UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Agroindustrial Dissertação LEITE CAPRINO: CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA, PERFIL DE ÁCIDOS GRAXOS E AVALIAÇÃO BIOLÓGICA (RATOS FÊMEAS WISTAR) Paula Vergara da Silva Pelotas, 2009 PAULA VERGARA DA SILVA Bacharel em Química de Alimentos LEITE CAPRINO: CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA, PERFIL DE ÁCIDOS GRAXOS E AVALIAÇÃO BIOLÓGICA (RATOS FÊMEAS WISTAR) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Agroindustrial da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências (Ciência e Tecnologia Agroindustrial). Orientador: Prof. Dr. Celso Medina Fagundes Co-Orientador: Profª. Drª Rosane da Silva Rodrigues Pelotas, 2009 Dados de catalogação na fonte: ( Marlene Cravo Castillo – CRB-10/744 ) S486l Silva, Paula Vergara da Leite caprino : caracterização físico-química, perfil de ácidos graxos e avaliação biológica (ratos fêmeas wistar) / Paula Vergara da Silva - Pelotas, 2009. 151f. : il. Dissertação ( Mestrado ) –Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Agroindustrial. Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, 2009, Celso Medina Fagundes, Orientador; coorientador Rosane da Silva Rodrigues. 1. Digestibilidade lipídica 2. Leite caprino 3. Perfil de ácidos graxos 4. TCM 5. Ratos fêmeas wistar I Fagundes, Celso Medina (orientador) II .Título. CDD 637.1 Banca examinadora: Prof. Dr. Celso Medina Fagundes – FAEM/UFPel - Orientador Profª. Drª. Rosane da Silva Rodrigues – DCA/UFPel - Co-orientadora Profª. Drª. Leonor Almeida de Souza-Soares – DQ/FURG Profª. Drª. Neila Sílvia Pereira dos Santos Richards – CCR/UFSM Prof. Dr. Rui Zambiazi – DCA/UFPel DEDICO Á Deus pelo cuidado e amor incondicionais, ao meu grande amor e companheiro Matheus Folgearini e a minha amada “Guigui’ Sem vocês, esse trabalho não teria se concretizado... AGRADECIMENTOS A Deus, razão de tudo ... da alegria e do consolo nos momentos de tristeza. Ao meu amado e querido Matheus por SEMPRE estar ao meu lado, em TODOS os momentos... pelo ombro, pelo carinho, dedicação, preocupação; pelas dicas anatômicas / fisiológicas / digestivas / dietéticas / estatísticas / normativas e cuidados veterinários em geral. Obrigada por me mostrar o verdadeiro significado de amor e companheirismo. À família Silveira (S. Fernando, D. Lúcia e Carina), pelo carinho, apoio nos momentos felizes e nos outros dificultosos. À minha Guigui, por me inspirar a ser alguém mais atenciosa e amorosa, obrigada por ter vindo ao mundo para deixar ele mais lindo... À Prof. Dr. Celso Medina Fagundes, pela orientação, apoio em momentos conflituosos, descontração na sua companhia e pelo aprendizado no exercício da docência. À Profª.Drª. Rosane Rodrigues, pela co-orientação, o apoio em todos os momentos necessários, pelas valiosas dicas, pela dedicação, paciência e interesse ímpares em absolutamente todas etapas do trabalho; pelo incentivo e estímulo à pesquisa, pelas palavras amigas, sábias e acima de tudo, sinceras ... pelo empréstimo do laboratório de experimentação animal (extensivo ao Departamento de Ciência dos Alimentos), pela ajuda na “fase” estatística, pelo exemplo profissional, disposição e auxílio sempre que necessário. À Profª. Drª. Leonor Souza Soares, pelo incentivo e inspiração deste trabalho, desde antes do mestrado ... por fazer jus ao título de Professora, Mestre e Doutora pois sua doação, dedicação e paixão com que conduz a profissão e seu altruísmo, são motivos de exemplo e dedicação. Obrigado pelas palavras de apoio sempre e pelo exemplo a seguir, como profissional e ser humano. Às minhas estagiárias, Pâmela, Alexandra e Vanessa, sem as quais o trabalho teria sido sensivelmente mais dificultoso. Em especial, à acadêmica em Medicina Veterinária, Alexandra Börck, meu sincero agradecimento pela doação do tempo livre, pela dedicação visível, pelo interesse e apoio, pela grande eficiência em tudo que foi solicitado e pelo mérito da bolsa conquistada. À graduanda em Química de Alimentos Vanessa T. Ortiz, de igual forma pela dedicação e interesse constantes pelo trabalho, mas acima de tudo, pela amizade, preocupação, descontração e carinho demonstrados. Às colegas do Laboratório de Bromatologia, Heloísa Antunez, Priscila Chiattone, Lisiane Torres e Renata Filgueras, que tornaram o trabalho bem mais prazeroso e principalmente divertido. Obrigado pelo apoio, pelas dicas sempre válidas e tantos ensinamentos, válidos não só para a vida profissional como pessoal. Em especial, à colega e amiga Renata, pela amizade e acolhida desde o início ... pelas palavras amigas e sábias, pelo carinho e amizade. Ao Laboratório de Grãos, representado pela pessoa do Prof. Dr. Moacir Cardoso Elias... gratidão pelo empréstimo das gaiolas para o Ensaio Biológico (e pela amizade e auxílio no que fosse necessário) e em especial aos alunos Rafael Schiavon, Maurício Oliveira, Cátia Storch, Juliane Pereira, Jéfersom e Pablo Bueno pelo uso do laboratório em diversas análises, empréstimo de material, dicas no trabalho, pela amizade e apoio. Aos funcionários e professores do DCTA, em especial à Ângela e Prof. Dr. Jorge, pelo auxílio nas etapas administrativas e burocráticas... obrigada principalmente pela atenção, paciência, compreensão e amizade. Aos colegas de Pós-Graduação: Leandra Jaekel, Roberta Manica, Roberta Sampaio, Suziane Antes, Mariângela Bruscatto pela amizade, dicas, descontração, empréstimo de material, acolhida no departamento e em especial, aos colegas e amigos Letícia Barbosa e Leandro Oliveira pelo incentivo e torcida antes mesmo da seleção... pelos momentos de alegria, pela possibilidade do desabafo, conhecimento e sabedoria. Ao Biotério Central pelo espaço cedido... especialmente ao chefe Prof. Dr. Miltom Amado e seus funcionários; obrigado pelo carinho, apoio e exemplo de dedicação profissional a seguir. À Profª.Drª. Cristina G. Fernandez e o mestrando Matheus F. Silveira (Lab. Patologia – Faculdade de Veterinária / UFPel) pela dedicação nas análises histopatológicas. Aos Laboratórios de Análise de Alimentos do Departamento de Ciência de Alimentos (UNICAMP) pelas análises realizadas, extensivo à Profª Drª Helena Godoy, ao doutorando Rodrigo Scherer e a funcionária Cristina pelo espaço cedido, pelos ensinamentos, paciência e acolhida e Laboratório de Análises Clínicas Veterinárias da Faculdade de Veterinária (UFRGS), pelo igual apoio e dedicação, em especial às veterinárias Camila Serina Lasta e Vanessa Esteves pelo material enviado e suas valiosas dicas. Aos funcionários do Setor de Transportes da UFPel, ao coordenador Renato e aos motoristas Celso e Toninho pelo transporte e coleta de material, tornando possível a realização do trabalho, de uma forma atenciosa e descontraída. Ao proprietário do sítio “Dois Irmãos”, Seu João Nilo e funcionários (Daltro e Clóvis) pela disponibilização do leite caprino, pela amizade e paciência; às cabras, pela docilidade e pela matéria-prima objetivo principal do trabalho. A EMBRAPA (Unidade Terras Baixas) na pessoa da pesquisadora Maria Edi e dos funcionários Paulo e Pedro, pelo transporte e coleta do leite bovino e análises físico-químicas; obrigada pela doação de tempo, dedicação e paciência. À minha amigona Bárbara Lutz (extensivo à família Lutz) pela grande e especial amizade, interesse no meu trabalho e pelas horas de descontração. À CAPES e FAPERGS, pela concessão das bolsas de Mestrado e Iniciação Científica, respectivamente. Metal contra as Nuvens Não sou escravo de ninguém Ninguém senhor do meu domínio Sei o que devo defender E por valor eu tenho E temo o que agora se desfaz Reconheço meu pesar: Quando tudo é traição, O que venho encontrar é a virtude em outras mãos. É a verdade o que assombra o descaso que condena, a estupidez o que destrói Eu vejo tudo que se foi E que não existe mais Tenho os sentidos já dormentes, O corpo quer, a alma entende. Esta é a terra-de-ninguém Sei que devo resistir Eu quero a espada em minhas mãos. Sou metal - raio, relâmpago e trovão Sou metal: eu sou o ouro em seu brasão Sou metal: me sabe o sopro do dragão. Não me entrego sem lutar Tenho ainda coração. Não aprendi a me render: Que caia o inimigo então. Tudo passa, tudo passará E nossa história não estará pelo avesso Assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar. E até lá, vamos viver Temos muito ainda por fazer. Não olhe para trás Apenas começamos. O mundo começa agora Apenas começamos (Legião Urbana) RESUMO SILVA, Paula Vergara. Leite caprino: caracterização físico-química, perfil de ácidos graxos e avaliação biológica (ratos fêmeas Wistar.) 2009. 151f. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Agroindustrial. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. O leite de cabra possui características importantes do ponto de vista nutricional, particularmente com relação à sua fração lipídica. O maior teor de ácidos graxos de cadeia curta e média e a incidência elevada de glóbulos de gordura de menor tamanho fazem do leite caprino em comparação ao leite bovino uma alternativa para pessoas que apresentam restrição fisiológica ao consumo deste último. O conhecimento do perfil de ácidos graxos, a caracterização físico-química e a avaliação biológica do leite de cabra no Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul (RS) têm sido pouco documentados. Assim, o presente estudo teve como objetivos: avaliar as características físico-químicas do leite de cabra coletado no sul do RS, confrontando-as com as do leite bovino e com a legislação; determinar seu perfil de ácidos graxos, comparando-o com o leite bovino e avaliar sua digestibilidade lipídica, parâmetros bioquímicos e comportamento digestivo em ratos fêmeas Wistar. O leite de cabra diferiu significativamente (p≤0,05) do leite bovino para todos os parâmetros físico-químicos avaliados, excetuando-se o pH; o extrato seco desengordurado (ESD) do leite caprino apresentou valor reduzido, estando abaixo do mínimo estabelecido pela legislação brasileira. Os demais parâmetros avaliados atenderam a legislação, com os valores de densidade, gordura, proteína e lactose próximos do mínimo exigido pela legislação brasileira. O leite caprino apresentou maior teor total e individual de ácidos graxos de cadeia média do que o leite bovino; os ácidos graxos em maior proporção foram os ácidos cáprico (C10:0), mirístico (C14:0), palmítico (C16:0) e ácido oléico (C18:1 cis ω9). Na avaliação biológica, os ratos alimentados com dieta à base de leite caprino apresentaram melhor aproveitamento digestivo, pois o ganho de peso foi maior do que para o grupo da dieta à base de leite bovino, embora o consumo das dietas não tenha apresentado diferença. Quanto ao perfil lipídico plasmático, a concentração de colesterol total e suas frações c-HDL e c-LDL dos animais submetidos à dieta com leite caprino não diferiram daqueles com leite bovino, apresentando-se superiores ao controle. O nível de triacilgliceróis e da fração c-VLDL foi maior para o grupo da dieta composta pelo leite de cabra, do que para as outras dietas do estudo. O nível de índice glicêmico foi semelhante para as três dietas. A menor excreção lipídica nas fezes assim como de ácidos graxos de cadeia média foram para os animais da dieta à base de leite caprino, resultando consequentemente, em uma maior digestibilidade lipídica do que para o grupo da dieta de leite bovino. A melhor utilização digestiva e maior digestibilidade indicam uma base de estudos para o uso futuro do leite de cabra na dieta de portadores de síndrome de má absorção lipídica. Palavras-chave: Leite caprino. Digestibilidade lipídica. Perfil de Ácidos Graxos. TCM. Ratos fêmeas Wistar. ABSTRACT SILVA, Paula Vergara. Goat milk: characteristics physical-chemical, fatty acid profile and biological evaluation (female Wistar rats). 2009. 151f. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Agroindustrial. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. Goat's milk has important features under a nutritional perspective, especially regarding the lipidic fraction. Higher levels of short and medium chain fatty acid, and higher incidence of small fat globules, make goat's milk an important alternative to people with physiological restrictions to the consumption of cow's milk. The knowledge about the profile of fatty acids, physical-chemical properties and biological evaluation of goat's milk is scarcely documented in Brazil, especially in Rio Grande do Sul state (RS). Therefore, this study has the following goals: evaluating the physical-chemical properties of milk collected from goats in the southern RS, comparing with cow's milk and the current legislation; determining the milk's fatty acid profile, also in comparison with the cow's milk; and evaluating the lipidic digestibility, biochemical parameters and digestive behavior in female Wistar rats. The goat's milk presented considerable differences (p≤0,05) with relation to the cow's milk, regarding every physical-chemical property considered, except by pH. The levels of dry extract defatted in goat's milk presented a low value, below the Brazilian legislation. The remaining features were according to the legislation, with density, fat, protein and lactose levels very close of the established legal parameters. The goat's milk also presented higher total and individual levels of medium chain fatty acids. The capric acid (C10:0), miristic acid (C14:0), palmitic acid (C16:0) and oleic acid (C18:1 cis ω9) were the fatty acid found with higher proportion. In the biological evaluation, the rats subject to a goat's milk-based diet presented better digestive use, with higher weight gain then the group with cow's milk-based diet, however no difference were found in the consumption of the diets. Regarding the plasmatic lipid profile, the total cholesterol and their fractions c-HDL and c-LDL levels were higher in the animals fed with a goat's milk diet. The triacylglycerols level and the c-VLDL fraction were greater in the goat’s milk diet than the other diets. The glycemic levels were similar in the three diets. The goat’s milk diet group presented lesser lipidic faecal excretion, as well the medium chain fatty acid, resulting in greater lipidic digestibility than the cow’s milk diet group. The better digestive use and the greater digestibility indicate a promising research path for the future utilization of goat's milk in the diet of individuals with low lipidic absorption. Keywords: Goat’s milk. Lipidic Digestibility. Fatty Acid Profile. MCT. Wistar female rats. Lista de Figuras Figura 1.1 Digestão, absorção e ressíntese dos triacilgliceróis alimentares ..... 40 Figura 3.1 Distribuição de ácidos graxos de cadeia curta e média dos leites caprino (LC) e bovino (LB) pasteurizados, produzidos no sul do Rio Grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007) .. 81 Figura 4.1 Vista das gaiolas metabólicas externa (A) e internamente (B), dispostas no laboratório de experimentação animal ......................... 85 Figura 4.2 Variação de peso (g) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel ao longo do experimento, submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias .......................................................... 96 Figura 4.3 Digestibilidade lipídica de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel ao longo do experimento submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias .......................................................... 125 Figura 4.4 Fotomicrografia histopatológica do fígado de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias (Hematoxilina-Eosina, Aumento 40x) ........................................................................................................... 134 Lista de Tabelas Tabela 1.1 Produção regional de leite bovino e caprino no Brasil (1.000L) durante o ano de 2006 ..................................................................... 19 Tabela 2.1 Características físico-químicas dos leites caprino e bovino pasteurizados, produzidos no sul do Rio Grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007), comparadas à legislação brasileira ........................................................................................... 50 Tabela 3.1 Composição em ácidos graxos (em % relativa dos componentes identificados) dos leites caprino e bovino pasteurizados, produzidos no sul do Rio grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007) .................................................................. 72 Tabela 4.1 Dietas experimentais administradas durante 28 dias a ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel (g.kg-1) ....................................... 87 Tabela 4.2 Composição de ácidos graxos em leites caprino e bovino utilizados nas dietas experimentais administradas a ratos fêmeas da linhagem Wistar/UFPel durante 28 dias ........................................... 94 Tabela 4.3 Composição físico-química das dietas administradas a ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel durante 28 dias ................................ 95 Tabela 4.4 Ganho de peso, consumo alimentar e coeficiente de eficiência alimentar (CEA) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ........ 98 Tabela 4.5 Comprimento vértice-cóccix e entre membros torácicos de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias .......................................................... 103 Tabela 4.6 Teores (mmol.L-1) de colesterol total, triacilgliceróis, colesterol-HDL (c-HDL), colesterol-LDL (c-LDL), colesterol VLDL (c-VLDL), relação LDL/HDL e valor de glicemia de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ................................................................................. 105 Tabela 4.7 Peso do fígado, lipídios hepáticos e relação percentual de peso do fígado com peso corporal de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ........ 118 Tabela 4.8 Produção de fezes (g) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ........ 121 Tabela 4.9 Consumo de dieta (g) e lipídios totais (g) em excretas fecais de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias .......................................................... 122 Tabela 4.10 Quantificação lipídica ingerida e excretada nas fezes e coeficiente de digestibilidade lipídica aparente (CDA) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ................................................................................. 124 Tabela 4.11 Composição de ácidos graxos fecais de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel durante o período inicial e final do ensaio biológico, submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias ........ 127 Tabela 4.12 Graus de esteatose hepática, significados clínicos, localização e classificação das lesões observadas no fígado ................................ 131 SUMÁRIO INTRODUÇÃO GERAL ....................................................................................... 15 CAPÍTULO 1 REVISÃO DA LITERATURA ......................................................... 17 1 Características gerais sobre a cabra ................................................................ 17 1.1 Origem da cabra ............................................................................................ 17 1.2 Raças caprinas .............................................................................................. 18 2 Produção e comercialização do leite caprino ................................................... 18 2.1 Produção ....................................................................................................... 18 2.2 Industrialização e mercado consumidor ........................................................ 19 3 Leite de cabra: aspectos funcionais, nutricionais e físico-químicos ................. 21 3.1 Conteúdo protéico, perfil de aminoácidos e estudos clínicos relacionados .. 23 3.2 Composição mineral, vitamínica e bioavaliação ............................................ 27 3.3 Fração lipídica: síntese, aspectos quantitativos e qualidade nutricional ....... 31 3.3.1 Síntese dos lipídios ..................................................................................... 33 3.3.2 Efeito nutricional do conteúdo lipídico ........................................................ 34 3.3.3 Ácidos graxos: teores, utilização médica e nutricional ............................... 35 3.3.3.1 Aspectos quantitativos ............................................................................. 35 3.3.3.2 Aplicações médicas e nutricionais ........................................................... 36 3.3.3.3 Forma de absorção dos ácidos graxos de cadeia curta e média: sistema Via Porta ou Portal ................................................................................. 38 3.3.3.4 Outras frações lipídicas, co-relacionadas com lipídios e seu efeito fisiológico ............................................................................................................. 40 3.3.3.5 Teor de colesterol e efeito nas frações lipídicas plasmáticas .................. 41 CAPÍTULO 2 PERFIL FÍSICO-QUÍMICO DO LEITE CAPRINO COMPARADO AO DO LEITE BOVINO, PRODUZIDOS NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL .. 44 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 44 2 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................ 47 2.1 Coleta e preparo das amostras ..................................................................... 47 2.2 Tratamento térmico do leite ........................................................................... 48 2.3 Determinações físico-químicas do leite pasteurizado ................................... 48 2.4 Análise estatística ...................................................................................... 49 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 49 4 CONCLUSÃO ................................................................................................... 65 CAPÍTULO 3 PERFIL DE ÁCIDOS GRAXOS DOS LEITES CAPRINO E BOVINO PASTEURIZADOS, PRODUZIDOS NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL ...................................................................................................................... 66 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 66 2 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................ 69 2.1 Coleta e preparo das amostras ..................................................................... 69 2.2 Determinação de ácidos graxos ................................................................... 69 2.2.1 Extração dos lipídios ................................................................................... 70 2.2.2 Esterificação ............................................................................................... 70 2.3.3 Condições cromatográficas ........................................................................ 71 2.3 Análise estatística .......................................................................................... 71 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 72 4 CONCLUSÃO ................................................................................................... CAPÍTULO 4 DIGESTIBILIDADE LIPÍDICA E DEMAIS 81 AVALIAÇÕES BIOLÓGICAS DO LEITE DE CABRA FRENTE AO LEITE BOVINO EM RATOS FÊMEAS WISTAR .................................................................................. 82 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 82 2 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................ 84 2.1 Animais e condições de ensaio ..................................................................... 84 2.2 Dietas ............................................................................................................. 86 2.2.1 Dietas formuladas com leites caprino e bovino .......................................... 86 2.3 Avaliações ..................................................................................................... 88 2.3.1 Determinação da composição centesimal das dietas ................................. 88 2.3.2 Determinações de parâmetros ponderais e biológicos dos animais .......... 89 2.3.3 Avaliações bioquímicas .............................................................................. 89 2.3.4 Determinação de lipídios totais hepáticos e fecais ..................................... 90 2.3.4.1 Digestibilidade lipídica ............................................................................. 90 2.3.5 Perfil de ácidos graxos das fezes ............................................................... 91 2.3.5.1 Extração dos lipídios ................................................................................ 91 2.3.5.2 Esterificação ............................................................................................ 91 2.3.5.3 Condições cromatográficas .................................................................... 91 2.3.6 Avaliações histopatológicas ........................................................................ 92 2.3.7 Análise estatística ....................................................................................... 93 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 93 3.1 Composição química das dietas experimentais ............................................ 93 3.2 Parâmetros ponderais e biológicos ............................................................... 96 3.2.1 Ganho de peso, consumo alimentar e coeficiente de eficiência alimentar (CEA) ................................................................................................................... 3.2.2 Medidas de comprimento e relação com ganho de peso ........................... 96 103 3.3 Avaliações bioquímicas ................................................................................. 104 3.3.1 Colesterol .................................................................................................... 105 3.3.2 Lipoproteínas plasmáticas .......................................................................... 109 3.3.2.1 c-HDL ....................................................................................................... 110 3.3.2.2 c-LDL ....................................................................................................... 111 3.3.2.3 c-VLDL ..................................................................................................... 112 3.3.2.4 LDL/HDL .................................................................................................. 113 3.3.3 Triacilgliceróis ............................................................................................. 114 3.3.4 Valor de glicemia ........................................................................................ 116 3.4 Determinação de lipídios hepáticos e fecais ................................................. 118 3.4.1 Peso e teor lipídico do fígado ..................................................................... 118 3.4.2 Produção de fezes e teor lipídico fecal ....................................................... 121 3.5 Digestibilidade lipídica ................................................................................... 123 3.6 Composição de ácidos graxos das fezes ...................................................... 126 3.7 Avaliações histopatológicas ........................................................................... 130 4 CONCLUSÃO ................................................................................................... 134 CONCLUSÕES GERAIS ..................................................................................... 136 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 137 APÊNDICES ........................................................................................................ 151 INTRODUÇÃO GERAL A caprinocultura no Brasil vem se consolidando como importante alternativa pecuária, principalmente para o pequeno produtor que emprega mão-de-obra familiar. O leite de cabra tem sido importante fonte nutricional e de renda nas regiões menos favorecidas climaticamente como o sertão nordestino, pela grande capacidade de adaptação e facilidade de manejo do animal em pequenas áreas. No Rio Grande do Sul a produção mensal é de 70-100 mil litros, valor estimado devido à informalidade em que se situa o setor da caprinocultura (LOEWENSTEIN et al., 1980; NUNES, 1992; LEITE, 2005; LORENZONI, 2005; QUADROS, 2007). A produção leiteira capril no Rio Grande do Sul pode ainda ser considerada reduzida, sendo o setor bastante carente de incentivos governamentais, de assistência técnica qualificada e da inserção dos produtos no mercado. Além disso, a fragilidade da cadeia produtiva, associada à baixa produção e a sazonalidade do leite de cabra, acarreta em defasada distribuição e conseqüente dificuldade na comercialização ao longo do ano (LOEWENSTEIN et al., 1980; GOMES, BONASSI, ROÇA, 1997; LORENZONI, 2005; PANDYA; GHODKE, 2007). Tendo em vista um mercado promissor no setor lácteo, é sensato focar a comercialização e marketing do leite caprino e produtos derivados na divulgação de suas propriedades nutricionais. Devido a certas peculiaridades da sua composição, o leite desta espécie é considerado um coadjuvante importante em tratamentos clínicos e nutricionais pois há evidências relevantes do mesmo ser mais benéfico para adultos que sofrem de distúrbios gastrointestinais e reações de hipersensibilidade, sendo indicado como alternativo em casos de alergia ao leite bovino (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ALVES; PINHEIRO, 2002; LAGUNA, 2003; HAENLEIN, 2004; FEHR et al., 2007). Dentre as características do leite de cabra destaca-se a elevada porcentagem de glóbulos de gordura de menor tamanho e baixos teores da fração protéica α-s1caseína e β-lactoglobulina, que lhe conferem melhor absorção e menor alergenicidade, respectivamente, comparativamente a leites de outras espécies (NUNES, 1992; ATTAIE; RITCHER, 2000; ROBINSON, 2001; BARBOSA et al., 2002; McCULLOUGH, 2003; OHIOKPEHAI, 2003; SMITH, 2007). Além disso, um fator fundamental no leite caprino é seu aspecto quali e quantitativo dos ácidos graxos, em especial a maior quantidade dos ácidos graxos de cadeia curta e média; característica favorável para indivíduos com síndromes de má absorção lipídica, os quais possuem dificuldade em digerir e absorver triacilgliceróis de cadeia longa, e/ou portadores de enfermidades relacionadas à dificuldade de digestão e absorção de nutrientes (CHILIARD et al., 1984; LE MENS, 1991; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2000; ALFÉREZ et al., 2001; LAGUNA, 2003; LOPES, 2004; VILANOVA, 2007; MORAGUTIERREZ, 2007). Informações sobre a composição e características físico-químicas do leite caprino são essenciais para o sucesso do desenvolvimento de produtos derivados na indústria, bem como a comercialização destes produtos. No entanto, os resultados encontrados pelos pesquisadores evidenciam muitas vezes diferenças acentuadas que podem ocorrer de região para região (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; BENEDET; CARVALHO, 1996; BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997; HAENLEIN, 2001; NEVES et al., 2004; ZAMBOM, 2006; MORAND-FEHR et al., 2007; PARK et al., 2007). Assim, o presente trabalho visou caracterizar a composição físico-química e perfil de ácidos graxos do leite de cabra pasteurizado produzido na região sul do Rio Grande do Sul, comparando-o com o leite bovino também pasteurizado, e avaliar sua digestibilidade lipídica in vivo, utilizando ratos fêmeas Wistar como modelo animal. CAPÍTULO 1 REVISÃO DA LITERATURA 1 Características gerais sobre a cabra 1.1 Origem da cabra Há evidências de que a cabra foi o primeiro ruminante domesticado capaz de produzir alimentos para o homem. As primeiras citações sobre o aproveitamento da espécie datam de 5000 a.C. na Mesopotâmia (BENEDET; CARVALHO, 1996; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997) e a introdução de seu leite na alimentação humana remonta, aproximadamente, de 8.000 anos a.C. Nesta época ocorreu a transferência dos caprinos de animais selvagens, para serem domesticados pelos nômades da Ásia e Oriente Médio (FISBERG et al., 1999). A atividade de criação de cabras está ligada ao homem desde o início da civilização e foi importante no sentido de auxiliar a fixação dos primeiros núcleos de populações, fornecendo leite, carne e pele. Para a civilização ocidental a criação de cabras foi importante como fator de sobrevivência no início da formação destes núcleos. No Brasil o fenômeno também ocorreu com a introdução da criação de caprinos por parte dos colonizadores portugueses, franceses e holandeses, sendo fonte de alimento principalmente em áreas mais inóspitas quanto ao clima (TORRES, 2000; CORDEIRO, 2006). A caprinocultura no Rio Grande do Sul, especificamente na região de Porto Alegre, já estava em desenvolvimento na década de 40 (VILANOVA, 2007). A organização dos caprinocultores e das criações comerciais de caprinos no RS tiveram início nos anos 70 quando a caprinocultura foi focalizada na produção de leite, com a introdução das raças Saanen, Alpina, Toggenburg e Anglonubiana. Destas, a Saanen e a Anglonubiana tiveram uma maior preocupação de seleção por 18 parte dos caprinocultores gaúchos e, portanto, tornaram-se numérica e produtivamente mais representativas (SCHIMDT, 2006 apud VILANOVA, 2007). Segundo Lorenzoni (2005), na região Metropolitana de Porto Alegre e Serrana concentram–se o maior número de produtores de leite caprino do estado. 1.2 Raças caprinas As raças oriundas da Europa são mais importantes do ponto de vista da produção leiteira em função da seleção genética para tal finalidade. Nas regiões sul e sudeste do Brasil predominam as raças caprinas de origem européia especializadas para a produção de leite: Parda Alpina, Anglo Nubiana, Toggenburg e Saanen, sendo as duas últimas de alta produção leiteira (GONÇALVES et al., 2001). A Saanen, originária do Vale de Saanen na Suíça, é uma das raças leiteiras mais importantes do mundo. A produção média de leite é de 3kg.dia-1 (2 a 3L.dia-1), com 3% de gordura, sendo que animais de alta produção podem chegar até a 8kg.dia-1 no pico de produção (RIBEIRO, 1998; GONÇALVES et al., 2001; VILANOVA, 2007). 2 Produção e comercialização do leite caprino 2.1 Produção O Brasil ocupa entre a 14ª e a 16ª posição na produção mundial de leite e carne de origem caprina, respectivamente (FAO, 2004; OSMARI, 2006). Apesar de possuir um rebanho considerável, contribuía até 2005 com aproximadamente 1,07% da produção mundial de leite de cabra, o que é relativamente reduzido em relação à dimensão do rebanho (FAO, 2007). A baixa produção do leite caprino, e especialmente a reduzida produção diária, são motivos para a dificuldade na implantação e estabelecimento de indústria de transformação do leite (NUNES, 1992; PANDYA; GHODKE, 2007). Embora a produção de leite caprino no Brasil seja considerada reduzida, quando comparada à produção de leite bovino (Tab.1.1), tem apresentado sinais de crescimento. 19 Tabela 1.1 - Produção regional de leite bovino e caprino no Brasil (1.000L) durante o ano de 2006 Região Leite bovino Leite caprino Norte 1.220.890 119 Nordeste 2.881.848 14.201 Sudeste 8.075.325 5.224 Sul 6.230.777 1.216 Centro-Oeste 3.024.909 514 Total 21.433.748 21.275 Fonte: IBGE (2007), adaptado. A caprinocultura brasileira retomou o crescimento basicamente a partir de década de 90 (IBGE, 1997 – 2004) com a maior organização do setor. As limitações associadas negativamente à criação e produção de cabras e do leite têm sido menos enfocadas, com a produção leiteira no Brasil estimada em 135 mil toneladas no ano de 2005 (FAO, 2007). Apesar de aproximadamente 94% do rebanho estar localizado no Nordeste, a exploração e o crescimento da produção do leite têm sido significativa no Sul e Sudeste. O desenvolvimento iniciou primeiramente na região Sudeste, seguido pela região Sul; um dos fatores determinantes deste crescimento foi a busca crescente da população por alimentos saudáveis e a necessidade de sustentabilidade do produtor (OSMARI, 2006). Nos últimos anos a produção da espécie em geral (para corte e leite) vem se consolidando como importante alternativa pecuária, principalmente para o pequeno produtor que emprega mão-de-obra familiar (GONÇALVES et al., 2001). A variedade de produtos derivados de leite de cabra encontrados no mercado é uma das evidências do desenvolvimento da caprinocultura e um estímulo ao aumento da produção (OSMARI, 2006). 2.2 Industrialização e mercado consumidor A utilização de leite de cabra na fabricação de produtos lácteos tem aumentado embora a proporção seja ainda muito menor em comparação a produção leiteira de bovinos e bubalinos. A industrialização do leite de cabra comercialmente 20 ou de forma artesanal (para a venda direta) tem sido realizada com sucesso na forma de leites pasteurizado, UHT, evaporado e em pó, sorvete, além dos tradicionais queijos e iogurte (PANDYA; GHODKE, 2007). Segundo Lorenzoni (2005), a divisão do mercado brasileiro de laticínios caprinos até 2005 se encontrava no patamar de 93% para o leite integral, 4% para o leite em pó e 3% dos outros, como queijo, iogurte, etc. Derivados lácteos de origem caprina com baixo teor de gordura (light), enriquecidos, saborizados, leite condensado e produtos fermentados como bebida láctea, iogurte e leite fermentado são outros produtos importantes. Embora pouco documentados na literatura, merecem atenção pois podem ter um importante apelo no mercado (PANDYA; GHODKE, 2007). No entanto, Loewenstein et al. (1980) descrevem que, com exceção da industrialização do queijo de leite de cabra, os outros possíveis derivados necessitam de mais pesquisas direcionadas ao desenvolvimento e fabricação, pois não podem ser utilizados os mesmos processos de fabricação dos derivados do leite bovino. Particularidades nos produtos à base do leite caprino como diferenças no rendimento de produção e nas características sensoriais (sabor, textura, etc.) se refletem em detalhes diferenciados que devem ser levados em conta na fabricação dos derivados. Embora a tecnologia para a utilização comercial do leite caprino na elaboração de derivados venha sendo pesquisada, ainda é incipiente; há necessidade de mais pesquisas a fim de tornar a indústria do leite caprino mais desenvolvida e competitiva como a do leite bovino. Este desenvolvimento pode assegurar que os produtores de leite caprino obtenham um valor adequado para o seu produto, especialmente em áreas onde só é possível a criação de caprinos (PANDYA; GHODKE, 2007). Alguns aspectos importantes com relação à demanda pelos produtos industrializados do leite de cabra se dividem em dois pontos: o primeiro se refere àqueles consumidores já conhecedores dos produtos derivados do leite, especialmente iogurtes e queijos (comum em diversos países desenvolvidos), estes particularmente em função de suas características sensoriais e utilização na culinária internacional. Esta demanda tem sido crescente em função da maior disponibilidade de renda aplicada ao interesse nos produtos (HAENLEIN, 2004; MORAND-FEHR et al., 2007). O segundo ponto relaciona-se a demanda de 21 consumidores que apresentam restrições de ordem fisiológica, principalmente aqueles alérgicos ao leite bovino ou portadores de desordens gastrointestinais. O problema de rejeição pelo sabor “cáprico” nesse caso é pouco considerado tendo em vista a necessidade de consumo dos produtos (HAENLEIN, 2004; PANDYA; GHODKE, 2007). 3 Leite de cabra: aspectos funcionais, nutricionais e físico-químicos Nas últimas décadas tem se verificado um interesse crescente dos consumidores pelo efeito benéfico para a saúde de determinados alimentos contendo componentes com atividade fisiológica e biológica além dos nutrientes convencionais, chamados funcionais (PRATES; MATEUS, 2002; HERNÁNDEZ; GUZMÁN, 2003; AGUIAR, CORÓ, PEDRÃO, 2005). Tem sido evidenciado que vários componentes bioativos, amplamente difundidos nos alimentos de origem animal, apresentam atividade fisiológica potencialmente funcional (AGUIAR, CORÓ, PEDRÃO, 2005; HASLER, 2002). Nesse sentido, tem aumentado o interesse pelo leite caprino e seus derivados já consolidados pelo aspecto nutricional e atualmente considerados como possível alternativa também para atender a nova tendência de consumo por alimentos funcionais (CHANDAN et al. (1992) apud BOZA;SANZ SAMPELAYO ,1997). O leite caprino é utilizado há décadas como auxiliar no tratamento em alergias ao leite bovino, anemias e desnutrição. A utilização do leite de cabra em lactentes é milenar e tem sido associada à boa tolerância e bom crescimento ponderal. Tem sido empregado em casos de inapetência, repulsa, desordens gastrointestinais (cólicas, vômito), comportamentos pós-prandiais inadequados e eczemas relacionados ou agravados pela ingestão do leite bovino; o fato parece possuir relação com uma maior digestibilidade (em função do tipo de lipídio e proteína), maior capacidade tamponante e maior alcalinidade que o leite bovino, favorecendo sua melhor absorção (FISBERG et al., 1999). Segundo Haenlein (2001), os nutrientes que o leite de cabra fornece são importantes no combate à sub e má nutrição de pessoas em áreas e países pobres (incluindo a reabilitação de crianças mal nutridas), sendo reforçado por vários autores que propuseram e documentaram que cabras podem contribuir para 22 melhorar a alimentação e combater a fome no mundo, com especial utilização na pediatria. O autor ainda afirma que o leite de cabra pode ser nutricionalmente superior ao leite bovino uma vez que o suprimento de dois copos (1/2L) de leite ou o equivalente em queijo, iogurte ou derivados do leite caprino supre mais de 94% do recomendado em uma dieta diária para adultos (RDA) de aminoácidos, 83% de cálcio, 78% de riboflavina e outros minerais e vitaminas em menor grau, enquanto que o suprimento pelo leite bovino é de 81, 74 e 89% respectivamente. A ingestão do leite caprino por idosos e pacientes com desordens digestivas, de fígado e vesícula biliar, em colite e eczemas deve-se à elevada digestibilidade de sua proteína e dos lipídios (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). Em um dos primeiros estudos clínicos com o leite caprino realizado por Mack em 1952 (MACK, 1953 citado por HAENLEIN, 2004) foi verificado que crianças que ingeriam o leite de cabra superaram o grupo do leite bovino, com diferença significativa no grau de mineralização esquelética ou densidade óssea, maior concentração de vitamina A plasmática e cálcio sérico, tiamina, riboflavina, niacina, hemoglobina e ganho de peso e altura. Resultados similares a estes foram encontrados em estudos com ratos (PARK; MAHONEY; HENDRICKS, 1986). Os benefícios nutricionais do leite de cabra também são bastante relatados em como auxiliar no tratamento de pacientes alérgicos à proteína do leite bovino. Em estudos clínicos de 20 anos na França com pacientes alérgicos ao leite bovino, concluiu-se que a substituição na dieta dos pacientes pelo leite caprino gerou uma inegável melhora na saúde dos mesmos (HAENLEIN, 2004). MUMBA et al. (2003) relatam que em experimento com crianças mal nutridas alimentadas com leite caprino as mesmas obtiveram considerável ganho de peso (320g) em duas semanas frente ao ganho de peso do grupo que recebia leite bovino (90g) após seis semanas. Em estudo similar ao citado anteriormente, 30 crianças desnutridas entre 1 a 5 anos de idade foram alimentadas com leite bovino e caprino em adição à dieta regular. O ganho de peso das crianças alimentadas com o leite caprino foi de 8,53g.kg-1 por dia enquanto que a dieta acrescida de leite bovino providenciou um ganho de peso de 7,82g.kg-1 após o mesmo período. Ainda no mesmo estudo, a absorção de gordura apresentou tendência em ser melhor no grupo com o leite caprino o que permitiu recomendá-lo como alternativa ao leite bovino para a reabilitação de crianças desnutridas (HAENLEIN, 2004). 23 3.1 Conteúdo protéico, perfil de aminoácidos e estudos clínicos relacionados O teor médio em proteínas do leite caprino (3,4 a 4,6%) é pouco maior do que no leite bovino (3,2 a 3,3%), porém estes valores são muito variáveis em função da espécie, e são influenciados pela raça, fase de lactação, alimentação, clima, paridade, estação do ano e sanidade (PARK et al., 2007). Os leites de cabra e bovino se diferenciam por características polimórficas e imunológicas distintas (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; JENNESS, 1980). A αlactoalbumina e outras frações da proteína do leite caprino diferem do leite bovino sendo a α-lactoalbumina uma das principais causas de alergia em bebês, seguida de certas frações de caseína e ß-lactoglobulina (ROBINSON, 2001). Nesse contexto, já se observou que a α-lactoalbumina derivada do leite de cabra, embora às vezes em maior quantidade (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; JENNESS, 1980), é uma espécie específica e demonstra uma menor incidência significativa em reações alérgicas de pele com relação ao leite bovino (McCULLOUGH, 2003). Pelo fato de não estar presente naturalmente no leite humano, a ßlactoglobulina também figura como outra das principais frações alergênicas do leite bovino, possuindo uma forma menos estável no leite caprino, o que também lhe atribuí menor alergenicidade (JENNESS, 1980; ROBINSON, 2001; HAENLEIN, 2004). Outra diferença bioquímica e estrutural de suma importância entre os dois tipos de leite reside nas frações de caseína, mais especificamente pela ausência ou presença em quantidades muito reduzidas de γ-caseína e α-s1-caseína no leite caprino (JENNESS, 1980; NUNES, 1992; McCULLOUGH, 2003; OHIOKPEHAI, 2003; PARK et al, 2007). Levando em consideração que para muitos autores a α-s1-caseína é de fato a razão principal de alergia ao leite bovino, sua quantidade reduzida ou principalmente ausente no leite caprino é fundamental no tratamento de alérgicos (McCULLOUGH, 2003; HAENLEIN, 2004; SMITH, 2007). Certos autores ainda sugerem que em leite caprino ausente da fração α-s1-caseína, há a presença de αs2-caseína a qual não teria a ação alergênica tão expressiva quanto a anterior ou ainda, embora o leite apresente as duas frações, a α-s2-caseína é predominante. A ausência ou redução na quantidade de α-s1-caseína é regulada geneticamente, 24 dependendo da raça e estágio da lactação (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ROBINSON, 2001; McCULLOUGH, 2003; HAENLEIN, 2004; PARK et al, 2007). Robinson (2001) e Nunes (1992) ainda ressaltam que tem sido sugerido que a ausência da α-s1-caseína em determinados tipos de leite caprino proporciona uma digestão mais facilitada no organismo. A justificativa da facilidade de digestão nesse caso reside exatamente na ausência desta fração protéica, o que torna o coágulo formado no estômago mais suave e consequentemente mais suscetível ao processo digestivo. A prevalência de alergia ao leite bovino varia de acordo com o país e idade das pessoas, mas muitas vezes os dados de prevalência são ausentes ou inexatos devido a diferentes métodos de diagnóstico empregados. Além disso, há necessidade de se considerar o fator psicológico na identificação das alergias, o que pode muitas vezes prejudicar as estatísticas oficiais. Robinson (2001) enfatiza ainda que as reações alérgicas às proteínas do leite bovino são relativamente comuns na infância, ocorrendo de 2 a 5% nessa fase. Para Haenlein (2004), a prevalência seria de 2,5% em crianças durante os três primeiros anos de vida, ocorrendo em 13 a 30% de crianças com menos de três meses de idade. Ocorre com uma freqüência que abrange 7 a 8% na Escandinávia chegando a alcançar uma prevalência de 20% em determinadas áreas. O tratamento nutricional com o leite de cabra demonstrou eficiência em 30 a 40% dos casos onde as crianças se beneficiaram com o tratamento utilizando o mesmo. Em um extensivo estudo clínico na França, a inserção do leite de cabra na alimentação produziu resultados em 93% das crianças alérgicas ao leite de vaca e foi recomendado como um valioso auxílio em nutrição infantil por causa da menor alergenicidade e melhor digestibilidade que o leite bovino (HAENLEIN, 2004). Walker (1965) apud McCullough (2003) em observação clínica de bebês e crianças sensíveis à lactoalbumina do leite bovino, relatou que o leite caprino foi muito bem tolerado. Entre 300 casos no qual havia sido diagnosticado que a alergia à albumina do leite bovino era a principal causa de asma, 270 pessoas após seis semanas de tratamento com o leite caprino, tiveram os sintomas interrompidos. Pandya e Ghodke (2007) ressaltam que os derivados do leite caprino são adequados como substitutos potenciais dos produtos à base de leite bovino nas dietas de crianças com alergias ao leite de vaca. 25 No entanto, Robinson (2001) e McCullough (2003) ressaltam que nem sempre é possível utilizar o leite caprino como um substituto para os alérgicos às proteínas do leite bovino, pois normalmente os pacientes não reagem a somente um tipo de proteína isoladamente e sim a um complexo de proteínas. Em certos casos, a reação imunológica no organismo é cruzada, o que faz com que os pacientes alérgicos às proteínas do leite bovino também sejam às proteínas homólogas no leite caprino. O autor ainda ressalta que pesquisas já demonstraram que quando a alergia ao leite bovino é mediada pela imunoglobulina IgE, a substituição pelo leite caprino não é adequada nem eficiente pois também pode causar reações alérgicas graves. Uma outra importante função das proteínas do leite caprino é em função de serem fontes de fragmentos protéicos conhecidos como peptídeos bioativos. São formados a partir de uma proteína inativa precursora durante a digestão gastrointestinal e/ou durante o processamento dos alimentos. Devido a sua versatilidade físico-química e fisiológica os peptídeos do leite são considerados grandes componentes proeminentes para promoção de saúde através dos alimentos ou aplicações farmacêuticas. Exercem atividades anti-hipertensivas, antimicrobianas, opióides, antioxidantes, imunomoduladoras e antitrombóticas (PARK et al., 2007). Dentre os compostos do leite mais pesquisados, os peptídeos inibitórios da enzima conversora de angiotensina (ECA) têm sido destacados, em função de sua ação anti-hipertensiva, podendo ser encontrados no leite de ovinos e caprinos (PARK et al, 2007). A ECA possui papel importante no aumento da hipertensão no organismo, mas pesquisas demonstram que esses peptídeos presentes no leite podem passar pelo trato intestinal e após a absorção, inibem a produção da ECA no sangue podendo auxiliar no controle da pressão sanguínea. São derivados da hidrólise da ßlactoglobulina (HERNÁNDEZ-LEDESMA et al, 2002) e das caseínas (após hidrólise enzimática ou fermentação do leite), principalmente dos macropeptídeos derivados da κ-caseína – CMP (MANSO; LÓPEZ-FANDIÑO, 2003). Observou-se ainda que a maior atividade é encontrada em laticínios com maior teor de proteólise como queijos curados, dependendo no entanto do grau de maturação do produto (SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000). 26 A melhor aceitação das proteínas do leite caprino reside em questões imunológicas de sua estrutura assim como sua digestibilidade no organismo. As proteínas parecem apresentar uma digestão mais facilitada e seus aminoácidos são absorvidos mais eficientemente do que as proteínas do leite bovino; apresenta uma forma mais suave e um coágulo mais frágil enquanto acidificado. Isso pode ser devido ao mínimo conteúdo de α-s1-caseína presente no leite (ou em certos casos, ausente) e pelo pequeno tamanho de coágulo formado, além da maior fragilidade que faz com que sejam atacados mais rapidamente pelas proteases estomacais (JENNESS, 1980). Essa suavidade do coágulo formado pode ser vantajosa para pessoas portadoras de distúrbios gastrointestinais como confirmado por Boza e Sampelayo (1997). O valor nutricional do leite caprino pode ser avaliado não só pela quantidade e qualidade de proteína assim como pela composição ou balanço dos aminoácidos essenciais. O perfil de aminoácidos fornecidos pelas proteínas do leite caprino quando comparado ao perfil requerido de aminoácidos essenciais é plenamente satisfeito, e muitas vezes até excede o mínimo recomendado pela FAO para crianças. Em adultos, a ingestão de 500mL de leite de cabra pode suprir 94% do recomendado de aminoácidos essenciais por dia em comparação a 81% do leite bovino (JENNESS, 1980; HAENLEIN, 2001). Segundo Haenlein (2004), na composição média de aminoácidos do leite de cabra, altos níveis de seis dos dez aminoácidos essenciais são encontrados (treonina, isoleucina, lisina, cistina, tirosina, valina). Em estudos com ratos, Barrionuevo et al. (2002) demonstraram que a ingestão do leite de cabra aumentou a absorção intestinal de cobre, tendo sido atribuído aos altos conteúdos de cisteína (derivada da cistina) no leite caprino (83mg.100g-1) do que no leite bovino (28mg.100g-1). A cisteína em associação com a lisina também demonstrou influência na maior e melhor de absorção de ferro. López-Aliaga (2000) em estudo similar ao citado anteriormente, também observou que os conteúdos de cisteína e lisina no leite de cabra contribuíram para a maior e melhor absorção de cálcio em ratos alimentados com dieta à base do leite. Além das questões de melhoria na absorção de nutrientes, a cisteína também exerce um importante papel como substrato na regulação e melhoria da resposta imune em conjunto com a glutationa, um antioxidante natural e anticarcinogênico presente em laticínios (SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000). 27 3.2 Composição mineral, vitamínica e bioavaliação O conteúdo mineral do leite caprino varia entre 0,70 a 0,85%, sendo ligeiramente superior ao leite de vaca. Possui teores maiores de cálcio, potássio, fósforo, sódio, cloro, magnésio, selênio, manganês, ferro e zinco (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2001; PARK et al., 2007). Além da quantidade significativa de certos minerais, Haenlein (2001) ainda destaca que estes minerais tendem a ser melhor absorvidos no organismo do que os minerais presentes no leite bovino. Uma das mais importantes contribuições do leite para a nutrição humana é o suprimento de cálcio (Ca) e fósforo (P), em função da melhoria no fortalecimento e resistência dos ossos tanto de crianças como de adultos, além da atuação na prevenção da osteoporose. Recentes pesquisas ainda indicam o papel do Ca na prevenção de câncer de cólon e em uma maior resistência contra infecções por patógenos (JENNESS, 1980; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000; HASLER, 2002; SMITH, 2007). Nesse contexto, o leite de cabra se destaca, pois seu conteúdo de Ca se encontra altamente disponível assim como o fósforo. Segundo Vieira (1995) o leite caprino possui 1440mg.L-1 de Ca e 1070mg.L-1 de P versus 1230mg.L-1 e 950mg.L-1 respectivamente para o leite bovino enquanto que Boza e Sanz Sampelayo (1997) descrevem valores próximos (1304mg.L-1 de cálcio e 1080mg.L-1 de fósforo para o leite de cabra versus 1110mg.L-1 e 950mg.L-1 respectivamente para o leite bovino) valores estes, próximos também de Jenness (1980) que encontrou como média de várias raças de caprino, 1333,63mg.L-1 de Ca, mas menor em P (1004,54mg.L-1) enquanto que 1180mg.L-1 e 95mg.L-1 respectivamente para o leite bovino de tanque. Levando em consideração que a necessidade de Ca para um adulto é de aproximadamente 800mg.dia-1 a 1300mg.dia-1 (adolescentes em crescimento, mulheres em gestação e lactação e idosos), é possível satisfazer as necessidades diárias do nutriente em até 83% através de 500 a 750mL de leite caprino (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2001). Em estudos com ratos alimentados com dietas à base de leite caprino e bovino, López-Aliaga et al. (2000) observaram que a utilização digestiva e conseqüente absorção do Ca foram maiores para os animais da dieta à base do leite de cabra do que para os animais da outra dieta, tendo sido justificado por dois 28 fatores: o alto conteúdo de vitamina D do leite caprino (2,5µg.L-1) com relação ao bovino (0,63µg.L-1) que favorece a absorção de Ca, e o alto conteúdo de lisina (3,4g.mg-1 versus 2,8.mg-1 para o leite bovino) que está relacionada com o transporte não mediado do cálcio. McCullough (2003) afirma que os Triacilgliceróis de Cadeia Média (TCM) presentes no leite caprino em quantidade considerável, auxiliam na absorção significativamente maior de cálcio do que o avaliado em crianças de um grupo controle. Segundo Alférez et al. (2006), o teor de cálcio derivado do leite bovino inibe fortemente a absorção de Fe na dieta (podendo induzir casos de anemia ferropriva em crianças alimentadas exclusivamente com leite); no entanto, estudos já demonstraram que quando o leite de cabra é incorporado na dieta de ratos, produz uma maior utilização nutritiva do ferro (BARRIONUEVO et al., 2002). Além disso, minimiza as possíveis interações do ferro com outros minerais como o próprio cálcio, fósforo e potássio, em comparação com animais alimentados com leite bovino (LÓPEZ-ALIAGA et al., 2000). Em estudo com ratos anêmicos sendo alimentados com leite caprino e bovino, foi demonstrado que os animais com dieta à base de leite de cabra não sofreram influência do teor de cálcio na absorção de ferro, além de ter ocorrido aumento na utilização e absorção do mineral, favorecendo a recuperação de casos de anemia por razões nutricionais (ALFÉREZ et al., 2006). Embora o leite por si só não seja fonte de ferro, segundo López-Aliaga (2000) e Barrionuevo et al. (2002), o leite caprino em média possui uma quantidade significativamente maior (1,13mg.L-1 leite liofilizado) que o bovino (0,61mg.L-1), dados estes próximos aos de Alférez et al. (2006) que encontraram 1,23mg.L-1 e 0,87 mg.L-1 , respectivamente. Segundo os mesmos autores, essa maior quantidade possui efeitos nutricionais, melhoria em diversos processos metabólicos, além de auxiliar na recuperação em casos de determinadas patologias, como a anemia por ausência de ferro na alimentação. A eficiência absortiva do Fe proveniente do leite de cabra no organismo é significativamente maior do que do leite bovino (McCULLOUGH, 2003). Isto pode estar relacionado com nucleotídeos (substâncias nitrogenadas não protéicas - NNP) presentes no leite, pois os mesmos contribuem para a melhora da absorção de ferro no intestino (SCHLIMME et al., 2000), podendo se relacionar ao alto conteúdo de NNP no leite de cabra (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; PARK et al., 2007). Outro 29 fator que justifica a melhor digestão e absorção de ferro presente no leite caprino é a presença de cisteína e lisina, aminoácidos que influenciam na melhora e aumento da absorção do ferro (BARRIONUEVO et al., 2002). López-Aliaga et al. (2000) observaram que a incorporação de leite de cabra liofilizado na dieta de ratos produziu uma ótima utilização de ferro em relação a animais alimentados com leite bovino. Já Barrionuevo et al. (2002), em estudo semelhante ao anterior, simularam quadro de má absorção de nutrientes através da resecção de parte do intestino em ratos. Notaram que os animais que receberem dieta à base do leite caprino obtiveram uma alta digestibilidade e absorção de ferro e cobre comparado ao grupo com leite bovino e padrão, resultando na prevenção de anemia ferropriva. Alférez et al. (2006) afirmam que a maior e melhor absorção de Fe em ratos com dietas à base de leite caprino parece ser devido a vários fatores, como o maior conteúdo de vitamina C (14,1mg.L-1 versus 10,3mg.L-1 do leite bovino) por ser um importante promotor de absorção de Fe formando quelatos com o mesmo. O conteúdo duas vezes superior de vitamina A que interfere diretamente na absorção intestinal do Fe, embora o mecanismo não tenha sido ainda esclarecido e o maior conteúdo de vitamina D que favorece diretamente a absorção de Fe por aumentar a concentração de proteína férrica obrigatória (mobilferrina). Outro mineral de igual importância e destaque no leite caprino é o selênio que se encontra na quantidade de aproximadamente 13,3µg.L-1, superior ao leite bovino (9,6 µg.L-1) e em quantidades próximas ao do leite humano (15,2µg.L-1). É um micro nutriente essencial na nutrição humana, uma vez que detoxifica os radicais livres no organismo pela associação com a enzima glutation peroxidase (GSH). Este mineral é responsável pela atividade antioxidante do leite caprino, o qual é superior (65%) ao leite bovino (27%). Também tem sido associado com a expressão da resposta imune do organismo (BLUMBERG, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; PARK et al., 2007). Os grupos mais vulneráveis a carência do selênio são mulheres lactantes e crianças. O leite e as fórmulas infantis à base de leite ainda são considerados as únicas fontes do mineral nos seis primeiros meses de vida; logo destaca-se a importância de sua ingestão contínua nesse período da vida. O conteúdo adequado na dieta reduz a freqüência, crescimento e o tamanho de tumores em animais e cultura de tecidos (BLUMBERG, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). 30 Outros minerais com teores consideráveis no leite caprino são o potássio e o cloro, estando presentes em quantidades de 1641,4mg.L-1 e 1938,8mg.L-1, respectivamente em relação a 1400mg.L-1 e 1040mg.L-1 no leite bovino. Conforme Jenness (1980), Loewenstein (1980), López-Aliaga et al. (2000) e Park et al. (2007), há alta relação inversa entre os maiores teores de cloro (ou sódio) e potássio e menores de lactose, o que pode justificar o sabor levemente salgado do leite caprino. Além do sabor, pode também haver uma desvantagem na ingestão do leite de cabra não diluído em crianças menores que três anos. Em estudo com crianças em crescimento, alimentadas com leite caprino, observou-se a ocorrência de acidose severa nas mesmas, sendo o problema atribuído aos altos teores de potássio e cloro (JENNESS, 1980). O leite caprino é uma fonte importante de vitaminas A, B1, B2, Niacina (vit. B3 ou ácido nicotínico), ácido pantotênico (vit. B5) e vit. D, principalmente se comparado ao leite bovino (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997, HAENLEIN, 2001; PANDYA; GHODKE, 2007; PARK et al., 2007). Diferencia-se do leite bovino quanto ao conteúdo de vitamina A, uma vez que além do teor ser sensivelmente mais elevado, não possui precursores da própria vitamina A (ß–carotenos), componentes estes que promovem a coloração amarelada no leite bovino; assim, a vitamina A se encontra na forma ativa no leite de cabra (a cabra possui a capacidade de converter o caroteno em vitamina A) o que resulta na sua cor mais esbranquiçada (LUQUET, 1991; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; FISBERG, 1999; OHIOKPEHAI, 2003; SMITH, 2007; PARK et al., 2007). Além disso, o maior conteúdo de vitamina A (0,43mg.L-1 versus 0,24mg.L1 no leite bovino) interfere diretamente na melhor absorção intestinal do Fe (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ALFÉREZ et al., 2006). A vitamina D se encontra em teores de aproximadamente 0,74mg.L-1, enquanto que no leite bovino o teor é reduzido para 0,50mg.L-1, embora para Pandya e Ghodke (2007) a diferença seja menor, de 24mg.L-1 e 20mg.L-1, respectivamente, para leite caprino e bovino. Além do maior teor, a vitamina D possui efeitos nutricionais auxiliando na maior absorção do Fe e Ca no organismo (LÓPEZ-ALIAGA et al., 2000; ALFÉREZ et al., 2006). Embora a quantidade de determinadas vitaminas no leite caprino seja considerável, o teor de ácido fólico ou folato (vit. B9) é demasiadamente reduzido (6 a 10µg.L-1) se comparado com o leite bovino e humano (50 e 55µg.L-1 31 respectivamente) assim como vitamina B12 (0,065 µ.g-1 versus 0,357 µ.g-1 para o leite bovino) o que pode gerar em crianças alimentadas exclusivamente com o leite caprino casos de anemia megaloblástica. Esse tipo de anemia pode causar anormalidades estruturais e deficiências de enzimas dissacarídicas como a maltase, lactase e sucralase. No entanto, a simples suplementação de ácido fólico e vit. B12 no leite caprino em fórmulas infantis ou simplesmente na dieta usual da criança (diariamente) já é suficiente para evitar os casos da anemia megaloblástica. A correta suplementação com ácido fólico na alimentação de mulheres também auxilia na redução do risco de defeitos na formação do tubo neural da espinha de fetos ou ainda defeitos cerebrais (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ROBINSON, 2001; HASLER, 2002; PANDYA; GHODKE, 2007; PARK et al., 2007). 3.3 Fração lipídica: síntese, aspectos quantitativos e qualidade nutricional Os lipídios podem ser considerados os componentes mais importantes da constituição geral do leite e derivados em termos de custo, características nutricionais, físicas e sensoriais. A porcentagem de gordura no leite caprino normalmente é superior ao leite bovino (média de 4,81% versus 3,38% respectivamente), porém, existindo grandes diferenças no que concerne a estrutura física e perfil químico da gordura (PARK et al., 2007). Para McCullough (2003), o teor de gordura do leite de cabra é de 3,5% enquanto que para o leite bovino é de 3,9%, tendo descrito média de 4,8% (variação de 3,8 a 6,9%) para raças caprinas da Índia. Entre os componentes do leite, a gordura é o mais sensível às mudanças nutricionais dos animais, mesmo que esta variação no leite de cabra (dentro de um ponto percentual) seja muito inferior ao observado no leite de vaca (CANNAS, PULINA, FRANCESCONI, 2008). O teor de gordura no leite, sua composição e rendimento dependem principalmente da base genética do animal e da natureza e composição da dieta que o mesmo recebe. A dieta é fundamental, pois determina as trocas na fermentação ruminal, modificando a produção dos diferentes ácidos graxos e com isso o conteúdo de gordura (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). 32 Os fatores nutricionais mais importantes são: (i) concentração, ingestão e fonte de fibra dietética; (ii) dimensão das partículas de alimentos e de fibras; (iii) quantidade, características físicas e composição de ácidos graxos na gordura e dos suplementos dietéticos ofertados; (iv) presença de precursores de trans-10, cis-12 ácido linoléico conjugado, que podem induzir à redução de gordura do leite. Interações entre estes fatores são necessárias para se realizar a previsão de concentração e composição da gordura do leite (CANNAS, PULINA, FRANCESCONI, 2008). A forma física na qual a forragem é ofertada na dieta ao animal e/ou a proporção de forragem/concentrado da dieta são aspectos de grande importância que também devem ser considerados, pois são determinantes no conteúdo e composição da gordura do leite. A distribuição de forragens moídas e granuladas às cabras aumenta a porcentagem de ácidos graxos insaturados e diminui a de ácidos graxos saturados (PARK et al., 2007; VILANOVA, 2007). O conteúdo lipídico do concentrado também pode afetar o teor de gordura do leite. Teores reduzidos de lipídios no concentrado (<1% da matéria seca) inferem na redução da produção de leite e em seus teores de gordura. No entanto, a diminuição também pode ocorrer quando é feita a inclusão de excessivo conteúdo de lipídios no concentrado (superior a faixa de 7 a 10%) (MORAND-FEHR; SAUVANT, 1980). A suplementação lipídica da dieta também tem influência significativa na fração lipídica do leite de ruminantes e é essencial para modificar o perfil de ácidos graxos, embora o leite caprino não possua comportamento similar aos bovinos e ovinos na expressão dos AG conforme as diferentes fontes e concentrações de lipídios adicionados à dieta (MIR et al., 1999; LEDOUX et al, 2002; CHILLIARD; FERLAY, 2004). A manipulação no regime alimentar das cabras através dos lipídios protegidos ou encapsulados pode ser utilizada a fim de melhorar o valor nutricional do leite caprino e promovê-lo como alimento funcional (HAENLEIN, 2004). A suplementação da dieta com diferentes tipos de gordura, protegidas ou não do metabolismo ruminal, é considerada uma estratégia crucial. Resultados experimentais em nutrição de cabras demonstram que a suplementação não afeta o consumo de energia e a produção de leite, mas aumenta em muitos casos o conteúdo de gordura e diminui significativamente a produção de ácidos graxos 33 saturados, aumentando os ácidos oléico e/ou vacênico (C18:1 ∆ 11), ácidos ruminais, linolênico e outros ácidos graxos trans. A variação na composição da gordura do leite é muito grande, com importantes interações entre forragem, concentrados e óleos, com conseqüente aumento ou redução no teor de ácidos graxos. A suplementação com silagem ou altas quantidades de concentrado com óleos vegetais na dieta aumenta grandemente a presença de ácidos graxos trans (SANZ SAMPELAYO et al., 2007). A encapsulação é uma forma eficiente de aumentar determinados ácidos graxos específicos e benéficos no leite como os polinsaturados e os de cadeia média, uma vez que a proteção destes lipídios o impedem de serem hidrogenados no rúmen e formarem outros compostos não desejados (JENESS, 1980; DEPETERS et al., 2001; CHILLIARD et al., 2003). Dessa forma, os níveis de ácidos graxos polinsaturados (AGPI) no leite podem ser maximizados, incluindo na dieta dos animais, óleo dietético acrescido de AGPI encapsulados; resultados deste estudo foram bem sucedidos para o leite da cabra, assim como a encapsulação do ácido graxo em vegetais e relações elevadas da forragem/concentrado (CHILLIARD; FERLAY, 2004; PARK et al., 2007). Sanz Sampelayo et al. (2000) também descrevem o uso de concentrado suplementado com gordura protegida rica em polinsaturados. Os resultados demonstraram a redução do ácido esteárico e uma alta concentração de AGPI no leite caprino, embora a concentração de ácidos graxos de cadeia média (AGCM) tenha permanecido a mesma. Já Chilliard et al. (2003) descrevem que o uso de óleo de soja protegido na alimentação das cabras promove não só o aumento da porcentagem dos AGPI no leite assim como também aumenta a proporção dos ácidos graxos de cadeia curta e média. No entanto, a associação da oferta de lipídios contendo AGPI sem encapsulação com redução de fibra e aumento de grãos (concentrado) pode gerar conseqüências não desejadas como o aumento de isômeros trans no leite (LEDOUX et al., 2002). 3.3.1 Síntese dos lipídios Os lipídios do leite caprino são sintetizados nos alvéolos da glândula mamária, a partir dos ácidos graxos contidos no sangue, que têm como principal 34 origem a fermentação ocorrida no rúmen. Podem ser caracterizados como misturas de triacilgliceróis com grande proporção de ácidos graxos de cadeia curta e média (C4:0 – C16:0) (RIBEIRO, 1998; VILANOVA, 2007). Os ácidos graxos, glicerol e outros intermediários relacionados são sintetizados no citossol, e a biossíntese de triacilgliceróis situa-se no retículo endoplasmático das células epiteliais mamárias ou em suas proximidades (PARK; JACOBSON, 1996). A glândula mamaria extrai do sangue os ácidos graxos de cadeias longas que nele se encontram. Estes ácidos provêm da alimentação, das reservas corporais, da biossíntese de certos órgãos (fígado, em especial) e igualmente da microbiota ruminal, sendo que mais da metade dos ácidos ramificados C15:0 a C17:0 do leite provém desta via (LE MENS, 1991). Os lipídios de origem alimentar são hidrolisados no rúmen da cabra, resultando na hidrogenação dos ácidos graxos sob ação microbiana (VILANOVA, 2007). Entre os ácidos graxos sintetizados a partir do ácido acético no úbere (C4:0 a C16:0), os que possuem os mais elevados números de carbono (como o ácido palmítico - C16:0) são mais favorecidos por uma grande disponibilidade de ácido acético. Contudo, o aumento da porção de concentrado na dieta tende a diminuir a porcentagem de ácido acético no rúmen, com conseqüente redução de ácidos graxos de cadeia longa. Assim, a modificação na quantidade ofertada de concentrado tem efeitos importantes sobre a composição de ácidos graxos do leite (MORAND-FEHR; SAUVANT, 1980). 3.3.2 Efeito nutricional do conteúdo lipídico A digestibilidade pode ser definida como o coeficiente de absorção de um nutriente, sendo em geral expresso em porcentagem do que foi retido em relação ao que foi ingerido; se refere à capacidade que um alimento tem de ser digerido e utilizado pelo organismo para suas funções metabólicas normais (AVILA et al., 2003). As maiores características da melhor digestibilidade do leite caprino são concernentes a dois fatores relacionados à sua fração lipídica, sendo estes o tamanho reduzido dos glóbulos de gordura e a composição em ácidos graxos de cadeia curta e média (McCULLOUGH, 2003). 35 A média de tamanho do glóbulo de gordura proveniente do leite de cabra se situa ao redor de 3,5µ, com alta porcentagem de glóbulos com diâmetros de 1,5 a 3,0µ. Attaie e Ritcher (2000) realizaram a medição do tamanho das micelas de gordura do leite de várias espécies e encontraram como média o tamanho de 2,76µm para o leite caprino e 3,51µm para o leite bovino, valores estes um tanto reduzidos quando comparados aos citados por Park et al. (2007) de 3,49µm e 4,55µm respectivamente. É estimado que 65% dos glóbulos de gordura do leite caprino são de diâmetro inferior a 3µ, valores consideravelmente inferiores aos que são encontrados no leite bovino, com média de 4,5µ (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2001; PARK et al., 2007). Para Ohiokpehai (2003), a melhor digestibilidade do leite caprino se deve a constituição em 28% de glóbulos de gordura com diâmetro menor que 1,5mm frente a 10% no leite bovino. Vários autores afirmam que a maior facilidade na digestão do leite caprino se deve ao menor tamanho dos glóbulos ou micelas de gordura presentes, pois proporcionam uma emulsão fina e mais uniforme, a qual influencia favoravelmente na digestibilidade, além de apresentarem maior área superficial, o que consequentemente faz com que as lipases presentes no intestino possam degradar os lipídios mais rapidamente (JENNESS, 1980; NUNES, 1992; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ALFÉREZ et al., 2000; HAENLEIN, 2001; OHIOKPEHAI, 2003; McCULLOUGH, 2003; QUADROS, 2007; SMITH, 2007). 3.3.3 Ácidos graxos: teores, utilização médica e nutricional 3.3.3.1 Aspectos quantitativos O conteúdo de ácidos graxos (AG’s) do leite caprino diferencia-se sensivelmente dos teores encontrados no leite bovino. De forma geral, o leite de cabra pode ser considerado abundante em ácidos graxos de cadeia curta como o ácido butírico (C4:0), capróico (C6:0) e caprílico (C8:0) e de cadeia média como o cáprico (C10:0) e láurico (C12:0). Para Boza e Sanz Sampelayo (1997), no leite caprino são encontrados valores de até 35% de ácidos graxos de cadeia média enquanto que no leite bovino esse valor não ultrapassa normalmente 17%. Para os AG’s de cadeia menor (ác. 36 capróico, caprílico e cáprico) esses valores são da ordem de 15 e 5%, respectivamente, para o leite caprino e bovino. López-Aliaga et al. (2000) descrevem valores próximos de ácidos graxos de cadeia média para o leite de cabra (36%), porém pouco maiores para o leite bovino (21%), demonstrando no entanto, ainda uma diferença sensível entre os dois tipos de leite. Essa diferença contribui para que a velocidade de digestão da fração lipídica do leite de cabra seja mais rápida do que para os ácidos graxos de cadeia longa na medida em que as lipases hidrolisam as ligações éster dos ácidos graxos. 3.3.3.2 Aplicações médicas e nutricionais O leite de cabra excede o leite de vaca em ácidos graxos monoinsaturados de cadeia curta como os ácidos capróico, caprílico e os triacilgliceróis de cadeia média (TCM) podendo estes ser estabelecidos como coadjuvante no tratamento para uma série de desordens clínicas (especialmente de origem gastrointestinal), o que justifica a singularidade do leite de cabra para a nutrição e medicina humanas (HAENLEIN, 2004; BABAYAN, 1981). Segundo Hernandez e Guzman (2003) os ácidos graxos de cadeia curta e fosfolipídios provenientes do leite possuem de fato funções nutricionais como prevenção contra enteropatógenos, efeito protetor contra úlceras gástricas e defesa contra Listeria sp. As desordens digestivas passíveis de tratamento com os ácidos graxos de cadeia curta e principalmente os TCM proveniente do leite caprino incluem síndromes de má absorção de nutrientes, diarréia, esteatorréia, hiperlipoproteinemia, ressecções intestinais, fibrose cística, desnutrição infantil, cálculo biliar, insuficiência pancreática, pancreatectomia, déficit ou ausência de sais biliares como em hepatite crônica ou neonatal, cirrose biliar ou alcoólica e icterícia obstrutiva. Estes tipos de compostos também podem ser utilizados na alimentação de pacientes desnutridos e crianças prematuras, sendo a recomendação justificada em função da habilidade metabólica única dos componentes de providenciar energia direta e rapidamente ao invés ser depositada nos tecidos adiposos (BABAYAN, 1981; SCHMIDL; LABUZA, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2004). O percentual mais elevado de ácidos graxos de cadeia curta e média, metabolizados de forma diferenciada dos ácidos graxos de cadeia longa, facilita a digestão e favorece o esvaziamento gástrico e conseqüentemente reduz a incidência 37 de aparecimento de refluxo gastroesofágico (FISBERG et al., 1999). Desta forma, têm sido utilizados como rápida fonte de energia para bebês prematuros, pacientes com anorexia, desnutrição ou doenças relacionadas á má absorção lipídica. As características únicas de metabolização dos TCM são fundamentais no tratamento de pacientes com má absorção lipídica que necessitam do maior aporte calórico possível, além de uma maior fixação do conteúdo lipídico dos alimentos no organismo (BABAYAN, 1981; SCHMIDL; LABUZA, 1994; TEMME; MENSINK; HORNSTRA, 1997; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000; HAENLEIN, 2004; MING, 2006). A vantagem na utilização dos ácidos graxos de cadeia média (AGCM) em casos de dificuldade na metabolização e aproveitamento de lipídios no organismo, relaciona-se com o fato de poderem ser absorvidos diretamente sem necessidade de serem reesterificados. Desta forma, são mais facilmente hidrolisados pelas enzimas pancreáticas (SOUZA-SOARES, 1980; HAENLEIN, 2001; OHIOKPEHAI, 2003; RIEGEL, 2004; BERG, TYMOCZKO, STRYER, 2004). Esse processo pode aumentar a absorção de vitaminas lipossolúveis e reduzir a esteatorréia (perda de lipídios pelas fezes) em pacientes com dificuldade de absorver lipídios. Em pacientes com diarréia pode ser utilizado como auxiliar do tratamento com eficácia, pois os lipídios presentes no TCM auxiliam a reduzir a absorção de água no cólon, evitando a desidratação (McCULLOUGH, 2003). Para López-Aliaga et al (2000), o alto conteúdo de TCM (35%) do leite de cabra favorece o transporte de nutrientes pela membrana basolateral dos enterócitos, produzindo a rápida utilização da energia gerada pelos triacilgliceróis de cadeia média. Alférez et al. (2006) observaram em experimento com ratos alimentados com dietas á base de leite caprino e bovino, que a primeira dieta promoveu nos animais uma maior absorção de Fe, tendo sido justificada também pela presença do maior conteúdo de TCM. Segundo o autor, os TCM são rapidamente absorvidos e metabolizados para se obter energia e parecem aumentar a síntese de proteínas carreadoras e com isso, aumenta a absorção de Fe. Segundo Barrionuevo et al. (2002), os AG de cadeia curta também são importantes nutricionalmente no sentido de favorecer a adaptação intestinal após ressecções intestinais, provavelmente por causa do aumento da quantidade de outros nutrientes transportados através da membrana basolateral. É possível também que os TCM absorvidos pelas células intestinais sem reesterificação 38 (entram diretamente pela circulação portal), tenham um papel efetivo na adaptação intestinal após um procedimento deste nível (ressecção), gerando uma ótima absorção de outros nutrientes da dieta. Este fato foi confirmado por López-Aliaga et al. (2003) com relação à maior absorção de magnésio em ratos que sofreram ressecção, alimentados com dietas à base de leite de cabra. Tendo em vista, os requerimentos nutricionais de lipídios por diferentes segmentos da população com dificuldades metabólicas, os AGCC e AGCM se inserem neste contexto perfeitamente uma vez que possuem fácil metabolização e absorção podendo ser utilizados na suplementação calórica das dietas infantis, geriátricas e elaboração de fórmulas alimentícias (MING, 2006). Do ponto de vista nutricional, a ingestão e absorção de ácidos graxos de menor peso molecular, são interessantes pela sua velocidade, facilidade digestiva e a forma de transporte no organismo (SOUZA-SOARES, 1980). Assim, o leite caprino também vem ser uma alternativa alimentar a estes segmentos da população, por ser uma fonte de AGCM diferente de óleos vegetais um tanto difíceis de obtenção, como o óleo de côco, de semente de palma e de ouricuri (SOUZA-SOARES, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2004; LÓPEZ-HERNANDEZ, GARCIA; HILL, 2005). 3.3.3.3 Forma de absorção dos ácidos graxos de cadeia curta e média: sistema Via Porta ou Portal A via linfática é o modo tradicional de metabolização dos triacilgliceróis no organismo. Embora haja secreção de lipase gástrica (atuante melhor sobre os ácidos graxos de cadeia curta e média) seu efeito digestivo é considerável apenas em lactentes por possuírem pH estomacal mais elevado que de adultos. Já a lipase pancreática, utilizada normalmente, atua conjuntamente com a co-lipase, fosfolipídios e com sais biliares formando uma micela em emulsão com os triacilgliceróis (TAG). A micela é hidrolisada pelo complexo lipase-colipase, a ácidos graxos e monoacilglicerídeos sendo absorvidos pelo intestino delgado e reintegrados a TAG nos enterócitos para ultrapassarem a barreira plasmática (RIEGEL, 2004; BERG, TYMOCZKO, STRYER, 2004). No entanto, TAG de cadeia curta e média não são metabolizados pela via linfática e sim pelo sistema veia porta ou circulação porta (Fig. 1.1). Por possuírem 39 cadeias de peso molecular mais reduzido e razoável hidrossolubilidade, são absorvidos intactos pelas células das vilosidades intestinais, não sendo necessária a formação de micelas (quilomícrons) na luz intestinal para serem absorvidos no intestino e transportados diretamente pelo sangue (via portal) até o fígado (RIEGEL, 2004; BERG, TYMOCZKO, STRYER, 2004; SCHMIDL; LABUZA, 1994). Assim, os ácidos graxos livres derivados da hidrólise dos TAG, tanto de cadeia curta como principalmente de cadeia média (TCM), são capazes de serem absorvidos sem reesterificação nas células intestinais, sendo levados até o plasma diretamente pela veia porta e transportados ao fígado, tecidos periféricos ou para aproveitamento energético, fixados a proteínas ou como AG livres (SOUZASOARES, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; McCULLOUGH, 2003; MING, 2006). A maior e mais completa digestão dos ácidos graxos de cadeia curta e média (preferencialmente C4:0 – C10:0) é devido a hidrólise destes componentes iniciar no estômago com a ação da lipase gástrica (praticamente sem ação sobre os TAG da cadeia longa), sendo completada pela lipase gástrica a um ritmo cinco vezes superior a hidrólise dos TAG’s de cadeia longa (SCHMIDL; LABUZA, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000). Através do transporte mais facilitado e rápido, os ácidos graxos de cadeia curta e média servem como uma ótima fonte de energia imediata. Alcançam o fígado mais rapidamente, podendo ser utilizados mais facilmente pelas células, pois não requerem a carnitina para sua entrada, o que é importante em pacientes com patologias que reduzem ou inibem a síntese da carnitina. Além disso, sua ßoxidação é mais rápida que os ácidos graxos de cadeia longa. Assim, pelo transporte mais rápido e facilitado, os ácidos graxos de cadeia curta e média servem como uma ótima fonte de energia imediata e podem proporcionar benefícios aos pacientes com problemas relacionados à má absorção lipídica (CARNIELLI et al., 1994; SCHMIDL; LABUZA, 1994; ALFÉREZ et al., 2000; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000; YANKAH; AKOH, 2000; D’AGOSTINI, 2001; MING, 2006). 40 Figura 1.1 - Digestão, absorção e ressíntese do triacilgliceróis alimentares TG – triacilgliceróis (ou TAG); AG – ácido graxo; MG – monoglicerídeo, G – glicerol; AGCC – ácido graxo de cadeia curta; QM – quilomicra Fonte: RIEGEL (2004), adaptado. 3.3.3.4 Outras frações lipídicas, co-relacionadas com lipídios e seu efeito fisiológico O alto conteúdo de ácido orótico no leite de cabra (pode chegar a 13mg.L-1) possui valor na prevenção de síndromes de gordura no fígado como por exemplo a esteatose (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2001; PANDYA; GHODKE, 2007). A suplementação de orotato (derivado do ácido orótico) na alimentação de ratos já demonstrou provocar decréscimo drástico na concentração de ácidos graxos totais e saturados no plasma, induzindo modificações no perfil de ácidos graxos hepáticos como aumento nos teores de ácido araquidônico, ômega 3 e 6 (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). A carnitina é um aminoácido que possui importância fundamental no organismo, sendo necessária para a entrada dos ácidos graxos na mitocôndria e conseqüente oxidação (fornecimento de energia para as células), na inicialização da cetogênese e para manter a termogênese. Não se conhece a exata quantidade requerida diariamente, mas sabe-se que indivíduos saudáveis que possuem na dieta níveis suficientes de aminoácidos essenciais (lisina e metionina), sintetizam no 41 fígado e rins conteúdos adequados de carnitina (SCHMIDL; LABUZA, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; PARK et al., 2007). Patologias que causam danos ao fígado podem conseqüentemente prejudicar a síntese da carnitina. Assim, sua presença no leite caprino em grandes quantidades (136 µmol.L-1 versus 65 µmol.L-1 no leite humano) pode ser uma alternativa para pacientes acometidos com esse tipo de problema, uma vez que a carnitina demonstra um melhor aproveitamento dos lipídios presentes no leite, favorecendo a obtenção de energia a partir de outras gorduras presentes na dieta. Testasecca (1987) e Bohles et al. (1984) citados por Schmidl e Labuza (1994) afirmam que a suplementação de carnitina na dieta de pacientes hospitalizados melhorou seu metabolismo energético e sua massa muscular. Também um componente nutricional valioso na alimentação de neonatos, pois a síntese endógena de lisina parece ser bem menor do que nos adultos, logo a síntese de carnitina também é prejudicada (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ALFÉREZ et al., 2000; PARK et al., 2007). 3.3.3.5 Teor de colesterol e efeito nas frações lipídicas plasmáticas Os esteróis são uma menor fração do total de lipídios, e o colesterol é uma das principais frações dos esteróis. O colesterol tem importantes funções fisiológicas no organismo como constituinte das membranas celulares e como elemento na síntese de ácidos biliares, hormônios e vitamina D (RODRIGUES, 2003; JAEKEL, 2007; PARK et al, 2007). Contudo, o colesterol em níveis elevados no plasma é causa de preocupação para profissionais da saúde, por constituir um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, tais como aterosclerose e suas complicações (RODRIGUES, 2003; MATOS et al., 2005). Assim, considera-se que a fração esterol do leite é de interesse nutricional, pela associação com o aumento no risco de doenças de origem cardíaca (PARK et al., 2007). O conteúdo de colesterol é considerado alto no leite de vaca, reduzindo no leite de búfala e menor ainda no leite caprino, diminuindo nos derivados dos mesmos na seguinte ordem: nata > manteiga > manteiga clarificada (ghee) > buttermilk > leite > leite desnatado (de acordo com as respectivas espécies) (PANDYA; GHODKE, 2007). 42 Já as lipoproteínas plasmáticas são complexos moleculares de lipídios e proteínas específicas denominadas apoproteínas (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995). Possuem um núcleo hidrofóbico composto de triacilgliceróis e ésteres de colesterol envoltos por uma superfície hidrofílica de colesterol livre, não-esterificado, fosfolipídeos e apolipoproteínas (JAECKEL, 2007). De acordo com sua densidade podem classificar-se em LDL (Low Density Lipoprotein ou lipoproteínas de baixa densidade), HDL (High Density Lipoprotein ou lipoproteínas de alta densidade), VLDL (lipoproteínas de densidade muito baixa) e quilomícrons ou QM (com densidade ainda menor), sendo o LDL e o HDL os mais estudados. O transporte de colesterol é feito em aproximadamente 65% pela LDL e 25% pela HDL (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995; JAECKEL, 2007). Os lipídios da dieta absorvidos no intestino, e aqueles sintetizados endogenamente, são distribuídos aos tecidos pelas lipoproteínas HDL e LDL para utilização ou armazenamento no organismo. Logo, tanto o colesterol como os triacilgliceróis são transportados por partículas destas lipoproteínas (MARZZOCO; TORRES, 1999). No leite, o colesterol encontra-se livre e também associado à lecitina (esterificado), em concentrações de 0,196mg.g-1 de leite e 0,368mg.g-1 de gordura e de 0,26mg.g-1 de leite e 0,52 mg.g-1 de gordura, na porção esterificada (LE MENS, 1991). Para Loewenstein et al. (1980), o conteúdo de colesterol no leite de cabra é de 0,108mg.g-1 a 0,163mg.g-1 de gordura frente ao teor de 0,07 a 0,15mg.g-1 para o leite bovino, enquanto que para Boza e Sanz Sampelayo (1997) essa faixa para o leite caprino pode se estender de 100 a 200mg.L-1 de leite, sendo a maior parte na forma livre e somente uma pequena fração na forma de éster (JENNESS, 1980). Já Mccullough (2003) cita que o leite caprino teria uma quantidade menor de colesterol (0,10mg.g-1) do que o leite bovino (0,14mg.g-1). Os valores tão distintos descritos para o colesterol encontrado no leite variam consideravelmente devido a diferentes raças e uso de diferentes técnicas analíticas para sua identificação e quantificação (PARK et al., 2007). Boza e Sanz Sampelayo (1997) e Haenlein (2004) descrevem que a ingesta do leite caprino pode promover a redução no teor de colesterol sérico em humanos, inibindo e limitando a deposição do colesterol. Em certos estudos, o consumo de dietas que continham leite de cabra por parte de pacientes arteriopáticos e idosos reduziu o colesterol total e a fração LDL (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). 43 Em comparação a dietas à base de leite preparado para ratos com e sem ressecção intestinal, Alférez et al. (2000) observaram que o mais baixo nível de colesterol correspondia aos dois grupos de animais alimentados com dietas à base de leite de cabra; estes resultados concordam com os obtidos por Zoppi et al. (1995) apud Alférez et al. (2000) que demonstraram que o consumo de uma dieta contendo leite caprino reduz os dois níveis de colesterol total e a fração LDL. Para os ratos que sofreram ressecção intestinal e receberam a dieta de leite caprino, os níveis de HDL no soro foram mais elevados do que os do grupo com dieta de leite de vaca e de gordura semelhantes às do azeite e, de acordo com Thomsen et al. (1999), este tipo de gordura vegetal é benéfica para os seres humanos, porque aumenta a fração HDL, desejável no organismo. Em experimento com dietas à base de leite caprino e bovino, López-Aliaga et al. (2005) observaram diminuição das concentrações de colesterol e triglicerídeos plasmáticos observada com a dieta baseada em leite de cabra, obtendo o efeito mais pronunciado sobre os lipídios do plasma. No que se refere à secreção biliar, o resultado mais importante foi o aumento da saída do colesterol. Além disso, a fração lipídica do leite de cabra possui teor de ácidos graxos monoinsaturados mais elevados do que no leite de vaca (HAENLEIN, 2001), sendo estes ácidos graxos conhecidos pelo efeito hipocolesterolêmicos (LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005). CAPÍTULO 2 PERFIL FÍSICO-QUÍMICO DO LEITE CAPRINO COMPARADO AO DO LEITE BOVINO, PRODUZIDOS NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL 1 INTRODUÇÃO Informações sobre composição, propriedades e características físicoquímicas do leite caprino são de suma importância para o desenvolvimento bem sucedido de indústrias processadoras do leite, bem como para a comercialização dos produtos derivados (PRATA et al., 1998; PARK et al., 2007). A composição do leite bovino no mercado normalmente apresenta pequenas alterações ao longo do ano, pois na maioria das vezes é coletado em tanque único; isso ocorre em função do leite destes tanques ser proveniente de vários animais que apresentam pouca variação na composição em função da produção ser normalmente contínua (durante o ano inteiro). Por outro lado, a situação é bastante diferente para o leite caprino, que é predominantemente produzido de forma sazonal, o que resulta em mudanças na sua composição em função da época do ano (PARK et al., 2007). A produção e a qualidade físico-química e nutricional do leite de cabra estão diretamente relacionadas com a aptidão leiteira do animal, diferenças individuais entre animais, raça, período de lactação, clima, condição genética, idade, além do manejo (sistema de criação), tipo, quantidade e qualidade da dieta dos animais bem como a ação combinada destes fatores com as condições ambientais de cada região (BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; PRATA et al., 1998; FONSECA et al., 2006; ZAMBOM, 2006). A alimentação é um dos principais fatores que influenciam a composição do leite em geral (ZANELA, 2004), especialmente no caso do leite caprino, (MORANDFEHR et al., 2007). O manejo alimentar é considerado 45 como um fator determinante na produção e composição do leite caprino, pois possui relação direta com a quantidade versus qualidade da dieta ofertada (valor nutritivo do alimento) e com o nível de ingestão da dieta pelo animal (PRATA et al., 1998; ZAMBOM, 2006; PARK et al., 2007). Além disso, a alimentação tem primordial importância no sentido que abrange cerca de 50 a 90% do total do custo de produção do leite (MORAND-FEHR et al., 2007). Quanto à composição físico-química do leite caprino, a gordura é um dos componentes mais variáveis, tanto no sentido qualitativo como quantitativo. Sua concentração e composição são mais influenciadas do que as demais frações, principalmente pela dieta dos animais e condições ambientais (VILANOVA, 2007). De forma geral, o conteúdo de gordura no leite caprino pode aumentar sem mudança na produção do leite, enquanto que em vacas leiteiras, o aumento na produção de leite tanto pode aumentar quando reduzir o conteúdo de gordura (PARK et al, 2007). As características nutricionais mais importantes do leite de cabra são relacionadas ao teor lipídico; assim, o tamanho reduzido dos glóbulos de gordura e o maior conteúdo de ácidos graxos de cadeia curta e média (15 a 20% e 35% versus 5% e 17% do leite bovino) contribuem para a melhor digestibilidade lipídica do leite de cabra com relação ao leite de bovino. O maior conteúdo dos ácidos graxos de cadeia curta e média também é responsável pelas características peculiares de sabor do leite caprino (LIN et al., 1996; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; MIR et al., 1999; HAENLEIN, 2001; McCULLOUGH, 2003). Outro importante macro elemento do leite caprino a considerar-se é a proteína. Constitui-se em um componente fundamental tanto do ponto do vista nutritivo como tecnológico. Em determinados países (principalmente os da Europa) o teor protéico já é levado em consideração para efeito de pagamento do leite ao produtor, uma vez que o maior teor do componente pode propiciar maior rendimento quanto à produção de queijos dentro da indústria (BONASSI; KROLL; VIEITES, 1996). Nutricionalmente, sua composição (embora seja relativamente similar ao leite bovino quanto ao conteúdo) apresenta diferenças quanto a menor alergenicidade, o que auxilia na utilização por parte de alérgicos ao leite de vaca (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; McCULLOUGH, 2003; HAENLEIN, 2004; SMITH, 2007). 46 A lactose é o carboidrato presente em maior proporção no leite de cabras, ovelhas e bovinos. Possui importante ação no organismo humano, pois favorece a absorção intestinal de cálcio, magnésio e fósforo e a utilização de vitamina D, assumindo importância na dieta de idosos uma vez que a absorção dos nutrientes referidos nessa faixa etária é reduzida (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000; PARK et al., 2007). É o componente de menor variação do leite, que se justifica pela estreita relação entre a síntese de lactose e a quantidade de água drenada para o leite, uma vez que a mesma atua como o principal componente osmótico do leite (VILANOVA, 2007). Dentre os vários processos tecnológicos para o beneficiamento do leite caprino, a pasteurização é um método eficaz e de baixo custo que pode assegurar a destruição da flora patogênica, aumentar o tempo de vida útil (em associação com outros processos), garantir a inocuidade do produto e conservar suas características sensoriais e nutritivas, como as proteínas e vitaminas (SILVA, 2002; OHIOKPEHAI, 2003; PANDYA; GHODKE, 2007; PARK et al., 2007; RAYNAL-LJUTOVAC et al., 2007). A pasteurização lenta em particular tem sua importância pelo fato de constituir um processo que remete às condições reais de beneficiamento do pequeno produtor, pois além da simplicidade, possui baixo custo e atende melhor a uma baixa demanda de produção (SILVA; ALBUQUERQUE; SILVA, 2004). A composição físico-química do leite apresenta importância relevante sob diferentes aspectos. Para os produtores de leite, os conteúdos de gordura, proteína, lactose, extrato seco total (EST) e extrato seco desengordurado (ESD) são parâmetros utilizados para o melhoramento genético dos rebanhos e controle leiteiro. Para os laticínios, podem ser critérios utilizados para remuneração aos produtores, destino da matéria-prima dentro do processamento e previsão do rendimento. E finalmente, ao consumidor, a composição do leite está relacionada à preocupação com a qualidade nutricional do produto final e as vantagens que o mesmo pode trazer à manutenção da saúde (NEVES et al., 2004). Diversos autores têm se preocupado em determinar a composição química e características físico-químicas do leite de cabra (JENNESS, 1980; DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; BENEDET; CARVALHO, 1996; BONASSI; KROLL; VIEITES, 1996; BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; PARK et al., 2007; RAYNAL-LJUTOVAC et al., 2007). No entanto, os 47 resultados encontrados pelos pesquisadores, evidenciam muitas vezes diferenças acentuadas que podem ocorrer de região para região. Dessa forma, o presente estudo objetivou traçar o perfil físico-químico dos principais componentes do leite caprino, comparando-o ao do leite bovino, produzidos na região sul do RS. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Coleta e preparo das amostras O leite caprino avaliado foi obtido de cabras da raça Saanen (criadas sob regime semi-extensivo), de um rebanho composto por aproximadamente 50 animais, provenientes de um plantel com área total de 1,5 hectares. A propriedade está localizada no município do Capão do Leão, região sul do RS, caracterizada por clima subtropical, altitude de 21m, predominando planície costeira, de coordenadas 31º48’4,63’’ a sul e 52º25’32,87’’ a oeste aproximadamente. O sistema de alimentação das cabras utilizadas no estudo foi dividido entre oferta de alimento no cocho (concentrado composto principalmente de farelo de arroz e casca de soja e volumoso constituído de sorgo e milho picados) e suplementação com pastagem (azevém). O período de lactação das cabras compreendeu da 1ª a 16ª semana (1º ao 4º mês) correspondendo ao início e pico de lactação. O leite bovino foi obtido de vacas Jersey mantidas em sistema free-stall, pertencentes à Estação Experimental da Embrapa (área de Bovinos de Leite) localizada também no município de Capão do Leão - RS. As vacas incluídas no estudo eram alimentadas com concentrado (composto de milho, farelo de arroz e grão de soja) ofertado no cocho, volumoso (silagem de sorgo) e pastagem (azevém). O período de lactação das vacas foi da 1ª a 20ª semana (1º ao 5º mês). As amostras foram coletadas na 1ª ordenha da manhã, acondicionadas em recipientes de vidro previamente higienizados e enviadas sob refrigeração (10ºC) em embalagem térmica ao laboratório de análises, em embalagem térmica. A periodicidade de coleta foi semanal (uma vez por semana), durante os meses de novembro de 2006 a fevereiro de 2007, perfazendo 15 coletas individuais de cada tipo de leite no período total do experimento. O leite de cabra foi ordenhado 48 de forma manual, sendo as amostras utilizadas no estudo correspondentes a um pool de 15 animais selecionados em função de sua maior aptidão leiteira. Da mesma forma, o leite bovino era proveniente de aproximadamente 35 vacas ordenhadas mecanicamente, sendo enviado diretamente ao tanque de expansão, onde as amostras eram coletadas após homogeneização automática no próprio tanque. 2.2 Tratamento térmico do leite Após a chegada ao laboratório de Bromatologia (DCTA), os leites de cabra e bovino foram transferidos para béqueres individuais com volume de 2000mL e submetidos à pasteurização lenta em banho-maria (Nova Técnica® modelo NT 235) regulado para temperatura de 65ºC (± 3ºC) por 30 min segundo Fonseca et al. (2006). O tempo do processo foi controlado a partir do momento em que as amostras de leite atingissem a temperatura do tratamento térmico determinado (através de termômetro inserido no interior da vidraria contendo as amostras). Após foi realizado o resfriamento em banho de gelo até a temperatura de 15ºC e os leites mantidos sob refrigeração (10ºC) até a realização das determinações físicoquímicas. 2.3 Determinações físico-químicas do leite pasteurizado As determinações físico-químicas dos leites, realizadas em triplicata, foram: percentual de proteína, lipídios e lactose pelo equipamento infravermelho Bentley 2000® (BENTLEY, 1995)∗. A acidez titulável foi determinada de acordo com as normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985); a densidade através do Lactodensímetro de Quèvenne, sendo corrigida para 15ºC; o Extrato Seco Total (EST) pela utilização do Disco de Ackermann (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 1985) e o Extrato Seco Desengordurado (ESD) através de cálculo por diferença da porcentagem de gordura obtida. O pH dos leites homogeneizados por 3 min foi determinado em potenciômetro digital (Schott Glas®, modelo Handylab pHmeter), ∗ Bentley Instruments Inc., Bentley 2000: Operator’s Manual. Chaska, MN, USA, 1995, 77p. 49 com eletrodos de vidro combinados, previamente calibrados a 20°C usando soluções padrão de pH 4,0 e 7,0. 2.4 Análise estatística Os resultados das determinações físico-químicas foram compilados e analisados pelo programa Statistica, versão 6.0 (STATISTICA, 2001). Foi realizada a análise de variância (ANOVA), teste F e o teste de Tukey (p≤0,05) para a comparação das médias dos resultados das amostras. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Dada à importância da pasteurização, principalmente em função de assegurar as características sensoriais, nutritivas e de inocuidade do leite, é fundamental pesquisar a possibilidade de alteração dos componentes do leite, que vão variar de acordo com a intensidade dos tratamentos aplicados e para as diferentes espécies leiteiras (REMEUF; RAYNAL, 2000; SILVA; ALBUQUERQUE; BISCONTINI, 2002). De acordo com Feijó et al. (2004) e Zanella (2004), a nutrição representa o fator mais importante que causa variações na composição e na produção de leite de cabras e vacas. Variações na quantidade e na qualidade dos ingredientes, bem como a forma física da dieta e o nível dos nutrientes da mesma, permitem a sua manipulação com conseqüentes variações na composição do leite. Assim, se realizou o estudo da composição físico-química do leite caprino comparado ao bovino a fim de justificar suas variações e avaliar sua adequação quanto aos parâmetros exigidos pela legislação brasileira. Observa-se na Tab. 2.1 que os leites de cabra e bovino diferiram significativamente (p≤0,05) em todos os parâmetros físico-químicos avaliados, à exceção do pH. 50 Tabela 2.1 - Características físico-químicas dos leites caprino e bovino pasteurizados, produzidos no sul do Rio Grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007), comparadas à legislação brasileira Leite Caprino Leite Bovino Parâmetro 1* Legislação Média Legislação 2* Média b a Acidez (ºD) 16,82 ± 1,56 13 – 18 18,71 ±1,24 14 – 18 6,52 ± 0,10a --- 6,46 ± 0,03a --- 1.027,9 ± 1,72b 1.028,0 –1.034,0 1.030,2 ± 1,12a 1.028,0 – 1.034,0 Gordura (%) 3,01 ± 0,31b Teor original 4,67 ± 0,33a Mín. 3,0 Proteína (%) 2,88 ± 0,14b Mín. 2,8 3,46 ± 0,10a Mín. 2,9 Lactose (%) 4,27 ± 0,26b Mín. 4,3 4,63 ± 0,14a --- pH Densidade (g.L-1) 3 10,85 ± 0,61 ESD (%) 4 7,82 ± 0,50b EST (%) b a --- 13,17 ± 0,96 Mín. 8,20 8,66 ± 0,36a Mín. 11,5 Mín. 8,4 1 Legislação: Instrução Normativa nº. 37 de 31 de outubro de 2000 do Diário Oficial da União; Instrução Normativa 51 de 18 de setembro de 2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 3 EST: extrato seco total 4 ESD: extrato seco desengordurado * Traços nas linhas das colunas demarcadas indicam a ausência de dados de referência exigidos pela legislação brasileira de cada espécie de leite; Os valores correspondem a média de três repetições com estimativa de desvio padrão (n=3); médias seguidas de letras distintas na mesma linha diferem entre si pelo Teste de Tukey a 5% de probabilidade; 2 Observa-se na Tab. 2.1 que os leites de cabra e bovino diferiram significativamente (p≤0,05) em todos os parâmetros físico-químicos avaliados, à exceção do pH. O pH e a acidez titulável foram determinados com o objetivo de se verificar o estado de conservação das amostras de leite. A acidez titulável é a principal medida de controle de higiene sanitária do leite, ou seja, o aumento excessivo na acidez pode indicar contaminação microbiana prejudicial ao leite, suficiente para considerálo impróprio ao consumo (PRATA et al., 1998; ZANELA, 2004; SCHMIDT et al., 2008). Embora Voutsinas et al. (1990) apud Prata et al. (1998) tenham trabalhado com leite caprino da raça Alpina, os valores de acidez dos autores se encontram bastante próximos aos do estudo, tendo obtido média 16,76ºD, com valores variando de 14 a 18,5ºD. A acidez do leite caprino também é similar a média encontrada por Bonassi, Martins e Roça (1997) de 16ºD, que concluíram que este parâmetro não parece ser afetado pelo estágio de lactação. A acidez do leite caprino apresentou-se dentro da faixa recomendada pela legislação. A literatura relata certa tendência em valores de acidez muito variáveis e 51 mais elevados para o leite de cabra, entre 14ºD até raramente 23ºD, comparativamente ao leite de vaca onde esse limite normalmente se mantém em 15 a 18ºD (PARK et al., 2007). Essa variação pode ser justificada pela diferença entre espécies assim como as condições de higiene da ordenha, transporte e armazenamento das amostras, além do conteúdo de proteína (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987). Le Mens (1991) e Gomes, Bonassi e Roça (1997) citam uma faixa de variação para a acidez do leite caprino bem mais restrita (12 a 14ºD), porém podendo atingir no final da lactação de 16 a 18ºD pela associação do leite com maior conteúdo de caseínas. A caseína pode representar de 5 a 6ºD do total de acidez titulável do leite (em condições normais, sendo a acidez natural) e sendo assim, embora não tenha sido realizada a determinação de caseína nas amostras, denotase que o maior teor de proteína e provável maior porcentagem de caseína (no caso do leite bovino), pode ter influenciado na maior acidez do leite bovino (Zanela et al., 2006). Pelos resultados encontrados, a diferença de acidez entre as duas espécies foi significativa (p≤0,05), estando o leite bovino com um valor pouco acima do permitido pela legislação (BRASIL, 2002) para a referida espécie. No entanto, Nascimento, Cruz e Sá (2004) encontraram valores de acidez consideravelmente elevados em leite bovino cru coletado em propriedades e na recepção da indústria (19-21ºD) tendo sido justificado pelo efeito do binômio tempo/temperatura sob o leite cru; o tempo demasiado e a falta de refrigeração adequada após a ordenha, armazenamento e transporte até o local de processamento estimularam o aumento da acidez do leite. No presente estudo, um problema que pode ter ocorrido é a refrigeração marginal inadequada do tanque de expansão. Segundo a IN 51 (BRASIL, 2002), na 1ª hora após a ordenha/coleta, a temperatura do leite no tanque deve estar abaixo de 10ºC e na 2ª hora, na temperatura de 5ºC no mínimo. Se essas faixas de temperatura não são obedecidas, pode haver possibilidade de multiplicação bacteriana nesse período, com conseqüente hidrólise da lactose e formação de ácido láctico. O fato pode promover o aumento da acidez adquirida, causando prejuízos à qualidade do leite. O valor médio de pH do leite de cabra foi maior que o citado por Pandya e Ghodke (2007) de 6,3 e muito próximo do valor encontrado por Nunes (1992), de 6,54, relacionando-se com valores citados por Le Mens (1991) e Boza e Sanz Sampelayo (1997), de 6,3 a 6,7. A média de pH do estudo encontra-se no limite 52 mínimo da faixa citada por Park et al. (2007) de 6,50 a 6,80. Voutsinas et al. (1990) apud Prata et al. (1998), trabalhando com a raça Alpina, também encontraram média bastante próxima ao deste trabalho, de pH 6,57 variando entre 6,5 e 6,7. O valor de pH encontrado para o leite bovino pode ser considerado baixo para o que normalmente a literatura cita, na faixa de 6,57 a 6,80 (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; PARK et al., 2007), porém o menor valor se relaciona diretamente com a maior acidez do leite bovino, pois os dois fatores e suas variações são dependentes do estado de conservação das amostras (PRATA et al., 1998). Segundo Ohiokpehai (2003), o pH do leite de cabra é significativamente menor (pH 6,4) do que a do leite bovino (pH 6,7), podendo ser encontrado valores de até 6,3 (PANDYA; GHODKE, 2007). Normalmente a faixa de pH do leite de cabra tende a ser maior, variando de 6,50 a 6,80 e em uma faixa de valores mais restritos (6,65 a 6,71) para o leite bovino (PARK et al., 2007). Boza e Sanz Sampelayo (1997) e Zanella (2004) descrevem que um maior valor de pH pode estar relacionado com um maior teor protéico do leite e as diferentes combinações de seus fosfatos, e isto por sua vez, normalmente está relacionado com o pH do leite de cabra. No entanto, o baixo teor de proteína encontrado para o leite caprino no presente estudo coincidiu com um maior pH (com relação ao leite bovino), parecendo não ter havido influência direta do conteúdo de proteína. A densidade do leite de cabra, segundo Le Mens (1991), varia segundo a forma de obtenção, ou seja, se o leite é obtido de animais individualmente, de rebanhos ou ainda, se é considerado leite de mistura (proveniente de vários animais, coletado em tanques). É dependente de dois fatores principais: teor em matéria seca e do conteúdo lipídico do leite, e ainda, pode oscilar em função das estações do ano (clima), manejo, estado fisiológico e raça do animal (LE MENS, 1991; NUNES, 1992; MUMBA et al., 2003). Os valores obtidos para densidade do leite caprino foram corrigidos para 15ºC, apresentando média no limite do mínimo exigido pela legislação (BRASIL, 2000) e dentro da faixa encontrada por Jenness (1980) e Le Mens (1991) de 1.026 a 1.033 – 1042g.L-1. Porém, a densidade média do leite de cabra está abaixo dos valores citados por Nunes (1992) de 1.029 a 1.032 g.L-1, Benedet e Carvalho (1996) de 1.032,05g.L-1, Bonassi, Martins e Roça (1997) de 1.028,60 a 1.033,30 (média de 1.031,05g.L-1), Lora (1999), que obteve valores de 1.030,0 – 1.034,0 (média de 53 1.032,0g.L-1) e ainda Pandya e Ghodke (2007), de 1.029,3 a 1.035,8 (com média de 1.033,2g.L-1). Bonassi, Martins e Roça (1997) observaram correlação positiva da densidade com a concentração de extrato seco total (EST) e extrato seco desengordurado (ESD), mas não para as condições climáticas e estação do ano. Levando em consideração que o EST está relacionado com a concentração de sólidos em geral do leite (principalmente proteína, gordura, lactose) notou-se que os valores não tão expressivos dos principais macro-elementos do leite caprino resultaram em um valor de EST reduzido. Assim, a correlação entre EST e densidade parece ter ocorrido para os dados do presente estudo uma vez que os baixos teores de EST e ESD refletiram-se no valor relativamente reduzido para a densidade. A relação de baixos teores de EST e ESD com a redução da densidade concorda com os dados de Damásio, Moraes e Oliveira (1987). Outro fator que pode influenciar indiretamente a densidade é o estágio de lactação, uma vez que normalmente no final da lactação há um aumento nos teores de proteína e minerais e, consequentemente, possível aumento na densidade. Já no pico de lactação, em função do aumento de produção de leite e diminuição da concentração dos constituintes do mesmo, a densidade decresce (BARBOSA et al., 2002; CASTRO et al., 2002; GOMES et al., 2004). O valor reduzido de densidade do leite de cabra parece ter sido influenciado pelo período de lactação, uma vez que as coletas foram realizadas entre a 1ª e 16ª semana de lactação. Como este período abrange o pico de lactação (normalmente por volta de 8ª semana), a redução dos constituintes do leite promove a conseqüente redução da densidade. Zambom (2006), trabalhando com cabras Saanen no período pré-parto e durante a lactação, obteve densidade de 1.026,0 g.L1 , notando-se a influência do período no valor reduzido deste parâmetro. A densidade do leite bovino está de acordo com o exigido pela legislação (BRASIL, 2002) e está na faixa situada entre 1.023,1 a 1.039,8g.L-1 citada por Park et al. (2007), coincidindo com Neves et al. (2004) os quais obtiveram média geral de 1.030,6g.L-1. Encontra-se acima do valor citado por Zanela et al. (2006) para a mesma raça bovina, de 1.029,10g.L-1, e maior do que para a densidade do leite de vacas Holandesas (1.028,60g.L-1). Também se encontra acima dos dados descritos por Nascimento, Cruz e Sá (2004) que notaram desacordo significativo com o mínimo exigido pela legislação em leite bovino coletado diretamente nas 54 propriedades e plataformas de recepção, tendo situado os valores mínimos em 1.029,0g.L-1. Segundo Park et al. (2007), de forma geral, a densidade do leite de cabra é comparável ao do leite bovino. Os dados de densidade do leite caprino segundo o autor variam de 1.029 a 1.039g.L-1 enquanto que para o leite bovino estes valores são de 1.0231 a 1.0398g.L-1, não concordando com os dados obtidos no presente estudo com relação ao leite caprino, porém estando dentro da faixa citada para o leite bovino. A porção lipídica referente ao leite de cabra se encontra no limite do mínimo exigido pela legislação brasileira para leite de cabra padronizado (3,0%). A menor porcentagem encontrada pode estar relacionada com diferenças de clima, raça e manejo das cabras leiteiras (NUNES, 1992). De forma geral, a porcentagem de gordura para o leite caprino varia de 3,0 a 6,6% (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997), com média na faixa de 3,5% a 3,8% em comparação a faixa de 3,6 – 4,1% para o leite bovino (McCULLOUGH, 2003; NEVES et al., 2004; PANDYA; GHODKE, 2007; PARK et al.; 2007). No entanto, espera-se normalmente ligeira variação dependendo da raça do animal; raças indianas possuem teor considerável, com média de 4,8% (intervalo de 3,8-6,9%). Especificamente para a raça Saanen, segundo Schmidt (2006) apud Vilanova (2007), a produção média é de 3 kg/dia (2 a 3L.dia-1) de leite com aproximadamente 3% de gordura, embora na literatura internacional os valores de gordura normalmente sejam maiores para esta raça. O resultado encontrado supera a média encontrada por Sung, Wu e Wang (1999) de 2,55% e Gomes, Bonassi e Roça (1997) de 2,7%, mas está abaixo dos dados da maioria dos autores que trabalharam com a mesma raça, como Bonassi, Martins e Roça (1997) que obtiveram média de 3,47%; Castro et al. (2002) com 3,62%; Gomes et al. (2004) com 4,10%; Leite (2005) com 3,89%; Zambom (2006) com 3,35%; Vilanova (2007) com 3,60% e Prata et al. (1998), com média de 3,74% embora tenha obtido valores de 1,70 a 5,70%. Prata et al. (1998) ainda ressaltam que em seu estudo com cabras Saanen, a gordura foi o componente que mais variou ao longo de um ano de lactação. Um dos fatores que influenciam a porcentagem reduzida de gordura no leite caprino é o estágio de lactação, uma vez que a gordura tende a diminuir durante a maior parte da lactação pelo efeito de diluição em função do aumento no volume de 55 leite até o pico de lactação. Ocorre um decréscimo em patamares médios de 5,8% no início, para um mínimo de 4,0% no pico e finalmente um aumento perto do final da lactação (BARBOSA et al., 2002; McCULLOUGH, 2003; CASTRO et al., 2002; GOMES et al., 2004). Assim, teor mais elevado de gordura do leite caprino é observado no final de lactação ou em animais de baixa produção, provavelmente em função da maior diluição dos ácidos graxos no leite destes animais. Contrariamente ao que foi observado em vacas leiteiras, suplementos alimentares de base lipídica para meados ou finais da lactação proporcionam aumento acentuado da gordura do leite (CHILLIARD et al., 2003). No presente estudo, o teor de gordura reduzido para o leite de cabra parece ter tido influência pelo período de lactação das cabras, uma vez que a maioria das coletas foi realizada entre o início e o pico de lactação dos animais. O período do ano (estação) pode influenciar também na porcentagem de gordura no leite. Em estudo com cabras Saanen, Leite (2005) notou esta relação sendo obtida média inicial de 4,32% no início do período de observação (inverno) e média final de 3,77% no último período que coincidia com o início do verão. O autor ainda relacionou o período do ano com os macroelementos do leite (gordura, proteína e lactose), sendo que durante o inverno os dados foram maiores, reduzindo com o decorrer da lactação, até o início do verão onde os dados foram os mais reduzidos. Vilanova (2007) notou a relação entre período de lactação e déficit nutricional, uma vez que a tendência da gordura ao decréscimo durante a lactação (4,2% no início para 3,0% no final do período) sugere limitação na ingestão de volumoso no período de lactação estudado, e a carência de pastagem acarreta conseqüente redução no teor lipídico. O percentual de gordura do leite também é influenciado diretamente pela alimentação dos animais. Tende a baixar não somente quando há uma situação de carência alimentar, mas também quando há um desequilíbrio alimentar com excesso de concentrado e/ou gordura insaturada na dieta, afetando o pH do rúmen, a fermentação da fibra vegetal e a proporção entre os ácidos graxos voláteis produzidos (VILANOVA, 2007). Dietas com baixo teor de lipídios diminuem a produção do leite de cabra e seu conteúdo de gordura, podendo ser revertido por suplementação lipídica na dieta. Contrariamente ao que foi observado em vacas leiteiras, suplementos lipídicos 56 durante ou no final da lactação de cabras não aumentam a produção de leite, mas o teor de gordura do leite sempre aumenta de forma acentuada. Além disso, o teor de gordura do leite caprino não diminuiu mesmo quando óleos vegetais (ricos em ácidos graxos polinsaturados) são adicionados a uma dieta de baixa quantidade de forragem, ao contrário do que é claramente observado no leite bovino (CHILLIARD et al., 2003). A porcentagem de gordura encontrada para o leite bovino pode ser considerada alta frente ao recomendado como valor mínimo pela legislação e aos resultados descritos na literatura, que se encontram na faixa de 3,32 a 4,13% (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; WHITE et al., 2001; NEVES et al., 2004; NASCIMENTO; CRUZ; SÁ (2004); FONSECA et al., 2004; ZANELA et al., 2006). White et al. (2001) também notaram que a raça e o sistema ou forma de criação dos animais influenciam na composição de gordura; sendo assim, a raça Jersey apresentou maior teor de gordura em sistema de confinamento (4,10%) do que a raça Holandesa para o mesmo sistema (3,33%) e no sistema a pasto, a diferença entre raças reduziu (3,23% para a raça Holandesa versus 3,68% para raça Jersey), embora a raça Jersey ainda tenha produzido mais gordura no leite do que a Holandesa. Os leites caprino e bovino diferiram significativamente (p≤0,05) quanto ao teor de gordura (3,01% para leite caprino versus 4,67% para o leite bovino). Esta diferença entre as duas espécies pode ter influência de diversas fontes como a própria diferenciação entre espécies, a base genética do animal e a natureza e composição da dieta que este recebe. A alimentação determina as mudanças na fermentação ruminal, modificando a produção de distintos ácidos graxos, e com isso o conteúdo de gordura do leite (CHILLIARD et al., 2003; NASCIMENTO; CRUZ; SÁ, 2004). Levando em consideração que os sistemas de criação foram diferentes (sistema semi-extensivo para as cabras e free-stall para as vacas) assim como a alimentação, estes podem ter sido consequentemente, fatores que levaram aos maiores teores de gordura para o leite bovino e menores para o leite caprino. Outro fator de primordial importância é o tipo de raça utilizada no experimento, onde as cabras pertenciam à raça Saanen e os bovinos, à raça Jersey. Esse fator parece determinante no teor de gordura do leite. É conceituado que a raça Jersey normalmente apresenta um teor maior de gordura no leite do que a raça 57 Holandesa (ZANELA, 2004; ZANELA et al., 2006) e consequentemente maior do que em cabras Saanen. O valor de gordura para o leite caprino da raça Saanen normalmente se situa na faixa de 3% podendo atingir até 5,80% (BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997; PRATA et al., 1998; GOMES et al., 2004; LEITE, 2005; VILANOVA, 2007) enquanto que para bovinos da raça Jersey, entre 3,68% a 4,10% (WHITE et al., 2001; ZANELA et al., 2006). A importância da maior quantidade de gordura presente no leite se reflete no seu valor econômico. Assim, seu rendimento industrial será maior, podendo proporcionar ao produtor uma melhor remuneração pelo litro de leite pelas indústrias que já adotaram o sistema de pagamento por qualidade de componentes físicoquímicos como proteína e gordura (NASCIMENTO; CRUZ; SÁ, 2004). O teor médio de proteína no leite de cabra, de 2,88%, encontra-se no limite preconizado pela legislação brasileira (BRASIL, 2000), embora tenha sido coletado na primavera/verão, período em que, segundo Bonassi, Martins e Roça (1997) e Leite (2005), o leite caprino apresenta os menores teores deste constituinte (os maiores ocorrem no outono). Leite (2005) também encontrou valores bastante baixos para os meses de primavera/verão, com média de 2,82% para este período assim como Zambom (2003) com variação de 2,69-2,91% e Gomes et al. (2004) de 2,55 a 2,97%, com média de 2,83%, mais reduzida ainda do que a encontrada no presente estudo. Feijó et al. (2004) utilizando uma alimentação à base de feno de capim, cana-de-açúcar e concentrado observaram que o teor de proteína encontrado no leite durante três meses de coleta semanais variou de 2,58% a 3,36%, possuindo uma média de 2,96%. Zambom (2006) estudou a influência da substituição do milho por casca de soja em diferentes níveis na alimentação de cabras da raça Saanen na composição do leite; com a substituição de 100% do milho pela casca de soja o teor de proteína médio encontrado (2,86%) foi próximo ao encontrado no presente estudo. A média geral para todos os tratamentos atingiu um máximo de 2,93%. Vilanova (2007) ainda notou que a proporção volumoso:concentrado pode ter influenciado na porcentagem de proteína do leite, uma vez que a relação 60% de volumoso e 40% de concentrado foi a que resultou na menor média de proteína do leite caprino (2,87%). Nota-se assim que o período do ano e a alimentação são fundamentais na variação do teor de proteína no leite. 58 Boza e Sanz Sampelayo (1997) descrevem a variação do teor de proteína no leite caprino em geral de 2,90 a 4,60% enquanto que Park et al. (2007) citam o valor médio de 3,4%. A faixa de variação para a raça Saanen situa-se entre 2,45 e 4,35% (BONASSI; KROLL; VIEITES, 1996; PRATA et al., 1998; SUNG; WU; WANG, 1999; ZAMBOM et al., 2001; VILANOVA, 2007). Um aspecto importante a se considerar é a composição do leite caprino coletado em tanques, onde há uma diversidade considerável do leite de animais com pouca ou sem similaridade. Le Jaquen (1972) apud Prata et al. (1998) cita o valor médio de 2,9% de proteína para este tipo de leite, com variações de 2,3 a 3,9%, demonstrando que nesse tipo de sistema de coleta muitas vezes pode ocorrer uma subestimação dos componentes, uma vez que resulta na média geral de diversos animais criados de maneiras distintas (regime alimentar, manejo, etc.). Alguns dos motivos da redução do teor de proteína no leite caprino podem ser justificados em função exatamente do tipo de alimentação fornecida às cabras, sendo que tanto a produção de leite como o teor de proteína do mesmo podem ser maximizados com o tipo de dieta (FEIJÓ et al., 2004). A redução no teor de proteína no leite caprino pode estar relacionada também com o tipo de regime com o qual os animais estão sendo submetidos, ou seja, no regime semi-extensivo (o qual foi utilizado no presente trabalho) nem sempre a alimentação é complementada com concentrado e enriquecida com os nutrientes requeridos para a expressão de um teor considerável de proteína no leite (NUNES, 1992). Embora tenha trabalhado com vacas leiteiras, White et al. (2002) ressaltam a importância do sistema de criação na influência sobre o conteúdo de proteína, sendo que o sistema extensivo (a pasto) parece estimular a maior produção de proteína, seguido do sistema de confinamento, não tendo sido citado a influência no sistema semi-extensivo. Um fator que pode influenciar na redução ou aumento da proteína (e possível redução da gordura ou vice-versa) é a “síndrome da inversão de porcentagens” durante a primavera e o verão. Esse efeito pode estar relacionado com os efeitos combinados da fase de lactação, comprimento do dia (efeito de diluição, devido ao estímulo da produção de leite), e/ou fatores nutricionais. Uma oferta excessiva de concentrado utilizado em dietas de cabras leiteiras de alto rendimento é o fator mais freqüentemente sujeito a esta síndrome do que dietas à base de silagem de milho (CHILLIARD et al., 2003). 59 O teor de proteína também varia conforme o estágio de lactação, porém a relação entre seu aumento ou redução nos diferentes estágios ainda é controversa. Para Zeng e Escobar (1995) e Zeng, Escobar e Popham (1997), o valor de proteína se mantém relativamente estável durante a lactação. Já para Gomes et al. (2004) a proteína teria tendência em aumentar no início da lactação, no pico da lactação ocorreria uma redução e finalmente com a proximidade do fim do período, um aumento no teor novamente (BARBOSA et al., 2002; CASTRO et al.; 2002; PARK et al; 2007). Outro fator de variação para o teor protéico relaciona-se com as estações do ano, pois tende a aumentar no final do verão, tornando-se mais acentuado no outono (BONASSI; KROLL; VIEITES, 1996; LEITE, 2005; VILANOVA, 2007). Isso pode justificar em parte o teor reduzido em proteínas no leite caprino em estudo uma vez que a maioria das coletas foi realizada entre a primavera e o início do verão. As características energéticas e protéicas da dieta que o animal recebe são as que exercem maior influência no nível protéico do leite, acima da condição genética, sendo a não degradação da proteína ingerida no rúmen o fator que modifica grandemente o conteúdo protéico expresso no leite (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997). A melhoria do nível nutricional pode aumentar a produção de ácido propiônico, elevando a quantidade dos aminoácidos disponíveis para síntese protéica na glândula mamária. O aumento no teor de proteína do leite pode ser obtido quando se eleva sua concentração na alimentação ou ainda, substituindo a oferta de silagem de milho por pastagem de boa qualidade em função da maior digestibilidade da dieta e maior suporte de nutrientes (GONZALEZ et al., 2004). A suplementação lipídica na dieta de animais leiteiros também pode influenciar o teor de proteína no leite; desta forma, há relatos da diminuição do componente no caso do leite de vacas e ovelhas alterando inclusive propriedades importantes do leite como a capacidade de coagulação (importante na elaboração de queijos). No entanto, esse efeito negativo parece não afetar a expressão de proteína no caso do leite de cabra (CHILLIARD et al., 2003). Já Feijó et al. (2004) afirmam que algumas formas de gordura dietética fornecida às cabras podem reduzir tanto a produção de leite como a porcentagem de proteína no mesmo, tendo sido evidenciado no seu estudo que a inclusão de caroço de algodão na dieta dos animais reduziu significativamente o teor de proteína do leite (2,96%). 60 A fração protéica do leite bovino atende ao mínimo preconizado pela legislação, estando pouco abaixo dos resultados de Damásio, Moraes & Oliveira (1987), acima da média geral descrita por Neves et al. (2004) de 3,17% e Fonseca et al. (2004) de 3,23%, mas muito próximo dos dados de Zanela et al. (2006) e White et al. (2001) para animais confinados. White et al. (2001) notaram que o sistema a pasto parece ter estimulado uma pequena redução no teor protéico. A raça também parece influenciar na porcentagem de proteína, uma vez que vacas da raça Holandesa produziram menor teor (2,87 a 2,94%) do que a raça Jersey (3,43 a 3,62%). Os resultados para proteína são bastante contrastantes entre as duas espécies, diferindo significativamente (p≤0,05). Damásio, Moraes e Oliveira (1987) descrevem a possibilidade de baixos teores de proteína no leite caprino com relação ao bovino, chegando a atingir 2,15% a 3,65%. Para Park et al. (2007) a fração protéica do leite de cabra é maior (na base de 3,4%) e menor para o leite bovino (3,2%) enquanto que para Boza e Sanz Sampelayo (1997), quando as espécies são comparadas a diferença é mínima (3,3% para o leite caprino versus 3,2% para o leite bovino). Com relação à lactose, o valor encontrado para o leite de cabra se aproxima do mínimo recomendado pela legislação, de 4,3% (BRASIL, 2000). Embora Vilanova (2007), Raynal-Ljutovac et al. (2007) e Nunes (1992) tenham citado valores bem mais altos para a lactose (4,7%, 5,0% e 5,3% respectivamente), os teores podem variar em função do período de lactação, sendo reduzidos com o avanço desta fase (ZENG; ESCOBAR, 1995; HAENLEIN, 2001, 2004; BARBOSA et al., 2002; CASTRO et al., 2002; LEITE, 2005; PARK et al., 2007). No entanto, independente da variação do teor da lactose durante a lactação, a mesma caracteriza-se como o componente de menor variação do leite. Essa menor variação se justifica pela estreita relação entre a síntese deste componente e a quantidade de água drenada para o leite, uma vez que a lactose atua como o principal componente osmótico do mesmo (VILANOVA, 2007). A porcentagem encontrada no presente estudo encontra-se na faixa descrita por Boza e Sanz Sampelayo (1997), de 3,80 a 5,12%, e ultrapassa os valores médios de 3,19% (BENEDET; CARVALHO, 1996), 4,20% (LORA, 1999), 4,22% (ZAMBOM, 2006) e 4,1% (PARK et al., 2007), estando bastante próximo da média de 4,27% citada por Pandya e Ghodke (2007). 61 Zanela et al. (2006) afirmam que a lactose também varia em função de subnutrição ou nutrição inadequada (mal balanceada) dos animais; além disso, as mudanças no teor de lactose podem ocorrer devido a passagem da mesma do leite para o sangue e da redução da capacidade de síntese pelo epitélio glandular, em conseqüência das lesões epiteliais causadas por mamite. Assim, em casos de animais com alta contagem de células somáticas (indicadora de mamite), a lactose pode ser reduzida em até 10%, ocorrendo concomitantemente redução também no teor de gordura. Essa redução nos componentes como a própria lactose e a gordura provocam redução no rendimento industrial, no tempo de estocagem do leite e derivados causando prejuízos dentro da indústria de laticínios (FONSECA et al., 2004) Embora a Instrução Normativa nº51/2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2002) não estabeleça limite no teor de lactose para o leite bovino, o valor encontrado para tal concorda com a faixa citada pela literatura para o componente, de 4,40 a 4,86% (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; WHITE et al., 2001; BUENO et al., 2004; FONSECA et al., 2004; GONZALEZ et al., 2004; ZANELA et al., 2006) apresentando, no entanto, diferenças no teor segundo o regime de criação. Animais criados em sistemas de confinamento, tendem apresentar maior teor de lactose (4,86%) do que aqueles criados a pasto (4,79%) segundo White et al. (2001). González et al. (2004) ainda citam que a lactose é o componente que menos varia no leite bovino, embora tenham observado redução nos meses de março a maio coincidindo com os meses de menor produção de leite. O conhecimento da porcentagem de EST do leite é bastante importante na produção e industrialização do mesmo, especialmente na produção de queijos, pois um valor de EST elevado diminui o tempo de coagulação do produto, melhorando o rendimento final do processo (NUNES, 1992). A média de 10,95% de EST encontrada para o leite caprino é considerada baixa pois a maioria da literatura cita valores entre 11,53 até 14,12% (DAMÁSIO; MORAES; OLIVEIRA, 1987; NUNES, 1992; LORA, 1999; FERNANDEZ et al., 2004). As médias de EST descritas por Gomes et al. (2004), Pandya e Godke (2007) e Raynal-Ljutovac et al. (2007) são sensivelmente maiores que a encontrada no trabalho (12,70%, 13% e 13,03%, respectivamente) e mesmo a ampla faixa de variação citada por Bonassi, Martins e Roça (1997), de 12 a 18% não enquadra o 62 valor do presente estudo. No entanto, certos autores descrevem teores mínimos de EST de até 9,46% (BENEDET; CARVALHO, 1996; GOMES; BONASSI; ROÇA, 1997) assim como a média geral reduzida de 10,69% citada por Benedet e Carvalho (1996). Uma justificativa para o valor reduzido pode estar nas menores quantidades de gordura e densidade também encontradas, pois estes dois parâmetros possuem correlação positiva como EST (BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997). Além disso, a estação do ano também pode influenciar no teor de EST, uma vez que Bonassi, Martins e Roça (1997) observaram um maior teor no outono. Outro fator a considerar é a influência da nutrição animal, especialmente quanto às variações dos índices de gordura e sais minerais (NUNES, 1992), reforçando a afirmativa de Zanela et al. (2006) que descrevem que a redução na porcentagem de sólidos pode ser devido às condições de subnutrição. Além disso, Prata et al. (1998) ressaltam que é possível encontrar maior teor de constituintes sólidos provavelmente em cabras de alta produtividade leiteira. Autores como Damásio, Moraes e Oliveira (1980), Benedet e Carvalho (1996) e Prata et al. (1998) relatam que os dados para o EST em cabras da raça Saanen pode atingir de fato níveis mais baixos (10,06%, 10,60% e 10,69% respectivamente) como os observados neste estudo. Porém, na maioria, os resultados são maiores, estando na ordem de 11,0 a 15,3% (JENNESS, 1980; GOMES; BONASSI; ROÇA, 1997; PRATA et al., 1998; GOMES et al, 2004; LEITE, 2005). Damásio, Moraes e Oliveira (1980) citam também que embora o conteúdo de sólidos totais no leite de cabra seja normalmente maior do que no leite bovino, não se pode considerar o fato uma regra, o que foi demonstrado pelo presente estudo. Gonzalez et al. (2004) e Zanela et al. (2006) também reforçam a questão de que um dos principais problemas enfrentados pelos sistemas de produção da região Sul do Rio Grande do Sul é a falta de alimentação adequada aos rebanhos leiteiros. Assim, condições de subnutrição ou dietas mal balanceadas podem refletir na redução de sólidos do leite. Levando em consideração que o EST reflete o rendimento de produção do leite no que se refere aos derivados, pode-se considerar que o encontrado para o leite bovino pode ser considerado bastante rentável no sentido de produção. O valor de EST do presente trabalho se encontra acima da média geral citada por Fonseca et al. (2004) de 12,34%, Bueno et al. (2004) e de Neves et al. (2004) de 12,78% que 63 observaram alta correlação positiva com o teor de proteína e gordura o que justifica o maior teor de EST uma vez que as frações protéicas e lipídicas do leite bovino foram também consideráveis. O Extrato Seco Desengordurado (ESD), assim como o EST, apresentou média reduzida para o leite caprino, de 7,82%, onde o mínimo segundo a legislação é de 8,20%. Park et al. (2007) citam valor maior, de 8,9% de EST, assim como Pandya e Godke (2007) que descrevem variação de 8,11 a 9,78% com média de 9,12%. O ESD compreende basicamente o teor de proteína bruta (especialmente a caseína), lactose e minerais do leite. Sua relação com o teor de lactose parece ser bastante próxima, sendo assim, um baixo teor de ESD estaria correlacionado com um conseqüente teor reduzido de lactose (ZANELA et al., 2006). Esta correlação parece ter ocorrido no presente estudo, pois embora o valor de 4,27% de lactose esteja próximo do mínimo preconizado pela legislação, ainda assim é considerado um valor menor do que a maioria dos autores. O ESD também possui correlação positiva com a densidade (BONASSI; MARTINS; ROÇA, 1997), tendo a densidade do leite caprino de fato apresentado valor reduzido. Segundo Boza e Sanz Sampelayo (1997) as variações mais importantes devido à estação do ano são as existentes entre o leite produzido no inverno-primavera e o obtido no verão. Assim, em climas temperados (como o predominante no presente estudo) o leite produzido no verão contém menor quantidade de gordura e extrato seco desengordurado (redução de até 2% a menos para gordura e 1% menor para o ESD). Partindo da premissa que a porcentagem de ESD engloba de forma geral a proteína bruta, lactose e minerais do leite, depreende-se que o fato do valor de ESD do leite bovino ter ultrapassado o mínimo requerido pela legislação relaciona-se com os teores consideráveis de proteína e lactose analisados no presente estudo. Estes dados concordam com os dados de Zanela et al. (2006) e de White et al. (2001) para o leite bovino da raça Jersey e muito próximo da média geral descrita por Neves et al. (2004) para ESD em rebanhos bovinos no estado de Minas Gerais, de 8,65%, e pouco abaixo da média geral de 8,71% para amostras de leite provenientes de tanques de expansão citado por Fonseca et al. (2004). Observando os resultados como um todo, pode-se notar que as diferenças entre os parâmetros físico-químicos entre o leite caprino e bovino foram na maioria consideráveis. Damásio, Moraes e Oliveira (1987) consideram provável que as 64 variações no conteúdo de gordura e proteína no leite tanto de vaca quanto de cabra se devem a diferenças inerentes à composição genética e ao estado fisiológico dos animais. A variação em geral nos teores de macro elementos do leite caprino, como gordura, proteína e lactose, dependem também da estação do ano, raça, dieta e condições de manejo dos animais (PANDYA; GHODKE, 2007). A grande variação na composição do leite entre as duas espécies estudadas denota que a menor expressão de sólidos no leite, de uma forma geral, pode estar ligada à maior produtividade leiteira do animal ou ainda, proveniente de uma alimentação não adequada às exigências do seu metabolismo. Um dos fatores limitantes nas pequenas propriedades produtoras de leite caprino no Rio Grande do Sul é exatamente a disponibilidade da quantidade adequada de volumoso para fornecer aos animais. Assim, a fibra da dieta parece ser um ponto critico na síntese dos componentes do leite e de sua produção pela glândula mamária (VILANOVA, 2007). Levando em consideração a questão da nutrição inadequada aos animais leiteiros e procedimentos em geral muitas vezes inadequados ao manejo, características regionais talvez devessem ser levadas em consideração no estabelecimento de padrões de composição do leite em geral (FONSECA et al., 2004; ZANELA et al., 2006). Fonseca et al. (2004) ressaltam que a qualidade do leite produzido no Brasil com relação aos parâmetros físico-químicos muitas vezes tem se mostrado abaixo do recomendado pela legislação brasileira, demonstrando que a revisão dos procedimentos adotados nas propriedades leiteiras em geral é fundamental para a efetiva melhoria da qualidade do leite como um todo. Assim, a comparação entre os resultados das duas espécies contradiz a afirmação de que o leite caprino é mais rico em constituintes (como os macronutrientes) do que o leite bovino. Estas diferenças de composição poderiam ser melhor observadas pelas indústrias de laticínios a fim de estabelecerem os critérios de pagamento por qualidade do leite ao produtor. 4 CONCLUSÃO O leite caprino produzido na região sul do Rio Grande do Sul apresentou valor de extrato seco total reduzido e teor de extrato seco desengordurado abaixo do mínimo estabelecido pela legislação brasileira. No entanto, a acidez média situou-se 65 na faixa citada pela legislação, com os valores de densidade e percentuais de proteína e lactose bastante próximos do mínimo exigido. À exceção do pH, o leite de cabra apresentou valores inferiores ao leite bovino para os parâmetros físico-químicos avaliados. CAPÍTULO 3 PERFIL DE ÁCIDOS GRAXOS DOS LEITES CAPRINO E BOVINO PASTEURIZADOS, PRODUZIDOS NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL 1 INTRODUÇÃO Um dos componentes mais estudados no leite de cabra é seu conteúdo lipídico. São os componentes mais importantes do leite em termos de custo e nutrição e pelas características físicas e sensoriais que conferem aos produtos lácteos (HAENLEIN, 2004; ZAMBOM, 2006; PARK et al., 2007). A fração lipídica se reflete na qualidade tecnológica e nutricional do leite caprino, pois implica no rendimento e firmeza de queijos, bem como na coloração, sabor e odor característicos dos produtos caprinos e nas características benéficas no organismo humano (CHILLIARD et al., 2003; ŽAN; STIBILJ; ROGELJ, 2006; OSMARI, 2007). Dentro da classe dos lipídios, uma das frações que têm sido exaustivamente pesquisadas é a dos ácidos graxos (AG). São utilizados no organismo como fonte de energia, na estrutura de membranas e, no caso dos ácidos graxos essenciais (ácido α-linolênico e ácido linoléico), como precursores de eicosanóides. Os ácidos graxos também são importantes em uma série de sistemas fisiológicos, e como mediadores das respostas imune e inflamatória (VAZ et al., 2006). O perfil de ácidos graxos do leite caprino difere sensivelmente do encontrado na fração lipídica do leite bovino. O leite de cabra é rico em AG de cadeia curta como o ácido butírico (C4:0) e de cadeia média como o capróico (C6:0), caprílico (C8:0), cáprico (C10:0) e láurico (C12:0). Também possui quantidades apreciáveis de ácido mirístico, palmítico e linoléico, mas reduzido em ácido esteárico e oléico (HAENLEIN, 2004). Segundo Morand-Fehr e Sauvant (1980) a predominância de ácidos graxos no leite de cabra se limita aos ácidos capróico ao láurico (C6:0 – C12:0) enquanto 67 que os ácidos esteárico, oléico, linoléico e linolênico estariam presentes em baixas quantidades. Os níveis de AG de cadeia curta e média como o capróico (2,4%, 1,6%), caprílico (2,7%, 1,3%), cáprico (10%, 3%) e láurico (5%, 3,1%) são significativamente superiores em leite de cabra do que no leite bovino, respectivamente (PARK et al. 2007). Para Boza e Sanz Sampelayo (1997), no leite caprino são encontrados valores de até 35% de ácidos graxos de cadeia média, enquanto que no leite bovino esse valor não ultrapassa normalmente 17%. Quando o leite caprino é ingerido, estes AG de cadeia curta e média em maior quantidade são metabolizados de uma forma diferenciada daqueles de cadeia longa (MORA-GUTIÉRREZ et al., 2007; OSMARI, 2007). Esta diferenciação contribui para uma absorção mais rápida e facilitada no organismo, o que auxilia na digestão de indivíduos com dificuldade de absorção lipídica. De acordo com Chilliard e Ferlay (2004), a composição dos ácidos graxos do leite de mamíferos é intrínseca (espécie, raça, genótipo, estados de gestação e lactação) ou extrínseca ao animal (ambientais). No leite de cabra, os teores de ácidos graxos variam intensamente, divergindo de forma significativa entre autores, pois diversas variáveis devem ser levadas em consideração na caracterização de ácidos graxos do leite. Os principais fatores de variação são: a forma de obtenção das amostras (leite individual ou de tanque), número de animais (dimensão da amostragem), raça, sanidade das fêmeas (lipomobilização), genética, fase fisiológica do animal, forma e composição da dieta, entre outros fatores que nem sempre são mencionados nos estudos (LE MENS, 1991; CHILLIARD; FERLAY, 2004; ZAMBOM, 2006). De forma geral, é possível considerar que as variações nos teores dos ácidos graxos de cadeia curta e média do leite são causadas pelo efeito do período de lactação, enquanto que as variações nos ácidos graxos de cadeia longa como ácidos palmítico, esteárico e oléico são relacionadas à dieta (KONDYLI; KATSIARI, 2002). Embora as influências na variabilidade dos ácidos graxos do leite sejam várias, a modificação em seu teor e composição em função da alimentação e suplementação é o fator que mais tem sido controlado e modificado (MIR et al., 1999; CHILLIARD; FERLAY, 2004; SANZ SAMPELAYO, 2007). Mudanças no manejo alimentar podem inclusive produzir a agregação de valor nutritivo ao leite de 68 cabra, com a obtenção de um perfil lipídico mais favorável, o que inclui o aumento de ácidos graxos benéficos à saúde (QUEIROGA et al., 2003; CHILLIARD et al., 2003; HAENLEIN, 2004). Diversos estudos têm sido conduzidos nessa área, com a finalidade de aumentar a expressão no leite de ácidos graxos que favorecem a saúde (DEPETERS et al., 2001; HAENLEIN, 2004; MADUKO; PARK, 2007; MATSUSHITA et al., 2007; MORAND-FEHR et al., 2007). O conteúdo de lipídios presente no concentrado afeta diretamente a concentração de AG do leite; baixos teores de lipídios no concentrado ofertado aos animais (<1% da matéria seca) promovem a redução nas porcentagens dos ácidos esteárico e linolênico, e especialmente do ácido oléico, enquanto que os AG de cadeia curta como o ácido butírico, são aumentados (MORAND-FEHR; SAUVANT, 1980). Por outro lado, ainda segundo Morand-Fehr e Sauvant (1980), a incorporação de altos conteúdos de lipídios na alimentação dos animais, superior à faixa de 7 a 10%, causa distúrbios no rúmen, consequentemente reduzindo a produção de ácido acético (precursor da síntese dos AG de cadeia curta e média C4:0 ao C16:0 no úbere). Com modificações na alimentação através do uso de lipídios protegidos (que não são hidrogenados pelo rúmen, apenas aumentam o aporte calórico das dietas) também é possível obter um aumento nos ácidos graxos polinsaturados e essenciais, característica pouco comum em leite, porém atualmente é extremamente desejável em alimentos (BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; SANZ SAMPELAYO et al., 2007). Segundo Sanz Sampelayo et al. (2002) e Ebersdobler (2000) apud Haenlein (2004) a manipulação no regime de alimentação de cabras pode gerar altos níveis de ácidos graxos insaturados benéficos na gordura do leite através de suplementos especiais na alimentação (semelhantes aos lipídios protegidos). Esta estratégia pode ser usada para expandir o leite caprino no mercado e até promover a melhora no seu valor nutricional. É de consenso na literatura científica que o leite de cabra é uma alternativa para indivíduos sensíveis ou alérgicos ao leite bovino, assim como para portadores de síndrome de má absorção lipídica; tanto sua fração protéica diferenciada como a abundância em ácidos graxos de cadeia curta e média exercem este papel nutricional importante (JENNESS, 1980; BABAYAN, 1981; MIR et al., 1999; ALFÉREZ et al., 2001; ZAMBOM, 2003; GUTIÉRREZ et al., 2007). 69 No entanto, ao contrário do leite bovino, há pouca informação sobre o conteúdo de ácidos graxos, ácidos graxos trans e variações na composição do leite de cabra (KONDYLI; KATSIARI, 2002; LeDOUX et al., 2002; ZAMBOM, 2006; ŽAN, STIBILJ, ROGELJ, 2006; MATSUSHITA et al., 2007). Especificamente no Brasil os dados relativos à caracterização de ácidos graxos de leite caprino são bastante escassos, sendo praticamente inexistentes no Rio Grande do Sul. Assim, o objetivo deste estudo foi traçar o perfil cromatográfico de ácidos graxos do leite caprino pasteurizado e compará-lo ao do leite bovino, produzidos no sul do Rio Grande do Sul. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Coleta e preparo da amostra O leite caprino avaliado foi obtido de cabras da raça Saanen provenientes de um plantel localizado no município do Capão do Leão, região sul do RS. O leite bovino foi obtido de vacas Jersey pertencentes à Estação Experimental da Embrapa (área de Bovinos de Leite) localizada no Campus Universitário / UFPel – RS. As amostras foram coletadas na 1ª ordenha da manhã, acondicionadas em vidros previamente higienizados e enviadas ao laboratório de Bromatologia (DCTA) em embalagem térmica contendo gelo a fim manter a temperatura no máximo em 10ºC. Após a recepção, os leites bovino e caprino foram submetidos à pasteurização lenta e resfriados à 15ºC. Uma alíquota das amostras foi congelada e armazenada a – 20ºC, para a posterior análise cromatográfica. A amostragem foi realizada através de coletas semanais durante os meses de novembro de 2006 a fevereiro de 2007. As amostras de leite caprino foram provenientes de um mix de 15 animais ordenhados individualmente (abrangendo da 1ª a 16ª semana de lactação das cabras), enquanto o leite bovino foi coletado em tanque de expansão, proveniente 35 de vacas ordenhadas mecanicamente (1ª a 20ª semana de lactação). 2.2 Determinação de Ácidos Graxos Para a determinação do perfil de ácidos graxos, após descongelamento em refrigeração (10ºC ± 1ºC) das amostras de leite armazenadas, foi retirada uma porção de cada amostra individual coletada semanalmente, de novembro a 70 fevereiro, perfazendo um total de aproximadamente 15 amostras; as alíquotas das mesmas foram adicionadas em um mesmo recipiente, sendo este pool homogeneizado durante 5 minutos. Após homogeneização, foram consideradas amostras únicas (LC = leite caprino e LB = leite bovino). As amostras únicas foram processadas em duplicata, obtendo-se a média e desvio padrão das mesmas. 2.2.1 Extração dos lipídios A extração dos lipídios foi realizada com base no método descrito por BlighDyer (1959) com adaptação na proporção de solventes empregados. Foi utilizado 8mL de amostra dos leites, sendo transferida para tubos de ensaio de 70mL, adicionando exatamente 10mL de clorofórmio e 20mL de metanol e tampando hermeticamente. A relação em volume normalmente utilizada é de 1:2:0,8 de clorofórmio:metanol:água. No entanto neste procedimento, a água não foi adicionada em função da amostra já possuir aproximadamente 85 a 87% de água em sua composição, motivo para a utilização de uma maior quantidade de amostra. Após, os tubos foram submetidos à agitação em agitador rotatório por 30 min, adicionando logo a seguir, exatamente 10mL de clorofórmio e 10mL da solução de sulfato de sódio 1,5%; os tubos foram tampados e agitados por mais 2 min. As fases foram separadas de forma natural, succionando em sistema ligado à trompa de vácuo com Kitassato a fase superior (metanol e água) com pipeta de Pasteur, com o cuidado de não succionar junto a fase do clorofórmio. Adicionou-se aproximadamente 1g de sulfato de sódio anidro, tampou-se, procedendo a agitação a fim de remover os traços de água que invariavelmente poderiam estar ainda presentes. Filtrou-se rapidamente através de funil, utilizando papel de filtro contendo 1g de sulfato de sódio anidro, onde a solução tornou-se límpida. Após foi medido 5mL do filtrado, transferindo-o para béquer de 50mL (previamente pesado) que foi levado à estufa a 55oC, até evaporação completa do solvente. Resfriou-se em dessecador, pesando-se posteriormente a fração lipídica resultante. 2.2.2 Esterificação A esterificação dos lipídios das amostras de leite foi realizada segundo metodologia de Joseph e Ackman (1992). A fração lipídica de cada amostra de leite 71 foi pesada na quantidade de aproximadamente 100 mg sendo adicionado 4 mL de solução 0,5 N de hidróxido de sódio em um tubo de ensaio de rosca. O tubo foi vedado e colocado em béquer contendo água fervente (100 °C) por 15 minutos. Após resfriamento em temperatura ambiente, foi adicionado 3 mL de solução BF3/metanol ao tubo de ensaio, sendo aquecido a 100 °C por mais 5 minutos e resfriado em seguida, em água corrente. Posteriormente, foi adicionado 4 mL de solução saturada de cloreto de sódio, agitando vigorosamente. Em seguida, foi adicionado 4 mL de hexano, agitou-se vigorosamente, deixando em repouso até separação das fases. Para injeção no cromatógrafo, foi utilizado 2µL da fase do hexano. 2.2.3 Condições Cromatográficas Os ácidos graxos foram analisados usando um cromatógrafo gasoso VARIAN 3300® equipado com detector de ionização de chama, coluna capilar Carbowax (30 m x 0,25 mm i.d. x 0,25 µm espessura de filme, J&W Scientific, Folson Califórnia, USA). A temperatura do injetor utilizada foi de 230°C, volume injetado de 1µL para padrão e 2µL para amostra, modo de injeção split (1:100), vazão de H2 de 1,6mLmin-1, vazão de gases de 30/30/300 (H2/N2/ar sintético), temperatura do detector (FID) de 250°C, com programação de temperatura de 140°C mantida por 20 min, aumentando para 220°C a 2,5°C.min-1, e a temperatura final mantida por 10min. A identificação dos ésteres metílicos de ácidos graxos foi realizada por comparação relativa com o tempo de retenção dos picos dos ésteres metílicos de ácidos graxos padrões utilizando kit Mix C4-C24 (Supelco, USA). Os picos das áreas foram determinados por programa integrador computadorizado GC-300. Os dados foram obtidos por normalização de área, calculada pela área percentual relativa dos ácidos graxos identificados e expressa em porcentagem relativa dos mesmos. 2.3 Análise estatística Os resultados das avaliações cromatográficas foram compilados e analisados pelo programa Statistica, versão 6.0 (STATISTICA, 2001), onde se utilizou a análise de variância (ANOVA), teste F, e aplicando-se o teste de Tukey (p≤0,05) para a comparação das médias dos resultados das amostras. 72 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Em termos qualitativos, o perfil cromatográfico de ácidos graxos de ambas as espécies de leite são similares, conforme citam Park et al. (2007). Verifica-se pela Tab. 3.1 a prevalência dos ácidos mirístico, palmítico, esteárico e oléico para os dois tipos de leite, embora em diferentes concentrações; o leite caprino destacou-se pelo elevado teor de ácido cáprico. Porém, quando comparados quanto à porcentagem relativa, notam-se diferenças significativas (p≤0,05) no percentual de ácido cáprico em maior quantidade no leite caprino e nos ácidos graxos miristoléico, palmitoléico, esteárico, linoléico e linolênico em maior quantidade no leite bovino. Tabela 3.1 - Composição em ácidos graxos (em % relativa dos componentes identificados) dos leites caprino e bovino pasteurizados, produzidos no sul do Rio Grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007) Ácido Graxo Leite Caprino Leite Bovino a Butírico (C4:0) 0,6 ± 0,00 1,3 ± 0,20a Capróico (C6:0) 3,1 ± 0,17a 2,9 ± 0,93a a Caprílico (C8:0) 3,7 ± 0,10 2,0 ± 0,61a Cáprico (C10:0) 12,3 ± 0,67a 4,2 ± 1,03b a Láurico (C12:0) 4,6 ± 0,38 4,1 ± 0,81a Mirístico (C14:0) 11,0 ± 0,77a 11,6 ± 1,45a b Miristoléico (C14:1) 0,1 ± 0,03 0,7 ± 0,07a Palmítico (C16:0) 28,9 ± 0,42a 28,7 ± 0,40a b Palmitoléico (C16:1) 0,9 ± 0,01 1,0 ± 0,03a Margárico (C17:0) 0,5 ± 0,01a 0,5 ± 0,06a b Esteárico (C18:0) 8,5 ± 0,49 15,8 ± 2,23a Oléico (C18:1 cis ω9) 20,5 ± 0,74a 21,7 ± 1,76a a Elaídico (C18:1 trans ω9) 2,5 ± 0,09 1,7 ± 0,84a b Linoléico (C18:2 cis 6,9) 2,1 ± 0,01 2,8 ± 0,16a Linolelaídico (C18:2 trans ω6) 0,3 ± 0,01a 0,4 ± 0,07a b Linolênico (C18:3 ω3) 0,4 ± 0,00 0,5 ± 0,03a Total saturados 73,2 71,1 Total insaturados 26,8 28,8 Total monoinsaturados 24,0 25,1 Total polinsaturados 2,8 3,7 Total AGCM (TCM)* 23,7 13,2 Total AGCC** + AGCM*** (TCM) 24,3 14,5 Os valores correspondem a média de duas repetições com estimativa de desvio padrão (n=2); Médias seguidas de letras distintas na mesma linha diferem entre si pelo Teste de Tukey a 5% de probabilidade; *TCM = triacilgliceróis de cadeia média; **AGCC = ácido graxo de cadeia curta; ***AGCM = ácido graxo de cadeia média. 73 As diferenças observadas no conteúdo de ácidos graxos dos leites podem relacionar-se com as diferentes necessidades em alimentação das duas espécies utilizadas durante o estudo, segundo Kondyli e Katsiari (2002). Em estudos comparativos entre a composição em ácidos graxos da fração lipídica dos leites caprino e bovino, Boza e Sanz Sampelayo (1997) destacam os maiores conteúdos dos ácidos cáprico, caprílico e láurico para o leite de cabra. Já Depeters et al. (2001) confirmam a prevalência dos ácidos mirístico, palmítico, esteárico e oléico para o leite bovino da raça Holandesa. White et al. (2001) afirmam ainda que os maiores conteúdos destes ácidos graxos em destaque no leite bovino são independentes do sistema de criação (confinamento ou sistema intensivo) ou raça (Holandesa ou Jersey); no entanto, o autor ressalta que a raça Jersey pode destacar-se invariavelmente em maiores quantidades destes AG assim como produzir de forma natural maiores teores de ácidos capróico, caprílico, cáprico e láurico, incluindo aí os ácidos graxos de cadeia média (AGCM). Os resultados da caracterização cromatográfica de ácidos graxos do leite bovino concordam com os dados de White et al (2001) sobre a prevalência dos AG anteriormente citados (mirístico, palmítico, esteárico e oléico), mas estão bastante acima dos teores mencionados pelo autor em praticamente todos ácidos graxos à exceção apenas do ácido miristoléico, palmítico, palmitoléico e linolênico os quais apresentam-se em concentrações pouco menores. O perfil de ácidos graxos do leite de cabra assemelha-se aos dados de Fontecha et al. (2000) que descrevem a prevalência dos ácidos mirístico, palmítico e oléico presentes nos triacilgliceróis do leite caprino, além dos triacilgliceróis de cadeia média (TCM) contendo os ácidos cáprico, caprílico e láurico. Os ácidos graxos predominantes no leite de cabra deste estudo (cáprico, mirístico, palmítico, esteárico e oléico) também são os descritos como predominantes (em um total de 80,3%) conforme Žan, Stibilj e Rogelj (2006) para leite de cabras Saanen alimentadas em regiões altas. De igual forma, Astrup et al. (1985) citado por McCullough (2000) destacaram os mesmos ácidos graxos, embora em valores maiores. Alonso et al. (1999) também observaram estes mesmos cinco ácidos graxos como os mais importantes em termos quantitativos, porém em médias menores (com exceção do ácido esteárico), perfazendo mais de 75% do total de ácidos graxos, enquanto que no presente estudo esse total foi de 81,2%. Park et al. (2007) afirmam 74 que os ácidos cáprico, mirístico, palmítico, esteárico e oléico totalizam no mínimo mais de 75% dos ácidos graxos em leites caprino e ovino. Kondyli e Katsiari (2002) e Maduko e Park (2007) também descreveram os mesmos ácidos graxos predominantes no leite caprino em seus estudos. O teor de ácidos graxos saturados (AGS) do leite caprino foi maior (73,2%) do que para o leite bovino (71,1%) e está próximo do observado por Alonso et al. (1999) de 72,2% e por Žan, Stibilj e Rogelj (2006) que citam valores de 73,05 a 74,52%. Os AGS do leite de cabra utilizado no experimento ultrapassam o valor de 55% citado por Queiroga et al. (2003), 67,3% conforme Jandal (1996) e a faixa citada por Le Mens (1991), de 65,9 a 71,9%. Fontecha et al. (2000) afirmam que normalmente a porcentagem de saturados é mais alta no leite de cabra do que no leite bovino como de fato foi verificado nos resultados do estudo, o qual possui cadeias de menor tamanho. A distribuição de forragens moídas e granuladas às cabras aumenta a porcentagem de ácidos graxos insaturados e diminui a de ácidos graxos saturados (PARK et al., 2007; VILANOVA, 2007). Em virtude das cabras utilizadas neste estudo serem criadas em regime semi-extensivo, a oferta de pastagem no cocho normalmente é bastante reduzida, pois a alimentação primordial é realizada no campo e complementada com concentrado. Assim, uma das hipóteses da maior concentração de saturados e menor de insaturados no leite caprino, poderia ser a rotina alimentar a que os animais eram submetidos. Os teores de monoinsaturados foram similares entre ambas as espécies enquanto que a porcentagem de polinsaturados para o leite de cabra (2,8%) foi menor do que o valor encontrado para o leite bovino (3,7%). Observa-se diferenças no que se refere aos ácidos graxos polinsaturados (AGPI) linoléico e linolênico, em maior quantidade no leite bovino. Os teores de ambas as classes de ácidos graxos observadas diferem de Haenlein (2004) que afirma que o leite caprino excede o bovino tanto nos ácidos graxos polinsaturados como nos monoinsaturados. No entanto, os resultados confirmam a baixa concentração de insaturados no leite de cabra quando comparado com o leite bovino, concordando com Fontecha et al. (2000) e Ruiz-Sala et al. (1996), que citam a ligeira variação entre as espécies de leite. Boza e Sanz Sampelayo (1997) também descrevem o teor reduzido de polinsaturados ou essenciais no leite caprino, mas ressalta a importância de estudos 75 com interesse de melhorar a composição de ácidos graxos importantes para o organismo, mediante modificações na alimentação das cabras. Morand-Fehr et al. (2007) citam que em pastagem natural o conteúdo de AGPI pode variar por estação do ano e depende da origem das plantas ingeridas. Como os animais do estudo eram submetidos a regimes alimentares e sistemas de criação distintos (semi-extensivo para as cabras e free-stall para as vacas), presume-se que o fato pode ter influenciado na diferenciação dos teores de polinsaturados dos leites. Dentre os polinsaturados identificados no leite, os ácidos graxos linoléico e α-linolênico (C18:3, ω-3) são considerados essenciais, uma vez que o organismo não possui a capacidade de produzi-los. São encontrados principalmente em peixes marinhos de águas geladas, embora possam estar presentes em menor quantidade no leite (SIMOPOULOS, 2002; COSTA JÚNIOR; COSTA, 2003; OSMARI, 2007). O leite bovino demonstrou maiores concentrações nos dois tipos de ácidos graxos essenciais, inclusive com diferença significativa (p≤0,05) em relação ao leite caprino. Embora o teor de α-linolênico encontrado no leite de cabra (0,4%) concorde com Sanz Sampelayo et al. (1998) que citam valor próximo (0,30%) e com Maduko e Park (2007) que atestam o leite caprino como fonte pobre em AG essenciais, pode ser considerado reduzido quando comparado com os dados de Alonso et al. (1999) que descrevem variação de 0,43 a 0,50% e de Žan, Stibilj e Rogelj (2006) com valores de 0,88% e 0,83% para cabras da raça Saanen e Alpina respectivamente, submetidas a diferentes regimes alimentares. A maior concentração no leite de AGS e menor de AGPI (principalmente ácido linoléico e linolênico) podem causar características sensoriais importantes em queijos à base de leite caprino. Morand-Fehr et al. (2007) descrevem defeitos nos queijos com este tipo de caracterização em ácidos graxos, como textura rugosa e granulosa assim como perda de sabor e textura característica. Quanto ao total de ácidos graxos cis e trans, o somatório para o leite de cabra foi de 21,6% e 2,8% e para o leite bovino de 24,5% e 2,1%, respectivamente. Observam-se diferenças numericamente importantes entre os leites. A formação natural de ácidos graxos trans no leite é conseqüência da atividade ruminal microbiana, ou seja, a flora do rúmen promove a biohidrogenação dos ácidos graxos polinsaturados ingeridos pelo animal levando à formação dos isômeros trans destes AG (LEDOUX et al., 2002; DESTAILLATS et al., 2006). 76 O conteúdo total de ácidos graxos trans no leite varia de 2,5 a 5,0%, dependendo da espécie e estação do ano. Em geral, o leite ovino possui altos teores, seguido do bovino e em menor quantidade no leite caprino (PARK et al., 2007). As variações quantitativas são influenciadas pelo alimento e forma de regime alimentar dos animais (LEDOUX et al., 2002). A suplementação da dieta dos animais com silagem ou altas quantidades de concentrado com óleos vegetais é um dos fatores que pode aumentar grandemente os ácidos graxos trans no leite (SANZ SAMPELAYO et al., 2007). Estima-se que 5 a 15% do total de C18:1 possuam configuração trans no leite em geral, embora a proporção dos diferentes isômeros trans variem entre espécies (CHILLIARD et al., 2003). Segundo o mesmo autor, do total de ácido C18:1 no leite caprino e bovino, os AG trans perfazem um total de 11,37% e 7,35% respectivamente, identificando-se valor bem maior para o leite de cabra. O menor teor encontrado no leite bovino pode ter relação com a diferenciação de raças, uma vez que White et al. (2006) afirmam que a raça Jersey (utilizada no estudo) apresenta valores bastante reduzidos deste componente. A preocupação quanto ao teor de ácidos graxos trans nos alimentos é crescente uma vez que o grande consumo dos mesmos tem sido associado com o risco de doenças cardíacas e infarto do miocárdio (LEDOUX et al., 2002). Estão presentes normalmente em óleos e gorduras vegetais parcialmente hidrogenadas, mas podem ocorrer naturalmente em diferentes espécies de leite em função da hidrogenação ruminal dos AGPI (provenientes da alimentação do animal). O ácido elaídico (C18:1 trans ω9) é um dos principais ácidos graxos trans aterogênicos, sendo a base para estudos nutricionais clínicos (ALONSO et al., 1999; CHILLIARD; FERLAY, 2004; DESTAILLATS et al., 2006; PARK et al., 2007) Embora o principal isômero trans encontrado no leite em geral segundo Chilliard et al. (2003) seja o ácido vacênico (C18:1 trans-11), na Tab. 3.1 observa-se apenas a identificação da presença do ácido elaídico nas duas espécies de leite, em maior concentração no leite caprino. O maior valor de AG trans para o leite caprino (2,8% versus 2,1% para o leite bovino) pode ser considerado reduzido quando comparado com outros autores, que citam teores de 5,1 a 12% para a mesma espécie de leite. Em adição a isso, conforme afirma Park et al. (2007), a maior fonte deste tipo de AG trans é encontrada em óleos vegetais hidrogenados e o consumo 77 do leite com os níveis encontrados normalmente providencia a ingestão quase insignificativa destes componentes. De forma geral, nas dez primeiras semanas de lactação, o conteúdo de ácidos graxos de cadeia curta e média diminui e a concentração dos ácidos graxos de cadeia longa (especialmente o ácido esteárico e oléico) aumenta (EKNÆS; SKEIE, 2006). Já Le Mens (1991) afirma que durante o início da lactação ocorre uma diminuição global do conteúdo de AG, com intensa redução do ácido oléico. Do período intermediário para o final da lactação, ocorre um aumento do ácido mirístico e dos ácidos graxos de cadeia curta e média em detrimento dos ácidos graxos de cadeia longa de uma forma geral, especialmente os ácidos esteárico e oléico (C18:1 cis). A variação nos níveis dos ácidos graxos durante a lactação é grande, mas para o ácido esteárico especialmente é bastante expressiva, o que pode ser explicado em função da atividade de extração deste ácido graxo pela célula epitelial da glândula mamária a partir do sangue (LE MENS, 1991; SORYAL et al., 2004; EKNÆS et al., 2006; OSMARI, 2007). No presente estudo, o leite de cabra foi coletado primordialmente no período inicial de lactação (1ª a 16ª semana); no entanto, contrariamente ao relatado pelos autores acima, o valor total de ácidos graxos de cadeia curta e média foi significativo enquanto que os ácidos graxos de cadeia longa (principalmente o ácido esteárico e oléico) foram menores que para o leite bovino. Fisiologicamente, se pode ainda relacionar a alimentação com o balanço de energia do animal como conseqüência no perfil de AG do leite. White et al. (2001) afirmam que o balanço de energia pode afetar diretamente a composição de AG, afetando inclusive outros componentes do leite. Assim, quando a concentração de volumoso e a disponibilidade energética para o animal são reduzidas ocorre menor síntese de ácidos graxos de cadeia curta pela glândula mamária, aumentando concomitantemente a mobilização dos AG do tecido adiposo. Como este tecido nos ruminantes é rico em ácidos palmítico, esteárico e oléico, ocorre a migração dos mesmos para o leite (EKNÆS; SKEIE, 2006). Este fenômeno explica porque aproximadamente 59% da variabilidade no conteúdo dos ácidos C18:0 e C18:1 está ligado a mudança no balanço de energia (CHILLIARD et al., 2003). 78 Em bovinos, a restrição de dieta (diminuindo o balanço energético) inclusive pode aumentar a concentração de ácido linoléico conjugado (C18:2 cis 9, trans 11) no leite assim como a porcentagem total dos ácidos graxos (WHITE et al.,2001). Outro aspecto importante na variação de ácidos graxos é tendência genética na produção de gordura no leite e conseqüente influência no perfil de ácidos graxos. Já foi observado que cabras que produzem uma fração lipídica mais rica em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) têm no leite uma concentração de gordura significativamente maior e mobilizam mais intensamente suas reservas lipídicas corporais, especialmente na 1ª semana de lactação (JENESS, 1980; LE MENS, 1991). Embora estejam sendo comparadas diferentes espécies, pela caracterização físico-química (Capítulo 2) e de ácidos graxos (Tab. 3.1) dos leites, nota-se que de fato, o leite bovino com maior concentração total de ácidos graxos de cadeia longa (85,4%) apresentou também, o maior teor de gordura (4,6%) em oposição aos 75,7% de AGCL do leite caprino e 3,0% de conteúdo lipídico. Estes resultados coincidem com os dados observados por Žan, Stibilj e Rogelj (2006) para o leite de cabras alimentadas em altas planícies que apresentaram maior teor de gordura no leite conjuntamente com maior teor de AGCL. Com relação a influência da alimentação no perfil de ácidos graxos, cabe destacar que o aumento em demasia da porção de concentrado na dieta tende a diminuir a porcentagem de ácido acético no rúmen, com conseqüente redução de ácidos graxos de cadeia longa, como o ácido mirístico e palmítico. Já a redução da quantidade de pastagem ou feno, mantendo estável a quantidade de concentrado faz com que ocorra aumento claro de ácidos graxos de cadeia curta e diminuição dos ácidos caprílico ao palmítico, com exceção do ácido mirístico (MORAND-FEHR; SAUVANT, 1980). LeDoux et al. (2002) confirmam que cabras alimentadas com altas quantidades de pastagem (na forma de feno ou desidratada) produzem mais ácido esteárico do que aquelas que receberam dietas com grandes quantidades de concentrado, assim como os ácidos butírico, cáprico, oléico, linolênico e araquídico. A maior quantidade de pastagem ofertada aos animais, no entanto, também pode produzir no leite, ácidos graxos indesejáveis como os isômeros trans C18:1. Nota-se dessa forma, que a modificação na quantidade ofertada de concentrado e pastagem 79 tem efeitos importantes sobre a composição de ácidos graxos do leite (HAENLEIN, 2004). De fato, as cabras do experimento possuíam grande disponibilidade de pastagem em função do sistema de criação que eram submetidas. No entanto este fator parece não ter influenciado tão marcadamente os ácidos graxos esteárico, butírico, oléico e linolênico (com exceção do ácido cáprico) uma vez que os mesmos foram todos reduzidos em relação ao leite bovino. O leite de cabra excede o leite de vaca em ácidos graxos monoinsaturados (AGMI) e ácidos graxos de cadeia média (AGCM), o que justifica a singularidade do leite de cabra para a nutrição e medicina humanas (BABAYAN, 1981; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2004; MADUKO; PARK et al., 2007), como um auxiliar no tratamento de várias desordens gastrintestinais, além de minimizar as alergias ao leite de vaca. Os AGCM que compõe os triacilgliceróis de cadeia média (TCM) são mais facilmente absorvidos no lúmen intestinal comparado com os ácidos graxos de cadeia longa. A fração lipídica do leite caprino é constituída pelos AGCM capróico, caprílico e cáprico em um total de 15% em contraste com os 5% para o leite bovino; estes ácidos graxos absorvidos no intestino proximal não requerem sais biliares para serem absorvidos podendo ser considerados componentes importantes do ponto de vista fisiológico (ZAMBOM, 2006; MORA-GUTIERREZ et al., 2007). No presente estudo, a diferença entre o somatório destes ácidos graxos atingiu valor praticamente igual para o leite de cabra (total de 19,1 % versus 9,1% do leite bovino), sinalizando uma possível ação benéfica no organismo, no que se refere à digestão e absorção dos lipídios do leite de cabra. Quando é levada em consideração uma gama mais ampla na classificação dos AGCM, ou seja, do ácido capróico ao ácido mirístico, a diferença das proporções relativas entre as espécies de leite é mantida (35,3% para o leite caprino e 24,82% para o leite bovino). Esta diferença concorda com os dados de Alférez et al. (2001), que encontraram os valores de 24,24% para o total de AGCM do leite de cabra e 9,29% para o leite bovino, sendo superiores também para Jandal (1996) que observou o valor de 17,3% (leite caprino) e 9,3% (leite bovino), Boza e SanzSampelayo (1997) que citam os valores de 35% e 17% e para Alférez et al. (2006) quando analisaram leites liofilizados de cabra e de vaca para dietas de ratos. 80 Embora a classificação dos ácidos graxos em função do tamanho de sua cadeia de carbonos seja discordante por parte dos pesquisadores (SOUZASOARES, 1980), neste estudo em especial foi adotada a definição de AGCM para o grupo de ácidos graxos que vão do ácido capróico (C6:0) ao láurico (C12:0), sendo consequentemente o ácido butírico (C4:0) considerado como ácido graxo de cadeia curta. O ácido butírico, embora não esteja incluído no grupo dos AGCM, também é metabolizado de uma forma facilitada no organismo pelo menor tamanho da cadeia e sua presença no leite é vantajosa no sentido de maior absorção (SCHMIDL; LABUZA, 1994; RIEGEL, 2004). No entanto, seu teor no leite caprino é bastante reduzido quando comparado com dados da literatura como a faixa de 1,97-2,44% citada por Alonso et al. (1999), 0,82 a 1,06% conforme Matsushita et al. (2007) e os valores de 3,0% e 3,06% segundo McCullough (2003) e LeDoux et al. (2002) respectivamente. A diferença entre o total de AGCM do leite caprino e bovino (10,5%), concorda com Devendra (1980) e Jandal (1996) que observaram diferenças pouco menores que neste estudo (8,3% e 8,0% respectivamente), porém ainda marcantes para o leite caprino com relação ao leite bovino. O total de AGCM do leite de cabra foi maior inclusive do que o total de 20,0% conforme Le Mens (1991), 20,32% observado por Alonso et al. (1999) e 16,17% como valor médio para Osmari (2007). Os teores de todos os AGCM do leite de cabra foram superiores ao leite bovino (Fig. 3.1), em especial os ácidos caprílico e cáprico, sendo este último bem maior do que o leite da outra espécie, sinalizando diferença significativa (p≤0,05). A maior incidência dos ácidos caprílico e cáprico em leite de cabra comparado ao leite bovino concorda com a afirmação de Chilliard et al. (2003), que destacam estes dois ácidos graxos como abundantes no leite caprino, principalmente o ácido caprílico. 81 14 12 % Relativa 10 LB 8 LC 6 4 2 0 C4:0 C6:0 C8:0 C10:0 C12:0 AG Figura 3.1 - Distribuição de ácidos graxos de cadeia curta e média dos leites caprino (LC) e bovino (LB) pasteurizados, produzidos no sul do Rio Grande do Sul nos meses de novembro (2006) a fevereiro (2007). Tendo em vista a maior proporção de ácidos graxos de cadeia média no leite caprino comparativamente ao bovino, pode-se inferir que o mesmo possui características únicas e peculiares para ser utilizado como coadjuvante em tratamentos nutricionais envolvendo casos de má absorção de lipídios. 4 CONCLUSÃO Os leites caprino e bovino apresentaram perfil de ácidos graxos semelhantes com prevalência dos ácidos mirístico, palmítico, esteárico e oléico. O leite caprino apresentou maior proporção de ácido cáprico e o bovino de ácidos graxos miristoléico, palmitoléico, esteárico, linoléico e linolênico. O leite de cabra pasteurizado produzido no sul do RS demonstrou possuir maior valor total e individual de ácidos graxos de cadeia média do que o leite bovino. CAPÍTULO 4 DIGESTIBILIDADE LIPÍDICA E DEMAIS AVALIAÇÕES BIOLÓGICAS DO LEITE DE CABRA FRENTE AO LEITE BOVINO EM RATOS FÊMEAS WISTAR 1 INTRODUÇÃO O leite caprino destaca-se nutricionalmente pela fração lipídica, particularmente quanto ao tipo e conteúdo de ácidos graxos, apresentando altos teores de ácidos graxos de cadeia média e curta como o C4:0 (butírico), C6:00 (capróico), C8:00 (caprílico) e C10:00 (cáprico). Segundo Gomes, Bonassi e Roça (1997) e Meier et al. (2001), a proporção de ácidos graxos de cadeia curta é normalmente o dobro em relação ao leite bovino (MORAND-FEHR; SAUVANT, 1980; CHILIARD et al., 1984; LE MENS, 1991; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2004; VILANOVA, 2007; PARK et al., 2007; MORA-GUTIERREZ, 2007). A importância na ingestão de alimentos que contenham ácidos graxos de baixo peso molecular se deve a maior velocidade e facilidade de digestão e absorção, assim como o modo como são transportados no organismo (SOUZA-SOARES, 1980). Além disso, outro aspecto relevante relacionado à fração lipídica do leite caprino é o tamanho de suas micelas de gordura, com média ao redor de 3,5µ e alta porcentagem de glóbulos com diâmetros de 1,5 a 3,0µ. É estimado que 65% são de diâmetro menor a 3µ, tamanho este bastante inferior aos glóbulos que são encontrados no leite bovino, com média de 4,5µ. O menor tamanho auxilia na melhor e mais rápida digestão e absorção em função da maior área superficial, o que facilita a ação de degradação dos lipídios pelas lipases pancreáticas (JENNESS, 1980; LE MENS, 1991; LORA, 1999; ATTAIE; RITCHER, 2000; ALFÉREZ et al., 2000, QUEIROGA et al., 2003; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005; PARK et al., 2007). 83 A digestibilidade lipídica depende do pleno funcionamento de diversos órgãos do trato gastrintestinal. Logo, quaisquer alterações relacionadas ao sistema digestório podem afetar a plena digestão e conseqüente absorção e metabolismo dos nutrientes (D’AGOSTINI, 2001; KIERZABAUM, 2004; MING, 2006). Assim, certas desordens no trato gastrointestinal podem levar ao desenvolvimento de doenças relacionadas à má absorção lipídica. Neste contexto, inserem-se os portadores de deficiências de enzimas lipolíticas, como no caso de fibrose cística, pancreatite e doenças similares (JENNESS, 1980; SOUZA-SOARES, 1980, BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; YANKAH; AKOH, 2000; McCULLOUGH, 2003). Nestas enfermidades são perdidos triacilgliceróis razoavelmente digeridos; assim, a lipase atuará de forma ineficiente uma vez que os sais biliares não terão realizado o efeito emulsificante característico a eles. Logo, a obstrução do conduto pancreático ou biliar promoverá conseqüentemente a perda de lipídios emulsificados nas fezes, estando inteiramente na forma de triacilgliceróis normalmente de cadeia longa (RIEGEL, 2004; BERG; TYMOCZKO; STRYER; 2004). Sabe-se que os triacilgliceróis de cadeia curta e principalmente de cadeia média (TCM) são absorvidos por mecanismos diferentes dos triacilgliceróis de cadeia longa (sistema via portal), podendo suprir as exigências calóricas de pessoas com deficiências de enzimas lipolíticas ou patologias associadas à má absorção lipídica (JENNESS, 1980; SOUZA-SOARES, 1980, BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; YANKAH; AKOH, 2000; McCULLOUGH, 2003). A busca por nutrientes com conteúdo lipídico que favorecem a utilização digestiva, particularmente em casos de síndrome de absorção deficiente, é importante e necessária, o que remete ao estudo do leite caprino, rico em triacilgliceróis de cadeia curta e média (ALFÉREZ et al., 2000). Conforme SouzaSoares (1980), Boza e Sanz Sampelayo (1997) e McCullough (2003), a inclusão de triacilgliceróis de cadeia média (TCM) em dietas de pacientes com síndrome de má absorção lipídica, resulta em notável decréscimo nos sintomas de esteatorréia (excesso de lipídios não digeridos nas fezes) na grande maioria dos casos; também leva a um maior ganho de peso e melhoria no estado nutricional dos pacientes. Particularmente no caso do leite caprino, não só a maior proporção de ácidos graxos de cadeia curta e média é benéfica, mas também o menor tamanho de glóbulos de gordura, que proporcionam uma melhor e maior digestibilidade lipídica no organismo (ALFÉREZ et al., 2000). 84 Haenlein (2001) descreve que em estudo com grupos diferentes de crianças alimentadas com leite caprino e bovino houve diferença significativa na absorção lipídica entre os dois grupos a favor do grupo alimentado com o leite de cabra. Alférez et al. (2000) ainda afirmam que em casos onde é necessário realizar ressecções intestinais, os ácidos graxos de cadeia curta presentes no leite caprino favorecem a adaptação intestinal após o procedimento, provavelmente devido ao aumento da quantidade de outros nutrientes transportados através da membrana basolateral. Também é possível que os ácidos graxos de cadeia média que são absorvidos no interior das células intestinais sem reesterificação (entram diretamente pela circulação portal) tenham o mesmo efeito na adaptação do intestino. Assim, não só é favorecida a obtenção da energia diretamente pela presença dos TCM’s no regime alimentar, como também pode ser aumentada como conseqüência da maior absorção dos outros nutrientes na dieta. O leite caprino também tem sido divulgado como promotor na redução do colesterol sanguíneo e aumento da fração HDL do colesterol (High Density Lipoprotein) exatamente em função da abundância em triacilgliceróis de cadeia média (ALFÉREZ et al., 2000; MCCULLOUGH, 2003; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005). No entanto, os dados disponíveis são ainda contraditórios quanto aos efeitos sobre o colesterol plasmático e a fração HDL, sendo necessários estudos com maiores casuísticas e delineamentos mais específicos para confirmar essa hipótese. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a digestibilidade lipídica do leite caprino em relação ao leite bovino, concomitantemente à avaliação de parâmetros bioquímicos do sangue e comportamento digestivo dos animais submetidos às diferentes dietas experimentais. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Animais e condições de ensaio Foram utilizados 21 ratos (Rattus norvergicus), da cepa Wistar/UFPel, fêmeas, com peso inicial médio de 60,6g (variação de 37,1 a 95,2g) e aproximadamente 35 dias de idade, provenientes do Biotério Central da Universidade Federal de Pelotas - RS. O experimento foi conduzido no Laboratório de Experimentação Animal do Departamento de Ciência dos Alimentos da UFPel, 85 onde os animais permaneceram em condições controladas de temperatura (22±2°C), períodos alternados de claro e escuro de 12 horas e renovação do ar por exaustão. O experimento teve duração de 28 dias, sendo precedido de sete dias de adaptação dos animais os quais foram instalados em gaiolas metabólicas individuais onde recebiam a dieta padrão (à base de caseína) e água ad libitum. Após o período de adaptação, os animais foram pesados novamente e redistribuídos de forma homogênea a fim de equilibrar os pesos dos grupos experimentais. As gaiolas metabólicas utilizadas eram constituídas de arame galvanizado, dotadas de comedouro do mesmo material e bebedouro plástico acoplado, com tela coletora de fezes e funil coletor de urina em aço inoxidável, possuindo dimensões de 25x22x22cm (Fig. 4.1). A B Figura 4.1 - Vista das gaiolas metabólicas externa (A) e internamente (B), dispostas no laboratório de experimentação animal. O protocolo para a condução do período de experimentação com os animais foi aprovado pela Comissão de Ética e Experimentação Animal (CEEA - UFPel), segundo Ata 01/2007, em 27/03/2007 (Apêndice A). 86 2.2 Dietas 2.2.1 Dietas formuladas com leites caprino e bovino Os leites utilizados na elaboração das dietas foram obtidos de cabras da raça Saanen e vacas da raça Jersey, tendo sido submetidos à pasteurização lenta (65ºC ± 3ºC / 30 min). A composição físico-química e o perfil de ácidos graxos do leite das duas espécies utilizados nas formulações das dietas à base de leite foram determinados previamente (Capítulos 2 e 3). No presente estudo, o leite bovino foi utilizado como parâmetro de comparação, em função do mesmo ser usualmente utilizado na nutrição. As dietas foram elaboradas de acordo com o recomendado pelo American Institute of Nutrition – AIN 93M, segundo Reeves et al. (1993), com modificação na fonte lipídica e protéica, sendo utilizado na substituição parcial destes, leites caprino e bovino. A modificação também se deu quanto aos percentuais, tendo sido adotado 14% para o conteúdo de proteína e 10% para o conteúdo de lipídio presente na dieta (Tab.4.1), segundo Alférez et al. (2000). Tabela 4.1 - Dietas experimentais administradas durante 28 dias a ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel (g.Kg-1) Dieta PADRÃO (P) CAPRINO (LC) BOVINO (LB) Ingredientes (g) Proteína 14% Caseína* 180 22 15,6 Leite bovino 666 Leite caprino 434 Lipídios 10% Óleo de soja 100 Fibras 5% Farelo de trigo 50 50 50 Complexo Vitamínico 1%** 10 10 10 Complexo Mineral 3,5% *** 35 35 35 Aminoácidos 0,55% L-cistina 0,3% 3 3 3 Cloridrato de Colina 0,25% 2,5 2,5 2,5 Glicídios (23% + qsp) Sacarose 10% 100 100 100 Maltodextrina 13% 130 130 130 Amido (qsp) 389,5 573,4 597,4 TOTAL 1000 1591,9**** 1377,5**** 87 P: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; LB: dieta à base de leite bovino; LC: dieta à base de leite caprino *Caseína: 79,64% de proteína; Os complexos mineral e vitamínico foram elaborados de acordo com AIN-93: ** Complexo vitamínico: ácido nicotínico (0,3%), pantotenato de cálcio (0,16%), piridoxina HCl (0,07%), tiamina HCl (0,06%), riboflavina (0,06%), ácido fólico (0,2%), vitamina B12 (0,25%), vitamina E (1,5%), vitamina A (0,08%), vitamina D3 (0,025%), vitamina K (0,0075%), biotina (0,002%) e sacarose (q.s.p.); *** Complexo mineral: Carbonato de cálcio (357,0g), Fosfato de potássio (196,0g), Citrato de potássio (70,78g), Cloreto de sódio (74,0g), Sulfato de potássio (46,60g), Óxido de magnésio (24,0g), Citrato férrico (6,06g), Carbonato de zinco (1,65g), Carbonato de manganês (0,63g), Carbonato de cobre (0,30g), Iodeto de potássio (0,01g), Selenito de sódio anidro (0,01025g) e Paramobilidato de amônio (0,00795g); **** As dietas formuladas com leite ultrapassam o cálculo total de 1000g em função dos leites terem sido utilizados de forma integral, ou seja, em base úmida (os leites caprino e bovino possuíam média de 89,1 e 86,8% de água respectivamente). Para obter 14% de proteína (como recomendado pela AIN 93M), as dietas à base de leite foram suplementadas com caseína (1,56g de caseína / 100g da dieta de leite bovino e 11g / 100g da dieta de leite caprino), pois a proteína proveniente dos dois tipos de leite foi insuficiente para suprir a quantidade recomendada. A maior quantidade de lipídio utilizado nas dietas, diferente do recomendado pela AIN-93 (7%), teve como propósito verificar os efeitos da fração lipídica destes tipos de leite com relação à utilização digestiva e parâmetros bioquímicos relacionados ao metabolismo de lipídios. O óleo de soja foi usado como fonte de lipídios para dieta padrão devido aos seus efeitos benéficos já conhecidos no metabolismo de lipídios, além de ser fonte de ácidos graxos essenciais (SILVA et al., 2005). As dietas foram elaboradas no formato de pellets. A peletização foi realizada pela homogeneização dos ingredientes sólidos primeiramente junto com o óleo de soja (para a dieta padrão). Após, foi elaborado um gel a 8%, composto de amido e água que foram homogeneizados e levados ao aquecimento em recipiente de alumínio até aumento da viscosidade, formando um produto espesso. Após resfriamento a 20ºC, foi incorporado aos ingredientes sólidos, juntamente com o restante do amido, homogeneizando até obter-se uma massa de consistência firme, adequada à peletização. Esta massa foi submetida a fracionamento em pequenas porções de forma manual a fim de formar os pellets, os quais foram dispostos em tabuleiros metálicos gradeados (aço inox) e secos em estufa. Especificamente para as dietas à base de leite, o gel foi elaborado substituindo a água na mesma quantidade em peso, pelos leites de cada dieta específica. Para estas dietas, evitou-se que a temperatura de aquecimento 88 ultrapassasse os 50ºC (através do controle da temperatura por termômetro inserido no interior do recipiente metálico) a fim de evitar uma possível degradação da fração lipídica dos leites. Após o resfriamento, adicionou-se o gel aos ingredientes sólidos, juntamente com o restante do amido e leite, seguindo procedimento de igual forma à elaboração da dieta padrão anteriormente descrita. As dietas foram preparadas semanalmente, sendo os pellets secos em estufa com circulação forçada de ar a 50±1ºC, por 16h. Após o preparo, as dietas eram colocadas em embalagens de polietileno e conservadas à temperatura ambiente. Os grupos experimentais foram compostos de 7 animais em cada grupo (n=7) e configurados da seguinte forma: Grupo padrão (P) ou controle: animais alimentados com 13g de dieta formulada com caseína (proteína padrão); Grupo leite caprino (LC): animais alimentados com 13g de dieta formulada com leite caprino; Grupo leite bovino (LB): animais alimentados com 13g de dieta formulada com leite bovino; Os animais receberam diariamente 13g de dieta. Durante o período de adaptação foi administrada a dieta padrão e no experimento as dietas correspondentes aos respectivos grupos experimentais, além de água ad libitum. A quantidade de dieta estabelecida foi baseada em parâmetros do MANUAL PURINA (SANCHIS; SILBIGER), para ratos em crescimento e manutenção de peso. Durante todo período experimental, a água e as dietas eram trocadas diariamente no período inicial da manhã. As sobras de dieta remanescentes eram pesadas diariamente para controle da ingesta. 2.3 Avaliações 2.3.1 Determinação da composição centesimal das dietas As determinações químicas para definição da composição centesimal das três dietas formuladas (leite caprino, leite bovino e padrão) foram realizadas no 89 Laboratório de Bromatologia do Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial (FAEM / UFPel). Foram determinados: umidade (%), cinzas (%), proteína bruta (%), lipídios (%) de acordo com a A.O.A.C. (2000). 2.3.2 Determinações de parâmetros ponderais e biológicos dos animais No decorrer do experimento foi realizada diariamente pesagem (balança semi-analítica) da dieta remanescente no comedouro para determinar o consumo de por animal. O peso corporal de todos os animais foi registrado semanalmente para avaliação do ganho de peso. Estes dados foram utilizados para determinação do coeficiente de eficiência alimentar (CEA), calculado pela razão entre o ganho de peso e a quantidade total de dieta ingerida durante o experimento (PACHECO; DALEPRANE; BOAVENTURA, 2007). Foi ainda mensurado semanalmente o peso de excreta fecal (HELBIG, 2007). Ao final do experimento os animais foram avaliados biometricamente com a medida do peso corporal, comprimento vérticecóccix e comprimento entre membros torácicos (ÁGUILA; APFEL; MANDARIM-DELACERDA, 1997; VICTÓRIA, 2006). 2.3.3 Avaliações bioquímicas Foram realizadas as determinações do valor de glicemia no sangue e colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triacilgliceróis no soro dos animais; os parâmetros bioquímicos foram determinados ao final do experimento. As amostras sangüíneas dos ratos foram coletadas por punção cardíaca, tendo sido os animais submetidos a jejum prévio de 12 horas e anestesiados por inalação em campânula contendo éter etílico. As alíquotas de sangue foram imediatamente destinadas a exames de glicemia direta em equipamento Accu-Chek Advantage II - Roche® dotado de fitas indicadoras, onde é registrada a dosagem de glicose no sangue, sendo expressa em mmol.L-1. O sangue coletado de cada animal foi centrifugado a 1000g durante 15 minutos, a temperatura de 4ºC, para obtenção do soro. As amostras de soro foram congeladas a -20ºC e posteriormente enviadas ao Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do sul - UFRGS (LacVet UFRGS) onde foram realizadas as 90 avaliações bioquímicas relacionadas a fração lipídica (colesterol, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triacilgliceróis) em equipamento espectrofotômetro da marca Metrolab 1600 plus®. As determinações de colesterol total e triacilgliceróis foram realizadas, respectivamente, através dos métodos enzimáticos Colesterol Liquiform Trinder e ® Triglicérides Liquiform Trinder; o colesterol-HDL (c-HDL) pelo método Labtest (por precipitação das lipoproteínas LDL e VLDL) e colesterol-LDL (c-LDL) pela metodologia de surfactante seletivo. Todas as determinações foram realizadas utilizando os kits da marca Labtest Diagnóstica® S.A (Minas Gerais, Brasil). A fração VLDL do colesterol (c-VLDL) foi determinada pela equação [VLDL= triacilgliceróis / 5] segundo Friedewald et al. (1972) citado por Oliveira et al. (2006) e a relação LDL/HDL, através da divisão dos valores previamente calculados. 2.3.4 Determinação de lipídios totais hepáticos e fecais 2.3.4.1 Digestibilidade lipídica As fezes foram coletadas em dois períodos durante o experimento (início e final) para determinação do coeficiente de digestibilidade aparente lipídica (CDA), de acordo com Alférez et al. (2000), segundo equação: CDA = (Lipídio ingerido (g) – Lipídio excretado (g)) x100 Lipídio ingerido (g) Após cada coleta das fezes nos dois períodos determinados, foram pesadas, identificadas e armazenadas em papel alumínio no interior de frascos hermeticamente fechados sob congelamento a -20ºC. No momento da quantificação dos lipídios, as fezes foram desidratadas em estufa na temperatura de 50ºC por 60 minutos, tendo sido trituradas e pesadas novamente. O fígado dos animais foi coletado após a eutanásia, lavado em solução fisiológica gelada (NaCl 0,9%), seco em papel filtro, pesado e congelado a -20ºC envolto em papel alumínio, para posterior determinação dos lipídios . 91 Os lipídios das fezes e do fígado foram quantificados por extração contínua com éter de petróleo em Soxhlet segundo as normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985). 2.3.5 Perfil de ácidos graxos das fezes As fezes utilizadas para determinação do perfil de ácidos graxos foram coletadas em dois períodos (inicial e final) do experimento, tendo sido pesadas, identificadas e armazenadas em papel alumínio no interior de frascos hermeticamente fechados sob congelamento a -20ºC. As amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Análise de Alimentos do Departamento de Química de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde foram realizadas as etapas de extração dos lipídios, esterificação e determinação do perfil de ácidos graxos. 2.3.5.1 Extração dos lipídios A extração dos lipídios das amostras de fezes foi realizada pelo método de Bligh-Dyer (1959), tendo sido previamente desidratadas em estufa por 2h em temperatura de 50ºC. 2.3.5.2 Esterificação A esterificação para as amostras de fezes foi realizada segundo metodologia de Joseph e Ackman (1992). 2.3.5.3 Condições Cromatográficas Os ácidos graxos fecais foram analisados usando cromatógrafo gasoso VARIAN 3300® equipado com detector de ionização de chama e coluna capilar Carbowax (30 m x 0,25 mm i.d. x 0,25 µm espessura de filme, J&W Scientific, Folson Califórnia, USA). A temperatura do injetor utilizada foi de 230°C sendo o volume injetado de 1µL para padrão e 2µL para amostra. O modo de injeção utilizado foi split (1:100), com vazão de H2 de 1,6 mL.min-1 e vazão de gases de 30/30/300 (H2/N2/ar 92 sintético). A temperatura do detector (FID) foi de 250°C, com programação de temperatura de 140°C mantida por 20 min, aumentando para 220°C a 2,5°C.min-1, e a temperatura final mantida por 10 min. A identificação dos ésteres metílicos de ácidos graxos foi realizada por comparação relativa com o tempo de retenção dos picos dos ésteres metílicos de ácidos graxos padrões utilizando kit Mix C4-C24 (Supelco, USA). Os picos das áreas foram determinados por programa integrador computadorizado GC-300. Os dados foram calculados pela área percentual relativa dos ácidos graxos. 2.3.6 Avaliações histopatológicas Após eutanásia por exangüinação os animais tiveram seus órgãos (fígado, pulmão, rins, intestino delgado e grosso e aorta abdominal) removidos, lavados em solução fisiológica (NaCl 0.9%), secos em papel filtro, pesados e preservados em formol tamponado a 10% (v/v). Previamente o fígado foi pesado e segmentado, retirando-se o lobo direito para as análises histopatológicas, e o restante encaminhado para armazenamento a -20ºC para outras determinações. Foram clivados três fragmentos seriados dos seguintes órgãos: fígado, rins, pulmão, baço, aorta abdominal e intestinos. Os fragmentos obtidos foram incluídos em parafina, cortados a 5µm para obtenção dos cortes histológicos e corados por hematoxilina-eosina (HE) segundo Behner, Tolosa e Freitas Neto (1976). Os procedimentos foram realizados pela equipe do laboratório de Histotecnia e Histoquímica do Departamento de Patologia Animal, da Faculdade de Medicina Veterinária (UFPel). As amostras foram avaliadas sem o conhecimento prévio dos grupos aos quais pertenciam ou das lesões relatadas no momento da eutanásia. Após o processamento das amostras, as mesmas foram avaliadas por microscopia de luz. Buscou-se averiguar: integridade ou lesão dos diferentes órgãos, definidos pela avaliação da arquitetura tecidual; presença de qualquer alteração, como caracterização de processo (degenerativo, inflamatório ou reparativo), de distribuição (focal, multifocal ou difuso) e de extensão do mesmo (discreta, moderada ou grave); presença de degeneração gordurosa hepática (esteatose); integridade das vilosidades intestinais, avaliação quantitativa e qualitativa da presença de leucócitos na mucosa, especialmente nas vilosidades; integridade das 93 amostras de aorta abdominal e evidência de hematopoiese extramedular, que pode ser indicadora de possível anemia. As carcaças dos animais foram colocadas em sacos plásticos sendo hermeticamente fechados e enviados ao crematório da Faculdade de Veterinária da UFPel a fim de descarte. 2.3.7 Análise estatística Os resultados foram expressos em médias e desvios padrões. Os resultados do peso final, ingesta, ganho de peso, CEA, comprimento vértice-cóccix e entre patas dianteiras, peso do fígado, colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol, triacilgliceróis, valor de glicemia, lipídios nas fezes e no fígado foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e aplicado o teste de Tukey para comparação de médias, ao nível de significância de 5%. O programa estatístico utilizado foi o Statistic 6.0 (STATISTIC, 2001). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Composição química das dietas experimentais Na Tab. 4.2 é apresentado o perfil de ácidos graxos dos leites caprino e bovino utilizados na elaboração das dietas experimentais à base de leite. 94 Tabela 4.2 - Composição de ácidos graxos (% relativa) em leites caprino e bovino utilizados nas dietas experimentais administradas a ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel durante 28 dias Ácido Graxo Leite Caprino Leite Bovino a Butírico (C4:0) 0,6 ± 0,00 1,3 ± 0,20a a Capróico (C6:0) 3,1 ± 0,17 2,9 ± 0,93a a Caprílico (C8:0) 3,7 ± 0,10 2,0 ± 0,61a Cáprico (C10:0) 12,3 ± 0,67a 4,2 ± 1,03b a Láurico (C12:0) 4,6 ± 0,38 4,1 ± 0,81a Mirístico (C14:0) 11,0± 0,77a 11,6 ± 1,45a b Miristoléico (C14:1) 0,1 ± 0,03 0,7 ± 0,07a Palmítico (C16:0) 28,9 ± 0,42a 28,7 ± 0,40a b Palmitoléico (C16:1) 0,9 ± 0,01 1,0 ± 0,03a Margárico (C17:0) 0,5 ± 0,01a 0,5 ± 0,06a b Esteárico (C18:0) 8,5 ± 0,49 15,8 ± 2,23a Oléico (C18:1 cis ω9) 20,5 ± 0,74a 21,7 ± 1,76a a Elaídico (C18:1 trans ω9) 2,5 ± 0,09 1,7 ± 0,84a Linoléico (C18:2 cis 6,9) 2,8 ± 0,16a 2,1 ± 0,01b a Linolelaídico (C18:2 trans ω6) 0,4 ± 0,07a 0,3 ± 0,01 b Linolênico (C18:3 ω3) 0,4 ± 0,00 0,5 ± 0,03a Total saturados 73,2 71,1 Total insaturados 26,8 28,8 Total monoinsaturados 24,0 25,1 Total polinsaturados 2,8 3,7 Total AGCM (TCM)* 23,7 13,2 Total AGCC** + AGCM*** (TCM) 24,3 14,5 Os valores correspondem a média de duas repetições com estimativa de desvio padrão (n=2); médias seguidas de letras distintas na mesma linha diferem entre si pelo Teste de Tukey a 5% de probabilidade (p≤0,05); *TCM = triacilgliceróis de cadeia média **AGCC = ácido graxo de cadeia curta ***AGCM = ácido graxo de cadeia média O teor de ácidos graxos saturados apresentou-se pouco superior para o leite caprino, com diferença de 2,1% em relação ao leite bovino; o total de ácidos graxos insaturados foi próximo, enquanto que o teor de monoinsaturados e polinsaturados foi maior para o leite bovino. No entanto, a característica de fundamental importância nutricional reside nas maiores quantidades de ácidos graxos de cadeia média, onde o leite de cabra foi consideravelmente superior ao leite bovino. Estes ácidos graxos de cadeia média possuem influência direta em uma maior e melhor digestibilidade lipídica no organismo, em função de uma via de absorção diferenciada (via portal) e mais rápida (JENNESS, 1980; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; YANKAH; AKOH, 2000; ALFÉREZ, 2000; McCULLOUGH, 2003). 95 A Tab. 4.3 apresenta a composição centesimal das dietas administradas às ratas durante o período de 28 dias de ensaio biológico. Tabela 4.3 - Composição físico-química (%) das dietas experimentais administradas a ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel durante 28 dias Dietas Proteína Lipídios Cinzas Umidade Padrão 9,78 ± 1,30b 10,40 ± 0,13a 1,94 ± 0,00ab 4,46 ± 0,08a Leite Caprino 13,16 ± 0,22a 9,66 ± 0,78b 1,96 ± 0,01a 3,43 ± 0,84ab Leite Bovino 13,07± 1,13a 9,71 ± 0,38b 1,95 ± 0,00 b 2,78 ± 0,31b Os valores correspondem à média de três repetições com estimativa de desvio padrão (n=3); Médias na mesma coluna que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05). Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; Embora tenha sido calculada a porcentagem de 14% de proteína bruta para as dietas (Tabela 4.1), o conteúdo protéico não atingiu este valor para nenhuma das dietas. O menor valor protéico foi verificado para a dieta padrão, podendo ser em função da caseína utilizada como fonte protéica. A mesma continha 79,64% de caseína em si, o que denota que a quantidade utilizada para atingir o valor de 14% deveria ter sido maior. O menor valor de proteína para dieta padrão, não atingindo o valor calculado também foi descrito por Toaiari et al. (2005) e Melo et al. (2007). Quanto às dietas à base de leite, embora também não tenham atingido o valor de 14%, ficaram próximas do mesmo, não diferindo entre si significativamente. A proximidade do valor pode ser justificada pelo fato de no caso destas dietas ser calculado apenas o teor de caseína para completar o valor de 14%, uma vez os dois tipos de leite utilizados já eram por si só, fontes protéicas. Menores valores de proteína também foram encontrados em dietas à base de leite, onde não foi atingido o valor previamente determinado nos estudos de López-Aliaga et al. (2000) e Barrionuevo et al. (2002). Com relação ao teor de lipídios, apenas a dieta padrão atingiu o valor calculado previamente, embora os valores para as dietas à base de leite tenham sido próximos aos 10%, não diferindo entre si estatisticamente. Wally (2007) observou comportamento próximo ao presente estudo, onde apenas a dieta padrão estava adequada quanto à formulação, enquanto que todas outras dietas experimentais diferiram do percentual lipídico exigido. Nas dietas LB e LC o menor valor lipídico coincide com os dados descritos por López-Aliaga et al. (2000) para 96 este tipo de dieta, que também tiveram valores menores do que o calculado previamente. No que se refere ao teor de cinzas, as dietas à base de leite diferiram entre si (p≤0,05) mas não da dieta padrão. A porcentagem de cinzas está abaixo dos valores citados para as dietas padrão (VIERA; BION, 1998; TOAIARI et al., 2007; WALLY, 2007) e para dietas à base de leite (LÓPEZ-ALIAGA et al., 2000; LÓPEZALIAGA et al., 2003). 3.2 Parâmetros ponderais e biológicos 3.2.1 Ganho de peso, consumo alimentar e coeficiente de eficiência alimentar (CEA) Na Fig. 4.2 estão apresentados os dados relativos à variação de peso dos animais alimentados com as diferentes dietas experimentais ao longo de 28 dias. 200 175 150 125 100 75 50 25 0 Ti 1ª s 2ª s LB LC 3ª s 4ª s P Figura 4.2 - Variação de peso (g) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel ao longo do experimento, submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias. LB: dieta à base de leite bovino; LC: dieta à base de leite caprino; P: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; Ti: tempo inicial, após 7 dias de adaptação com ração comercial; 1ª s: 1ª semana: 2ª s: 2ª semana; 3ª s: 3ª semana; 4ª s: 4ª semana; Nota-se através da Fig. 4.2 que os animais alimentados com a dieta padrão apresentaram um incremento de peso durante todo o período experimental 97 consideravelmente maior do que aqueles alimentados com as dietas à base de leite, o que também foi observado por Vieira e Bion (1998), onde a dieta padrão diferiu sensivelmente das outras dietas experimentais testadas. Os animais alimentados com as dietas à base de leite apresentaram tendência muito próxima entre si com relação ao aumento de peso. Nota-se ligeiro aumento de peso maior para a dieta LC, embora não tenha apresentado diferença significativa com relação à dieta LB. Percebe-se ainda um aumento de peso praticamente constante durante todo período experimental, com leve aumento da 2ª para a 3ª semana, mantendo-se estabilizado até a 4ª semana. A estagnação de peso ou até mesmo redução segundo Chaud, Sgarbieri e Vicente (2008) pode ser devido à diminuição na eficiência metabólica do organismo, evidenciada por um baixo coeficiente de eficiência alimentar onde o consumo de dieta acaba não sendo tão efetivo no ganho de peso. Além disso, conforme Melo et al. (2007), a variação do ganho de peso dos ratos com o passar do tempo começa a reduzir até que alcance a fase adulta. Também pode haver influência do sexo do rato, uma vez que o mesmo autor demonstrou que os animais do sexo masculino, alimentados com dieta padrão, alcançaram maior desenvolvimento ponderal ao longo de 4 semanas (cerca de 325,0g) quando comparados com fêmeas da mesma espécie (entre 215 e 220g). Um suprimento adequado de energia e proteína nos alimentos traz como conseqüência uma melhor utilização dos nutrientes. Assim, a avaliação da eficiência alimentar de um alimento compreende certas determinações do seu valor nutritivo, como os métodos biológicos. Com a utilização destes métodos, é possível avaliar a qualidade de determinado alimento e relacionar os resultados com possíveis ações nos seres humanos (HELBIG, 2007). Na tabela 4.4, estão apresentados os dados relativos ao ganho de peso, consumo alimentar e coeficiente de eficiência alimentar (CEA) dos animais alimentados com as diferentes dietas ao longo do período experimental. 98 Tabela 4.4 - Ganho de peso, consumo alimentar e coeficiente de eficiência alimentar (CEA) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Dietas Parâmetros* Padrão Leite Caprino Leite Bovino a b Ganho de peso total (g) 45,31 ± 5,46 30,26 ± 5,47 27,36 ± 5,05c Ganho de peso diário (g) 1,61 1,09 0,97 a b Consumo alimentar diário (g) 10,86 ± 0,04 8,52 ± 0,32 8,06 ± 0,28b Ingestão total (g) 304,28 238,64 225,81 CEA** 0,15 ± 0,01a 0,13 ± 0,01a 0,12 ± 0,02a Os valores correspondem à média de sete repetições com estimativa de desvio padrão (n = 7); Médias na mesma linha que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05); *Ao final de 28 dias, após período de adaptação de sete dias alimentados com dieta padrão; ** CEA = ganho de peso (g) / consumo alimentar (g) Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; Os grupos de animais correspondentes as dietas avaliadas diferiram (p≤0,05) entre si em relação ao ganho de peso total, tendo sido maior para o grupo alimentado com dieta padrão, concordando com os dados de Piedade e CanniattiBrazaca (2003), Toaiari et al. (2005), Victória (2006), Silva et al. (2006), Wally (2007) e Alférez et al. (2000) para o mesmo tipo de dieta. No entanto, o ganho de peso total para os animais alimentados com a dieta padrão se encontra abaixo dos valores encontrados por Lima et al. (1988) e Baião et al. (1987) apud Vieira e Bion (1998) de 82,72g e de 79,5g respectivamente para o mesmo tipo de dieta. Mesmo que a dieta P tenha promovido maior ganho de peso nos animais com relação às demais, ainda assim o ganho de peso dos animais em geral pode ser considerado reduzido frente aos dados da literatura. Embora não tenha sido determinado o teor de fibras das dietas no presente estudo, segundo Piedade e Canniatti-Brazaca (2003), um maior teor de fibras na dieta pode vir a interferir na absorção de certos minerais, aumentando a excreção fecal com conseqüente prejuízo no crescimento e desenvolvimento dos ratos. Outro fator que pode ter influenciado no reduzido ganho de peso dos grupos experimentais, foi o teor protéico das três dietas estar abaixo do recomendado pela AIN-93M (REEVES et al, 1993). O valor estabelecido como teor padrão para proteína de 14% (Tab 4.1), não foi atingido em nenhuma das dietas, que apresentaram valores entre 9,78 a 13,16%. Com relação significativamente às (p≤0,05) dietas à base no ganho de de leite, peso, as maior mesmas para a diferiram dieta LC 99 (proporcionalmente ao consumo de dieta) concordando com os resultados encontrados por Alférez et al. (2000) com dietas elaboradas com o mesmo tipo de matéria-prima. Em um dos primeiros estudos com o uso dos triacilgliceróis de cadeia média (TCM), compostos estes presentes em grandes quantidades no leite de cabra, Harkins e Sarett (1968) observaram que a dieta contendo TCM conduziu a um menor ganho de peso tanto em ratos machos quanto em fêmeas com relação às outras dietas experimentais. No entanto, Souza-Soares (1980) avaliando dietas com diferentes níveis de TCM encontrou para a primeira fase de seu estudo ganho de peso bastante próximo (31g) ao grupo LC com sua dieta contendo 20% de TCM I. Os valores médios de ganho de peso na segunda etapa do trabalho também foram próximos aos da dieta LC, quando avaliada novamente a dieta com 20% de TCM (1,13g/rato/dia) e menores para a dieta com 8% de TCM (0,81g/rato/dia). Levando em consideração que o consumo alimentar diário das dietas LC e LB não apresentou diferença estatística, pode-se inferir que o aproveitamento digestivo dos animais alimentados com a dieta LC foi maior, pois para uma quantidade praticamente igual de consumo, obtiveram o maior ganho de peso. López-Aliaga et al. (2000) salientam que embora o consumo da dieta à base de leite caprino tenha sido menor em seus estudos, devido ao seu alto conteúdo de TCM e ao fato de ser rapidamente metabolizado para produzir energia (em contraste com os triacilgliceróis de cadeia longa - TCL), os animais alimentados com esta dieta demonstraram possuir a habilidade de ajustar seu consumo alimentar de acordo a utilização facilitada de energia. Tappenden et al. (1997) ainda citam que não somente a obtenção da energia é favorecida diretamente pela presença de TCM na dieta, mas também pode ser maximizada em conseqüência da maior absorção de outros nutrientes. A justificativa para essa melhor utilização energética proveniente dos TCM baseia-se que para a entrada dos ácidos graxos na mitocôndria a fim de serem oxidados, a carnitina deve estar presente, e esta substância é encontrada no leite de cabra em grandes quantidades. Embora os TCM não necessitem de carnitina para realizarem a entrada na mitocôndria, e sua ß–oxidação ser mais rápida do que para os TCL, o leite de cabra com seu alto conteúdo de carnitina certamente favorece a obtenção de energia de outras fontes lipídicas presentes em uma dieta usual (ALFÉREZ et al., 2000). 100 Um fator que pode justificar a sensível diferença no ganho de peso entre as dietas estudadas (LB e LC) com relação à P é a melhor distribuição e equilíbrio quanto ao perfil de aminoácidos da caseína (componente protéico principal da dieta padrão), conforme citam Vieira e Bion (1998) e Pacheco et al. (2007). Embora nas dietas LB e LC tenha sido adicionada uma fração de caseína (e a própria composição protéica do leite ser na maioria caseína), infere-se que as quantidades e/ou proporções na totalidade acabaram reduzidas, a ponto de não influenciar significativamente em um maior ganho de peso para estas dietas. Outro fator a ser levado em consideração, segundo Silva et al. (2006), é que os métodos biológicos empregados para avaliação da qualidade protéica podem subestimar as características benéficas da proteína em questão, uma vez que o modelo experimental comumente utilizado (ratos em crescimento) requer quantidades relativamente maiores de aminoácidos sulfurados em relação aos humanos. Assim, os baixos resultados referentes ao ganho de peso dos animais alimentados com as dietas avaliadas podem não ser fiéis na extrapolação destes dados para a avaliação em pessoas. O consumo alimentar diário da dieta padrão diferiu significativamente (p≤0,05) das dietas à base de leite (que não apresentaram diferença entre si), sendo maior entre as dietas experimentais. O maior consumo de dieta padrão e o mesmo consumo entre as dietas formuladas com leite também foi observado por LópezAliaga et al. (2005) e Alférez et al. (2006). No entanto, para Alférez et al. (2006) o maior consumo foi dos ratos com dieta à base do leite bovino, seguido da dieta padrão, sendo o menor consumo de dieta constituída de leite caprino. O baixo consumo alimentar de ratos alimentados com dietas à base de leite, comparado com os que recebem dieta padrão, tem sido descrito na literatura (ALFÉREZ et al., 2000; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2003; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005; ALFÉREZ et al., 2006). Segundo os autores citados, o baixo consumo deste tipo de dieta pode estar relacionado com as diferenças nas características sensoriais conferidas pelo leite das dietas, especialmente concernente ao leite de cabra. Alférez et al. (2000) ainda citam que a qualidade lipídica parece influenciar no baixo consumo alimentar de dietas baseadas em leite de cabra; a razão desta redução no consumo normalmente parece ser devido às características sensoriais especiais deste tipo de leite, o qual possui intenso odor, forte sabor e gosto levemente salgado. Para López-Aliaga et al. (2000), a justificativa do intenso odor e 101 sabor marcante é a presença de ácidos graxos de cadeia ramificada (4metiloctanóico e 4-etiloctanóico) e de ácidos graxos de cadeia curta e média como o C6:0, C8:0 e C10:0. Além disso, o alto conteúdo de cloro e outros minerais em relação ao leite bovino são os responsáveis pelo gosto levemente salgado do leite caprino. As diferenças observadas tanto no consumo alimentar quanto principalmente no ganho de peso corporal dos animais alimentados com a dieta P em relação às dietas LC e LB podem ser devidas também à composição dos ácidos graxos das dietas; isso inclui relação e quantidade de ácidos graxos saturados e polinsaturados e diferentes valores energéticos, já que os lipídios diferem em seu valor energético (SILVA et al., 2005). Embora não tenha sido realizada a caracterização cromatográfica da dieta P, cogita-se que as diferenças com relação ao perfil de ácidos graxos e valor energético foram consideráveis entre as dietas, em virtude de ter sido utilizado lipídios de origem vegetal (óleo de soja) e animal de duas espécies diferentes (leites bovino e caprino). Outro fator também citado por Silva et al. (2005) para justificar as diferenças de peso e consumo alimentar entre dietas é a inclusão ou não de óleo de soja nas dietas, uma vez que o mesmo promove a adequação dos ácidos graxos polinsaturados essenciais. Pesquisas já demonstraram que a deficiência do ácido graxo essencial linolênico (presente no óleo de soja) pode ocasionar diminuição na taxa de crescimento em ratos após o desmame. A fonte lipídica utilizada na dieta P foi exclusivamente óleo de soja, diferente das dietas à base de leite (LB e LC) onde foi considerada a fração lipídica do próprio leite, matéria-prima que apresenta baixos níveis de ácido α-linolênico (C18:3 ω-3) conforme Tab. 4.2, em relação a média de 4,52% no óleo de soja (JORGE et al., 2005). Assim, depreende-se que um dos fatores responsáveis pelo maior ganho de peso aliado ao maior consumo alimentar dos animais da dieta P, em relação aos animais das dietas LB e LC, se deve à composição lipídica das fontes utilizadas nas respectivas dietas. O coeficiente de eficiência alimentar (CEA) não diferiu estatisticamente entre as dietas estudadas, embora o ganho de peso e o consumo alimentar das dietas tenham apresentado diferenças significativas (p≤0,05). O melhor CEA foi dos animais que receberam a dieta P, seguido da dieta LC, sinalizando uma melhor conversão do alimento ingerido em ganho de peso. No entanto, o CEA para a dieta padrão encontra-se abaixo dos resultados encontrados por Vieira e Bion (1998) de 102 0,36, por Melo et al. (2007) de 0,18 e por Chaud, Sgarbieri e Vicente (2008), de 0,30. Para a dieta LB, o valor de CEA também está abaixo do encontrado na literatura, de 0,27 (VERRUMA; SALGADO, 1993). Nota-se também, que concomitantemente ao menor ganho de peso, o CEA também foi menor para as dietas à base de leite, embora não tenha apresentado diferença estatística significativa com relação à dieta padrão. O consumo alimentar e o ganho de peso foram determinantes para os valores reduzidos de CEA observados no presente estudo para todas as dietas, uma vez que os maiores coeficientes encontrados por outros autores relacionam-se também com valores maiores para o ganho de peso com o mesmo ou menor consumo alimentar confirmado por Machado (2007) e Pacheco et al (2007). Um fato que pode justificar estes parâmetros reduzidos é o menor consumo alimentar para todas as dietas estudadas em relação ao que foi estabelecido como média padrão pelo MANUAL PURINA (SANCHIS; SILBIGER), de 13g para ratos em crescimento e manutenção de peso. A dieta que mais se aproximou do mínimo requerido foi a dieta P, atingindo um percentual de 83,5% com relação ao preconizado; as dietas LC e LB atingiram o valor de 65,5% e 62,0% respectivamente. O menor consumo alimentar das dietas avaliadas no presente estudo se refletiram em um menor ganho de peso conseqüentemente, em comparação aos valores citados por outros autores para ratos durante um mesmo tempo de período experimental (ALFÉREZ et al. 2000; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005; PACHECO et al., 2007; MELO et al. 2007; WALLY, 2007; CHAUD; SGARBIERI; VICENTE, 2008). Silva et al. (2007) citam que a ingestão de dieta pode também estar relacionada com o sexo do indivíduo, uma vez que em seu estudo ratos machos apresentaram maior ingestão de dieta e um metabolismo mais rápido com relação ao ganho de peso quando comparados a ratas (como utilizado no presente estudo). Desta forma, o CEA sendo o resultado da relação entre variação do peso e ingesta de ração durante o período experimental, reflete de fato um menor valor de eficiência alimentar quando os parâmetros em questão são reduzidos. 103 3.2.2 Medidas de comprimento e relação com ganho de peso Na Tab. 4.5 estão descritos os parâmetros ponderais relativos ao crescimento dos animais, expresso pelas medidas de comprimento do vértice ao cóccix e entre os membros torácicos das ratas ao final do período experimental. Tabela 4.5 - Comprimento vértice-cóccix e entre membros torácicos de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Dietas Vértice-cóccix (cm)* Membros torácicos (cm)** Padrão 35,57 ± 0,60a 11,92 ± 0,67a Leite Caprino 26,85 ± 2,65b 9,94 ± 0,79b Leite Bovino 26,81± 2,94b 10,0 ± 0,81b Os valores correspondem à média de sete repetições com estimativa de desvio padrão (n=7); Médias na mesma coluna que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05); * Medida da porção inicial do focinho ao início da cauda ** Medida entre patas dianteiras Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; Os animais alimentados com a dieta P apresentaram maior comprimento vértice-cóccix e entre os membros torácicos, diferindo significativamente (p≤0,05) daqueles com dietas à base de leite, onde os animais pertencentes a estes grupos não apresentaram diferença entre si. Os parâmetros ponderais relativos ao crescimento são proporcionais aos resultados concernentes ao ganho de peso, onde paralelamente ao crescimento das extremidades corporais observou-se maior ganho de peso para os animais da dieta P; no entanto, embora as dietas LC e LB não tenham promovido diferença estatística com relação ao crescimento dos animais, nas referidas dietas os animais diferiram significativamente (p≤0,05) para ganho de peso. Subtende-se que nem sempre é possível considerar parâmetros de crescimento relacionados diretamente com o ganho de peso. O valor de comprimento vértice-cóccix citado na Tab. 4.5 para a dieta P é maior do que o citado por Victória (2006) sendo, no entanto, menor para o comprimento entre membros torácicos, onde o autor cita o valor de 13,13cm. 104 3.3 Avaliações bioquímicas De acordo com Victória (2006), o principal modelo adotado para estudos do metabolismo lipídico é o rato. Devido a grande variabilidade genética e dos hábitos dietéticos das populações humanas, o modelo experimental com ratos mostra-se adequado para estudos experimentais desse gênero. O importante é que há uma similaridade geral entre o sistema cardiovascular de ratos com o de outros mamíferos, incluindo o homem (ÁGUILA et al., 2002). Um fator importante a ser considerado é que as frações lipídicas comumente analisadas são influenciadas por muitos fatores como dieta, características individuais, genótipo e condições ambientais, razão de variarem inclusive entre animais da mesma espécie (JAECKEL, 2008). Os esteróis são os principais integrantes da fração insaponificável de gorduras e óleos, sendo o colesterol o principal esterol nos tecidos animais (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995). O nível de colesterol no organismo é controlado por um mecanismo de regulação próprio que varia tanto de uma espécie para outra como entre indivíduos da mesma espécie (VICTÓRIA, 2006). Por ser produto típico do metabolismo animal, é um componente inerente à composição de alimentos de origem animal, incluindo o leite (MURRAY et al., 1990). Assim como os triacilgliceróis, o colesterol é transportado pelas lipoproteínas HDL e LDL, que atuam tanto para manter os lipídios solúveis quanto para fornecer um mecanismo eficiente para poder levar seu conteúdo lipídico aos tecidos (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995; VICTÓRIA, 2006). Aproximadamente metade do colesterol do organismo surge por síntese exógena (cerca de 500mg/d), sendo o restante fornecido pela dieta. O fígado responde por aproximadamente 50% da síntese total, enquanto que intestino e pele são responsáveis pela parcela restante. A capacidade de suprimir a síntese do colesterol após a ingestão de esterol varia entre humanos. Todavia, a redução relativa do colesterol por diminuição da ingestão pela dieta pode ser efetiva. Um decréscimo de 100mg de colesterol na dieta causa uma redução média de 5mg de colesterol por 100mL de soro (MURRAY et al., 1990). 105 A identificação de alimentos que possam promover a redução do colesterol através de sua ingesta é importante. Boza e Sanz Sampelayo (1997) e Haenlein (2004) descrevem que a ingesta do leite caprino pode promover a redução no teor de colesterol sérico em humanos, inibindo e limitando sua deposição. O consumo de dietas que continham leite de cabra por parte de pacientes arteriopáticos e idosos, além de promover a redução do colesterol total, reduziu também a fração LDL segundo Zoppi, Berra e Enne (1995) citado por Boza e Sanz Sampelayo (1997). Na Tab. 4.6 estão os principais parâmetros bioquímicos determinados no sangue e soro de ratos fêmeas Wistar ao final do período experimental. Tabela 4.6 - Teores (mmol.L-1) de colesterol total, triacilgliceróis, colesterol-HDL (cHDL), colesterol-LDL (c-LDL), colesterol-VLDL (c-VLDL), relação LDL/HDL e valor de glicemia de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Dietas Parâmetros Padrão Leite Caprino Leite Bovino b a Colesterol total 1,08 ± 0,13 2,03 ± 0,48 1,90 ± 0,29a b a c-HDL 0,80 ± 0,13 1,13 ± 0,36 1,15 ± 0,19a c-LDL 0,35 ± 0,02a 0,35 ± 0,19a 0,34 ± 0,05a c-VLDL 0,15 0,17 0,12 LDL/HDL 0,43 0,30 0,29 Triacilgliceróis 0,74 ± 0,01ab 0,85 ± 0,10a 0,62 ± 0,07b Valor de glicemia 6,86 ± 1,28a 7,19 ± 1,89a 7,00 ± 1,59a Os valores correspondem à média de sete repetições com estimativa de desvio padrão (n=7); Médias na mesma coluna que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05); Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; 3.3.1 Colesterol Verifica-se na Tab. 4.6 que o menor teor de colesterol foi nos animais alimentados com a dieta padrão, diferindo significativamente (p≤0,05) das dietas à base de leite, que por sua vez não diferiram entre si. Os valores de colesterol para as dietas LB e LC, estão dentro da faixa citada por Giknis e Clifford (2006), que estabeleceram como valor padrão de colesterol sérico para ratos do sexo feminino, com idade de 8 a 12 semanas (período que abrange o presente estudo), o valor médio de 1,94mmol.L-1 com variação de 1,73 a 2,25mmol.L-1. Os valores séricos de colesterol dos animais das dietas à base de leite estão abaixo dos valores citados por Águila (2002) de 2,67mmol.L-1 para dieta baseada em lipídios de origem animal (fonte lipídica próxima das dietas à base de leite). No 106 entanto, ultrapassam o valor médio de colesterol em ratos sadios citado por Soares, Costa e Cecim (2000), de 1,50mmol.L-1 e a faixa citada por Boyd (1942) apud Verruma e Salgado (1993) para colesterol total plasmático de ratos, de 0,72 a 1,96mmol.L-1, assim como os próprios resultados obtidos pelo autor para dietas à base de leite integral bovino e bubalino (1,66mmol.L-1 e 1,17mmol.L-1, respectivamente). O teor encontrado para os animais do grupo P é menor do que para Águila et al. (2002) para dieta suplementada com óleo de soja (mesma fonte lipídica da dieta padrão do presente estudo) que encontraram valor médio de 2,15mmol.L-1. Piedade e Canniati-Brazaca (2003) encontraram valor sensivelmente maior de colesterol para animais da dieta padrão, aos 30 dias de experimento, da ordem de 6,73mmol.L-1 assim como Helbig (2007), com valor de 5,33mmol.L-1. Já Souza-Soares (1980) obteve valor próximo para a dieta padrão, de 1,19mmol.L-1 na penúltima semana de experimento, e valores também próximos aos das dietas à base de leite, com dietas experimentais com 20% de óleo de milho (OM 20%) e com 20% de triacilgliceróis de cadeia média - TCM (TCM 20%), sendo os valores de 1,94 e 2,14mmol.L-1, respectivamente. Considerando que o leite caprino, matéria-prima para elaboração da dieta LC, possui maiores teores de TCM do que o leite bovino (Tab. 4.2), a proximidade com os dados de colesterol para os animais alimentados com TCM 20% de SouzaSoares (1980) indica um fator positivo na ingestão do leite de cabra. Harkins e Sarett (1968), também trabalhando com dieta composta de TCM, observaram de igual forma níveis de colesterol mais alto nestes animais do que naqueles alimentados com dietas à base de óleos vegetais. No entanto, embora o nível de colesterol dos animais da dieta LB e principalmente da dieta LC tenham permanecido dentro da faixa considerada padrão por Giknis e Clifford (2006), os dados estão acima dos valores encontrados por Alférez et al. (2000) de 1,73mmol.L-1 para dieta composta de leite caprino e de 1,51mmol.L-1 para o mesmo tipo de dieta, para López-Aliaga et al. (2005), onde os autores ressaltam o menor teor de colesterol dos animais alimentados com dieta composta de leite caprino, entre suas outras dietas experimentais (1,65mmol.L-1 para a dieta padrão e 1,81mmol.L-1 para a dieta composta de leite bovino). Boza e Sanz Sampelayo (1997) e Haenlein (2004) descrevem que a ingesta do leite caprino pode promover a redução no teor de colesterol sérico em humanos, 107 inibindo e limitando a deposição do colesterol. O consumo de dietas que continham leite de cabra por parte de pacientes arteriopáticos e idosos reduziu o colesterol total e a fração LDL (ZOPPI; BERRA; ENNE, 1995 apud BOZA e SANZ SAMPELAYO, 1997). Alguns autores propuseram certas teorias para justificar a redução do colesterol sérico pela ingestão do leite de cabra. Segundo Alférez et al. (2000), a redução no colesterol sanguíneo entre os animais que consumiram a dieta à base de leite caprino pode ser resultado de um menor consumo alimentar, e também dos níveis mais elevados do TCM (36%) em comparação ao leite bovino (21%), uma vez que a presença do TCM na dieta reduz a síntese de colesterol endógeno e sua absorção intestinal. A síntese de colesterol endógeno nos hepatócitos, obtido a partir da ßoxidação do TCM nas mitocôndrias, é abrandada na seqüência pela redução na atividade da enzima (hidroximetilglutaril-coenzima A redutase – HGM –CoA) que é crucial para a síntese do colesterol. Além disso, quando o TCM’s estão incluídos na dieta há uma menor absorção de esteróis de colesterol devido à absorção do TCM ser preferencial ao invés dos triacilgliceróis de cadeia longa (ALFÉREZ et al, 2000; HELBIG, 2007). Embora McCullough (2003) afirme que não existem ainda evidências suficientes que reforcem a afirmação de que o leite de cabra pode reduzir os níveis de colesterol, estudos com animais já indicaram que a alimentação contendo TCM pode desviar a síntese de acetato de colesterol para a síntese de ácidos graxos no fígado. As observações efetuadas em seres humanos confirmam os primeiros estudos em animais, que têm demonstrado que o ácido octanóico ou caprílico (um dos TCM’s) é bem absorvido a partir do trato gastrointestinal e rapidamente oxidado. Pela Tab. 4.2 observa-se que o nível de TCM (C6:0 a C12:0) do leite caprino utilizado na dieta LC foi bastante superior, de 23,7% frente aos 13,2% do leite bovino. No entanto, o teor mais significativo de TCM do leite caprino não se refletiu em um nível de colesterol sérico representativamente menor do que o grupo LB. Outros autores citam que os ácidos graxos monoinsaturados também podem auxiliar na redução do colesterol no sangue, de forma tão efetiva quanto os polinsaturados (ÁGUILA et al., 2002; MORAIS et al., 2003; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005); ainda pela Tab. 4.2, pode-se notar que o leite de cabra apresentou menor concentração de ácidos graxos monoinsaturados (24,12%) do que o leite bovino 108 (25,10%), mas estes valores não foram suficientes para refletir em uma menor concentração de colesterol sérico entre as dietas, uma vez que as mesmas não apresentaram diferença entre si. O menor teor de monoinsaturados e a falta de redução do colesterol sérico em função disto contrariam a afirmação de Haenlein (2001) quanto ao consumo do leite caprino e conseqüente ação hipocolesterolêmica pelo maior teor de monoinsaturados. Conforme Morais et al. (2003), Silva et al. (2005) e Fuentes (1998) citados por Victória (2006), os ácidos palmítico (C16:0), mirístico (C14:0) e láurico (C12:0), promovem hipercolesterolemia. Pelo que se pode observar pela Tab. 4.2, os maiores teores de ácido palmítico e láurico foram encontrados no leite caprino utilizado na dieta. No entanto, mesmo com um maior teor dos ácidos graxos considerados hipercolesterolêmicos identificados no leite caprino, os animais da dieta LC não demonstraram aumento excessivo na concentração de colesterol sérico (estando dentro da faixa aceita como padrão na literatura) assim como não apresentaram diferença nos teores em relação aos animais da dieta LB. Além dos ácidos graxos citados considerados hipercolesterolêmicos, os ácidos graxos trans também exercem este efeito, em maior grau que seus correspondentes cis (SILVA et al., 2005). No entanto, embora o teor de ácidos graxos trans identificados nas amostras de leite caprino utilizado na dieta LC tenha sido maior (2,94%) do que no leite bovino da dieta LB (2,14%), o nível de colesterol no soro dos animais destes grupos não diferiu significativamente. O nível de colesterol dos animais alimentados com a dieta à base do leite de cabra (LC) não foi reduzido em relação às outras dietas experimentais, tendo apresentado inclusive maior teor de que o grupo da dieta padrão. Os resultados demonstrados neste estudo destoam das afirmações de uma tendência na redução do colesterol sérico pela ingestão do leite de cabra, segundo citam Boza e Sanz Sampelayo (1997), Alférez et al. (2000), McCullough, (2003), Haenlein (2004) e López-Aliaga et al. (2005). Obviamente, a análise dos efeitos potenciais de um alimento deve levar em considerações variáveis como a concentração dos constituintes com alegação funcional, além da quantidade adequada ministrada desses constituintes e o modelo animal mais apropriado. Assim, a justificativa para a não redução do colesterol sérico e aumento da HDL pode ter sido em função da necessidade de haver um 109 maior teor de ácidos graxos de cadeia média no leite para o efeito hipocolesterolêmico ou ainda pela baixa ingestão da dieta LC por parte dos animais, insuficiente para exercer o efeito desejado. Machado (2007) ressalta que hamsters são conhecidos por apresentarem respostas similares aos humanos quanto a influências dietéticas na concentração sanguínea de lipídios, pois a lipoproteína LDL é seu principal carreador de colesterol plasmático assim como no caso do organismo humano. Logo, talvez a substituição por modelo animal diferente possa ser também uma alternativa para promover melhor extrapolação dos dados para humanos assim como maior acurácia em futuros trabalhos relacionados ao metabolismo lipídico plasmático relacionado ao leite de cabra. No entanto, um aspecto positivo neste experimento foi a manutenção do nível de colesterol das dietas em que foi utilizado leite, embora o mesmo possua considerável quantidade de ácidos graxos saturados (71,14% para o leite bovino e 73,06% para o leite caprino), fator este considerado pontual no aumento do colesterol sérico. Para indivíduos saudáveis, ou ainda para aqueles onde é necessária a substituição do leite bovino pelo leite caprino em função de alergias, a manutenção do nível de colesterol é importante. No entanto, para pacientes com má absorção lipídica, o maior nível de colesterol encontrado no soro dos animais alimentado com a dieta à base de leite caprino é um fator benéfico uma vez que estes necessitam de alimentos que promovem maior fixação de calorias no organismo pelas perdas de lipídios nas fezes. 3.3.2 Lipoproteínas plasmáticas Um dos principais modelos experimentais adotados para estudos do metabolismo lipídico, são ratos da cepa Wistar (VICTÓRIA, 2006), animais utilizados no presente estudo. A maioria das pesquisas sobre metabolismo lipídico visa à determinação do perfil das lipoproteínas plasmáticas. No entanto, é importante considerar diferenças entre características inerentes à espécie, uma vez que, na maioria dos animais de laboratório, a proporção da lipoproteína plasmática HDL é maior do que a LDL, fato este que ocorre de maneira inversa na fração plasmática 110 do homem. Outra diferença é a maior quantidade e atividade da enzima éster colesteril transferase que transfere o éster de colesterol da HDL para a LDL. 3.3.2.1 c-HDL As HDL exercem papel fundamental no transporte reverso do colesterol, em função de possuir a enzima denominada L-CAT, responsável por captar o colesterol total; assim, é removido o excesso de colesterol nos tecidos periféricos e corrente sanguínea, transportando-o para o fígado onde é metabolizado e eliminado na forma de ácidos e sais biliares (VAZ et al., 2006; SOUZA et al., 2007). Pela Tab. 4.6 observa-se que os valores de c-HDL diferiram significativamente entre a dieta padrão (p≤0,05) e as dietas baseadas em leite, sendo que estas não diferiram entre si. Os maiores valores foram para a HDL proveniente do soro dos animais alimentados com as dietas LC e LB. Águila et al. (1997), em estudos com animais ao longo de 15 meses recebendo dieta padrão e dieta hiperlipídica (contendo fontes lipídicas de origem animal como manteiga e gema de ovo), descrevem valores maiores (1,52 e 1,48mmol.L-1 respectivamente) do que os resultados dos animais alimentados com as dieta P, LB e LC. Em outro estudo com ratos mais envelhecidos, Águila et al. (2002), observaram valores reduzidos com relação aos descritos no presente estudo para a dieta padrão, de 0,57mmol.L-1; para a dieta baseada em lipídios de origem animal, contendo banha de porco e gema de ovo (tipo de fonte lipídica similar as dietas à base de leite), o valor foi ainda menor, na ordem de 0,35mmol.L-1, bastante reduzido se comparado com as dietas LB e LC. De acordo com o estudo de Alférez et al. (2000), ratos que consumiram dieta composta de leite caprino apresentaram os níveis médios de HDL no soro mais elevados (0,46mmol.L-1) do que aqueles que consumiram frações lipídicas de leite bovino (0,38mmol.L-1) e semelhantes aos níveis de HDL de animais da dieta contendo azeite de oliva (0,46mmol.L-1). Como este tipo de gordura vegetal é benéfica para as pessoas por aumentar a fração HDL, desejável no organismo, o autor ressalta que a similaridade entre os resultados das dietas com azeite e leite de cabra permitem concluir o efeito de aumento da fração c-HDL no soro pela ingestão do leite de cabra. 111 Embora o nível de HDL não tenha sido expressivo para os animais da dieta LC com relação à dieta LB conforme descreve Alférez et al. (2000) em seu estudo, ainda assim foi maior do que os valores citados pelo mesmo, inclusive para a dieta padrão. Morais et al (2003) também observaram maior nível de HDL para dieta com lipídio de origem animal (gordura suína) com relação à dieta contendo óleo de soja, na ordem de 1,21mmol.L-1 e 1,10mmol.L-1 respectivamente, embora tenha sido utilizada uma concentração bem maior (14%) do que a empregada neste estudo; além disso, os animais da dieta LC também apresentaram valor superior de HDL em relação às três dietas à base de óleos vegetais utilizados pelos autores. Os valores das três dietas experimentais deste trabalho foram maiores também do que os encontrados por Helbig (2007) para suas dietas experimentais à base de arroz. Isso demonstra que a dieta à base de leite de cabra, embora de origem animal, demonstrou uma tendência de aumento de HDL comparada à dieta padrão; este aumento denota uma característica benéfica do leite caprino uma vez que o aumento e manutenção da fração c-HDL previne o desenvolvimento de doenças coronarianas em indivíduos saudáveis (LIMA; OLIVEIRA; NAGEM, 2003). 3.3.2.2 c-LDL As LDL fazem parte da via metabólica das lipoproteínas ricas em colesterol, e são responsáveis pela distribuição do colesterol para os tecidos extra-hepáticos (VAZ et al., 2006). Porém, níveis séricos elevados de LDL estão associados ao risco de doenças cardiovasculares, especificamente com o processo de aterogênese e trombogênese, diferente da HDL e dos triacilgliceróis (ÁGUILA et al., 1997; PIEDADE; CANNIATTI-BRAZACA, 2003). Segundo Fuentes (1998) citado por Victória (2006), os ácidos palmítico (C16:0) e mirístico (C14:0) possuem a capacidade de elevar os níveis de LDL, seguido em menor proporção pelo ácido esteárico (C18:0). Por outro lado, os ácidos graxos mono e polinsaturados, como o ácido linoléico (C18:2), podem reduzir os níveis séricos de LDL no organismo humano reduzindo assim o risco de aparecimento de doenças cardiovasculares (SILVA et al., 2005). No entanto, conforme os dados descritos na Tab. 4.6 para os valores de cLDL, não se observa diferença significativa entre as três dietas experimentais, embora para as dietas à base de leite os níveis de ácidos graxos palmítico, mirístico, 112 esteárico e linoléico tenham sido diferentes quando quantificados nas amostras de leite utilizadas na elaboração das dietas (Tab. 4.2). Parece ter ocorrido um equilíbrio entre os teores dos ácidos graxos, uma vez que o leite caprino apresentou maiores teores de ácido palmítico mas bem menor em ácido esteárico. O leite bovino por sua vez, embora tenha apresentado maiores teores de ácido linoléico, apresentou praticamente o dobro da quantidade de ácido esteárico com relação ao leite caprino, ácido graxo também considerado responsável por elevar o nível de HDL no soro. Silva et al. (2005) também citam que dietas que contém isômeros trans aumentam a concentração plasmática da LDL de maneira similar aos ácidos graxos saturados, inclusive diminuindo a concentração de HDL; são bastante prejudiciais no sentido que se encontram mais associados às doenças cardiovasculares quando comparados a dietas à base de ácidos graxos saturados. No entanto, embora o leite de cabra utilizado na dieta LC possua maior teor de ácidos graxos trans (2,8%) do que o leite bovino da dieta LB (2,1%), não foi determinante para uma maior concentração de c-LDL no animais do grupo LC, pois os valores não diferiram dos outros grupos experimentais (P e LB). Os valores encontrados no presente estudo estão de acordo com os resultados de Águila et al. (1997) de 0,31mmol.L-1 e 0,37mmol.L-1 (para dieta padrão e com fontes lipídicas de origem animal respectivamente) e sensivelmente abaixo dos citados por outros autores, como de Helbig (2007) que descreveu o valor de 3,93mmol.L-1 para a dieta controle e a faixa de 2,73 a 3,77mmol.L -1 para dietas experimentais à base de arroz, onde poderia se esperar menores valores (fonte de origem vegetal). Águila et al. (2002) encontraram para o grupo alimentado com dieta padrão, valor médio de 1,81mmol.L-1 enquanto que para os grupos das dietas compostas de gordura animal (maior nível de ácidos graxos saturados) e gordura animal associada à óleo de canola (rico em polinsaturados) estes valores foram de 2,65mmol.L-1 e 1,10mmol.L-1, ainda maiores que os valores encontrados para as dietas à base de leite (0,34 a 0,35mmol.L-1), também compostas de um alto teor de ácidos graxos saturados (Tab. 4.2). 3.3.2.3 c-VLDL 113 A fração c-VLDL é responsável por grande parte do transporte dos ácidos graxos esterificados (triacilgliceróis, ésteres de colesterol, fosfolipídios e outros), provenientes principalmente do fígado. As VLDL são essencialmente formadas no fígado e exercem papel fundamental no transporte endógeno dos ácidos graxos sob a forma de triglicerídeos (VAZ et al., 2006). Conforme descrito na Tab. 4.6 os valores encontrados para a fração c-VLDL foram de 0,15, 0,12 e 0,17mmol.L-1 para as dietas P, LB e LC, respectivamente. O maior valor observado para os animais que consumiram a dieta LC pode estar relacionado à presença de alguns ácidos graxos saturados capazes de induzir a síntese hepática de VLDL e inibir a captação das partículas resultantes do metabolismo de VLDL, como as IDL, catabolizadas no fígado via receptores específicos. Também possui relação com uma maior concentração de triacilgliceróis e colesterol, pois os mesmos compõem a fração VLDL nas proporções de 60% e 20% respectivamente (MORAIS et al., 2003). O maior teor de VLDL para o grupo alimentado com a dieta LC coincide com os maiores teores de colesterol total e triacilgliceróis do mesmo grupo. Os dados observados para as dietas experimentais do trabalho estão abaixo do comumente encontrado para outros autores. Helbig (2007) descreveu a fração cVLDL para a dieta controle na ordem de 0,18mmol.L-1 e a faixa de 0,12 a 0,20mmol.L-1 para suas dietas experimentais. Águila et al. (2002) encontraram para a dieta à base de óleo de soja (referente à dieta padrão utilizada no presente estudo) o valor de 0,47, o triplo de dado obtido para a dieta P; para a dieta composta de lipídios de origem animal, este valor foi de 0,25, maior também do que a dieta LC. 3.3.2.4 LDL/HDL A relação entre LDL e HDL é comumente calculada para avaliar o risco de doenças coronárias, onde uma elevada concentração de LDL-colesterol é considerada de alto risco para as doenças cardiovasculares (aterogênica), enquanto que alto nível de HDL-colesterol tem efeito cardioprotetor (ÁGUILA et al., 1997; ÁGUILA et al., 2002; JAECKEL, 2007). Embora ainda não tenha sido determinada a relação LDL/HDL ideal para ratos de laboratório e o valor estipulado para humanos não possa ser comparado diretamente, convenciona-se que esta relação deva ser a mais reduzida possível para indicar uma característica benéfica. 114 No presente estudo as relações LDL/HDL foram de 0,43, 0,29 e 0,31 correspondentes, nesta ordem, aos grupos P, LB e LC. A redução da relação de LDL/HDL no grupo LB e LC pode indicar uma ação positiva no perfil lipídico de animais saudáveis (normocolesterolêmicos) alimentados com estas dietas. Vaz et al. (2006) ressaltam que o aumento no consumo de ácidos graxos (AG) trans presentes nas dietas atuais (proveniente de gordura vegetal hidrogenada ou derivados do leite) pode ocasionar problemas relacionados ao sistema cardíaco. Estudos epidemiológicos têm demonstrado efeito deletério dos AG trans no perfil lipídico sérico de indivíduos de maneira similar, com aumento da razão LDL/HDL e conseqüente aumento do risco de doenças cardiovasculares. Conforme a Tab. 4.2, o teor de AG trans no leite caprino utilizado na dieta LC foi maior do que no leite bovino da dieta LB; no entanto, a relação LDL/HDL para os animais alimentados com as duas dietas à base de leite foi reduzida com relação à dieta P, sem diferença significativa entre elas. 3.3.3 Triacilgliceróis Os triacilgliceróis são os lipídios mais abundantes da dieta (cerca de 95%) e constituem a forma de armazenamento de todo o excesso de nutrientes, seja ingeridos na forma de carboidratos, proteínas ou dos próprios lipídios. Representam a maior reserva energética do organismo, perfazendo em média 20% do peso corpóreo, o que equivale a uma massa 100 vezes maior que a do glicogênio hepático (MARZZOCO; TORRES, 1999; VAZ et al., 2006). Giknis e Clifford (2006) estabeleceram como valor padrão para triacilgliceróis do soro para ratos do sexo feminino, com idade de 8 a 12 semanas (período que abrange o presente estudo), o valor médio de 0,67mmol.L-1 com variação de 0,47 a 1,91mmol.L-1. Os resultados para os níveis de triacilgliceróis no presente estudo demonstraram que não houve diferença entre as dietas à base de leite em relação à dieta padrão, mas houve diferença significativa (p≤0,05) entre as dietas LB e LC tendo sido maior para a dieta LC (Tab. 4.6). Os valores das três dietas experimentais se encontram na faixa citada por Giknis e Clifford (2006). 115 Os maiores níveis de triacilgliceróis encontrados para as dietas à base de leite integral com relação à dieta padrão também foi citado Verruma e Salgado (1993) trabalhando com dietas compostas por leite bubalino e bovino (0,88 e 0,96mmol.L-1 respectivamente) frente à dieta padrão (0,84mmol.L-1) e por Alférez et al. (2000), com leite bovino e caprino, que descrevem que já é esperado que os lipídios de origem animal aumentem os níveis de triacilgliceróis no soro; no entanto, Alférez et al. (2000) não notaram diferença entre as dietas à base de leite de cabra e leite bovino (0,91 e 0,94mmol.L-1 respectivamente frente a 0,73mmol.L-1 para a dieta padrão). No entanto, López-Aliaga et al. (2005) demonstraram diferença significativa entre as dietas à base de leite, tendo sido encontrado o maior nível de triacilgliceróis para a dieta composta de leite bovino, de 1,57mmol.L-1, seguido da dieta padrão (1,46mmol.L-1) e o menor nível para a dieta com leite de cabra (1,28mmol.L-1). Os autores justificam o menor teor de triacilgliceróis da dieta à base de leite de cabra, possivelmente pelo teor ligeiramente maior de ácidos graxos monoinsaturados presentes no leite caprino em relação ao leite bovino, fato este também ressaltado por Haenlein (2001). Além disso, atribui-se à redução de triacilgliceróis pelo leite caprino em função do maior conteúdo de compostos antioxidantes e enzimas presentes no leite desta espécie (ALFÉREZ et al., 2006). O efeito de redução na concentração de triacilgliceróis plasmáticos no grupo LC não ocorreu, podendo ter relação com as afirmações dos autores anteriormente citados, uma vez que o teor de monoinsaturados no leite caprino utilizado na dieta foi menor do que o encontrado no leite bovino (Tab. 4.2). No entanto, mesmo que no presente estudo o maior nível de triacilgliceróis tenha sido para os animais alimentados com a dieta LC, ainda assim o valor foi menor (0,85mmol.L-1) do que os valores citados por Alférez et al. (2001) de 0,91mmol.L-1; também foi inferior aos dados citados por Águila et al. (2002) de 1,26mmol.L-1 para dieta com lipídios de origem animal. O maior teor de triacilgliceróis nas dietas compostas de leite já era esperado em função dos lipídios de origem animal já serem conhecidos por aumentar o nível de triacilgliceróis no soro (Alférez et al., 2000). Nos ratos alimentados com a dieta LC, a maior concentração de triacilgliceróis pode ser devido ao teor de ácidos graxos trans presentes na dieta, considerado promotor do aumento de triacilgliceróis no 116 soro, segundo Silva et al. (2005). Pela Tab. 4.2, fica ilustrado o teor maior de ácidos graxos trans no leite caprino utilizado na dieta LC frente ao teor presente no leite bovino que compôs a dieta LB. Já a redução do nível de triacilgliceróis no soro pode estar relacionada a um maior teor de ácido linoléico (C18:2 ω6, cis 6,9) e α-linolênico (C18:3 ω3) na dieta (Morais et al., 2003), ácidos graxos estes em maior proporção no óleo de soja quando comparado ao leite das duas espécies. Os ácidos linoléico e α-linolênico podem atingir teores de aproximadamente 60% (média de 52,5%) e 8,0% (média de 5,7%) respectivamente no óleo de soja (BRASIL, 1993). Através da Tab. 4.2, observa-se que os teores de ácido linoléico para o leite bovino foram de 2,8% e de 2,1% para o caprino; para o ácido α-linolênico, os valores são ainda menores, na ordem de 0,5% e 0,4% respectivamente para o leite bovino e caprino. Embora não tenha sido determinada a composição em ácidos graxos para o óleo de soja utilizado na dieta padrão nota-se, através dos dados citados na literatura, que mesmo o óleo de soja possuindo teores marcadamente superiores de ácidos linoléico e α-linolênico, não parece ter influenciado no nível de triacilgliceróis séricos da dieta P uma vez que o valor foi estatisticamente igual às dietas baseadas em leite. As dietas LB e LC por sua vez parecem ter sofrido certa influência dos teores destes ácidos graxos considerados essenciais, pois o leite bovino apresentou maiores teores dos mesmos concomitantemente aos menores níveis séricos de triacilgliceróis, diferindo significativamente dos valores para o grupo alimentado com a dieta LC. 3.3.4 Valor de glicemia Giknis e Clifford (2006) estabeleceram como valor padrão de glicemia para ratos fêmeas, com idade de 8 a 12 semanas (período que abrange o presente estudo), a média de 8,89mmol.L-1 com variação de 6,27 a 10,26mmol.L-1. Através da Tab. 4.6 observa-se que os valores para glicemia não apresentaram diferença significativa entre as três dietas experimentais, estando dentro da faixa citada por Giknis e Clifford (2006) como teores normais. O maior valor de glicemia foi para os animais alimentados com a dieta LC (7,19mmol.L-1) muito próximo da dieta LB (7,0mmol.L-1); o menor valor de glicemia foi encontrado 117 nos animais da dieta P (6,86mmol.L-1). Victória (2006) também observou comportamento próximo entre a dieta padrão e dieta experimental com relação ao valor de glicemia, sendo, no entanto, estes valores maiores (8,5 e 8,2mmol.L-1) que os encontrados no presente estudo. Para Wally (2007), os valores de glicemia em experimento com ratos foram bem menores, variando em uma faixa de 2,03 a 4,40mmol.L-1, também não variando entre a dieta padrão e suas respectivas dietas experimentais. Águila et al. (2002) encontraram valores maiores para a glicemia (9,49mmol.L-1) em ratos alimentados com dieta suplementada com óleo de soja, idem à dieta P. Os ratos que receberam dieta com óleo de canola (rico em polinsaturados) apresentaram valor idêntico da dieta LC, demonstrando uma relação inversa interessante, uma vez que o leite caprino utilizado na elaboração da dieta LC possui reduzido índice de polinsaturados sendo menor inclusive que o leite bovino da dieta LB (Tab.4.2). Menores valores de glicemia podem ser atingidos conforme o estágio de maturação da barreira intestinal dos ratos, ou seja, com o passar da idade essa barreira atinge maior maturidade e seletividade quanto à absorção dos nutrientes. Além disso, um maior teor de fibras (particularmente as fibras solúveis) promove uma camada de gel protetor no intestino, passando a oferecer maior obstáculo para a absorção da glicose, consequentemente gerando menor índice glicêmico sanguíneo (CHAUD et al., 2007). No entanto, em função das dietas experimentais conterem o mesmo teor de fibras (relativamente baixo), o valor de glicemia não diferiu estatisticamente entre os animais alimentados com as três dietas e foi maior que os dados de Wally (2007); também foi maior que o valor citado por Soares, Costa e Cecim (2000), como padrão glicêmico em ratos sadios, de 4,97mmol.L-1, embora os autores tenham utilizado ratos adultos e não jovens como no presente experimento. Menores valores de glicemia podem sugerir um maior índice de eliminação renal de glicose (SOARES; COSTA; CECIM, 2000). Por outro lado, para Águila et al. (2002), o aumento da glicemia relaciona-se com o ganho de massa corporal, não sendo necessariamente devido ao tipo de lipídio consumido ou relacionado ao tempo (período experimental). Porém, no presente trabalho, os dados refutam a afirmação do autor para a dieta padrão, uma vez que o ganho de peso dos animais da dieta P foi maior durante todo o período experimental e seu nível glicêmico ao final do experimento foi menor do que as duas outras dietas (LC e LB). 118 Entretanto, embora os animais alimentados com as dietas à base de leite tenham demonstrado menor ganho de peso com relação à dieta padrão, ao final do período experimental o grupo LC apresentou ligeira elevação no ganho de peso, com conseqüente discreto aumento no valor de glicemia em relação ao grupo LB. 3.4 Determinação de lipídios hepáticos e fecais 3.4.1 Peso e teor lipídico do fígado Na Tab. 4.7 estão descritos o peso do fígado, lipídios hepáticos e a relação percentual do peso do fígado com o peso corporal ao final do experimento de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel alimentadas com diferentes dietas experimentais durante 28 dias. Tabela 4.7 - Peso do fígado, lipídios hepáticos e relação percentual de peso do fígado com peso corporal, de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Peso fígado / peso Dietas Peso (g) Lipídios (g) corpóreo Padrão 6,50 ± 0,27a 0,15g ± 4,25a 0,03 ± 0,17b Leite Caprino 3,93 ± 0,90b 0,05g ± 1,06b 0,04 ± 0,58a Leite Bovino 3,52 ± 0,45b 0,08g ± 0,45b 0,03 ± 0,17b Os valores correspondem à média de sete repetições com estimativa de desvio padrão (n = 7); Médias na mesma coluna que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05); Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; As médias de peso do fígado dos animais alimentados com as dietas à base de leite foram próximas entre si (não apresentando diferença estatística) e reduzidas com relação à dieta padrão, sendo estatisticamente diferentes (p≤0,05). Podem ser consideradas proporcionais, uma vez que acompanharam o menor ganho de peso registrado no final do experimento (Tab. 4.3) com relação aos animais da dieta padrão. Estes valores estão próximos dos valores citados por Denardin et al. (2007a) na faixa de 3,53 a 3,72g, mas inferiores aos dados citados por López-Aliaga et al. 119 (2005) que descrevem valores de 7,63g para o grupo da dieta controle, 7,33g para o grupo da dieta composta de leite bovino e 7,22g para a dieta à base de leite caprino. Também foi bem mais reduzido em relação aos dados citados por Helbig (2007), de 9,84 a 11,47g e por Souza-Soares (1980) para suas dietas compostas de óleo de milho e triacilgliceróis de cadeia média (TCM), variando de 6,6 a 7,2g. A maior diferença, descrita por Helbig (2007), poderia ser justificada em função da provável idade inicial dos animais do autor, pois o mesmo cita como peso inicial médio do grupo o valor de 317g, o que parece denotar uma idade mais avançada do que a utilizado neste trabalho (35 semanas, com peso inicial médio de 60,6g). Além disso, o sexo dos animais influencia no tamanho dos órgãos, logo, animais do sexo masculino geralmente apresentam maior peso do que os do sexo feminino (como utilizado no presente estudo), conforme constatado por Silva et al. (2007), que observaram valor de 4,94g para o peso do fígado de ratos machos e 4,12g para fêmeas. O menor peso do fígado dos animais das dietas experimentais com relação à dieta padrão também foi citado por Yang et al. (2007) e Fukui et al. (2004) apud Jaekel (2008), que observaram que as dietas provenientes de proteínas vegetais promoveram diminuição significativa no peso do fígado em relação à dieta composta de caseína. Essa similaridade de resultados denota uma característica interessante, uma vez que leite e derivados possuem conhecidamente teor de colesterol maior e que pode causar sobrecarga lipídica no fígado e aumento do mesmo, o que não foi evidenciado no presente estudo. Observa-se também pela Tab. 4.7, que a concentração lipídica do fígado dos animais alimentados com as dietas à base de leite foi estatisticamente igual, porém menor que para a dieta padrão, que diferiu significativamente (p≤0,05) das dietas LB e LC. A maior concentração de lipídios hepáticos encontrada para os animais da dieta P está de acordo com o peso do órgão e acompanha também a mesma tendência no maior ganho de peso final deste grupo, sendo assim, um resultado proporcional aos outros dados dos animais alimentados com esta dieta. O grupo LC apresentou menor concentração de lipídios hepáticos, concomitantemente a um menor peso do fígado e menor ganho de peso entre as três dietas experimentais, embora o valor tenha sido pouco maior que os citados por 120 Souza-Soares (1980) para suas dietas à base de TCM (em níveis consideráveis também no leite caprino – Tab. 4.2), na faixa de 0,020 a 0,023g. Os níveis de lipídios no fígado dos animais da dieta P são maiores do que os observados por Souza-Soares (1980) com a mesma dieta 0,016g, mas bem menores do que os valores descritos por Helbig (2007), na ordem de 0,36g, sendo que todas as suas dietas experimentais à base de arroz variaram de 0,31 a 0,61g. Esta maior quantidade de lipídios hepáticos em dietas compostas de uma fonte de origem vegetal parece indicar que a dieta objetivo do presente estudo (LC), mesmo sendo de origem animal, apresentou um fator benéfico em função da menor deposição lipídica no fígado. Quanto à relação percentual do peso corpóreo final e peso do fígado, os valores estão bastante próximos entre si, embora os dados tenham sido pouco maiores para os animais da dieta LC. Victória (2006) observou valor bastante próximo ao da dieta LC, para sua dieta padrão composta de óleo de arroz, na ordem de 0,04 demonstrando uma similaridade positiva com a dieta à base de leite caprino, uma vez que a dieta com óleo de arroz apresentou um equilíbrio entre o crescimento do órgão, metabolização lipídica e baixo acúmulo de lipídios no mesmo. Já para Helbig (2007), a relação teve como média o valor de 0,03; no entanto, o peso do fígado dos animais do autor foi sensivelmente maior do que os observados no presente estudo. Uma hipótese para um maior peso de fígado, é a relação com o aumento da atividade metabólica do órgão, ou seja, uma maior exigência quanto ao funcionamento e manutenção (DENARDIN et al., 2007a). O fígado está diretamente envolvido no metabolismo lipídico, sendo o órgão responsável por sintetizar e armazenar lipoproteínas, colesterol e fosfolipídios assim como processamento e liberação do colesterol e lipídios (MARZZOCO;TORRES, 1999; LOPES; BIONDO; SANTOS, 2007). Assim, os lipídios provenientes do óleo de soja parecem ter sido metabolizados de forma mais intensa no animais que foram alimentados com a dieta que continha esta matéria-prima. Portanto, devido a esta maior exigência metabólica, o fígado pode ter apresentado certa “hipertrofia” e/ou maior acúmulo destes componentes lipídicos com quadro de hepatomegalia (VICTÓRIA, 2006; MELO et al., 2007), comprovado pelos dados da Tab 4.7. No caso das dietas LB e LC, a justificativa da intensidade metabólica do fígado refletir no seu peso é menos válida, embora Machado (2007) descreva que os 121 ácidos graxos de cadeia curta (normalmente abundantes no leite caprino) podem inibir a síntese de colesterol hepático. Esta inibição implicitamente poderia levar a uma menor carga de atividade metabólica, o que se traduziria em um menor peso de fígado e possivelmente um maior aporte de colesterol sérico. O maior nível de colesterol no soro foi de fato para os animais do grupo LC (Tab. 4.6), mas embora o peso do fígado do grupo LC tenha sido menor do que o grupo P, foi maior com relação à LB. No entanto, o maior peso de fígado dos animais da dieta LC foi inverso a sua concentração lipídica hepática, o que parece indicar um maior e melhor aproveitamento lipídico do leite caprino no organismo. Esse fato pode estar relacionado à maior presença dos triacilgliceróis de cadeia curta e média (TCM) do leite de cabra utilizado na dieta LC (Tab. 4.2), uma vez que estes componentes viabilizam uma maior absorção lipídica via circulação portal (SOUZA-SOARES, 1980; SCHMIDL; L12ABUZA, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000) 3.4.2 Produção de fezes e teor lipídico fecal Na Tab. 4.8 está ilustrada a produção de fezes de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel alimentados com as três dietas experimentais, durante o período inicial, final e o total do experimento, com duração de 28 dias. Tabela 4.8 - Produção de fezes (g) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Produção de fezes (g) Dietas Período inicial* Período final** Total*** Padrão 19,73 16,95 80,78 Leite Caprino 8,83 13,11 56,01 Leite Bovino 16,64 16,08 93,19 Os valores correspondem ao somatório de seis repetições (n = 6) em cada período correspondente; * Período inicial = corresponde ao somatório dos quatro primeiros dias do experimento; ** Período final = corresponde ao somatório dos quatro últimos dias do experimento; *** Total = corresponde aos vinte e oito dias de experimento; Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; Uma maior produção de fezes pode indicar menor digestibilidade do alimento pelas enzimas do trato gastrointestinal, conforme Denardin et al. (2007b). 122 Helbig (2007) cita que a ocorrência de uma maior produção fecal está ligada concomitantemente com um menor pH fecal e uma maior excreção nas fezes de ácidos graxos de cadeia curta. Nota-se que as diferenças do ponto de vista numérico foram consideráveis entre os grupos, com destaque para a reduzida quantidade de fezes produzidas no período total do estudo pelos animais do grupo LC e a maior quantidade fecal dos animais do grupo LB, diferenciando-se sensivelmente dos demais grupos. Na Tab. 4.9 observa-se a relação do consumo de dieta em diferentes períodos dos ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel dos diferentes grupos experimentais com a concentração de lipídios excretados pelas fezes no período inicial e final do experimento, com duração total de 28 dias. Tabela 4.9 - Consumo de dieta (g) e lipídios totais (g) em excretas fecais de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Consumo dieta (g) Lipídios totais fecais (g)* Dietas Período Período Período Período inicial** final*** inicial** final*** Padrão 51,32 50,40 0,27 ± 1,53a 0,63 ± 1,74a Leite Caprino 36,94 43,86 0,48 ± 2,80a 0,44 ± 0,41a Leite Bovino 35,08 43,12 0,84 ± 4,47a 0,58 ± 0,96a * Os valores correspondem à média de sete repetições com estimativa de desvio padrão, durante os respectivos períodos citados (n=7); Médias na mesma coluna que possuem letras distintas diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p≤0,05); ** Período inicial = corresponde ao somatório dos quatro primeiros dias do experimento; *** Período final = corresponde ao somatório dos quatro últimos dias do experimento; Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; O colesterol exógeno (proveniente da dieta) é metabolizado no fígado e o excesso é convertido em ácidos biliares que, via intestino (circulação enterohepática), são lançados nas fezes, sendo parcialmente eliminados. Este fato conseqüentemente promove maior excreção lipídica (MACHADO et al., 2007). Observa-se que os maiores valores de lipídios excretados nas fezes são dos animais alimentados com as dietas LB no período inicial e P no período final do experimento (Tab. 4.9). A dieta LC promoveu menor excreção lipídica no período final e sem diferenças quando comparada à dieta padrão, no início do experimento. Estabelecendo uma relação com os níveis de colesterol sérico dos grupos experimentais (Tab. 4.6) ao final do estudo, observa-se que embora o grupo da dieta 123 P tenha apresentado o menor valor de colesterol no soro, no período final do estudo sua excreção fecal de lipídios foi maior. Embora não tenha sido determinado o teor de colesterol fecal, assim como sais biliares, o fato parece demonstrar que no caso da dieta que utilizou como fonte lipídica o óleo de soja a excreção maior de colesterol se deu pelas fezes, não se mantendo no circulante no soro. A perda de lipídios pelas fezes relaciona-se com a deficiência nos fluxos biliares ou pancreáticos até a luz intestinal, uma vez que os sais biliares e a lipase pancreática auxiliam diretamente na emulsificação e hidrólise dos triacilgliceróis em ácidos graxos. Portanto, qualquer alteração patológica que prejudique a produção e ação dos sais biliares e da lipase pode levar a ocorrência de uma grande perda de lipídios emulsificados nas fezes (excesso), sendo denominada de esteatorréia, sendo um sintoma comum em pacientes com dificuldade de absorver e fixar lipídios (BERG; TYMOCZO; STRYER, 2004; RIEGEL, 2004). No caso da dieta LC, no período final do experimento a excreção lipídica foi menor, e o nível de colesterol plasmático foi maior do que para os outros grupos. Cogita-se a hipótese de que o colesterol consumido através do leite caprino se mantenha em maior proporção no plasma do que excretado pelas fezes. Este fato pode ser considerado um aspecto positivo para pessoas com patologias associadas à má absorção lipídica, uma vez que os mesmos necessitam manter no organismo o maior aporte calórico possível (SOUZA-SOARES, 1980; RIBEIRO; RIBEIRO; RIBEIRO, 2002). A menor excreção lipídica pode ser justificada pela maior presença dos triacilgliceróis de cadeia média (TCM) na dieta, uma vez que os mesmos induzem a redução da síntese de colesterol endógeno e sua absorção intestinal, gerando conseqüentemente uma menor excreção fecal (ALFÉREZ et al., 2000). SouzaSoares (1980), trabalhando com dietas à base de TCM, notou de igual forma que a inclusão destes compostos tanto na dieta de ratos como em pacientes com má absorção lipídica, promoveu a redução de lipídios nas excretas fecais de forma bastante eficiente. 3.5 Digestibilidade lipídica A taxa de absorção dos lipídios é determinada principalmente pelo comprimento da cadeia de carbonos e pelo grau de saturação dos ácidos graxos 124 envolvidos. Assim, praticamente todos os lipídios de fontes naturais, constituídos de triacilgliceróis mistos, apresentam uma digestibilidade de 95 a 98%; contudo, se os triacilgliceróis apresentarem elevado teor de ácido esteárico ou outro ácido saturado de cadeia longa, sua digestibilidade é reduzida (SOUZA-SOARES, 1980). Souza-Soares (1980) ressalta que uma das formas mais satisfatórias de se avaliar a absorção lipídica é a comparação dos lipídios quantificados nas fezes com o teor de lipídios presentes na dieta; possui a vantagem de ser um método não invasivo, pois investiga a administração dos lipídios sem alterar a homeostase. Através da Tab. 4.10, observa-se os dados referentes a digestibilidade lipídica dos animais alimentados com as diferentes dietas experimentais, determinada pela razão entre lipídios ingeridos e excretados pelas fezes Tabela 4.10 - Quantificação lipídica ingerida e excretada nas fezes e coeficiente de digestibilidade lipídica aparente (CDA) de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias Lipídios Lipídios CDA (%)* ingeridos (g) excretados (g) Dieta Período Período Período Período Período Período inicial** final*** inicial** final*** inicial** final*** Padrão 5,34 5,24 0,05 0,10 99,00 97,95 Leite Caprino 3,57 4,23 0,04 0,05 98,87 98,81 Leite Bovino 3,40 4,18 0,13 0,09 96,17 97,84 Os valores correspondem ao somatório de seis repetições (n = 6) em cada período correspondente; * CDA = coeficiente de digestibilidade lipídica aparente (% absorção); ** Período inicial = corresponde ao somatório dos quatro primeiros dias do experimento; *** Período final = corresponde ao somatório dos quatro últimos dias do experimento; Padrão: dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; No período inicial do experimento a maior digestibilidade lipídica foi para a dieta P, seguida da dieta LC e mais reduzida para a dieta LB. Estes resultados coincidem com os dados de Alférez et al. (2000) que trabalharam com dietas experimentais muito próximas ao presente, tendo encontrado os valores de 90,4%, 85,6% e 94,2% para a dieta com leite de cabra, leite bovino e dieta padrão (à base de azeite de oliva) respectivamente para o coeficiente de digestibilidade lipídica (CDA). Para a dieta P o valor encontrado de CDA foi maior nos dois períodos analisados do que o descrito por Victória (2006), de 94,17% para a dieta controle, 125 embora o autor tenha elaborado a referida dieta com óleo de arroz. A digestibilidade da dieta à base de leite caprino foi maior em relação à dieta composta de leite bovino nos dois períodos, sendo pouco maior que a dieta padrão no período final. Quando se refere ao período total do experimento, os valores de digestibilidade foram de 98,73%, 98,43% e 96,56% respectivamente para a dieta padrão, leite caprino e leite bovino. Observa-se que as dietas P e LC apresentam similaridade bastante acentuada quanto aos seus percentuais enquanto que a dieta LB tem seu valor reduzido quando comparada às outras duas dietas experimentais, em uma diferença de 2,17% para a dieta padrão e 1,87% com relação à dieta à base de leite de cabra. Na Fig. 4.3 visualiza-se a diferenciação da digestibilidade lipídica das três dietas experimentais durante o período total (28 dias) do estudo. % Digestibilidade 99 98 P LC 97 LB 96 95 Dietas avaliadas Figura 4.3 - Digestibilidade lipídica de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias. P = dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; LC = dieta à base de leite caprino; LB = dieta à base de leite bovino; O maior coeficiente de digestibilidade lipídica (CDA) da dieta LC pode ser justificado em função do leite de cabra melhorar a utilização digestiva da fração lipídica além de reduzir as perdas fecais desse nutriente (característica positiva nas síndromes de má absorção lipídica). Os lipídios do leite de cabra são considerados mais digeríveis do que no leite bovino, pois estão na forma de pequenos glóbulos (65% com diâmetro inferior a 3µ frente a 43% no leite bovino) que apresentam uma maior superfície; em conseqüência disto, as lipases no intestino são capazes de hidrolisá-los mais rápido e eficientemente, diminuindo o tempo de permanência no 126 estômago e o trânsito intestinal. A maior digestibilidade também parece estar relacionada diretamente ao maior teor de TCM na fração lipídica do leite de cabra em relação ao de vaca (JENNESS, 1980; LE MENS, 1991; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; ALFÉREZ et al., 2000; HAENLEIN, 2001, QUEIROGA et al., 2003; LÓPEZ-ALIAGA et al., 2005; PARK et al., 2007). No presente estudo, conforme Tab. 4.2, o nível de TCM para o leite caprino utilizado na dieta LC situou-se em 23,7%, mais de 10% de diferença do que o identificado no leite bovino da dieta LB. A maior proporção de TCM no leite caprino em relação ao leite bovino também é citada por Jenness (1980), Boza e Sanz Sampelayo (1997), López-Aliaga et al. (2000), Haenlein (2001; 2004) e MoraGutiérrez et al. (2007). A constatação de que os ácidos graxos de cadeia média auxiliam na melhor digestibilidade lipídica também foi descrita por Harkins e Sarett (1968), Schmidl e Labuza (1994) e Alférez et al. (2000) que concluíram de igual forma que a presença dos TCM aumenta a utilização digestiva dos lipídios. Assim, é possível afirmar que o aproveitamento digestivo da fração lipídica do leite caprino não é só sensivelmente maior do que no leite bovino, mas comparável aos lipídios de origem vegetais (óleo de soja e azeite de oliva), comprovadamente benéficos à saúde e de fácil metabolização no organismo. 3.6 Composição de ácidos graxos das fezes Bloom, Chaikoff e Reinhart citado pór Souza-Soares (1980), em 1951 já observaram que o tamanho da cadeia de carbonos dos ácidos graxos influenciava na sua absorção no organismo; assim, puderam notar que ácidos graxos com menos de doze átomos de carbono eram absorvidos por via portal (mais rapidamente), enquanto que os maiores por via linfática. Após outros estudos, vários autores confirmaram a teoria da absorção diferenciada dos ácidos graxos de cadeia curta e média pelo sistema venoso portal também conhecido como sistema porta (SCHMIDL; LABUZA, 1994; BOZA; SANZ SAMPELAYO, 1997; SCHAAFSMA; STEIJNS, 2000; McCULLOUGH, 2003; RIEGEL, 2004) Como pode ser visualizado na Tab. 4.11, os teores de AGCM excretados nas fezes dos animais da dieta LC foram menores que para a dieta LB na fase inicial 127 e menores na fase final do experimento, tanto comparado à dieta LB quanto com relação à dieta P que por sua vez, apresentaram quantidades iguais entre si. A menor excreção de AGCM do grupo P no período inicial do estudo coincide com seu valor de digestibilidade no mesmo período, maior entre os outros dois grupos experimentais (Tab.4.10); na fase final, a maior digestibilidade lipídica do grupo alimentado com a dieta LC frente a dieta P e LB também relaciona-se com a menor excreção fecal de AGCM do grupo. As dietas P e LB apresentaram valores bastante próximos de digestibilidade (97,95% e 97,84%, respectivamente) no período final do estudo, sendo iguais para os teores de AGCM no mesmo período. Estes resultados demonstram uma similaridade bastante próxima entre quantidade excretada de AGCM com uma maior ou menor digestão dos lipídios ingeridos na dieta. Tabela 4.11 - Composição de ácidos graxos (% relativa) fecais de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel durante o período inicial e final do ensaio biológico, submetidos a diferentes dietas experimentais, durante 28 dias Período inicial* Período final** Ácido Graxo (%) Dieta Dieta LC P LB LC P LB Butírico (C4:0) Capróico (C6:0) 7,7 0,4 7,4 0,1 0,1 Cáprico (C8:0) Caprílico (C10:0) 0,7 0,1 0,8 0,1 0,1 0,2 Láurico (C12:0) 0,9 1,3 0,2 0,4 0,3 Mirístico (C14:0) 3,1 0,7 5,2 1,9 1,3 2,2 Miristoléico (C14:1) Palmítico (C16:0) 30,9 21,3 36,0 29,8 25,7 29,4 Palmitoléico (C16:1) Margárico (C17:0) Esteárico (C18:0) 10,8 10,1 14,1 14,6 20,7 16,5 Oléico (C18:1 cis ω9) 13,5 18,4 10,2 12,4 14,4 14,5 Elaídico (C18:1 trans ω9) 6,7 6,1 4,5 8,3 8,3 9,5 Linoléico (C18:2 cis 6,9) 19,2 33,9 14,0 14,7 20,0 14,8 Linolelaídico (C18:2 trans ω6) Linolênico (C18:3 ω3) 0,8 2,4 0,8 1,1 0,8 Total saturados 54,1 32,6 64,8 46,6 48,3 48,7 Total insaturados 39,4 60,8 28,7 36,2 43,8 39,6 Total monoinsaturados 20,2 24,5 14,7 20,7 22,7 24,0 Total polinsaturados 20,0 36,3 14,0 15,5 21,1 15,6 Total AGCM*** (TCM) 9,3 0,5 9,5 0,3 0,6 0,6 Os valores correspondem ao somatório de sete repetições (n = 7) em cada período correspondente; * Período inicial = corresponde ao somatório dos quatro primeiros dias do experimento; ** Período final = corresponde ao somatório dos quatro últimos dias do experimento; *** Ácido graxo de cadeia média ou TCM (C6:0 a C12:0) Padrão (P) = dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; 128 LC = dieta à base de leite caprino; LB = dieta à base de leite bovino; Segundo Souza-Soares (1980), a flora gastrointestinal dos ratos é responsável pela presença de ácidos graxos ímpares e ramificados nos lipídios fecais; além disso, evidências no metabolismo lipídico apontam para o fato de que os ácidos graxos saturados de cadeia longa, como ácido palmítico e esteárico, são pouco absorvidos pelo trato digestivo quando comparados aos ácidos graxos insaturados ou saturados de menor cadeia (MING, 2006). Normalmente os triacilgliceróis de cadeia longa (TCL) percorrem uma via metabólica extensa e complexa para sua digestão e absorção. Isso inclui a emulsificação dos TCL pelos sais biliares, ação da lipase pancreática para hidrólise dos triacilgliceróis, reesterificação no interior da mucosa intestinal e ainda, formação de quilomícras no sistema linfático para ser realizado o transporte até o plasma. Pela complexidade do processo, apenas indivíduos saudáveis conseguem manter a absorção lipídica destes ácidos graxos de forma satisfatória, o que não inclui aqueles com dificuldade de metabolização dos lipídios (SCHMIDL; LABUZA, 1994; D’AGOSTINI, 2001; BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2004). Assim, observa-se pela Tab. 4.11 que a maior quantidade excretada pelas fezes no período total foi do ácido graxo C16:0 para todas dietas experimentais, sendo maior para o grupo LB seguido do grupo LC e menor para os animais do grupo P; seguido do ácido palmítico, a maior excreção foi para o ácido linoléico, em todos os grupos no período inicial, sendo um valor bastante significativo nas fezes do grupo. Ainda no mesmo período, o ácido oléico foi o terceiro excretado em maior concentração, sendo maior para o grupo P, seguido do grupo LC e menor para o grupo LB. No período final do estudo, o ácido esteárico foi identificado como o segundo maior excretado, onde as maiores proporções relativas estavam presentes nas fezes das ratas que consumiram a dieta P, seguido do grupo alimentado com a dieta LB e em menor proporção nas fezes do ratos do grupo LC. A proporção de P>LB>LC ocorreu de igual forma para a concentração de ácido linoléico. O quarto ácido graxo em maior presença nas fezes no período inicial, foi o esteárico, em quantidades muito próximas para as excretas dos animais da dieta padrão e àquela composta por leite caprino, enquanto que nas fezes da dieta à base de leite bovino, o valor foi maior. Diferentemente do período inicial, o quarto ácido 129 graxo excretado em maior quantidade no período final, foi o ácido oléico; as proporções entre o grupo P e LB foram bastante similares, enquanto que a menor proporção se deu para o grupo LC. Na relação entre a proporção de ácidos graxos saturados (AGS) e insaturados (AGI) excretados nas fezes, nota-se uma tendência interessante nas diferentes dietas, sendo que no período inicial, as dietas à base de leite possuem o teor de AGS sempre maior que o teor de AGI. Já no grupo P, a tendência se inverte podendo ter relação com a fração lipídica predominante nas dietas, ou seja, maior teor de AGS presente nos leites (origem animal) e maior de AGI no óleo de soja (origem vegetal) utilizado na dieta P. No período final do estudo, parece ter ocorrido certa adaptação no organismo dos animais quanto à excreção de ácidos graxos saturados e insaturados. Nota-se que ocorreu um maior equilíbrio na proporção de AGS/AGI excretados para as três dietas, onde os grupos com dietas à base de leite demonstram proporção bastante próxima de excreção tanto para os AGS quanto para os AGI. Para a dieta padrão, observa-se uma relação mais equilibrada ainda, onde houve excreção total de saturados em um total de 48% e 43% para os insaturados. Quanto aos ácidos graxos saturados especificamente, no período final a menor excreção foi para os animais do grupo LC. Este fato parece ter influenciado no maior nível de colesterol encontrado no soro destes animais (Tab. 4.6), uma vez que o maior consumo de ácidos graxos saturados incluindo o C16:0 podem induzir um aumento no colesterol sanguíneo de até duas vezes mais (KRIS-ETHERTON; YU, 1997). No entanto, este fato pode ser considerado positivo quando considerado que pacientes com patologias relacionadas à má absorção lipídica necessitam de maior aporte calórico proveniente da dieta. Furman citado por Souza-Soares (1980) ainda em 1968 notou que a administração de TCM na dieta de humanos auxiliou na menor perda fecal de lipídios, melhora do estado nutricional, ganho de peso e níveis levemente aumentados de lipídios no soro. Alférez et al. (2000) também notaram que a dieta à base de leite caprino promoveu um ganho de peso comparável às outras duas dietas experimentais, assim como a menor excreção lipídica nas fezes. Logo, a inclusão de leite caprino na dieta destes pacientes poderia auxiliar na manutenção de calorias no organismo (RIBEIRO; RIBEIRO; RIBEIRO, 2002). 130 A relação entre digestibilidade e excreção fecal de ácidos graxos, demonstradas nas Tabelas 4.10 e 4.11, são confirmadas pelos dados da Tab. 4.8, onde se observa que a menor digestibilidade e maior excreção fecal de AGCM (no período final) dos animais alimentados com a dieta LB, concomitantemente relacionada com um maior volume total de fezes produzidas pelos mesmos (16,08g) em relação ao grupo da dieta com leite caprino (13,11g). Por outro lado, o grupo que consumiu a dieta LC, apresentou menor volume fecal no total do estudo, juntamente com uma menor excreção fecal de ácidos graxos de cadeia média com relação ao grupo LB nos dois períodos, e conseqüentemente maior digestibilidade lipídica. Uma maior fixação e absorção destes ácidos graxos de cadeia média são importantes em pacientes com quadros de má absorção lipídica, incluindo fibrose cística, pancreatite, insuficiência pancreática e doenças similares (SOUZA-SOARES, 1980; SCHMIDL; LABUZA, 1994; BOZA; SANZ-SAMPELAYO, 1997; HAENLEIN, 2001) Assim, a menor excreção de AGCC e principalmente dos AGCM ou TCM são importantíssimos quando se leva em consideração a possibilidade do uso do leite caprino na dieta de portadores de síndrome de má absorção lipídica. Logo, um alimento que não utilize primordialmente a via tradicional de absorção lipídica no organismo e sim uma via alternativa mais rápida com relação a obtenção de energia (juntamente com uma maior fixação e menor perda lipídica), é bastante benéfico para os pacientes com patologias da mucosa gastrointestinal. Dessa forma, a dieta composta de leite de cabra parece atingir o objetivo de menor excreção de lipídios nas fezes, embora seja primordial estudos mais aprofundados. 3.7 Avaliações histopatológicas Dentre os órgãos avaliados histopatologicamente (fígado, rins, pulmões, coração, aorta abdominal, intestino delgado e grosso, pâncreas e baço) o fígado apresentou maiores alterações. A avaliação histopatológica do fígado incluiu análise do aspecto dos vacúolos, ou seja, a caracterização semiquantitativa da presença de gordura micro e macrovacuolar, indicativo de acúmulo de vesículas de gordura intracitoplasmáticas. O grau de esteatose hepática foi graduado em escala de 0 (ausência de esteatose) até 4 (esteatose difusa e intensa), conforme classificação demonstrada na Tab. 4.12. 131 Definiu-se também a localização de possíveis alterações no fígado. Utilizouse como parâmetro a distribuição zonal das lesões hepáticas no ácino hepático. As lesões foram descritas como: periportais, mediozonais, centrolobulares, aleatórias (sem padrão específico) ou difusas (todo o ácino afetado) conforme classificação de McGavin e Zachary (2007) também ilustrada na Tab. 4.12 descrita por Frota (2007). Tabela 4.12 – Graus de esteatose hepática, significados clínicos, localização e classificação das lesões observadas no fígado Grau Significado clínico do grau de esteatose 0 Ausência de esteatose 1 Esteatose focal (menos de 50% das veias centrolobulares) 2 Esteatose em mais de 50% das veias centrolobulares 3 Esteatose difusa 4 Esteatose difusa e intensa Zona Localização lesões hepáticas 1 Periportais 2 Mediozonais 3 Centrolobulares --Aleatórias --Difusas Fonte: FROTA (2007), adaptado. O acúmulo de lipídios nos tecidos, com exceção do tecido adiposo, impede o metabolismo celular normal, comprometendo a viabilidade das células. O dano induzido pelos ácidos graxos denomina-se lipotoxicidade, causando esteatose hepática, referida como doença do fígado gorduroso não alcoólico. Este termo abrange uma série de doenças, desde um simples acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos à esteatose hepática com inflamação, fibrose e cirrose (MACHADO, 2007; JAEKEL, 2008). Na Fig. 4.4 podem ser visualizadas algumas das lesões hepáticas observadas entre os grupos experimentais utilizados no presente estudo. 132 Figura 4.4 - Fotomicrografia histopatológica do fígado de ratos fêmeas da cepa Wistar/UFPel submetidos a diferentes dietas experimentais durante 28 dias (Hematoxilina-Eosina, Aumento 40x). (A) grupo LB - espaço porta iniciando na lateral inferior da foto, incidência de esteatose grau 2; (B) grupo LC - espaço porta no centro da foto, esteatose de grau 1, contendo microvesículas de lipídios; (C) grupo P - espaço porta no centro da foto, esteatose de grau 1, com macrovesículas lipídicas, de localização aleatória; Padrão (P) = dieta padrão utilizada como controle à base de caseína; LC = dieta à base de leite caprino; LB = dieta à base de leite bovino. Praticamente todos os animais demonstraram algum grau de lesão hepática. As lesões hepáticas foram bastante heterogêneas quanto ao padrão e intensidade. Essas podem ser decorrentes de estresse ou diminuição/restrição de ingesta/jejum. Além disso, em graus discretos são achados casuais nos fígados de roedores de laboratório (JUBB; KENNEDY; PALMER, 2007). Eventualmente observavam-se apenas algumas áreas do parênquima afetadas por lesões bastante intensas, embora isso não representasse a totalidade ou sequer a maioria do parênquima. A lesão foi designada então pela sua área quantitativamente mais representativa. 133 Os animais alimentados com a dieta padrão (P) apresentaram a incidência de 83,4% de esteatose de grau 1 e 16,6% referente ao grau 2. Destes percentuais, 66,7% demonstraram ser do tipo macrovacuolar, ou seja, houve acúmulo de grandes vesículas lipídicas intracitoplasmáticas enquanto 33,3% foram do tipo microvacuolar. No entanto, a esteatose presente no fígado de todos os animais do grupo P não apresentou localização específica, sendo considerada aleatória. Já o grupo LB, que recebeu dieta à base de leite bovino, apresentou 83,4% de esteatose de grau 1, do tipo microvacuolar, com pequenas vesículas de lipídios no interior do citoplasma celular; quanto à localização destas lesões o grupo demonstrou bastante heterogeneidade uma vez que 66,7% das lesões hepáticas estavam presentes na zona periportal, 16,7% eram difusas (todo ácino hepático afetado) e 16,6% não puderam ser identificadas. Com relação às amostras de fígado dos animais alimentados com dieta composta de leite caprino (LC), quando comparadas com as amostras do grupo LB, apresentaram um aumento na incidência de esteatose de grau 2, que corresponde a mais de 50% das veias centrolobulares. Assim, 66,7% apresentaram esteatose focal (grau 1) de tipo microvacuolar, enquanto os outros 33,3% foram classificados como grau 2 do tipo macrovacuolar. Quanto à localização das lesões, também houve aumento (33,4%) com relação ao grupo LB na incidência de esteatose difusa, onde todo ácino hepático é comprometido e redução na incidência de esteatose na zona periportal (50%). Porém, 16,7% das lesões hepáticas ocasionadas pela esteatose no grupo LC foram classificadas como aleatórias, onde não há um padrão específico. O maior grau de lesões do tipo 2 e o aumento das lesões hepáticas na forma difusa para os animais do grupo LC poderiam ser conseqüência de um maior aporte de colesterol presente no leite caprino, que pode levar a um excesso de ácidos graxos no fígado. Embora não tenha sido quantificado o nível de colesterol presente nas amostras de leite, pode-se notar que em nível plasmático, os animais deste grupo apresentaram maior concentração de colesterol sanguíneo do que os outros grupos (Tab. 4.6). No entanto, conforme laudo emitido pela equipe responsável pelas análises histopatológicas, a maior incidência de lesões do tipo 2, difusas e macrovacuolares não pode ser considerada suficiente para ter prejudicado a homeostase normal do fígado nem afetar a fisiologia da célula hepática. Assim, as evidências 134 histopatológicas mais conclusivas em relação a este tecido com relação aos grupos estudados necessitariam maiores investigações. Com relação aos pulmões, eventualmente observou-se congestão dos capilares alveolares e demais vasos pulmonares. Trata-se de um achado casual, relacionado com o colapso sistêmico (choque) induzido no momento da eutanásia (SLAUSON; COOPER, 2002). De um modo geral, os pulmões apresentavam-se com áreas enfisematosas, lesões estas decorrentes provavelmente de bactérias contaminantes do local de criação. Não se evidenciou no endotélio vascular cardíaco (coronário e aórtico) nenhuma alteração endotelial ou presença de depósitos ateromatosos (placas de colesterol) em nenhum dos grupos experimentais, onde neste último item onde foi dada atenção especial em função das dietas conterem lipídios de origem animal. Os animais de todos os grupos apresentaram o intestino dentro da normalidade, não tendo sido detectado aumento do infiltrado celular na mucosa ou no padrão secretório das células caliciformes os quais poderiam indicar um status reativo do intestino, especialmente no intestino grosso. A integridade dos intestinos e ausência de lesões evidencia que a absorção dos macro e micro nutrientes dos animais foi realizada normalmente, sem nenhum comprometimento. Com relação aos demais órgãos (rins e baço) analisados, não foram observadas alterações histopatológicas dignas de nota. 4 CONCLUSÃO O maior ganho de peso entre as dietas foi do grupo constituído por leite de cabra quando comparado ao leite bovino, embora o consumo alimentar não tenha demonstrado diferença. Os animais alimentados com leite de cabra apresentaram menor coeficiente de eficiência alimentar do que aqueles alimentados com a dieta caseína, mas acima daqueles tratados com leite bovino. Os parâmetros bioquímicos colesterol total e suas frações c-HDL e c-LDL dos animais submetidos à dieta com leite caprino não diferiram daqueles com leite bovino, apresentando-se superiores ao controle. O grupo que incluía leite caprino na dieta demonstrou aumento na fração c-VLDL e no nível de triglicerídeos em maiores 135 proporções do que as demais dietas. Houve semelhança em relação ao valor de glicemia entre os animais das três dietas avaliadas. As médias de peso do fígado dos animais alimentados com as dietas à base de leite foram próximas entre si e reduzidas com relação à dieta padrão. Foram proporcionais, acompanhando o menor ganho de peso registrado no final do experimento com relação aos animais da dieta padrão. O maior peso de fígado dos animais da dieta composta de leite de cabra foi inverso a sua concentração lipídica hepática, podendo relacionar-se com um maior e melhor aproveitamento lipídico do leite caprino no organismo. A dieta à base de leite de cabra promoveu nos animais menor excreção lipídica fecal e de ácidos graxos de cadeia média do que para o grupo que consumiam a dieta composta de leite bovino, com conseqüente maior digestibilidade lipídica. O resultado indica a possibilidade do uso do leite de cabra na dieta de portadores de síndrome de má absorção lipídica em função da sua melhor utilização digestiva e maior absorção lipídica. CONCLUSÕES GERAIS O leite caprino produzido na região sul do Rio Grande do Sul apresentou valor de extrato seco total reduzido e teor de extrato seco desengordurado abaixo do mínimo estabelecido pela legislação brasileira. No entanto, a acidez média situou-se na faixa citada pela legislação, com os valores de densidade e percentuais de proteína e lactose bastante próximos do mínimo exigido. Com exceção do pH, o leite de cabra em geral diferenciou-se das características físico-químicas do leite bovino, com valores inferiores ao mesmo. A caracterização do perfil de ácidos graxos demonstrou a prevalência dos ácidos mirístico, palmítico, esteárico e oléico nos leites caprino e bovino, com alto teor do ácido cáprico para o leite caprino. O leite de cabra também apresentou maior percentual relativo de ácidos graxos de cadeia média em relação ao leite bovino. A utilização digestiva dos animais alimentados com a dieta à base de leite de cabra foi favorecida, sendo refletida pelo maior coeficiente de eficiência alimentar (CEA) quando comparado ao grupo alimentado com a dieta composta de leite bovino. No que se refere ao perfil lipídico plasmático, a concentração de colesterol total e suas frações c-HDL e c-LDL dos animais submetidos à dieta com leite caprino não diferiram daqueles com leite bovino, apresentando-se superiores ao controle. O nível de triacilgliceróis e da fração c-VLDL foi maior para o grupo da dieta composta pelo leite de cabra, do que para as outras dietas do estudo. O valor de glicemia foi semelhante para as três dietas. O peso médio do fígado e concentração lipídica hepática dos animais alimentados com as dietas à base de leite foram próximos entre si e reduzidos com relação à dieta padrão. Os animais do grupo que incluía leite caprino apresentaram a menor deposição lipídica no fígado entre as dietas avaliadas. O grupo que consumiu a dieta à base de leite caprino apresentou menor excreção lipídica nas fezes assim como de ácidos graxos de cadeia média, resultando consequentemente, em uma maior digestibilidade lipídica do que o grupo alimentado com a dieta baseada em leite bovino. A melhor utilização digestiva e maior digestibilidade indicam uma base de estudos para o uso futuro do leite de cabra na dieta de portadores de síndrome de má absorção lipídica. REFERÊNCIAS AGUIAR, C.L.; CORÓ, F.A.G.; PEDRÃO, M.R. Componentes ativos de origem animal. B. CEPPA, v.23, n.2, p.413-434, 2005. ÁGUILA, M.B.; APFEL, M.I.R.; MANDARIM-DE-LACERDA, C.A. Comparação morfológica e bioquímica entre ratos envelhecidos alimentados com dieta hiperlipídica e com óleo de canola. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v. 68, n. 3, p. 155-161, 1997. ÁGUILA et al. Metabolismo lipídico de ratos alimentados com diferentes tipos de lipídios. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v. 78, n. 1, p. 25 - 31, 2002. ALFÉREZ et al. 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APÊNDICES 152 APÊNDICE A – Aprovação do projeto pela Comissão de Ética na Experimentação Animal (CEEA/UFPel)