IDENTIDADE E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA
INTERAÇÃO PROFESSOR – ALUNO
Viviane Alves de Oliveira Menezes  - IFRJ – campus Volta Redonda [email protected]
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo, com algumas modificações, originou-se de material didático
elaborado para o minicurso “Relação Professor – Aluno: uma Reflexão”, ministrado
pela autora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
(IFRJ) – campus Volta Redonda, em 2010. Objetiva levar a uma reflexão acerca do
relacionamento interpessoal entre professores e alunos, do ponto de vista da formação
destes últimos para a vida em sociedade. Esta temática afigura-se como objeto de estudo
em diferentes abordagens teóricas, como a de Vigotski (1994; 2009), o qual estabeleceu
empiricamente a importância da interação social para o desenvolvimento infantil e o
processo de ensino-aprendizagem – o que inclui a relação entre professor e aluno. Sabese que a instituição escolar, além da educação – entendida como transmissão de
conteúdos culturais universais –, desempenha outros papéis para a manutenção da
ordem social. Dessa perspectiva, a relação professor-aluno tem papel relevante
(Bohoslavsky, 1997), como veremos mais à frente. Para que se possa analisar como
acontece essa interação no âmbito das escolas e suas implicações para a sociedade como
um todo, seguiremos o percurso dos fatores psicológicos que nela interferem.
2. FATORES PSICOLÓGICOS DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Nesta primeira parte, consideraremos a importância da constituição da
identidade do educando no contexto escolar. Para tanto, abordar-se-ão os aspectos
psicológicos da formação da identidade, para então explicar como esta se dá na
interação entre professor e aluno.

Psicóloga, graduada em psicologia pela Unesa (2005), pós-graduanda (lato sensu) em Psicopedagogia
pelo UBM.
2
A identidade, o que nos permite responder à questão “Quem sou eu?”, é
definida sobretudo pelo ponto de vista do outro, visto que o ser humano não existe
como tal se não vive em sociedade. Os papéis sociais que desempenhamos (Ciampa,
2006) são sempre relativos ao outro, como, por exemplo, o papel de pai ou mãe só
existe para nós se tivermos um filho.
Por depender dos outros com quem convivemos, a identidade não é estática, mas
encontra-se em constante transformação, como salienta Ciampa:
“Até agora falamos das pessoas como se elas fossem de uma
determinada forma e não se modificassem, o que é falso. [...] No
mínimo, as pessoas ficam mais velhas: a criança se torna adulto; o
adulto, ancião. [...] Há mudanças mais ou menos previsíveis, mais ou
menos desejáveis, mais ou menos controláveis, mais ou menos...
mudanças.” (ibid., p. 61)
As modificações em nosso eu, nossa identidade, dão-se, ao longo da vida, em
grande medida, pelas percepções interindividuais e sociais – as quais, conforme assinala
Ciampa (ibid.), são baseadas em valores pessoais e de classe social. Leite (1997), ao
analisar exemplos de modificação de identidade em obras literárias, afirma que o
indivíduo precisa da perspectiva alheia para construir seu eu, e que, por esse motivo,
este se encontra sempre em busca do outro, ainda que a opinião deste último a seu
respeito seja negativa (do ponto de vista dos valores). Por isso, um dos critérios para a
identificação de alguém como psicótico (louco) consiste justamente no fato de esta
pessoa não compartilhar do mesmo ponto de vista dos que o cercam (ibid.). Tal ponto
de vista relaciona-se com o de Vigotski (2009), que – ao contrário de teóricos da época,
como Freud e Piaget – considera a socialização da criança como essencial ao seu
desenvolvimento, e não como aspecto externo e antagônico ao livre curso deste. Nas
palavras do autor:
“A criança [para Piaget] não é considerada como uma parte do
todo social, como um sujeito das relações sociais que, desde os seus
primeiros dias de vida, participa da vida social daquele todo a que ela
pertence. O social é visto como algo situado fora da criança, que a
3
pressiona e reprime os seus próprios modos de pensamento.” (ibid., p.
80).
Vigotski, portanto (ibid.), apresenta uma contribuição original ao pensamento de
seu tempo, ao sustentar a tese de que a socialização é intrínseca ao desenvolvimento do
indivíduo, abandonando a visão estritamente biológica de seus contemporâneos em
favor de uma concepção integradora dos aspectos sócio-históricos do ser humano, a
qual trará implicações significativas para as teorias do desenvolvimento e da Educação.
Considerando-se que, para Vigotski, a internalização do pensamento e da
linguagem deve ser mediada por outrem (op. cit., 1994), podemos inferir que estas
proposições corroboram a ideia da identidade como fenômeno social, visto que, para
este autor, as atividades intelectuais mediadas por signos – como os linguísticos – são
apreendidas pela interação social (ibid.). Ele ressalta a relevância deste fato ao
demonstrar empiricamente o conceito de zona de desenvolvimento proximal 1 e suas
implicações para a aprendizagem: ao defender a tese de que a criança deve aprender em
colaboração com o professor e colegas, lançou as bases para uma mudança de
paradigma na Educação, a qual leva o educador a refletir sobre seu relacionamento com
o aluno, como veremos adiante.
Assim, como vimos, a identidade não é apenas um fenômeno individual, mas
social (Ciampa, op. cit.). Entretanto, segundo este autor, a identidade é vista como
permanente para aquele que a encarna, retirando desta seu caráter sócio-histórico (ibid.).
Por exemplo, a identidade do professor, entendida como uma série de características
inerentes a esse papel, dificilmente será modificada para um professor específico
enquanto este assumi-la como imutável.
Essa concepção da identidade como permanência, que leva o ser humano a
desconsiderar sua historicidade 2 , é prejudicial à transformação da sociedade como um
todo, por patologizar a contradição e a mudança (ibid.).
Leite (op. cit.) enfatiza os prejuízos dessa visão a-histórica nas relações
interpessoais. Segundo ele, a percepção de preferência ou antipatia que nos une ou
afasta de determinadas pessoas 3 dificilmente é modificada, já que qualquer atitude da
1
2
Para aprofundamento deste conceito, cf. Vigotski, 1994, p.p. 109 e segs.
Cf. Vigotski (op. cit.) sobre a importância da historiciddade no desenvolvimento do intelecto
humano.
3
As causas de tal percepção encontram diversas explicações nas diferentes teorias psicológicas;
entretanto, foge aos objetivos deste artigo detalhá-las.
4
pessoa tenderá a ser explicada de acordo com nossa simpatia ou antipatia por ela. Nas
palavras do autor:
“Como evitamos entrar em contato com as pessoas pelas quais
temos antipatia, elas não têm possibilidade de exibir qualidades que
talvez chegássemos a admirar; quando o fazem, nossa tendência é dar
uma interpretação que elimina seu conteúdo favorável.” (ibid., p. 311)
Este aspecto das relações interpessoais torna-se extremamente importante – e
pernicioso, dependendo de como for manejado. Entretanto, não cabe nos limites deste
trabalho analisar os mecanismos de identificação que se processam no aluno em relação
a seu professor, sob um foco psicodinâmico. O objetivo aqui é de abordar o tema a
partir da perspectiva do professor e de sua atuação em sala de aula. Com essa finalidade,
tomaremos as considerações de Leite (ibid.) sobre o assunto.
Este autor ressalta que o sistema escolar tem como característica ser dirigido
para as massas, em detrimento do aluno como indivíduo. Consequentemente, a maioria
dos alunos não recebe atenção personalizada do professor, somente a recebendo,
conforme o autor (ibid.), em duas situações extremas: quando se destaca pela
capacidade intelectual ou quando personifica o que a escola condena – indisciplina,
dificuldades de aprendizagem etc. Os alunos que não se encaixam em nenhum dos dois
casos são privados da identificação – positiva ou negativa – com a figura do professor.
Leite alerta sobre o papel do professor nessa interação:
“Esse processo não seria, talvez, tão pernicioso, se os
professores conseguissem manter uma atitude de neutralidade diante
dos alunos, sem manifestar preferências ou antipatias. Mas todos os
professores sabem que manter tal neutralidade é processo difícil, obtido
à custa de muito esforço e muita autocrítica. Quase todos se deixam
arrastar por preferências ou antipatias – e essa relação afetiva,
geralmente inconsciente, marca os seus alunos.” (ibid., p. 310)
A identificação das qualidades dos alunos pelo professor, seja sob o aspecto de
aceitação ou rejeição daquelas, faz com que os alunos se esforcem – ainda que
inconscientemente – para apresentar as características acentuadas pelo professor (ibid.).
5
Portanto, os alunos considerados por aquele como “bons” tenderão a exibir essas
características como forma de confirmar o ponto de vista do professor; assim como os
“maus alunos”.
Leite (ibid.) assevera que tal processo seria inofensivo ao aluno se o professor e
a escola não fossem importantes fatores de identificação para o estudante. Em nosso
contexto sócio-histórico, a escola, conforme o autor (ibid.), serve de parâmetro para a
avaliação de traços comportamentais socialmente valorizados, como a inteligência –
entendida como a habilidade de responder às questões propostas pela escola – e o
conformismo social.
Decorrente dessa valorização exacerbada, os estudantes que não se adaptam a
esse padrão tendem a uma identificação com os valores opostos, a fim de não serem
ignorados pelo professor. A situação daqueles adequados ao modelo escolar não é
menos patológica: vivem em estado de angústia para corresponder sempre à
identificação fornecida pelo professor, como representante da instituição escolar (ibid.).
Tal fato é correlacionado ao que vimos no item anterior, sobre a formação da identidade
a partir do referencial de outrem. Acrescente-se aqui a influência das figuras
significativas – como exemplos podem ser citados os pais e os professores – como
primeiras referências para a constituição dessa identidade (ibid.; Ciampa, op. cit.).
Como a relação professor-aluno pode ser manejada de forma que as qualidades
de cada aluno sejam valorizadas, independente das expectativas acadêmicas e sociais?
Para responder a esta questão, devemos considerar as relações de poder que se
estabelecem entre professores e alunos e suas implicações para a inserção social destes
últimos.
Por mais que a ideologia das sociedades liberais queira convencer-nos de que as
habilidades intelectuais são socialmente valorizadas, os fatos desmentem tal assertiva a
todo momento: vide o salário dos professores e a empregabilidade que depende de
outros fatores além da pura capacidade mental. Os professores, como categoria
socialmente desprestigiada, apegam-se, segundo Zuin (2003), ao exercício do poder
sobre seus alunos, como forma de resgatar esse prestígio social. Por esse motivo,
historicamente os educadores recorreram a diferentes formas de coerção sobre seus
educandos, avalizados, até muito pouco tempo, pelos teóricos e filósofos da Educação.
Embora esse poder coercitivo tenha sofrido transformações ao longo dos séculos, indo
do emprego da força física às formas mais sutis de violência psicológica, seu fim
continua o mesmo: conformar – no sentido de por em uma forma – o aprendiz às
6
normas sociais. Zuin (ibid.) cita Comênio, filósofo do século XVII, considerado o pai da
Pedagogia moderna, como pioneiro na defesa da substituição dos castigos físicos pelos
psicológicos – humilhação, deboche – bem como indução dos demais alunos a
aplicarem os mesmos castigos, de maneira que cada estudante passe a temer o simples
olhar de reprovação de professor e pares.
Tais formas mais “eficientes” de punição – porque permitem a internalização da
norma pelo aluno, através do medo da sanção – ensejam a formação de indivíduos
passivos e conformados com a situação escolar e social. Os alunos, na visão de Zuin
(ibid.), tornam-se continuadores desse paradigma de relações de dominação, ao exercêla da mesma forma com seus colegas ou futuros alunos (os que vêm a ser professores).
O autor exemplifica tal fato com as “aulas-trote” comumente promovidas por
universitários veteranos:
“Nessa ‘aula’ que os alunos veteranos ministram aos seus
calouros, não por acaso com a conivência dos professores e da
universidade, o veterano que se faz de professor e humilha os novatos
com bordões autoritários, tais como a ameaça de reprovação, caso o
aluno se atrase para a aula, atualiza, ainda que de forma caricata, as
mesmas reclamações que os alunos têm de seus professores durante o
cotidiano universitário, tal como a falta de diálogo entre os professores
e os próprios alunos sobre o conteúdo da disciplina, por exemplo.
A identificação masoquista dos veteranos que abraçam
efusivamente os apavorados calouros no final da aula-trote já acena
para a legitimação da vingança sádica desses calouros que, no próximo
ano, poderão se desforrar da humilhação recebida, na condição de
veteranos, nos futuros ingressantes de seus cursos. A aula-trote, que
deveria ser um engodo, revela-se uma antecipação daquilo que os
calouros vão receber, ainda que de forma mais dissimulada, de seus
professores durante o cotidiano universitário. Os alunos veteranos
aprenderam muito bem a lição sadomasoquista ensinada por seus
mestres: ‘Suporte com firmeza a sua humilhação, pois você certamente
se vingará no próprio colega a dor que teve que reprimir’.” (ibid,. p.
425)
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Obviamente, não é nossa intenção acusar os professores de sadismo puro e
simples, senão de ressaltar que estes, tal como corriqueiramente exercem sua
autoridade, nada mais são do que mecanismos de perpetuação de um status quo. Leite
(op. cit.) lembra-nos que vivemos em uma sociedade marcadamente competitiva, onde
cada indivíduo aprende desde cedo – e a escola tem um papel fundamental nisso – a se
responsabilizar por seu sucesso ou fracasso. Um olhar mais apurado mostra como o
sucesso depende, muitas vezes, de variáveis que fogem ao controle de cada um, porém,
para este autor (ibid.), admitir tal fato levaria ao fim da sociedade capitalista, a qual tem
esta ideologia como um de seus alicerces.
A fim de analisarmos as implicações das formas de interação professor-aluno
para a manutenção ou superação de uma determinada visão social, passaremos a contar,
entre outros, com o ponto de vista de Zuin (op. cit.), para quem a escola e, por
conseguinte, a relação entre professores e alunos, é estruturada de forma a moldar os
estudantes para a vida segundo o modo capitalista de produção. Assim, mais do que
conhecimentos, a escola transmite regras de conduta para a inserção em uma
determinada sociedade.
Dentre os diversos mecanismos de treinamento das condutas socialmente
esperadas, a relação professor-aluno comparece como privilegiada, pois, de acordo com
Bohoslavsky (op. cit.), o professor é quem determina os parâmetros dessa interação, em
conformidade com as expectativas sociais. Segundo o autor (ibid.), as relações
interpessoais podem acontecer segundo três tipos de vínculo: de dependência, de
cooperação e de competição 4 . Destes, o vínculo predominante entre professores e
alunos – pelo menos em um modelo tradicional de educação – é o de dependência dos
segundos em relação aos primeiros, devido a estes serem considerados os detentores do
saber. O professor, na concepção de Bohoslavsky (ibid.), assume para si a tarefa de
estabelecer a comunicação possível com o aluno, determinando, por exemplo, os
momentos de este participar das aulas. O autor ainda ressalta que isto ocorre ainda que a
pedagogia contemporânea preconize a maior participação do aprendiz no processo
educacional, já que o professor continua a determinar como o aluno deve interagir.
Essa introjeção da forma tradicional de aprender, pelo fato de ser inculcada
desde a infância, faz-se sentir em todos os níveis do ensino. Farber (citado por
4
Apoiado em uma visão psicodinâmica do ser humano, Bohoslavsky (ibid.) localiza a origem dos
três tipos de vínculo na família, a qual, segundo ele, é o primeiro contexto de socialização humana,
servindo de base para interações mais complexas.
8
Bohoslavsky, ibid., p.p. 360-361) aponta, de forma ácida, os efeitos desse modo de
educar em universitários:
“[...] espera-se que um aluno da Cal State saiba qual é o seu
lugar: chama aos membros de faculdade de senhor, doutor ou professor;
sorri e passeia à porta da sala do professor enquanto espera permissão
para entrar; a faculdade lhe diz que curso seguir, lhe diz o que ler, o que
escrever e, frequentemente, onde fixar as margens de sua máquina de
escrever; dizem-lhe o que é verdade e o que não é. Alguns professores
afirmam que incentivam as discordâncias, mas quase sempre mentem e
os alunos o sabem. ‘Diga ao homem o que ele quer ouvir ou caia fora
do curso.’
[...] Hoje outro professor começou informando à sua classe que
não gosta de barbas, bigodes, rapazes com cabelos compridos e moças
de calças compridas e que não tolerará nenhuma destas coisas em sua
classe. No entanto, mais desalentador que este enfoque estilo
Auschwitz da educação é o fato de os alunos o aceitarem; não passaram
por doze anos de escola pública em vão; talvez esta seja a única coisa
que realmente aprenderam nestes doze anos: esqueceram a álgebra, têm
uma idéia irremediavelmente vaga de química e física, acabaram por
temer e odiar a literatura, escrevem como se tivessem passado por uma
lobotomia mas, Jesus, como obedecem bem a ordens! Portanto, a escola
equivale a um curso de doze anos de ‘como ser escravo’, para crianças
brancas e negras, sem distinção.
De que outra maneira explicar o que vejo numa classe de
primeiro ano? Têm a mentalidade dos escravos, obsequiosa e
bajuladora na superfície, hostil e resistente no fundo. Entre outras
coisas, nas escolas ocorre muito pouca educação. Como poderia ser de
outro modo? Não se podem educar escravos, apenas amestrá-los ou –
usando uma palavra mais horrível e adequada – só se pode programálos.”
Bohoslavsky (ibid.) salienta que as tentativas de modificar tal estado de coisas
esbarram em três dificuldades. A primeira é a resistência do professor em abandonar o
9
posto de ideal de eu para seus alunos, no momento em que estes descobrem que aquele
não detém o saber (e o poder) absoluto (ibid.; Zuin, op. cit.). A segunda é a oposição
dos próprios alunos às mudanças, visto que foram condicionados, como observamos
acima, a acatar a autoridade e o saber do professor. E, finalmente, existe a oposição da
instituição escolar, reflexo da sociedade como um todo, a qual encontra estratégias de
conservação da forma tradicional de ensinar.
A análise sobre esses empecilhos à transformação educacional será empreendida
em nosso próximo item, quando discorreremos sobre as mudanças possíveis para a
interação entre professor e aluno. Neste momento, veremos como o professor, como
representante da escola, contribui para manter o conhecimento já adquirido, em vez de
estimular a busca de novos conhecimentos.
Esta conservação do já conhecido reflete-se na postura docente de esperar
respostas prontas de seus alunos, respostas essas determinadas por uma concepção
ideológica específica, da qual o professor compartilha. Isto, nas palavras de
Bohoslavsky (op. cit.), é prejudicial á formação de um espírito crítico, afinal,
“[...] a estrutura acadêmica funciona muitas vezes como um
empecilho à investigação ou, no mínimo, como um sério obstáculo ao
desenvolvimento das atitudes que, de um ponto de vista psicológico,
deveriam definir um pesquisador (desconfiança diante do óbvio, do que
é ‘natural’ ou ‘deve ser’ e, portanto, antidogmatismo radical,
honestidade intelectual e compromisso social).” (ibid., p.p. 366-367)
Pode-se notar como é fundamental para o desenvolvimento do saber suscitar
uma atitude de dúvida e investigação naqueles que serão os futuros pesquisadores: os
alunos de hoje.
3. ALTERNATIVAS EDUCACIONAIS PARA UMA RELAÇÃO DESIGUAL
Ao longo da primeira parte do trabalho, pode-se problematizar o vínculo
dinâmico entre professor e aluno como origem de modos de ser alienados e
conservadores, os quais convêm à sociedade, tal como esta se estrutura atualmente
(ibid.; Zuin, op. cit.). Também foram abordados os aspectos psicológicos dessa relação,
especialmente no que concerne à constituição da identidade do aprendiz – considerando
10
identidade como uma construção sócio-histórica (Ciampa, op. cit.; Leite, op. cit.).
Agora é o momento de refletir sobre a prática docente a partir desses referenciais.
Para tanto, além dos autores já citados, tomaremos as idéias de Garcia (1997)
sobre este tema. Este autor relata uma experiência com uma turma de licenciandos,
tentando aplicar as concepções de Paulo Freire sobre a educação libertadora. Em
primeiro lugar, é interessante observar que esta vivência, conforme relatada pelo autor
(ibid.), corrobora a fala de Bohoslavsky (op. cit.) sobre as dificuldades de transformação
da pedagogia tradicional: Garcia situa o principal foco de resistência à mudança nos
próprios alunos, os quais, segundo ele (op. cit.), solicitavam a todo momento que o
professor voltasse a conduzir as aulas da maneira tradicional. É possível, neste caso,
levantar a hipótese – seguindo o caminho de Bohoslavsky (op. cit.) – de que o aluno
deseja restabelecer a segurança interna proporcionada pela manutenção de um sistema
já familiar a ele.
Garcia (op. cit.) retoma o conceito de vínculo dependente elaborado por
Bohoslavsky (op. cit.) e afirma que, embora um grau de dependência seja necessário ao
estabelecimento de um vínculo com o educador, a meta da educação escolar, numa
concepção libertadora, deve ser a de romper progressivamente com essa dependência.
Isto é importante, entre outros, para formar sujeitos propensos à pesquisa (ver item 2.4,
acima).
No entanto, a exemplo de outros autores (Ciampa, op. cit.; Leite, op. cit.; Zuin,
op. cit.; Bohoslavsky, op. cit.), Garcia (op. cit.) destaca o papel ideológico da instituição
escolar, como espelho da sociedade mais ampla. Nisso, este autor diminui inclusive a
responsabilidade – ou será culpa? – do professor nesse estado de coisas, afirmando que
o vínculo autoritário com os alunos não é fruto somente de má preparação didática do
professor, mas da inserção deste em um sistema educacional opressor. Tal sistema
reluta em admitir novas concepções educacionais, o que pode ser verificado na
exigência de aplicação de provas aos alunos, por exemplo (ibid.; Bohoslavsky, op. cit.).
Para fazer frente a esse engessamento da prática educativa, não basta, segundo
Garcia (op. cit.), modificar as metodologias e conteúdos de ensino sem mudar a própria
concepção do ensinar e do aprender. Por este motivo o autor afirma: “É lamentável
presenciar docentes inovadores [grifo do autor] em suas aulas magistrais ensinando
Paulo Freire e os alunos tomando nota...” (ibid., p. 387).
Pelo que pudemos discutir até aqui, é essencial que os profissionais da Educação
considerem a importância da relação professor-aluno, pois esta é o primeiro passo para
11
uma prática que pretenda libertar o aprendiz dos ditames ideológicos, no caminho de
uma atuação crítica e consciente no mundo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão da relação professor –
aluno a partir de uma abordagem psicológica, lembrando que a postura do professor
pode e deve contribuir de maneira significativa para o processo de ensinoaprendizagem. Frise-se que é de extrema relevância ao professor ter consciência de que
sua postura nunca é neutra. Como foi analisado, os gestos afetivos e postura do
professor repercutem na vida dos alunos. É importante ainda destacar que a educação
tem a política como característica inerente à sua natureza pedagógica. O fracasso
educacional muitas vezes está relacionado a fatores intra e interindividuais, mas não
podemos nos esquecer de que muitas das vezes, estando o professor alheio ao seu papel
politico-pedagógico, fica ele à mercê de teorias não-criticas e desvinculadas do contexto
histórico, que de certa forma não contribuem para a transformação social.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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como agente de socialização. In: PATTO, M. H. S. (org.) (1997). Introdução à psicologia
escolar (3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
CIAMPA, A. C. Identidade. In: LANE, S. T. M. & CODO, W. (orgs.) (2006).
Psicologia social: o homem em movimento (13. ed.). São Paulo: Brasiliense.
GARCIA, G. A relação pedagógica como vínculo libertador: uma experiência de
formação docente. In: PATTO, M. H. S. (org.) (1997). Introdução à psicologia escolar
(3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
LEITE, D. M. Educação e relações interpessoais. In: PATTO, M. H. S. (org.)
(1997). Introdução à psicologia escolar (3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
VIGOTSKI, L. S. (1994). A formação social da mente (5.ed.). São Paulo: Martins
Fontes.
_____. (2009). A construção do pensamento e da linguagem (2.ed.). São Paulo:
WMF Martins Fontes.
12
ZUIN, A. A. S. (2003). Sobre a atualidade dos tabus com relação aos
professores. Rev. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 83, p. 417-427.
Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 03 de julho de 2010.
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