UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ GUSTAVO SEIJI SENDODA WEINMANN Interesse Público e sua Supremacia sobre o Interesse Privado CURITIBA 2010 GUSTAVO SEIJI SENDODA WEINMANN Interesse Público e sua Supremacia sobre o Interesse Privado Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profº Doutor Romeu Felipe Bacellar Filho CURITIBA 2010 TERMO DE APROVAÇÃO Ao meu Pai, ídolo eterno, base de minha razão. Amo-te! À minha Mãe, exemplo de pessoa, base do meu coração. Amo você! À Gabriela, menina do sol, base do meu futuro. Ti amo! Aos amigos André Bavaresco, Eduardo Pina, Eduardo Zambarda, Gustavo Perez, Jaime Soares, João Gabardo, Marcelo Hirota, Maura Albuquerque e Rogério Vilela. “Vocês tão aqui ó, no meu coração” AGRADECIMENTOS Ao Professor Romeu Felipe Bacellar Filho, pelos sábados de trabalho para que essa monografia fosse possível. Ao contrário de muitos dos grandes nomes da faculdade, não deixa de dar aula aos “esquecidos” do noturno. Ao Professor Daniel Wunder Hachem, pela imensa contribuição bibliográfica. Foi sua aula que me despertou o interesse pelo tema desta monografia. À servidora Jane, pessoa gentil e prestativa que faz essa faculdade funcionar! Aos cadernos do João Rubens! RESUMO Não faz muito tempo que alguns importantes doutrinadores tem se insurgido contra o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Pretendeu essa corrente doutrinária desconstruir o principio afirmando sua inexistência bem como sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, recentemente, a doutrina a favor desse princípio propõe uma reconstrução do princípio onde se faz uma crítica da crítica. O presente trabalho aborda essa temática analisando o conceito de interesse público, passando pela tentativa de desconstrução do princípio e finalizando com a proposta de reconstrução do mesmo. ABSTRACT Not too long ago that some important authors have argued against the principle of supremacy of public interest over private interest. This portion of authors tries to deconstruct the principle stating that this principle does not exist and does not belong to the Brazilian Laws. However, recently, some authors defend the existence of this principle and propose a reconstruction of the principle. This paper examines the concept of public interest to analyze the attempt of deconstruction of the principle and the proposed reconstruction. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ..................................................... 2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO NO DIREITO ADMINISTRATIVO ............ 3. INTERESSE PÚBLICO ............................................................................ 3.1. INTERESSE .................................................................................. 3.2. INTERESSE PÚBLICO E BEM COMUM ...................................... 3.3. TITULARIDADE DO INTERESSE PÚBLICO ................................ 3.4. INTERESSE PÚBLICO COMO SOMATÓRIO DOS INTERESSES PRIVADOS ................................................................... 3.5. INTERESSES DA MAIORIA E INTERESSES DA MINORIA ........ 3.6. INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO ...................................................................................... 3.7. INTERESSE PÚBLICO COMO CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO ............................................................................... 4. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO ...................................................................................................... 4.1. CONCEPÇÃO CLÁSSICA ............................................................ 4.2. DESCONSTRUÇÃO ..................................................................... 4.3. RECONSTRUÇÃO ...................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 09 13 17 19 19 20 23 26 27 28 30 35 35 36 48 53 55 9 INT ROD UÇÃO O Dire ito Ad min is trativ o mo derno edif ico u -s e sobre duas ideias centrais: a proteção dos d ireitos indiv idu ais frente a o Es ta do 1 e a necessidade de s atisfação do interesse público. Desse modo , pode -se afir mar qu e a conc retização dos interesses qua lificados c omo p úblicos se constituiu, desde o seu início, em u m do s objetiv os centrais do Estado de Direito c onte mporâne o e, c onsequentemente, da Ad ministração Públic a. O e xercício da função ad ministrativ a pressupõe u m dev er jurídico inconstestável, o qu al se man ife s ta no atendimento ao interesse púb lico. 2 Embora a ideia de interesse público ten ha as sumido papel funda mental na de limitaçã o das finalidades estatais e adquirid o posição de centralidade no regime jurídico a d ministrativ o, sua definiç ão é dotada de imprecis ão teórica bem como de u ma série de div erg ências por pa rte da doutrina. Por iss o, a dou trina jurídica, com algu mas exceç ões, considera m-no como u m con ceito jurídico indetermina do. Ta l designação, porém, não dev e ser avaliada c omo u m defeito , mas sim como u ma qualif ic ação q ue se destin a a proporcionar, dian te do caso concreto, uma aplicação mais adequa da. A d esignação aprofundamen to porporcionar do ma ior de seu conceito núcleo ut ilidade indeter minado c onceitual, n a sua on de a plicação nã o pode, impede o inc lusiv e, concreta. Pode-se afir mar, então, que “o conceito de inte ress e público v e m sendo alterado ao longo do te mpo, e m face da ev oluçã o his tórico -cultural dos regimes de moc rátic os.” 3 As transformações da sociedade afetaram e continua m afetando o conc eito de interesse púb lico. O pre sente trabalho se baseia no estudo das alterações produzidas his toricamente no conceito de interess e púb lico, o qu al, de caráter análogo à noção filos ófica de be m co mu m e de titularidade 1 Do qual erigiu-se o princípio da legalidade. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo, Malheiros, 2010 p. . 3 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. In: Revista trimestral de Direito Público nº26/1999. São Paulo, Malheiros, 1999. P. 116. 2 10 estatal, no final do século XVII e início do s éculo XVIII, pa ssou a ser comp reend ido ora c omo so matório do s interesses p riv ados, ora como interesse da maioria representativ a. Atualmen te , poré m, ta is critérios, sejam quant itativ os ou qua litativos, não se mostra m mais s uficientes para a delimitação do conceito de interesse públic o, seja porque a dicotomia e ntre público e priv ad o gradativ amente é mitigada, seja porque o conc eito de interess e público n ão mais c omporta enfoque mera mente téc nico. 4 É nec essário o entendimento de que determinado interess e se rev este de c ará te r púb lico, quando a sua sa tisfação não possa s er objeto d e mera trans igência, isto é, quando a sua n ão con cretização possa signific ar ofensa a va lores funda mentais consagrados pelo ordenamento jurídico. Assim, a de limitaç ão da ex pressão e do a lcance do intere sse público faz-se imp res cindív el, tendo e m v ista o p apel por ele desempe nhado, que se mostra intima mente relacio nado à realizaçã o dos direitos fundamentais. O princípio da sup remacia do interesse públic o for ma o a licerce do regime jurídico-ad ministrativ o. É e le que deter mina as ditas prerrogativ as da Adminis traç ão Púb lica. Durante anos, essa ideia mantev e-se pa cíficada n a doutrina e jurisprudência bras ileiras, sendo o princ ípio da supremac ia do interesse público s obre o par ticula r o ponto de partida para a tomada de decisão dos agentes públicos , tornan do-se, então, u m paradig ma do Direito Ad ministrativ o Brasileiro. Entretanto, as inú meras trans fo rmações políticas , eco nômicas e socia is s ofridas pela soc iedade come ça ram a fa ze r com que parte da doutrina p ropu sesse mudan ças nesse conce ito anteriormen te pacifica do. No cenário do Direito Ad min istrativo n acional, o tema da supremac ia do interess e público ganha destaque quando, após pass ar por u m Estado liberal e u m Estado social, a dv ém o Estado De mocrático 4 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. In: Revista trimestral de Direito Público nº26/1999. São Paulo, Malheiros, 1999. P. 124. 11 de Direito, c o m ideias de proteção aos direitos fundamen ta is do cidadão, garantidos pela Cons tituição Federal. Essa muda nça de ideais tra zidos pelo Estad o De mo crá tico motiv ou uma nov a conc epção no Direito Brasileiro, a chamada Con stit ucion alização do Direito, isto é, todas as normas v is tas à lu z da Constituiç ão, q ue in fluenciou todos os ra mos do Direito, inclusiv e o Direito Ad ministrativ o. Esse nov o panorama susc itou em parte da doutrina p ublicista do país um questiona mento quanto a v e rdad eira existênc ia de um paradig ma de s upremacia do interesse pú blico sobre o interesse priv ado, imp ortante fun da mento do Direito Ad min istrativ o, até então não posto a prova. U m dos motiv o s desse ques tionament o, de grande importância e preocupaçã o, reside no fato de que os admin istra dore s, muitas v ezes, para a to mada de decisões admin istrativ as, utiliza m a ide ia de interesse público como mot iv aç ão, mas para atender a interess es da própria Ad min istração ou até mes mo intere sses particula res e não pa ra atender aos interess es da sociedade. É nesse mo mento, então, que se passa a repensar o princípio da supremac ia do interesse público, buscando sua desconstrução. A tentativ a de desc onstrução do princípio inicia -se no p róprio conceito de interesse pú blico. Por isso, o presen te trabalho dedica parte significativa d e seu conteúdo para abordar a discussã o acerca desse conceito. Contudo, apesar de vasta literatura doutrinária acerca dessa discussão , é difícil e a té impossível se conceituar prec isamen te o interesse público, pois trata-se de conceito indetermina do. O que se propõe não é uma conceituação rígida e fecha da. Propõe -se pelo menos u ma delimitaç ão do conceito p ara que este possa ser concretizado diante da própria realidade ju rídic a, no mo mento de aplicaç ão da lei por parte dos jurístas. Realizad a ess a delimitação, q uestiona -se a va lidade d e se considerar a sup remacia do interesse público como u m princípio. Nesse ponto, é d e extrema rele v ância e importância a produção teórica do reno mado jurista Hu mbe rto Be rg m ann Áv ila. Discutem os autore s que defende m a ide ia d e d esconstruçã o a p ossibilid ade de dissoc iar o 12 interesse público do interesse p riv ado , chegando a id eia de ponderação no caso concre to dos interesses que estão em jogo, s ubmetendo -se ao dev er de proporci onalidade, regra bás ica para a to mada de decisão ad ministrativ a. Jus tamente c o m bas e ness as críticas e utilizando -se d e v asta dicussão acerca do interesse púb lico que a doutrina mais recente tenta ao mes mo te mpo rec onstruir a noçã o de su premacia do interes se público sobre o particular co mo ta mb é m de sconstr uir os equívoc os e interpretações erradas ace rc a do princípio. 13 1. CO NSI DER AÇÕES PRELI MI NARES O Es tado de Direito adv ém das ideias polític as existentes no século XIX, b aseado nu ma legitim ação racional a qu al gerou a despersona lização do poder político, ou seja, deixa -se de obedece r àquele e m v irtude de deter minaçã o div ina ou de s ua capac idade de liderança, p assando a obedecer as de te rminações impos ta s pelo gov erno, que nada mais são do que decisõ es da pró pria nação, o gov erno do pov o. Assim, nas ce a ideia de u m Estad o on de p rev a lecem as leis e não a von ta de do governante, e m que os in div íduos irão exercer o poder político. 5 Entretano, co m a e v olução histórica, social e cultural sofrida pela s ociedade, especialmente no tocante as s equelas deixadas pelo regime totalitário na zi-fascista, no sécu lo XX, v erificou-se a necessidade de uma rele itura de ssa legitimidade do poder político, observando -s e a ideia de demo cra cia e do s d ireito s fund amentais tra zidos na Carta Magna. Verifica-se tal nec essidad e diante da insistência dos gov ernantes em ut iliza r -se do autoritarismo, atrav és de atos disc ric ionários, muito e mbora n ão fo sse esta a proposta do Estado de Direito. A ideia de de mocrac ia a dv ém do conquistado sufrág io univ ersal, ou melho r, da ex te nsão do direito de v oto a u m maior nú me ro de cidadãos, possibilitando atender a os in te resses sociais dos diferentes grupos, inclus ive as minorias , aca bando com a prev alênc ia apenas dos interesses das classes dominantes econo mica mente. A d em oc ra ci a , a se u t ur no , c on si st e em um p roj et o mo ral d e a ut o go v ern o c o l et i vo, qu e pre ssu põ e ci da d ã os que sej am n ã o a pe n a s o s d e st i nat á ri o s, ma s t am bé m o s au t o res d a s n orm a s g era i s de c on d ut a e d a s e st rut u ra s j urí d i co -pol í t i ca s d o E st a d o. Em um c ert o se n t i do, a de m o cra c i a re pre se n t a a p roj e çã o po l í t i c a d a a u t on om i a p úbl i ca e p ri vad a d o s c i d adã o s, a l i ce rça da em um c o nj unt o b ási co d e di rei t o s 6 f u nd am ent a i s. 5 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 810. 6 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 50. 14 Nesse igualitário contex to, aos a cidadãos, democracia para que pressupõe todos um tenham o trata men to direito de participação , sendo impre scindív el para tanto o reconhec imento e o respeito dos direitos fu ndamentais corrob orado s na Constituição. Nasce, então, o Estado Democrático de Direito, “e struturado como conjunto de instituições jurídico-políticas erigidas s ob o funda mento e para a fina lidade de proteger e promov er a dignidade da pessoa h umana.” 7 Destaca Dalmo de Abreu Dallari qu e a ideia moderna desse Estado De mocrático advém das conce pções do séc ulo XVIII, quais sejam a Rev olução Inglesa, influenciada pelo s ideais de John Locke, a Rev olução Americana, c om a De claração de Indepen dência das treze colônia s, e a Rev olução Franc esa, influenc iada direta mente por Rou sseau, que ac arretou na Decla ração dos Dire itos do Home m e do Cid adão (1789). Tal ideia req uer a afir maç ão de alguns valores funda mentais da pess oa huma na, be m co mo exigir a o rgani zação e funcionamento do Estado para a proteçã o destes v alores. Assim, o funda mento do con ceito de Es tado De mocrático está na noção de gov erno do pov o, rev elada pela expressão democracia. Ainda, de acordo com Dallari, dentro dessa c oncepção , o Estado De mocrático deve ser nortea do por três po ntos fundamentais: a supremac ia da v ontade popular, a preservaç ão da liberdade e a igualdade de políticos. Para organizaç ão e direitos, buscando-se aos o bjetiv os ele, é impre scindíve l a participa ção do pov o na funcionamento do impor Estado, limites pois este povo sabe rá resguardar a libe rdade e a igualda de express ando livremente sua vontade so bera na. O Es tado paralela me nte co m Constitucion al, o Estad o Segundo Democrático, Dallari, e merge-se culminando com o surgimen to dos doc umentos legislativ os chamados de Cons tituição e conjugan do três grandes obje tiv os: a a firmação da supremacia do indiv íduo, a necessidade de limitação d o poder dos governantes e a 7 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 51. 15 busca da rac ionalizaç ão do poder, este último difundin do u ma era d e racionalis mo, e m que se passa a confiar na habilidad e da razão , atuando à luz da experiência. Nesse mo me nto, a Constituiç ão passa a ter u m nov o pa pel no ordenamento e a sua s upremacia deixa de s er teoria oco rrendo efetiv amente na prática, destaca ndo-se os princípios constituc ionais que se tornam o a lic erc e d o o rden ame nto jurídico. Ressalta -se que, até então, os princípios cons titucionais era m v istos como ins trumento p ara preencher as lacun as existentes, assu min do, co m esta n ov a pos tura, sua dev ida importância c omo nor ma b asilar e p repon dera nte. A l egi ti m i dad e d eri va- se di re t am ent e do pri n c í pi o dem o crát i co, i nf orm an do a rel a ção e nt re a v ont a de g er al d o po vo e a s su a s e xp res sõ e s p o l í t i ca s, ad mi ni s t rati v as e j u di c i ári a s. El a é c ap t ad a a p art i r do s d e bat e s p o l í t i co s pe l o s i nst ru me nt o s d e p art i c i pa çã o p ol í t i c a d i sp o st o s pel a o rd em j urí d i ca , e, daí , i mp regn an d o t o d a a e st r u t ura d o E st a do d e m oc rát i c o, pa ss a a ser n ec e ss ari a me nt e i n f orm at i v a, e m m ai o r ou m e n or grau , d e t oda a ç ã o, co nf orm e o g ra u de d i sc ri ci ona ri ed ad e d e de ci sã o a be rt o p e l a Con st i t u i ç ão e p al s l ei s d o Paí s, ao s l eg i sl ado re s, 8 a dm i ni st rad ore s ou me sm o a o s j ui ze s. Desse modo, ante a Cons tituição Fe dera l de 1988, o constituc ionalismo b ras ileiro a firmou a nov a c oncepçã o de que a Carta Magna é o cen tro d o ordenamento jurídico, isto é , todas as normas infraconstituc ionais dev em ser v istas à lu z da Constituiç ão. Assim, tal mudanç a a carretou nu ma paulatina re av alia ção de concep ção em todos os ramos do Direitos, cada q ual de acordo com o seu contex to . Não se p ode deixar de mencion ar que a cons equencia dessa constituc ionaliza ção foi u ma maior preocupaçã o s ocial trazida pela nov a Constituição , v isando o des env olvime nto e a relaiza ção da justiça socia l, ao passo que essa preoc upação te m reflex os s ignificativ os no Direito Ad ministrativ o. Co mo be m co loca Celso An to nio Bandeira d e Mello, a “função pública , no Estado De mocrático de Direito, é a ativ ida de exe rc ida no cump rimento do dev er de alcançar o intere sse público med iante o uso 8 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: Parte Introdutória, Parte Geral, Parte Especial. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 82. 16 dos poderes instrumentalmente ne cessários conferidos pela ordem jurídica.” 9 9 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo, Malheiros, 2010 p. 29. 17 2. A CONSTIT UCIO NALIZ AÇÃO NO DIREITO AD MI NI ST RAT IVO O Direito Ad min istrativ o Brasileiro, ao longo des tes anos, solidific ou paradigmas que norte aram a doutrina e a jurisprudência pátria. Entretanto, v erificou-se uma ne cessidade de se re av aliar alguns desses paradigmas, d iante das mud anças sociais, polític as e econômicas enfrentadas p ela socied ade. Co m o adv ento da Constituiç ão Federal de 198 8, incio u -s e u m processo de mudança, já que a Carta ma gna te m sua base na proteção dos direitos fundamentais e nos princípios democráticos. Assim, a Con stituição passou a ser a pedra funda menta l do ordena mento jurídico, a qual dev e ser s ubmetida t odas as normas para que seja m, então, sujeitas, a uma filtrag e m cons titu cional. Diante disso, houve, ta mbé m, a nec essidade de u ma constituc ionaliza ção do Direito Ad ministrativ o, ocas ionando a crise de paradig mas de ste ra mo d o Direito Brasileiro. Esse ins trumental teórico do século XIX, que de certa for ma nã o se enquadra co m as nov as premissas , po de ser a causa do distanciamento entre o Direito Constit ucion al e o Direito Ad ministrativ o, haja v is ta q ue este último n ão consegue ac ompanhá -lo. O Est a do e xe rci a, e m rel a çã o a o s i nd i ví du o s, um p o de r d e p ol í c i a. Da í ref eri re m-se o s aut o re s, p a ra i d ent i f i ca r o Est a d o d a é p oc a, ao Est a do P o l í ci a, qu e i m pu n ha , de m o d o i l i m it a do, q ua i sq uer o bri ga ç õ e s o u re st ri çõ e s à s at i vi d ad e s d o s p art i c ul a res. Em co n seq u ênc i a, i n e xi st i a m d i rei t o s i nd i vi du a i s c on t ra o E st ad o (o i nd i ví d uo nã o p o di a e xi g i r do E st ado o re sp ei t o à s no rm a s re g u l and o o e xe rcí c i o do p od er p ol í t i co ), m a s ape na s di re i t os d o s i ndi ví d u o s n a s su a s recí pr oc a s re l aç õe s (o i nd i ví duo p od i a e xi gi r, d o o ut ro i ndi ví d u o, a o b ser vâ nc i a d a s no rm a s reg ul a dora s d e s ua s rel a çõ e s 10 re cí p roca s). Entretanto, após a Constituiçã o de 19 88 e diante da evolução histporica, social e econômica sofrida p elo Estado Brasileiro, a Ad ministração Pública passa a ter uma nov a conc epção, influenciada principalmente pelo s nov os ares trazidos pe lo Estado Democrátic o: a 10 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 34. 18 liberdade. U m dos funda men to s desse Es tado De mocrático, como já mencionado, é a preservaç ão da liberdade que vai gerar não mais a impos ição da lei, mas u m consenso entre os cidadãos , todos atuando de for ma igualitá ria e m busca de u ma de mocracia. Co m i s so, a prev alência passa a ser de um inter esse pú blico co ncreto, que não retratav a a v ontade da Ad min istração e sim o interess e s ocial. O Estado deixa o poder -dever e pass a a atuar c om o seu dev e -pode r, isto é, o dev e r de atender o interess e públic o atrav és do seu poder de polícia, send o este o instrumento para alca nçar o b em comu m, u ma v ez que não há exercício de poder se nã o for para satisfazer u m d ireito , ou seja, o bem co mu m. 19 3. INT ERESSE PÚBLICO Inic ialmente dev e ser reconhec ida a dificuldade para a definição do que venha a ser interesse públic o. Ex iste v ariada aplicação do termo, por exemp lo, na política, onde é utilizado frequen te mente p ara e mbas ar e motiv ar ações das mais div ers as ordens. Impõe -se observa r que, necessariamente, exis tem d ificuldad e s para a q ualificaçã o (ou apenas delimita ção) do interesse pú blico, ond e ocorre a impos sibilidade de d efini-lo in abstrato, v is to que sua ap licação deve ser some nte pro mov ida no caso concreto. Essas dificuldades, contudo, não impede m que se possa aprofundar o núcleo do conceito de interesse pú blico, o que pode propiciar, inclusive, maior pre cisão (e utilidade) na sua aplicaç ão. Com esse intuito, utiliza -se a doutrina jurídica de inúmeros meios (fór mulas e critérios) pa ra a aferição e delimit ação d o interesse público, como critérios de quantidade , nos quais se toma como pressu posto a dissenção entre o interesse da maioria e o in te resse d a minoria, be m como a relaçã o entre o to do e a parte, de modo a qualificá -lo como interesse de de te rminados grupos ou instituições, como o Estado e a própria sociedade . Outra fórmu la para a aferição do in te resse público é seu isolame nto e m face do interesse priv ado; ou relacionand o -o com noções filos óficas, como o be m comu m; dentre tantos outros meios de delimitaç ão. Para alé m dess es critérios sumaria dos para a aferiç ão ou p ara a delimitaç ão do interesse público , a doutrina ainda indica alguns pontos de v ista s obre os quais é possív el se analisar o interesse púb lico. Portanto, o presente capítulo preten de analisar, me s mo que d e maneira resu mida e simplificada, o “conceito” de interess e público. 3.1. INTERESSE A palavra interesse desig na o des ejo de d eterminada pessoa ou ente e m fac e de certa situaç ão. Esse voc ábulo tem sua orige m na 20 palav ra latina “intersu m”, que significa estar entre. Assim, o interesse estaria entre o sujeito 11 e o objeto 12, onde es se sujeito buscaria um b e m capaz d e satisfazê-lo den tro da relação estabelecida com o objeto. Os juristas s e preocupam co m a d e finição de interes se, pois tra ta -se de conceito que p erme ia diversos institutos do direito e que , mes mo com u ma v asta disc ussão ac erc a de seu sig nificado, ainda possui div ergentes opiniôes na doutrina. 3.2. INTERESSE PÚBL ICO E BEM CO MU M Co m a finalidade de s e compre ender os critérios trazido s pela doutrina para a delimitação do interesse público, faz-se ne cessária anterior re flexão acerca de uma no ção filosófica que mu ito dele se aproxima , a s aber: a no ção de bem c omu m. A relaç ão imediata d o interesse públic o co m o be m co mu m fe z com que a dou trina, his toricamente, o elegesse como u m critério p ara a verificaçã o da possib ilidade de u m de te rminado interesse v ir a s er class ificado como públic o, haja v is ta o fato de que a e xpressão interesse p úblico, não ra ro, a parece ass ociada à quela ideia de bem comu m. Aristóteles já tratava da noção de be m c o mu m af irmando qu e todo o rgan ismo v iv o tende para o be m; tanto o ho me m co mo a socie dade que ele constitui tendem pa ra o be m. Ora , n ão se r á p o r ve nt ur a o c onh ec i me nt o del e de gra n d e i mp ort ân ci a p ar a a n o s sa vi da e, se se m e l ha nt e s a o s a rqu ei ro s, c ert o s d a m i ra, n ã o al c an ç a re mo s m ai s f a ci l me nt e a qu i l o qu e se d e ve? Se a s si m é, esf orc em o -n o s po r d el i n ea r e m e sbo ç o o q ue se j a el e , e d a qua l , de n t re a s c i ên ci a s o u f a cu l da des, se j a o bj e t o. Ni ng u ém du vi d ar á d e qu e o s e u e st u do pert e nç a à ci ê nci a pri nci pal e m e st ra de t od a s a s o ut ra s. Tal é, v ê- se c l ara me nt e, a ci ênc i a po l í t i c a. Poi s q ue e st a di spõ e, n a c i da de, a s ci ê nc i as de q ue n e ce ssi t ai s, e q ua i s c ad a um a s d e ve a pre n de r e at é q ue p ont o . Vem o s q u e 11 Sujeito em sentido amplo. É possível que entes possam ter interesses próprios (exemplo: o Estado ao buscar a satisfação do interesse público). 12 Objeto em sentido amplo. É possível existir interesse entre sujeito e sujeito e não apenas entre sujeito e objeto em sentido estrito. 21 t am bém a s f acu l da de s t i da s e m m a i or a pr eç o, co mo a art e m i l i t ar, a e co nom i a , a ora t óri a, l he s ão suj ei t a s. E, v al e ndo - s e e l a d e t o da s a s d e ma i s ci ê nci a s pol í t i ca s, e , al é m d i sso , e st a be l ec e nd o po r l e i qu e c a da c oi s a se d e ve f a zer e de q u e c oi sa s se a b st er, p o de d i ze r - se q ue o se u f im abra nge o s f i n s d e t o d a s a s o ut ra s. Don d e se r o b e m h u m a no o se u f i m . E, e m bora se ndo i d ênt i co o b em d o i n di ví du o e o d a c i da de , t oda vi a o bt er e co n se r va r o be m da c i da d e é c oi sa m ai o r e m a i s p erf ei t a. Em ver da d e: O b em é di g no d e s er a m a d o t am bém p or um ú ni c o i ndi ví du o; p oré m, é ma i s be l o e ma i s 13 d i vi no qu a nd o ref ere nt e a po vo s e ci d a de s. Na idade média, por fo rte influênc ia d o c ris tianismo , a noção de be m c o mu m d esenv olv eu-se ainda mais. São To más de Aquino afir mav a que o b em comu m era tudo aquilo que o home m deseja, seja de qual for sua natureza. Considera va ainda qu e, send o o ho me m u m ser social, procura ele nã o s omente o seu próprio bem, mas ta mbé m d o grupo a que pertence. Nesse se ntido, poderia -se afirmar que a cada grupo social corresponderia a seu próprio be m co mu m. Co m o adv ento das ideias contratualistas e liberais (nos s éculos XVII e XVIII) para os quais Rouss eau desempenhou importante papel, a ideia de u m e nte estatal com o fim d e promoção do bem co mu m, filosófico e abs trato e que alic erç ava os atos abso lutistas do soberano, passou a s er refutada. A partir de então , a finalidade do Estado única e exclu sivamente a proteção dos in te resses u tilitaristas, pragmáticos e muitas v ezes indiv idu ais, aos quais não era possível ao dirigente excede r os p oderes a ele conc edido. Pode-se alegar que, nesse período, a base da soc iedade política não se baseia mais e m ele mentos c omuns a todos os homens, mas e m cada aspiraç ão i ndiv idual, posição esta re fo rç ada ainda mais pela Rev olução Francesa, que signific ou o triu nfo do indiv idualismo. 14 Nessa ordem de v alores, a ideia do be m co mu m co mo causa funda mental de união dos ho mens e m soc iedade cede espaço para uma concepção qu e vis av a assegurar a liberdade natura l de cada um; e m última aná lis e, p ode-s e a firmar que os ho mens se uniam e m s ociedade porque isso lhes era útil e vantajos o. 13 ARISTÓTELES. A Ética. Tradução de Cássio M. Fonseca. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1991. P. 2223. 14 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Discricionariedade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1991. P. 156. 22 A s t e ori a s l i be rai s, i n di vi du al i st a s, sub st i t u í ra m a n oç ão d e b em co mu m p el a i dei a de i nt ere sse s g e rai s, pa ss an d o a c on si d erar o i nt e re sse p ú bl i co c om o a som a d o s be n s e i nt ere ss e s i n di vi du ai s, no t a da m e nt e o s d i rei t o s ci vi s d a b urg u e si a. Pe rdeu - se, d e s sa f o rma , a no çã o f il o só f i ca e m oral d e be m co mu m, v ol t a da a pri n cí p i os d e so l i da ri ed ade soc i al , a o qu e é bom e não a o q ue é ú t i l , na qu al ca bi a a o E st a d o a ss eg ur ar co nd i çõ e s p úbl i ca s no rma i s e e st á vei s pa ra qu e o s i ndi ví d uo s e su a s f am í li a s pu d e s se m l e va r u ma vi da di g n a, n orm al e f eli z se gu n do a s l ei s d e Deu s. A m o ra l , é a f ast ada d o 15 d i rei t o. O interesse público era, pois, realizado pelo Es ta do de forma negativ a, ou seja, pela sua não intervenç ão nos interesses indiv iduais, os q uais, para a c oncepção da é poca, s e adequ adamente rea lizados, pro mov iam o interesse geral. Essa fórmula liberal de org anização polít ica, na qual o Estado some nte ex istiria p ara a realizaç ão po lítica e para asse gura r dos direitos indiv id uais de pro prie dade e de liberdade, p ela manutenção da liv re iniciativ a e respons abilizaç ão da seg urança , tan to externa quanto interna, v em a colidir-s e com as reaç ões sociais provocad as pelas desigualdades sociais resu ltantes do ex ercício da liberdade por uns sobre a opressão d e outros. Essas co nstruções teóricas foram alguns dos alicerces que lev aram a superação histórica do Estado liberal, pa ra u ma pre tensa imple mentação de u m ente estatal que ef etiv ase alguns direitos s ociais necessários para que a paz s ocial prevalec esse. 16 Pode-se afirmar, e ntão, que a noção de interess e púb lico, como fim nec essário do ente estatal, a té mes mo para a sua preservação, volta aproximar-se da ideia filos ófica de bem co mu m e rev este -se mais u ma v ez de aspec tos axiológic os, na medida e m que se preocupa com a dig nidade do ser humano. O Es ta do apresenta -se para a lém de u m ente de garantia de direitos ind iv iduais , po is se torna um ente de pro moção s ocial. 15 LUZ, Ana Beatriz Vieira da. Interesse público – Conceito e Projeções. Dissertação apresentada no Programa de Mestrado da UFPR. Curitiba, 1995. P. 27. 16 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª Edição. São Paulo: Melheiros, 2001. P. 210. 23 Co m o adv ento do Estado Socia l, o in te resse público a s er alcançado pe lo Direito Ad ministrativ o hu maniza -se, na med ida e m que passa a preocu par-se n ão só com os ben s materia is que a liberdade de iniciativ a almeja, mas c om v alores conside rado s essenc iais à existência digna: quer-se, pois , liberdade c om d ignidade, o que exige maior interv enção do Es ta do para diminu ir as desigua ldades sociais e lev ar toda cole tiv idade ao bem-es tar social. Daí po rque o interesse públic o, c onsiderado sob o aspecto jurídico, rev es te-s e de u m as pecto ideo lógico e v olta a relaciona r-se com a id e ia axiológic a de bem co mu m. Essa relaç ão de afastamento e de aproximação entre o be m comu m e o interes se p úblico, pode contribuir p ara uma ev entual delimitaç ão do interess e público, c ontudo, imposs ív el d e ser realizada e m face do próprio bem c o mu m, pel o fato de este s er fu ndado em valores. 3.3. TITULARIDADE DO INTER ESSE PÚBL ICO Durante o se u desenv olv imento histório, a noção de int eresse público esteve semp re atre lada à ideia d e interesse do Estado. Cla ssicamente, a ideia se mpre fo i trabalhada de modo a g erar u m raciocínio circular e vicios o: o interess e s eria público porq ue atribuído ao Estado e a tribuído ao Es tado porque público . 17 Den tro dessa concepção que o interes se público e o interesse do soberano se confundiam. Atualmen te , considera -s e que o titu la r do intere sse público é a socie dade. O Estado seria simp les mente o prin cipal (e não único 18) gestor desse interess e. Cumpre à adminis traç ão pú blica o exercicio da função admin istrativ a a qual encontra-se atre lada a u ma fina lid ade d e interesse público, da qual é anc ila e serv iente. 17 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. In: Revista trimestral de Direito Público nº26/1999. São Paulo, Malheiros, 1999. 18 Atualmente existem diversos entes partuculares exercendo a função da administração pública no sentido de promover o interesse público. 24 Embora inú me ros autores dis cordem, pode -se afir mar q ue o Estado ain da é o gestor por excelência do s inte ress es púb licos existentes na s ociedade. Seja porque os particulares a inda não possue m c ondições de rea lizá-los por si, seja porque de manda m recursos e técnicas complexas que s omente o Estado poderia desempenhar e satisfaze r. E m p ri me i ro l u gar, n ão s e po d e di zer q u e o i n t ere s se s p ú bl i co sej a se mp r e aq u el e próp ri o da Adm i ni st raç ã o Pú bl i ca; e mb ora o vo cá b ul o “pú bl i c o” sej a e qu í vo co, pod e- se di zer q ue, q uan d o u t i li zad o n a e xp re ss ão i n t ere s se pú bl i c o, el e se ref e re a o s b en ef i c i ári o s da at i vi d a de ad mi ni st rat i v a e n ã o ao s en t e s q u e a e xe rce m. A Adm i ni st raç ão Pú bl i c a nã o é a ti t u l ar do i nt ere ss e p úb l i co , m as ap ena s a su a gua r di ã; el a t em q ue 19 zel ar p e l a su a p rot e ç ão . Co m o de senv olv imento polític o e social experime ntado pelas socie dades nos anterior mente últimos afir mado , anos, a passou-se existênc ia de a reconhecer, c omo interess es públic os já não estatais, com des taque às atividades empenhadas pelas ONGs. A adoção desse ideário, con tu do, trouxe à tona a discussão acerca da titularidade do interesse público pelo Estado e a superação da ideia de que todos os interesses titularizados ou g erid os pelo Es ta do seriam público s. O co nc ei t o d e i n t ere s se p úbl i co nã o se co nst rói a p art i r d a i den t i da de d o seu t i t ul ar, s ob p en a de i nv er são l ó gi c a e a xi ol óg i c a i n su p e rá ve l e f ru st raç ão d e sua f un çã o. Def i ni r o i nt ere ss e c om o pú b l i co po rque t i t u l ari za d o p el o E st a d o si g ni f i c a assum i r um a c ert a e sc al a de d e val o re s. Dei xa d e i nda ga r- s e ac erc a do c ont e údo do i n t ere s se p ara d a r - se d e st aq u e à t i t ul a ri dad e e st at a l . I sso c or re sp o nde à co nc epç ã o d e q ue o E st ad o é m ai s i m port a nt e do q u e a co m u ni da d e e q ue det é m i nt e re sse s pe cul i are s. O t rat a me nt o j urí d i co d o i nt ere ss e p ú bl i c o nã o se ri a con se qu ê nc i a de a l gum a p ec ul i a ri da de vi ri f i cá ve l q ua nt o ao p r ópri o i nt ere sse, ma s d a su p rem ac i a e st at a l . Co mo o E st a d o é i nst ru me nt o d e re al i zaç ã o d e i nt ere ss e s p úb l i co s, t e m d e re c on hec er - se qu e o c on ce i t o de i n t ere sse pú b l i c o é ant e ri or ao c on ce i t o d e i nt ere ss e d o E st ado . 20 19 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Discricionariedade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1991. P. 161. JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. In: Revista trimestral de Direito Público nº26/1999. São Paulo, Malheiros, 1999. P. 117. 20 25 Impe nde o reconhecimento d e que a titularid ade ou mes mo a gestão do interess e público não mais se mo stra c omo critério adequado para a determina ção ou mes mo para a delimitação de interesses público s. De todo modo , pode-se assev erar que a ges tão e a tutela pelo Estado pode m representar indícios de que o interes se pers eguido seja público . Poré m, por s i somente, não é possiv el sustentar que interesse do Estado seja interess e público, haja v ista a história política brasileira e m que o Estado inv es tiu-se na titularidade de inú me ros interesses priv ados. De igua l for ma é possív el argume n ta r que a nature za d o interesse, seja priv ado ou público, não deriv a de q uem po ssui a sua gestão ou titularid ade, porquanto até mes mo sã o admitidas a tiv idades estatais, em alguns casos, su bmetida s a u m regime priv ad o, como na contratação de seguros pela Admin istra ção, por exe mplo, rev elando -se então que o regime (púb lico ou privado) utiliza do ta mbé m não se ria apto a definir u m interess e como público. Co m ef e i t o, u ma vi sã o t óp i co - si st em át i c a ad equ ad a, al ém d e su p erar u ni l a t eral i sm o s, su p õe u ma não -i de nt i f i c aç ão a ut o má t i ca e si m pl i st a d o i n t ere s se pú b l i c o c om o i n t eres se d o E st a d o c om o apa r at o. Tod a vi a, à di f eren ç a do s t e mp o s d e l ouvá v el re si st ê nci a a or d en s au t ori t á ri as e at é t ot a l i t ári as, n ão m ai s r es ul t a mi n i m am ent e ra zo á vel a p ri ori t om ar o i nt ere ss e d o a pa ra t o e st a t al co mo ne c es sa ri am en t e e m d e sco i nc i dê nci a c om o da so ci e dad e c i vi l . 21 A te mática enfocada exige análise detida e a profund ada, ra zão pela qual s e optou, no pre sente trabalho, limitad o e m extensão, por não pro mov er a sua investigaçã o de maneira mais dilatada. Nada obstante a importância e a controv érsia jurídica -polític a e ideológic a referente aos es paços públicos não -es tatais, os quais possue m grande imbricaçã o para o Direito Púb lico co ntemporâneo, a análise em foco será dirigida para o exame da gestão do interesse público tão s omente pela en tidade estatal. 21 FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito. 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002. P. 228. 26 3.4. IN TERESSE PÚBL ICO COMO SOM ATÓRIO DOS INTERESSES PRIVADO S Outra ideia ba stante difundida é a de que o interesse público não possuiria nen huma c arac terís tica esp ecial a pta a qualificá -lo e m face dos in te resses privados. Nesse caso, o interesse público possuiria tão s omente a característica de s omatório dess es interesses privados. Ora, passando as coisas deste modo o interess e público nada mais seria do que simples me nte o somatório dos intere sses priv ados , de modo que o interes se público transmutar-s e-ia no interesse uniforme da totalidade ou da ma ioria de u m gru po soc ial. Segundo essa v is ão, a diferença entre interesse públic o e interesse priv ado estaria centrad a no fator quantidade e n ão no fato r qualidade . E l i nt eré s pú bl i co, e nt en di d o co n el c arác t e r y e l se n t i do q u e l e he mo s a si g n ad o, n o t i e ne u n a e n t i d ad o nt o l ógi ca , su st a n ci a l , d i f ere nt e a l a q u e p re se nt a el i n t eré s i ndi vi du al : a m bo s so n, e n e st e a spe ct o , si mi l ares. L a ún i ca di f er e nc i a en t re el l o s rad i ca en qu e m i ent ra s qu e el i nt eré s p ú bl i c o es el resul t a d o d e l a su m at o ri a d e un n úm er o m a yori t ari o de i n t ere se s i ndi vi d ual e s co i nc i de nt e s, el i nt e ré s i ndi vi d ual pe rt e nc e a l a pe rs on a o a l gr u po d e pe r so na s q u e l o d et e nt a c a d a un a de el l a s e n f orm a sep ar ad a, si n l l e ga r n un c a 22 a co n st i t uí r u na m ai ori a ma nco mu na da. Dessa forma, o interess e passaria a s er públic o qu ando, de ntro de u ma determinada co munid ade, o interesse fosse compartilhado po r u m nú mero significativo de pessoas torn ando -o u m querer do próp rio grupo, ou seja, o interesse se tornaria, de maneira simb óli ca, u ma vontade de tod a a comu nidade. Is so não sig nifica d izer que um 22 “O interesse público, entendido como o caráter e no sentido que nos assinalamos, não tem uma entidade ontológica, substancial, diferente da presente no interesse individual: ambos são, sob este aspecto, similares. A única diferença entre eles está no fato de que o interesse público é o resultado do somatório de um número majoritario de interesses individuais coincidentes, e o interesse individual pertence à pessoa.” (tradução livre do autor) ESCOLA, Héctor Jorge. El Interés Público como Fundamento del Derecho Administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1989. P. 242. 27 interesse públic o d eva ser rec onhecido como s eu próprio interess e p or todos os indiv íduos da sociedade. Existem, inclusiv e, aqueles que não apenas d eixam d e re conhecer tal interesse como seu, mas ta mbé m possue m interesses colidentes c om o dito interesse p úblico. Torna-se fundamental, ne sse sentido , a afir maçã o d e qu e o interesse público, inserido e m u ma s ociedade democrática, não se impõe coativ amente. Esse interesse , no máx imo, prev alece em relação aos in te resses pa rtic ulares div erge ntes por s e tra ta r de prioridade e predo minânc ia, já que sua carac te rística princ ipal é s er majoritário e m deter minada s ociedade. Dentro de ssa conce pção, o interresse público e o interesse indiv idu al s eria m qu alitativ amen te iguais , ma s qua ntitativ amente distintos. O interesse públic o, dessa for ma, seria o “interesse indiv idua l que co incide com o interesse in div id ual da ma io ria dos membros da socie dade.” 23 3.5. INTERESSES DA M AIORIA E INTERESSES DA MINOR IA A socieda de c onsidera o interesse público como simp lesmente o interesse da maioria, ou se ja, bas ta ria que u ma ma ioria de ind iv íduos identificasse um interess e para que este se tornass e público. Ocorre que o interesse público é mu ito ma is a mplo do qu e apenas o suposto interesse de uma supos ta maioria. É quase impos sív el iden tificar uma ma ioria pr opria mente dita. Não ex iste um conjunto de in te resses indiv iduais, ho mogêneos e permanentes aos quais se poderia qua lificar de maioria. O interesse é algo mutáv el no te mpo e no e spaço e os indiv íduos , e m regra, possuem intere sses contrapostos e d istintos. O interesse público pode, dess a for ma, mu itas v ezes s er coincidente com os interess es de uma minoria da popula ção. Embora a 23 BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: Desconstrução ou Reconstrução. Revista Diálogo Jurídico, Salvador nº15 – Janeiro/ Fevereiro/ Março de 2007. Página 10. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em : 28/03/2010. 28 concepção de re pública democrática caracter ize -se pe la prev alência do interesse da maio ria quantitativ a, é inolv idáv el que os interess es da minoria ta mbé m dev am s er garantidos, segu ndo o s parâmetros que as Con stituições dos Estados determin a m. Por mais ess a razão, é que a noção de interess e públic o não dev e se basear em critérios quantitativos. Aliás, o interesse público não pode ser toma do abstrata ment e como sinônimo de interesse da ma ioria, haja v ista o fato de que existem nas socied ades, interesses d e minorias que se relacio nam com intensida de mu ito maior ao interes se público do qu e os interesses da maioria. 3.6. INTERESSE PÚBL ICO PR IMÁRIO E INTERESSE PÚBL ICO SEC UND ÁR IO O interesse públic o enc ontra no ente Estatal seu maior ge stor. Con tu do, não se pode concluir que o interess e púb lico é ex clusiv o do Estado, pois isso poderia (. . . ) re sval a r f ác i l e n at u ra l m ent e pa ra a c on cep çã o si mp l i st a e p eri g o sa de i de nt i f i c á-l o co m q uai sq u er i n t er es se s d a en t i da d e q ue re pre se n t a o t od o (i st o é, o E st a do e d em a i s p e ssoa s d e Di rei t o Públ i co i nt e rno). 24 Dessa forma, o interesse público não se confund e c om interesse do Estado. É que o Es tado possui ma is interess es do que ape nas o interesse público. Não há c omo negar que apesar de estar encarregado dos interesses públic os, o Estado n ão possui o utros interes s es, tanto quanto os indiv íduos que representa: É que , al é m d e subj e t i var e st e s i nt e re sse s, o Est ad o, t al com o o s de ma i s p a rt i cu l are s, é, t am bé m el e , u m a p e s soa j urí di ca, q ue , poi s, e xi st e e c on vi ve n o un i ve rso j urí di co e m c on co rrê nc i a co m t o do s o s d em ai s s uj ei t os de d i rei t o . Assi m, i nde pe n de nt em en t e do f at o d e s er, po r def i n i çã o, e nca rreg a d o 24 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo, Malheiros, 2010 p. 65. 29 d o s i n t ere s se s pú bl i c os, o E st ad o p od e t er , t a nt o q u an t o a s d em ai s p e s soa s, i nt e re sse s qu e l he sã o p art i c ul a re s, i ndi vi d uai s, e qu e , t a l c om o os i nt ere sse s d el as, co n c e bi d a s e m su a s m e ra s i nd i vi dua l i a de s, se en c a rn am n o E st a d o e nq u an t o p e s so a. E st e s ú l t i m os n ã o sã o i nt e res ses p úb l i c os, m a s i n t ere s se s i ndi vi d u ai s do E st ado , si m i l a res, po i s (s o b p ri sm a e xt raj u rí d i c o), ao s i nt e re ss e s de qu al q uer o ut r o suj ei t o . S i mi l ares, m a s n ão i g ua i s. I st o po rq ue a g e ner a l i da d e d e t a i s s uj e i t os p o de d ef en der e st e s i n t ere s se s i n di vi du ai s, a o p a s so qu e o E st ad o, co nc e bi d o qu e é p a ra a rea l i z aç ão d e i nt ere ss e s p ú bl i c os ( si t uaç ão , po i s, i nt e i ram en t e d i ve r sa d a d o s p art i c ul a res), s ó p od eri a d ef en de r s eu s p róp ri o s i nt ere ss e s p ri va d o s q ua n do, so br e n ã o se ch oc arem com o s i nt ere ss e s p ú bl i co s prop ri am e n t e di t o s, c o i nc i da m co m a re al i zaç ã o d el e s. Tal si t uaç ã o o corr e rá se m pre q ue a n o rm a d on d e d e f ul e m os qua l i f i q ue c om o i ns t rum e n t ai s a o i nt e re s s e p úb l i co e na me di d a em q u e o sej a m, c a so e m que se u a d ef e sa se r á, i p so f ac t o, si m ul t a ne am ent e a d ef e sa d e i nt ere ss e s p úbl i co s, po r c on c orre rem i ndi s so ci a ve l m ent e p ar a 25 a sa t i sf açã o d el es. Nesse s entido é que s e encontra a distin ção entre interesse primário e interesse secundário, onde este seria o interesse “pa rtic ular” do Estado c omo en tidade e aq uele o in te resse público própriamen te dito. Em outras palav ras, o in te res se públic o primário seria aquele pertencente à coletiv ida de c omo u m t odo enquanto o intere sse público secund ário aquele atinente ao aparato estatal como en te personalizado. Es sa diferença foi concebida pelo jurista italiano Rena to Alessi. 26 A div isã o nos interesses do Es ta do fa z co m que a dou trin a afir me que so mente os in te resses primários dev eriam ser p ers eguidos pela entidade que os representa, já que os interesses s ecundários não pode m, sob pena de inv ersão da fu nção es tatal, ser atendidos senão quando e m cofor midade co m os inter esses primar ios. Nã o faz sentido algu m a ad ministração pe rs eguir interesses sec undários s em aten der aos interesses primários. Afinal, se o Estad o procurass e reduzir seus custos ao máx imo, a te ndendo ao interesse secundário e enriquecendo o Erá rio, redu ziria, por exe mplo , os salários de seus serv idores ao nív el d e subs is tência, entrando em d esc onformidade co m o interesse público p ropriamente dito, o interesse primário. 25 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo, Malheiros, 2010 p. 66. 26 ALESSI, Renato. Principi di Direitto Amministrativo i Soggetti Attivi e L´Esplicazione Della Funzione Amministrativa. 4ª edição, Milano: Dott. A. Giuffré Editore, 1978. 30 Dessa forma, o interesse s ecundário so mente se tornaria interesse público quando fosse ta mbé m interess e primá rio, ou s eja, o interesse secundário só fundamenta a tu ação estatal quando em conformida de co m o interesse primário, tornando aque le sub misso a esse. Em síntese, admitindo-se o Estado como o ente gestor dos interesses públicos vigentes na socie dade, teria ele a funç ão de garanti-los em u m primeiro mo mento e de afirmá -los e c oncretizá-los e m u m segund o mo mento. Esses intere sses, e mbora garantidos , afir mados e conc retizados pelo ente estatal, a ele não pertencem. Eles se opõem, de c erta forma e inclusive, aos interesses pertencentes ao próprio Estado, recebend o a denominação d e secun dários, de forma que só po deriam ser realizad os se intrinsec amente relac ionados ao interesse público, també m c ha mado de in te resse primário. 3.7. INTER ESSE PÚBL ICO C OMO CONCEITO JURÍDICO INDETERMINAD O A doutrina ut iliza u ma esp écie de subsunção, de enquadrament o do interesse indeter minad os. p úblico Ka rl na Eng ish 27 c ategoria afir ma do s q ue os co nceitos conce itos jurídicos jurídicos indeter minad os são aqueles cu jo conteúdo e extensão s ão incertos. No mes mo sentido, Antonio Francisc o de Sou za diz: O s c h am ad o s co nc ei t o s l ega i s i nd et erm i na do s a bun dam e m t odo s o s ram o s d o d i rei t o, (. . . ) po rém su rg e m co m m ui t o m ai or f re qu ênc i a n o di re i t o a dm i ni st rat i vo. E st e f en ôm en o d e ve - se à n at u re za d a s f u nç ões d a a d mi n i st ra çã o, so bret u do d e vi d o a o f a t o d e a ad mi ni st raç ão se ori en t ar à sa t i sf a çã o d a s n ec e s si d ad a e s soc i ai s. É qu e o s c on c ei t os i nde t erm i na d o s s e a pre se n t am ao l e gi sl ad or c om o u m i nst ru m ent o pri vi l e gi a d o p ara a at ri b ui ç ão d e ce rt o t i p o de com pe t ên ci a à s a ut ori dad e s a dm i ni st rat i va s para qu e e st a s po ssam r ea gi r a t em po e d e m o do a d eq u ad o a o s i mp ond er á vei s da vi da a dm i ni st rat i va. 28 27 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6ª Edição, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1988. SOUSA, Antonio Francisco. Os “Conceitos Legais Indeterminados” no Direito Administrativo Alemão. In: Revista de Direito Administrativo. Nº 166. São Paulo: FGV Editora, 1986. P. 276-290. 28 31 A ab stração das normas jurídicas é uma característica a mpla mente rec onhecida e que, por s i s ó, a torna indeter minada . Torna-s e poss ív el, portanto, afirmar qu e todos o s preceitos jurídicos são, em maior ou menor escala, indeter minados . Por tal motiv o, os estudos dedic ados ao te ma tê m re servado à ex pressão “conceito jurídico indeter minado” tão s o mente p ara aqueles qu e se rev estem de u m elev a do gra u de indeterminaç ão. 29 É ma is que ev idente que a distinç ão entre conceitos deter minados e c onceitos indetermina dos se faz ora em funçã o do grau de imprecis ão do vocabulário , ora em funç ão da qualidade. Para alguns autores, a diferença entre esses conceito s é qualita tiv a e não quantitativ a. A doutrina sistematizou um ale mã d os do direito melhores ad min istra tiv o po stulados da desenv olveu e indeterminação conceitual, produzindo, inc lusive, repre sentações e imagens de que o conceito jurídico ap res entaria uma zona d e certeza positiv a, em que não hav eria dúvid a acerca da utiliza ção da palavra qu e o des igna e u ma zona de ince rteza negativ a, na qual ine xistiria dúv ida ac erca da sua não u tilização. Ness a repres entação ex iste, contudo, uma zona inter mediária q ue se constitui em uma áre a de dúv idas e incertezas sobre a abrangência do conceito. 30 Sustenta-se, p or parte da doutrina, a tarefa indisp ensáv el realizada pelo intérp rete quando da aplicação concreta d os c onceitos jurídicos indeterminados, haja v ista a necessidade do intérp rete verificar se a soluç ão encon trada pelo e mp rego do conc eito seria a única, a me lhor e a mais justa qu e a nor ma pretendeu alcanç ar. Nesse sentido, a firma-s e que a tarefa do intérprete dos conceitos jurídicos indeter minad os c onstitui-se e m u m juízo de legalidade. Is so en contra se em ac ordo c om a ideia de que o preenc himento dos c onceitos jurídicos indeterminad os es ta ria situado unica mente n o ca mpo da discricionariedade administrativ a. 29 SOUSA, Antonio Francisco. Os “Conceitos Legais Indeterminados” no Direito Administrativo Alemão. In: Revista de Direito Administrativo. Nº 166. São Paulo: FGV Editora, 1986. P. 277. 30 MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. P. 58. 32 A d i sc ri ci o na ri eda de é e s se nc i al m en t e u m a l i be rdad e d e e l ei ção en t re al t erna t i va s i g ual me nt e j u st a s, ou, se s e p re f ere, e nt re i n di f e rent e s j urí d i co s, po r que a d ec i sã o se f u nda me nt a e m c ri t éri o s j u rí di c os (de o port u ni d a de , eco n ôm i c os et c . ), n ã o i nc l uí do s n a l ei e rem et i dos a o j u l ga me nt o su bj et i vo d a a dm i ni st raç ão . Pe l o co n t rári o , a apl i ca ção d e c o n cei t o s j urí di cos i nd et e rmi n ad o s é um ca so d e a pl i c aç ão d a l e i , j á q ue se t ra t a d e su b sum i r em um a c at eg ori a l eg al (c onf i gura da, n ã o o b st an t e su a i mp rec i sã o de l i mi t e s, c om a i nt en çã o, d e d em arc ar u m a hi pót e se c onc ret a ) um a s c i rcu n st â nc i a s rea i s d et e rmi n ad a s; j u st am e n t e p or i sso é u m pr oc e s so re g ul a d o, q ue se e sg ot a no p r oce sso i n t el e ct i vo d e c o m pree n s ão d e um a re al i d ad e, no s ent i do q u e o c onc ei t o l ega l ind et erm i n ad o t e m p ret e ndi d o; pro c e s so n o q ua l nã o i n t erf ere n en h um a d e ci sã o d e von t a de do apl i ca dor, com o é p ró pri o de que m e xe rc e 31 p ot e st a de d i sc ri ci ona l . Por c onseguinte, realizada a menção de que e xiste na dou trina u ma contenda entre aqueles que pugna m pe la ex istência de uma marge m de disc ric ionariedade nos c onceitos jurídicos indeter minados e aqueles que postulam o s eu não cabimento, me rec e atenção as correntes que re fu ta m a própria exis tência dos conc eitos jurídicos indeter minad os. Nesse produzida s entido, s obre os nada obstan te conc eitos a jurídicos gra nde produção indeterminado s e teórica a sua conseq uente aplicaç ão concreta, a aceitação dou trinária por eles não é pacífica. Eros Rob erto Grau considera uma falá cia a conce ituação jurídica indeter minad a, afir mando que a indet erminação não é dos conceitos, mas sim da s s uas expressõ es, não h avendo que se falar, p ortanto, em conceitos indeterminados, mas em ter mos (jurídicos ou nã o ) indeter minad os. A ssi m, p ar a E ro s Gr au , não h á c o n cei t o i n de t e rmi n ad o. Em s e a dm i t i n do, n ão seri a co nc e i t o, p oi s i nd et erm i na do . Par a e l e, o m í n i mo q ue se e xi g e d e um a su m a d e i d e i as a b st ra t a s, par a q ue se j a c onc ei t o , é q ue s ej a de t erm i na d a. E ro s n om ei a o s “c onc ei t o s i n d et ermi nad o s” d e t i p ol ó gi c o s (f a t t i s pec i e), su st ent a ndo q u e , q u an d o d i ant e de um c o nc ei t o f l uí do , o i nt érp ret e de ve rá c om pl et á-l o c om d ado s e xt rat í d o s d a re a l i d ade . A va nç a su st e nt an d o q u e q uan d o o c o nc ei t o t i pol ógi co f o r i m prec i so , de ve -s e b u sc a r n a rea l i da d e, 31 BORGES, Alice Gonzáles. Interesse Público: Um Conceito a Determinar. In: Revista de Direito Administrativo, nº 205. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. P. 110-111. 33 i nc l usi ve c o n si d eran do a s co nc e pç õ e s p ol í t i ca s pr ed om i na nt e n aq u el a re al i dad e, a f orm a de a cl a rar o co nt eú do j u rí di c o d o 32 c on ce i t o. Diferente é a abord agem de Celso Antônio Bandeira de Me llo afir mando que a indeter minaç ão não reside n a palav ra ou expressão, mas sim no próprio conceito. A própria ideia de p alav ra press upõe a existência de um significado. Nesse sen tido, mes mo o conc eito sendo fluído, existiria u m conteúdo c onceitual mín imo e não inex istente. De ve ra s, a pa l a vra é um si g n o e um si g no su põe u m si g ni f i c ad o. Se n ão h o u ve s se si g ni f i cad o a l gum rec og no scí vel , n ão h a veri a p al av ra, h a ve ri a ruí d o. Lo g o, t e m -se qu e ac ei t ar, p or i rref ra t ável i m po si çã o l óg i ca , que , m e sm o q u e vag o s, f l uí do s o u i mp rec i so s, o s con ce i t o s ut i l i zad o s n o pr e s su po st o d a n orm a ( na si t u aç ã o f á t i ca po r el a descri t a , i st o é, no m ot i vo l ega l ) ou n a f i n ali d ade , t em al g um con t eú d o m í ni m o i ndi sc ut í v el . De q ua l qu e r d e l es se pod e di zer que c om pre e nd em u ma zon a d e c ert e za po si t i va, de nt ro da q ual n i ng ué m du vi d ari a d o ca bi m en t o d a a pl i c aç ão d a p al avr a q u e o s d e si gn a e u ma zo na d e c ert e z a n ega t i va e m qu e se ri a c ert o q ue p or e l a n un g ém e st ari a obri gad o. A s dú vi d a s só t ê m 33 c ab i da no i nt er val o en t re am ba s. Pode-se depreender então q ue a con ceituação do interesse público , espec ialmente pela s ua con formação d e um conce ito jurídico indeter minad o, é de irrefutáv el complex idade. Merece destaque, ainda, a função esse ncial desempenhada pelos c onceitos jurídicos no sistema jurídico, haja v ista que a indeterminaçã o c onceitual não dev e ser vista como u m d efe ito, mas como u m atribu to, que se destina a per mitir u ma aplicaç ão mais ade quada caso a c aso, exigind o, portanto, uma abertu ra per manente e m face da rea lidade. “A indeter minaç ão dos limites do 32 RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. Interesse Público: um Conceito Jurídico Determinável. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 107. 33 RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. Interesse Público: um Conceito Jurídico Determinável. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 107. 34 conceito prop icia a aproximaç ão d o siste ma normat ivo do mundo real. ” 34 34 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. In: Revista trimestral de Direito Público nº26/1999. São Paulo, Malheiros, 1999. P. 116. 35 4. PRI NCÍPIO D A SUPR EMACI A DO I NT ERESSE PÚBLICO SOBR E O PRIVADO 4.1. CONCEPÇ ÃO CL ÁSSICA O p rinc ípio da supremac ia do interesse público sobre o interesse priv ado recebe també m a deno min aç ão de princípio da finalidade pública 35. A prevalência a o interess e púb lico, como decorrência lógica desse princípio, adv ém da a mpliaçã o das ativ idades assumidas pelo Estado p ara a satisfaçã o das necessidade s co letivas. Isso, ao mes mo te mpo e m que se faz resulta do do fato de que o Direi to deixa , em u m dado mo mento histórico, de ser apenas um instrumento de garantia dos direitos do indiv íduo e pas sa a objetivar a consecução da justiç a social e do be m co mu m. A id eia da supremac ia do interesse público suce de do objetiv o do ordename nto juríd ico de preservaç ão dos interesses socialmen te relev antes, entre os quais o interesse públic o é proeminente. Por essa razão, e le é elev ado a u ma posição de des ta que e m relação aos de mais interesses existen te s na s ociedade , notadamente os interesses priv ados. Esse princípio es tá prese nte e m div ersos mo mentos como na elaboração da le i e na execuç ão concreta pela Ad ministração Pública. Quando da elaboração legislativ a, a supremac ia do interesse público manifesta-se na poss ibilidade de disc iplinar o exercício da ativ idade administrativ a estatal, especia lmente , co m v is tas à solução de conflitos d e interesses. Destaque-se, todav ia, que a supremacia do interess e público não é, em s i mes ma, o c ritério de soluç ão dos c onflitos 36. A afir maçã o da supremacia do interess e p úblico não significa a eliminação de outras normas de conteúdo, sob pena de se instrumentalizar o arbítrio e ne gar-se todos os demais interesses c onstantes na sociedade , be m como da substituiç ão da supremacia da v on ta de do “soberano” nos 35 36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª edição, São Paulo: Atlas, 2002. P. 68. JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. P.35. 36 antigos estad os absolutis tas, pela supre mac ia da v ontade do “ interesse público ”. A supremacia do interesse público constitui -se, sobretudo, alé m da v inculaçã o do legislad or, na interpretação e a plicação das normas vigentes em estrita conformidade co m o interesse públic o. Nesse sentido, “na med ida em que o Orde namen to Juríd ico, na esfer a do Dire ito Púb lico , é presid ido por esse princípio , nenhu ma le i poderá s er interpretada e m d iss onância c om e le ” 37. 4.2. DESCONSTR UÇ ÃO É imperioso abordar os pontos críticos sistema tizados por div ersos autores brasileiros ta is como Hu mberto Berg mann Áv ila 38, Gustavo Binenbojm 39, Dan ie l Sar me nto 40, Alexandre Santos de Ara g ã o 41 e Paulo Ricardo Shier 42. Autores esses que possuem ideia s qu e coadunam com a real necess idade de adoção de uma nov a postura dos agentes púb licos qua ndo da utilização das prerrogativas legais que ensejam inv asão na esfera particular. 37 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. P.35. Doutor em Direito e Especialista em Metodologia da Ciência do Direito pela Universidade de Munique, República Federal da Alemanha. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito e Especialista em Finanças pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor Adjunto Concursado de Direito Tributário, Financeiro e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde é Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado. Professor Visitante dos Cursos de Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado – IIEDE. Advogado, Consultor e Parecerista em Porto Alegre. 39 Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do Curso de PósGraduação da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Master of Laws, Yale Law School. Mestre e Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da UERJ. Procurador do Estado, Advogado e Parecerista no Rio de Janeiro. 40 Professor adjunto de Direito Constitucional da UERJ (Graduação, Mestrado e Doutorado), Professor do Curso de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da EMERJ, Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ, Procurador Regional da República. 41 Professor das Pós-graduações em Direito do Estado da Universidade do Rio de Janeiro – UERJ e em Direito da Administração Pública da Universidade Federal Fluminense – UFF. Professor do Mestrado em Regulação e Concorrência da Universidade Candido Mendes. Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. 42 Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Professor de Direito Constitucional nas Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil, no Instituto Romeu Felipe Bacellar e na Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado militante, parecerista e consultor jurídico. Membro do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados. 38 37 Contudo, e ssa postura talv ez seja um po uco exagerada, já que não se propõe a enriquecer o entendime nto do princ íp io da supre macia do interesse público sobre o priv ado pa ra uma efetiv a e correta aplicaç ão des se p rincípio. Ao contrário, esses autores pretendem desconstru ir e, inc lusiv e, neg ar a própria existência do princ íp io. O primeiro p onto a ser an alisado é a discussão trazida por Hu mberto Áv ila ace rc a da existência ou não existênc ia do princípio da supremac ia do interesse público sobre o privado. Segundo ele, os princípios apresentam-s e de três for ma s: axioma, postulado nor mativ o e nor ma-princípio, os quais serão tratados ness a ord em. O princ íp io c omo axio ma a pres enta uma proposta cuja realidade é ac eita por to dos, in dependentement e de qualquer tip o de prov a, ou seja, uma v erd ade incontes tável, na qual se acre dita ou não. O princípio como postulado é representado p or condições que possibilita m conhecer fenômeno s jurídicos, de forma a orientar a maneira de agir do ad ministrador. 43 Já a norma-princípio, “tem funda men to de va lidade no d ire ito posit iv o, de modo expresso ou imp lícito . (...) Os princípios servem de fundamento pa ra a interpretação e ap licação do Dire ito ”. 44 Hu mberto Áv ila afirma que o suposto prin cípio seria uma re gra abstrata de preferência no caso de colis ão, tendo a prevalência do interesse púb lico como única forma de sua aplicação, sem p ermitir outras soluções. É que a res olução do conflito se daria me diante regras de prev alência estab elecidas anteriormente e nã o pos te riormente, e m fav or do interess e público, q ue possu i abstrata prioridade e é principalmente inde pendente do s interess es priva dos c orrelac ionados. No mes mo se ntido encontram-se as p alav ras de Gustavo Binenbojm: 43 ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 177. 44 ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 179. 38 O re f eri d o p ri nc í pi o , po rq ua nt o d et e rmi n e a pref e rên ci a a o i nt ere ss e pú bl i c o di a nt e d e um ca so d e co l i sã o co m q ual q ue r q ue s ej a o i n t er e s se p ri va do , i nd e pe nde nt e m e nt e d a s vari a çõ e s pr e sent e s n o ca so co ncr e t o, t erm i n a p o r su p ri m i r o s 45 e sp aç o s p ara p on d era çõ e s. No campo no rma tiv o, a supremacia do in te resse público, de acordo c om Hu mb erto Áv ila, não é c onsiderada norma-princípio por não deriv ar de uma análise s istemátic a do Dire ito, isto é, não é uma ideia alcançada pela a nálise de v ários dispositiv os legais , res tando, pois, u ma ausên cia de fundamento de v alidade. Em v irtu de de n ão permitir a separação do interesse público do priv ado, p osição essa que acaba prejudicando a própria ideia do princípio, não h á como e xistir a prev alência de um interesse sobre o outro, já que amb os encontram-se agregados, além d e seu conteúdo indetermináv el, o que v ai de confronto co m os intere sses priv ados. Por fim, ainda que superados esses argumentos, n ão o é por s er incompatív el com as normas constituc ionais, principalmente no tocante ao postu lado da proporcionalidad e. Trat a- se, em ver da d e, de um do gm a at é hoj e d e scri t o se m q ua l qu er re f eri b i l i d ade à Co nst i t ui ç ão vi g ent e . A s u a q ua l i f i c aç ão com o a xi om a bem o e vi d e nc i a. Ess e n om i na d o p ri nc í pi o nã o e nco nt ra f und am e nt o de va l i d ade na Co n st i t ui ç ão b ra si l ei ra. Di sso re sul t a um a i m port a nt e c on se q uê nc i a, e de gra n de i nt er e sse pr át i c o: a ap l i c açã o d o Di rei t o na á r ea do Di re i t o Adm i n i st r a t i vo b r asi l ei ro n ã o p o d e ser f e i t a sobr e o i nf l uxo de u m p ri nc í pi o de p re va l ên ci a (com o 46 n orm a o u c om o po st u l ad o ) em f avor d o i n t ere s se p úb l i c o. O su posto princípio não seria p rinc ípio dev ido à imposs ibilidade de tê -lo ponderado ante aos de mais princípios, ou seja, ele n ão se ria u ma nor ma-princípio. Os p rinc ípios seriam carac te rizados pela sua aptidão e necessidade de pon deração, o que, a prior i, s eria excluído no caso de prevalênc ia do interess e púb lico, v ez que este deve ter ma ior peso 45 em relação ao particular, co m abstrata prioridade , BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 95. 46 ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 202. 39 independe te mente dos interesse s privados correlacio nados. Constitui, assim, u ma regra ab strata de preferência , mas nunca uma n orma princípio, pois, cas o contrário, adimit ir-se-ia a exis tê ncia també m de u m princípio da p rev alência dos interesses priv a dos. A c onstituição é permeada de prin cípios normativ os, voltado s à proteção d a esfera indiv idual. Humbe rto Áv ila, baseando-se na teoria de Robert Alex y 47, deduz que a proteção ao s interess es priv ados, no caso d e dúv ida e em igua is condições nos casos concretos , devem prev alecer quando em confronto com bens coletiv os, tend o em v ista o caráter fu ndamental que as sume m no Direito Constituciona l.Trata -se de ônus argume ntativ o em fav or do indiv íd uo, no sentido de uma ex igência maior e m relação às razões do in te resse co letiv o, cu ja solução se rá verificada dian te dos casos concretos, já que os interesses pa rtic ular e coletiv o estão, em abstrato, atrelados. Analisa ndo o tema sob a perspectiv a de Peter Häberle 48, Hu mberto Áv ila afirma que se torna prejudicada a prev alência de u m dos interesses, público ou priv ado, s obre o outro, pois há uma conexão estrutural entre ambos, c omprov ando a nov a e móv el relação en tre a mbas as medidas, e m ra zão de que ele men to s priv ados estão incluídos nos próprios fins do Estado. No mes mo s entido, afastaria-se a compatibilidade do princípio com os postulados no rmativ os extraídos de n ormas cons titucionais, cuja função é de direcion ar a interepretação na resoluç ão d os conflitos nos casos concretos, visando a má xima realizaç ão dos interesses env olv idos. O autor refuta a c aracterização do suposto princípio como nor ma-princípio, regula dora das re lações entre Estado e particular, e como princípio interesse público relac ional, enquant o regularia a supre macia do do Estado frente a o particular. Esse conteúdo nor mativ o pressupõ e a possibilidade de conflito entre o interesse 47 ALEXY, Robert. Individuelle Rechte und Kollektive Güter. In: Recht, Vernunft, Diskurs. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1995, p. 216-217. 48 HÄBERLE, Peter. Offentliches Interesse als juristisches Problem. Bad Homburg, Athenaum, 1970, p. 528. 40 público e o p artic ular no exercíc io d a funç ão administrativ a, co m solução fav oráv el ao interess e público. O interes se público, tal como fo i descrito pela dou trina clássica, não s e iden tificaria co m o be m co mum u ma v ez que bem co mu m é a própria compos ição harmônic a do be m de cada um co m o de todos; não o direcionando d essa composiçã o em f av or do interesse pú blico. Hu mberto Áv ila aponta o us o indiscriminado do te rmo princípio como funda me nto e explicaç ão a toda e qualque r situação jurídica. A teoria jurídica padece de inadeq uação semântica. O que a clás sica doutrina denomina de princípio, como ideia normat iv a gera l, são na verdade p ostulados normat iv os , decorrentes da ideia de Direito e do princípio da jus tiça, que poss uem c ará te r normativ o, mas não a qualidade de normas de c ompo rta me nto dev ido a sua falta de deter minaçã o. Segundo Jose Afonso da Silv a 49, o ve rdad eiro sentido para a palav ra princípio, en quanto relac ionada aos d ireitos funda mentais é a de que a mes ma exprime a no ção de manda mento nuclear de u m sistema. No entendimento contrário, da compatibilida de do princípio, o postulado similar e adequ ado supostamente seria o da proporcionalidad e que , por vezes , é tido como princípio , mas , na verdade, não possui característica de prin cípio. Con tu do, conclui o autor pela incompatibilidade do pos tulado da proporcionalid ade com u m “prin cípio de prevalência” que exclui qualquer poss ibilidade de ponderação em relação aos interesses env olv idos. O q ue não pode ser constestado, segundo Humb erto Áv ila, é que a análise feita pelo judiciário deve b uscar a determinaç ão e a descrição dos critérios intersubjetiv os para a definição do in te resse público. Tais critérios são obtidos por meio da análise da Cons titu ição e das normas contidas nas leis. Assim sen do, o interesse público receberia prev alênc ia somente e m alguns casos de conflitos com os interesses priv ados. Dessa ponde raç ão, não obstante, conclui-s e que a expressão 49 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2010. P.84. 41 “intere sse público” perde sua relevância normativ a como n orma - princípio. Dessa forma, resulta de toda essa discuss ão acerca do princípio, segundo Humberto Áv ila, u ma conseq uência que merece destaque: a supremac ia do interes se público so bre o priv ado não pode ser considerada uma nor ma-princípio , pois a admin is traçã o não teria per missã o para exigir que os p artic ulares se c omporta ssem de acordo com esta su pre macia, e a ún ica explic ação pla usível p ara a relação existente entre interesses públicos e priv ados está no p ostulado da reciprocidade de interesses , “o qu a l imp lica u ma princ ipa l ponderação entre interesses recipro camente relacionados (ou inter ligados ) fundamentad a na sistematização das normas cons tituciona is ”. 50 Para qu e haja o interesse públic o, nele dev erão estar inseridos interesses privados que têm que s er respeitados e não apenas suprimid os e m v irtude d e um dog ma, o q ue i mplicaria e m não analis ar, diante do cas o concreto, a sua relev ância. Segundo Daniel Sar mento, do ponto de v ista da teorial moral , essa su pre macia, nu m prime iro mo me nto, poderia ser explic ada a partir de duas perspectiv as: organic ista e utilitarista. A c oncepção organicis ta rejeita a ética liberal, is to é, ao contrário da ide ia indiv idualista de que o in div íduo dev e prevalec er, sendo ele a justificativ a para a própria existência do Es tado, para o organicismo o objetiv o de c ada indiv íduo dev e ser a realiza ç ão dos bens coletiv os pelo Estado, prevale cendo, portanto, este em detrimento do indiv íduo . 51 Fica claro que essa c oncepção vai de c onfron to com as ideias constituc ionais, que abarcam a mp la d efesa aos interesses indiv iduais, atrav és da pro teção aos direitos funda mentais, principalmente a dignidade da pess oa h umana. Isto não quer dizer que o indiv id ualismo 50 ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 214. 51 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 52-53. 42 seja o melhor ca minho, p ois a prima zia dos interess es in div iduais e m face dos públic os não é estanque, uma v ez q ue a própria Constituição, algu ma s v ezes, acaba limitando estes interess es indiv idu ais, v isando a proteção de interess es gerais da sociedade. Por sua v e z, a conc epçao utilitarista busca pro mov er os interesses dos indiv íd uos qu e compõe a soc iedade, ou seja , em caso de conflito, atribui-se o mesmo peso aos interess es de cada indiv íduo, justifican do-se o sacrifício de alguns desses interess es ind iv iduais se houv er um gan ho ma ior nos interess es de outros indiv íd uos. (. . . ) o m el h or ca mi nho a s er seg u i do em ca da ca so s er á a qu el e q ue prom o ver, em m ai o r e sc al a , o b e m-e st a r, o pra ze r, a f eli c i da de o u a s pref e rênc i a s raci on a i s d o ma i or nú me ro d e 52 p e s so a s. Embora poss a parecer que a ideia utilitarista s eja mais comp atív el com as idéias c onstitucion ais, Daniel Sar mento af irma se tra ta r de u ma engano. O ut i l i t ari smo nã o t ra t a a de q u a dam e n t e os di rei t o s f u nd am ent a i s c om o d i rei t o s si t ua do s ac i m a d o s i n t er e s se s d a s m a i ori a s. Para o u t i l i t a ri sm o, o s di re i t os f und am ent a i s d e ve m ser re spe i t ad o s se i st o con vi er à p ro m o çã o d o be m -e st ar g er al – i de nt i f i c an do- se e st e c om o s i n t ere s se s i nd i vi du a i s p re val e sc ent e s em c ad a s oc i ed a de . Só q ue a i de i a d e e st a be l ec er c o n st i t uc i on al m en t e di re i t os f un dam e n t ai s – e , m a i s d o q u e i s so , de p r ot eg ê-l o s, c om o cl áu sul a s p ét rea s (a rt . 6 0, §4 º, i nc i s o I V, CF), di a nt e do p rópri o p ode r c on s t i t ui nt e d eri va d o – d e svel a , a o no ss o ve r, o f i rme p rop ó si t o d o c on st i t u i nt e de col ocá -l os f ora do c om érc i o p o l í t i c o, aci m a d o s d e sí gn i o s e i nt ere sse s d a s m ai ori as d e c ada m om e nt o . O s d i rei t os f u nda me nt a i s sã o p rot e g i do s, po rt an t o, m e sm o q ua n do c on t rari em o s i nt ere sse s d a ma i ori a d os m em br o s d a c ol et i vi da de. (. . . ) m ui t as ve ze s o s di rei t os f u nd am e nt a i s re pre se n t am ob st á c u l os i m po st o s c o nt ra as p re f erê nci a s m a ni f est ad a s p e l a ma i or part e do s i nt e gran t e s de um a soc i ed ad e po l í t i ca . E e st e é, a l i ás, um do s p ap ei s ma i s 53 i mp ort an t es do s di re i t os f un da me nt ai s (. . . ). 52 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 60. 53 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 61-63. 43 Para Danie l Sar mento, a v is ão mais a propriada é a personalista, pois emb ora o personalismo confirme a preponderânc ia da pessoa hu mana face ao Es ta do e a capacidade do in div íduo de trilhar seus projetos de v ida, pressup õe n ecessária a atuaç ão d o Estado para superar c arê ncias huma nas materiais. O p ers onalismo “não conce be o ind ivíduo como u ma ilha, mas como ser so cial, c uja persona lidade é compo sta também por uma re le vante d imens ão colet iva.” 54 Assim, baseado n essa con cepção e analisando o â mb ito dos direitos fundamentais, o autor consid era qu e antes de se falar e m ponderação, torna-se de extrema imp ortânc ia v erificar se, de fato, existe na situaç ão concreta um v erdadeiro conflito entre interesse público e p riv ado. Paulo Ric ardo Schier també m c o menta ac erca do assunto, consideran do que os interess es privados não podem s er v istos e m último p lan o, a penas cas o não existam interesses púb licos. (. . . ) ao c on t rá ri o, o s d i rei t o s f un dam en t ai s “p ri va do s” d e ve m i nt eg rar a p ró pri a no çã o do q ue se j a o i nt e re sse p úb l i co e e st e som en t e se l e gi t i m a na m ed i da em que ne l e est ej am pr e sen t e s a qu el e s. A reg ra, p ort an t o, é d e q u e nã o se e xcl u em , po i s c om põ e u ma uni dad e no rma t i va e a xi o l óg i ca . 55 Essa unidad e a que o autor se refere trata -se da unidade constituc ional. A Cons tituição deve ser respeitada e q uando ne la não houv er uma opção, em ca so de c onflito, entre interess es públicos e priv ados n ão se pode pender para o público como se esta fosse a solução apresentada, afirmando u ma h ierarquia deste sobre aque le. “Em ou t ras p al a vr a s, a re gra, s em pre , é a u n i da de . I nt ere sse s p úb l i co s e pri va d o s nã o se c o nt ra di zem , n ã o se neg am , n ã o 54 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 87. 55 SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a Supremacia do Interesse Público dobre o Privado e o Regime Jurídico dos Direitos Fundamentais, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 228. 44 se e xc l ue m. Tai s i nt e re s se s, an t e s, h arm on i za m -se. 56 re al i zaç ã o de u m i mp ort a na re al i zaç ão d o o ut ro. ” A No mes mo sentido pode-se recorrer às p alavras do juris ta Luís Rob erto Barroso: P oi s b em : em um Est ad o de di re i t o dem oc rát i c o, assi n al a d o p el a c en t ral i d ad e e su pr em ac i a da Co n st i t uiç ão , a re l ai zaç ã o d o i nt e re s se p ú bl i c o pri m ári o m ui t a s ve ze s se c on sum a a pe n a s p el a s at i sf aç ão d e det e rmi nad o s i n t ere s se s pri v ad o s. S e t ai s i n t er e s se s f ore m p rot e g i do s po r um a c l áu sul a d e d i rei t o f u nda me nt a l , n ã o há de h a ver qua l qu er d ú vi da . A sse gu rar a i nt e gri da de f í si c a d e u m det e nt o , pr e se r var a l i be rd ad e d e e xp re s sã o de um j orna l i st a, p rov er a e d uc aç ã o p ri m ári a de u m a cri a nç a são, i ne q ui v oc a m ent e , f orm as d e re al i zar o i n t ere s se p úb l i c o, me sm o qu a n do o b en e f i ci á ri o f o r u m a ún i c a pe ss oa pri vad a . Não é p or o ut ra ra zã o q ue o s d i rei t os f u nda me nt a i s, p el o m en o s n a e xt en são de seu n úc l e o e ss en ci a l , sã o i n di s po ní ve i s, cab en d o a o E st ado a s ua d ef e sa , a i nd a q ue c on t ra a von t a de e xp re ss a d e seu s t i t ul a re s 57 i me di a t os. Acerca dessa abordagem da ind issociabilida de do interesse público , Gustavo Binenboj m ta mbé m a testa a importâ ncia de u ma ma ior reflexão, p ois, p ara ele, esta indissociabilidad e não adv ém apena s do fato de que o Estado deve atender e pro te ger as garantias e direitos indiv idu ais prev istos no ordenamento, mas traduz a ideia de q ue não hav erá desv io d e fin alidade quando realizado u m interesse priv ado, e m caso de c onflito com u m interesse público. V erif i c a-se qu e a pro t eç ã o, em bo r a pa rc i al , de u m i nt ere s s e p ri va d o c o n st i t u ci o nal me nt e c on s ag ra do p od e re pr e sen t ar, d a m e sm a f orm a, a rea l i zaç ã o de um i nt er e ss e pú bl i c o. Ao c on t rári o do qu e se co st um a apre goa r, a sa t i sf a çã o d e u m 58 p od e re p re se nt a r, i gua l m ent e , a p rom oç ão d o ou t ro. Assim, v erific a-se qu e não há como sus te ntar uma indiss ociabilid ade entre in te resse público e priv a do. De fato, se um não 56 SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a Supremacia do Interesse Público dobre o Privado e o Regime Jurídico dos Direitos Fundamentais, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 234. 57 BARROSO, Luís Roberto. Prefácio, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. xiv. 58 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 97. 45 existir o outro não existirá, como se atesta no p róprio c onceito de interesse pú blico, sen do fundamen ta l, portan to , esta harmonia entre a mbos . Faz-se importante abordar o entendimento do porfess or Marçal Justen Filho a res peito do dito princípio da sup remacia d o interesse público s obre o priv a do. Após s eu estudo acerca d a n oção de interesse público , conc lui q ue a suprema cia do interess e púb lico é inc ompatív el com o Estado De moc rátic o de Direito. O cri t é ri o d a sup re ma ci a do i nt ere s se pú b l i c o n ão perm i t e re so l ve r de m od o s at i sf at ó ri o o s con f l i t o s, n em f o rn ec e u m f u nd am ent o co n si st e nt e par a a s d ec i sõ e s a d m i n i st ra t i va s. Co mo re sul t a do p rá t i c o, a a f i rma çã o da sup r em ac i a res ul t a n a a t ri bu i çã o a o g o ve r nan t e d e um a m a rgem i n det e rmi nad a e i nde t erm i ná ve l de au t on o m i a p ara i mp or sua s e sc ol h a s i ndi vi d uai s. O u s ej a, o go vern a nt e a ca ba p or esc ol her a sol uçã o q ue b em l he ap ra z, j u st i f i c an do -a p or me i o d a e xp re ssã o “su prem ac i a do i nt e re sse pú b l i co ”, o que é i nc om pat í vel c om a pr ó pri a f un çã o re se rva d a a o di re i t o 59 a dm i ni st rat i vo . Essa ideia, então, res ulta no interesse púb lico não como resultado, mas sim c omo u m pressupos to de dec isão, já que, p ara ele, “não há um interesse público prévio ao dire ito ou anter ior à at ividad e decis ória d a a dmin istração pú blica”. É qu e a d ecisão administrativ a que respeita o reg ime juríd ico-administrativ o e, fundamentalmen te , respeita os direitos fundamentais, por si só traduzirá o interes se públic o. 60 Nesse ponto da discussão, torna-se fu nda mental a abordage m de u ma questão que se abre. Como já v em sendo men cionado, muitas vezes o princípio da su premacia do in te resse p úblico sobre o priv ado dá marge m ao seu uso pelo a gente pú blico de fo rma arbitrária, isto é, acaba se ndo o funda mento para atitudes e d ecisões to madas pelo agente públic o que não condize m co m o papel do Estado e m s i. Impo rtante aqui abordar a ide ia de d iscricionariedad e. Segundo Dio go Moreira Neto, pode s e dizer que : 59 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 45. 60 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 46. 46 A d i sc ri c i ona ri ed ade é, po rt a nt o , um a t éc ni c a j urí d i ca , que se d e st i na a si n t on i za r a aç ã o a d mi ni st rat i va c o nc ret a à i dei a d e l egi t i mi dad e c ont i da n a l e i , o q ue a a s se me l h a , de c ert o m o do , a o i n st i t u t o d a de l eg a çã o, qu e se ri a o ut or g a da p el o l eg i sl a do r a o ad mi ni st ra do r p ú bl i co , n a pró pri a l e i , para que e st e p o s s a f a ze r a n ec e ssári a i n t egra ç ão ca su í st i c a, na o ca si ã o e n o m o do m ai s ad eq u ad o, pa ra sat i sf az er a f i nal i dad e p úbl i ca l ega l m ent e i m post a. 61 Embora e sse ins tituto da discricionaried ade seja característico do Direito Ad ministrativ o, dev e-se tomar mu ito cuida do ao aplicá-lo diante da realidade e d o caso concre to. Face a ideia de sup remacia, não se pode ter a penas o interesse público co mo objetiv o e fundame nto exclusiv o para se tomar u ma decisão. Co mo destaca o c onceito citado, o agente público precisa analisa r o c aso c oncreto q ue exige es te ato discricio nário e de forma adequada, então, procurar satis fa zer da melhor maneira a finalidade impos ta p ela lei. Iss o não sign ificaria dize r, portanto, que se deve sacrificar o interesse indiv idual em fac e do interess e público.Ness e sentido, destaca Alex andre Santos de Aragão que: J á qu a nd o o i nt érp ret e se de p arar c om s i t ua çõe s p ara a s q ua i s n ão e xi st a n orm a pré -p on d era n d o os i nt ere sse s e n vol vi d o s, e m q ue n ã o h á c om o se pr e ssup o r um a ne c e ssári a su p rem ac i a d e al g un s de ss e s i nt e re sse s so b re o s o ut r o s, de ve re al i zar a p o nd er aç ão d e i n t ere s se s i n c o n cret o , à l uz d o s val ore s c on st i t u ci o na i s e n vo l vi d o s, q ue po d e m pe sa r, o ra e m 62 f a vo r de i nt ere sse s p úb l i c os, ora d e i n t ere s se s p ri va do s. Dessa man eira , esta v is ão que critica o princ ípio da s upremacia do interesse público so bre o particular e d efende u ma análise do caso concreto para se determinar o intere sse público, v is a coibir justamen te este a gir arbitrá rio do ag ente público, o qual utiliza a suprema cia do interesse público como funda mento , muitas 61 v ezes, para justific ar MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: Parte Introdutória, Parte Geral, Parte Especial. 14ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 98. 62 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, in Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coord. SARMENTO, Daniel). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. P. 5. 47 interesses p olíticos e pessoais, deixando de atender ao verdadeiro interesse da s ociedade. Relev ante, ainda, abord ar o posiciona mento d e Od ete Med aua r acerca d o tema tratado aqui. A auto ra considera o interesse público como “fundamen to e f im de e xerc ício de funç ões, s endo a s upremacia do in te res se público e a su a ind is po nib ilidad e pe lo agente pú b lico, a base norteadora do pró prio Dire it o Admin istrat ivo”. A noção de interesse público, pa ra ela, estaria associa da “ao que d everia ser o bem de toda a cole tiv idade, a uma pe rcepção geral da s e xigências da comun idade ”. 63 Entretanto, e mb ora reconheça a ex istência do princ ípio da supremac ia do interesse púb lico sobre o priv a do, a referida au to ra ta mbé m reconhec e a mudanç a de pensamento q ue v em oc orrendo em torno desta suprema cia, escla rec endo que a ideia é qu e: (. . . ) à Adm i n i st ra çã o ca b e real i za r a po nd e raçã o d o s i nt ere ss e s pre se n t e s num a d et e rmi n ad a c i rcu n st â nc i a, p ar a q ue n ão oc orra sac ri f í c i o a pri o ri de nen hu m i n t ere sse; o o bj e t i vo d e ss a f unç ão e st á na bu sc a d e c om pa t i bi l i da d e ou c on ci l i aç ão d os i nt e re ss e s, co m a m i ni mi zaç ão d e sac ri f í ci o s. 64 Assim, ape sar de Odete Meda uar não contestar a existência do princípio, sua ide ia é dar uma no va formulação ao p rinc ípio da supremac ia do interesse público sobre o priv ado. E é exata mente nesse sentido que o te ma será abordado no próximo capítulo, onde se refuta a ideia de de sconstrução do princ íp io e indica u ma nov a abordage m propondo-se uma recon strução da noção do princípio d a supre macia do interesse público sobre o privado. 63 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2006. P. 176-179. 64 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 48 4.3. RECON STRUÇÃO A ideia de re construção do princípio da supremacia do interesse público sobre o desconstrução. Os p riv ado s urge defens ores a partir da desse princípio própria ideia de consideram que a proposta de desconstrução é muito precipitada, pois a sup remac ia do interesse público seria o alice rc e das estruturas democráticas . Esses autores não deixam de reconhe cer, poré m, que existe m proble mas que env olv em esse princípio. Não há como ne gar que o principal problema acerca do princípio res ide na forma com q ue o agente público irá manipu lar o princípio. Os admin istradores, em grande parte, desv irtuam a ideia do princ íp io fa zend o co m qu e a realização prática de le sirv a para v iabilizar, inclusiv e , interesses particula res dos agentes pú blicos. É j u st a me nt e n a s pre ci o sa s l i ç õe s do s j o ve ns q ue s e pr op õ e ra di c al m en t e a d e sco n st ru i r o p ri nc í pi o d a su pre ma ci a d o i nt ere ss e p ú bl i co , qu e i re mo s e nc o nt ra r ba se s p a ra a c on st ru ção d e su a v erda dei ra c onc e p ção , à l u z da me l ho r d ou t ri na e d o s s up rem o s val o re s f u nda m e nt ai s de n o s so p róp ri o o rde n am e nt o j u rí di c o-co n st i t uc i on al , que nã o p o de m ser e sq uec i d o s, n em de sre s pei t ado s. Da s l i çõ es do s c i t ad o s au t o re s e xt rai -se a ve r dad ei r a d i m ens ão d o i nt e re s se p ú bl i c o, d e vi da me n t e si t u ad a de nt r o d a s p ec u l i ari dad e s do o rde n am e nt o j u rí d i c o -c onst i t uc i o nal b ra si l ei ro , qu e pri vi l e gi a o s d i rei t o s f u nda m e nt a i s d o s c i d adã o s e q ue t em co m o ce nt ro n ort e a d o r o p ri nc í pi o d a 65 d i gn i da de d a p e sso a hum a n a. Critica-se a do utrina que pretende descons truir o princípio da supremac ia a partir da própria crítica por eles feita . Esquecem os autores da crítica d e observa r que ao criticar o princípio, a ta ca -se o próprio fundamento do Estado. Se é d ever do Estado tute lar os interesses da s ociedade, não há como se pensar num Estado onde não exista uma supre macia do interes se público, já que e ste representaria o interesse da própria soc iedade. O Direito Ad ministrativ o é um dos principais instru mentos de aplicaç ão da Cons titu ição qu e deseja a proteçã o da s ociedade como 65 BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: Desconstrução ou Reconstrução. Revista Diálogo Jurídico, Salvador nº15 – Janeiro/ Fevereiro/ Março de 2007. Página 17. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em : 28/03/2010. 49 um todo. Aq ui, o princípio é a nalis ado c omo funda me nto de legitimidade do regime jurídico -ad ministrativ o. Pretende-se promov e r reflexões tendo-se como base as críticas e reflexões feitas pela doutrina que v isa desc onstruir o princ ípio. Alé m d isso, busca -se fornecer alternativ as e respos tas interpretativ as para uma adaptação da ideia de supremac ia do interes se público sob re o priv ado. Isso tudo inserido numa perspec tiv a pós -positiv ista, n a tentativ a de se pres erva r e promov er aspectos que reflete m um D ire ito Ad ministrativ o equilibrado. Desde já é impresc indív el afirmar que a ideia de que o interesse público se mpre prev alesce sob re o interesse priv ado nã o é v erdade ira. Ao se dizer que o interess e públic o dev e pr evalesc er em rela ção ao interesse privado não se preten de es ta belecer uma condição que semp re inc ide no caso c oncreto. Trata-se aqu i d e um princípio e não de u ma regra. O in te resse público não se enc ontra ap enas no Direito Ad ministrativ o. Verifica-se uma c rescente in fluência no â mbito do Direito Priv ado a preoc upação co m o social, com os interesses da socie dade como u m todo. A função socia l d o c ontra to e da propriedade são provas de que cada vez ma is o D ireito Públ ico, ilustrado na figu ra do interesse públic o e da funçã o s ocial, influenc ia a nor matização be m como a aplica ção do Direito Priv ado. Por isso, a doutrina q ue critíca o princípio da s upre macia do interesse p úblico camin ha no sentido oposto ao ordenamento jurídico. É um a do ut ri n a qu e c am i nh a na con t ram ão d e d i reç ão, q ua n d o se c on si d er a t a mb ém q ue n o p ró pri o âm bi t o d o di rei t o p ri va d o (d e ori g em i ndi vi d ual i st a ), é c re sc en t e a i n f l uên ci a do di re i t o p úb l i co e a preo c u paç ão c om o so ci a l , e m de t ri m ent o d o i ndi vi d ual . É o qu e se ob se rv a n o Có d i go Ci vi l d e 2 002 , co m a i dei a de f un çã o s oc i al d o con t rat o (a rt . 4 2 1 ); t am bé m co m o p rec ei t o do art i go 1. 2 2 8, q ue a ga sa l ha a i d ei a de f unç ã o s oc i al da p ropri eda de, ao d et erm i na r q ue “o di re i t o d e p rop ri ed a de de ve ser e xe rci d o em c o n son â nc i a c om a s su a s f i nal i da des e co n ôm i c as e soc i ai s e de m od o que sej a m p re ser va do s, d e co n f orm i da de c om o e st ab el e ci d o em l e i e sp ec i al , a f l ora, a f aun a, a s be l e za s n a t urai s, o e q ui l í bri o e co l óg i co e o pa t ri m ôni o hi st óri c o e a rt í st i co, b em c om o e vi t ada a p ol u i çã o do ar e da s ág u a s”; o me sm o sen t i d o p rot e t or do i nt e re sse p úbl i co se co nt ém no §4º so a rt i g o 50 1 . 22 8, qu e p re vê a p erd a da p ro pri e da d e se “o i m óv el re i vi ndi cad o co n si st i r em e xt e n sa ár e a, na p o sse i n i nt erru pt a e de b o a-f é , p or m ai s d e c i nc o a no s, d e co nsi der á ve l n úm er o d e pe sso a s, e e st a s ne l a ho u v erem rea l i za d o, e m c onj unt o ou se p ara d am e nt e, o bra s e se r vi ç o s c on si de r ado s pel o j u i z d e 66 i nt ere ss e s oc i al e co nôm i c o rel eva nt e . ” A dou trina a fav or da desconstrução do princípio compõe , sob u ma das perspec tivas adotadas pelo s a utores q ue de fe nde m essa ideia, o ch amado dire ito ad min istrat ivo ec onômic o, onde se procu ra proteger o interesse ec onômic o e m detrimento de o utros interesses igualmente tute lados pelo ord enamento jurídic o bra sileiro. “É necessário ter pres ente que o direito ad ministrativ o econômico não substitui o dire ito ad ministrativ o tradic ional. Ele é apenas p arte do direito ad ministrativ o. É um capítulo deste e submete -se ao s mesmos princípios .” 67 Essa importân cia dada ao â mbito ec onômic o representa um verdadeiro retrocesso, já que retoma conc epções ultrapassadas do século XVIII onde a preocu pação prin cipal não era com os interesses da sociedade , ma s s im co m os intere sses econô micos de u m pequeno grupo de indiv íduo s. A dou t ri na qu e s e c on si de ra i n o v ado r a c om põe , so b c ert o a sp ec t o, u ma al a re t róg a da, p orq u e pr eg a a vo l t a d e p ri nc í pi o s p ró pri o s do l i be ral i smo , q ua n do se p rot eg i a a pen a s u m a cl ass e soc i al e i ne xi st i a a pre o cup a ç ão c om o be m c om um , co m o i nt e resse pú bl i c o. El a rep rese nt a a v ol t a d o s i dea i s, at é p orq u e se op õe a o s i dea i s ma i ore s qu e co n st am d o p reâ mb ul o e do t í t u l o i ni c i al d a Con st i t u i çã o, p ara v al o ri za re m e xc e s si vam en t e de t erm i na d o s pri n cí pi os d o ca pí t u l o d a ord e m e co nôm i c a, pri vi l eg i an d o a l i be rdad e d e i ni ci at i va e d e 68 c om pe t i çã o. 66 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O Princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos Ideais do Neoliberalismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 101. 67 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O Princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos Ideais do Neoliberalismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 101. 68 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O Princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos Ideais do Neoliberalismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 101. 51 A publicizaçã o anterior mente, não do pode Direito ser Priv ado, imper ativ o como foi nec essário abordado pa ra que s e priv atize o Direito Públic o. U m dos grandes motiv os da public ização do Direito priv ado é o fato de existir uma nítida des igualdade socia l que per meia a realidade brasileira e não u ma tentativ a de se estabelec er u m Estado totalitarista. (. . . ) o f at o d e o d i reit o pri vad o t er si d o a l vo, m orme nt e apó s o f e nô me no d a so ci e dad e de m a s sa s, d a r e st ri çã o da e sf e ra d a a ut o nom i a da von t a de em no me de um i nt erve n ci o ni smo / di ri g i smo e st a t al , q ue t e m re l aç ão com o a um en t o d o núm ero d e n orm a s c on si de rada s de or de m p úb l i ca , nã o é i m pera t i vo ne c e s sá ri o à c o nc l us ão d e q ue , e nt ã o, t a mb ém o Di rei t o Adm i n i st ra t i vo d e ve ser d e sv e st i do d o re gi m e j u rí di c o p úbl i co para que haj a a “ sí nt e se” d e um di rei t o l i vre de d i c ot om i a s e , port a nt o, pret e n sa me nt e “equ i l i b ra do ”. 69 A desc onstrução do princípio da s upremacia do interesse público , ness e s entido, intere ssaria aos gru pos que desejam u ma atuação estatal subordina da aos seus interess es particulares . A desconstrução do p rinc ípio serv e tanto para u m d is curso ultraliberal como ta mbé m para um discurso neoliberal. Ten ta -se limitar interv enção estatal e m todos os âmbit os, principalmente o eco nô mico. a 70 De tod o mo do, o interesse públic o que se rv e de funda mento a o Direito Ad ministra tiv o é o interes se primário, que corresponde não apenas à realização dos in te res ses da coletiv idade mas també m à realizaçã o dos v alores fundamenta is cons agrados na Co nstituição Federal. Esse interesse é público, pois coincide com o querer majoritário de toda a s ociedade. Salienta -s e que o interesse público não se contrapõe aos interesses particulares, mas e stes comp õe dire ta ou indireta men te a quele. A suprema cia do interesse pú blico sob re o in te resse privado subsiste como funda mento da ativ idade ad min istrativ a, para a efetiva 69 NOHARA, Irene Patrícia. Reflexões Críticas Acerca da Tentativa de Desconstrução do Sentido da Supremacia do Interesse Público no Direito Administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 129-130. 70 NOHARA, Irene Patrícia. Reflexões Críticas Acerca da Tentativa de Desconstrução do Sentido da Supremacia do Interesse Público no Direito Administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Organizadores). Supremacia do Interesse Público e Outros Temas Relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. P. 141. 52 garantia dos dire itos fu ndamentais , e, e m caso de conflito entre esses interesses , faz-s e flexibili zação, razoabilida de. necessária med iante a utilizaç ão aplicação de da ponderação princ ípios como e o da da 53 CO NSID ER AÇÕES FI NAI S As aspirações trazid as pe lo Estado De mocrático de Dire ito , principalmente a ide ia de de mocracia e o respeito aos direitos e garantias fu ndamentais do cidadão, influenciaram direta mente o ramo do Direito Ad ministrativ o, pass ando-se a questiona r u m dos ma iores , senão o principal paradigma: o Princípio da Sup re macia d o Interesse Público sobre o Interess e Particular. Embora defendid o por grande parte da doutrina brasileira, a qual se comp õe c om grandes nomes do Dire ito Ad ministrativ o, questiona -se esta supremacia impos ta po r long os anos, busc ando -se a quebra desde paradig ma, que s e to rnou insustentáv e l na socieda de em que está inserido. Essa público . análise Apes ar conclus iva de ser inica-se considera do no c onceito como de interesse indeter minado no ordenamento juríd ico, seu conteúdo é possiv elmente determinado no caso concreto. Muitas v ezes, pe rde -se o norte desta delimitação por considerá-lo como u m so matório de interess es ind iv iduais , ou mes mo apenas como u m interess e da soc iedade, quando na realid ade o interesse público vai alé m de ssas afir mativ as. Daí, então, p ode-se chegar a uma concepç ão soc ial de interesse p úblico, po is se rá interesse público aquele in te resse indiv idual de cada partic ipante na socie dade qu e está inserido, v isando aten der o be m co mu m e o be m estar socia l, o u seja, garantir a dignidade da pesso a humana. Assim, não há co mo se falar de interesse público sem deter miná-lo diante do caso concreto, pois somente dess a forma é que se poderá verificar qual intere sse públic o que se pretende atingir. Essa noçã o de interesse público é de extrema imp ortânc ia p ara se entender a desconstrução d o princípio da supre mac ia do interesse público e a ideia de ponderação. Portanto, com base nas nov as vozes pub licistas do país, verificou-se a n ecessidade de se reavaliar a noçã o de supremac ia do interesse público no Direito Ad min istrativ o Brasileiro. 54 Essa reavaliação , no entanto, ac abou to ma ndo proporções exageradas , c hegando-se a cogita ção da desconstrução do principio da supremac ia do interess e público sobre o privado. A dou trina ultrapassou o s imples q uestionamento do princípio e busc ou negá-lo. A partir des sas crític as que foi possível o nasc imento de u ma nov a noção ac erca da ideia de intere sse público e, cons equenteme nte , do p róprio princípio da s upremacia do interes se pú blico sobre o priv ado. Torna-se fundamental salientar, para efeito de conc lusão, que de nada adianta a d outrin a, a te oria , b uscar a me lhor conc eituação e delimitaç ão dos institutos jurídicos , se a prática não caminhar no mes mo sentido. 55 REFERÊNCI AS BIBLIOGRÁFIC AS ALEXY, Robert. Individuelle Rechte und Kollektive Güter. In: Recht, Vernunft, Diskurs. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1995 ARISTÓTELES. A Ética. Tradução de Cássio M. Fonseca. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1991. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª Edição. São Paulo: Melheiros, 2001. BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: Desconstrução ou Reconstrução. Revista Diálogo Jurídico, Salvador nº15 – Janeiro/ Fevereiro/ Março de 2007. Disponível em: www.direitopublico.com.br. Acesso em : 28/03/2010. BREUS, Thiago Lima. 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