Carta aos cotistas – novembro 2015 N “Au milieu de l'hiver, j'ai découvert en moi un invincible été” (Albert Camus) ovembro foi marcado por duas tragédias que repercutiram mundialmente: o rompimento das barragens em Mariana, Minas Gerais, e os atentados terroristas em Paris. Ambas provocaram forte reação na opinião pública – os atentados, em particular, ensejaram manifestações de horror diante da bárbarie e o assalto aos valores da civilização, bem como apoio e solidariedade às vítimas. Mas nos mercados, exceto pelo tombo nas ações de algumas mineradoras, esses eventos passaram praticamente em branco. Desde outubro os mercados vinham embalados num dolce far niente que em nada lembrava os momentos de tensão extrema, vividos meses antes. Permaneciam alheios, em particlar, à temporada no inferno do Brasil – em que o governo cada vez se atolava mais em contas cada vez mais deficitárias. Em que indicadores ruins sucediam-se com monótona regularidade: queda de 30% nas vendas de automóveis (pior resultado em 10 anos); desemprego atingindo 8,9% (mais alto desde 2012); consumo das famílias recuando 4,5%. Etc, etc. Nada disso abalava os mercados, que até ensaiavam certa recuperação. O pacto entre PT e PMDB parecia ter destravado a pauta do governo no congresso e votações importantes – como a alteração da meta fiscal de 2015, desvinculação de receitas da União e repatriação de recursos no exterior – finalmente começavam a tramitar. Mas quis o destino que novembro terminasse não com um suspiro, mas um estrondo. No dia 24 teve início a vigésima-primeira fase da Operação Lava-Jato com a prisão de José Carlos Bumlai, empresário com íntimas – possivelmente perigosas – ligações ao expresidente, Luís Inácio da Silva. Bumlai já estava na mira do Ministério Público, sua prisão era questão de tempo. No dia seguinte, porém, o país foi surpreendido pela notícia da prisão do senador Delcídio Amaral, líder do governo no senado, e André Esteves, principal acionista do banco BTG Pactual. A dupla foi acusada de obstrução de justiça ao tentar impedir acordo de delação premiada do réu da LavaJato, o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró. Senador e banqueiro obtiveram (ilegalmente) cópias da delação e, sabendo que seriam citados, tentaram comprar silêncio de Cerveró e escamoteá-lo para fora do país. Delcídio foi gravado pelo filho de Cerveró enquanto lhe propunha a fuga na qual o ex-diretor seria transportado, de jatinho, à Espanha. Esteves pagaria quatro milhões de reais a Cerveró pai e 50 mil mensais à família. A prisão de Delcídio, primeiro senador preso no exercício do mandato, mandou pelos ares a frágil trégua política e reacendeu a crise no Planalto. A agenda governista voltou a empacar no congresso. O processo de cassação de Eduardo Cunha, até então cozinhando em banho-maria, voltou à pauta. Acuado, Cunha voltou a ameaçar o governo com abertura do processo de impeachment. Enquanto isso, o Comitê de Política Monetário do Banco Central manteve a taxa de juros inalterada, como esperado. Mas subiu o tom: dois membros votaram pela alta de 0,5% na taxa SELIC (foram voto vencido) e, no comunicado, foi suprimida a frase “a manutenção desse patamar (14,25%) da taxa básica de juros, por tempo suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária”. A mudança é sintomática num momento em que as expectativas para inflação de 2016 ameaçam ultrapassar o teto de 6.5%. Já se disse que o sistema de metas de inflação é o sistema de metas de expectativas de inflação. Se as expectativas se desancoram, como agora, e o Banco Central não reage, passa atestado de omissão e acaba sendo relegado, na percepção dos agentes, a papel passivo na formação de expectativas. Uma breve nota sobre a tragédia de Mariana. O rompimento das barragens da mineradora Samarco despejou, qual praga saída do Velho Testamento, dilúvio de lama tóxica que devastou 15 mil hectares de terras, contaminou 80km de rios, fez duas dezenas de vítimas, deixou milhares desalojados e gerou incalculável prejuízo para fauna e flora. Biólogos relataram que, semanas após o rompimento, a vida ainda retornara aos leitos e margens dos rios contaminados. Apesar de toneladas de peixes e animais mortos, sequer abutres eram avistados nessa terra arrasada. O cenário de desolação é um justo epitáfio para outro mar de lama, o que engoliu a política brasileira, produzindo a maior ressaca econômica desde a Grande Depressão de 1929. O Zarathustra FI teve desempenho de 0.77% no mês, com destaque positivo para os modelos de opções e destaque negativo para os modelos de tendências e cointegração. Equipe Zeitgeist Apêndice: Índice Sortino vs Índice Sharpe O índice de Sharpe é largamente utilizado na análise de fundos de investimentos como medida de retorno ajustado a risco. Como discutimos em cartas anteriores, contudo, o índice possui limitações. Em particular, o Sharpe captura apenas os dois primeiros momentos da distribuição – média e desvio padrão – quando, frequentemente, o maior risco está justamente nos momentos superiores. Outra limitação é que, para efeitos de risco, o índice Sharpe não distingue entre retornos positivos e negativos (uma vez todos são elevados ao quadrado). Assim, retornos positivos elevados (acima da média) são penalizados (podendo, inclusive, reduzir o Sharpe; ver referência). Essa limitação pode ser contornada através de uma modificação na fórmula do Sharpe: a volatilidade dos retornos é substituida pela volatilidade dos retornos negativos (e normalizado pelo fator 1/√2, para que seja comparável ao Sharpe): 𝑆ℎ𝑎𝑟𝑝𝑒 ≜ 𝐸(𝑟𝑖 ) Na tabela abaixo calculamos o índice Sharpe e Sortino para os sete maiores fundos multimercado brasileiros, os índices Bovespa e IMA-B (índice de títulos NTN-B, atrelados à inflação) e o fundo Zarathustra FI. Vemos que a maior diferença diferença entre Sharpe e Sortino aparece no Zarathustra FI, de 12%. A variação revela que a distribuição do Zarathustra é a que tem maior skew para direita dentre as analisadas. Dito de outra forma, a distribuição do Zarathusthra é a mais penalizados pelo uso do índice Sharpe. Tabela 2: comparação de fundos multimercado e índices selecionados (1) 𝜎(𝑟𝑖 ) Observamos que a distribuição “ruim” tem índice Sharpe de 0.93, 12% maior do que a distribuição “boa” – o contrário do que gostaríamos de ver. A distribuição “boa”, porém, tem índice Sortino de 1.07 – 23% maior do que a “ruim”. Justamente o que gostaríamos de ver. Percebemos, por esse exemplo, que o índice Sortino captura o skewness da distribuição e é, portanto, mais informativo do que o Sharpe. Fundo 𝑆𝑜𝑟𝑡𝑖𝑛𝑜 ≜ 𝐸(𝑟𝑖 ) √2∗ 𝜎(min[𝑟𝑖 ,0]) (2) Onde E(ri) é a média dos retornos excedentes e (ri) é desvio padrão dos retornos excedentes. Intuitivamente, a diferença entre o índice Sharpe e o índice Sortino é tanto maior quanto mais assimétrica (skewed) a distribuição de retornos. Para efeitos de ilustração, suponhamos duas distribuições de igual retorno médio. A primeira distribuição é skewed para a esquerda (propensão a grandes perdas) e a segunda distribuição é skewed para direita (propensão a grandes ganhos). Como discutido em cartas anteriores, distribuição com skew para direita é altamente desejável numa carteira (equivale a estar comprado em opções, ou bilhetes de loteria), tanto quanto skew para esquerda é extremamente indesejável (vendido opções ou exposto a perda de principal, como em ativos de crédito). Chamemos a primeira distribuição de “boa” e a segunda, de “ruim” (ver fig. 1). A tabela a seguir sumariza os parâmetros de cada distribuição: Tabela. 1: parâmetros de duas distribuições assimétricas media desvio padrao Skew Sharpe Sortino ruim 12.7% 14% -0.1 0.93 0.87 bom 12.7% 15% 0.2 0.83 1.07 Retorno excedente (a.a.) Indice Sharpe (A) Indice Sortino (B) A 7.1% 0.97 1.00 Zarathustra 12.6% 0.85 0.95 B 4.2% 0.71 0.72 C 1.8% 0.58 0.63 D 4.7% 0.61 0.61 E 0.3% 0.26 0.26 F 0.1% 0.04 0.04 IMA B -5.7% -0.61 -0.64 Ibovespa -15.6% -0.66 -0.71 G -5.7% -1.02 -0.9 Variacao (A/B) 3% 12% 1% 9% 0% 0% 0% 5% 8% -12% Fig. 1: Duas distribuições de retornos com igual média (linha roxa); uma skewed para esquerda (linha azul) e outra skew para direita (linha vermelha)