IDENTIDADE E RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE DA INTERAÇÃO PROFESSOR – ALUNO Viviane Alves de Oliveira Menezes - IFRJ – campus Volta Redonda [email protected] 1. INTRODUÇÃO O presente artigo, com algumas modificações, originou-se de material didático elaborado para o minicurso “Relação Professor – Aluno: uma Reflexão”, ministrado pela autora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) – campus Volta Redonda, em 2010. Objetiva levar a uma reflexão acerca do relacionamento interpessoal entre professores e alunos, do ponto de vista da formação destes últimos para a vida em sociedade. Esta temática afigura-se como objeto de estudo em diferentes abordagens teóricas, como a de Vigotski (1994; 2009), o qual estabeleceu empiricamente a importância da interação social para o desenvolvimento infantil e o processo de ensino-aprendizagem – o que inclui a relação entre professor e aluno. Sabese que a instituição escolar, além da educação – entendida como transmissão de conteúdos culturais universais –, desempenha outros papéis para a manutenção da ordem social. Dessa perspectiva, a relação professor-aluno tem papel relevante (Bohoslavsky, 1997), como veremos mais à frente. Para que se possa analisar como acontece essa interação no âmbito das escolas e suas implicações para a sociedade como um todo, seguiremos o percurso dos fatores psicológicos que nela interferem. 2. FATORES PSICOLÓGICOS DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO Nesta primeira parte, consideraremos a importância da constituição da identidade do educando no contexto escolar. Para tanto, abordar-se-ão os aspectos psicológicos da formação da identidade, para então explicar como esta se dá na interação entre professor e aluno. Psicóloga, graduada em psicologia pela Unesa (2005), pós-graduanda (lato sensu) em Psicopedagogia pelo UBM. 2 A identidade, o que nos permite responder à questão “Quem sou eu?”, é definida sobretudo pelo ponto de vista do outro, visto que o ser humano não existe como tal se não vive em sociedade. Os papéis sociais que desempenhamos (Ciampa, 2006) são sempre relativos ao outro, como, por exemplo, o papel de pai ou mãe só existe para nós se tivermos um filho. Por depender dos outros com quem convivemos, a identidade não é estática, mas encontra-se em constante transformação, como salienta Ciampa: “Até agora falamos das pessoas como se elas fossem de uma determinada forma e não se modificassem, o que é falso. [...] No mínimo, as pessoas ficam mais velhas: a criança se torna adulto; o adulto, ancião. [...] Há mudanças mais ou menos previsíveis, mais ou menos desejáveis, mais ou menos controláveis, mais ou menos... mudanças.” (ibid., p. 61) As modificações em nosso eu, nossa identidade, dão-se, ao longo da vida, em grande medida, pelas percepções interindividuais e sociais – as quais, conforme assinala Ciampa (ibid.), são baseadas em valores pessoais e de classe social. Leite (1997), ao analisar exemplos de modificação de identidade em obras literárias, afirma que o indivíduo precisa da perspectiva alheia para construir seu eu, e que, por esse motivo, este se encontra sempre em busca do outro, ainda que a opinião deste último a seu respeito seja negativa (do ponto de vista dos valores). Por isso, um dos critérios para a identificação de alguém como psicótico (louco) consiste justamente no fato de esta pessoa não compartilhar do mesmo ponto de vista dos que o cercam (ibid.). Tal ponto de vista relaciona-se com o de Vigotski (2009), que – ao contrário de teóricos da época, como Freud e Piaget – considera a socialização da criança como essencial ao seu desenvolvimento, e não como aspecto externo e antagônico ao livre curso deste. Nas palavras do autor: “A criança [para Piaget] não é considerada como uma parte do todo social, como um sujeito das relações sociais que, desde os seus primeiros dias de vida, participa da vida social daquele todo a que ela pertence. O social é visto como algo situado fora da criança, que a 3 pressiona e reprime os seus próprios modos de pensamento.” (ibid., p. 80). Vigotski, portanto (ibid.), apresenta uma contribuição original ao pensamento de seu tempo, ao sustentar a tese de que a socialização é intrínseca ao desenvolvimento do indivíduo, abandonando a visão estritamente biológica de seus contemporâneos em favor de uma concepção integradora dos aspectos sócio-históricos do ser humano, a qual trará implicações significativas para as teorias do desenvolvimento e da Educação. Considerando-se que, para Vigotski, a internalização do pensamento e da linguagem deve ser mediada por outrem (op. cit., 1994), podemos inferir que estas proposições corroboram a ideia da identidade como fenômeno social, visto que, para este autor, as atividades intelectuais mediadas por signos – como os linguísticos – são apreendidas pela interação social (ibid.). Ele ressalta a relevância deste fato ao demonstrar empiricamente o conceito de zona de desenvolvimento proximal 1 e suas implicações para a aprendizagem: ao defender a tese de que a criança deve aprender em colaboração com o professor e colegas, lançou as bases para uma mudança de paradigma na Educação, a qual leva o educador a refletir sobre seu relacionamento com o aluno, como veremos adiante. Assim, como vimos, a identidade não é apenas um fenômeno individual, mas social (Ciampa, op. cit.). Entretanto, segundo este autor, a identidade é vista como permanente para aquele que a encarna, retirando desta seu caráter sócio-histórico (ibid.). Por exemplo, a identidade do professor, entendida como uma série de características inerentes a esse papel, dificilmente será modificada para um professor específico enquanto este assumi-la como imutável. Essa concepção da identidade como permanência, que leva o ser humano a desconsiderar sua historicidade 2 , é prejudicial à transformação da sociedade como um todo, por patologizar a contradição e a mudança (ibid.). Leite (op. cit.) enfatiza os prejuízos dessa visão a-histórica nas relações interpessoais. Segundo ele, a percepção de preferência ou antipatia que nos une ou afasta de determinadas pessoas 3 dificilmente é modificada, já que qualquer atitude da 1 2 Para aprofundamento deste conceito, cf. Vigotski, 1994, p.p. 109 e segs. Cf. Vigotski (op. cit.) sobre a importância da historiciddade no desenvolvimento do intelecto humano. 3 As causas de tal percepção encontram diversas explicações nas diferentes teorias psicológicas; entretanto, foge aos objetivos deste artigo detalhá-las. 4 pessoa tenderá a ser explicada de acordo com nossa simpatia ou antipatia por ela. Nas palavras do autor: “Como evitamos entrar em contato com as pessoas pelas quais temos antipatia, elas não têm possibilidade de exibir qualidades que talvez chegássemos a admirar; quando o fazem, nossa tendência é dar uma interpretação que elimina seu conteúdo favorável.” (ibid., p. 311) Este aspecto das relações interpessoais torna-se extremamente importante – e pernicioso, dependendo de como for manejado. Entretanto, não cabe nos limites deste trabalho analisar os mecanismos de identificação que se processam no aluno em relação a seu professor, sob um foco psicodinâmico. O objetivo aqui é de abordar o tema a partir da perspectiva do professor e de sua atuação em sala de aula. Com essa finalidade, tomaremos as considerações de Leite (ibid.) sobre o assunto. Este autor ressalta que o sistema escolar tem como característica ser dirigido para as massas, em detrimento do aluno como indivíduo. Consequentemente, a maioria dos alunos não recebe atenção personalizada do professor, somente a recebendo, conforme o autor (ibid.), em duas situações extremas: quando se destaca pela capacidade intelectual ou quando personifica o que a escola condena – indisciplina, dificuldades de aprendizagem etc. Os alunos que não se encaixam em nenhum dos dois casos são privados da identificação – positiva ou negativa – com a figura do professor. Leite alerta sobre o papel do professor nessa interação: “Esse processo não seria, talvez, tão pernicioso, se os professores conseguissem manter uma atitude de neutralidade diante dos alunos, sem manifestar preferências ou antipatias. Mas todos os professores sabem que manter tal neutralidade é processo difícil, obtido à custa de muito esforço e muita autocrítica. Quase todos se deixam arrastar por preferências ou antipatias – e essa relação afetiva, geralmente inconsciente, marca os seus alunos.” (ibid., p. 310) A identificação das qualidades dos alunos pelo professor, seja sob o aspecto de aceitação ou rejeição daquelas, faz com que os alunos se esforcem – ainda que inconscientemente – para apresentar as características acentuadas pelo professor (ibid.). 5 Portanto, os alunos considerados por aquele como “bons” tenderão a exibir essas características como forma de confirmar o ponto de vista do professor; assim como os “maus alunos”. Leite (ibid.) assevera que tal processo seria inofensivo ao aluno se o professor e a escola não fossem importantes fatores de identificação para o estudante. Em nosso contexto sócio-histórico, a escola, conforme o autor (ibid.), serve de parâmetro para a avaliação de traços comportamentais socialmente valorizados, como a inteligência – entendida como a habilidade de responder às questões propostas pela escola – e o conformismo social. Decorrente dessa valorização exacerbada, os estudantes que não se adaptam a esse padrão tendem a uma identificação com os valores opostos, a fim de não serem ignorados pelo professor. A situação daqueles adequados ao modelo escolar não é menos patológica: vivem em estado de angústia para corresponder sempre à identificação fornecida pelo professor, como representante da instituição escolar (ibid.). Tal fato é correlacionado ao que vimos no item anterior, sobre a formação da identidade a partir do referencial de outrem. Acrescente-se aqui a influência das figuras significativas – como exemplos podem ser citados os pais e os professores – como primeiras referências para a constituição dessa identidade (ibid.; Ciampa, op. cit.). Como a relação professor-aluno pode ser manejada de forma que as qualidades de cada aluno sejam valorizadas, independente das expectativas acadêmicas e sociais? Para responder a esta questão, devemos considerar as relações de poder que se estabelecem entre professores e alunos e suas implicações para a inserção social destes últimos. Por mais que a ideologia das sociedades liberais queira convencer-nos de que as habilidades intelectuais são socialmente valorizadas, os fatos desmentem tal assertiva a todo momento: vide o salário dos professores e a empregabilidade que depende de outros fatores além da pura capacidade mental. Os professores, como categoria socialmente desprestigiada, apegam-se, segundo Zuin (2003), ao exercício do poder sobre seus alunos, como forma de resgatar esse prestígio social. Por esse motivo, historicamente os educadores recorreram a diferentes formas de coerção sobre seus educandos, avalizados, até muito pouco tempo, pelos teóricos e filósofos da Educação. Embora esse poder coercitivo tenha sofrido transformações ao longo dos séculos, indo do emprego da força física às formas mais sutis de violência psicológica, seu fim continua o mesmo: conformar – no sentido de por em uma forma – o aprendiz às 6 normas sociais. Zuin (ibid.) cita Comênio, filósofo do século XVII, considerado o pai da Pedagogia moderna, como pioneiro na defesa da substituição dos castigos físicos pelos psicológicos – humilhação, deboche – bem como indução dos demais alunos a aplicarem os mesmos castigos, de maneira que cada estudante passe a temer o simples olhar de reprovação de professor e pares. Tais formas mais “eficientes” de punição – porque permitem a internalização da norma pelo aluno, através do medo da sanção – ensejam a formação de indivíduos passivos e conformados com a situação escolar e social. Os alunos, na visão de Zuin (ibid.), tornam-se continuadores desse paradigma de relações de dominação, ao exercêla da mesma forma com seus colegas ou futuros alunos (os que vêm a ser professores). O autor exemplifica tal fato com as “aulas-trote” comumente promovidas por universitários veteranos: “Nessa ‘aula’ que os alunos veteranos ministram aos seus calouros, não por acaso com a conivência dos professores e da universidade, o veterano que se faz de professor e humilha os novatos com bordões autoritários, tais como a ameaça de reprovação, caso o aluno se atrase para a aula, atualiza, ainda que de forma caricata, as mesmas reclamações que os alunos têm de seus professores durante o cotidiano universitário, tal como a falta de diálogo entre os professores e os próprios alunos sobre o conteúdo da disciplina, por exemplo. A identificação masoquista dos veteranos que abraçam efusivamente os apavorados calouros no final da aula-trote já acena para a legitimação da vingança sádica desses calouros que, no próximo ano, poderão se desforrar da humilhação recebida, na condição de veteranos, nos futuros ingressantes de seus cursos. A aula-trote, que deveria ser um engodo, revela-se uma antecipação daquilo que os calouros vão receber, ainda que de forma mais dissimulada, de seus professores durante o cotidiano universitário. Os alunos veteranos aprenderam muito bem a lição sadomasoquista ensinada por seus mestres: ‘Suporte com firmeza a sua humilhação, pois você certamente se vingará no próprio colega a dor que teve que reprimir’.” (ibid,. p. 425) 7 Obviamente, não é nossa intenção acusar os professores de sadismo puro e simples, senão de ressaltar que estes, tal como corriqueiramente exercem sua autoridade, nada mais são do que mecanismos de perpetuação de um status quo. Leite (op. cit.) lembra-nos que vivemos em uma sociedade marcadamente competitiva, onde cada indivíduo aprende desde cedo – e a escola tem um papel fundamental nisso – a se responsabilizar por seu sucesso ou fracasso. Um olhar mais apurado mostra como o sucesso depende, muitas vezes, de variáveis que fogem ao controle de cada um, porém, para este autor (ibid.), admitir tal fato levaria ao fim da sociedade capitalista, a qual tem esta ideologia como um de seus alicerces. A fim de analisarmos as implicações das formas de interação professor-aluno para a manutenção ou superação de uma determinada visão social, passaremos a contar, entre outros, com o ponto de vista de Zuin (op. cit.), para quem a escola e, por conseguinte, a relação entre professores e alunos, é estruturada de forma a moldar os estudantes para a vida segundo o modo capitalista de produção. Assim, mais do que conhecimentos, a escola transmite regras de conduta para a inserção em uma determinada sociedade. Dentre os diversos mecanismos de treinamento das condutas socialmente esperadas, a relação professor-aluno comparece como privilegiada, pois, de acordo com Bohoslavsky (op. cit.), o professor é quem determina os parâmetros dessa interação, em conformidade com as expectativas sociais. Segundo o autor (ibid.), as relações interpessoais podem acontecer segundo três tipos de vínculo: de dependência, de cooperação e de competição 4 . Destes, o vínculo predominante entre professores e alunos – pelo menos em um modelo tradicional de educação – é o de dependência dos segundos em relação aos primeiros, devido a estes serem considerados os detentores do saber. O professor, na concepção de Bohoslavsky (ibid.), assume para si a tarefa de estabelecer a comunicação possível com o aluno, determinando, por exemplo, os momentos de este participar das aulas. O autor ainda ressalta que isto ocorre ainda que a pedagogia contemporânea preconize a maior participação do aprendiz no processo educacional, já que o professor continua a determinar como o aluno deve interagir. Essa introjeção da forma tradicional de aprender, pelo fato de ser inculcada desde a infância, faz-se sentir em todos os níveis do ensino. Farber (citado por 4 Apoiado em uma visão psicodinâmica do ser humano, Bohoslavsky (ibid.) localiza a origem dos três tipos de vínculo na família, a qual, segundo ele, é o primeiro contexto de socialização humana, servindo de base para interações mais complexas. 8 Bohoslavsky, ibid., p.p. 360-361) aponta, de forma ácida, os efeitos desse modo de educar em universitários: “[...] espera-se que um aluno da Cal State saiba qual é o seu lugar: chama aos membros de faculdade de senhor, doutor ou professor; sorri e passeia à porta da sala do professor enquanto espera permissão para entrar; a faculdade lhe diz que curso seguir, lhe diz o que ler, o que escrever e, frequentemente, onde fixar as margens de sua máquina de escrever; dizem-lhe o que é verdade e o que não é. Alguns professores afirmam que incentivam as discordâncias, mas quase sempre mentem e os alunos o sabem. ‘Diga ao homem o que ele quer ouvir ou caia fora do curso.’ [...] Hoje outro professor começou informando à sua classe que não gosta de barbas, bigodes, rapazes com cabelos compridos e moças de calças compridas e que não tolerará nenhuma destas coisas em sua classe. No entanto, mais desalentador que este enfoque estilo Auschwitz da educação é o fato de os alunos o aceitarem; não passaram por doze anos de escola pública em vão; talvez esta seja a única coisa que realmente aprenderam nestes doze anos: esqueceram a álgebra, têm uma idéia irremediavelmente vaga de química e física, acabaram por temer e odiar a literatura, escrevem como se tivessem passado por uma lobotomia mas, Jesus, como obedecem bem a ordens! Portanto, a escola equivale a um curso de doze anos de ‘como ser escravo’, para crianças brancas e negras, sem distinção. De que outra maneira explicar o que vejo numa classe de primeiro ano? Têm a mentalidade dos escravos, obsequiosa e bajuladora na superfície, hostil e resistente no fundo. Entre outras coisas, nas escolas ocorre muito pouca educação. Como poderia ser de outro modo? Não se podem educar escravos, apenas amestrá-los ou – usando uma palavra mais horrível e adequada – só se pode programálos.” Bohoslavsky (ibid.) salienta que as tentativas de modificar tal estado de coisas esbarram em três dificuldades. A primeira é a resistência do professor em abandonar o 9 posto de ideal de eu para seus alunos, no momento em que estes descobrem que aquele não detém o saber (e o poder) absoluto (ibid.; Zuin, op. cit.). A segunda é a oposição dos próprios alunos às mudanças, visto que foram condicionados, como observamos acima, a acatar a autoridade e o saber do professor. E, finalmente, existe a oposição da instituição escolar, reflexo da sociedade como um todo, a qual encontra estratégias de conservação da forma tradicional de ensinar. A análise sobre esses empecilhos à transformação educacional será empreendida em nosso próximo item, quando discorreremos sobre as mudanças possíveis para a interação entre professor e aluno. Neste momento, veremos como o professor, como representante da escola, contribui para manter o conhecimento já adquirido, em vez de estimular a busca de novos conhecimentos. Esta conservação do já conhecido reflete-se na postura docente de esperar respostas prontas de seus alunos, respostas essas determinadas por uma concepção ideológica específica, da qual o professor compartilha. Isto, nas palavras de Bohoslavsky (op. cit.), é prejudicial á formação de um espírito crítico, afinal, “[...] a estrutura acadêmica funciona muitas vezes como um empecilho à investigação ou, no mínimo, como um sério obstáculo ao desenvolvimento das atitudes que, de um ponto de vista psicológico, deveriam definir um pesquisador (desconfiança diante do óbvio, do que é ‘natural’ ou ‘deve ser’ e, portanto, antidogmatismo radical, honestidade intelectual e compromisso social).” (ibid., p.p. 366-367) Pode-se notar como é fundamental para o desenvolvimento do saber suscitar uma atitude de dúvida e investigação naqueles que serão os futuros pesquisadores: os alunos de hoje. 3. ALTERNATIVAS EDUCACIONAIS PARA UMA RELAÇÃO DESIGUAL Ao longo da primeira parte do trabalho, pode-se problematizar o vínculo dinâmico entre professor e aluno como origem de modos de ser alienados e conservadores, os quais convêm à sociedade, tal como esta se estrutura atualmente (ibid.; Zuin, op. cit.). Também foram abordados os aspectos psicológicos dessa relação, especialmente no que concerne à constituição da identidade do aprendiz – considerando 10 identidade como uma construção sócio-histórica (Ciampa, op. cit.; Leite, op. cit.). Agora é o momento de refletir sobre a prática docente a partir desses referenciais. Para tanto, além dos autores já citados, tomaremos as idéias de Garcia (1997) sobre este tema. Este autor relata uma experiência com uma turma de licenciandos, tentando aplicar as concepções de Paulo Freire sobre a educação libertadora. Em primeiro lugar, é interessante observar que esta vivência, conforme relatada pelo autor (ibid.), corrobora a fala de Bohoslavsky (op. cit.) sobre as dificuldades de transformação da pedagogia tradicional: Garcia situa o principal foco de resistência à mudança nos próprios alunos, os quais, segundo ele (op. cit.), solicitavam a todo momento que o professor voltasse a conduzir as aulas da maneira tradicional. É possível, neste caso, levantar a hipótese – seguindo o caminho de Bohoslavsky (op. cit.) – de que o aluno deseja restabelecer a segurança interna proporcionada pela manutenção de um sistema já familiar a ele. Garcia (op. cit.) retoma o conceito de vínculo dependente elaborado por Bohoslavsky (op. cit.) e afirma que, embora um grau de dependência seja necessário ao estabelecimento de um vínculo com o educador, a meta da educação escolar, numa concepção libertadora, deve ser a de romper progressivamente com essa dependência. Isto é importante, entre outros, para formar sujeitos propensos à pesquisa (ver item 2.4, acima). No entanto, a exemplo de outros autores (Ciampa, op. cit.; Leite, op. cit.; Zuin, op. cit.; Bohoslavsky, op. cit.), Garcia (op. cit.) destaca o papel ideológico da instituição escolar, como espelho da sociedade mais ampla. Nisso, este autor diminui inclusive a responsabilidade – ou será culpa? – do professor nesse estado de coisas, afirmando que o vínculo autoritário com os alunos não é fruto somente de má preparação didática do professor, mas da inserção deste em um sistema educacional opressor. Tal sistema reluta em admitir novas concepções educacionais, o que pode ser verificado na exigência de aplicação de provas aos alunos, por exemplo (ibid.; Bohoslavsky, op. cit.). Para fazer frente a esse engessamento da prática educativa, não basta, segundo Garcia (op. cit.), modificar as metodologias e conteúdos de ensino sem mudar a própria concepção do ensinar e do aprender. Por este motivo o autor afirma: “É lamentável presenciar docentes inovadores [grifo do autor] em suas aulas magistrais ensinando Paulo Freire e os alunos tomando nota...” (ibid., p. 387). Pelo que pudemos discutir até aqui, é essencial que os profissionais da Educação considerem a importância da relação professor-aluno, pois esta é o primeiro passo para 11 uma prática que pretenda libertar o aprendiz dos ditames ideológicos, no caminho de uma atuação crítica e consciente no mundo. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão da relação professor – aluno a partir de uma abordagem psicológica, lembrando que a postura do professor pode e deve contribuir de maneira significativa para o processo de ensinoaprendizagem. Frise-se que é de extrema relevância ao professor ter consciência de que sua postura nunca é neutra. Como foi analisado, os gestos afetivos e postura do professor repercutem na vida dos alunos. É importante ainda destacar que a educação tem a política como característica inerente à sua natureza pedagógica. O fracasso educacional muitas vezes está relacionado a fatores intra e interindividuais, mas não podemos nos esquecer de que muitas das vezes, estando o professor alheio ao seu papel politico-pedagógico, fica ele à mercê de teorias não-criticas e desvinculadas do contexto histórico, que de certa forma não contribuem para a transformação social. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOHOSLAVSKY, R. A psicopatologia do vínculo professor-aluno: o professor como agente de socialização. In: PATTO, M. H. S. (org.) (1997). Introdução à psicologia escolar (3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo. CIAMPA, A. C. Identidade. In: LANE, S. T. M. & CODO, W. (orgs.) (2006). Psicologia social: o homem em movimento (13. ed.). São Paulo: Brasiliense. GARCIA, G. A relação pedagógica como vínculo libertador: uma experiência de formação docente. In: PATTO, M. H. S. (org.) (1997). Introdução à psicologia escolar (3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo. LEITE, D. M. Educação e relações interpessoais. In: PATTO, M. H. S. (org.) (1997). Introdução à psicologia escolar (3.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo. VIGOTSKI, L. S. (1994). A formação social da mente (5.ed.). São Paulo: Martins Fontes. _____. (2009). A construção do pensamento e da linguagem (2.ed.). São Paulo: WMF Martins Fontes. 12 ZUIN, A. A. S. (2003). Sobre a atualidade dos tabus com relação aos professores. Rev. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 83, p. 417-427. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 03 de julho de 2010.