UM ESTUDO DO ADOECIMENTO PSÍQUICO ENTRE OS SERVIDORES
PÚBLICOS DO INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL/INSS DE
RONDÔNIA
Cristiane
Marques
de
Mattos
Vivian
Bonfin
Vanderléia de Lurdes Dal Castel Schlindwein
UM ESTUDO DO ADOECIMENTO PSÍQUICO ENTRE OS SERVIDORES
PÚBLICOS DO INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL/INSS DE
RONDÔNIA
Cristiane Marques de Mattos1
Vivian Bonfin2
Vanderléia de Lurdes Dal Castel Schlindwein3
Resumo
Os afastamentos por transtornos mentais têm sido pouco investigados entre os
servidores públicos do estado de Rondônia, a falta de informações dificulta a criação de
políticas públicas que venham a minimizar os efeitos de alguns contextos de trabalho
sobre a saúde mental dos servidores. Neste sentido, a pesquisa fundamentada na
abordagem da Saúde do Trabalhador tem como objetivo dar visibilidade aos transtornos
mentais relacionados ao trabalho entre os servidores públicos do Instituto Nacional de
Seguridade Social/INSS de Rondônia. Privilegiou-se nesta investigação uma abordagem
quantitativa, sendo que o desenvolvimento da pesquisa se deu a partir de um banco de
dados criado a partir dos protocolos de afastamentos por transtornos mentais registrados
na Superintendência da agência do INSS de Porto Velho, no período de janeiro a
dezembro de 2011. Foram encontrados 39 casos de afastamento por transtorno mental
entre os servidores do INSS, sendo que os principais diagnósticos encontrados foram os
Transtornos depressivos (F32) com 57% de incidência, seguindo os Transtornos fóbicoansiosos (F40) com 21,4%, Reação aguda aos stress e ansiedade (F43) com 13%,
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia,
Bolsista da CAPS, integrante do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental e Trabalho na
Amazônia/CEPEST.
2
Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia, bolsista de Iniciação Científica
do PIBIC. Integrante do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental e Trabalho na
Amazônia/CEPEST.
3
Professora do Mestrado em Psicologia/MAPSI, da Universidade Federal de Rondônia/UNIR, e
Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental e Trabalho na Amazônia
(CEPEST\UNIR).
Outros transtornos mentais devido a lesão e disfunção cerebral e a doença física (F06)
com 3,6%, Síndrome de dependência (F10.2) com 1,8%, Personalidade esquizoíde
(F60.1) com 1,9%, Transtornos globais do desenvolvimento (F84) com 1,8% e outros
diagnósticos encontrados nos prontuários como: Lesões por Esforços Repetitivos
(LER/DORT); tontura e instabilidade, cefaléia, labirintite, enxaqueca. As evidências
epidemiológicas apontam para a necessidade de compreender a relação do nexo causal
entre trabalho e o transtorno mental e os fatores que contribuem para o processo
saúde/doença.
Palavras Chave: Servidor público; saúde mental e trabalho; sofrimento psíquico;
psicodinâmica do trabalho; evidências epidemiológicas.
Abstract
The departures from mental disorders have been poorly investigated among public
servants of the state of Rondonia, the lack of information hinders the creation of public
policies that will minimize the effects of some work environments on the mental health
of the servers. In this sense, the research approach based on the Occupational Health
aims to give visibility to the work-related mental disorders among public servants of the
National Institute of Social Security / Social Security Rondônia. This investigation we
focused on a quantitative approach, and the development of research took place from a
database created from the protocols of removals for mental disorders registered with the
Superintendency of Social Security agency in Porto Velho, in the period from January
to December 2011. There were 39 cases of removal for mental disorder among the
servers of the INSS, and the main diagnoses were depressive disorders (F32) with 57%
incidence following the anxious-phobic disorders (F40) with 21.4%, reaction to acute
stress and anxiety (F43) with 13%, Other mental disorders due to brain damage and
dysfunction and physical illness (F06) with 3.6%, dependence syndrome (F10.2) with
1.8%, schizoid personality disorder (F60.1) with 1.9%, Pervasive developmental
disorders (F84) with 1.8% and other diagnoses found in medical records as Repetitive
Strain Injury (RSI / WMSD), dizziness and unsteadiness, headache, labyrinthitis,
migraine. Epidemiological evidence points to the need to understand the causal
relationship between work and mental disorders and the factors that contribute to the
health / disease process.
Keywords:
Public servant; mental health and work; psychological distress;
psychodynamics of work; epidemiological evidence.
Introdução
A temática sobre saúde mental e trabalho vem ganhando espaço como fator
preocupante em todas as esferas do governo. No âmbito municipal, estadual e federal as
taxas de absenteísmo representam não apenas impacto nos cofres público, como
também repercussão no cotidiano laboral e pessoal destes servidores.
Neste escopo, os afastamentos por Transtornos Mentais e Comportamentais
relacionados ao trabalho, representam um problema de saúde pública. De acordo com
dados do INSS, no Brasil os transtornos mentais estão na terceira colocação das causas
de concessão de benefícios previdenciários (Ministério da Saúde, 2001).
Contudo, esse tema tem sido pouco investigado entre servidores públicos.
Conforme Wünsch Filho (1999), a forma de organização do trabalho no setor público
possui características de uma organização patologizante.
Desta forma, a saúde mental dos servidores públicos é um campo novo de
produção de conhecimento, com diversas áreas congruentes que formam um olhar
multidisciplinar do fenômeno, abrangendo áreas como a medicina, a psicologia, a
epidemiologia, a saúde pública, a administração, as ciências sócias, etc.
Sendo este novo campo de pesquisa, ainda há poucos estudos que comprovem o
crescimento das taxas dos afastamentos por doenças, a relação entre adoecimento e
trabalho, o nexo causal entre o adoecimento e as condições laborais, os custos que o
absenteísmo representa, como destaca o Ministério do Trabalho:
A escassez e inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos
trabalhadores dificultam a definição de prioridades para as políticas públicas, o
planejamento e implementação das ações de saúde do trabalhador, além de
privar a sociedade de instrumentos importantes para a melhoria das condições de
vida e trabalho (Ministério do Trabalho, 2004, p.6).
Os transtornos mentais relacionados ao trabalho representam atualmente, um
grave problema de saúde pública, caracterizando-se pelo afastamento de trabalhadores
em idade produtiva devido aos sintomas da doença. No momento do diagnóstico o
sujeito se defronta com uma nova realidade em sua vida, e com limites no seu cotidiano.
A sintomatologia, a incapacidade e o sofrimento dos trabalhadores têm causas e
consequências psicossociais que não podem ser desconsideradas. Assim as medidas
terapêuticas propostas necessitam de uma abrangência que vai além da indicação de
prescrições circunscritas ao uso de medicamentos.
Conhecer a realidade que perpassa o processo de adoecimento e afastamento do
serviço público contribui nos debates a cerca das condições de saúde e doença dos
trabalhadores, no processo de prazer e sofrimento no trabalho, nas políticas públicas de
prevenção, promoção e reabilitação.
Neste sentido, o artigo tem o objetivo de dar visibilidade aos transtornos mentais
relacionados ao trabalho entre os servidores públicos do Instituto Nacional de
Seguridade Social/INSS de Rondônia, de forma que possa contribuir para as discussões
dos determinantes individuais e sociais na gênese dos transtornos mentais relacionados
ao trabalho na realidade brasileira.
Metodologia
A pesquisa fundamentou-se no aporte teórico da Saúde do Trabalhador, que se
constitui na tentativa de compreender as relações entre as condições de vida e de
trabalho e o surgimento, a frequência ou a gravidade dos distúrbios mentais. Segundo
Lima (2006), a investigação compreende: a busca de evidências epidemiológicas que
revele a incidência de alguns quadros em determinadas categorias profissionais ou
grupo de trabalhadores, o resgata da história de vida de cada trabalhador e as razões que
apontam para o seu adoecimento, o estudo do trabalho real, a identificação dos
mediadores que permitem compreender concretamente como se dá a passagem entre a
experiência vivida e o adoecimento e uma complementação com informações
decorrentes de exames médicos e psicológicos.
Privilegiou-se nesta investigação uma abordagem quantitativa. A pesquisa
quantitativa geralmente procura seguir com rigor um plano previamente estabelecido,
buscando enumerar e medir eventos, baseando-se em instrumental estatístico para a
análise dos dados. Seu objetivo principal é evidenciar dados, indicadores e tendências
observáveis. (Minayo & Sanches, 1993).
O desenvolvimento da pesquisa se deu a partir da análise das Licenças para
Tratamento de Saúde por Transtornos mentais e comportamentais registrados na
Superintendência da agência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de
Porto Velho, no período de janeiro a dezembro de 2011.
Para o estudo das Licenças para Tratamento de Saúde, foi sistematizado um
banco de dados a partir dos protocolos dos pedidos de afastamento por transtornos
mentais e comportamentais enquadrados no grupo F (transtornos mentais e
comportamentais) da Classificação Internacional de Doenças (CID 10). Neste banco de
dados sistematizamos as informações organizando-as em variáveis: cargo/função;
lotação; sexo; idade; cidade; Classificação Internacional de Doenças/CID 10, período de
afastamento/dias e outros.
Posteriormente realizamos uma análise epidemiológica do banco de dados, onde
encontramos resultados expressivos sobre a incidência de transtornos mentais e
comportamentais na população estudada.
No aspecto ético, o estudo só se deu após a assinatura de um termo de
consentimento pós-informado à gerência da instituição. Posteriormente para a análise os
dados foram transferidos para o programa Excel versão 2007.
Resultados e discussão
O adoecimento entre os servidores do INSS
No período analisado de janeiro a dezembro de 2011, constatou-se a ocorrência
de 139 Licenças para tratamento de saúde com diagnóstico de transtorno mental e
comportamental do grupo (F) da CID 10 (Classificação Internacional de Doenças),
sendo que, o total de licenças corresponde a 39 afastamentos de servidores no período
de um ano. Destes trabalhadores 31 são do sexo feminino e 8 são do sexo masculino e
em 15 protocolos não foram especificados sexo (Tabela 1.). Quando comparado com o
total de afastamento por outros motivos, os transtornos mentais representam 25% das
doenças ocupacionais que tem levado os trabalhadores do INSS ao absenteísmo/
presenteísmo no seu trabalho.
No escopo dos 39 casos encontrados de afastamento por transtorno mental entre
os servidores do INSS, 80% são do sexo feminino e 20% são do sexo masculino (Tabela
1). A idade das mulheres afastadas para tratamento de saúde ficou entre 27 a 56 anos,
sendo que os principais diagnósticos observados nos prontuários foram em sua maioria
os transtornos depressivos (F32) 61%, seguindo de transtornos fóbico-ansiosos (F40)
23%, reação aguda aos stress e ansiedade (F43) 7%, e outros diagnósticos encontrados
nos prontuários como: Lesões por Esforços Repetitivos (LER/DORT); tontura e
instabilidade, cefaléia, labirintite, enxaqueca.
Tabela 1. - Incidência de casos de afastamentos do trabalho por transtornos mentais no
Instituto Nacional de Seguridade Social/INSS no estado de Rondônia, por
município e sexo no período de jan. a dez. de 2011.
Número de Número total Número total Sexo
Município
servidores
de
de
(APS)
por
trabalhadores afastamentos
município
que pediram por APS
Fem
Mas
afastamento
Ariquemes
17
2
2
2
-
Cacoal
25
3
12
2
1
Colorado do Oeste
7
-
-
-
-
Guajará-Mirim
9
1
2
1
-
Jaru
11
3
36
3
-
Ji-Paraná
22
4
27
2
2
-
-
-
-
Machadinho
do 3
Oeste
Nova Brasilândia
3
1
1
1
-
Ouro Preto
19
-
-
-
-
Pimenta Bueno
12
-
-
-
-
Porto velho
211
18
45
16
2
Rolim de Moura
14
2
9
1
1
Vilhena
17
2
2
1
1
Não especificado
12
3
3
2
1
Total
371
39
139
31
8
Fonte: Dados preliminares do banco de dados sobre o número de transtornos mentais
relacionados ao trabalho registrados na Superintendência do INSS de Rondônia, no
período de Janeiro a Dezembro de 2011.
No sexo masculino, a idade variou de 38 a 57 anos, sendo que os principais
motivos de afastamentos encontrados foram: transtorno depressivo grave (F32) 46%;
seguindo de reação ao estresse grave e transtorno de adaptação (F43) 30%; transtorno
do pânico (F41) 15%; síndrome de dependência (F10) 7%, e outros diagnósticos
decorrentes do quadro apresentado como: úlcera péptica, hipertensão e outros não
registrados.
Dos 39 casos de afastamento por transtorno mental entre os servidores do INSS,
66,7% correspondem aos Técnicos do Seguro Social; 7,7% aos Agentes de serviços
diversos; 7,6% Médico perito previdenciário; 5% Analistas do Seguro Social; 5%
Assistentes Sociais; 2,6% Engenheiros, 2,6% Economista e 2,6% Datilógrafos.
Os principais diagnósticos encontrados foram os Transtornos depressivos (F32)
com 57% de incidência, seguindo os Transtornos fóbico-ansiosos (F40) com 21,4%;
Reação aguda aos stress e ansiedade (F43) com 13%; Outros transtornos mentais devido
a lesão e disfunção cerebral e a doença física (F06) com 3,6%; Síndrome de
dependência (F10.2) com 1,8%; Personalidade esquizoíde (F60.1) com 1,9%;
Transtornos globais do desenvolvimento (F84) também com 1,8%.
Segundo uma análise resultante de uma auditoria realizada no INSS de 16
capitais, do período de 2008 a 2010, da situação da saúde dos servidores (Carvalho &
Leite, 2011), constatou-se por meio de entrevistas, anamneses e observação do
profissional de saúde in loco, levam a identificar que as relações interpessoais permeada de conflitos - são a razão mais significativa para afastamentos decorrentes de
transtornos mentais relacionados ao trabalho. Doenças do grupo osteomuscular são a
segunda maior causa de afastamento nos dois anos estudados, ressaltando a importância
da ergonomia na análise do perfil epidemiológico do servidor do INSS.
O relatório apontou como relação para o alto índice de licenças de afastamento
por motivos de saúde, fatores como: Além do fator ergonômico, desde os levantamentos
realizados na pré-auditoria, os gestores e demais profissionais de saúde entrevistados,
assim como os servidores ouvidos em anamnese de saúde, apontaram o constante
aumento de pressão do trabalho, diminuição de recursos humanos e adoção de um
sistema de freqüência demasiadamente exigente e injusto tem causado “pavor”,
principalmente no servidor que atende ao público.
Para os autores, o medo de erro imposto pela quantidade de trabalho a ser
executado no dia a dia, e sua possível conseqüência administrativa e criminal notoriamente no atendimento ao público e concessão de benefício - também tem sido
fator de adoecimento e aumento do absenteísmo. Eles explicam que, o elevado
absenteísmo são também percebidas como conseqüências da carga horária de trabalho
estendida, do envelhecimento natural dos servidores, do conflito de gerações e do
desconhecimento dos processos de trabalho da instituição.
Nesse sentido, os dados epidemiológicos evidenciam que a organização do
trabalho dos trabalhadores do INSS de Rondônia vem desencadeando sinais de
sofrimento psíquico no trabalho. Sendo assim, buscaram-se na abordagem teórica da
psicanálise algumas referências para a compreensão do significado do sofrimento
psíquico e sua relação com o adoecimento dos trabalhadores desta instituição.
Sofrimento psíquico e a organização do trabalho
Para entender o sofrimento no trabalho, optou-se por abordar o enfoque da
Psicanálise a partir da leitura de Christophe Dejours e alguns conceitos que ele utiliza
para explicar a complexa relação homem/trabalho. Compreende-se que alguns
conceitos desenvolvidos por ele apontam caminhos para pensar o sofrimento em
relação à organização do trabalho no INSS e suas repercussões para a saúde mental.
Além disso, não se pode negar o mérito de suas considerações sobre a vida mental 4
que acompanha o trabalho.
Para Freud (1927/1987) o sofrimento pode ameaçar o sujeito de três maneiras: a
partir do corpo que está fadado à decadência e ao processo gradativo de dissolução; do
mundo externo que pode voltar-se contra o sujeito de forma cruel; e de relacionamentos
com outros sujeitos, sendo esta a forma mais incômoda de todas as outras, provocando o
afastamento desses sujeitos, chamado pelo autor de “isolamento involuntário”, e ainda,
postula que o melhor método de se evitar o sofrimento é aquele que procura influenciar
o próprio organismo: “todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na
medida em que o sentimos, e só o sentimos como consequência de certos modos pelos
quais nosso organismo está regulado”. (1927/1987, pp. 84-85).
O sofrimento enquanto categoria conceitual é enfatizado por Dejours (1992)
como sendo “[...] um estado de luta do sujeito contra forças que o estão empurrando em
direção à doença mental” (1992, p. 10). As forças a que o autor se refere estão
relacionadas a fatores presentes na organização do trabalho, compreendidas como: a
divisão das tarefas, hierarquia, ritmos, sistemas de controle, repartição das
responsabilidades e atividade realizada isoladamente. Neste sentido, o conflito entre a
forma como o trabalho está organizado e a vivencia na dimensão psicológica5, leva a
um confronto entre estas duas instâncias.
4
A vida mental ou psíquica do trabalhador é compreendida como o lugar do desejo, do prazer/desprazer,
da imaginação e dos afetos. A afetividade sendo o modo pelo qual o próprio sujeito vivencia seu contato
com o mundo (Dejours, 1999, p. 29).
5
Psicológica no sentido de disposições individuais, a expectativas, a jeitos de ser e a ritmos individuais,
que se expressam na relação com o mundo (Sato, 2003, p. 70).
Em A Loucura do Trabalho, Dejours (1992), parte do ponto de vista da
psicopatologia, propondo-se a investigar como os trabalhadores fazem para resistir aos
ataques ao seu funcionamento psíquicos provocados pelo trabalho. O autor faz uma
distinção entre sofrimento patogênico e o sofrimento criativo também contribui para
ampliar a compreensão da relação entre as questões atuais do trabalho humano, suas
rupturas e o sofrimento. Na análise destes autores, o trabalho humano é capaz de gerar
dois tipos distintos de sofrimento: o sofrimento patogênico, que aparece quando todas as
margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do
trabalho já foram utilizadas pelo(s) indivíduo(s). O sofrimento criativo, por sua vez,
pode trazer benefícios à identidade, na medida em que aumenta a resistência do sujeito
ao risco de desestabilização psíquica e somática; neste último caso, o trabalho funciona
como mediador para a saúde.
Portanto, quando a forma como o trabalho está organizado entra em conflito com
a vida psíquica do sujeito, e as possibilidades de adaptação ao meio se opuserem a suas
aspirações, anseios, desejos e objetivos na vida, poderá emergir a fadiga, assim como
poderá sua tarefa perder um sentido na sua história singular. E, neste contexto, abre-se
espaço para conflitos interpessoais que envolvem a emoção: o sujeito exprime e
experimenta sensações mentais e corporais de sofrimento tais como: sentimentos de
frustração, medo, angústia, insatisfação, sentimento de não-reconhecimento e de
impotência frente a determinadas situações, e outros. Sobre isso o autor enfatiza: “A
vida psíquica é, também, um patamar de integração do funcionamento dos diferentes
órgãos. Sua desestrutura repercute sobre a saúde física e sobre a saúde mental.”
(Dejours, 1987 p. 134).
No entanto o sofrimento começa quando o trabalhador não consegue concretizar
suas aspirações, suas idéias, sua imaginação, seu desejo. Quando o trabalhador não é
livre para organizar seus desejos e adaptá-los às necessidades do corpo, às variações de
seu estado de espírito e, ainda, para ter uma maior liberdade de organizar seus ritmos e
estilo próprio na atividade que realiza e forem esgotados seus meios de defesa contra a
exigência física e mental, pode-se afirmar que o trabalho nessas condições constitui
fonte de desequilíbrio “[...] transformando em fonte de tensão e desprazer, até que
aparecem a fadiga, depois a astenia (fraqueza orgânica) e, a seguir, a patologia.”
(Dejours et al., 1993 p. 104).
As defesas estratégicas a que o autor se refere são um processo mental da
própria organização psíquica de um sujeito que age em defesa de conteúdos
desagradáveis, idéia ou afeto, que causam desconforto ameaçando o equilíbrio mental.
Por outro lado, as estratégias defensivas são contrárias, por vezes se mostram benéficas
e, às vezes, comprometem a atividade do trabalhador, sendo que, em muitos momentos,
não se pode identificar no indivíduo ou no grupo o sofrimento advindo do trabalho.
Assim, algumas organizações do trabalho são prejudiciais para a vida mental, ou seja,
atingem a dimensão do desejo, da subjetividade do sujeito trabalhador.
Algumas atividades exigem maior carga física e podem gerar vivências de
cansaço ou tarefas que exigem certo nível de tensionamento podem gerar uma crise
nervosa no trabalhador. Para Dejours e colaboradores (1993), um sujeito dispõe de três
vias de descarga da tensão nervosa: a via psíquica, em que a tensão interior poderá ser
descarregada por uma crise de agressividade ou, mesmo, a construção de fantasias
agressivas; a via motora, que poderá ser por descargas psicomotoras, através de tensão
da musculatura; e por via visceral, a tensão recai na afetação do somático (corpo) por
estados afetivos. Entretanto é importante apontar que nem sempre essa relação tem os
destinos acima referidos: em situações de intoxicação e acidentes e mesmo de efeito de
medicamentos, todas as defesas do organismo são ultrapassadas.
Considerações finais
O trabalho significa mais que somente a satisfação das necessidades e a
sobrevivência humana representa a singularização do sujeito na sua relação com os
outros e a vida em sociedade. No entanto, Freud apontava já em 1927 (1987), a própria
contradição do trabalho como fonte de prazer/desprazer, para ele: “A grande maioria
das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao
trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis” (Freud, 1927/1987, p.88). No
entanto, o trabalho no INSS representa uma conquista profissional importante - o
ingresso num concurso público, no entanto o desafio é como singularizar-se no trabalho
após o enfrentamento de uma organização do trabalho com características
patologizantes.
Nesse sentido, o estudo do adoecimento psíquico entre os servidores públicos do
INSS é de extrema relevância social, visto que poderá auxiliar a equipe
multiprofissional da instituição a repensar ações de prevenção em saúde mental e
trabalho entre os trabalhadores, e ainda, compreender a partir das evidências
epidemiológicas a relação do nexo causal entre trabalho e o transtorno mental e os
fatores que contribuem para o processo saúde/doença. Lima (2003) enfatiza que, para o
estabelecimento do processo de compreensão do nexo causal é importante começar pela
busca epidemiológica, pela avaliação de atividades reais do trabalho, de modo a
verificar como os trabalhadores se organizam no seu campo de trabalho diariamente, e,
se aprofundando além da instituição pública, averiguar a vida pessoal do trabalhador e
até mesmo ter a visão deles próprios sobre seu adoecimento.
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