Portugal: Austeridade /Crescimento José António Cortez 1 Portugal confronta-se com um problema de crescimento que assenta em factores de natureza estrutural relacionados com o nosso modelo económico; por esse facto a resposta a dar a este problema não pode circunscrever-se a políticas de conjuntura. 2 A crise financeira e da dívida que estamos a viver e as medidas de política adoptadas estão a ter, sobretudo, um efeito amplificador da crise da economia real, tendo o seu maior impacto recessivo resultado precisamente da situação de fragilidade em que a economia já se encontrava. As políticas pró-cíclicas de incentivo à procura agregada, tinham permitido “esconder”, durante algum tempo, a crise, mas logo que as mesmas deixaram de ocorrer o efeito sobre a economia foi particularmente violento. Numa primeira fase, por via da retracção da procura externa (exportações) e, numa segunda, ao nível da procura interna (consumo privado), em resultado das mais recentes medidas de austeridade resultantes do Memorando da «troika». 3 As posições entretanto defendidas pela «troika», e que o Governo português vem secundando, assentam em dois grandes princípios orientadores: a) A eliminação dos desequilíbrios nas contas públicas devem constituir a prioridade absoluta das políticas macro, sendo, ainda, um «pré-requisito» para poder haver crescimento económico (ou seja, não deve adoptar-se, simultaneamente, qualquer política de incentivo da procura); b) Os problemas estruturais que também afectam o crescimento retirando competitividade à economia, têm que ver, no essencial, com o custo e a fluidez dos factores produtivos, necessitando o país de reajustar em baixa (desvalorizando) os custos do factor trabalho, o que a rigidez do mercado de trabalho obstaculiza. 4 Esta visão económica tem vindo a traduzir-se numa abordagem dos problemas da economia do país algo estática e mecanicista, ou seja, que se revela pouco atenta às suas reais especificidades: - A subordinação das políticas de curto prazo ao cumprimento das metas do défice orçamental, conduziu a uma subavaliação do seu impacto sobre a economia, nomeadamente, não incorporando que, em países com uma estrutura económica frágil, medidas de austeridade mal doseadas despoletam um interminável círculo vicioso austeridade-recessão; - Uma visão redutora (e, de algum modo, redentora) das «políticas estruturais» que levou a que se subestimasse o efeito destrutivo das políticas de curto prazo sobre o tecido produtivo nacional, associando este efeito a «mudanças estruturais» inseridas no âmbito da chamada «destruição criadora» (no sentido “schumpeteriano” do termo). 5 Desta abordagem à crise resultou um claro desfasamento entre os resultados esperados e os resultados obtidos, de que os números da execução orçamental deste ano são evidência incontornável, com: - Erros de previsão grosseiros, que são prova da incapacidade de prever o impacto das medidas adoptadas sobre a economia; - Desvalorização grave do contexto recessivo que estamos a viver (quer interno, quer externo) e que permitiram uma sobrevalorização das receitas (fiscais e da segurança social) e uma subavaliação das despesas (em especial, em consequência do previsível aumento do desemprego provocado, acima de tudo, pelo encerramento de empresas). 6 Perante estes factos é essencial começar por assumi-los e enfrentar o seu peso e procurar, de seguida, novas e inovadoras respostas. Porque é já hoje claro que: - Portugal sem medidas orçamentais adicionais não poderá cumprir a meta do défice em 2012 (4.5%); - Portugal (no contexto actual da «zona euro» e a manterem—se as taxas de juro do mercado) não vai conseguir regressar ao mercado no Outono de 2013, sendo inevitável negociar um novo empréstimo; - As exportações, por si só, mesmo confirmando o seu desempenho, não alavancam, por si só, o crescimento da economia (além de que, tudo aponta, para uma desaceleração da nossa procura externa relevante) pelo que, sem inverter a tendência de quebra da procura interna vamos continuar sem crescer. 7 Se queremos evitar um novo pacote de austeridade é essencial: - Reavaliar o ritmo de redução do défice, recalendarizando as metas previstas, em especial, no contexto de um eventual novo empréstimo (no mínimo mais dois anos), conforme o recente parecer do CES sobre o DEO propõe; - Pressionar a «troika» e as instâncias de decisão europeias no sentido de reduzir os juros do empréstimo concedido a Portugal (os juros continuam a ser o ponto critico que alimenta a dívida); - Negociar uma Agenda para o Crescimento, com medidas de curto prazo incentivadoras da procura interna e medidas estruturais de médio prazo que terão que ir muito para além do âmbito das relações laborais. 8 Portugal precisa de um conjunto de políticas, articulando o curto com o médio prazo (políticas de procura e de oferta) Focalizando-nos nas medidas mais urgentes para relançar a economia estas envolvem: - Reforço da Liquidez e do Investimento (sobretudo privado, mas sem ignorar o papel do investimento público); - Reduções selectivas na carga fiscal (envolvendo PME e alguns bens e serviços de consumo); - Política de rendimentos mais flexível e ajustável às diferentes necessidades da economia real (considerando ainda o facto de Portugal ser o país europeu da O.C.D.E. com mais desigualdade na distribuição do rendimento disponível), com abandono de contraccionista. uma orientação macro generalizadamente 9 No plano das mudanças estruturais, precisamos de operar uma mudança profunda no nosso modelo económico e de realizar uma reforma que continua, no essencial, por fazer: a do Estado. Devendo ter como preocupações centrais: - Olhar para a economia como sendo uma realidade integrada (ou seja, cada vez menos segmentada) e inserida numa economia global; - Construir um modelo que reduza a nossa dependência externa (no consumo final e naquilo que produzimos e vendemos ao exterior). - Dispor de um Estado redimensionado mas dotado de um serviço público de qualidade gerador de uma envolvente favorável ao investimento empresarial e ao cumprimento das regras de concorrência. Existem, essencialmente, dois caminhos que podemos 10 seguir: 1º. Investir num regresso ao passado, construindo uma economia dual, com um sector exportador concentrado em actividades de mão-de-obra intensiva e baseada em critérios de competitividade custo (procurando repetir a estratégia de desvalorização competitiva dos anos 80 e 90) com cadeias de valor pouco profundas e pouco diversificadas e com uma economia doméstica pouco competitiva que cede de forma crescente o seu lugar a produtos importados. Este modelo para ser minimamente sustentável implica um empobrecimento dos portugueses e a manutenção de níveis de desemprego elevados. 2º. Apostar na criação de um novo modelo de crescimento, 10 assente em: - Políticas de valor acrescentado, com um investimento maior nos factores imateriais e na valorização dos dois principais recursos do país: o território e o capital humano (conhecimento); - Uma nova vaga exportadora (rompendo com a solução “mais do mesmo”) reorientada para novas procuras e funções e investindo em actividades menos estruturadas na base de bens transaccionáveis e mais organizadas em função de quadros relacionais estáveis e prolongados; - Uma menor dependência de “inputs importados”, reduzindo a incorporação destes no que produzimos e vendemos e apostando numa política integrada de substituição de importações. OBRIGADO