ou olhar de lado, ignorando as falas dos alunos por diversas vezes. No entanto, vale ressaltar que a professora A, também demonstrou expressões não-verbais positivas como sorrisos, apertos de mão, carinho na cabeça dos alunos, porém, foram poucas as vezes. Em sua entrevista, a professora fala sobre este assunto afirmando que “Eu sou uma pessoa rígida, mas de vez em quando eu também sou carinhosa, já me disseram assim ‘você é rígida, mas você até que é carinhosa’ porque eu brinco com eles, quando eles saem daqui que vão pra outra sala, onde eles me encontram eles me abraçam, ficam me agarrando, então quer dizer que eu não sou tão... entendeu? Eu tento ter um relacionamento muito bom com eles. Agora há os que não gostam também antipatia existe em todo lugar” Ao dirigir-se ao coletivo, as expressões não-verbais apareciam em formas de códigos estabelecidos por eles como apagar a luz (hora de baixar a cabeça) e fechar a porta (ninguém pode sair), mas, também, não eram freqüentes. Ao analisar o quadro V, percebemos que, assim como aconteceu na turma A, as expressões verbais predominaram em todas as aulas observadas na turma B. Partindo para as expressões de natureza não-verbal, verificamos que a professora B se utilizava de olhares firmes e sérios, principalmente em situações de controle da disciplina na turma. Em outros casos, ela apenas ignorava as ações das 18 crianças. Estas expressões, mais diretamente vinculadas a repreensões ocorreram em 11% dos casos. Foram observadas poucas situações em que apareciam expressões nãoverbais positivas. Nessas situações, quando alguma criança ia até a professora B, mostrar alguma atividade pronta e correta, ela apenas sorria ou fazia um sinal positivo com uma das mãos. Das poucas vezes em que apareciam expressões não-verbais positivas, a professora A utilizava o contato físico. Diante desse dado, resolvemos montar um esquema que nos possibilitasse uma visão organizada da movimentação de alunos e professores durante as aulas observadas. Os quadros VI e VII, abaixo, descrevem as movimentações e aproximações verificadas: Quadro VI: Movimentações e aproximações observadas na TURMA A PNM PCA PVAE PVAQC ANM ACP AVPE AVPQC TOTAL Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 50 34 29 21 30 21 27 26 238 3 1 3 2 1 3 4 1 18 12 3 2 3 6 0 5 5 36 0 0 0 0 0 0 0 1 1 41 36 28 14 26 19 24 22 210 0 0 0 0 0 0 0 1 1 4 6 5 6 1 5 3 3 33 2 1 3 2 1 3 3 0 15 112 81 70 48 65 51 66 59 552 Quadro VII: Movimentações e aproximações observadas na TURMA B PNM PCA PVAE PVAQC ANM ACP AVPE AVPQC TOTAL Obs 1 Obs 2 Obs 3 Obs 4 Obs 5 Obs 6 Obs 7 Obs 8 TOTAL 23 26 33 17 54 32 65 116 366 5 4 7 0 6 9 7 7 45 8 14 4 2 6 2 6 8 50 0 0 0 0 0 0 0 0 0 22 22 18 6 50 22 49 78 267 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 3 4 4 0 1 9 4 28 4 4 2 0 3 2 6 2 23 65 73 68 29 119 68 142 215 779 PNM - Professor não se move; PCA - Professor chama aluno; PVAE - Professor vai ao aluno espontaneamente; PVAQC - Professor vai a aluno que chama; ANM - Aluno não se move; ACP Aluno chama professor; AVPE - Aluno vai ao professor espontaneamente; AVPQC - Aluno vai ao professor que chama. 19 Para uma melhor compreensão dos quadros acima, faz-se necessário esclarecer que nas categorias PNM e ANM consideramos a falta de aproximação entre os atores, não levando em conta se eles estavam em pé ou sentados. Diante dos números acima, percebemos que na turma A havia pouco contato físico. Na maioria das vezes, tanto o mestre, quanto os alunos não buscavam a aproximação. E, quando ela ocorria, segundo os dados que temos, parecia se dar de maneira espontânea. Os dados nos mostram, também, que a professora A nem sempre era atendida quando chamava os alunos ao seu encontro, pois os números da categoria PCA não coincidem com os da categoria AVPQC. Vemos, também, que na única vez que um aluno chamou a professora, durante as aulas observadas, ele foi ouvido. Assim como na turma A, na turma B havia pouco contato físico. Geralmente a professora B e os alunos interagiam sem sair de seus lugares. As situações em que a professora B chamava os alunos eram, geralmente, quando esta solicitava que eles viessem ao quadro para responder alguma questão relacionada à atividade. Quando os alunos, individualmente, necessitavam falar com a professora, iam espontaneamente ao seu encontro, em vez de chamá-la. Consideramos relevante para o nosso estudo, identificar quais as atitudes das professoras ante as situações em que os alunos acertaram ou erraram, ao responder suas perguntas. Por isso elaboramos os quadros VIII e IX, a seguir. 20 Quadro VIII: Atitude da PROFESSORA A ante situações em que os alunos acertavam ou erravam ao responder Obs1 Obs2 Obs3 Obs4 Obs5 Obs6 Obs7 Obs8 TOTAL 4 5 2 4 5 0 7 1 28 IGN 3 0 0 1 2 1 3 4 14 RCC ELO 0 0 0 0 1 0 0 0 1 CON 0 3 0 2 2 0 0 0 7 IGN 6 0 0 1 4 1 1 3 16 RIC ELO 0 0 1 1 0 0 0 0 2 CON 0 0 1 1 1 0 0 0 3 IGN 0 0 0 0 1 0 1 2 4 COR 0 0 0 0 1 0 0 0 1 RCE RP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 REP 0 2 0 0 0 2 0 1 5 IGN 0 0 0 0 0 0 0 0 0 COR 0 0 0 0 0 0 0 0 0 RIE RP 4 0 0 1 3 2 0 0 10 REP 17 10 4 11 20 6 12 11 91 TOTAL Quadro IX: Atitude da PROFESSORA B ante situações em que os alunos acertam ou erram ao responder IGN RCC ELO CON IGN RIC ELO CON IGN COR RCE RP REP IGN COR RIE RP REP TOTAL Obs1 Obs2 Obs3 Obs4 Obs5 Obs6 Obs7 Obs8 TOTAL 0 2 4 0 22 8 18 11 65 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 2 3 0 4 5 1 7 2 6 10 35 0 0 0 1 1 8 2 19 31 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 2 0 0 4 7 3 4 0 0 2 1 0 5 15 1 0 1 0 0 0 0 1 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 2 0 0 0 0 0 2 0 3 5 0 0 1 0 2 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 1 1 4 10 12 2 37 23 26 56 170 RCC - Resposta coletiva correta; RIC - Resposta individual correta; RCE - Resposta coletiva errada; RIE - Resposta individual errada; IGN - Ignora; ELO - Elogia; CON - Confirma; COR Corrige; RP - Reformula pergunta; REP - Repreende. Diante dos dados coletados, percebemos que a professora A ignorava bastante as respostas dos alunos, independentemente de estarem elas corretas ou erradas. Os registros das aulas observadas mostraram que, se a resposta estivesse 21 correta, a professora continuaria a formular perguntas normalmente e, se estivesse errada, ela tendia a ficar em silêncio, até que as outras crianças falassem algo. Já os elogios aconteciam depois de várias respostas corretas. Em geral eram “Muito bem!”, mas, também, havia “Jóia!”, “Ótimo!” e “Lindo!”. As repreensões eram para alunos específicos que geralmente diziam não saber fazer as tarefas: “Não conheço essa palavra ‘não sei’. Não existe.” (observações 01, 04 e 06) Outro dado importante que o quadro VIII da turma A nos traz é que a professora, durante as aulas observadas, nem corrigiu, nem reformulou perguntas para alunos de maneira individual. E no coletivo o fez poucas vezes. Assim concluímos que a professora A mantinha uma postura de pouco diálogo e alguns elogios. Observando os dados coletados no quadro IX, notamos que a professora B também geralmente não dava feed-back às respostas corretas dos alunos, fossem elas individuais ou coletivas. De acordo com os registros das aulas, quando uma criança (ou as crianças coletivamente) respondia(m) corretamente, a professora B apenas continuava a aula, passando para a próxima questão da atividade. Por exemplo: A professora pergunta “Marcos, que figura é essa?” e ele responde “gato”. Diante da resposta correta do aluno, a professora pergunta “a palavra gato tem quantas letras?” (observação 07) A professora diz “eu tenho aqui quatro animais... que animal é esse?” e as crianças respondem “elefante”. Após as crianças responderem corretamente, a professora aponta para outro animal e pergunta “e esse?” (observação 06) Notamos um crescimento na freqüência de elogios nas respostas individuais corretas, mas apenas nas últimas observações: 22 A professora diz “a primeira letra da palavra Baton é a letra...” e uma criança completa respondendo “B”, então a professora diz “B! Palmas para Anderson, ele acertou” (observação 08) Em outro caso, a professora pergunta “Na palavra Nescafé tem a letra A?” e um aluno responde “uma”. Em seguida a professora diz “palmas para Marlone, Marlone acertou...” (observação 09) Identificamos uma das possíveis causas para a pequena freqüência de elogios por parte da professora. Em seu depoimento, ela deixa claro a dificuldade existente na relação professor/aluno que ocorre na turma B: “eles (os alunos) não se concentram (...) não há um interesse porque quando eles chegam aqui o que é que eles perguntam logo: quero merenda, quero brincar. Muitos já vêm cansados e essa relação fica muito difícil”. Ainda assim, a professora afirmou reconhecer a importância das expressões de afetividade dos alunos para a professora e da professora para os alunos. Segundo ela, essas expressões “são importantes porque a partir do momento que há uma boa relação, há confiança e com isso a gente consegue conquistar o aluno trazendo ele pra uma melhor aprendizagem”. Nas respostas erradas, individuais ou coletivas, geralmente a professora B corrigia, falando a resposta correta. Eis um exemplo: A professora perguntou “Na palavra Baton tem a letra A?” e as crianças responderam “nããão”. Diante da resposta errada, a professora disse “não? Tem sim... quantas vezes?” e as crianças respondem “duas”, a professora, então, diz “Duas? Não, uma” (observação 08) Em poucos casos, a professora B reformulou a pergunta que dirigia à turma. Eis um exemplo: Ao terminar de contar uma história, a professora perguntou “qual é o título do texto?” e, diante de várias respostas confusas das crianças, a professora reformula a 23 pergunta “qual é o nome da história?”. Logo em seguida as crianças respondem corretamente “A bela e a fera” (observação 03) No caso de repreensão às respostas erradas, observamos que aconteceu apenas uma vez: A professora disse “Lucas vai contar quantas letrinhas tem a palavra Maizena”. Os dois (Lucas e a professora) contam juntos “um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete...” e o aluno avança sozinho “oito”. A professora, então, diz “oito? Conte devagar!” (observação 08) Através desses dados, percebemos que a professora B mantinha uma postura um pouco distante de seus alunos, algumas vezes ignorando a fala das crianças e fazendo poucos elogios. Considerações Finais Entendemos que o professor, mesmo diante do avanço tecnológico que estamos vivendo, jamais será substituído por máquinas. Trabalhar a relação interpessoal só se faz possível ante a presença de seres humanos, por isso o diálogo em sala é insubstituível. No decorrer do nosso curso, tivemos várias oportunidades de observações, nas quais nos deparamos com uma educação que vem se tornando fria, seca e sem emoção. As crianças precisam, como já havíamos dito em nosso marco teórico, serem preparadas para os problemas concretos da vida, ou seja, devemos ensinar nossos alunos a serem pensadores e não repetidores de informações. Educar não é simplesmente repetir palavras, porém para compreender o verdadeiro sentido de educar, o educador precisa, antes de tudo, ter em sua mente qual sua real função educativa e social. Os instrumentos que utilizamos para o desenvolvimento de nossa pesquisa nos mostram que a interação professor/aluno está basicamente ligada à postura que 24 o professor assume dentro da sala. Assim sendo, se o professor acredita que ele detém todo o conhecimento e que o aluno está ali apenas para recebê-lo, será normal para ele o fato de sua fala ocupar muito mais tempo que a fala do aluno, por exemplo. No entanto, se o professor tem consciência de que ele é apenas um mediador entre a criança e o conhecimento a ser adquirido, o normal será encontrar mais freqüência, intensidade e variedade nas falas. Isto não ocorreu nas turmas observadas, onde percebemos uma predominância nas atividades planejadas para desenvolver as capacidades de ouvir, ler e escrever. As professoras pediam sempre que os alunos prestassem atenção ao que elas diziam, pediam que eles lessem o que estava no quadro ou na tarefa e pediam, também, que eles escrevessem. As professoras entrevistadas, ao falarem das crianças que não aprendem, mencionaram a família como um dos culpados. Não queremos julgar esta concepção, porém consideramos que, quando chega à escola, a criança rompe parcialmente com sua vida familiar, passando por uma nova experiência de socialização. A disposição dos móveis, a falta de espaço recreativo, a exposição pública dos alunos, o castigo, a predominância da fala docente e de tarefas fechadas são indícios de que ainda estamos um pouco distantes de alcançar esse sucesso. Nosso estudo, porém não nos permite fazer generalizações, já que se desenvolveu num pequeno universo: duas turmas de uma instituição. Além disso, tivemos a oportunidade de realizar apenas oito observações em cada turma, num espaço de tempo concentrado e gravarmos as aulas em áudio, quando o ideal seria tê-las registrado em vídeo. A realidade constatada naquele pequeno universo, nos permite sugerir aos educadores, sobretudo os da Educação Infantil, que se mostrem acessíveis e compreensíveis aos seus alunos, estimulando mais a fala destes e possibilitando que isso possa ocorrer em situações diversas, como contar histórias, dar recados, dizer o que aconteceu nos finais de semana, pedir informações, permitindo, assim, que eles comuniquem suas idéias, pensamentos e intenções. Acreditamos que é necessário favorecer um clima de confiança, respeito e afeto, proporcionando o prazer da comunicação, estimulando o diálogo e trabalhando a auto-estima dos alunos, fator fundamental no processo educacional. 25 Sugerimos, ainda, que os cursos de formação de professores ofereçam condições para que os docentes que pretendem trabalhar com Educação Infantil estejam bem preparados para lidar com essa fase tão singular do desenvolvimento humano. Eles precisam conhecer detalhadamente como funciona o desenvolvimento da criança e quais são as características que imperam nesta fase, para poder trabalhar com elas, respeitando seus traços e idiossincrasias. Referências Bibliográficas ALMEIDA, L. R. de e MAHONEY, A. A. Henri Wallon – psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2005 ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. BARDON, J L. e BENNETT, V. C. Psicologia escolar. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. BRASIL-MEC-SEF. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. CHALITA, G.. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001. COLL, C. e COLOMINA R. Interação entre alunos e aprendizagem escolar. In: COLL, C., PALACIOS, J. e MARCHESI, A. (orgs). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 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