Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil ARTIGO Tomás Fraga Ferreira da Silva Graduando em Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO [email protected] João Roquette Fleury da Rocha Graduando em Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ [email protected] Orientador: Fernando José Chapermann ANALGESIA NO PACIENTE COM SÍNDROME CORONARIANA AGUDA COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST Período Do Estágio 7º Período Rio de Janeiro, 2012 TOMÁS FRAGA FERREIRA DA SILVA; JOÃO ROQUETTE FLEURY DA ROCHA ANALGESIA NO PACIENTE COM SÍNDROME CORONARIANA AGUDA COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST Artigo elaborado durante estágio não obrigatório em emergência como parte da avaliação do acadêmico bolsista em medicina da SMSDC Orientador: Fernando José Chapermann Rio de Janeiro, 2012 TOMÁS FRAGA FERREIRA DA SILVA; JOÃO ROQUETTE FLEURY DA ROCHA ANALGESIA NO PACIENTE COM SÍNDROME CORONARIANA AGUDA COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST Rio de Janeiro, 2012 1 RESUMO As Síndromes Coronarianas Agudas com supradesnível do segmento ST (SCACSST) são extremamente frequentes em serviços de emergência de todo o mundo, sendo importante causa de morbimortalidade. A analgesia constitui ponto essencial do tratamento, possuindo recomendações semelhantes nas diretrizes brasileira (SBC), norte-americana (AHA/ACC) e europeia (ESC). Durante a SCACSST ocorre um estado hiperadrenérgico, interferindo no balanço oferta e consumo miocárdico. Recomenda-se o uso de morfina para alívio da dor independente da administração prévia de nitratos e betabloqueadores, que também colaboram para a analgesia ao reduzirem o consumo miocárdico de oxigênio. Através de um caso clínico real atendido e conduzido satisfatoriamente na Emergência do Hospital Municipal Miguel Couto, no qual foi necessária prescrição de morfina em altas doses, inciou-se pesquisa nas principais fontes de bibliografia médica. Além da ênfase contínua na natureza proscrita dos AINE, encontram-se novas evidências de terapêuticas analgésicas na literatura médica, como no uso pré-hospitalar de betabloqueadores, morfina e meperidina. Apesar de tais evidências, continuam sendo necessários estudos mais amplos das implicações da analgesia na morbimortalidade da SCACSST. Descritores: “analgesia”, “infarto do miocárdio”, “morfina”, “síndrome coronariana aguda” ABSTRACT Acute Myocardial Infarction with ST-segment elevation is of great frequency in emergency services worldwide. The analgesic approach constitutes essential part of treatment, being equally recommended in American (AHA/ACC), European (ESC) and Brazilian (SBC) guidelines. During the clinical presentation a hyperadrenergic state occurs, interfering in the oxygen balance in the myocardium, worsening the isquemic pain. Morphine is the analgesic recommended for the syndrome, independently from previous administration of beta-blockers and nitrates, which also contribute to analgesia. After a real clinic case, successfully conducted at the E.R. of Miguel Couto Municipal Hospital, bibliographic search was initiated in the main medical literature sources. New evidence indicates possible alternatives and updates to the current analgesic therapy, such as prehospital use of beta blockers, morphine and meperidine. Despite that, new studies are required for best evaluation of analgesic implications in the syndrome. Keywords: “analgesia”, “acute myocardial infarction”, “morphine”, “acute coronary syndrome”. 2 INTRODUÇÃO As Síndromes Coronarianas Agudas com Supradesnivelamento do Segmento ST constituem um dos eventos clínicos mais relevantes nas salas de emergência em todo o mundo, tendo grande enfoque por parte da comunidade médica e sua conduta muito bem definida através de diretrizes nacionais e internacionais. O sintoma dominante na SCA é a dor torácica, havendo enorme variabilidade na intensidade da dor e dos outros sintomas entre estes pacientes. O conhecimento sobre o impacto das inúmeras estratégias no alívio da dor na fase aguda da SCA é escasso e necessita de mais estudos, no entanto, ainda há divergências em relação à terapia analgésica, principalmente no tocante à sua segurança, indicações e contraindicações específicas. Constituindo parte essencial do tratamento da síndrome, tanto por seu caráter humanitário quanto técnico-terapêutico, novas evidências científicas apontam possíveis alternativas e atualizações ao tema. Este estudo visa analisar a analgesia do ponto de vista de sua eficácia, indicações e ressalvas à sua administração. OBJETIVO Analisar, através da revisão bibliográfica, a eficácia, as indicações e contraindicações da terapia analgésica na SCACSST. METODOLOGIA Foi realizada uma revisão bibliográfica nos principais mecanismos de busca de referências bibliográficas médicas, em busca de artigos sobre o tema no Portal de Periódicos Capes, no PUBMED, MEDLINE, bem como análise das Diretrizes elaboradas pelas sociedades brasileira, americana e europeia de cardiologia sobre a analgesia na Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST. DESENVOLVIMENTO Apesar da combinação de medicações, por vezes o controle da dor pode ser difícil, como apresentado no caso clínico a seguir, atendido e conduzido de maneira eficiente na Emergência do Hospital Municipal Miguel Couto: Paciente do sexo masculino, 43 anos, taxista, tabagista de alta carga, chega ao serviço de emergência do HMMC às 17h24min queixando-se de dor retroesternal de forte intensidade iniciada há 2 horas, com irradiação para ambos os ombros. O 3 eletrocardiograma de 12 derivações finalizado às 17h30min revelou supradesnivelamento do segmento ST maior que 1mV em derivações DII, DIII, aVF e aVL, confirmando o diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento de ST em parede inferior e lateral alta. A abordagem seguiu as diretrizes estabelecidas internacionalmente, sendo a trombólise realizada com tenecteplase em 20 minutos, a qual demonstrou critérios de reperfusão nos eletrocardiogramas seriados. No entanto, o que surpreendeu a equipe foi a refratariedade da dor do paciente a despeito do uso de morfina conforme indicado na literatura. Há razões para postular que o alívio rápido e completo da dor na SCA poderá reduzir o risco de complicações simplesmente por afetar de forma favorável a razão entre a demanda e a oferta de oxigênio1. A gravidade da dor parece ser um bom reflexo da isquemia miocárdica, havendo relação com o tamanho da área de necrose2. Pacientes com pequenos infartos e necrose miocárdica apresentam dor torácica de menor intensidade, enquanto que pacientes com infarto de maior tamanho, maior pico enzimático e ocorrência de ondas Q têm maior gravidade e duração da dor nos estágios iniciais . A necrose miocárdica pode não ser acompanhada por dor, o que podem ocorrer em até 30% das mulheres e 10% dos diabéticos3. A incidência deste tipo de IAM aumenta com a idade do paciente, de modo que a intensidade da dor na síndrome diminui com o passar dos anos, podendo ou não ocorrer em idades avançadas4. RESULTADO Ao determinar a analgesia a ser prescrita para um paciente portador de SCACSST o médico deve ter em mente que não somente os analgésicos diretos tem efeito sobre a intensidade e percepção da dor. Isso se deve à natureza isquêmica que dá origem ao estado álgico na síndrome, portanto, qualquer medida que vise aumentar a oferta ou diminuir o consumo de oxigênio pelo miocárdio afetado terá eficácia terapêutica no que diz respeito ao estado anginoso propriamente dito. Excetuando-se o reestabelecimento do fluxo coronariano ideal, seja esse pela fibrinólise ou angioplastia/revascularização, as principais medidas que mostram impacto nesse quesito se constituem na oferta de oxigênio suplementar, o uso de nitratos, os betabloqueadores e a morfina, analgésico direto de escolha na SCACSST. 4 DISCUSSÃO Uma das primeiras medidas preconizadas é a administração de oxigênio suplementar. A base dessa recomendação se deve ao maior aporte de oxigênio ao miocárdio em sofrimento, além da possível hipoxemia devido a distúrbios ventilação-perfusão, shunt intrapulmonar e edema intersticial pulmonar. Apesar da administração sistemática a todos os pacientes com diagnóstico de SCA ser prática consagrada, há consenso com relação aos malefícios da hiperoxia, como a vasoconstrição arteriolar periférica, a qual acarreta aumento da pós-carga e do trabalho cardíaco5. Desse modo as indicações formais de oxigenoterapia, de acordo com a American Heart Association/American College of Cardiology são 5: Classe I, Nível de Evidência B Oxigênio deve ser administrado a pacientes com SO2 < 90% É razoável administrar oxigênio a todos os Classe II, Nível de Evidência C pacientes com diagnóstico de SCACSST não complicado nas primeiras 6h Tabela 1: Indicações formais de oxigenoterapia na SCACSST, “2004 ACC/AHA Guidelines for the Management of Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction” A administração deve ser feita por mascara ou catéter nasal de oxigênio a 100% com fluxo entre 2 e 4l/min. Deve-se atentar para portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, casos em que um fluxo demasiado alto pode deprimir o estímulo respiratório. Apesar da maior oferta de oxigênio, esta raramente é capaz de limitar o processo anginoso, tendo o benefício da terapia maior relevância no âmbito da hipoxemia. A literatura carece de estudos de largo espectro avaliando a oxigenoterapia na SCACSST, tema que somente agora vem tendo maior atenção por parte da comunidade científica. O estudo “AVOID Study”6 (Air Verses Oxygen In myocarDial infarction Study), um estudo prospectivo multicêntrico, randomizado, ainda em andamento e com o objetivo de analisar a redução ou não da dimensão cardíaca infartada em pacientes não hipoxêmicos que receberam oxigenoterapia suplementar, ressalta a discrepância de estudos prévios com relação à prescrição sistemática de oxigenoterapia a pacientes com SCACSST e seus benefícios, principalmente naqueles sem hipoxemia. 5 Outro efeito de maior aporte de oxigênio ao miocárdio pode ser atingido pelo uso de vasodilatadores coronarianos. Os nitratos tem seu uso consagrado nas síndromes coronarianas agudas por seus efeitos principais de venodilatação sistêmica, aumentando a capacitância venosa e diminuindo o retorno venoso ao coração, reduzindo, assim o trabalho cardíaco. Apresentam, também, um efeito de dilatação dos vasos epicárdicos, aumentando o fluxo pela circulação coronariana colateral, podendo ter alguma ação de melhora na perfusão da área em sofrimento isquêmico, além de leve dilatação arteriolar sistêmica, reduzindo a pós-carga5 .Seus efeitos na dor anginosa são classicamente reconhecidos, sendo, inclusive, drogas de escolha em outros estados álgicos isquêmicos, como na exacerbação da Angina Estável e na Variante de Prinzmetal Devem ser evitados em hipotensão, taqui ou bradicardia e suspeita de IAM de VD. A nitroglicerina, o dinitrato de isossorbida e o mononitrato de isossorbida são igualmente recomendados, inicialmente por via sublingual e, se necessário, seguidos de administração endovenosa. Apesar de seu acentuado efeito de redução da dor isquêmica, tem efeito significativamente pequeno sobre a mortalidade dos pacientes5 . Suas indicações formais constituem-se de: Pacientes em desconforto Nitroglicerina isquêmico devem receber está indicada para controle nitroglicerina sublingual de desconforto isquêmico, Classe I, Nível de Evidência (0,4mg) de 5 em 5 minutos controle de hipertensão ou C até o máximo de 3 doses. manejo Avaliar pulmonar necessidade administração de endovenosa da congestão endovenosa após tal Nitratos não devem administrados Classe III ser se Nitratos não devem administrados no uso de PA>90mmHg ou 30mmHg inibidores abaixo do basal, bradicardia fosfodiesterase-5 abaixo de ser da nas 50bpm ou últimas 24 horas (Nível de taquicardia acima de Evidência B) 100bpm suspeita de ou infarto de VD (Nível de Evidência C) Tabela 2: Indicações formais do uso de nitratos na SCACSST, “2004 ACC/AHA Guidelines for the Management of Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction” 6 Importante ressalva é a não administração de nitratos caso a mesma contraindique o uso subsequente de betabloqueadores, os quais tem efeitos mais relevantes sobre a morbimortalidade na SCACSST5. O sintoma cardinal, salvo casos atípicos, da SCACSST é a dor anginosa típica, decorrente do processo isquêmico miocárdico. Seguem-se ao quadro anginoso processos desencadeantes de resposta nervosa simpática com consequente liberação de catecolaminas na circulação sistêmica. Além dos efeitos fisiológicos de aumento da frequência cardíaca e pós-carga (os quais causam aumento do consumo miocárdico de oxigênio), foi demonstrado que tais aminas tem papel na perpetuação da ruptura da placa aterosclerótica vulnerável, manutenção do trombo oclusivo coronário e diminuição do limiar de ocorrência de arritmias, como a fibrilação ventricular5. É de se deduzir, portanto, que o tratamento da dor em tais pacientes tem, além do fator humanitário, papel benéfico terapêutico, apesar da dificuldade encontrada em demonstrá-lo em estudos recentes. O analgésico preconizado na SCACSST é o sulfato de morfina administrado por via endovenosa. Inicia-se com a dose de 2-4mg, sendo autorizados incrementos na dose de 2-8mg em intervalos de 5-5 a 15-15 minutos (recomendação Classe I, nível de evidência C)7.Além de seu efeito primário bloqueando as vias ascendentes da dor através do antagonismo com os receptores opióides (primariamente receptores µ), os efeitos ansiolíticos da droga reduzem a ativação simpática e a angústia relacionada ao quadro clínico. Valoroso é, também, o efeito farmacológico de aumento da capacitância venosa, diminuindo o retorno venoso ao coração direito. Há uma tendência observada em protelar a analgesia com o objetivo de avaliar sinais de reperfusão e melhora clínica após a terapia anti-isquêmica, sinais esses que poderiam ser obscurecidos pelo alívio da dor e da ansiedade. Essa prática deve ser combatida veementemente, tendo em vista a necessidade de alívio imediato da dor e diminuição da atividade simpática5,8. Durante anos, a morfina tem sido e o fármaco de escolha para o controle da dor torácica de origem coronariana isquêmica, tendo em vista o fato de que é capaz de induzir cardioproteção aguda, observada em modelos fisiopatológicos experimentais3. A cardioproteção é um mecanismo pelo qual o miocárdio, em situação de estresse, é capaz de reduzir sua demanda energética, produzindo, 7 dessa maneira, menos produtos glicolíticos e atenuando o dano tecidual secundário à isquemia. Alguns estudos mostram que o efeito cardioprotetor de alguns opióides, como a morfina, é mediado somente pelo receptor δ e não pelos receptores к e µ3,9. Seguindo-se à publicação de estudos mais recentes questionando a segurança da morfina nas síndromes coronarianas agudas 10 as atualizações das diretrizes americanas e europeias trazem ressalvas à terapia com opióides na SCACSST, recomendando cautela na prescrição dos mesmos e monitorização contínua, porém, a recomendação se mantém Classe I7. A analgesia com morfina não deve ser prescrita em casos de infarto de parede inferior pelo risco de hipotensão grave e refratária11. Efeitos colaterais à morfina incluem hipotensão (a qual pode ser combatida com atropina na dose de 0,5 a 1,5mg em bolus), depressão respiratória (naloxone), náuseas, vômitos e rash cutâneo. No caso de alergia à morfina, preconiza-se o uso da meperidina como alternativa, em doses fracionadas de 20 a 50mg11. A terapia adjuvante com ansiolíticos tem recomendação classe IIa, nível de evidência C6,7 nos casos em que a agitação psicomotora for em demasia intensa e não controlada pela morfina. O diazepam é a droga de escolha, na menor dose e tempo possíveis para controle sintomático. Há consenso entre as diretrizes americanas, europeia e brasileira sobre o caráter maléfico dos Anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) nas síndromes coronarianas agudas (seletivos ou não para COX-2). Um dos estudos que levaram a AHA a atualizar suas recomendações sobre o tema foi o ExTRACT TIMI-25 Trial12, o qual demonstrou um aumento no risco de morte, reinfarto, insuficiência cardíaca aguda e choque em pacientes aos quais tenham sido prescritos AINE nos 7 dias anteriores do evento coronariano. Dessa forma, os fármacos pertencentes à esta classe (exceto o ácido acetilsalicílico) estão proscritos na SCACSST e pacientes que estejam em uso dos mesmos à apresentação devem ter o esquema suspenso (Tabela 3). Como citado, a reversão da dor anginosa no SCACSST é, normalmente, atingida por uma soma de medidas que aumentem a oferta de oxigênio ao miocárdio, diminuam sua demanda e através de analgésicos diretos. Os betabloqueadores tem papel fundamental no tratamento da SCACSST, tanto na sala de emergência quanto na manutenção a longo prazo. Seu efeito na 8 diminuição do desconforto anginoso advém na influência no equilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio miocárdico. Pacientes em esquema regular de AINE’s Classe I (exceto ácido acetilsalicílico), tanto não seletivos quanto inibidores da COX-2, devem ter o mesmo suspenso (C) AINE (exceto ácido acetilsalicílico), tanto não Classe III seletivos quanto inibidores da COX-2, não devem ser administrados durante o cuidado hospitalar a pacientes com diagnóstico de SCACSST (C) Tabela 3: recomendações à administração de anti-inflamatórios não esteroidais, “2007 Focused Update of the ACC/AHA 2004 Guidelines for the Management of Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction” Seu mecanismo de ação consiste no bloqueio dos receptores beta adrenérgicos, podendo ser mais ou menos seletivo para os receptores β1 da musculatura cardíaca, dependendo da dose e características específicas de cada fármaco. Ao bloquear os receptores β1 exercem efeitos cronotrópicos e inotrópicos negativos, com consequente queda do trabalho e consumo de oxigênio pelo músculo cardíaco. A longo prazo reduzem a pressão arterial e o remodelamento ventricular associado à desregulação catecolaminérgica, evento importante na progressão da agressão estrutural iniciada pela SCACSST13. Devem ser prescritos o mais prontamente possível, na ausência de contraindicações, inicialmente por via oral. Deve haver preferência por agentes com alguma seletividade pelos receptores do tipo 1, como o metoprolol. A terapia oral precoce parece estar associada a benefícios, porém, o uso endovenoso sofreu questionamentos nos últimos anos7. A introdução de ressalvas às indicações de administração endovenosa contidas na atualização das diretrizes americanas se deve, principalmente, à falta de segurança na administração endovenosa de tais drogas em vigência das contraindicações citadas (Tabela 4). Essa decisão se baseou em resultados divergentes em relação aos benefícios da terapia betabloqueadora1,14,15,16, principalmente na análise do COMMIT/CCS-217um estudo que randomizou mais de 45 mil pacientes, dentro de 24h de início do quadro anginoso, a receber metoprolol ou placebo. Com um leve aumento da incidência de choque cardiogênico, hipotensão persistente e bradicardia nos dois primeiros dias, porém, com diminuição da 9 incidência de reinfarto e fibrilação ventricular do segundo dia em diante, os autores não identificaram subgrupos onde fosse possível determinar se os benefícios compensam os riscos. O estudo clínico TEAHAT (Thrombolysis Early in Heart Attack)18 avaliou o uso de metoprolol na fase pré-hospitalar da SCACSST, em associação com fibrinolítico ou placebo. Seus achados demonstram menores taxas de IAM com onda Q, insuficiência cardíaca congestiva e fibrilação ventricular, sem aumento acentuado dos efeitos colaterais. Conclui-se que, como ressalta a AHA/ACC, são necessários mais estudos para determinar a segurança da terapia endovenosa na SCACSST. A administração de betabloqueadores, no intuito da analgesia, pode ser eficaz mesmo após a prescrição de doses sucessivas de morfina, devido ao seu mecanismo de ação distinto, promovendo um maior equilíbrio entre oferta e demanda miocárdica de oxigênio. A infusão contínua de altas doses (3mg/min IV, dose total média de 91mg no grupo com SCASST) do betabloqueador metoprolol se mostrou eficaz no alívio da dor anginosa em pacientes com diagnóstico de IAMCSST, tanto isoladamente quanto em associação com outras terapias (morfina e nitratos), caso em que resultou em maior diminuição da mensuração da dor. Houve uma relação inversa entre o tamanho do infarto e a magnitude do alívio anginoso. Tais resultados não se relacionaram a significativo aumento de efeitos colaterais, apesar das altas doses, tendo em vista o fato de que a amostra de tal estudo não continha pacientes com fatores de risco para choque cardiogênico, asma ou outros predisponentes a efeitos adversos aos betabloqueadores13. ` Um ensaio clínico randomizado1 avaliando o poder analgésico do metoprolol foi conduzido em âmbito pré-hospital, com o objetivo de comparar a estratégia combinada (morfina seguida de metoprolol) e a estratégia isolada (somente metoprolol) em pacientes com diagnóstico provável de SCA. Ambas as estratégias analisadas foram capazes de reduzir a intensidade da dor torácica significativamente. Não houve diferença estatisticamente relevante entre os grupos. Nenhuma das estratégias foi eficaz para o alívio total do quadro, tendo em vista o percentual de pacientes sem dor de 11% após 10 minutos, 16% após 20 minutos e 21% após 30 minutos da administração, sem diferença significativa entre os grupos. Concluiu-se, então, que nenhuma das estratégias foi eficaz na resolução total da dor na maioria dos casos. 10 β-bloqueadores orais devem ser iniciados nas primeiras 24 horas para pacientes sem as seguintes: sinais de falência cardíaca, evidências de baixo débito, risco elevado de choque Classe I cardiogênico* ou outras contraindicações relativas ao bloqueio β-adrenérgico (PR<0,24s, BAV 2o ou 3o graus, doença reativa de via aérea) (Nível de Evidência B) Se presentes contraindicações nas primeiras 24h, reavaliar para uso secundário a longo prazo (Nível de Evidência C) Pacientes com disfunção ventricular esquerda devem receber β-bloqueadores para prevenção secundária a longo prazo (Nível de Evidência B) Classe IIa É razoável administrar β-bloqueadores endovenosos a pacientes hipertensos sem contraindicações já citadas (Nível de Evidência B) Classe III β-bloqueadores endovenosos não devem ser administrados a pacientes com as contraindicações citadas acima (Nível de Evidência A) Tabela 4: Indicações do uso de β-bloqueadores na SCACSST, “2007 Focused Update of the ACC/AHA 2004 Guidelines for the Management of Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction” *Risco elevado de Choque Cardiogênico: idade maior que 70 anos, PAs > 120mmHg, taquicardia sinusal > 110bpm ou frequência cardíaca < 60bpm, elevado tempo de início dos sintomas de SCA. Os principais efeitos colaterais ao tratamento foram hipotensão e bradicardia, com maior frequência no grupo combinado, no entanto, o número de relatos foi baixo (incidência de 6%) e, ainda assim, não foram observados nos momentos de 10, 20 e 30 minutos após a instituição da terapia, demonstrando que estes episódios de baixa pressão arterial foram curtos e de baixa relevância clínica. Além disso, notou-se maior ocorrência de náuseas e vômitos na estratégia combinada. Houve associação entre o escore de dor inicial e o grau inicial de elevação do segmento ST, não havendo, entretanto, relação entre a intensidade inicial da dor com outros parâmetros como frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, duplo produto ou grau de infradesnivelamento do segmento ST. Por 11 outro lado, houve associação entre a redução da dor e da elevação do segmento ST, assim como da frequência cardíaca, demonstrando, possivelmente, a importância da dor na perpetuação do processo isquêmico. Tal estudo levanta mais dúvidas sobre os benefícios terapêuticos da morfina e incita à realização de mais pesquisas na área. CONCLUSÃO Quanto ao caso clínico, o paciente apresentou critérios de reperfusão miocárdica, e evoluiu bem na sua internação, recebeu alta e continua em acompanhamento ambulatorial no HMMC. A analgesia na SCASST tem atenção especial no quadro pelo caráter clássico de sua apresentação, importante papel como resultado de um processo isquêmico em andamento e necessidade de intervenção precoce e eficaz. Classicamente a morfina é o analgésico direto de escolha, porém, outras terapias são eficazes no controle da dor, através do ajuste do equilíbrio entre oferta e demanda miocárdica de oxigênio. Tendo em vista as novas evidências apontando pouca segurança na prescrição tanto da morfina quanto dos betabloqueadores, além de estudos com resultados pouco favoráveis à administração dos opióides, há de se ter cautela e poder analítico na prescrição da estratégia analgésica na síndrome. Importante, também, é a consciência da necessidade de novos estudos sobre o tema, na procura da elucidação mais precisa dos riscos e benefícios da terapia, além da busca de novas estratégias terapêuticas. 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Crister Zedigha, Annika Alhoa, Elisabet Hammarb, Thomas Karlssonc,Thomas Kellerthd, Leif Svenssone, Eva Grimbrandtf and Johan Herlitzc. Aspects on the intensity and the relief of pain in the prehospital phase of acute coronary syndrome: experiencesfrom a randomized clinical trial. Coronary Artery Disease 2010, 21:113–120. 2 - Herlitz J, Hjalmarson A, Holmberg S, Sweberg K, Waagstein F, Waldenstrom A et al. 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