UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA - PPGA MESTRADO EM ANTROPOLOGIA Plateias da Morte: discutindo o fim da vida em Comunidades e Velórios Virtuais Andréia de Sousa Martins Orientador: Prof. Dr. Mauro Guilherme Pinheiro Koury João Pessoa - PB Março de 2013 Andréia de Sousa Martins Plateias da Morte: discutindo o fim da vida em Comunidades e Velórios Virtuais Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como critério parcial para a obtenção do título de Mestre em Antropologia, sob a orientação do Prof. Dr. Mauro Guilherme Pinheiro Koury. João Pessoa - PB Março de 2013 Para Moisés e Fred Por terem aberto a porta e acendido a luz. Agradecimentos Diversas vezes, durante esta pesquisa, pensei em como seria se a morte fosse minha. Pensei em como seria trágico – ou cômico – que, durante um trabalho sobre a morte, a própria autora morresse. Então, eu, que já tinha maior consciência de minha própria finitude – ciente de que, a qualquer minuto, ao atravessar a rua, ao descer do ônibus, ao pegar a estrada, ao deitar-me, levantar-me, ao amar e ao comer aquele poderia ser meu último ato, minha última ação, consegui criar forças para continuar, consegui amar mais a vida porque eu só pensava na morte. Na minha morte, na morte de outras pessoas, comuns ou não, na morte como espetáculo, na morte como sacrifício, na morte como escolha e como fim em si daquilo que temos de tão precioso. Eu já tinha pensado na minha própria morte, por diversas vezes. Mas, depois de um longo hiato, essa ideia me fugiu, e nunca mais voltei a tê-la, até que perdi minha primeira pessoa querida: meu avô paterno. Hoje, depois de várias perdas significativas, sei que eu pensava na minha morte de forma diferente, pois nunca tinha presenciado uma. Agora, sinceramente, me pergunto se a minha própria partida será sentida. Penso em como é estranho, como é absurdo simplesmente não existir mais. Sei que Camus já disse que a vida é absurda; completo: deixar de vivê-la é um pensamento mais absurdo ainda. Hoje: cá estou! E amanhã, voilà: Não estou mais. Não posso deixar de pensar também no que poderá acontecer depois de minha partida: se for prematura, terão curiosidade, terão afeto com meus objetos, minhas cartas, minhas pedras, meus textos, meus livros, tudo aquilo que pode se tomar como meu? Serão coisas queridas, serão fragmentos de mim e representações da minha memória, de fato? Estas perguntas, infelizmente, não foram respondidas neste trabalho porque ele não trata de mim, mas de nós, como um todo. Por isso, alegro-me com este fim - que é, na verdade, um começo: dentre os pesquisadores, posso ser a única com a certeza de um dia, sem chance de escolha, pertencer e dar volume ao meu próprio objeto de pesquisa. Porque, assim como todos os clichês, a morte é nossa única certeza. Tratemos de adiá-la vivendo o mais intensa e apaixonadamente possível. Agradeço, então, aos meus pais, e à minha família, pela compreensão da necessidade da minha ausência; ao meu orientador, pela atenção, carinho e compreensão nas adversidades, e à equipe da Fundação Margarida Maria Alves pelo apoio absurdo e raro. Aos amigos, de ontem, hoje e sempre, por terem me doado tempo, lágrimas e silêncios quando me perdi, e por todo o carinho, abraços, beijos e incentivos quando me encontrei pelo mundo. Agradeço às pessoas que encontrei pelas minhas andanças, por terem acreditado no meu trabalho, e aos integrantes da PGM pela colaboração. Agradecimentos também para aquele que tornou tudo mais difícil, mas, principalmente, para a sua família que tornou tudo mais fácil. E, novamente, à Zuca, por apoiar e acalmar, silenciosamente, quando não havia mais ninguém. Ode imitada de vários salmos "No banquete da vida, infortunado conviva, Eu compareci um dia, e eu morro. Eu morro: e, sobre minha tumba aonde lentamente chego, Ninguém virá derramar lágrimas. Saudações, campos que eu amava! E vós, doce verdor! E vós, risonho exílio de madeira! Céu, pavilhão do homem, admirável natureza, Saudações pela última vez! Ah! Pudera ver por muito tempo vossa beleza sagrada Tantos amigos surdos ao meu adeus! Que eles morram com seus dias plenos! Que suas mortes sejam choradas! Que um amigo feche os olhos seus!" Nicolas Gilbert, 1780. "ó doce espontânea terra, quantas vezes os dedos amorosos de sôfregos filósofos te apalparam e beliscaram e o polegar maroto da ciência explorou tua beleza . quantas vezes as religiões te tomaram sobre os joelhos ossudos, espremendo-te nos braços e malhando-te para que concebesses deuses (mas, fiel ao leito incomparável da morte, teu rítmico amante, tu só lhes respondes com a primavera)." E. E. Cummings, 1920. RESUMO Esta dissertação versa sobre as maneiras com que a morte vem sendo tratada na virtualidade através de comunidades virtuais de Redes Sociais que catalogam perfis de pessoas que já morreram e em sites de empresas funerárias que viabilizam a transmissão de Velórios Virtuais. Nestes espaços, trata do corpo morto no ambiente virtual como vetor de significações e representações da vida e da morte: primeiramente, o perfil na rede social Orkut como representação do indivíduo e de sua corporeidade; por último, do corpo morto no momento do velório, transmitido para a virtualidade através dos Velórios Virtuais. Comporta, também, uma netnografia, ou seja, uma netnografia virtual das comunidades "Perfil de Gente Morta" e "Velórios Virtuais" do Orkut, analisando a forma com que a virtualidade tem abarcado o tratamento do fim da vida e a discussão da morte, através de uma antropologia da morte. Palavras-chave: morte, virtualidade, corpo, antropologia da morte. ABSTRACT This dissertation deals with the ways in which death is being treated in virtuality through virtual communities of Social Networks that have been cataloging profiles of people who have died and in websites of funerary companies that enable the transmission of the Virtual Wakes. In these spaces, deals with the dead body in the virtual environment as a vector of meanings and representations of life and death: first, the profile on the Orkut social network as a representation of the individual and his body; finally, the dead body at the time of the funeral, streamed to virtuality through Virtual Wakes. Also holds a netnography, i.e. a virtual ethnography of communities "Dead People Profiles" and "Virtual Wakes" on Orkut, analyzing the way that virtuality has covered the treatment of end of life discussion and death through the anthropology of death. Keywords: death, virtuality, body, anthropology of death. Lista de Figuras Figura Página Figura 1 - Página principal da PGM 41 Figura 2 - Página principal da PGM Moderação 44 Figura 3 - Exemplo de justificativa de expulsão 45 Figura 4 - Regras da PGM 47 Figura 5 - Lista de postagens com a formatação exigida pela 53 moderação Figura 6 - Discussão acalorada sobre suicídio 59 Figura 7 - Exemplo de postagem 61 Figura 8 - Home da PGM Site 70 Figura 9 - Tópico com perguntas sobre os Velórios Virtuais 79 Figura 10 - Divulgação do vídeo de aniversário na funerária 81 Figura 11 - Observando os Velórios Virtuais 82 Figura 12 - Informações sobre o morto 84 Figura 13 - Ânsia em assistir ao Velório Virtual 85 Figura 14 - Discussão sobre a cor do caixão 86 Figura 15 - Especulações sobre o defunto 87 Figura 16 - Observações sobre o corpo no caixão 88 Figura 17 - Enquete sobre a visualização dos Velórios Virtuais 89 Sumário Título Página Introdução 02 Apresentação do Problema 06 Capítulo I - Construção do objeto de Estudo 15 O trabalho de campo no Ciberespaço em Antropologia 21 Metodologia e Instrumentos utilizados 25 O Cadáver Ideal – o perfil como representação do eu 27 O Perfil como mantenedor da memória 31 Capítulo 2 - Virtualmente observando quem virtualmente 37 observa: Netnografia da comunidade “Perfil de Gente Morta” do Orkut O que é a PGM 40 Regras de Funcionamento 43 Perfil dos Participantes 58 O Perfil Falso ou Fake 64 Fluxo de postagens 67 PGMsite.com.br e Profiles de Gente Morta no Facebook 69 Capítulo 3 - Vendo a Morte dos outros: os Velórios Virtuais 73 Velando Virtualmente – o que é um Velório Virtual 73 Netnografia da comunidade Velórios Virtuais 78 Principais motivos para velar desconhecidos 89 Considerações Finais 96 Referências 99 Introdução Existe assunto mais universal que a morte? Com esta pergunta, Metcalf & Huntington (1991) abrem seu clássico estudo sobre a Antropologia dos Rituais Funerários. Se a morte é ou não inerentemente aterrorizante para os seres humanos, e se o medo que ela inspira aumentou na modernidade, são questões que ultrapassam o debate acadêmico (Becker, 1973; Kellehear, 1984; Bauman 2008). É certo, no entanto, que muitos aspectos da morte, como os funerais, a gestão do corpo morto e o luto tornaram-se, nas modernas sociedades ocidentais, atitudes privadas, profissionalizadas, escondidas, removidas de vista, isso sem mencionar sua transformação em tabu (Giddens, 1991, Baudrillard 1993; Mellor & Shilling, 1993; Rodrigues, 2006). Ontem, uma questão familiar e próxima, a morte de hoje tornou-se estranha e distante (Ariès, 1988). No entanto, enquanto a morte tornou-se ausente em público, manteve-se muito presente dentro da privacidade do lar e da família. Dado que a morte é o destino comum dos seres humanos e única certeza da vida, sua gestão ritual tem potencial considerável para integrar indivíduos e grupos (Durkheim, 1915; Berger & Luckmann, 1967); então, o isolamento moderno dos moribundos e do luto pode ser visto como problemático (ELIAS, 2001). Na modernidade tardia, no entanto, as histórias de morte e perda tornaram-se altamente visíveis em uma gama de gêneros na mídia de massa (Woodthorpe, 2010). Estas mortes, no entanto, são de pessoas que o público não conhece pessoalmente; por isso, esta nova presença da morte não articulou ou a aproximou da experiência privada. O tipo de morte a que o indivíduo e os seus estão susceptíveis (como falência dos órgãos, por exemplo, na velhice) são raramente aqueles retratados na mídia (crime, fome, catástrofes). Além disso, o público que assiste à mesma catástrofe produz uma solidariedade imaginada ao invés de uma solidariedade face-a-face (Walter, 2001). O rápido aumento da morte e da perda como temas dentro da internet, no entanto, pode contribuir para uma mudança neste aspecto. A apenas um clique de um botão de distância, a morte já não é apenas uma história em revistas, jornais e noticiários de TV, mas algo discutido e pesquisado através 2 da internet, com amigos íntimos e estranhos lendo sobre aquela morte e postando de notícias sobre ela (Walter, Hourizi, Moncur, & Pitsillides, 2011-12; Moncur, Bikker, Kasket, e Troyer, 2012). Esse processo - da morte primeiramente escondida na modernidade e, em seguida, levada para o público através de mortes midiatizadas (MARTINS, 2009), e a sua presença no dia-a-dia da internet - é uma sequencia encontrada não apenas nas sociedades ocidentais estudadas por anglófonos e francófonos, mas também no Brasil. O foco desta dissertação está em um ritual funerário bastante recorrente: o velório. Aqui, nossos objetivos são os de abordar o velório, transmitido para a virtualidade através dos sites de empresas funerárias que oferecem este serviço que não é só acompanhado por familiares e amigos do morto, mas, principalmente, por desconhecidos, transformado no Velório Virtual. O velório é parte fundamental de diversas culturas, como período de margem que pertence a uma série de outros ritos de separação, conforme nos mostrou Van Gennep (2011). A morte, como outros aspectos da vida, está alocada em uma tríade, uma estrutura que envolve, primeiramente, o isolamento de um estado inicial, seguido por um período marginal ou intermediário que é substituído pela reincorporação a um novo estado. No caso específico da morte, ela possui apenas uma distinção (morto), duas categorias (ou se está vivo ou se está morto) e três estágios (o indivíduo ou está vivo, morrendo ou morto). No entanto, isto não quer dizer que os ritos, sobretudo os funerários, possuam um início, um meio e um fim. Sua estruturação é muito mais complexa; o que Van Gennep logrou em salientar é que existem muitas semelhanças entre estes pretensos inícios, meios e fins ritualísticos (METCALF & HUNTINGTON, 1991). Colocaremos aqui o velório como caractere mediano do ritual funerário; o indivíduo não está mais vivo, mas também ainda não desapareceu do meio dos vivos. Está suspenso entre o solo e a cova, ainda não está ausente; sua presença se faz através da permanência do seu corpo na companhia dos seus. Durante este momento, durante essa presença inconsciente, o cadáver desperta, nos vivos, sentimentos contraditórios, oriundos tanto das conformações socioculturais e especiais que os configuram como pessoas, 3 quanto das expressamente psicológicas, representadas por seus cursos de vida, através da experiência de cada um como indivíduo. Aqui temos a relação direta estabelecida entre indivíduo e sociedade; embora o sentimento de perda seja íntimo, é regido pelas normas sociais sobre as quais nos falaram Elias (1993; 1994a; 1994b), Giddens (1993) e Simmel (2005). São várias as maneiras de lidar com a morte e viver o processo de luto; não existe uma regra ou uma cartilha: mesmo com os padrões sociais, cada indivíduo interpreta e introjeta a morte de uma maneira diferente. Todas são extremamente íntimas e configuram uma infinidade de versões, desde a negação até a completa exposição pessoal1 em Sites de Relacionamento, também chamados de Redes Sociais2. Essa variedade de sentimentos, que engloba dor, ressentimento, tristeza, alívio, curiosidade e indiferença, é sentida não só por familiares ou conhecidos, visto que o momento pode ser partilhado com um número inimaginável de pessoas. Como? Através do Velório Virtual, tratado aqui como prática transmitida para a virtualidade, como um espetáculo (Debord, 2003) onde possuímos dois tipos de plateia: a plateia presente corporalmente, no local do velório, composta por amigos e familiares, e a plateia presente através da virtualidade, àquela que acompanha o velório através da tela do computador, formada majoritariamente por anônimos, isto é: por pessoas que desconhecem completamente o falecido. Para compreender melhor este momento específico da ritualística da morte transportado para a virtualidade, analisaremos duas comunidades virtuais pertencentes à Rede Social Orkut, importantes para a discussão da morte na Internet e para a divulgação do Velório Virtual. 1 Com práticas como colocar a palavra "luto" precedendo o nome da pessoa; dizendo, abertamente, que um indivíduo próximo morreu, e por isso se está triste; postando fotos e imagens com declarações e rememorações, criação de comunidades, no Orkut, e páginas de memória, como no caso do Facebook. 2 A Rede Social pode ser tomada como uma estrutura edificada por pessoas ou organizações, conectadas por um ou mais tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Uma das características fundamentais na definição das redes é a sua abertura e porosidade, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes. Duarte, Fábio e Frei, Klaus. Redes Urbanas. In: Duarte, Fábio; Quandt, Carlos; Souza, Queila. (2008). O Tempo Das Redes, p. 156. Editora Perspectiva S/A 4 A primeira comunidade a ser netnografada, ou seja, etnografada através da virtualidade (Jones, 1995; Kozinets, 1997) é a Profiles de Gente Morta, ou PGM. A PGM visa, prioritariamente, a discussão da morte através da catalogação e visualização de perfis de usuários do Orkut que já morreram. Extinta em abril de 2012, contava com a participação de mais de oitenta mil pessoas que contribuíam diariamente para seu intenso funcionamento. No ano de 2009, em um dos tópicos da PGM, foi divulgado o serviço, até então praticamente desconhecido, do Velório Virtual. A reação dos usuários foi tão positiva frente à tão curiosa novidade que foi criada uma comunidade exclusiva para tal atividade: visualizar Velórios Virtuais de desconhecidos. Assim, surgiu a comunidade intitulada Velórios Virtuais que também será analisada nesta dissertação, tomada, em conjunto com a PGM, como parte crucial na construção deste estudo da morte na virtualidade. Esta dissertação está estruturada da seguinte maneira: 1) Apresentação do problema, 2) Netnografia da comunidade Profiles de Gente Morta (PGM) e 3) Netnografia da comunidade Velórios Virtuais e debate sobre os principais motivos para o acompanhamento do Velório Virtual de um desconhecido. Abordaremos as comunidades virtuais centrais ao nosso tema através da netnografia de cada uma delas para, com isso, elucidar a maneira com que funcionam e dar voz aos seus integrantes, na tentativa de esclarecer seus pontos de vista com relação à discussão da morte nesses espaços. Na última porção, falaremos exclusivamente sobre os Velórios Virtuais e sobre o comportamento daqueles que o assistem e comentam sobre ele nas comunidades estudadas. Esse resgate é necessário porque no início do século XXI vimos crescer a popularização do acesso à Internet e ao mundo virtual, à comunicação instantânea e, consequentemente, às novas abordagens no tratamento da morte pelo ser humano. Uma dessas novas abordagens é exatamente o Velório Virtual. O Velório Virtual é a transmissão on-line de um velório real. São instaladas câmeras no local onde a pessoa está sendo velada e as imagens são disponibilizadas através da Internet para determinadas pessoas, com acesso restrito, ou abertas ao público, mediante autorização da família. Os links para acesso a essas câmeras são disponibilizados no fórum de discussão de duas comunidades do Orkut, uma rede social bastante popular no Brasil. A 5 comunidades chama-se Profiles de Gente Morta, ou PGM3 e Velórios Virtuais. Os participantes acessam os links e comentam o que estão vendo no tópico correspondente, dentro das comunidades. A visualização de um Velório Virtual por pessoas que nunca conheceram o morto é a questão principal deste trabalho. O que as leva a fazer isso? A partir dos dados coletados junto aos integrantes das duas comunidades estudadas, podemos afirmar que a curiosidade é o principal fator, seguido pela identificação com a morbidez ou a tentativa de superar o luto. Apresentação do problema O problema nesta dissertação consiste na atenção que tem se dado à morte, através da visualização dos Velórios Virtuais. O que debateremos são as maneiras com que o ciberespaço pode contribuir na discussão acerca da morte através da netnografia das duas comunidades citadas anteriormente. A hipótese que levantamos é que este debate vem da curiosidade que a morte desperta no ser humano. Seria errado afirmar que o interesse na morte é um assunto atual. Não existe nada que chame mais a atenção, que dê mais audiência que a morte. As arquibancadas do Coliseu romano estavam sempre cheias; multidões acompanhavam a queima de bruxas durante a Santa Inquisição; as praças de Paris pululavam quando alguma decapitação acontecia e plateias eram montadas nas penitenciárias norte-americanas para a execução de um condenado à pena de morte. Hoje, como ontem, muitos se aglomeram ao redor de acidentes nas estradas, famílias inteiras partilham a hora do almoço com programas televisivos policiais que mostram os cadáveres dos bandidos. O interesse que a sociedade em geral tem hoje na morte é mero reflexo desse interesse de outrora, um interesse que é rechaçado, julgado e condenado ciclicamente, que se transforma em tabu para logo em seguida renascer como questão social e econômica (MITTFORD, 1998). Podemos encontrá-la em noticiários, na violência do dia-a-dia, nas discussões sobre os 3 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=993780. Acesso em 17.08.2011. 6 avanços da medicina, nas questões morais e religiosas que envolvem o aborto, a eutanásia e o suicídio. No entanto, outra porção desta mesma sociedade ainda possui interesse semelhante em discutir sobre a morte em ambientes criados para celebrar a vida. Elias afirma que possuímos hoje um espaço de identificação com a morte "mais amplo que em outras épocas" (2001, p. 8). De fato possuímos, mais até que na época em que seu trabalho foi publicado, e este espaço é a Internet. Afirmamos isto com base nos dados que a própria Rede de Computadores nos oferece sobre o assunto: ao pesquisar a palavra "morte" no Google4, são obtidos mais de quarenta milhões de resultados que vão desde notícias sobre a morte de famosos ou pessoas a eles relacionadas, sites especializados em imagens e vídeos de acidentes e representações imagéticas da morte mítica. As sugestões de busca, construídas de acordo com os termos mais procurados, ainda nos oferecem palavras chave como "mensagem morte"; "frases morte"; "morte poemas"; "dia da morte"; "morte vídeos" e "sonhar com morte". Assim, é possível afirmar que a busca por qualquer um desses assuntos, atrelados à morte e presentes na vida e consciência prática dos indivíduos em suas experiências cotidianas (Giddens, 1993) faz da Internet o campo ideal para a discussão do assunto, levando em consideração a quantidade e a diversidade de respostas para cada sugestão assinalada que podem ser encontradas nessas mais de quarenta milhões de páginas. Mas a identificação da qual nos falava Elias (2001, p. 8), nos dias de hoje, mesmo com essa busca na virtualidade sobre assuntos relacionados à morte, ainda é dúbia; podemos recorrer ao site de buscas para encontrar outros que nos deem alguma ideia de como enviar mensagens de condolências ou para sanar a curiosidade surgida através da morte de um famoso ou do mais recente assassinato cruel explorado pela mídia. Mas, a ideia que persiste, no dia a dia e no cerne de nossa sociedade, não é a da certeza da nossa morte, mas de que a vida pode ser gradualmente esticada a partir dos avanços da medicina e da estética. 4 www.google.com. Acesso em 05.08.2011. 7 Esse prolongamento tem estado ao alcance de uma grande parcela da população. Então, morremos mais tarde, naturalmente, e mais cedo, ao acaso. No entanto, cabe ao indivíduo imaginar esse acaso como algo seletivo, nunca apontando suas garras para ele ou para os seus. No momento em que isso acontece, quando alguém que nos é próximo morre por ação da violência ou de algum descuido, estamos frente a frente com a ideia genuína de perda que a morte traz, derrubando a idealização de imortalidade construída por aqueles mesmos avanços médicos e estéticos. A convenção social fornece às pessoas umas poucas expressões estereotipadas ou formas padronizadas de comportamento que podem tornar mais fácil enfrentar as demandas sociais de tal situação. Frases convencionais e rituais ainda estão em uso, porém mais pessoas do que antigamente se sentem constrangidas em usá-las, porque parecem superficiais e gastas. As formas rituais da velha sociedade, que tornavam mais fácil enfrentar situações críticas como essa, soam caducas e pouco sinceras para muitos jovens; novos rituais que reflitam o padrão corrente dos sentimentos e comportamentos, que poderiam tornar a tarefa ainda mais fácil, ainda não existem (ELIAS, 2001, p. 32). E se, onze anos após a escrita dessas linhas, afirmássemos que encontramos, através da tecnologia, uma releitura das velhas formas rituais que permitem, sobretudo aos jovens, aproximarem-se de situações delicadas como a morte? Graças à rápida integração desta geração com a virtualidade, encontramos, nos meandros da Rede Mundial de Computadores, possibilidades de rever e recriar rituais bastante arraigados no cotidiano. Rituais de vida, como o nascimento, o casamento, formaturas e aniversários, bem como rituais de morte, como a visita ao cemitério e o velório. O nascimento é acompanhado desde o descobrimento da gravidez e possibilita que a gestante não só documente o crescimento de seu filho, ainda no útero, compartilhando desde o resultado do exame e a primeira ultrassonografia até o gradual aparecimento da "barriga" e publique fotos tiradas na sala de parto e no berçário. O casamento, então, é compartilhado desde o momento do noivado, onde vídeos de propostas originais de matrimônio viram objetos de 8 identificação5 e as fotos da aliança são obrigatórias, bem como sites especiais para a divulgação e organização da festa. As formaturas também seguem o mesmo modelo, tendo todas as comemorações (Colação de Grau, Cultos Ecumênicos, Aula da Saudade e Baile) compartilhadas de maneira detalhada. No caso dos aniversários, são feitos álbuns com as fotos das diversas comemorações, dos convidados, dos presentes, e a etiqueta manda que se deixem felicitações no perfil do aniversariante, que pode se sentir compelido a cobrar pela falta de tal demonstração de afeto. Não existe mais a desculpa de que se esqueceu do aniversário de alguém: todos os contatos são avisados, em seu perfil, que os aniversários de fulano e fulano estão próximos. No Orkut, ainda há a ordem: "Hoje é o aniversário de Fulano de Tal. Dê os parabéns". Para os rituais de morte como a visita ao cemitério, é possível fazê-lo sem sair de casa, através de passeios virtuais como o oferecido pelo PèreLachaise6, maior cemitério de Paris. No site da visita virtual, se podem localizar os túmulos de diversas personalidades e ver suas respectivas fotos. Existem também sites como o Find a Grave (Encontre um Túmulo, em português), uma ferramenta para se encontrar o local onde estão os restos mortais de familiares, amigos e famosos7, sendo possível deixar flores virtuais e notas sobre o falecido. O velório, então, entra na virtualidade, curiosamente "ao vivo", ou seja, em tempo real, com a transmissão imediata da realização do velório de alguém. Os Velórios Virtuais poderiam ser classificados como passíveis de preencher a lacuna da qual nos fala Elias? O discurso encontrado nos comentários dos expectadores que frequentam as comunidades integrantes de nosso estudo é o mesmo relatado por ele, um discurso "superficial e gasto" (2001, p. 32): "Meus pêsames", "minhas condolências", "meus sentimentos", mas estão transformados. Transformados como? Em siglas, de acordo com a 5 Como no caso da proposta encerrada em um livro da famosa saga "Harry Potter", ou do pedido feito com cartazes utilizando memes, figuras bastante populares que expressam estados de ânimo ou reações a determinadas ocasiões. 6 Disponível em http://www.pere-lachaise.com/. Acesso em 03.06.2011. 7 "Find a Grave is a resource for anyone in finding the final disposition of family, friends, and ‘famous' individuals". Disponível em www.findagrave.com. Acesso em 03.06.2011. 9 cultura do imediatismo virtual que transforma assuntos em hashtags8 e imagens em memes9, pois a interação na virtualidade necessita de rapidez para acontecer verdadeiramente em tempo real. Substituímos essas frases vazias por suas iniciais: Descanse em Paz tornou-se "DEP", assim como sua variante inglesa, "Rest in Peace", virou RIP. São elas também siglas vazias? A diferença reside na facilidade com que essas siglas são postadas no ambiente virtual para a família em luto. Assim como desconhecia o morto, o internauta desconhece sua família, mas, mesmo assim, direciona para ela, conscientemente ou não, os pêsames transformados em siglas, os pêsames expressos, as condolências condensadas da vida virtual, alocadas no perfil que o falecido mantinha no Orkut (e, hoje, no Facebook). O internauta que deixou as condolências não precisa, necessariamente, ter desejado direcioná-las para a família. Esta é uma possibilidade dedutível pela forma que algumas delas tratam os perfis nas Redes Sociais de seus membros falecidos. Os perfis são visitados durante algum tempo, provavelmente enquanto durar o luto e, em alguns casos, assumidos por familiares, caso conhecessem a senha. Esta prática é inovadora porque, antes, era necessário ter alguma ligação com a família enlutada; no caso de celebridades, por se tratar de alguém admirado, possuidor de fãs e de um legado que contribuíra para a cultura, à história ou outro aspecto importante de um local; no caso de pessoas desconhecidas, a prática de oferecer condolências a uma família era restringida pelo pertencimento, ao menos, à mesma cidade, para que os pêsames fossem justificados pela perda de um concidadão. Hoje essas barreiras se desfizeram: não é necessário ter informação alguma sobre a pessoa que morreu. Ela não precisa ser famosa, muito menos um conhecido que encontramos na rua e cumprimentamos. O próprio fato de 8 Tags são palavras-chave associadas a uma informação, algo que a classifica. As Hashtags possuem o mesmo conceito, mas surgiram no Twitter (Rede Social onde o indivíduo compartilha informações utilizando apenas 140 caracteres por vez) e servem para designar os assuntos discutidos na Rede Social. As hashtags são antecedidas pelo símbolo "#", e viram hiperlinks, podendo ser indexadas pelos mecanismos de busca. 9 Meme significa a unidade mínima da memória, assim como é o gene para a genética. O termo foi criado em 1976 por Richard Dawkins e apareceu pela primeira vez no livro "O Gene Egoísta". É uma unidade de informação capaz de se multiplicar entre locais onde a informação é armazenada. O meme ainda possui um caráter evolutivo cultural e possui formas de autopropagação, já que compreendem qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autônoma. 10 ela estar morta é o suficiente para que alguém possa se dirigir à sua família e dizer as palavras relacionadas às condolências, mesmo que elas nada signifiquem para que as escreve, nem mesmo a morte daquela pessoa. Isso só é feito porque existe a possibilidade de fazê-lo, de acordo com o depoimento de um informante: Eu acho que muita gente acaba indo nos perfis colocar os DEPs e RIPs só porque não tem mais nada pra fazer que ficar bisbilhotando a vida alheia. Não me parece uma demonstração legítima, acho besteira. Então, se eu tô ali, bisbilhotando tudo que posso no perfil da pessoa que morreu, dou uma passada na página de recados dela e deixo lá um "descanse em paz!". Nem sei se a família realmente entende quando se colocam as siglas, mas está lá. Talvez seja só como uma marca, algo que diga que eu passei por ali e sei que aquela pessoa morreu"10. Neste discurso, vemos o envio de codolências para desconhecidos como uma perda de tempo ou um comportamento adotado por pessoas desocupadas que tem interesse em saber da vida dos outros. Ou, neste caso, da morte. Ele não vê esse tipo de comunicação como uma demonstração genuína de sentimentos e se questiona se a família terá realmente noção do que aquelas palavras significam, quando as condolências são postadas em siglas (RIP e DEP). O informante acredita que isto é feito mais para deixar um rastro "algo que diga que eu passei por ali e que sei que aquela pessoa morreu" que para demonstrar real identificação com a morte do indivíduo. Ora, mas esta prática de se deixar saber presente na ocasião da morte de alguém é também comum, como quando encontramos diversas pedrinhas alocadas nos túmulos nos cemitérios. Cada pedra significa uma oração ou uma visita àquele local. Os recados de condolências nos perfis não passariam, então, de uma representação dessas pedrinhas? A diferença é que, com as pedras, por exemplo, não é possível saber quem passou por ali, nem quando. A partir do momento que se visita o perfil de um falecido e se deixa um recado para ele ou para sua família, a identidade é conhecida pelo fato do visitante também possuir um perfil em determinada rede social. 10 Fala de um Informante do sexo masculino obtida através do serviço de mensagens do Facebook, que permite "conversar" com pessoas que não fazem parte da sua rede de contatos. O informante havia participado da PGM no Orkut desde sua criação, mas havia abandonado sua conta no site de relacionamentos e agora só utiliza o Facebook. Nenhuma outra informação pessoal foi fornecida. 11 Em outra porção de seu estudo, Elias (2001, p.44) fala que "o medo de nossa própria transitoriedade é amenizado com ajuda de uma fantasia coletiva de vida eterna em outro lugar", seja este lugar o Paraíso, o Hades ou o Purgatório, extensamente estudado por Michel Vovelle (2010), ou ainda outros locais determinados por diferentes religiões e seus preceitos. A ideia permanece a mesma: os bons vão para um determinado local, os maus, para outro, e os que não são completamente bons nem maus vão para um terceiro, intermediário, onde passarão por provas ou rituais diversos de purificação para serem dignos de permanecer, eternamente, em uma dessas instâncias. Em todos os sentidos, a vida continua após a morte, ou é retomada com a reencarnação. Mas nosso intuito não é a discussão dos lugares esboçados pelas religiões no pós-morte; queremos apenas ilustrar que é possível se "viver virtualmente", por toda a eternidade, em outro lugar, sem necessidade de pertencimento a qualquer doutrina religiosa. E este lugar é a Internet. Conforme nos fala Baudrillard (1993): A imortalidade é progressiva e é uma coisa das mais estranhas. Ela progride com o tempo, passando de limitada para eterna sobrevivência; no espaço social, a imortalidade se torna democrática e passa de privilégio de poucos para direito virtual de todos (BAUDRILLARD, 1993, p.128). Tomando a fala do sociólogo e filósofo francês, observamos que o privilégio da imortalidade no seio social pode ser tomado hoje como algo, de fato, virtual, já que a virtualidade oferece uma nova maneira de imortalizar-se; a capacidade de armazenamento é infinita, basta procurar pelo perfil do falecido que ele aparecerá, já que uma impressão, uma representação nossa estará sempre disponível. Coisas que escrevemos, cadastros que fizemos em sites de compras, fotos que disponibilizamos. Todos esses documentos virtuais tem o mesmo intuito da lápide, só que, neste caso, o perfil é a lápide e o epitáfio, composto por nós mesmos em vida. Assim é permitida a permanência, mesmo que virtual, dos mortos entre os vivos, principalmente através de vídeos e fotos alocados na Internet. A 12 fotografia possui uma ligação forte com a morte (BARTHES, 1984)11, mesmo que preservar a imagem de um morto pareça estranho para muita gente; nos séculos XIX e XX retratar familiares e amigos mortos era completamente normal. Com o advento da fotografia pelo francês Louis Daguerre, fotografar passou a ser uma alternativa econômica para as tradicionais pinturas em telas (BARTHES, 1984; BENJAMIN, 1984a, 1984b, 1991; BOURDIEU, 1965). Com a grande taxa de mortalidade da época e a pequena expectativa de vida, a morte era um assunto corriqueiro; por este motivo, na segunda metade do século, fotografar parentes recém-mortos tornou-se uma prática importante para superar o processo de uto e aceitar a perda. Essas fotografias são tomadas como recordação daquele que se foi, podendo ser encomendadas para exibição privada, dentro do próprio lar (RIERA, 2006). Ou, como colocou a pesquisadora Déborah Rodrigues Borges (2008), em sua pesquisa sobre fotografias mortuárias, São imagens produzidas com um fim específico e diferente de todos os outros tipos de imagens que representam pessoas mortas. Seu uso se associa ao processo de luto, que é uma experiência vivenciada, sobretudo, dentro de um núcleo familiar; daí o fato de ser restrita a certo número de pessoas a visualização das fotografias dos mortos de uma determinada família (BORGES, 2008, p.3). A fotografia post-mortem, também chamada de memento mori, era, talvez, a única chance de reter a imagem de um ente querido, que era, então, colocado em uma cama ou sofá a fim de parecer que estava dormindo. Aos poucos, pais, irmãos e outros parentes começaram a posar ao lado de seus mortos com o intuito de fazer parecer que ele ainda vivia, nos deixando em dificuldade, em alguns casos, de distinguir quem está vivo ou não. Podemos encontrar diversas fotografias destas em todo o Brasil, como nos dados levantados por Koury (2001) em pesquisas sobre imagem, memória e emoção com uma abordagem socioantropológica. Uma das ações que mais movimenta a Internet é o compartilhamento de fotos. Nas Redes Sociais, então, é uma prática dominante que tem o intuito de mostrar para os contatos todos os momentos que o indivíduo acha passível de 11 Para uma compreensão acerca de fotografias sobre a morte, ver estudos de SONTAG (1986, 2003); KOURY (1998, p. 67-86); DUBOIS (1994, p. 215-250), entre outros. 13 serem compartilhados, como saídas, jantares, viagens e até coisas mais banais. No entanto, a fotografia está no cerne da comunicação e da interação na virtualidade; é possível marcar amigos nas fotografias, compartilhá-las, fazer montagens de cunho cômico ou político; as possibilidades são infinitas: é a imagem que regula a interação na virtualidade. E é a imagem que vai protagonizar a discussão da morte no mesmo local, também através do vídeo. 14 Capítulo I - Construção do objeto de Estudo Este capítulo tem por objetivo salientar os motivos para as escolhas das comunidades netnografadas nesta dissertação e por destacar algumas razões pelas quais as pessoas se interessam tanto pela vida e pela morte dos outros, tal como ela é relatada na virtualidade através das Redes Sociais. Suscitaremos um diálogo principal entre as noções de Fluxos, Fronteiras e Híbridos de Hannerz (1997), e das Abordagens Híbridas de Canclini (1997) com alguns aspectos da ritualística da morte, além de aclararmos a utilização da pesquisa no ciberespaço em Antropologia. Falaremos sobre a metodologia e instrumentos utilizados no desenvolvimento da pesquisa e na ideia do perfil na Rede Social como representação do indivíduo. Fechamos este capítulo com uma discussão acerca deste mesmo perfil como ferramenta pra a manutenção da memória dos falecidos. A Antropologia tem narrado o comportamento do homem frente à morte em suas formas simbólicas e ritualísticas, como podemos encontrar nos estudos de Hertz (1960), Metcalf & Huntington (1991) e outros. Hoje, encontramos estas mesmos simbolismos e rituais no ciberespaço. Por este motivo, nosso universo de estudo abrange dois tipos de espaços virtuais: duas comunidades da Rede Social Orkut e os sites institucionais de duas empresas funerárias que fornecem a visualização dos Velórios Virtuais, uma privada e outra pública. A comunidade da rede social Orkut, chamada Profiles de Gente Morta12 (ou PGM) foi escolhida por tratar, direta e exclusivamente, sobre a morte, listando os perfis dos integrantes da Rede que já faleceram. Os perfis apontam para a maravilha que é viver e como é possível moldar essa vida para que ela signifique para o outro o que se gostaria que ela significasse. Os perfis fazem do corpo vitrine, pois, neles, se mostra a pessoa em vida, o que gosta de fazer, o que gosta de comer, lugares que visitou. Se a imagem do indivíduo a quem o perfil pertence não se faz disponível, este não é considerado interessante, pois a identificação dos outros se faz mais concreta quando se pode avaliar e 12 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=993780. Acesso em 12.04.2011. 15 comparar gostos. Especialmente após a morte, se faz dele obituário. No obituário, são colocadas as principais informações sobre aquele indivíduo: o que fazia, onde trabalhava, quais foram suas principais conquistas. Por isso, os perfis tomam este papel: neles já se encontram expressas todas essas informações, basta lê-las. Perfis que não possibilitam ao público visualizar o corpo com vida, que não mostram o detentor daquele corpo vivendo fazem com que os visitantes rapidamente percam o interesse nele, pois os elementos que possibilitariam a identificação só estão visíveis para aqueles que, de fato, conheceram aquela pessoa, em vida, de alguma maneira, mesmo que só virtual. Estes perfis são conhecidos como os perfis "trancados", ou seja: neles, fotos, vídeos e outras atualizações só são visíveis para seus contatos. Assim, o navegador curioso, isto é, o internauta qualquer, aquele indivíduo que chegou até o perfil do falecido através do link postado na comunidade Perfil de Gente Morta, não tem como construir essa identificação. Geralmente, a identificação se dá através de interesses em comum. É corriqueiro encontrar nos comentários postados pelos integrantes da PGM, lamentações como: "Poxa, nós ouvíamos às mesmas músicas", "Gostávamos do mesmo filme", ou "Ela tinha uma filha da idade da minha". A identificação acontece em qualquer âmbito, parecendo, até, que o internauta busca essas informações sobre o falecido no intuito mesmo de encontrar pontos convergentes. E realmente o faz, como ilustra o depoimento de uma moça de 32 anos: Meu interesse pela morte vem de anos, mas não tenho pensamentos suicidas, não. Desde pequena eu tinha tanto medo, mas tinha tanta curiosidade! Às vezes eu ia ao cemitério visitar e para ficar imaginando. Entrei na PGM porque uma amiga minha do Orkut adicionou a comunidade e eu fui ver o que era... NOSSA! Pensei: tudo que eu sempre queria está aqui! Aí, pedi para ser adicionada. E então quando vi lá que alem de postarem o [link para o perfil do] falecido eles colocam notícias, eu disse: meu Deus, que bom, porque a gente vai ao cemitério e lá não dá para saber qual foi o motivo da morte. Você pode pensar que estou louca, mas sempre gostei de ir ao cemitério, é mais curioso saber de uma pessoa que morreu do que saber dela viva, saber como estão os parentes... Antes era medo que sentia; hoje, paz. Quando criança a gente não entende, hoje sabemos que eles estão apenas descansando. Já tive tanto medo de morto quando eu era criança que no dia que morria alguém eu dormia de cabeça tapada toda a noite. O 16 mais interessante para mim é saber o que a pessoa era, se ela tinha muitos amigos, se eles dedicaram alguma homenagem ao falecido e, principalmente, saber como estão os familiares. Sinto pena mesmo e curiosidade de saber como estão passando esse momento. Eu fiquei sendo amiga de uma mãe que perdeu seu filho de apenas oito meses. Hoje falamos muito por aqui. Engraçado, nesse caso eu fiquei muito mal, porque era filho único e ela já tinha 40 anos, não sabia se podia engravidar mais. Mas eu disse a ela: não desanima porque você pode sim ter outro. Aí ela está grávida, o bebê nascerá final de junho. Como vimos no depoimento acima, a identificação pode ser tão forte ao ponto de fazer com que as pessoas desconhecidas se aproximem por ocasião da morte, embora esta não seja uma prática tão comum. O comportamento mais encontrado é o de simples visualização do perfil postado e formulação de comentários dentro do ambiente da PGM. O Velório Virtual chega para colocar o corpo morto como apaziguador, como detentor de respostas sobre a finitude do ser humano. Com ele, podemos verificar se sua transmissão permite uma solução para a quebra da distância entre a vida e a morte, já que este é o mote das empresas responsáveis por sua feitura. A questão é que ele ultrapassou as barreiras do familiar e atingiu consumidores outros, diferentes daqueles previstos pelos empresários do ramo: o Velório Virtual chamou a atenção de desconhecidos do morto. Hannerz (1997, p. 8) se propôs a analisar o “lugar da globalização na história das ideias antropológicas” através da utilização de conceitos já conhecidos da disciplina como Fluxos, Fronteiras e Híbridos. Assim, nos utilizamos das ideias do pesquisador sueco para construir uma pequena ideia dos mesmos conceitos abordados por ele no microcosmo da discussão da morte na Internet. O pontapé inicial para a utilização destes pontos, no entanto, foi dado pela colocação do autor de um pensamento de Strathern (1995, p. 24) sobre as discussões antropológicas: “às vezes, parecemos estar mais perto do início do século que de sua metade”. Nós, pertencentes não ao fim do século XX, mas ao início do XXI, continuamos com o mesmo comportamento. A morte foi um tema exaustivamente discutido pela academia no início do século passado. Apesar de estarmos abordando, hoje, mudanças no tratamento da morte, é notório que estamos voltando a olhá-la como fizeram nossos 17 antecessores. Mesmo que por óticas ou componentes de Fluxos, Limites e Híbridos diferentes. Portanto, acompanhados por Hannerz (1997), pensamos no Fluxo de Informações, nos Limites Comportamentais e nas Abordagens Híbridas dos indivíduos que assistem aos Velórios Virtuais e comentam o que estão vendo na comunidade “Perfil de Gente Morta” do Orkut. A noção de Fluxo por nós apreendida é exatamente aquela “afinada com o uso corrente, referindo-se ao deslocamento de uma coisa no tempo, de um lugar para o outro, uma redistribuição territorial” (HANNERZ, 1997, p. 11). Isto é o que vemos acontecer nas dependências da PGM: a discussão da morte deslocada para o ambiente virtual após ter sido encoberta ou evitada pela sociedade. Dificilmente encontraremos, em uma roda de amigos, pessoas que livremente discutam sobre a morte e o morrer de maneira corriqueira. Quem necessita falar sobre a morte, por tê-la encontrado na perda de um ente querido ou por pura curiosidade, certamente será reprimido pelos outros sob protestos de que este não é um bom assunto, ou que é melhor não falar sobre a morte, para não atraí-la13. Assim, é possível encontrar, na PGM, um local para a discussão livre sobre a morte, como a própria descrição da comunidade a coloca. É um espaço de reflexão e compartilhamento de conhecimentos, curiosidades e fatos ligados à morte. Isto nos trás também a ideia de difusão atrelada a esta visão do conceito de Fluxo abordado por Hannerz. Sem a difusão, ou sem o Fluxo de Informação relacionada à morte na PGM, não teríamos conhecimento do serviço de Velório Virtual e não teríamos a possibilidade de nos reaproximar de um assunto ainda considerado tabu. Ligando o conceito de Limite ao Limite Geográfico, Hannerz (1997, p. 20) nos fornece material suficiente para compreender sua linha de raciocínio, sobretudo quando diz que a ideia parece estar mais ligada à noção de “fronteira” ou “zona fronteiriça”. Os limites não estão apenas entre fronteiras geográficas ou culturais, mas, sobretudo, comportamentais específicas à abordagem da morte. A fronteira que nos interessa aqui é exatamente a comportamental. A parcela da sociedade representada pelas pessoas que ali 13 Este tipo de "superstição" pode ser encontrado em pessoas que não dizem, por exemplo, a palavra Câncer. Dizem que alguém está com C.A. 18 discutem a morte leva para aquele ambiente, por mais avant-garde que seja, noções de comportamento moldadas social e culturalmente. Não se pode desrespeitar o morto em comentários, seja fazendo piadas ou pouco caso daquele que está no vídeo. Parentes que deixam o morto sozinho são criticados e a quantidade de pessoas ou flores também estão atreladas ao discurso social da morte. Aquele que possui um comportamento destoante é o representante da “terra selvagem” exemplificada pelo autor, em comparação ao “campo cultivado” da comunidade. Porque a ritualística da morte compreende também a maneira com que o indivíduo se deve portar perante o cadáver, coube à Antropologia mostrar as nuanças dos rituais funerários em diferentes sociedades, reafirmando comportamentos semelhantes e mostrando outros difusos, como a utilização das cores (Metcalf & Huntington, 1991, p. 63): não só do preto se constrói o luto, podendo variar entre o vermelho, em oposição à morte, representando a vitalidade, e o branco, que demonstra fertilidade e pureza. Esta "tríade" de cores foi também observada por Turner (1967). Hoje em dia observamos que é também necessário manter a voz baixa, os gestos contidos, evitar sorrir e, principalmente, chorar copiosamente. O choro é a demonstração máxima do pesar, mas, mesmo assim, deve ser contido. Este comportamento é contrário ao observado em outras épocas, como no Brasil do século XIX, período analisado por Reis (1991). Naquela época, as carpideiras14, por exemplo, se faziam obrigatórias, para que suas lágrimas incentivassem as dos outros participantes do velório. Hoje, com as carpideiras praticamente excluídas, o choro dos familiares e amigos ainda é imperativo, como sinal de respeito e dor, mas utilizado com parcimônia. Em suma, a palavra de ordem na ocasião de uma morte é discrição e contenção. Discrição e contenção de gestos, de sentimentos, porque expressar pesar e dor, além das lágrimas, é algo feio; a morte é um tabu (KOURY, 2003). Existe uma moldagem cultural, um refreamento emocional. Deve-se evitar ao máximo fugir aos padrões de comportamento socialmente impostos como os que descrevemos acima. Caso contrário, o indivíduo corre o risco de ser taxado como descontrolado, e logo 14 De acordo com Cascudo (1958), a Carpideira é uma profissional feminina cuja função consiste em chorar para um defunto alheio. A partir do estabelecimento de um acordo entre a carpideira e os familiares do defunto, a carpideira chora e mostra seus prantos sem nenhum sentimento, grau de parentesco ou amizade, e é paga por isso. 19 será domado através de medicamentos ou outras técnicas calmantes por um perito; no caso, um médico psiquiátrico (Giddens, 1993). O velório deve ser, acima de tudo, um momento calmo e sereno. Exatamente por estes motivos, a interpretação das emoções aparenta ser um problema para o antropólogo, conforme colocam Metcalf & Huntington (1991, p. 43), visto que não estamos, e provavelmente jamais seremos capazes de lidar com estados emocionais íntimos, pois a tendência é a do mascaramento como a da piscadela e do caminhar condicionado pelos calçados (GEERTZ, 2008; MAUSS, 2003). Mesmo em nossas próprias culturas, é difícil afirmar, com certeza, que aparências externas correspondem diretamente a sentimentos internos. A morte é um assunto delicado, e, no calor do momento, no desenrolar de um velório, é aceitável que o indivíduo se comporte de determinada maneira, mesmo que ele não se sinta, em seu âmago, compelido a tal postura de maneira natural. É difícil tomar diretrizes gestuais, de postura e de tons de voz como algo garantido, certo e infalível, mas há sempre a noção de imitação, de comportar-se, ao máximo, da maneira que é socialmente aceita. É só nos lembrarmos do exemplo das piscadelas analisado por Geertz (2008) ou de todas as observações de Mauss (2003) sobre as técnicas corporais. Mesmo sem destoar do comportamento aceito nos limites do “campo cultivado” das comunidades por nós estudadas, é possível perceber abordagens outras que aquelas mais socialmente conhecidas. Neste sentido, temos as Abordagens Híbridas propostas por Canclini (1997), que reúnem a discussão da morte em uma mistura difusa de visões pessoais e comportamento social. Aqui, o autor cita o escritor afro-americano W. E. B. Dubois (1961, p. 16-17): “é na mente do homem marginal que a confusão moral ocasionada pelos novos contatos culturais se manifesta sob formas mais patentes”. O homem marginal protagonista de nosso estudo não é outro senão aquele que visualiza o Velório Virtual. A marginalidade aqui é expressa no sentido antropológico, como aquele que está nas bordas do comportamento socialmente aceito, mas que pertence, em parte, a outra porção socialmente execrada. Neste caso, é a morte. O hibridismo é percebido na variedade de pessoas, de profissionais de diversas áreas que frequentam o espaço em questão. E isto faz com que diversas maneiras de ver o mundo e de encarar 20 um fato definitivo como a morte se encontrem em um único local, mesmo ele sendo virtual. Um dos pontos mais interessantes do texto de Canclini (1997) remete ao uso das tecnologias na produção e transformação cultural, sobretudo pelo lado simbólico. Consideramos seu pensamento pertinente pelo nosso trabalho tratar exatamente da transferência do velório, um ritual funerário e real, para o ambiente virtual do computador. Essa transferência se deu da forma como o autor coloca: não só pelos meios comunicacionais, mas, sobretudo através dos atores, ou seja; nós, os usuários. Este processo, sem dúvida, está ligado ao crescimento urbano do qual ele fala; se não, a maior prerrogativa para o oferecimento do Velório Virtual – a crescente distancia entre famílias, resultante do crescimento econômico – não seria válida. Outro ponto importante está na necessidade do crescimento da intimidade doméstica, o que reforça nossa linha de pensamento. Mesmo distantes geograficamente, os indivíduos estão procurando manterem-se próximos, através da virtualidade, em momentos chave da convivência social, como a morte. As tecnologias comunicacionais não estão substituindo “a herança do passado e interações públicas” (CANCLINI, 1997; 290), mas remodelando-as. Ao citar a busca significativa da modernidade através das “tensões entre desterritorialização e reterritorialização”, o autor também nos remete à reterritorialização da morte na Internet: a transferência de seu debate para lá. Os processos de “perda da relação ‘natural’ da cultura com os territórios geográficos e sociais”, recolocados em locais relativos, como a virtualidade, faz com que as “velhas e novas produções simbólicas” se encontrem (CANCLINI, 1997; 309). Abordaremos agora como elas foram trabalhadas neste estudo. O trabalho de campo no Ciberespaço em Antropologia A ideia de Clifford (1998) de que o etnógrafo seria praticamente um “intérprete literário da realidade” que estuda (p.27) é bastante pertinente para nós. A observação participante, ingrediente ressaltado por ele na fusão entre 21 etnólogos e antropólogos a partir dos trabalhos de Malinowski, é indispensável na etnografia virtual, ou netnografia: A etnografia é a abertura das portas do tradicional método etnográfico para o estudo de comunidades virtuais e da cibercultura. Originado no campo da Antropologia, o método etnográfico 'consiste na inserção do pesquisador no ambiente, no dia-a-dia do grupo investigado' (VERGARA, 2005, p. 73). Portanto, a netnografia é, ao mesmo tempo, experiencial e interpretativa, pois é indispensável para o pesquisador que ele interaja com o grupo, algo que pode acontecer de diversas maneiras – ainda anônimas, inclusive. Ele não precisa se revelar como pesquisador, de imediato, mas necessita compreender a linguagem utilizada. A partir dessa compreensão, poderá aproximar-se do grupo, revelando sua identidade e suas intenções. Este foi o método por nós adotado, pois já fazíamos parte das comunidades estudadas. Em determinado momento, já empoderados dos dados básicos e com o contato e apoio de alguns integrantes, partimos para a abertura total dos nossos propósitos nas comunidades. O informante é parte crucial não só na construção do texto, mas, também, na aceitação do pesquisador dentro do grupo. Assim, cada um deles tem seu discurso analisado diretamente e ainda inserido no trabalho na íntegra, em diversos casos. As tais vozes nativas que se tanto tentou encobrir nos primórdios etnográficos certamente ganharam vez e ajudam na construção do trabalho final. Este, sem dúvida, é o método mais eficaz na netnografia. Aqui temos, então, a fusão da escrita no campo e a escrita em outro ambiente da qual Clifford (1998, p. 40-41) também fala. Já que a netnografia pode ser feita em qualquer lugar e, certamente será o mesmo onde o pesquisador redigirá o trabalho final, essa ambiguidade da virtualidade certamente traz uma nova perspectiva à etnografia, não estando mais separada de seu contexto (local estudado) e produção acadêmica. Embora possa trabalhar virtualmente com realidades, as mais distintas, o trabalho se dá em um único lugar: o computador ligado à Web. Etnografar no virtual é uma tendência relativamente nova, mas utilizada em Antropologia desde o início dos anos 2000. Cristine Hine (2000) define o 22 campo virtual como contexto cultural. Portanto, é passível de ser netnografado, já que a etnografia consiste em um modelo para a compreensão da cultura. Corroborando seu raciocínio, temos a definição de Monica Pieniz (2009): Pode-se analisar o ciberespaço como ambiente de inteligência e memória coletivas, como mídia passível de apropriações culturais de cidadãos comuns, como meio de produção, recepção ou circulação de discursos, como cenário de visibilidade diante de um contexto de midiatização. E, ainda, como formas de representação do eu, como espaço de reafirmações ou reconfigurações identitárias, como palco de expressão da diversidade, como ícone da globalização, como território virtual que desterritorializa e reterritorializa culturas locais, como espaço de ciberativismo e difusão de ideias de minorias. Enfim, como novo espaço de sociabilidade humana (PIENIZ, 2009, p. 3). O Ciberespaço15 é, exatamente, um ambiente que foi criado pela inteligência e memória coletivas, sendo alimentado diariamente por elas. São esses cidadãos comuns dos quais Pieniz nos fala que contribuem para seu funcionamento e constante renovação. O meio de produção criado pela virtualidade oferece à Antropologia um vasto campo de observação, pois é receptáculo, exatamente por ser sustentado por pessoas comuns, das mais diversas exemplificações comportamentais, culturais e sociais. É criador também destes mesmos caracteres, visto que a virtualidade permite uma soltura, uma maneira mais aberta de interação entre os indivíduos, resguardados pelo anonimato que as máquinas oferecem. Por essa abertura, o indivíduo também se sente mais à vontade para representar-se de maneira diferente ou melhorada; para construir ali uma imagem ou imagens suas, bem representadas pelos perfis nas Redes Sociais. Essa diversidade caracteriza não só um "novo espaço de sociabilidade" humana, como colocou a pesquisadora, mas também um ambiente criador de novas formas de sociabilidade. 15 O termo ciberespaço foi utilizado pela primeira vez pelo romancista William Gibson no romance de ficção científica Neuromancer, mas o seu sentido mais específico relacionado às novas tecnologias pode ser encontrado em Pierre Lévy, segundo o qual 'o ciberespaço (também chamado de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não somente a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo' (LÉVY, 1999, p. 17 apud ROCHA, 2005, p. 2). 23 Os computadores podem transformar, em alguns sentidos, o modo como a pesquisa qualitativa vem sendo feita e, até mesmo, sugerir novas pesquisas sobre o próprio uso da Internet como fonte de dados ou como meio de relacionamento entre grupos (AMARAL, S/D). Os motivos para a utilização da Internet como fonte de dados expostos pela pesquisadora Rita Amaral são, precisamente, nossa maior justificativa, a base para a construção de todo o nosso projeto. E, desde o início dos anos 2000, a tendência tem aumentado entre os Antropólogos. Quais os benefícios de se pesquisar através da Rede Mundial de Computadores? Atualmente, podemos dizer que se resume ao fato de estar no Campo de maneira diferente, talvez mais rápida que nos moldes tradicionais. O acesso aos computadores se tornou bem mais fácil e menos custoso e a pesquisa pode ser feita de qualquer lugar onde se possa conectá-lo à Internet. Além disso, o contato com os informantes também pode ser feito mais rapidamente; basta apenas que estejam conectados também. Claro que existem problemas, como a não certificação de que tal pessoa tenha, de fato, visto o que escrevemos para ela, como na fase da aplicação de questionários, se este for o caso. Mas esta dificuldade é facilmente contornada quando da arguição direta, em outra ocasião, ou a substituição de tal dificultador por outra pessoa que esteja disposta a colaborar. Isto não é diferente do campo físico. A Internet se consolidou como campo de pesquisa etnográfica e como responsável maior pela criação ou modificação de certos comportamentos. Tem sido largamente utilizada na pesquisa antropológica exatamente por possibilitar a exposição, de maneira direcionada e centrada, de opiniões sobre os mais diversos assuntos. Outra contribuição para a solidificação de sua utilização vem da facilidade em checar as fontes do relato etnográfico. O uso do Ciberespaço não ameaça o relato etnográfico; são ambientes paralelos e que podem ser utilizados como complementares a pesquisa. O olhar do Antropólogo é indispensável: é ele quem vai decodificar os comportamentos mostrados naquele local virtual. Sua capacidade de distanciamento e análise é que ficam mais evidentes com a possibilidade imediata de checagem de suas fontes. 24 Foi exatamente sobre estas facilidades que Rita Amaral discorreu; suas ideias também foram utilizadas por Eliane Portes Vargas (2008) ao falar sobre a questão da adoção por casais com problemas reprodutivos. Outra questão bastante discutida sobre a netnografia, termo cunhado por um grupo de pesquisadores norte-americanos, Bishop, Star, Neumann, Ignacio, Sandusky & Schatz, em 1995, (apud Pieniz, 2009), é a possibilidade de invisibilidade do etnógrafo. Este pode escolher manter-se anônimo e, neste caso, não interferirá no campo, uma das premissas da etnografia tradicional. A este anonimato deuse o nome de lurking (Kozinets, 2002), termo em inglês que, de acordo com o dicionário Collins Cobuild Advanced Dictonary (2009, p. 937-938), significa estar em um local sem ser visto e geralmente envolve más intenções. As intenções do etnógrafo que escolhe manter-se invisível não são por nós postas em dúvida; esta mostrou-se uma forma de aproximação bastante segura e eficaz. Aproveitando-se do escudo da invisibilidade, pode-se colher uma significativa quantidade de material que possibilitará a aproximação mais completa quando escolher revelar sua personalidade de pesquisador, pois a ética manda que o faça, em algum momento, para que os informantes possam autorizar a reprodução de suas impressões. O pesquisador poderá, assim, apenas analisar o discurso de seu público alvo para estruturar estratégias de aproximação. Mas, da mesma maneira que no campo real, ele poderá ser ativo desde o início, recorrendo à observação participante, método enaltecido por Kozinets (2002). A netnografia, assim, é um modo de trabalho que possui variantes construídas com o desenvolvimento das tecnologias virtuais, sendo vitais aos pesquisadores, sobretudo, se seu tema for diretamente ligado à virtualidade, como é o caso deste trabalho. Metodologia e Instrumentos utilizados Nosso trabalho é ligado à netnografia, onde os informantes se expressam, primeiramente, através de perfis, que funcionam como extensões do self daquelas pessoas ou até mesmo um segundo self, onde elas demonstram apenas aquelas características pessoais de que tem consciência, 25 muitas vezes selecionando-as, e, em segundo lugar, através de comentários em uma comunidade do site de relacionamentos Orkut. Para fazer parte do universo pesquisado em nossa netnografia e para ter acesso a este universo, é necessário ao pesquisador possuir um perfil na Rede Social, para depois fazer parte das comunidades que se quer trabalhar; no caso desta dissertação, a Profiles de Gente Morta (ou PGM) e a Velórios Virtuais. Em campo, neste estudo, a primeira técnica utilizada foi a da observação, depois a observação participante. Em um primeiro estágio, o comportamento dos integrantes da PGM foi percebido, caracterizado e selecionado. Após essa fase, começaram as aproximações com os integrantes de forma geral, através da criação de enquetes e da chamada para a participação nelas. Em seguida, partimos para uma abordagem mais direta, focada em determinados integrantes que já haviam se mostrado dispostos a contribuir em outras ocasiões. Nestes casos, a entrevista fluiu, ainda sem direcionamentos, como forma de primeiro contato, através de ferramentas de bate-papo e e-mails. É necessário afirmarmos que a coleta de dados se deu, também e de maneira fundamental, através da leitura dos comentários dos usuários das comunidades em questão nos fóruns destinados à visualização do Velório Virtual. As impressões lá deixadas foram coletadas através do printscreen16. A veracidade das informações repassadas por estas pessoas que podem não ser aquilo que clamam pode ser questionada; mas, para nosso estudo, dados pessoais deste tipo não são tão relevantes: o que importa é que estas pessoas interagem, sim, nas comunidades (o que constitui um lugar) e lá debatem questões sobre a morte e o morrer e comentam as peculiaridades dos velórios que estão sendo transmitidos, em tempo real, pelas empresas funerárias que oferecem este serviço. A realidade dos nossos informantes é esta, e ela está localizada no Ciberespaço. DaMatta (1997, p. 123) afirma que falar de maneira aberta sobre a morte é caracterizado como um comportamento moderno, de destemor perante a vida, e que "discursar sobre os mortos, porém, revela o exato oposto, sendo algo sentimental e mórbido". Partindo desta afirmação, trataremos aqui de Técnica que permite transformar o que se está vendo na tela do computador em um arquivo de imagem. 16 26 como a abordagem do tema da morte acontece na Internet, em primeiro lugar, a partir da construção dos perfis nas Redes Sociais, tendo em mente os perfis, especificamente os aqui trabalhados, como representantes do "eu". O Cadáver Ideal – o perfil como representação do eu Segundo Contrera (2002, p. 13-14), criamos formas mágicas de lidar com a realidade quando esta não mais nos deleita e projetamos nossos temores e anseios em signos estereotipados, refletindo o fenômeno irracional e primitivo da magia ou da edificação dos mitos. Desta maneira, diante da crise, tais fenômenos podem restituir o equilíbrio pessoal. Assim, notamos que os mitos e as mitologias antigas e contemporâneas têm uma função primordial no fantástico coletivo, entre outras coisas, porque espantam o medo da morte. E existiria um assunto tão extremado, radical, preocupante quanto a morte? Talvez, só a própria vida, as paixões, percepções, emoções, as afeições mais primorosas, mesmo que libadas através da virtualidade – mas todos esses sentimentos e impressões partem do corpo. No que concerne, particularmente, à transferência do corpo para as mídias, Nunes (2001), em sua obra sobre a evolução dos memes17 de afeto, nos fala que: A fome insaciável remete-se à melancolia e à angústia infinita, por sua vez, contrapartida psíquica da fragilidade biológica com a qual o ser humano chega ao mundo, se lembrarmos de Freud (LAPLANCHE e PONTALIS, 1988). Aqui, o sentido imputado à angústia aproxima-se daquele apresentado no mito ao enfatizar a prematuridade dos homens nus, sem qualidades. No corpo, a cultura. A fragilidade biológica e a prematuridade, fruto da escolha equivocada e do esquecimento epimetéicos. Na mídia, o corpo. Mais uma vez, o rumor como furo, marca corporal do impresso, enreda sentidos plurais (NUNES, 2001, p.140). O sentido da transferência do corpo para o espaço virtualizado das mídias pode ser desvelado se observarmos o interesse ontológico que desenvolvemos por aquilo que está se renovando. Notamos que as nossas 17 Unidades mínimas da memória. 27 próprias relações interpessoais estão irremediavelmente ligadas às experiências da morte e do renascimento, daí o entusiasmo diante da possibilidade e facilidade relacionamentos, e virtual de também o encontrarmos hábito de novas aceitar pessoas e naturalmente o desaparecimento de um amigo virtual: temos a consciência de que tudo isso, de algum modo, já se encontra previsto no programa da vida digital. O êxtase da comunicação interativa advém do poder de acessar informações diversas e, a partir daí, nos sentimos livres para discutir de tudo, inclusive a morte, que, para muitos, indica apenas o fim de um ciclo e o início de uma nova jornada. O interesse pelo assunto encontra analogias com as formas de resgate histórico, cultural. E o Orkut (e o ciberespaço) é, também, um dispositivo que nos leva a refletir sobre outra forma de se recontar a história, resgatar os mortos, as corporeidades, as reminiscências e tudo aquilo que a história oficial, letrada, iluminista – de algum modo – deixou à sombra. Essa facilidade de transferência e integração “mágica” no mundo virtual beneficia a troca de experiências e informações, contribuindo também para formação e identificação de novos grupos sociais, nascidos exclusivamente no campo virtual. Com o surgimento e popularização das Redes Sociais no Brasil vimos surgir outro fenômeno que se encaixa nestas novas configurações de formação e identificação de novos grupos sociais oriundos da virtualidade: o da listagem e visualização não somente dos corpos de pessoas mortas, mas também de seus perfis. Estes perfis são oriundos das próprias Redes Sociais, como é o caso do Orkut. Para a comunicóloga Paula Sibilia (2008), a exposição do individuo na Internet é sempre interessante para os outros, num “festival de vidas privadas”: Ao longo da última década, a rede mundial de computadores tem dado à luz um amplo leque de práticas que poderíamos denominar ‘confessionais’. Milhões de usuários de todo o planeta – gente ‘comum’, precisamente como eu ou você – tem se apropriado das diversas ferramentas disponíveis on-line, que não cessam de surgir e se expandir, e as utilizam para expor publicamente a sua intimidade. Gerou-se, assim, um verdadeiro festival de ‘vidas privadas’, que se oferecem despudoradamente aos olhares do mundo inteiro. As confissões diárias de você, eu e todos nós estão aí, em palavras e imagens, à disposição de quem quiser bisbilhotá28 las; basta apenas um clique do mouse. E, de fato, tanto você como eu e todos nós costumamos dar esse clique (SIBILIA, 2008, p. 27). Portanto, o Orkut é a representação maior deste movimento de publicitação voluntária da vida. Para participar, é necessário criar um perfil onde são colocadas as informações desejadas: nome, sexo, idade, cidade onde reside, relacionamento, fotos, vídeos e o que mais o usuário desejar disponibilizar. O conceito do perfil vai além: ele é, muitas vezes, aquilo que eu gostaria de ser. Mas, após a morte, este perfil torna-se uma sombra daquela pessoa que, um dia, sentou ao computador e passou para aquele banco de dados as impressões que tinha de si mesmo. Tudo o que ficou ali foi uma impressão porque não é possível descrever-se, definir-se de maneira alguma através de caracteres ou imagens, muitas vezes posadas e não espontâneas. O perfil é uma sombra, sombra que toma vida independentemente da vontade de seu genitor, como no conto de Hans Christian Andersen (1847, apud CALVINO, 2004), onde, numa noite quente, a sombra de um jovem bemsucedido é projetada para dentro da casa da Poesia e de lá sai como homem. A sombra visita seu antigo dono, agora bem sucedido, e, aos poucos, este se torna servo daquele. Pois é exatamente através dessa sombra que nós projetamos que seremos conhecidos no mundo virtual e, depois da nossa partida, que serão feitos julgamentos de valor. Para Durkheim (1970), o julgamento de valor expressa não o valor que determinadas coisas têm em relação a um sujeito consciente, mas a maneira com que tal fato é enxergado pelo indivíduo, utilizando-se de seu arcabouço intelectual. Quando atribuímos valores a seres ou objetos, exprimimos o valor que estes possuem, para mim, mesmo que eles não me sejam importantes. O tipo de opinião atribuída não importa; se contra ou a favor, mas seu valor não será considerado menor que aquele atribuído na ocasião. Em contraponto, Durkheim (1970) também classifica o que é o julgamento de realidade. Para ele, é a maneira com que enunciamos algo. Nossas opiniões ou julgamentos, neste caso, correspondem à maneira que nos comportamos em face de certos objetos e situações. Isto exprime nossos gostos e primazias. Exatamente estes gostos e primazias é que são considerados fatos por Durkheim; por este motivo, os julgamentos de realidade funcionam ao contrário dos de valor: não 29 atribuem valor ao objeto em questão, mas mostram os estados determinados do sujeito. Julgamentos de valor e de realidade se encontram nos discursos proferidos por um sujeito, já que o julgamento de realidade é uma avaliação sobre algo real, um fato ou um objeto. Ele é uma expressão do empoderamento do conhecimento da realidade. Sua formulação tem a finalidade de informar, posto que é uma verificação objetiva. De maneira contrária, o julgamento de valor é algo subjetivo: valores são visões pessoais e diferenciadas de cultura para cultura. Valores e definições do que é tomado como Belo, Bom e Justo, por exemplo, são diferentes também entre os indivíduos pertencentes a uma mesma cultura, abrindo possibilidades praticamente infinitas. Estes representam um posicionamento, uma opinião frente à realidade. Desta forma, todo individuo é capaz de ajuizar um fato através do julgamento de valor ou de realidade. Assim, ao visitar o perfil de um falecido e buscarmos elementos que nos ofereçam bases para a identificação, estamos buscando, também, elementos para que possamos emitir julgamentos de valor. Estamos interpretando as fotos, os vídeos e as postagens daquela pessoa. Se possui os mesmos gostos, as mesmas inclinações culturais. Ou o contrário. Desta mesma forma, podemos também emitir conclusões valorativas que possam justificar, até, a morte daquela pessoa. Se um indivíduo morreu em um acidente de carro e possui em seu perfil uma foto com alguma bebida alcoólica em mãos, ou fotos que indiquem que frequentava muitas festas, algumas pessoas afirmam: "morreu porque era imprudente, devia beber e dirigir". As informações colocadas no perfil por cada indivíduo são coletadas, após sua morte, por aqueles que o visitam. Como o morto não pode mais se defender, sua vida, retratada naquele espaço, torna-se objeto de elucubrações e especulações, mesmo que não sejam verdadeiras. É por causa da maneira com que o perfil é construído que o chamamos de Cadáver Ideal. O ideal aqui vem do verbo idealizar, que, de acordo com o dicionário Aurélio Buarque de Holanda da Língua Portuguesa, significa “tornar ideal, fantasiar, projetar, planejar, imaginar-se de modo ideal”. (HOLANDA, 2001, p. 371). Já que a construção do perfil é de inteira responsabilidade do 30 seu criador, nada mais justo que ele seja uma representação ideal desta pessoa. E, após sua morte, o que restará será essa imagem idealizada. Através desta projeção do que é um perfil é que se torna possível chegar a membro de qualquer comunidade, que são fóruns de discussão sobre todo e qualquer assunto, criadas pelos próprios usuários do Orkut. Deste modo, não é de se espantar que encontremos comunidades que tencionam discutir assuntos os mais variados, dentre eles a morte. Uma vez disponibilizado o perfil de alguém morto para visualização, os internautas o visitam na promessa de ver aquele que morreu enquanto ele ainda vivia. Seriam estes perfis, então, Fantasmas Virtuais das pessoas que já partiram? Se levarmos em consideração que o perfil é uma representação de seu usuário, um signo que o simula com o benefício de mostrar somente o que ele próprio caracteriza como importante de ser mostrado, poderíamos atribuir esta nomenclatura a ele. O Perfil como mantenedor da memória Nós, de uma olhadela, percebemos três taças em uma mesa; Funes, todos os rebentos e cachos e frutos que compreende uma parreira. Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer do trinta de abril de mil oitocentos e oitenta e dois e podia compará-las na lembrança aos veios de um livro encadernado em couro que vira somente uma vez e às linhas da espuma que um remo levantou no rio Negro na véspera da batalha do Quebracho. Essas lembranças não eram simples; cada imagem visual estava ligada às sensações musculares, térmicas, etc. Podia reconstruir todos os sonhos, todos os entressonhos. Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro; nunca havia duvidado, cada reconstrução, porém, já tinha requerido um dia inteiro. Disse-me: "Mais recordações tenho eu sozinho que as que tiveram todos os homens desde que o mundo é mundo". E também: "Meus sonhos são como a vigília de vocês". E, igualmente, próximo do amanhecer: "Minha memória, senhor, é como despejadouro de lixos". Uma circunferência num quadro-negro, um triângulo retângulo, um losango são formas que podemos intuir plenamente; o mesmo acontecia a Irineu com as emaranhadas crinas de um potro, com uma ponta de gado numa coxilha, com o fogo mutável e com a inumerável cinza, com os muitos rostos de um morto num longo velório. Não sei quantas estrelas via no céu (BORGES, 2007, p. 543). 31 Neste breve conto de Jorge Luis Borges - Funes, o memorioso, o personagem principal é um rapaz com uma habilidade rara: a memória extraordinária. Porém, incapaz de articulá-la, era considerado inferior pelos seus concidadãos. O saber enciclopédico de Funes abarcava desde obras literárias completas, fluência em diversos idiomas até detalhes ínfimos sobre a disposição do céu em determinado dia e hora. A memória de Funes era formidável. A palavra Memória possui duas raízes: uma grega, mnemis, e outra latina, memoria, advinda de memor, ou “aquele que se lembra18”. Em ambas etimologias, designa a permanência de uma lembrança. Para os gregos, a memória correspondia à "deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que protegem as artes e a história" (CHAUI, 2000; 138). Marilena Chauí acrescenta: "memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais" (p. 138). Com a narração da lenda de Simônides, Chauí exemplifica as propriedades da memória na prática. Conta a lenda que Simônides foi convidado pelo rei de Céos a fazer um poema em sua homenagem. O poeta dividiu o poema em duas partes: na primeira, louvava o rei e, na segunda, os deuses Castor e Pólux. O rei ofereceu um banquete no qual Simônides leu o poema e pediu o pagamento. Como resposta, o rei lhe disse que, como o poema também estava dedicado aos deuses, ele pagaria metade e que Simônides fosse pedir a outra metade a Castor e Pólux. Pouco depois, um mensageiro aproximou-se de Simônides dizendo-lhe que dois jovens o procuravam do lado de fora do palácio. Simônides saiu para encontrá-los, mas não encontrou ninguém. Enquanto estava no jardim, o palácio desabou e todos morreram. Castor e Pólux, os dois jovens que fizeram Simônides sair do palácio, salvando o poeta, pagaram o poema. As famílias dos demais convidados desesperaram-se porque não conseguiam reconhecer seus mortos. Simônides, porém, lembrava-se dos lugares e das roupas de cada um e pôde ajudar na identificação dos mortos (CHAUÍ, 2000; 160). A memória ajudou Simônides a obter a simpatia dos deuses que, após castigarem o rei injusto, colocaram-no como único capaz de reconhecer os mortos. A memória e a morte estão diretamente ligadas, visto que a ideia de 18 Da raiz Indo-Europeia MEN-, pensar, de onde vem a palavra mente. Disponível em: http://origemdapalavra.com.br/palavras/memoria/. Acesso em 22/05/2012. 32 esquecimento é uma das que mais atormenta os vivos. Questionam-se se serão lembrados pelos seus, se sua passagem neste mundo será notada, bem como sua ausência. Elias (2001, p. 41), em seu estudo sobre os moribundos, afirmou que "o medo de morrer é sem dúvida também um medo de perda e destruição daquilo que os próprios moribundos consideram significativo". Caberia a nós, os vivos, interpretar as mensagens deixadas pelos mortos, dar-lhes significação ou não, e isto aconteceria não só pelas narrativas do que aquele indivíduo fez em vida - coisa que pode se perder na memória mas, principalmente, pelas mensagens nos túmulos, os epitáfios. Muitas vezes, essas pedras, utilizadas exatamente por sua propriedade quase imperecível, lembram-nos de que tal pessoa foi um pai, uma mãe, um avô, um filho, um irmão, e eles mesmos nos chamam, através destas palavras, para contemplar sobre a vida. O epitáfio é uma epígrafe, uma inscrição póstuma ou um elogio póstumo. (HOUAISS, 2008, p. 350). Elias (2001) afirma que é através destas mensagens, destes chamados, que os mortos mantém sua existência. É assim que atingem a memória dos vivos e lá podem permanecer, por mais um pouco, ligados à vida. Afinal, como reza a sabedoria popular, "quem não é visto não é lembrado". Neste caso do epitáfio, quem não é visto, lido ou visitado no cemitério. No entanto, o epitáfio está localizado no túmulo, e o túmulo, no cemitério. Sem a ida ao cemitério, a mensagem dos mortos se faz inútil. Se não há quem a veja, a mensagem e, por conseguinte, a memória daquela pessoa que se foi está fatalmente dependente de que os seus, sua família, amigos, preservem a informação de que ele viveu e realizou feitos. Esta preservação exclusivamente alocada na memória alheia está condenada ao esquecimento. Pois a quantidade de informação que hoje recebemos faz com que o estoque de lembranças se torne cada vez mais renovável ou, então, armazenado artificialmente nos computadores. Ao aumentarmos a memória, propriedade antes exclusivamente humana no tocante à quantidade de detalhes, com o auxílio do computador, em um ambiente virtual, rapidamente chegamos a uma possível solução para a sua perda. O computador, no entanto, não substitui a memória - ele a auxilia. Necessitamos lembrar, de início, onde colocamos determinado arquivo, em 33 qual pasta, com qual nome. O mesmo acontece com os mortos e com os seus perfis. Em primeiro lugar, nos deparamos com a questão do nome. Para acessar o perfil de alguém em uma rede social é necessário, primeiro, ter seu nome em mente, lembrá-lo e, em seguida, digitá-lo. Fazia parte das proibições após a morte de alguém chamar o defunto pelo nome. Pois, ao fazer isso, acreditava-se que se estava realmente convocando o morto para voltar ao meio dos vivos (Cascudo, 1958). Ligamos aqui o perfil à ideia do epitáfio, uma pedra tumular onde é permitido ao morto, em vida, dizer tudo aquilo que deseja, tudo que pensou em outros momentos, quando não cogitava a morte ou quando ela ainda era um pensamento distante19. O epitáfio construído como perfil é um aglomerado de sentimentos e sensações que permitem aos vivos identificar-se de maneira ainda mais próxima como o falecido, através de fotos, vídeos, músicas, e funciona melhor ainda que aqueles dizeres clássicos que deliberadamente chamam a atenção do passante no cemitério, como é o caso de um dos monumentos aos mortos na II Guerra Mundial no Père-Lachaise, em Paris: "Você que passa, lembre-se daqueles que combateram por sua pátria, pela liberdade e pela dignidade do homem. As cinzas daqueles que morreram no campo (de concentração - Dachau), estão depostas neste memorial20". E, exatamente por ter sido construído em vida, o perfil pode, muitas vezes, alcançar o status de relíquia, ser tomado como representação da pessoa que se foi e, em consequência disso, como ferramenta para a manutenção de sua memória. Uma ferramenta que pode, ainda, ser retomada por um parente que a administrará, mantendo, por ainda mais tempo, a memória daquela pessoa que se foi. Amigos, na maioria, acham estranho quando isso acontece. Sentem-se incomodados com a "presença", mesmo virtual, de alguém que se foi. Uma informante conta da experiência não com um perfil de Rede Social, mas de um programa de bate papo, o Messenger: 19 A palavra Epitáfio vem do grego, significando "sobre a tumba", e é geralmente composto por pequenas frases ou versos pensados anteriormente pelo próprio morto ou por sua família após sua morte. 20 Inscrição observada in loco pela pesquisadora em junho de 2010. 34 Eu estava em casa. No computador, conversava com amigos pelo MSN. De repente, me sobe a janelinha informando: "Fulano está online". Tive um susto enorme! Há uma semana, Fulano tinha morrido; como era possível que estivesse conectado à Internet? Na verdade, era a irmã dele que, na posse de sua senha, estava usando exatamente o MSN dele para avisar da realização da Missa de Sétimo Dia. Nunca vi nada mais bizarro. Foi assustador! Depois, todo mundo reclamou com ela do susto. Acho que não foi de bom tom21. Neste relato, vemos como o perfil de um indivíduo em uma Rede Social assume a identidade deste mesmo indivíduo. Na ocasião da morte do jovem, seus amigos passaram a considerar morto também sua representação digital, daí o susto quando viu que este estava novamente ativo. Somente após a explicação de que a irmã do falecido estava utilizando o perfil dele no bate papo para avisar aos amigos da Missa de Sétimo Dia que o fato do falecido estar online foi esclarecido, mas tomado como atitude de mau gosto. Neste caso, a irmã do jovem possuía sua senha e pode acessar sua conta, assumindo a administração do seu perfil. Mas, como proceder se ninguém sabe a senha que o falecido utilizava para fazer o login em seu e-mail ou perfil em Redes Sociais? Existem possibilidades que vão desde serviços que disparam e-mails com as senhas para pessoas escolhidas anteriormente, após comprovação da morte22, até as opções fornecidas pelos sites administrados pelo Google. É possível também recuperar senhas, como é o caso do Gmail23, ou de extinguir um perfil, como é o procedimento do Orkut. Em todos os casos, a comprovação documental é obrigatória, sob a pena de responder por crime de perjúrio. Para solicitar a remoção, é necessário o preenchimento de um formulário específico, além da comprovação documental. Já o Facebook e o Twitter dispõem de uma ferramenta que permite transformar o perfil do falecido em um memorial, local que intenciona proporcionar aos amigos e familiares o compartilhamento de memórias relacionadas ao morto. Um perfil memorial torna-se privado, podendo ser visualizado apenas pelos contatos firmados antes da morte; informações de 21 Depoimento coletado através do MSN com uma jovem de 23 anos de João Pessoa. O fato ocorreu em 2006. 22 Como o LegacyLocker - www.legacylocker.com. Acesso em 20.10.2011. 23 O prazo para verificação da comprovação documental e fornecimento da senha é de trinta dias. 35 contato, atualizações e login são removidas. O perfil torna-se um espaço impossível de ser administrado, isto é: não existe controle sob as informações que os contatos postarão lá e as informações que permanecem são aquelas postadas pelo seu proprietário antes de sua morte. Este perfil transformado em memorial é a expressão máxima da capacidade da virtualidade de condensar, de perpetuar a existência de um indivíduo através das informações que ele compartilhou na rede social em vida. É a mutação completa do perfil em epitáfio, em túmulo. 36 Capítulo 2 - Virtualmente observando quem virtualmente observa: Netnografia da comunidade “Perfil de Gente Morta” do Orkut No dia 24 de abril de 2012, chegava ao fim a maior comunidade brasileira do site de relacionamentos Orkut sobre a morte. Após oito anos de funcionamento frenético, oitenta mil integrantes deixaram de poder contribuir com as postagens da PGM, ou Profiles de Gente Morta. Em seus tópicos, eram listados os usuários do Orkut que haviam falecido, fornecendo o link para o perfil de cada um deles, a causa da morte e, se possível, uma notícia que corroborasse o acontecimento. Desde 2004, os participantes debatiam, após visitar estes perfis de pessoas mortas, sobre a vida, sobre sua fragilidade e, claro, sobre a própria morte. Em casos de suicídio, bastante comuns e reportados com incrível frequência por amigos e familiares das vítimas, eram questões como problemas psicológicos, vontade de viver e debates religiosos que sempre vinham à tona. A PGM, superficialmente, funcionava como qualquer outra comunidade do Orkut. Possuía um proprietário, isto é, a pessoa responsável pela sua criação, o paulistano Guilherme Dorta. Em 28 de abril de 200824, foi implementada a possibilidade de adicionar dois coproprietários nas comunidades, para auxiliar seu funcionamento e evitar o roubo por hackers. A PGM não adotou esta prática, mas, sim, a dos moderadores, que passaram a ser três: “Silvia”, “Fabiana” e “Juli”25. O ambiente da PGM, em praticamente tudo, é perfeitamente idêntico a outros do mesmo tipo: uma comunidade virtual composta por pessoas que dividem os mesmos interesses e lá discutem sobre os vários desdobramentos possíveis desse assunto. Só que, neste caso o que vemos é um desfile constante de maneiras de morrer. Acidente automobilístico, assassinato, http://googlediscovery.com/2010/01/24/orkut-comemora-6-anos-de-vida/. Acesso em 10.12.2011. 25 Colocamos os nomes entre aspas, pois não foi possível verificar se eram realmente os nomes das pessoas que possuíam tais perfis e auxiliavam na administração da PGM. Foram realizadas várias tentativas de contato, mas não obtivemos resposta. Estes nomes, juntamente com os links para seus respectivos perfis, estavam listados na página principal da comunidade, juntamente com o de Guilherme, que possuía um perfil exclusivo para a titularidade da comunidade, intitulado “Dorta Moderador” e outro para a moderação, chamado apenas de “Guilherme”. 24 37 suicídio e doenças são os principais causadores das mortes daqueles indivíduos que 99% dos integrantes da comunidade desconhecem. Não foram apresentados em vida, não compartilharam momentos. Apenas um deles morreu e o outro, participante desta comunidade, placidamente colocou seu nome junto ao de tantos outros que se foram, desde o ano de 2004, e estavam catalogados lá. Dificilmente poderemos encontrar, hoje, um internauta brasileiro que nunca tenha entrado no Orkut. Por razões pessoais ou aversão a modismos, podemos elencar quem tenha se recusado a manter um perfil no site de relacionamentos, mas é praticamente impossível que nunca tenha visto sequer sua interface. Com a proposta de estreitar laços de amizade e criar novos amigos através da interação por meio de recados, fotos e vídeos, além da discussão de assuntos variados nas chamadas “comunidades”, a popularidade do site no Brasil progrediu geometricamente entre janeiro de 200426 e agosto de 201027. As comunidades, fóruns de discussão que contemplam praticamente qualquer assunto, são tidas, até hoje, como maior atração da rede social. É possível abordar desde atividades esportivas, culinária e filmes a preferências sexuais. Por esta maleabilidade, o Orkut já foi alvo de processos judiciais envolvendo incitação à pedofilia, pirataria e discriminação racial28. Ora, se a gama de discussão de assuntos é tão extensa que contemplava até a ilegalidade, nada mais justo que possibilitar a abordagem de 26 O Orkut foi criado em 24 de janeiro de 2004 e, desde então, bastante acessado pelo Brasil e pela Índia. À época, para participar, era necessário receber um convite, em inglês. O próprio site só funcionava na língua inglesa e só ganhou uma versão em português em maio de 2005, o que contribuiu para o aumento no número de usuários, bem como a possibilidade de adesão apenas através de um cadastro, abolindo o convite. 27 Quando o Facebook, de acordo com uma pesquisa do Ibope Nielsen Online, contabilizou o maior número de usuários únicos – 30,9 milhões. Grande parte da fama do Facebook pode ser atribuída ao filme que fala sobre sua criação – lançado no Brasil em dezembro de 2010. Dados do Ibope disponíveis em http://bit.ly/n6FBHP. Acesso em 23.12. 2011. 28 Um homem, que não teve a identidade revelada, foi condenado, em 2009, pela Justiça Federal de Uberaba, a oito anos de reclusão por distribuir fotos, vídeos e outros materiais pornográficos envolvendo crianças através do Orkut. Disponível em: http://bit.ly/yKRZm, acesso em 23.12.2011. Já o caso de pirataria é o da comunidade intitulada “Discografias”, que disponibilizava álbuns completos de diversos artistas nacionais e internacionais de maneira gratuita. Contava com mais de 900 mil usuários cadastrados e o acesso regular de mais de um milhão. Foi fechada em 16 de março de 2009 após intensa disputa judicial. Disponível em: http://bit.ly/f0u7, acesso em 23.12.2011. No âmbito do racismo, em 2006, o então estudante de Letras da Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Valle Silveira Mello, foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal por chamar negros de “macacos burros, subdesenvolvidos, urubus, ladrões” e outros xingamentos, em uma comunidade do Orkut. Disponível em: http://bit.ly/y1LHY9, acesso em 23.12.2011. 38 um bastante nobre: a morte. Portanto, no final do mesmo ano de criação do Orkut, surgiu a comunidade intitulada Profiles de Gente Morta, também conhecida por PGM, no dia 23 de dezembro. A PGM, alvo desta netnografia é um espaço de discussão e constante rememoração da morte, mas também é um berço e ferramenta de popularização para abordagens diferenciadas no tratamento do final da vida. Uma prática que ainda se encontra na vanguarda dos serviços funerários, o Velório Virtual, foi popularizada por um tópico criado em suas dependências, até se tornar uma comunidade independente. É por causa deste fato que a PGM é tão importante para nosso estudo. Bizarra, mórbida, inútil, curiosa: essas palavras e muitas outras já foram usadas para tentar caracterizá-la, e rapidamente ganhou fama fora dos domínios do Orkut. Personagem principal de matérias em jornais29 e revistas de circulação nacional30, citada em programas de grande audiência31, sites e blogs com editorias de tecnologia32 e aludida até por familiares33 de pessoas 29 Correio Braziliense de 23/06/2010. “Os mortos na Web”. Disponível em: http://bit.ly/yQKEnh, acesso em 23.12.2011. Folha de São Paulo Online de 23/03/2008. “Mortos ganham homenagem nas páginas do Orkut”. Disponível em: http://bit.ly/jq0z1Y, acesso em 23.12.2011. No entanto, a jornalista responsável pela matéria não coloca o nome da PGM no texto, apenas refere-se a ela na passagem: “Uma pesquisa simples no Orkut com a palavra "morte" aponta cerca de mil comunidades relacionadas ao tema. A mais popular em português supera os 40 mil associados. O objetivo da tal comunidade é abrigar perfis do Orkut de pessoas que morreram”. O jornal O Norte, de circulação local, também já colocou a PGM em pauta em 28/07/2010: “Luto compartilhado na Rede”. Disponível em: http://bit.ly/yorbdI, acesso em 23.12.2011. 30 A Revista TPM de outubro de 2005 fala de comunidades com o objetivo semelhante ao da PGM sem, no entanto, citá-la. Disponível em: http://bit.ly/zms63a, acesso em 23.12.2011. Já a revista Trip de agosto do mesmo ano cita a PGM diretamente. Disponível em: http://bit.ly/zU8JOb, acesso em 23.12.2011. 31 A então estudante carioca de dezoito anos, Verônica Verone de Paiva, enforcou seu amante, o empresário Fábio Gabriel Rodrigues, de 33 anos, em um motel do Rio de Janeiro em 16/05/2011. A história repercutiu em todo o país e o perfil da moça no Orkut analisado minuciosamente. Ao ser descoberto que ela era participante da PGM, a comunidade foi tema de programas televisivos como o Mais Você, da Rede Globo, do dia 17/05/2011, e, de acordo com os integrantes da comunidade, também nos programas de Sônia Abrão e José Datena. Disponível em: http://bit.ly/yfrPhx, acesso em 23.12.2011. O próprio fato da assassina fazer parte da PGM foi ressaltado por integrantes de uma outra comunidade do Orkut intitulada “Celebridades de segunda linha”: http://bit.ly/xWLlwT, acesso em 23.12.2011. 32 Como o G1, em 22/06/2009, com a matéria intitulada “Curiosidade de internautas cria ‘vida após a morte’ nas Redes Sociais”. Disponível em: http://glo.bo/jc8Pi, acesso em 23.12.2011 33 O Blog “Saudades da Fran” foi criado em fevereiro de 2010 por Isabela Deschamps, irmã de Francine Deschamps, morta em 2009 por overdose. O espaço foi utilizado para transcrever os relatos de Francine em seu diário durante reabilitação para a desintoxicação e relatos da sua própria família sobre os acontecimentos que antecederam sua morte. Na postagem do dia 13/08/2010, Isabela comenta ter sido informada por uma jornalista da existência de um tópico na PGM sobre a morte de sua irmã. Disponível em: http://bit.ly/xQ5ro5, acesso em 23.12.2011. 39 mortas que tiveram seus perfis lá postados, a PGM, durante muito tempo, foi alvo de constante curiosidade. No entanto, o Orkut não é mais tão popular como antes34. A maioria dos usuários cancelou suas contas, muitas comunidades não mais existem ou estão completamente inativas. Qual o motivo de etnografar uma comunidade que pertence a uma estrutura aparentemente fadada ao desaparecimento? O motivo maior reside em fatos palpáveis: o número de participantes desta comunidade continuou estável, até crescente em certos períodos, até sua extinção em maio de 2012, por problemas técnicos do próprio Orkut. Enquanto outras comunidades foram fechadas, a PGM permaneceu forte, com atualizações de hora em hora. Portanto, nos é extremamente importante conhecer melhor o funcionamento deste ambiente virtual tão intrigante e importantíssimo para nossa pesquisa. O que é a PGM A PGM foi criada em dezembro de 2004 pelo paulistano Guilherme Dorta, e reuniu curiosos sobre a morte desde então, contabilizando, até janeiro de 2012, mais de oitenta mil participantes35. Por conta de seu conteúdo delicado, a participação necessitava da aprovação de um moderador. Um dos moderadores é o criador da comunidade, que conta com a ajuda de outras três pessoas para administrá-la. Os participantes contribuíam ativamente para a criação e/ou atualização de, em média, 77 tópicos por dia. Entre os dias 18 de julho e 18 de agosto de 2011, foram computadas mais de 250 adesões36. Apesar de o objetivo explicitado na descrição da comunidade ser o de catalogação dos perfis de usuários do Orkut que já falecerem, os assuntos debatidos abrangem todo o espectro relacionado à morte, correspondendo aos questionamentos também ali apresentados. 34 Em janeiro de 2012, a quantidade de usuários ativos no Facebook superou a de usuários do Orkut. Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/01/facebook-passa-orkut-evira-maior-rede-social-do-brasil-diz-pesquisa.html. Acesso em 20/01/2012. 35 80.791 em 04/01/2012. Doze dias mais tarde (16/01/2012), a PGM possuía 81.062 membros. 36 Dados coletados durante o referido tempo de observação. 40 De acordo com a descrição da própria comunidade, seu principal objetivo é a pesquisa e catalogação de perfis de usuários do Orkut que já faleceram. Figura 1 - Página inicial da PGM Na descrição da comunidade se lê: Essa comunidade é dedicada à pesquisa de profiles (perfil) de gente que faleceu. 41 Aqui vemos como, de uma hora pra outra, nossa vida acaba e deixamos tudo para trás, inclusive banalidades como Orkut, Fotolog, MSN e etc... Banalidades estas que, por vez, podemos chamar de 'rastros virtuais'. Mas o que são esses rastros? Seriam eles úteis? Um conforto para quem fica? Uma imortalidade virtual? Bom, estamos aí para discutir... Queremos que você poste o profile de algum conhecido seu que tenha falecido ou algum profile que você conhece. Não é permitido brincadeiras de má intenção, bem como falta de respeito com os mortos. Deixo claro também que sou contra qualquer tipo de violência e jamais faço apologia à morte aqui nessa comunidade. Sem mais, desejo que todos descansem em paz... Ass.: Guilherme Dorta. Antes de entrar, leia as regras em: (endereço da postagem na comunidade PGM Moderação)" O objetivo principal da comunidade, deste modo, é pesquisar e catalogar os perfis de usuários do Orkut que já morreram. Por esta característica, interpretamos a PGM como um “obituário em tempo real” (Martins, 2009, p. 47) em uma análise realizada em outra ocasião37. O formato ainda não mudou: apesar das várias mudanças no layout da rede social, ainda possui diretrizes bem definidas de funcionamento, que abordaremos em outro momento. Com essa catalogação, a comunidade busca salientar como as atividades por nós exercidas em vida, em especial aquelas ligadas ao virtual, ficam para trás após a nossa morte, como o próprio Orkut, Fotolog (blogs para a postagem exclusiva de imagens) e MSN (aplicativo de bate-papo), e coloca as informações disponibilizadas através dessas atividades como "rastros virtuais", questionando-se da sua utilidade após o falecimento. As perguntas lançadas na descrição da comunidade relacionadas à utilização desses "rastros" ficam sem resposta, já que é um objetivo secundário descobrir se 37 Trabalho monográfico de conclusão do Curso de Bacharelado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba, “A morte midiatizada: o caso Eloá, do noticiário na TV à fabricação de obituários na comunidade Profiles de Gente Morta”, defendido em agosto de 2009. 42 podem servir como conforto para os que ficaram e se podem ser tomados como componentes de uma "imortalidade virtual". Em seguida, convoca os participantes a contribuir com a postagem de perfis de conhecidos que tenham falecido para alimentar o banco de dados da comunidade e começa a já esboçar algumas regras, como a não aceitação de "brincadeiras de má intenção", ou seja, as que notadamente podem ser tomadas como "falta de respeito com os mortos". O moderador finaliza a descrição salientando que não apoia a violência e que não pretende fazer apologia à morte com a criação daquele espaço. Deseja que "todos descansem em paz" e pede que as regras de funcionamento sejam lidas, colocando o link para elas na comunidade PGM Moderação. Regras de Funcionamento Os interessados em ingressar na PGM eram incentivados a ler as regras antes de confirmar o pedido de adesão. Essas regras estão dispostas, detalhadamente, em outra comunidade, anexa à PGM, chamada PGM Moderação: 43 Figura 2 - Página inicial da comunidade PGM Moderação Na descrição da comunidade, podemos ver: Comunidade criada para que os membros possam ver o que anda ocorrendo na moderação da PGM. TODA pessoa expulsa da comunidade será justificada aqui. Que sirva de exemplo para que os membros tenham uma boa conduta dentro da PGM e evitem problemas com a moderação. Aproveitamos também essa comunidade para passar as regras da PGM antes mesmo que a pessoa participe da comunidade. Essa comunidade é fechada, portanto não peça para participar que o pedido será negado. Obrigado! Você já leu as regras da PGM? Acesse: (endereço para o tópico com as regras) O objetivo principal da criação da PGM Moderação é mostrar aos integrantes da PGM o que acontece em suas dependências. Como a 44 comunidade era muito visualizada, discussões e desentendimentos aconteciam diariamente. Portanto, a moderação viu a necessidade de esclarecer os motivos das expulsões dos integrantes que não respeitavam as regras. Assim, todas as expulsões eram detalhadas ali, na PGM Moderação, não só para esclarecer algumas contendas, mas também para servir "de exemplo para que os membros tenham uma boa conduta dentro da PGM e evitem problemas com a moderação". Esta é uma clara demonstração do desejo que a moderação da comunidade tinha em relação à manutenção de seu bom funcionamento. Tomemos esta imagem como exemplo: Figura 3 - Exemplo de justificativa de expulsão A primeira expulsão da PGM justificada nesta comunidade data de 17 de agosto de 2008, exatamente a que é mostrada pela imagem acima. O participante chamado Luis Branco postou uma morte fake, ou seja, uma morte falsa. Essa expulsão aconteceu quatro dias após a criação da comunidade PGM Moderação. Com a criação desta comunidade, também foi possível disponibilizar as regras da PGM para os que intentavam dela participar. Assim, não poderiam alegar, depois, que entraram na PGM sem saber do seu funcionamento, posto que as regras estavam expostas num ambiente externo a ela. Podia-se consultar as regras da PGM na PGM Moderação antes de enviar o pedido de participação na primeira. O espaço da PGM Moderação era exclusivo para os moderadores sem possibilitar a participação de outras pessoas, que teriam o acesso negado caso assim intentassem. A descrição da comunidade termina com a disponibilização do link para as regras da PGM, que abordaremos mais adiante. 45 Cada página do fórum de qualquer comunidade do Orkut exibe 50 tópicos por vez. Assim, como cada postagem da PGM Moderação38 corresponde à justificativa para a exclusão de um integrante, em 15 de agosto de 2011 a comunidade possuía 23 páginas. Levando em consideração que nem todas possuem 50 postagens, temos, em média, mil membros expulsos desde agosto de 2008. A própria criação deste espaço para a exposição das exclusões da PGM corrobora a organização da comunidade, ancoradas nas regras exibidas a seguir. Uma das características mais destacadas da PGM é a sua organização. A comunidade funciona de acordo com uma série de normas, estipuladas pelo moderador, conforme vimos e analisamos a seguir. Como são muitas as postagens diárias, a padronização se faz necessária para o funcionamento adequado da comunidade: 38 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=65537209. Acesso em 10.12.2011. 46 Figura 4: Regras da PGM 47 [[[ Regras da PGM ]]] Por favor, leiam atentamente as nossas regras. Elas são cumpridas radicalmente lá na PGM e é importante que seja do conhecimento de todos para que não haja problemas posteriormente. Segue: Morte Fake (de mentira) - Proibido e o autor é expulso. Se alguém ajudar no trote, é expulso também. Tópicos fora do Assunto (TI) - Permitido. Porém poderão ser deletados. As chances são grandes. Cerca de 95% desses tópicos são deletados, pois senão a comunidade ficará cheia de assuntos variados, deixando os profiles em segundo plano. Pense bem e use o bom senso antes de postar algum tópico sem perfil. Mas esteja ciente que ele poderá ser excluído. Se 95% deles são excluídos, há grandes chances do seu ser também. Quem decide excluir ou não, é a moderação. Não há como escrever regra para TODO tipo de tópico e também não há como abrir uma enquete antes de excluir CADA tópico. Portanto cabe à moderação decidir se será excluído ou não. Tópicos com Homenagens Póstumas e comunidades de falecidos - Favor não postar. Será excluído. Fotos e Vídeos chocantes - Proibido. Não postem nada de conteúdo pesado, como fotos e vídeos de gente morta e outras bizarrices. A grande maioria das pessoas não está aqui para ver isso. Ofensas - Proibido. Não é tolerado ofensas a outros membros, aos falecidos, aos familiares e à moderação. Nem mesmo no chat. Se você for ofendido, não retruque, senão você será penalizado também. Apenas informe a moderação, coloque o link e se possível a imagem (printscreen) da ofensa. Aguarde até que providências sejam tomadas. Cabe à moderação decidir se É ou NÃO É ofensa. Respeite a atitude da moderação e tenha paciência. A PGM não é ambiente para brigas e se você não se sente à vontade com esse tipo de regra, sinta-se à vontade para se retirar da comunidade. Bate papo (Chat) - Permitido somente no tópico de chat. Dentro de tópicos que contenham profiles, mantenha-se no assunto. Se o papo começar a mudar de rumo, dirija-se ao chat para evitar problemas. Falta de Respeito - Proibido e pode causar expulsão. Qualquer tipo de falta de respeito com os familiares e os falecidos não é permitido na PGM, dando total abertura para que a moderação exclua o post e talvez o membro. Discussões Religiosas e Políticas - Permitida com moderação. Evite radicalismo e mantenha o respeito ao colocar sua opinião. Fanáticos que frequentemente arrumam confusão devido à esse tipo de problema serão banidos. 48 Propaganda - Proibido e pode causar expulsão. É proibido propaganda de outras comunidades, de produtos, de empresas, etc... Julgando um falecido - Permitido com moderação Cuidado para que o julgamento não falte com respeito, infringindo assim a regra sobre Falta de Respeito. Cabe à moderação dizer se a pessoa passou dos limites ou não. Membros causadores de confusão - Membros que frequentemente causam confusão por algum motivo não são interessantes para a PGM e poderão ser expulsos. Fakes - Permitido, desde que não seja nada pornográfico ou que ofenda diretamente alguém, como fakes com pedofilia, racismo ou fakes criados para ofender alguém. Reclamações, Críticas e sugestões - Deve ser feito via scrap para os moderadores, NUNCA abrir tópicos para isso. Tópico repetido - Favor comunicar via scrap algum moderador. Não ficar de bate papo dentro do tópico, pois apesar de ser repetido, temos o nome de um falecido anexado. Padronização - Ao postar um tópico, atente-se à padronização que deve ser como o exemplo abaixo: "† José da Silva † Acidente; † Maria das Graças † Suicídio; † João Pereira † Pneumonia". Para fazer o sinal da cruz, segure a tecla ALT apertando 0 1 3 4 junto. Se não conseguir, pode usar o sinal de "mais"(+). [[[[ Observações ]]]] * Para começar, essa comunidade possui um conteúdo pesado, onde conversamos sobre morte, assassinatos, suicídios, doenças, etc... Se você não se sente bem ou não concorda com esses tipos de assuntos, é aconselhável que você não entre lá. Respeitamos você, assim como você deve nos respeitar. * A comunidade é pública, portanto o proprietário não se responsabiliza pelo conteúdo postado. * Pessoas de má fé também podem entrar na comunidade. Infelizmente não tem como filtrar a entrada de membros, já que não posso pré-julgar uma pessoa baseado no Perfil. * As informações dos Profiles são de conteúdo público, sendo assim estamos livres para ler, copiar e discutir em cima do que é visto (O próprio Orkut nos alerta isso no cadastramento). * Pedidos de familiares e de pessoas muito próximas dos falecidos serão atendidos. * A PGM não é regida por um "Estatuto de boas condutas", cheio de leis e regras. Infelizmente não tem como prever todo tipo de problema que uma comunidade pode ter, portanto o 49 bom senso vem antes de tudo. A moderação não segue somente as regras escritas nos eventos, portanto, não use os próprios eventos como argumento para fazer algo que nós (e outros membros) julguem errado. * Antes de pedir algo ou reclamar de algo que fez, pense que se eu abrir exceção para você terei que abrir para os outros. * A PGM preza muito pela qualidade de seus tópicos e é por isso que muitos são deletados. Essa é a fórmula da comunidade e tem dado certo até agora. Não vai mudar. A democracia está presente na PGM. Lembrem-se que até mesmo na democracia nós temos leis e, acima de tudo, ética. Contudo, sei que muita gente não sabe diferenciar democracia de anarquia. Liberdade de libertinagem. Portanto se preferir achar que há uma ditadura na PGM, Ok. Mas não use isso como argumento de defesa. A rigidez da moderação pode trazer injustiça, mas infelizmente é impossível ser 100% justo. Não tem como a moderação estar por dentro de TUDO que acontece na comunidade. Impossível, por maior que seja o número de moderadores. Portanto, paciência. Caso alguém discorde de alguma das regras e/ou pretende não cumpri-las, faça o favor de se retirar antes de causar problema para os bons membros. Agradecemos pela cooperação!39 A moderação da PGM começa pedindo aos interessados em aderir à comunidade que leiam as regras com bastante atenção, já que "são cumpridas radicalmente". Isso se faz necessário para evitar problemas e expulsões. A atitude que configura expulsão sumária é a postagem de morte fake, ou seja: uma morte de mentira, que não aconteceu. Neste caso, toma-se essa postura como desmoralizada, tanto do autor da postagem como de qualquer outra pessoa que contribua para este ato. A pessoa que tem o seu perfil postado na PGM de maneira errônea está, de fato, viva; portanto, não pertence à comunidade e o responsável pela postagem é visto como alguém que está ali para fazer brincadeiras. As brincadeiras não configuram como objetivo da PGM exatamente pela morte ser tomada como um assunto sério e que merece respeito; brincar com a morte é tomado como uma atitude desrespeitosa. 39 Disponível em: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=65537209&tid=5235757002899152661. Acesso em 12.12.2011. 50 O Tópico Inútil, ou TI, colocado pela moderação também como "Tópicos fora do Assunto", são permitidos, mas terão uma vida curta e compõem um dos três tipos de postagem na PGM, além daquele destinado à divulgação da morte de alguém, junto com os Offs e Chat40 (Bate Papo). Os TIs são Tópicos Inúteis, conforme descrição da moderação, que podem ter ligação ou não com a discussão sobre a morte. Esse tipo de tópico geralmente é composto por piadas, brincadeiras e até acusações contra os participantes da comunidade, em maioria criados por curiosos ou outras pessoas que são contra a PGM e logo são deletados pela moderação. Os Offs são tópicos que abordam assuntos diretamente ligados à discussão sobre a morte. Apesar do alerta de iminente exclusão expressado pelo moderador nas regras colocadas anteriormente, o Off pode ter uma longa vida, dependendo da aceitação e da participação dos integrantes. Existiam quatro tópicos Off bastante comentados: “Aparição de pessoas que já partiram”, com 4.359 comentários41 relatando experiências sobrenaturais, “Experiência com Psicografia”, com 4.79442, que fala sobre a modalidade espírita de comunicação com os mortos, a Psicografia, onde um médium escreve as mensagens ditadas a ele por espíritos desencarnados, e “Mortes Bizarras”, com 2.420 comentários43, que lista uma série de mortes relatadas pelos participantes, acontecidas por eventos banais. Mas o tópico Off vencedor disparado é o “Velórios Virtuais”, com 11.422 comentários44, onde são disponibilizados links para câmeras de empresas funerárias que transmitem, ao vivo, os velórios que estão sendo realizados em suas dependências. Este foi o tópico que originou a comunidade homônima independente da PGM e que também é alvo de nossa netnografia. Falaremos mais dela adiante. 40 O chat já foi criado diversas vezes com o intuito de deixar as postagens nos tópicos apenas para a discussão das mortes e disponibilização de materiais a elas relacionados e evitar que os participantes falassem de assuntos transversais, o que muitas vezes acontece. O chat da PGM está disponível em: http://bit.ly/A5UK1F, acesso em 29.12.2011. 41 Tópico criado em 04.04.2010. Disponível em: http://bit.ly/AikUmy. Número de postagens coletado em 16.02.2012 42 Tópico criado em 21.06.2011. Disponível em: http://bit.ly/zkBcfL. Número de postagens coletado em 16.01.2012. 43 Tópico criado em 30.12.2009. Disponível em: http://bit.ly/xMrFYR. Número de postagens coletado em 16.01.2012 44 Tópico criado em 23.01.2009, resultante de dois outros, anteriores, apagados pelo Orkut em decorrência de alguma pane no sistema. Disponível em: http://bit.ly/yVyw1J. Número de postagens coletado em 16.01.2012. 51 Os tópicos com homenagens póstumas e de divulgação de comunidades relacionadas aos falecidos também serão apagados, avisa a moderação. Esta proibição está relacionada ao fato da comunidade ser destinada somente à análise dos perfis e da discussão de assuntos transversais a ela. A PGM não foi criada como espaço de lembrança de pessoas específicas, mas para as reflexões que a morte pode suscitar. Outro assunto que está fora de cogitação para os participantes da comunidade é a visualização direta do momento da morte de alguém através de fotos e vídeos chocantes, como os de acidentes, por exemplo. A moderação os classifica como de "conteúdo pesado" e "bizarrices" e afirma que seus participantes não estão lá à procura desse tipo de material. Seguindo as regras de boa conduta, também não é permitido ofender ninguém, vivo ou morto, mesmo no tópico destinado às conversas, como o Chat. Eles pedem que, caso se sinta ofendido, o integrante não responda, sob pena de ser prejudicado também. Deve-se informar à moderação do caso de ofensa, disponibilizando o link para o tópico onde ela ocorreu e, se possível, salvando-a também através de um printscreen. As providências cabíveis (como a própria expulsão) serão tomadas pela moderação, única responsável por decidir se a reclamação consiste ou não de uma ofensa. As conversas com conteúdo mais pessoal, como troca de informações alheias aos casos expostos na comunidade devem ser realizadas no tópico específico para elas, ou seja, Chat, como já colocamos anteriormente. Pede-se que não se converse nada além do pertinente às mortes nos tópicos a elas relacionados Ao decidir divulgar na PGM o perfil de alguém que morreu, após seguir as diretrizes de postagem e disponibilizar o link para o perfil em questão, os participantes fazem seus comentários a respeito do falecido e/ou da maneira como ele morreu. A porção mais importante da padronização da postagem – e a mais cobrada pelos próprios participantes – é aquela referente à fórmula Cruz + Nome + Causa da Morte + Cruz. Assim, é possível saber, de imediato, o que aconteceu para que aquela pessoa viesse a óbito. O motivo do óbito é a principal razão para a visita e/ou comentário em um tópico, de acordo com os próprios participantes, como nos mostra a Figura 5: 52 Figura 5 - Lista de postagens com a fórmula exigida pela moderação Aqui, temos a listagem de tópicos atualizados, que ficava disponível na página inicial de qualquer comunidade do Orkut. Vimos que a morte de Joelson de Souza, que foi esquartejado num quarto de motel, estava sendo bastante discutida, com mais de mil comentários. A seguir, o caso do suicídio de Joacir José Bresolin estava com menos participação. Podemos afirmar que a diferença da quantidade de comentários produzidos por essas mortes se baseia no fato do esquartejamento ter sido amplamente divulgado pela mídia, ao contrário do suicídio. Casos que são noticiados amplamente tendem a ser acompanhados com maior interesse pelos integrantes da comunidade. Vejamos os depoimentos de alguns integrantes sobre a preferência da visualização e discussão sobre alguns tipos de mortes. Os casos mais explorados são os de assassinato e suicídio, como os exemplos que colocamos acima: Eu costumo ter mais atenção principalmente com casos de suicídio, porque eu considero um sofrimento extremo ainda muito mal interpretado e compreendido pela sociedade. Sempre que vejo e tenho a oportunidade de debater esse conceito do desespero que leva as pessoas a tirar a própria vida, eu levanto essa questão. Esta participante declara que costuma debater o "conceito de desespero" que acarreta o suicídio por considerar o ato de tirar a própria vida como uma atitude final para um "sofrimento extremo ainda muito mal interpretado e compreendido pela sociedade". 53 Os de suicídio com pessoas novas que não aparentam motivo são os mais tocantes para mim. Os de crianças também, você vê o perfil e muitas vezes não acredita que uma pessoa tenha cometido um ato de tirar a vida muitas vezes por motivo fútil. Já esta participante também trás o suicídio como causa de morte mais interessante, mas limita sua indignação a casos que envolvem pessoas mais jovens e até crianças. Acredita quase inverossímil, ao visualizar o perfil de um suicida, que aquela pessoa tenha tomado tal atitude "muitas vezes por motivo fútil". A motivação se apresenta como fraca ou fútil, nesses casos, exatamente por se tratar de pessoas novas e sem experiência. Suicídios e Assassinatos misteriosos me chamam mais atenção por alimentar nossa imaginação e pensar nas inúmeras possibilidades. No caso dos suicídios, me faz refletir também sobre casos de depressão (acho que sou um pouco deprimida) e lendo sobre os suicídios e sofrimentos da família e amigos dos suicidas, me faz afastar esta possibilidade, quando este desejo vem à tona. Aqui, já vemos os assassinatos com causas misteriosas chamarem mais a atenção, junto aos suicídios, "por alimentar nossa imaginação e pensar nas inúmeras possibilidades". Os motivos que levariam uma pessoa a tirar a vida de outra, por exemplo, alimentariam a imaginação, fazendo com que se considerassem diversas hipóteses para o crime. A discussão em torno desses casos é amparada pela mídia, principal fornecedora de informações compartilhadas na comunidade no tópico respectivo a cada caso. A visão desta participante no caso dos suicídios já engloba a depressão, por se autoidentificar como uma pessoa deprimida. A leitura de casos como este faz com que ela afaste a ideia de pôr fim à própria vida por suscitar uma reflexão acerca do sofrimento infringido à família e aos amigos, pensando, talvez, no que os seus próprios amigos e familiares passariam caso ela mesma decidisse se matar. Para mim casos de suicídio são mais interessantes, pois gosto de saber que não sou a única pessoa que aceite o fim da vida como o fim do interesse pela vida. Assimilar as duas coisas para mim é natural, mas para a maioria é chocante. 54 Neste depoimento, temos mais uma afirmação do interesse pelos casos de suicídio através de uma identificação pessoal com o tema. A participante aceita "o fim da vida como o fim do interesse pela vida", uma postura clara de defesa deste ato. Ela finaliza declarando achar natural a ligação entre a perda do interesse na vida com o término dela, o que acredita ser uma visão difícil de ser assimilada pela maioria das pessoas. O mesmo pode ser visto neste outra fala: Me intrigam os casos de suicídio, pois a parcela desses casos é na sua maioria adolescentes e jovens. Me preocupa os motivos reais que levam essas pessoas a cometerem o suicídio e me entristece pois são "crianças", tem todo um futuro pela frente e estão se entregando cada vez mais cedo. O depoimento abaixo mostra a visão que o participante tem, nos casos de suicídio, como uma contradição. Toma a vida deles como "superficial", escondendo "uma grande dor" que não foram capazes de dominar ou de sanar. Ele diz que também se interessa, com a análise dos perfis dos suicidas, em tentar descobrir indícios de que eles se matariam, "nas entrelinhas". Essas entrelinhas são as dos pensamentos, fotos e músicas compartilhadas por essas pessoas em seus perfis e que lá ficaram registrados após sua morte. Além disso, cita o interesse nos crimes passionais por funcionarem como uma demonstração dos limites a que o ser humano pode chegar, ou até mesmo a "sua falta de controle". Por fim, afirma que todos estamos sujeitos a essas situações: Tenho interesse nos suicidas, pela maioria demonstrar que a vida em que viviam era superficial e que dentro havia uma grande dor da qual não souberam lidar. Ou até mesmo verificar os indícios nas entrelinhas. Os passionais por saber até onde vai a pulsão do ser humano e sua falta de controle. Pode acontecer com qualquer um. Na fala seguinte, podemos apontar uma identificação, novamente, com os casos de suicídio e de assassinato, mas estes, especificamente, nos de mulheres que encontraram o fim da vida pelas mãos de seus companheiros. Nossa depoente, neste caso, é uma mulher; talvez este seja um bom motivo para que ela se coloque "no lugar do falecido", como ela afirma, abaixo: 55 Os que me chamam atenção são os de suicídio e de mulheres mortas por seus companheiros. Pois são situações que eu me coloco no lugar do falecido. Nos dois depoimentos a seguir, identificamos o interesse maior com acidentes e casos de homicídio, novamente. Mas, desta vez, vemos que os participantes se envolvem, se sentindo tristes, pela oportunidade de visualizar o perfil dessas pessoas mortas de maneira tão abrupta e reconhecendo a fragilidade da vida, como é o primeiro caso: O que mais me choca são acidentes, pessoas que se vão repentinamente, e de repente você vê o perfil e estão ali sorrindo, com planos, isso nos deixa triste, mas sabemos que estamos aqui como uma chama de uma vela que pode apagar a qualquer momento. E também a identificação que leva ao envolvimento no sentido de tentar imaginar, de alguma forma, como o homicídio, no caso, possa ter ocorrido. A integrante acha interessante ver a maneira com que os participantes da comunidade "opinam, vivem a realidade das famílias das vítimas, sofrendo por elas, 'odiando' os assassinos", quando é o caso, e também montando possíveis soluções e explicações para cada situação. A integrante ainda afirma que faz ligações entre os eventos apresentados na comunidade e os que vivenciou em sua própria família, no intento de buscar conforto na ideia de que o que aconteceu com ela e com os seus pode nem sempre ser o pior ou um fato singular: Casos com causas mal definidas, em que gire alguma investigação em torno da morte, porque muitas investigações têm finais diferentes dos esperados. Além disso, é interessante ver como os membros opinam, vivem a realidade das famílias das vítimas, sofrendo por elas, "odiando" os assassinos (quando há) e sempre imaginando um futuro e uma solução para tudo. Acho interessantes também os casos parecidos com os que já vi em minha família (câncer, acidentes), porque fico comparando e sempre vejo que os que já vi não são casos piores e nem únicos. Os casos aqui expostos como os recebedores de maior atenção pelos participantes da PGM são também os geradores de grandes contendas por 56 conta dos diferentes pontos de vista das religiões dos integrantes. Na comunidade, podemos encontrar representantes de todos os tipos de credos ou nenhum. São exatamente os que seguem alguma doutrina religiosa os responsáveis por discussões acaloradas, mas, infelizmente, é impossível determinar a crença predominante. A PGM possui uma linguagem característica, arraigada no discurso dos participantes mais antigos e que, muitas vezes, deixa os novatos sem entenderem o que se passa. No entanto, o entendimento se faz presente mesmo com componentes diacríticos como as siglas; elas não comprometem a interação entre novos e antigos participantes. Mesmo assim, é comum encontrar os primeiros perguntando o quê significam determinadas siglas postadas nos comentários em diferentes casos. As mais comuns, que compõem o vocabulário básico da PGM, são: RIP (Rest in Peace), DEP (Descanse em Paz), Off (tópico que trata de assuntos transversais à listagem de perfis de pessoas que já morreram, como denúncias, notificações de desaparecimento, questionamentos sobre a vida e a morte e outros), JFP (Já Foi Postado, utilizada quando há repetição de profiles dentro da comunidade), NSC (Não Sei a Causa, utilizada quando a pessoa não sabe qual a causa da morte daquele cujo perfil está sendo postado) e TI (Tópico Inútil, geralmente execrado pelos participantes e que trata de assuntos considerados fúteis). 57 Perfil dos Participantes Mesmo necessitando da aprovação de um moderador para fazer parte da PGM, à época de sua extinção, a comunidade possuía mais de oitenta mil participantes. Devido a este elevado número e pela maneira com que o Orkut disponibiliza a visualização dos participantes das comunidades, fica extremamente difícil delimitar o número de homens e mulheres. Desta maneira, para se obter ao menos uma estimativa com relação ao sexo, seria necessário visitar o perfil de cada um. Com um pouco de tempo e determinação, este numero poderia ser traçado dentro de um período, mas a grande dificuldade reside mesmo na ampla quantidade de perfis falsos, ou fakes (que abordaremos adiante). A mesma dificuldade aparece com relação à faixa etária. No entanto, com uma estimativa geral, na maioria das postagens, encontramos comentários de pessoas jovens, entre 18 e 30 anos. O Orkut pede que, ao se cadastrar, o usuário tenha alcançado a maioridade legal brasileira. Mesmo assim, sabemos que crianças e pré-adolescentes fazem parte da rede, colocando no cadastro uma data de nascimento diferente de sua e que atinja a idade pedida pelo Orkut. Assim, estamos levando em consideração que os participantes da PGM sejam todos maiores de idade, por conta de seu conteúdo, ou que estejam próximos de atingir tal condição. A mesma flexibilidade também pode ser encontrada na outra extremidade etária, já que nos deparamos com relatos de profissionais da saúde com anos de experiência, delegados e advogados que emitem pareceres em casos específicos de discussão intensa, como aconteceu na época do assassinato da jovem Eloá pelo seu ex-namorado, em 2008. Portanto, não seria difícil presumir que existam pessoas com idade próxima ou superior aos 50 anos nas dependências da PGM. Com uma gama tão grande de possibilidades, nos foi necessário recorrer às enquetes feitas pelos próprios participantes quando do auge da comunidade, que nos forneceram um esboço do perfil de seus frequentadores. Em uma enquete aberta em 2007, relativa à religião45, 39% são católicos, 22% 45 Pesquisa com respostas de 3118 usuários criada em 05/07/2007 com última resposta constante do dia 10/08/2011. Disponível em: http://bit.ly/xGUYZu, acesso em 10.08.2011. 58 evangélicos, 10% ateus, 16% espíritas e 13% de outras crenças não explicitadas. Os que mais expressam suas opiniões com relação ao suicídio e ao assassinato são os que seguem alguma religião. Sobretudo nos casos de suicídio, onde os juízos de valor são mais salientados. Colocamos abaixo um print-screens com duas opiniões: Figura 6 - Discussão acalorada sobre suicídio O primeiro quadro mostra claramente um posicionamento extremo, de condenação do suicídio e de sua classificação como uma atitude de fraqueza. O integrante diz: 59 Não tenho pena dessa criatura fraca que não soube lutar em prol da vida. Uma hora dessa ela está comendo o pão que o diabo amassou no umbral... Mas tenho pena da família que deve estar pagando pela inconsequência dessa criatura sem amor próprio. Força aos familiares. Ela não merecia estar entre vocês. Pela linguagem utilizada, podemos dizer que este participante ou segue ou é simpatizante da doutrina espírita, notadamente a que possui o conceito de umbral46. No entanto, o que chama a atenção neste discurso é a opinião expressada, claramente condenando a suicida. A chama de "criatura fraca" e afirma ter pena da família e das consequências que terão que sofrer. Mesmo assim, deseja força a eles. Por fim, ataca novamente a moça que se matou, dizendo que não era merecedora da família. O segundo quadro contém a fala de uma integrante que discorda do primeiro no tocante aos termos que ele utilizou, embora comece seu discurso colocando o suicídio como pecado: Que pecado! Desejo de coração que ela encontre a paz que não estava tendo aqui na terra, assim como muita luz ao seu espírito. Força aos familiares e que possam seguir adiante. Espero que a moderação passe nesse tópico e veja a PORCARIA de comentário que esse merda de Jig Saw fez! Cuidado com seu telhado de vidro! Uma hora ele pode se espatifar bem acima da sua cabeça! Pode ser alguém que você ama muito e tenho absoluta certeza que JAMAIS você gostaria de ler esse tipo de MERDA que tu escreveu. De uma coisa Ana Clara não precisa: julgamento e leviandade de pessoas que sequer a conheciam! Ela deseja que a moça "encontre a paz que não estava tendo aqui na terra, assim como muita luz ao seu espírito". Dirige-se também aos familiares e 46 Umbral, para o espiritismo, é um estado ou lugar transitório por onde passam a maioria dos homens após a morte, no qual experimentam sofrimentos "físicos" e morais, como a sensação da necrose do corpo e a vergonha de se ver incapaz de ocultar suas fraquezas e desejos mais íntimos dos olhares curiosos e/ou inquisidores de outros espíritos. As referências ao umbral, que surgem em romances mediúnicos brasileiros em meados do século XX, são bastante diversificadas entre si, ora dando a entender que se limitaria a um estado de confusão mental por que passa o espírito após a morte, ora descrevendo-o como um "lugar espiritual" situado próximo à crosta terrestre e habitado por espíritos obsessores. Disponível em: http://www.forumespirita.net/fe/artigos-espiritas/umbral23598/?PHPSESSID=cd90f08e85df37e13dda39769df8ac3d#ixzz2IUtKIxmh. Acesso em 03.02.2013. 60 chama a atenção da moderação para que verifiquem o comentário feito pelo participante Jig Saw, que pode ser caracterizado como desrespeitoso, e o censura colocando algumas palavras em caixa alta, salientando seu significado e, por fim, defendendo a moça que morreu. Mesmo assim, o tópico sobre a morte de alguém não precisa, necessariamente, despertar algum sentimento mais afetado. Pode-se apenas escrever condolências de uma maneira bastante peculiar: coloca-se RIP (rest in peace) ou DEP (descanse em paz), simplesmente, prática mais comum e aceita pelos participantes como mais correta e, na falta de materiais como mensagens, notícias ou depoimentos de pessoas que conheciam o falecido e que mantenham a discussão, os comentários cessam e, então, a atenção dos participantes passa a ser direcionada à morte mais recente lá postada. Isso acontece quando não há identificação dos participantes com o falecido em questão, ou quando nenhuma discussão é suscitada, colocando-se apenas observações sobre a morte. Vejamos um tópico referente: Figura 7: Exemplo de postagem O enforcamento acidental ocorreu em seis de abril, Sexta-Feira Santa. Tiago representava o papel de Judas Iscariotes na peça sobre a encenação da Paixão de Cristo. Durante a representação, o ato devia subir em uma pedra do cenário com uma corda colocada em volta do pescoço para, em seguida, simular o enforcamento do personagem, conforme relata a história bíblica. Nesta cena, Tiago sofreu o sufocamento. O 61 jovem ficou aproximadamente quatro minutos desacordado até que alguém percebeu que ele estava realmente enforcado. Tiago morreu em 22 de abril após ficar 17 dias em coma profundo na Unidade de Tratamento Intensivo da Santa Cada de Itapeva (SP). Segundo a equipe do hospital, ele sofreu lesões cerebrais. Os ferimentos foram provocados por Isquemia Severa Encefálica Bilateral, ou seja, houve falta de fluxo sanguíneo no cérebro devido ao enforcamento. Reportagem: (endereço para a página do G1) Facebook: (link para o perfil do rapaz na outra Rede Social) A postagem da morte acidental deste rapaz foi construída pela notícia extraída de um site jornalístico e do link para o perfil dele na rede social Facebook, mesmo que tenha sido colocada originalmente no Orkut. O único comentário que se seguiu foi o de Descanse em Paz, representado pela sigla DEP. O comportamento, e em outros casos, seria semelhante à leitura de um obituário jornalístico apenas com a possibilidade diferenciada de ver fotos, vídeos, pensamentos e qualquer outro dado que o falecido tenha disponibilizado em seu perfil, em vida, e a partir deles, tecer comentários e julgamentos de valor. Mesmo que isto não tenha acontecido neste caso específico, o utilizamos para demonstrar que nem toda morte é amplamente comentada ou analisada, mesmo com divulgação por parte da mídia. A PGM foi definida ainda de diversas maneiras pelos participantes através das entrevistas realizadas individualmente: Conheci a PGM ainda no Orkut, não sei ao certo como fui parar lá. Sempre tive uma forte sensação sobre a morte. Frequentei durante muito tempo, mas quando entrei em depressão, por ordem médica, minha mãe vigiava meu Orkut e acabei saindo da comunidade. Ela achava que poderia me influenciar e na verdade eu concordo: não é legal uma pessoa depressiva frequentar um grupo com tantos casos de suicídios. No Facebook eu voltei, mas minha mãe não sabe que eu frequento. Não é o caso de achar a morte algo fascinante. É algo comum e pode acontecer com qualquer pessoa. A PGM mexe mais com meu lado curioso sobre como a vida é frágil. Para esta integrante, a PGM é um espaço para saber mais sobre a morte. Mas, diagnosticada com depressão, teve que se afastar da comunidade exatamente por conta dos altos índices de suicídio lá relatados. Sua família via 62 o ambiente da PGM como um local de má influência neste sentido. Mas, passado algum tempo, ela retornou para a comunidade, agora no Facebook, mas sem o conhecimento de sua mãe. Apesar do interesse, ela não vê a morte como algo fascinante, mas sim, a fragilidade da vida, que é o que realmente desperta a sua curiosidade. Um lugar que me encontro pelo desencontro da vida. Uma comunidade que passou do status de grupo para se tornar uma fuga da própria realidade vivendo por alguns momentos a realidade dos outros e opinando sobre elas como se tivesse o direito. É o alimento da curiosidade mórbida. É o escape do medo de morrer. Este depoimento mostra a PGM como um local de fuga, fuga da realidade própria do indivíduo para a realidade de outros. O interessante é que esta nova realidade é perpassada por momentos de violência e sofrimento, o que nos faz questionar a respeito da preferência mesma dessa troca. Ela foca na opinião emitida pelos outros, como se tivessem "o direito" de emiti-las em detrimento da saciedade da curiosidade, aqui colocada como mórbida e como paliativo para o medo da morte. Pra mim é algo natural ao qual vamos todos passar pelo mesmo processo, e o mais importante é que a PGM me serviu de conforto. Assim que entrei no Orkut ainda era em inglês (foi uma dificuldade), me senti aliviada com minha dor, pois tinha acabado de perder um filho assassinado e me deparei com mães que eu poderia compartilhar o meu sofrimento e isso foi muito bom pra mim, não me senti sozinha. Nesta última fala, vemos a PGM como auxiliadora no processo de aceitação da morte. A integrante tinha perdido um filho de maneira trágica, pouco antes de ingressar na comunidade, e lá encontrou outras mães que passavam pela mesma situação. Esse ponto em comum fez com que elas pudessem "partilhar" o sofrimento, aliviando um pouco a ideia de solidão que pode se seguir a um acontecimento traumático como esse. Enfim, vimos a PGM como um ambiente com diversas facetas. Através dele, pode-se procurar auxílio e conforto, partilhar ideias, expor pontos de vista acerca da vida e da morte e, principalmente, saciar a curiosidade inerente ao ser humano quando o assunto é o fim da vida. 63 O Perfil Falso ou Fake Exatamente por todas essas possibilidades, algumas pessoas preferem não expor sua real identidade na PGM e se utilizam de um perfil falso ou Fake. Definir o perfil falso é uma tarefa complicada, pois nem todos possuem o intuito de deixar essa falsidade transparecer. Por outro lado, a identificação de um perfil fake segue o preceito daqueles que desejam que a falsidade de sua identidade seja percebida logo de início. Isso acontece, principalmente, com perfis que usam nomes e imagens de pessoas famosas ou personagens de desenhos ou filmes. Sabe-se que aquele personagem é fictício; portanto, seu criador está resguardado. Dificilmente será tomado como verídico um perfil com o nome e a foto do Mickey Mouse, por exemplo. Basicamente, o propósito do perfil falso é exatamente este: proteger a identidade de seu criador. Também se pode perceber que um perfil é possivelmente falso através de outras nuanças, como por exemplo: poucos amigos, amizade com perfis declaradamente falsos, poucos recados, ausência de fotos ou fotos retiradas da internet e informações pessoais indisponíveis. Entende-se que, com a popularização do acesso às Redes Sociais, todos podem - e devem – possuir um perfil. Por isso, a pessoa que tem poucos contatos deve ter algum problema: deve ser falsa. Mesmo assim, se o indivíduo declaradamente não se relaciona com outros em seu perfil, ele está no local errado, já que o Orkut é uma rede social, e não anti-social, como brincam alguns. A pessoa que não quer se relacionar não deveria criar um perfil. Portanto, os julgamentos de valor obedecem a essa ordem. Mas, declaradamente, por se tratar de um espaço de discussão de um assunto tão estigmatizado como a morte, a PGM está coalhada de fakes. O mais importante no perfil fake é que ele é usado como escudo pelo seu usuário, que obviamente, prefere não se identificar. Este é um reflexo da sociedade individualista que vivemos, conforme também colocou Bauman (2001). No caso da PGM, este uso é recorrente exatamente pela natureza da comunidade e porque as pessoas preferem não se comprometer com o tipo de comentários que são postados lá, evitando possíveis represálias. Pode acontecer de alguém não gostar de um comentário que você fez e ir insultá-lo na sua página de recados, em seu perfil pessoal, extrapolando os limites da 64 comunidade. Este é um dos motivos para criar um perfil falso: evitar ser incomodado por terceiros no espaço que você caracteriza como seu e que está, de alguma forma, desligado daquele mostrado dentro da comunidade. Também é grande o número de pessoas que utilizam seus perfis reais, aqueles mesmos usados para contatar amigos ou deixar recados para familiares. Estas pessoas tendem a se comportar de maneira mais branda, emitindo juízos de valor mais elaborados, que justificam tal comportamento relacionado a uma discussão. É claro que, dentro desses dois tipos de usuários, podemos encontrar ainda uma gama de comportamentos adjacentes; portanto, estamos salientando apenas os mais comuns. De acordo com uma enquete criada em 200847 e aberta ininterruptamente para votação, 25% (59 votos) das 234 pessoas que responderam afirmam que seu perfil é falso, contra 75% (175 votos) que dizem que seus perfis são reais. No entanto, observamos, nas postagens da comunidade, exatamente o contrário. Afirmamos estes dados baseados na análise do discurso dos integrantes nos comentário feitos no espaço especificamente destinado a elas, na página da enquete48. Mas, como se chega a uma comunidade como a PGM? Como alguém se propõe a participar de um espaço onde serão enumerados perfis de pessoas semelhantes a nós que morreram das mais diversas maneiras? Essas perguntas, também, só podem ser respondidas em parte. Com relação à maneira com que tomaram conhecimento da comunidade, as respostas estão desatualizadas. Foram extraídas de uma enquete realizada em doze de março de 2009 pela participante Bruja49. Na ocasião, foram formuladas nove perguntas, em um tópico, que contribuíram para traçar o perfil dos participantes de então. As perguntas foram: 1) O que o levou a frequentar a PGM? 47 A resposta mais recente data de 19/12/2011. Disponível em: http://bit.ly/xZuPFb, acesso em 23.12.2011. 48 Nas enquetes, é possível responder de acordo com as opções colocadas pelo seu próprio criador e adicionar um comentário pessoal. Muitas pessoas que responderam possuir um perfil verdadeiro utilizam fotos e nomes que foram retirados da Internet, daí a nossa afirmação. 49 Este tópico-enquete foi acompanhado por mim desde sua criação, em 2009, visto que iniciei a observação da comunidade em 2008 e, a partir de então, venho recolhendo dados sobre seu funcionamento. 65 2) Você gostaria que seu perfil fosse exposto aqui depois que você morresse? 3) Você acha que é normal esta obsessão pela vida dos mortos (sic)? 4) Em uma comunidade de receita culinária ninguém usa (perfil) fake. Por que na PGM a maioria dos membros são fakes? Os membros fakes da comunidade estão tentando se proteger de possíveis represálias (por parte de outros membros ou parente de falecidos, por exemplo)? 5) Que tipo de morte chama mais a atenção quando acontece? 6) Qual a sua opinião em relação ao numero crescente (e apavorante) de suicídios nos tópicos desta comunidade? 7) Você mudaria algo aqui na PGM? 8) Você postaria a morte de um parente próximo aqui na PGM (ex: pai, mãe filhos...)? 9) Qual a sua opinião a respeito dos "DEP e RIP" eventualmente postados nos perfis dos falecidos? Isso lhe pareceria ofensivo, se o falecido fosse você ou alguém próximo? As respostas listadas a seguir foram disponibilizadas entre 22 de fevereiro e 22 de março de 2009, totalizando opiniões de 141 integrantes em 183 postagens. Sessenta e quatro por cento afirma já ter curiosidade ou interesse pelo assunto morte. Portanto, buscaram o assunto no banco de comunidades do Orkut e se depararam com a PGM. 13,47% alegam ter encontrado a PGM por acaso, quando procuravam comunidades ou informações relacionadas a outros assuntos. 8,51% não se lembram de como chegaram até lá, enquanto 7,80% afirmam ter recebido indicações de amigos ou terem visto divulgação em revistas ou outros sites. 2,83% dos integrantes dizem ter procurado a PGM quando em período de luto pela morte de pessoa próxima; 2,12% forneceram respostas indeterminadas e 1,41% resumiram sua participação pelo simples sentimento de alívio ao ver que outras pessoas (e não ela) estavam morrendo diariamente, numa clara expressão do “antes ele do que eu”. Na mesma pesquisa, chamada de entrevista pela sua criadora, é possível verificar que os integrantes acham normal o interesse pela discussão sobre a morte nas respostas à pergunta três. 75,17% afirmam que o interesse pela morte é normal, enquanto apenas 18,43% dizem que não, 2,83% não 66 sabem ou não se importam e 4,25% das respostas não puderam ser determinadas. Portanto, podemos afirmar que a principal busca dos participantes da PGM é a de, através da visualização dos perfis de pessoas mortas, possibilitar uma reflexão sobre a morte, mesmo que esta seja através da pura curiosidade. Afirmar que o curioso não se questiona a respeito do que vê ou tem vontade de conhecer seria errado, assim como afirmar que todos os participantes estão refletindo sobre a morte. Mas, algumas observações colocadas em certas situações servem como provas de que este é um comportamento comum. Temos tomado essas enquetes elaboradas por outros membros da PGM como base de análise neste estudo porque, hoje em dia50, é muito difícil contar com a colaboração dos participantes na construção desse perfil da comunidade. De alguma maneira, com o crescimento da PGM, foram surgindo muitos integrantes hostis, e aqueles que sempre contribuíram para sua manutenção, com a postagem de perfis e notícias, tem se ocupado exclusivamente disto, deixando outros assuntos de fora, o que dificulta a netnografia. Por estes motivos, pedidos de contribuição não são bem atendidos como já o foram em outras ocasiões, como pudemos comprovar anteriormente. Também podemos afirmar que a PGM é basicamente composta por usuários voyeurs, aqueles que apenas visualizam as informações ali disponibilizadas, raramente comentam alguma delas e dificilmente contribuirão para a criação de conteúdo propriamente dito; esses usuários provavelmente nunca contribuirão com um link para o perfil de alguém morto. Mesmo tendo um número grande de usuários que não postam nada, os que o fazem suplantam essa diferença. Vejamos o fluxo de postagens da PGM a seguir. Fluxo de postagens Foi possível calcular, através da observação dos autores de postagens nos seis primeiros dias de novembro de 2011, que cinquenta e nove usuários adicionaram informações à comunidade, pouco mais de 0,7% do total de oitenta e quatro mil. Infelizmente, não é possível verificar se essas postagens foram criadas em novembro ou anteriormente, já que o Orkut disponibiliza, na 50 Isto é, em 2011, antes do fechamento da comunidade. 67 lista de tópicos hospedados no fórum, apenas a data do último comentário. Para verificar o dia em que cada tópico foi criado, é necessário visitar um por um, tarefa bastante trabalhosa, visto que duzentos e oitenta e nove tópicos foram comentados ou criados nestes mesmos seis dias, caracterizando a criação/comentário de 48,16 tópicos a cada dia, 4,013 tópicos por hora. Destes duzentos e oitenta e nove tópicos, cento e doze foram abertos pela integrante "[email protected].@" e quarenta e quatro pelo "♣♠Diego Alves♠♣", residentes em Londrina e Goiânia, respectivamente, se tomarmos como fidedignas as informações colocadas em seus perfis. Para ilustrar nossa dificuldade em determinar melhor o perfil dos integrantes da PGM, salientamos que elaboramos uma enquete para descobrir os motivos pelos quais as pessoas lá representadas assistiam aos Velórios Virtuais. A enquete foi disponibilizada em oito de agosto de 2011 e oito meses depois51 só contava com dezoito respostas. Em outra ocasião52, uma enquete disponível por apenas dez dias recebeu 166 respostas. Na época, a comunidade possuía pouco mais de 65 mil participantes. Ouso afirmar que tal mobilização não era mais possível dado o crescimento do número de usuários voyeurs, o que pode ser percebido pela frequência de postagens e comentários: o número de colaboradores varia muito pouco. Apesar da estabilidade da quantidade de participantes da PGM, pode-se perceber que até a colaboração daqueles mais assíduos estava defasada. Além disto, com a ascensão do Facebook, o acesso regular ao Orkut diminuiu bastante, tendo a própria rede social se tornado motivo de chacota, termo pejorativo para alguma coisa. Uma prova disto é a utilização da expressão “Orkutização de”, geralmente colocada quando se quer dizer que algo foi popularizado em demasia, que deixou de ser exclusivo e está sendo “invadido” pelos recados prontos e spams. Mas, como colocamos anteriormente, a quantidade de participantes da PGM e sua frequência de atualização de postagens pouco sofreu com essas mudanças, até seu fim. A PGM estava em um patamar à parte que, hoje, extrapolou até as dimensões do próprio Orkut. Mas a capacidade e/ou 51 04/01/2012. Disponível em: http://bit.ly/zWIfjq. Com o fim da PGM, não foi possível verificar se mais pessoas haviam respondido à enquete nos quatro meses que se passaram após a última checagem. 52 Entre 30 de julho e 10 de agosto de 2009. 68 disponibilidade de colaboração de seus participantes foi extremamente abalada. PGMsite.com.br e Profiles de Gente Morta no Facebook Com a constante aparição da PGM na mídia e divulgação do teor de seu conteúdo, foi necessário aperfeiçoar a organização dos tópicos da comunidade, criando-se outra, intitulada “PGM – Já foi postado?53”. A medida tencionava diminuir a duplicidade de postagens, visando concentrar, na PGM, comentários sobre determinado caso apenas no tópico mais antigo ou com mais informações. Seguindo esta iniciativa, para garantir a permanência dos dados54, a usuária chamada “Ursinha Putz” começou a complicada tarefa de transferir os perfis listados alfabeticamente na “PGM – Já foi postado?” para uma base de dados fora do Orkut, hospedada no Google Docs55. A iniciativa, intitulada “Lista da Ursinha” teve continuidade até o ano de 2008. Por não ter sido possível localizar a usuária, os motivos para a interrupção das atualizações da lista são desconhecidos. Victor Pinto, outro usuário bastante ativo da PGM, resolveu dar continuidade à compilação, desta vez em uma web site intitulada “PGM Site56”, inaugurada em 2009, em endereço também externo ao Orkut, com domínio próprio. De acordo com Victor, a iniciativa surgiu por interesse em manter uma ferramenta de busca dos tópicos postados na PGM do Orkut, visto que, pela comunidade possuir conteúdo visível apenas para seus participantes, tal ferramenta dentro do Orkut é desabilitada. Aproveitando-se de seus conhecimentos na construção de sites, Victor resolveu criar a PGM Site. O contato com ele também se deu através do Facebook, visto que os usuários que ainda mantém um perfil no Orkut para a utilização da PGM só o faziam 53 A comunidade foi criada em 13 de dezembro de 2006 por uma integrante bastante ativa da PGM, chamada Cláudia Dracena, que utilizava o pseudônimo de Soninha Mattos. Em 09/12/2010, Cláudia faleceu, aos 33 anos, vítima da leishmaniose. Sua morte foi divulgada e amplamente debatida na PGM, juntamente com seu perfil, e o tópico que relata seu falecimento conta com 3002 postagens. Disponível em http://bit.ly/yJKtbt, acesso em 23.12.2011. 54 Desde 2004, o sistema do Orkut sofreu diversas modificações e passou por problemas internos. Muitas postagens da PGM já foram perdidas, inclusive dois tópicos sobre os Velórios Virtuais. 55 O Google Docs é um pacote de aplicativos que funciona on-line, permitindo aos usuários criar e editar documentos, colaborando, ao mesmo tempo, com outros usuários. 56 www.pgmsite.com.br, acesso em 04.09.2012. 69 com a finalidade de participar da comunidade e não mais de interagir com seus amigos. Figura 8 - Página inicial da PGM Site Com a popularização do Facebook no Brasil, também foram adicionados perfis de seus usuários mortos à lista da PGM Site. O site funciona basicamente como uma ferramenta de busca onde se podem utilizar tanto o nome, a causa da morte ou o link do perfil referente ao morto que se tenciona visualizar. A busca resulta não só no link direto para o perfil em questão, mas 70 também para o tópico específico da PGM onde a morte foi relatada e discutida. Mesmo assim, é necessário possuir perfil na rede social para poder acessar os perfis e comentários sobre cada morte nos tópicos da PGM. Com a extinção da comunidade no Orkut, só é possível visualizar o perfil, hoje. Mas, de toda forma, o nome da pessoa e a causa da sua morte ainda estão catalogados no site. Atualizado quase diariamente, o PGM Site é, hoje, a ferramenta mais completa para se encontrar dados de pessoas mortas citadas pela PGM no Orkut ou no Facebook. A própria PGM também migrou para a rede social criada por Mark Zuckerberg57 e tem adicionado novos participantes diariamente, contanto, com 1500 membros58. Com a interface diferente do Orkut, a PGM no Facebook é chamada de página ou grupo e não mais de comunidade. Cada perfil postado lá é chamado de publicação e as observações dos participantes são chamadas, literalmente, de comentários. Para participar, também é necessário pedir aceitação mediante autorização dos responsáveis por seu funcionamento. A adição de um novo participante é automaticamente postada na página principal do grupo, seguindo a fórmula “Fulano de Tal foi adicionado por Sicrana de Tal”. Foi possível identificar três principais responsáveis por aceitar/declinar os convites de adesão: Victor Pinto59, Julyana Oliveira60 e Dani Andrade61. Como a página no Facebook ainda é nova, a quantidade de participantes é pequena se comparada à comunidade original no Orkut, o que faz com que as discussões girem em torno, basicamente, de informações sobre as mortes lá divulgadas, sem terem surgido, ainda, outras transversais como as que observamos anteriormente. O que podemos dizer é que a nova discussão sobre a morte inaugurada com a virtualidade e as impressões pessoais sobre o morrer dos participantes da PGM extrapola os domínios originais do virtual. O assunto não está restrito àquele endereço respectivo: é capaz de mudar, se transformar e se adequar às necessidades daqueles que contribuem para seu desenvolvimento, como 57 http://on.fb.me/x7vH3O, acesso em 20.01.2012. Em 20/01/2012, acesso em 20.01.2012. 59 http://on.fb.me/ywlmbC, acesso em 20.01.2012. 60 http://on.fb.me/Ae0xN3, acesso em 20.01.2012. 61 http://on.fb.me/xWI3Gh, acesso em 20.01.2012. 58 71 pudemos expor ao etnografar a comunidade em questão. Em suma, a linha do tempo da PGM foi construída como qualquer empreendimento bem sucedido: inauguração (2004), ramificações (2005-2006) ascensão (2006-2008), auge (2008-2009), período estável (2008-2009), declínio (2010-2011) e extinção (2012). A extrapolação da comunidade para outra rede social e para um domínio externo nos fala muito sobre a curiosidade do internauta atual sobre a morte e o morrer. Além disso, em 26 de abril de 2012, Guilherme Dorta, o responsável pela PGM original, criou outra versão da comunidade62, visto que a primeira foi extinta. Hoje, conta com 1.473 usuários e tem o funcionamento idêntico. Vamos nos debruçar agora sobre a comunidade dos Velórios Virtuais, desdobramento da PGM e que é o foco principal da nossa pesquisa. Disponível em: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=122228887, acesso em 23.12.2011. 62 72 Capítulo 3 - Vendo a Morte dos outros: os Velórios Virtuais Velando Virtualmente – o que é um Velório Virtual Agora o homem está só diante dos outros homens e de Deus, e será inteiramente responsável por sua "salvação". Não há mais confissão, nem compadrio, nem purgatórios, nem indulgências, rezas ou missas que os outros possam realizar por sua melhoria moral. Em outras palavras, não há nenhuma mediação realizada por meio das relações pessoais, tornandose diretas as falas dos homens com Deus! Conforme nos diz Weber, ecoando estranhamente Feuerbach, tudo isso traz uma 'inacreditável solidão interna do indivíduo' (DAMATTA, 1991, p. 122). DaMatta afirma que, na hora de sua morte e nos eventos que se imagina o desenrolar após seu acontecimento, o homem está completamente só, não possui intercessores que talvez lhe auxiliem. Onze anos depois, podemos afirmar que a solidão do morto permanece: mas é possível que possua uma plateia, ao mesmo tempo semelhante e completamente destoante da que acompanhava o moribundo, em seu leito de morte, até seu último suspiro (ARIÈS, 1988). A plateia que aqui nos referimos pode não estar interessada no que aconteceu com o morto, não precisa nem mesmo conhecê-lo. Trata-se da plateia invisível composta de internautas por intermédio da exibição dos Velórios Virtuais. Esta plateia possui pessoas que podem estar há quilômetros de distância ou na casa ao lado, mas que estão acompanhando o velório através dos seus computadores. Como assim? Imagine o leitor, então, um velório tradicional. Um velório comum, sem elementos que fogem ao padrão: flores, muitas ou algumas pessoas, um ambiente descaracterizado e padronizado, de cores claras, cruzes, cadeiras. E, claro, um caixão com um corpo morto em seu interior. O caractere que muda tudo é a presença de uma câmera, simples, como as de circuito interno utilizadas para segurança de empresas e residências. Certamente já nos deparamos várias vezes por dia com uma deste tipo, acompanhadas, muitas vezes, da plaquinha que diz: "sorria, você está sendo filmado". No ambiente do velório, a plaquinha não existe, mas, sim, os indivíduos estão sendo filmados, e 73 suas imagens estão sendo transmitidas, em tempo real, através de streaming63, pela Internet, disponibilizadas no site da empresa funerária contratada pela família para tomar conta do tratamento do corpo até o seu enterro. Mas qual a maior razão para a contratação de um serviço como este? Primeiro, vamos falar sobre as duas empresas por nós escolhidas para a análise neste trabalho, o Grupo Vila e a Urbanizadora Municipal S.A. (ou Urbam). Estas são as empresas com Velórios Virtuais mais visualizados pelos usuários das comunidades PGM e Velórios Virtuais. O Grupo Vila, empresa funerária fundada em 1948, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, foi pioneira no ramo, no Nordeste, em diversos aspectos, dentre eles o Cemitério do tipo Parque64, plano de assistência funeral65 e o próprio Velório Virtual, sendo a primeira empresa a oferecer este tipo de serviço no Brasil. A empresa assim explica o serviço de Velório Virtual por ela prestado: O Velório Virtual é uma forma de diminuir a distancia de familiares e amigos que por algum motivo estão longe e não podem acompanhar o velório no local. Criado para atender aos que querem compartilhar com os presentes o momento de despedida de um ente querido, o serviço de Webcam oferecido pelo Grupo Vila desde 2001 é pioneiro no Brasil. A partir de uma solicitação da família, o serviço será disponibilizado e as imagens do velório passarão a ser transmitidas pelo nosso portal, por meio de uma câmera instalada no local, permitindo que o velório seja acompanhado à distância. Para dar mais segurança e comodidade ao cliente, o serviço tem acesso restrito, mediante senha, aos familiares e amigos autorizados. Pode-se também enviar mensagens eletrônicas que serão entregues aos familiares presentes no velório. 63 Técnica que permite ao usuário ver ou ouvir o conteúdo de um arquivo enquanto ele é enviado pela Rede Mundial de Computadores, sem ter que esperar o download total do arquivo. 64 Que possui placas no solo demarcando o local de cada túmulo, ao invés de cruzes, anjos e todas as outras figuras que compõem um cemitério tradicional. 65 Plano criado em 1994 que, em seu surgimento, de acordo com o site da empresa, era "voltado para clientes de baixa renda que, no momento de se despedirem de um ente querido, não tinham condições financeiras para o funeral". Hoje, expandido, compreende também assistência não só na hora da morte, mas durante a vida, como um plano de saúde. 74 O Velório Virtual atualmente transmite imagens de velórios realizados na capela central do Centro de Velório São José, em Natal, na capela central da Funerária Morada da Paz, em João Pessoa, e na capela central do Cemitério Parque Morada da Paz, em Recife66. A empresa começa justificando o oferecimento do serviço de Velório Virtual como uma ferramenta que possibilita aos familiares e amigos ausentes acompanharem o último adeus ao morto através de seus computadores. Essa viabilização da visualização do velório, mesmo que através de um computador, pelas pessoas próximas ao falecido, nos remete à necessidade do acompanhamento do corpo até o seu enterro, prática enraizada na cultura ocidental (ARIÈS, 1988, 1989, 1989a) e brasileira conforme nos conta o historiador João José Reis (1991). No século XIX, quando os velórios ainda aconteciam na residência do morto, eram usados diversos artifícios para anunciar o acontecimento. A morte de alguém era então exposta à comunidade através da decoração funerária, composta por panos e flores fúnebres dispostas à entrada da residência como aviso de que a morte ali se encontrava. Não obstante, eram também enviados convites aos amigos e pessoas importantes, para que pudessem "abrilhantar" (REIS, 1991, p.129) o funeral. Então, as pessoas eram, de fato, convidadas a tomar parte no velório e no cortejo fúnebre até o local do enterro. Estes convites eram escritos à mão e entregues por pessoas contratadas para tal serviço. Reis salienta ainda outros comportamentos adquiridos pela família no momento do velório e após a realização do enterro, como o comportamento a ser tomado durante o período de luto. Com isso, afirma: "pode-se ver - e era tudo feito para ser visto - que não era pouca a energia gasta pela família e pessoas próximas nessa parte doméstica do funeral. A tudo isso se somava o próprio luto" (REIS, 1991, p. 132). Hoje, embora o processo aconteça rápido demais - os costumes da sociedade contemporânea, regidos pela lógica da higienização, querem que o processo entre o morrer e o enterro seja rápido e o mais invisível possível (Ariès, 1989a) - a curiosidade e a vontade de despedirse dos mortos são grandes. Se antigamente se acreditava que um cortejo 66 Disponível em http://www.grupovila.com.br/velorio-virtual/, acesso em 03.02.2013. 75 numeroso era bom para o morto, isso parece ainda acontecer hoje, embora com nova roupagem e de forma invisível e anônima, com o mesmo ímpeto e interesse e, inclusive, com rezas e despedidas para os que morreram e votos de condolências para os que o perderam, pois o Velório Virtual não é somente acompanhado pelos familiares e amigos do morto, mas também - e principalmente - por desconhecidos. Como isto acontece? A empresa descreve a contratação do Velório Virtual como um processo simples, o que foi, de fato, verificado. Para contratar o serviço com o Grupo Vila, a família paga um valor de aproximadamente cento e vinte reais67 e assina um termo que permite a transmissão das imagens, em tempo real, no site destinado para este fim. Mas a visualização controlada deste momento não é totalmente privada, isto é: pode ser vista por qualquer pessoa que acesse o site no momento em que o velório está sendo realizado. Como a transmissão é realizada através de streaming, isto é, em tempo real, só é possível ver o Velório Virtual enquanto o velório de verdade acontece. As imagens não são gravadas e a câmera, fixa em um único ponto68, permite que se tenha uma visão geral do local. Pode-se acompanhar todo o evento de acordo com seu tempo de duração (geralmente até 24 horas, como reza o costume brasileiro). As localidades onde os Velórios Virtuais são oferecidos pelo Grupo Vila - Natal, João Pessoa e Recife - são de extrema importância: são as capitais dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, grandes centros com populações de 806.20369, 742.47870 e 1.555,03971 de habitantes, respectivamente. Mesmo assim, o que pode contribuir para a popularização do Velório Virtual é, simplesmente, a possibilidade de fazê-lo. A outra empresa que realiza os Velórios Virtuais mais visualizados pelos integrantes das comunidades estudadas é a Urbanizadora Municipal S.A., ou Urbam, localizada na cidade de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, região do interior do estado de São Paulo. A cidade tem uma taxa de violência 67 Cotação realizada com a empresa através de e-mails. Existem funerárias que disponibilizam mais de uma câmera por sala de velório, mas ainda são poucas. 69 De acordo com o Senso de 2008 70 De acordo com o Senso de 2012 71 Idem 68 76 elevada e possui 636.876 habitantes72. A Urbam é uma sociedade de economia mista, fundada em 1973, tendo a Prefeitura Municipal de São José dos Campos como maior acionista. É responsável pela administração e manutenção da limpeza na cidade e também pelo complexo Funerário de São José dos Campos. A Urbam assim justifica o oferecimento deste serviço: VELÓRIO VIRTUAL Nesta seção você poderá acompanhar o velório de um ente querido pela internet. O velório virtual é um serviço oferecido pela Urbam às famílias que utilizam qualquer uma das quatro salas de velório do Complexo Funerário de São José dos Campos. Este é um recurso moderno e inovador por meio do qual as famílias podem fazer uso da tecnologia para romper a barreira da distância física, permitindo àqueles que estão longe compartilhar do momento de despedida do ente querido. A partir de uma câmera conectada à pagina de internet da URBAM são disponibilizadas imagens do velório em tempo real. Também é possível enviar mensagens de condolências para a família através do link de e-mail. O serviço de velório virtual só é liberado quando a família autoriza a transmissão junto à administração da Funerária73. Ao colocar que "Nesta seção você poderá acompanhar o velório de um ente querido pela internet", a empresa está presumindo que somente conhecidos assistem aos Velórios Virtuais, o que, como já falamos, não é o caso. Não só os familiares e amigos da pessoa que está sendo velada estão presentes no Velório Virtual; os desconhecidos também são beneficiados por este "recurso moderno e inovador por meio do qual as famílias podem fazer uso da tecnologia para romper a barreira da distância física", e também permite "àqueles que estão longe compartilhar do momento de despedida do ente querido" - do ente querido dos outros. 72 Dados do IBGE de 2011. Disponível em: http://urbam.com.br/SiteNovo/Funeraria/VelorioVirtual.aspx, acesso em 03.02.2013. 73 77 Então, o Velório Virtual é explicado de maneira simples, ao descrever a disposição da câmera nas salas de velório do Complexo Funerário de São José dos Campos e alertando sobre a possibilidade do envio de mensagens de condolências para a família enlutada em questão e da necessidade da autorização desta para a realização da transmissão do Velório Virtual. Uma coisa que a Urbam não informa é que este serviço é gratuito, ao contrário do oferecido pelo Grupo Vila, e também não é protegido por senha. Em suma, ambos funcionam da mesma maneira e são observados pelos integrantes da PGM e da comunidade Velórios Virtuais, sobre a qual falaremos agora. Netnografia da comunidade Velórios Virtuais Em 2007, uma integrante da PGM chamada Kyria criou um tópico Off para a visualização de Velórios Virtuais. O serviço, então, praticamente desconhecido, rapidamente chamou a atenção dos participantes da comunidade, contribuindo para o rápido crescimento do interesse pelo assunto, como já informamos. O Velório Virtual é a transmissão on-line, em tempo real, de um velório real. São instaladas câmeras (uma ou mais) no local onde a pessoa está sendo velada e as imagens são disponibilizadas através da Internet para determinadas pessoas, com acesso restrito, ou abertas ao público, mediante autorização da família. No entanto, em duas ocasiões, por panes internas no sistema do Orkut, o tópico da PGM foi apagado, sendo recriado em 2009 e utilizado desde então como o local padrão para a visualização dos Velórios Virtuais e discussão acerca da morte. Ainda em 2007, foi criada a comunidade destinada apenas para a visualização dos Velórios Virtuais, externa à PGM. O funcionamento da comunidade é semelhante ao da PGM e muitos de seus integrantes são oriundos do último espaço. No entanto, não existem padrões de postagem: os links para as câmeras das empresas funerárias estão listados em um único tópico74, onde também são tecidos os comentários dos participantes. Existe um tópico importante que busca sanar dúvidas mais comuns em relação aos 74 O tópico chama-se “Velório Agora” e foi criado em 22/11/2008, contando com 3978 postagens. Disponível em: http://bit.ly/ykEHci, acesso em 03.02.2013. 78 Velórios Virtuais e ao próprio funcionamento da comunidade. O tópico é intitulado "Respostas para perguntas idiotas". As respostas que lá estão dispostas são para as seguintes perguntas: Figura 9 - Tópico com perguntas e respostas sobre os Velórios Virtuais A linguagem utilizada pela criadora e administradora da comunidade, chamada Kirya, é completamente diferente daquela empregada pelos responsáveis pela PGM. Ela utiliza um tom mais direto e menos diplomático, muitas vezes até proferindo xingamentos contra os usuários que encontram dificuldades em visualizar os Velórios Virtuais. Vejamos a transcrição abaixo, seguida por sua análise: Por que não abre nada, nenhum link? -Porque no momento não tem nenhum velório... Por que o velório está tão parado? -Porque o defunto está morto, senão ia ser mais animado... Será que vai enterrar o defunto hoje? - Não, eles vão esperar começar a feder primeiro... Por que não tem áudio (som). - Porque não é festa. 79 Onde é esse velório? -Se a anta analfabeta ler vai descobrir rapidinho... Esse velório é gravado? -Não, é ao vivo, mesmo o defunto estando morto. Continuação... (Essa é a pergunta clássica). Quando vai ser o próximo velório?-Depende, vc vai matar alguém? *Agora me fala: -Como eu vou saber que hora as pessoas vão morrer? Por favor, não comentar nesse tópico, só upar... Os comentários vão ser apagados, para atualização do tópico. Cada dia que passa, aparecem mais perguntas idiotas. Atualização. Quem é o morto? -Aquele que está dentro do caixão. O QUE É UP? -Pra subir o tópico75. As questões que a moderadora tenta responder são diretamente ligadas à visualização dos Velórios Virtuais. São perguntas que surgem por se tratar de um assunto novo e ainda desconhecido, e que muitas pessoas creem não ser verdade. Analisando as postagens no tópico para a visualização do Velório Virtual, comprovamos que as pessoas que fazem esse tipo de pergunta são as que ainda não assistiram a um ou o estão fazendo pela primeira vez. As páginas das empresas funerárias apenas deixam as câmeras das salas de velório quando existe, de fato, um velório com transmissão autorizada sendo realizado. Esta informação é desconhecida pelos usuários de primeira viagem, daí a existência da primeira pergunta. No entanto, houve um episódio em que a câmera ficou ligada e uma festa de aniversário de um dos funcionários foi flagrada pelos participantes da comunidade. Um dos integrantes mais ativos, chamado Pintinho, salvou o vídeo e o editou em seu computador, colocando uma música da Xuxa como trilha sonora. O vídeo foi exibido na comunidade depois de editado, como mostra a imagem abaixo: Disponível em: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=36418721&tid=5296592517494429346. Acesso em 24.05.2012. 75 80 Figura 10 - Divulgação do vídeo de aniversário na funerária A moderadora Kirya comenta: Festa de níver na funerária... Ontem aconteceu uma coisa inusitada... Teve uma festa de niver na sala de velório, essa mesa de acrílico no centro é onde colocam o caixão, com direito a balões e parabéns escrito na parede....kkkkk Eu achei só meio bizarro... A sala de velório é em Recife - PE. Vídeo com sonorização da Xuxa, isso coisa do Pintinho que gravou... kkkkk http://video.google.com/videoplay?docid=2399596596592661884 *Detalhe que o povo nem sonha que tinha um monte de gente acompanhando a festa on-line... kkkkkkkk O fato da festa de aniversário ter sido realizada em uma das salas de velório foi o aspecto mais curioso; se é uma prática comum dos funcionários ou se foi uma piada preparada para o aniversariante, nós nunca saberemos. Até o comentário de Kirya a respeito do desconhecimento dos convivas sobre estarem sendo filmados durante a festa pode ser tomado como aplicável ao 81 próprio Velório Virtual. É possível que nem todos os presentes, em pessoa, no velório, saibam que estão sendo filmados e, portanto, tomando parte em um Velório Virtual. A existência de velórios que não são tão "movimentados" também é motivo de questionamento; se o local está vazio, mesmo o internauta que vê o Velório Virtual pela primeira vez possui em seu imaginário a ideia de que este é um momento de despedida e que deve contar com a participação do maior número possível de pessoas, como reza o costume (REIS, 1991). A resposta seca da moderadora, "Porque o defunto está morto, senão ia ser mais animado", não condiz com as reais possibilidades que estão nas entrelinhas dessa ausência. Os motivos podem ser diversos e nem sempre é possível determinar o quê, de fato, aconteceu. Mas é nestes momentos que vemos que a curiosidade desperta outros sentimentos nos usuários durante a visualização do Velório Virtual: Figura 11 - Observando os Velórios Virtuais Os dois primeiros integrantes desejam que os corpos velados, de duas crianças, descansem em paz; o terceiro reflete sobre o fim da vida, colocando- 82 o como "triste" no caso de uma morte prematura, mas rapidamente interrompe sua reflexão ao perceber a presença de outra criança de colo no local do velório: "quase meia noite... absurdo. Não há necessidade", finaliza. A resposta ácida em relação à pergunta de quando será realizado o enterro - "Será que vai enterrar o defunto hoje? - Não, eles vão esperar começar a feder primeiro" - reflete também a dificuldade de se determinar a duração de um velório que está sendo transmitido. O costume brasileiro reza que o sepultamento deve ser realizado não antes das 24 e nem depois das 36 horas da ocorrência do óbito, mas não existe uma norma fixa quanto à duração do Velório. Portanto, cabe à família decidir o que fazer durante este período. O mais comum é que se realize o velório durante 24 horas, exatamente para que todos tenham a possibilidade de se despedir do falecido. Na ocasião da realização do Velório Virtual, quando se sabe que parentes e amigos que estão distantes não poderão chegar ao local, é ainda mais comum que essas 24 horas sejam cada vez mais reduzidas. A pergunta sobre a ausência do áudio no Velório Virtual também é pertinente e a resposta "Porque não é festa" não corresponde à realidade. A ausência do áudio é justificada, mais uma vez, pela tentativa de preservação da privacidade dos envolvidos no velório. Sem o áudio, não ouviremos o choro dos parentes e amigos, nem os comentários deles sobre a pessoa que partiu. Estes dados, no entanto, podem ser encontrados caso os envolvidos possuam perfis no Orkut e no Facebook, por exemplo, e usem o perfil do falecido como meio de expressar essas mesmas ideias. Mas, ao mesmo tempo, nos perguntamos: as imagens já não são uma quebra dessa privacidade? No tocante ao local onde o velório está sendo realizado, é possível sabêlo na própria página onde o Velório Virtual está sendo transmitido, pois esta informação é disponibilizada junto às imagens, no caso dos velórios do Grupo Vila e, no caso dos da Urbam, é notório que são os que acontecem em São José dos Campos. O Velório Virtual, de fato, não é gravado; é transmitido ao vivo, "mesmo o defunto estando morto", de acordo com as palavras da moderação. Mesmo assim, esta é uma dúvida também pertinente por ser possível encontrar gravações desses velórios em sites de transmissão de vídeos, como o YouTube, por exemplo. Os vídeos de Velórios Virtuais disponibilizados lá foram 83 salvos e colocados no site por pessoas alheias às empresas funerárias, já que, institucionalmente, a gravação nunca ocorre. A disponibilização desses vídeos em outros locais acontece para que se possa ver como é um Velório Virtual sem ter que esperar pela realização de um, ao vivo. Com a gravação, muitas vezes de apenas alguns minutos, pode-se ter uma ideia de como é sua realização. Assim, o internauta pode decidir se tem interesse em assistir ao Velório Virtual de verdade, que, como já falamos, pode durar até 24 horas. Sobre a realização do próximo velório: esta também é uma questão imprevisível. A transmissão do Velório Virtual depende não só da morte de alguém, mas, principalmente, da contratação do serviço pela família. É impossível determinar uma frequência para a sua disponibilização, daí ser comum o fato de algumas pessoas passarem dias para finalmente conseguirem assistir a um - como é o caso da integrante chamada Sofia, que esperou duas semanas, conforme veremos adiante. Finalmente, a pergunta que muitos integrantes perseguem resposta com afinco: quem é o morto? Não, não é só distinguir, entre os presentes, que é aquele cujo corpo está depositado no caixão. Os participantes da comunidade querem informações, querem saber quem aquela pessoa foi, o que fazia, e, em alguns casos, até como a família está lidando com a sua perda. No caso de assassinatos e crimes que são divulgados pela mídia, essas informações são facilmente acessadas. Em casos de morte natural ou não noticiadas, o trabalho detetivesco é voltado para os obituários dos jornais locais - uma vez que se saiba onde o velório está sendo realizado, ou nos próprios sites das empresas funerárias. Assim, podemos encontrar informações padronizadas que podem servir de ponto de partida para o integrante mais curioso: Figura 12 - Informações sobre o morto 84 Em posse do nome do falecido - no caso da imagem, Adhemar Lobao, falecido em 17/02/2012, aos 73 anos, pode-se colocar o nome em um site de busca e encontrar mais informações, se disponíveis, sobre ele. Mas isso depende da curiosidade dos que estão assistindo ao Velório Virtual e se há algum indício de que a morte aconteceu por motivos não naturais, como homicídio, acidente de trânsito ou suicídio. Apesar de também abrir espaço para discussão de assuntos transversais aos velórios e possuir tópicos que falam sobre mumificação, cemitérios famosos e enterro de anões, a movimentação da comunidade reside na própria visualização dos Velórios Virtuais, o que vem acontecendo com menor intensidade desde 2010, quando o Facebook superou o Orkut em popularidade entre os internautas. A comunidade sofreu uma baixa na quantidade de integrantes - em outubro de 2011 possuía 4.275; em janeiro de 2013, possuía 4.040. Mesmo assim, podemos encontrar as reflexões dos participantes sobre o próprio serviço e a ânsia dos novatos em assistir aos Velórios por pura curiosidade: Figura 13 - Ânsia em assistir ao Velório Virtual Nesta imagem, vemos a participante chamada Sofia dizendo: "Até que enfim peguei um velório aqui! Tava morrendo de curiosidade!". E é exatamente 85 a curiosidade que funciona como estopim para a visualização do Velório Virtual de um desconhecido. Assim, é possível analisar todos os aspectos com uma visão distante e, muitas vezes, fria. Analisa-se o caixão, a quantidade de flores, de pessoas, se estão vestidas de preto, se conversam, se tem qualquer atitude descontraída. Aqui, vemos uma discussão sobre a cor do caixão: Figura 14 - Discussão sobre a cor do caixão A primeira a comentar, coincidentemente, é uma integrante em luto, pois substituiu seu nome próprio por esta palavra exatamente para indicar o momento em que está vivendo, que recentemente perdeu alguém querido, prática comum nas Redes Sociais. Ela diz: "também queria saber se é uma criança, a imagem está ruim". Logo depois, pergunta: "Tem velório agora, tem alguém aí?" A integrante chamada Denise responde, dizendo que está assistindo e que o caixão é branco, portanto, deve pertencer a um jovem. Após a menina em luto afirmar que, pelo local estar vazio, o velório deve se estender por toda a madrugada, a Denise volta, após pesquisa, e coloca a possibilidade do defunto não ser uma criança, mas sim uma freira exatamente por causa do caixão ser branco, ter muitas senhoras em volta e o nome da pessoa sendo velada ser o mesmo de um usuário do Orkut, o qual ela fornece o link para o perfil, e é da mesma cidade onde o Velório está acontecendo - no caso, Passo 86 Fundo, em Minas Gerais. Em seguida, temos a opinião da integrante Solit@ari@, que diz que "o caixão não é branco... o véu dá a impressão de ser branco, mas é marrom...". assim, percebemos o distanciamento através da importância dada a cor do caixão em contrapartida à identidade do falecido. Mas o morto é minuciosamente observado, sim, não passa desapercebido: mesmo sem informações mais detalhadas sobre a causa da morte, é especulado se é homem, mulher, idoso ou jovem, se aparenta estar dormindo ou até mesmo sorrindo, como podemos ver na imagem abaixo: Figura 15 - Especulações sobre o defunto A participante chamada Ana Lopes chama de "maquiavélica" a expressão do cadáver, que aparentemente está sorrindo. Já a Lady Épica comenta que "até que enfim" está assistindo a um velório desses, como se já estivesse tentando fazê-lo a algum tempo. E aproveita para comentar sobre a quantidade de presentes, fazendo a analogia entre popularidade e acompanhamento na hora da morte. É notório que uma pessoa querida terá muitas outras em luto pela sua partida; portanto, o velório estará cheio. Mas, neste caso, como só existem quatro presentes, ela conclui: "Parece que a pessoa não era lá muito querida, porque se tiver quatro pessoas na sala tem muito". 87 Vemos, em seguida, a participante Sofia comentando: "preciso pegar um velório desses!", pois estes comentários foram feitos no dia 7/10/2011 e somente no dia 22/10/2011, ou seja, quinze dias depois, como mostra a imagem anterior, foi que ela conseguiu finalmente sanar sua curiosidade. Temos mais exemplos da postura dos integrantes da comunidade quanto à análise do corpo no caixão nas imagens seguintes: Figura 16 - Observações sobre o corpo no caixão No dia 13/10/2011, a integrante Denise Maróstica começa dizendo: "Parece que um deles é bem fortinho, pois o caixão é bem grande". Como não se seguiram mais respostas a este comentário, ela voltou, dois dias depois, para comentar sobre outro velório: "Velório agora... acho que é uma senhora." Desta vez, a participante Mirela Oliveira também está acompanhando o acontecimento e confirma: "Realmente é uma senhora... mas eu acho que a última roupa que a pessoa vai vestir não precisa ser preto... (risos)... devia ser muito querida!". A partir desses comentários, podemos verificar que o funcionamento da comunidade é, basicamente, este: 1) um ou mais usuários da comunidade disponibiliza o link para o Velório Virtual no tópico especialmente destinado para este fim, 2) os integrantes que estão on-line, naquele momento, clicam no link e assistem a ele na página das funerárias, 3) voltam para o tópico e, lá, fazem comentários, alternando a visualização do velório e a "conversa" iniciada por ele no tópico. O esquema se repete até que o Velório em questão chegue ao fim ou que outro se inicie. Mas, quais são os motivos que levam essas pessoas a assistirem aos Velórios Virtuais de desconhecidos? A partir de enquetes e entrevistas realizadas com 52 e 10 usuários, respectivamente, temos algumas respostas, expostas e analisadas a seguir. 88 Principais motivos para velar desconhecidos Colocadas todas essas informações do funcionamento da comunidade e do comportamento de seus integrantes, nos perguntamos: mas quais seriam os motivos pra velar virtualmente um desconhecido? Como a resposta para esta pergunta não pôde ser encontrada nos comentários exibidos abertamente nos tópicos sobre os Velórios Virtuais, realizamos enquetes e entrevistas com alguns participantes. Em primeiro lugar, criamos uma enquete geral, utilizando uma ferramenta disponibilizada pelo próprio Orkut, aberta para todos os integrantes da comunidade Velórios Virtuais. A enquete ficou disponível para votação entre 06/08/2011 a 06/08/2012. Nestes doze meses, recebemos respostas de cinquenta e dois usuários, número baixo se levado em consideração o universo de quatro mil pessoas. Mas este número é justificado também pelo movimento decrescente da comunidade com a popularização do Facebook, que já mencionamos anteriormente. Os resultados obtidos foram: Figura 17 - Enquete sobre a visualização dos Velórios Virtuais A maioria - 29 integrantes ou 56% - declara assistir aos Velórios Virtuais por Curiosidade Mórbida; ou seja, curiosidade diretamente relacionada à morte. A curiosidade pelo fim da vida é uma característica comum, inerente ao ser humano, pois "a morte é algo compartilhado e nós devemos saber como compartilhá-la entre objetos tanto quanto entre os homens"76, já nos disse Baudrillard (1993). 76 Tradução livre da autora. 89 A visualização do Velório Virtual de um desconhecido como ferramenta para auxiliar na superação da perda de um ente querido foi votada por apenas duas pessoas, formando 4% dos participantes. Esta hipótese foi construída a partir da possibilidade de internalizar a ideia da perda através da constatação de que outras pessoas também a estão sofrendo naquele momento, uma expressão que pode revelar necessidade de aceitamento, mesmo que íntimo, ao perceber que não se está só naquele período. Mesmo que as pessoas que estão sofrendo com a perda de um ente querido, mostradas no vídeo pela ocasião do Velório Virtual também sejam completamente desconhecidas, são modelos, exemplos de que o fim da vida chega para todos. A terceira opção - Curiosidade por coisas diferentes - foi a segunda mais votada, somando 19 votos ou 37% das opiniões. Com esta visão, buscou-se tomar o Velório Virtual como algo esdrúxulo e curioso, sendo a sua novidade mesma a principal razão para o despertar da curiosidade em relação à sua visualização. Esta é uma clara exemplificação da curiosidade ligada às coisas novas e diferentes, não necessariamente relacionadas à morte. Por fim, foi deixado em aberto, na quarta opção, outro motivo, alheio aos outros três, pra a justificativa da visualização do Velório Virtual. Por este motivo, foi colocado como "Outro", e pedimos para que fosse especificado nos comentários. Apesar de ter recebido dois votos, somando também 4% dos participantes, eles não foram explicitados. Assim, ficamos sem saber quais outras razões poderiam ser estas. Como não é possível identificar qual usuário optou por determinado voto, não pudemos buscar detalhamentos dessas respostas, deixando, então, a partir da enquete, as três primeiras opções como as razões mais comuns para tal comportamento. Seriam elas: 1) Curiosidade Mórbida; 2) Superação da perda de um ente querido e 3) Curiosidade por coisas diferentes. Levando nosso trabalho netnográfico mais adiante, acionamos os integrantes com quem já tínhamos estabelecido contato preliminarmente, notadamente os que tinham participação mais ativa. A partir da observação das postagens na comunidade, verificamos os participantes mais colaborativos e entramos em contato, diretamente com eles, através de mensagens privadas enviadas para seus perfis na rede social. Com o consentimento de colaborar para nossa pesquisa, fomos fortalecendo o vínculo através de conversas que, 90 muitas vezes, possuíam conteúdo pessoal, nem sempre voltado exclusivamente para a coleta de dados. Essa coleta foi feita de forma gradual, com dez pessoas. O foco era exatamente os Velórios Virtuais, e as conversas, desta vez, realizadas através do Facebook, dada a grande quantidade de pessoas nesta rede social ao invés do Orkut. Esses participantes foram acionados através do bate-papo, e as conversas foram estabelecidas entre os anos de 2011, 2012 e início de 2013. Novamente, a curiosidade se fez o fator mais tomado como estopim para a visualização do Velório Virtual, mas a Curiosidade de forma geral, muitas vezes confundida e misturada com a curiosidade mórbida, esta tomada como um produto daquela. Vejamos este depoimento: Um desconhecido é alguém que você nunca viu na vida, nunca nutriu um sentimento, mesmo sendo doloroso é uma coisa fria assistir um Velório Virtual de uma pessoa que você nunca viu na vida; e ela está ali naquele lugar que um dia um conhecido seu já esteve ou vai estar - uma capela mortuária. Dá um aperto no coração, mas não dá vontade de chorar, se você frequenta o site de Velórios Virtuais sempre isso acaba se tornando tão comum - Você diz: Ah, nunca vi tal pessoa mesmo... Não ligo, estou aqui mais pela curiosidade, tipo: nossa, morreu como? De quê? - Não tem quase ninguém ali, que triste... E por aí vai. Curiosidade pelo mórbido apenas... No caso de uma pessoa conhecida, você já teve contato alguma vez com ela, então se torna surpreendente saber que essa pessoa faleceu. Já estive em três velórios na vida e um deles era do filho de 13 anos de um amigo da minha família, eu só tinha visto ele umas duas vezes na vida, e no velório dele eu chorei como se ele fosse da minha família. Há uma coisa mais pessoal, com certeza. Quando meu padrasto morreu eu achei inacreditável, as pessoas me contavam e quando eu fui à capela mortuária eu tive a comprovação: aquele cara forte, que era militar, estava ali em um caixão. Doeu demais. A dor de quem perde alguém conhecido é imensa se comparada à dor de um desconhecido que está ali sendo velado. São mundos diferentes: um virtual, outro real e mais doloroso. O ponto de vista desta moça é bastante contundente: afirma que a visualização do Velório Virtual de um desconhecido pode levar à identificação pessoal somente por conta da morte, por ser um momento que todos nós teremos que enfrentar, um dia. Mas não desperta sentimentos mais profundos. 91 O que faz com que se assista a tal transmissão é a curiosidade em saber o que aconteceu, de fato, com a pessoa que morreu. Ela faz uma relação com o velório de uma pessoa conhecida, seja este virtual ou não, e relata experiências próprias, colocando a morte, nestes casos, como algo inacreditável, que só é apreendido no momento em que se vê o corpo no caixão. A dor da perda, então, só existe no caso de alguém com quem se conviveu, com quem se partilhou momentos. O Velório Virtual realmente pertenceria a um mundo diferente do real exatamente por esta separação; o velório real ou Virtual de um ente querido está bem mais próximo não só por conta da presença física - sua ou de pessoas conhecidas - mas mais pela parte psicológica, pelos momentos que já foram partilhados anteriormente com o falecido. No ponto de vista desta outra moça, não existem diferenças entre o Velório real e o Virtual, e mais: os participantes da PGM podem ser tomados como doentes: Não vejo diferença, penso que é igualmente as situações, nunca perdi alguém tão próximo, mas não acho que tenha diferença, a indiferença de alguns com isso é a mesma, todos participam, mas ninguém quer estar lá. Na minha opinião, todos que tem fascínio pela morte (digo isso pelo grupo PGM) ou tiveram uma experiência com a morte ou são possíveis suicidas, todos sem exceção tem uma perturbação ou transtorno mental. Talvez a falta de percepção desta moça para as diferenças entre os velórios reais e virtuais resida no fato de que ela mesma nunca perdeu alguém tão próximo, como afirma em seu depoimento. Seja real ou virtual, ninguém quer, a seu ver, estar num velório, mesmo que dele participe. Ela coloca a curiosidade pela morte expressa no ambiente da PGM e na comunidade Velórios Virtuais como algo derivado de dois fatores: da experiência de ter perdido alguém ou como algo doentio, propenso ao suicídio, chegando a colocar esse comportamento como "perturbação ou transtorno mental". Aqui, temos a fala de um integrante que nunca viu um Velório Virtual: Nunca assisti a um velório virtual. Em caso de algum desconhecido, o que me levaria assistir seria a curiosidade de 92 saber como as pessoas presentes estão se comportando para relacionar isso aos aspectos da morte. A morte de alguém próximo deixa as pessoas sensíveis e talvez um pouco “fora de si”, portanto quando se conhece quem está sendo velado (pelo menos no caso de pessoas próximas), a sensação é de que se “não viu, não aconteceu”. Por exemplo, conheço alguém que morava em outro país e que quando a mãe morreu, pediu para que os parentes tirassem fotos dela no caixão. Fora nesses casos, não vejo muita utilidade. Neste depoimento, temos a reafirmação da curiosidade como estopim para a visualização do Velório Virtual, principalmente voltada para o comportamento dos presentes no local. Mas temos também a ideia de que é necessário ver o corpo no caixão, no caso de um conhecido, para que se introjete a ideia de que a outra pessoa se foi. Outra integrante que nunca assistiu a um Velório Virtual responde: Nunca assisti a um velório virtual e acho super chato e desnecessário. Assistiria se por um acaso estivesse sendo comentado na hora que eu tivesse online de algum babado que tivesse acontecendo. Apesar de considerar o Velório Virtual uma coisa chata e desnecessária, a vontade de assisti-lo viria caso soubesse de um acontecimento interessante, ou "babado", como ela coloca, no momento da transmissão. A curiosidade aqui estaria ligada somente a um comportamento extraordinário dos presentes no velório, comportamento este que pode ou não estar diretamente ligado à morte daquela pessoa que está sendo velada. No depoimento seguinte, vemos novamente a ideia da curiosidade como principal fator: O principal motivo para se assistir um velório virtual de um desconhecido, na minha concepção, é a curiosidade. A curiosidade de saber como as pessoas ali presentes vão se comportar naquela cerimônia, como estarão lidando. E conforme esses pontos são notados surgem outros que prendem a atenção, por exemplo, um presente que chora mais ou se exalta, faz quem assiste supor um parentesco. Nunca assisti um velório virtual de uma pessoa conhecida, mas acredito que a principal diferença seja não poder olhar pra pessoa e se despedir, não poder abraçar quem está ali e você 93 ama. Acho que o velório virtual é um exemplo bacana de como a tecnologia pode interferir de uma maneira positiva nesse processo, permitindo que a distância seja de certa forma superada, que pessoas que assistem mesmo que aleatoriamente possam pensar a respeito desse momento. Mais uma vez, a vontade de saber como amigos e familiares do morto se comportam no momento do velório se faz presente. É a partir desse comportamento que serão construídas as ideias dos espectadores sobre o morto e essas mesmas pessoas que lá estão. A integrante afirma nunca ter assistido um Velório Virtual de uma pessoa conhecida e acredita que a diferença no comportamento assumido durante o Velório Virtual de um conhecido e um desconhecido reside na necessidade que se tem, no primeiro caso, de realmente se despedir do ente querido. Ela assegura que esta é uma tecnologia que interfere de maneira positiva na lida com a morte e que pode ser utilizada como ferramenta para a quebra da distância física, no caso de um conhecido, e que pode suscitar a discussão sobre a morte no caso de um desconhecido. Vimos, aqui, como o Velório Virtual funciona. Primeiro, nos debruçamos sobre as empresas escolhidas, salientando a justificativa de cada uma para a adoção do serviço e a maneira que cada uma o conduz: o Grupo Vila, de forma paga a podendo ser restrito à família, disponibilizado para o público somente após autorização da família enlutada, e a Urbanizadora Municipal, ou Urbam, que oferece o serviço de graça, o que implica a autorização para sua veiculação no site da empresa de maneira livre. Também abordamos, através da netnografia, como a comunidade Velórios Virtuais do Orkut é gerida. Abordamos suas regras de funcionamento, um pouco menos sofisticadas que às pertencentes à comunidade que lhe deu origem, a PGM. Possuindo apenas um moderador, a Velórios Virtuais deixa muitas das perguntas suscitadas pelos seus integrantes sem respostas. Exatamente por esse hiato, pudemos coletar as opiniões desses integrantes em entrevistas privadas, realizadas através do Facebook por conta da queda da popularidade do Orkut durante o desenvolvimento de nossa pesquisa e pudemos verificar opiniões diversas quanto à realização e visualização do Velório Virtual. Descobrimos que, regidos, então, 94 majoritariamente pela curiosidade, os internautas que buscam visualizar os Velórios Virtuais querem apenas saber o que acontece quando alguém, que eles não conhecem, morre. Será que aqueles no vídeo se comportam da mesma maneira que as pessoas que eu conheço? E, no caso de nunca terem tido a oportunidade de comparecer, pessoalmente, a um velório, tomam a seu formato virtual como uma maneira de se inteirar do assunto, de se preparar para a eventualidade de necessitar participar, de fato, no velório de um conhecido. Mas também podem se envolver tanto nesta atividade ao ponto de rezar em favor dos mortos exibidos na tela, principalmente se estão sozinhos ou se puderam saber a causa de sua morte, quem era aquela pessoa, o que fazia, quais os seus gostos. Esse processo de identificação é um pouco mais incomum, presente apenas no discurso de alguns dos entrevistados e notado de maneira escassa durante a fase da observação participante. De todas as opiniões colhidas ou posturas observadas, o que se fez mais presente foi a reafirmação do interesse do homem pela morte, seja manifestada pela discussão acerca do fim da vida, do acompanhamento e das posturas que se deve tomar diante do corpo no velório ou do que a morte - do outro - pode significar para um indivíduo. 95 Considerações Finais Suscitar a discussão da morte, em qualquer âmbito, é um ato melindroso, muitas vezes até mal visto, precedido de maus presságios e protestos. Mas, passado o choque inicial da escolha do fim da vida como tema para qualquer debate, é possível perceber o interesse geral que o assunto desperta. Nosso objetivo de analisar o movimento de reaproximação do debate sobre a morte e de seus rituais após sua migração para a virtualidade foi composto pela netnografia de dois espaços: as comunidades Profiles de Gente Morta e Velórios Virtuais, ambas surgidas na rede social Orkut e a primeira transferida para o Facebook após seu fechamento no local original. A netnografia se colocou como chave para o desenvolvimento deste trabalho por ser o método mais adequado para o descobrimento das práticas existentes nos espaços que estudamos - espaços virtuais. Esse tipo de pesquisa que contempla o ciberespaço tem sido utilizado largamente nos últimos anos, em estudos que versam sobre romance (Silva e Takeuti, 2010), sobre o amor e a ausência do corpo nas relações iniciadas no campo virtual (Vieira e Cohn, 2008) e mesmo nas práticas de luto em comunidades do Orkut (Tomasi, 2010). Com o nosso trabalho, estamos contribuindo para a contínua legitimação deste método para a investigação antropológica. Ao nos aproximarmos um pouco do trabalho de antropólogos, sociólogos, historiadores e filósofos que se inclinaram para a discussão de questões próximas e aplicáveis à realidade dos grandes centros, através da análise antropológica no ciberespaço, pudemos perceber que, para a análise da sociedade moderna e contemporânea, hoje, e aqui especificamente, também a abordagem da morte a Internet se faz referência e cada vez mais significativa para não só para a Antropologia, mas para todas as áreas do saber, vista a interdisciplinaridade encontrada na abordagem deste assunto. A morte está presente em todos os campos. Tomamos o perfil nas Redes Sociais como representação do indivíduo e como ferramenta para a preservação de sua memória após a morte, e abordamos a visualização de sites de empresas funerárias que transmitem os Velórios Virtuais. Com isso, nos propomos a identificar os principais motivos para o surgimento, utilização e divulgação deste serviço, bem como o 96 comportamento de seus usuários, exposto nas comunidades por nós netnografadas. Durante nossa pesquisa, a PGM foi extinta pelo Orkut, permanecendo ativa somente no Facebook, para onde havia migrado meses antes e, logo em seguida, reaberta no próprio Orkut, mas todos os dados pertencentes à versão original não estão mais disponíveis online, apenas nos printscreens que salvamos durante a análise. Este foi um acontecimento inesperado, mas que pouco interferiu em nosso estudo. Os dados que coletamos são oriundos de ambos os espaços - Orkut e Facebook - e muitos de seus integrantes permanecem ativos no segundo local. Assim, pudemos dar continuidade à investigação que se propôs verificar em que medida a transmissão de Velórios Virtuais pode oferecer uma solução para a quebra da distância entre a vida e a morte, já que a virtualidade possui a propriedade de estreitar laços e criar outros, através de interação entre seus usuários. Nos propusemos também a averiguar a tentativa de reaproximação da morte e dos demais ritos funerários através da exibição dos Velórios Virtuais e da discussão sobre o tema nas comunidades, buscando, principalmente, distinguir e analisar os motivos para a identificação pessoal de internautas com a exibição de Velórios Virtuais na Internet. Chegamos à conclusão que os principais fatores que levam as pessoas a assistirem a um Velório Virtual de um desconhecido é, principal e predominantemente, a curiosidade, seguida pela ideia de superação do luto pessoal através do conhecimento da perda de outrem. Foram realizadas enquetes nas comunidades e entrevistas pessoais com os integrantes que se propuseram a colaborar com nosso estudo. Todo o contato foi feito de maneira virtual, bem como as próprias entrevistas. Ao dar voz aos participantes dessas comunidades, complementamos a análise iniciada com a dissecação do funcionamento desses espaços, suas regras e condutas propostas. Através do posicionamento dos participantes frente ao funcionamento das comunidades e de seu conteúdo, pudemos compreender melhor como essas pessoas enxergam a morte e o seu debate. Reforçamos que esta é uma tarefa ainda em desenvolvimento. O que pudemos aprender e expor, até então, mostra que os estudos sobre a cultura da morte e o morrer em uma sociedade específica, - seja ela engajada à 97 tecnologia e suas novas denominações e possibilidades ou ao curso do que se conveniou chamar de figurações mais tradicionais de comportamento, - fazem parte do conjunto de modos de vida e de organização social em um processo contínuo de interação entre emoções e sociabilidades. O campo cada vez mais significativo, iniciado no final dos anos de 1970, pela Antropologia das Emoções, que tem por objeto a cultura emocional de um povo, de uma comunidade, pode ainda nos revelar diversos desdobramentos para melhor compreender os novos caminhos traçados pela contemporaneidade. 98 Referências AMARAL, Rita. Antropologia e Internet. Pesquisa de campo no meio virtual. Disponível em: < http://www.monografias.com>. Acesso em: 15 abr. 2012. ARIÈS, Philippe. O homem perante a morte. 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