SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC
Edição nº 10
Entrevista: “A idéia de um ensino voltado para a formação da cidadania
Revista
do Professor - SINPRO ABC
não passa de slogan” - Professor Amaury César
Moraes
1
2
Revista do Professor - SINPRO ABC
SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC
Edição 10 - 2008
Educação
05
Mudar é preciso
..........................................
Entrevista
07
Professor Amaury
César Moraes ..................
E mais...
Mais mulheres em sindicatos ....................................................................................... 14
Especial: 1968: Quarenta anos depois ....................................................................... 16
Que crise é essa? Por Ítalo Aretini ............................................................................... 24
50 anos de Bossa Nova .................................................................................................. 28
Reforma ortográfica, uma nova língua portuguesa? .............................................. 30
Artigo: Veja, educação, vinho e o país que queremos ser ...................................... 31
Bolívia, Evo e a Constituição contra o obscurantismo fascista, por Leonardo
Severo ...............................................................................................................................32
Sala de aula: Quatro décadas depois, por Tulio Bulcão .......................................... 35
Revista do Professor - SINPRO ABC
3
Editorial
“Discordar em silêncio pouco adianta”
L
evantemos um brinde a 2008, pois apesar de todas as dificuldades, encerramos esse
ano de muito trabalho com saldo positivo. A Revista do Professor também se despede,
momentaneamente, dos leitores. Para 2009, muitas novidades serão implementadas,
aguardem!
Intitulamos nosso último editorial do ano com a declaração de Moreira Alves, na matéria “1968:
40 anos depois”, que, ainda hoje, ilustra a necessidade de maior participação política e atuação social de
nossas instituições e da sociedade em geral. A Revista do Professor traz para nossa reflexão os desmandos
da ditadura e a luta dos estudantes contra a repressão interna e externa, questionando o militarismo e a
hegemonia do capital implementados pelos EUA. Repressão e assassinatos à parte, o movimento estudantil,
organizado, deu uma aula de politização e de atuação social, vencendo as reservas e a intransigência
dos militares, alterando o panorama social da época. Ainda no campo político, discutimos a militância e
atuação das mulheres na vida sindical. Leonardo Severo nos traz sua contribuição abordando na política
internacional a Bolívia e a atuação de Evo contra o fascismo. Ítalo Aretini nos situa quanto à crise. Seu
texto aborda o assunto de forma simples e didática, permitindo o entendimento sobre suas causas e
conseqüências. Crise que não ajudamos a deflagrar, porém nos afetará muito mais do que pensamos, uma
vez que nós, trabalhadores, sentiremos na pele e no bolso seus resultados.
Trazemos para o deleite dos leitores a matéria 50 anos de Bossa Nova, remetendo a renovação dos
padrões musicais brasileiros que encantaram o mundo todo... Discutindo a Educação, entrevistamos o
professor Amaury César Moraes sobre as alterações da LDB e seus reflexos para a sociedade brasileira.
Realmente mudar é preciso, mas essas mudanças precisam sair dos gabinetes e adentrar as salas de aulas,
sendo necessária a participação dos professores na elaboração das propostas e implementação de ações
precisas para que as transformações desejadas sejam realmente implementadas. Passamos pela Reforma
Ortográfica, cujas novas regras irão valer a partir de janeiro 2009, que pretende trazer maior uniformidade
quanto ao uso da Língua Portuguesa, entre os falantes dos vários países que se irmanam quanto ao idioma
praticado. O professor Jorge de Barros propõe uma análise sobre matérias divulgadas na revista Veja, que
representam uma ofensa a professores e leitores do periódico. O texto inteligente nos permite uma reflexão
mais aprofundada sobre o que temos lido nas mídias ditas oficiais. Por fim, o professor Túlio Bulcão nos
agracia com sua aula de história sobre o movimento estudantil, quatro décadas depois.
Nos despedimos na certeza de que, ao longo desse ano, oferecemos boas oportunidades de leitura e
reflexão, num material importantíssimo para a formação de nossos leitores, com possibilidade de adentrar
nossas salas de aula, enriquecendo nossas propostas de trabalho. Deixamos nosso abraço, nosso carinho
de sempre e nossa atenção. Mantemos aberta uma linha de comunicação por meio do nosso site: www.
sinpro-abc.org.br. Participe enviando sugestões e temas que gostariam que fossem abordados, pois, como
aprendemos, discordar em silêncio pouco adianta! Feliz Natal e que no próximo ano nossos sonhos possam,
através de nossa atuação, ser transformados em realidade. Boas férias e até a próxima edição! Até sempre!
Revista do
Publicação do Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo e São Caetano
Ano III - Número 10 - 2008 - ISSN 1807-7994 - SINPRO ABC - Gestão 2007/2011
Diretoria Executiva: Aloisio Alves da Silva, Célia Regina Ferrari, Denise
Filomena L. Marques, José Carlos Oliveira Costa, José Jorge Maggio,
Nelson Valverde Dias e Paulo Roberto Yamaçake
Presidente: Aloisio Alves da Silva
Diretora de Imprensa: Denise Filomena L. Marques
Edição e reportagem: Mayra Monteiro - MTb 47.135
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Revista do Professor - SINPRO ABC
Projeto Gráfico e diagramação: Mayra Monteiro e Israel Barbosa
Capa: Israel Barbosa
Tiragem: 4.000 exemplares
SINPRO ABC - Rua Pirituba, 61/65 - Bairro Casa Branca - Santo André
CEP 09015-540 - São Paulo
www.sinpro-abc.org.br • [email protected]
Educação
Mudar é
preciso
Alterações na Lei de Diretrizes e
Bases dão nova cara à educação
no Brasil. Porém, não são
suficientes para que o ensino
no país tenha os resultados
positivos desejados
Imagem: www.sxc.hu
Revista do Professor - SINPRO ABC
5
“
Se as coisas fossem como eu e um grupo
de que participo pensamos, isso levaria
uma década, porque pensamos em um
processo consistente de consolidação,
envolvendo formação de professores, definição
de conteúdos, entrada paulatina da disciplina nas
escolas, eventos da área, discussão e melhoria
dos livros didáticos etc. Não se faria isso de modo
honesto e responsável em menos de 10 anos”. Essa
é a opinião do professor Amaury César Moraes a
respeito das mudanças na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação e o tempo necessário para que tais
alterações surtam efeito positivo. A íntegra da
entrevista com o docente pode ser conferida nas
próximas páginas desta revista.
Música
instrumentos típicos brasileiros para que os alunos
conheçam a diversidade cultural do Brasil.
Educação profissional
Em julho deste ano, a educação profissional
e tecnológica passou a integrar a LDB. Segundo
esclarecimentos do MEC, “os cursos poderão
ser organizados por eixos tecnológicos, assim,
possibilitam a construção de diversos itinerários
formativos – um aperfeiçoamento do aluno na área
escolhida”.
Essa mudança tem como objetivo a melhora
na formação e capacitação profissional, para que
os alunos tenham mais preparo e condições de
enfrentar o mercado de trabalho. Sendo assim,
os cursos devem abranger formação inicial e
continuada ou qualificação profissional, técnica
de nível médio e tecnológica de
Desde 1996, a Lei de graduação e pós-graduação.
Ao longo dos doze anos de
existência, a LDB sofreu algumas
Diretrizes e Bases
alterações, cinco somente no último
ano. Geralmente, as mudanças vêm
Mais mudanças
da Educação, a LDB,
acompanhadas de polêmica. A mais
sofreu diversas
recente diz respeito à inclusão da
Além das alterações pontuadas
alterações.
música como componente obrigatório
nessa
matéria, outras mudanças
Entre as mudanças
no ensino de artes, nos níveis
foram
sancionadas
pelo presidente
estão a inclusão do
fundamental e médio, das escolas
Luiz
Inácio
Lula
da
Silva, algumas
ensino das histórias
públicas e privadas. De acordo com
abordadas em edições anteriores
e culturas afro e
a nova lei, as instituições de ensino
da Revista do Professor. Entre as
indígena, Filosofia e
terão três anos para se adaptarem a
novidades estão inclusão de cultura
Sociologia
essa nova legislação.
indígena e afro, ensino de Filosofia e
A discussão, para esse tema,
Sociologia e assistência médica aos
gira em torno da formação dos
alunos. Outras mudanças já foram
professores. Segundo o MEC, “o desafio que surge propostas, como, por exemplo, educação financeira,
com a nova lei é a formação de professores, uma vez educação para o trânsito, ensino de psicologia,
que, os dados mais recentes do Censo da Educação Língua Brasileira de Sinais (Libras), entre outros.
Superior, de 2006, revelam que o Brasil tem 42
Todas as novidades que surgirem envolvendo
cursos de licenciatura em música, que oferecem esse tema serão amplamente divulgadas pelo
1.641 vagas. Em 2006, 327 alunos formaram-se em SINPRO ABC.
música no Brasil”. Músicos sem formação acadêmica
e professores graduados discordam da não exigência
Com informações do MEC
de formação específica em Música para ministrar
aulas. Para Helena de Freitas, coordenadora-geral
de Programas de Apoio à Formação e Capacitação
Docente de Educação Básica do Ministério da
Educação, “o objetivo não é formar músicos, mas
oferecer uma formação integral para as crianças e
a juventude. O ideal é articular a música como as
outras dimensões da formação artística e estética”.
O MEC orienta que as escolas, além de noções
básicas de música, ensinem cantos cívicos nacionais,
outros cantos, ritmos, danças, músicas folclóricas e
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Revista do Professor - SINPRO ABC
Entrevista
“A idéia de um ensino voltado para
a formação da cidadania
não passa de um slogan”
Arquivo pessoal
Educação no Brasil
e mudanças na LDB
são analisadas pelo
professor Dr. Amaury
César Moraes
E
ducação é um direito do cidadão e
um dever dos governantes. Sem ela,
não há como ter expectativas de um
futuro promissor para a nação ou para
qualquer indivíduo.
A fim de organizar e normatizar a educação
brasileira, foi assinada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, nº 9.394, em 20 de dezembro de 1996. A
primeira LDB foi criada em 1961, com outra versão
em 1971, que vigorou até a promulgação de 1996.
Ao longo desses 12 anos, algumas alterações
foram propostas e aprovadas pela Comissão de
Educação do Senado Federal, com objetivo de
melhorar a qualidade da educação no país. Entre
as mudanças – algumas já abordadas em edições
passadas da Revista do Professor – estão a inclusão
do ensino de História e Cultura afro e indígena,
ensino religioso, educação musical, inclusão de
Filosofia e Sociologia no Ensino Médio, atendimento
médico e odontológico a alunos, além da inclusão à
lei de direitos das crianças e adolescentes.
Para falar sobre a educação no país e as
mudanças ocorridas na LDB, a redação da Revista
do Professor conversou com o Dr. Amaury César
Moraes, ex diretor do SINPRO ABC e professor da
USP.
Revista do Professor - SINPRO ABC
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Revista do Professor – Professor Amaury,
qual sua avaliação para o atual cenário da
educação no Brasil? Você considera que a
educação é vista como prioridade?
arbitrário social: aquilo que em cada momento a
sociedade julga que seja o ideal. É fruto de lutas, da
luta de interesses de grupos. Não há um currículo
que pudesse se dizer que seja o “verdadeiro”
currículo. O que se percebe é que o currículo
Prof. Amaury – A educação é uma "prioridade" brasileiro passou de clássico-humanista (do século
em todos os discursos de políticos, educadores, XIX até 1942) para um currículo técnico-científico
empresários, donas de casa etc, mas não passa (de 1942 até hoje). A idéia de um ensino voltado para
de um discurso mesmo. Mesmo essa questão do a formação da cidadania não passa de um slogan. O
Pré-Sal servir para fazer a arrancada da educação, nosso currículo é voltado para o vestibular, embora
veremos, em breve, que não passa de mais uma grande massa de educandos não chegue até o fim
encenação do que outra coisa. Os outros países, do ensino fundamental.
como o Japão, que cresceu tanto quanto o Brasil no
Além do mais, há sobrevalorização de uma
século XX, fizeram uma opção clara pela educação e educação voltada para os cursos exatas e biomédicas
não fizeram uma opção clara pelo discurso somente, e pouco voltado para as humanidades. Muitos
mas por investimentos pesados. O Brasil investe
entendem que isso se prende ao
entre 25 e 30% do ICMS em educação,
"A favor ou contra as mercado de trabalho, mas o mercado
no caso dos estados, mas isso não
de trabalho é mais dominado pela
significa muito, tanto em vista do cotas, pouco importa, área de humanidades do que outra
que realmente é o PIB brasileiro, mas, não haverá mudança coisa. Vejamos carreiras: jornalismo,
significativa na vida
sobretudo, em relação ao que temos
economia, administração, publicidade,
dos
negros no Brasil
de dívida nessa parte.
comércio, artes, espetáculos, direito,
se não houver uma
Boa parte da dívida social
psicologia, recursos humanos etc. Mas
do Brasil decorre da dívida com mudança na educação a impressão que fica é que ainda o que
educação. Vejamos, por exemplo, o
básica: acesso real,
predomina é medicina e engenharia.
problema do negro no Brasil. A favor acesso a conteúdos e
Outra coisa, o que predomina
ou contra as cotas, pouco importa, não não somente a vagas, no currículo é o Português e a
haverá mudança significativa na vida
e permanência na
Matemática, porque essas matérias
dos negros no Brasil se não houver
escola"
são centrais. Poderiam até ser, mas
uma mudança na educação básica:
não são eficientes, o seu ensino é
acesso real, acesso a conteúdos e não
extremamente ruim e os resultados
somente a vagas, e permanência na escola. Como sofríveis. O que adianta nessa situação ficar
se faz isso? Um programa verdadeiro de melhoria ampliando o número de aulas de português e
da educação básica: universalização do Ensino matemática se ainda não se descobriu como ensinar
Médio, que ainda não é obrigatório; melhoria de essas disciplinas? É a ampliação ou “privilegiamento”
salários de professores, avaliação dos professores, da ineficiência: mais aulas e mais incompetência.
recrutamento - por concurso de verdade! - de
Creio que, de início, deveríamos pensar em
professores, carreira baseada no mérito e não por um currículo equilibrado entre as três áreas de
antigüidade etc.
Se isso não for feito,
receberemos nas universidades uma
elite de negros que nada contribuirá
para as mudanças profundas que se
deseja.
Revista do Professor - Qual
sua opinião sobre a atual grade
curricular brasileira?
Prof. Amaury - O currículo é
uma arbitrariedade, resultado de um
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Revista do Professor - SINPRO ABC
conhecimento, com 800h para cada área, ou que as dizer que eram conhecimentos que poderiam ser
escolas se organizem com ênfase numa ou noutra dados pelas outras disciplinas. Então tivemos de
área, de modo que de cada três escolas, pelo menos entrar firmes e chegamos até o congresso, porque
uma seja voltada para ciências humanas. Mas quando fizemos mudanças de interpretação, houve
podem existir outros arranjos, como, por exemplo, reação (escolas privadas). Aí vão entrando outras
escolas mais voltadas para artes, ou mais voltadas disciplinas, parece que existem 11 na fila.
para ensino técnico.
Por outro lado, o Conselho Nacional de
Poderiam pensar em escolas de período Educação está muito moroso no trato dessas
integral, com parte técnica, artes e esportes no questões, particularmente no Ensino Médio. O
contra-turno. Ou seja, o que temos é uma tradição Conselho não quer fazer esse trabalho difícil e que
muito ineficiente, voltada para o vestibular, pode atingir a muitos interesses, em especial, das
predominada por português e matemática em escolas privadas e por isso deixa a coisa rolar. Mas
que não se consegue nada do que se promete: não tem muito tempo para deixar rolar mais...
não é boa escola, não faz passar no vestibular, não
se aprova os alunos nos exames de
Revista do Professor - Da
língua e matemática, locais, nacionais "As mudanças existem forma como está a educação no
ou internacionais. É só verificar os
país, essas mudanças trarão o
porque a LDB foi
resultados do Saresp, Enem, Saeb,
resultado desejado?
o mau-encontro
Pisa, prova SP e prova Brasil.
da vaidade com o
Prof. Amaury - Toda mudança
oportunismo: vaidade
Revista do Professor – De
dá resultados. O problema é saber se
do Darci Ribeiro e
acordo com os autores dos projetos
para melhor.
oportunismo do
de leis, as alterações na LDB visam
Julgo que aqui e ali será para
governo FHC"
a melhoraria da qualidade de
melhor, mas, no todo, acho que
ensino no país. Como você avalia
ficaremos numa situação mais caótica,
essas alterações na Lei? Qual foi a
uma vez que o que se vai mudando
melhor mudança?
não tem diretriz porque conservamos a idéia de
ser liberal e flexível. Qualquer tipo de intervenção
Prof. Amaury - As mudanças existem do Estado é entendida como coisa de esquerda,
porque a LDB foi o mau-encontro da vaidade marxista, comunista etc. Mas quando o governo
com o oportunismo: vaidade do Darci Ribeiro e intervém aumentando juros ou criando o Fundef
oportunismo do governo FHC. Um queria entrar (FHC) ou Fundeb (Lula) ninguém se lembra que isso
para a história como alguém que fez uma lei para é dirigismo também. Da nossa parte, esperamos
educação, e ele não tinha mais o que fazer para e estamos fazendo de tudo para que o ensino de
passar para a história, abandonou o seu passado Sociologia e Filosofia dê certo e se consolide no
importante de homem de esquerda e resolveu currículo.
acolher uma lei absolutamente liberal, que
desobrigou o Estado de suas responsabilidades
Revista do Professor – Para você, em
com a educação. Por outro lado, o governo FHC não quanto tempo essas mudanças trarão resultados
estava aceitando a Lei que vinha sendo debatida positivos?
há, pelo menos, oito anos, relatada pelo Jorge Hage,
porque ela era uma lei em que o papel do Estado
Prof. Amaury - Se as coisas fossem como eu
seria mais profundo e encampou a lei proposta e um grupo de que participo pensamos (Comissão
de substitutivo Darci Ribeiro. Assim saiu uma lei de Ensino da SBS), isso levaria uma década,
flexibilizante ao extremo.
porque pensamos em um processo consistente de
No entanto, por isso, a lei precisou ser consolidação, envolvendo formação de professores,
mudada: e aí vão entrando todos aqueles que se definição de conteúdos, entrada paulatina da
viram prejudicados pela lei ou por interpretações disciplina nas escolas, eventos da área (encontros,
equivocadas dela. É o caso da lei de obrigatoriedade seminários), discussão e melhoria dos livros
da Sociologia e Filosofia, pois quando a lei diz que didáticos etc. não se faria isso de modo honesto
são conhecimentos necessários, o governo resolveu e responsável em menos de 10 anos. Foi esse o
Revista do Professor - SINPRO ABC
9
programa que tivemos quando entramos nessa luta
pela obrigatoriedade.
Revista do Professor - Quanto tempo o país
tem para se adaptar a essas mudanças?
Prof. Amaury - Quem deveria definir isso
seria o CNE. Alguns estados (São Paulo) já estão
consultando. Quando fiz o parecer para o MEC, que
alterou as DCNEM, incluindo Sociologia e Filosofia,
a nossa proposta é que deveria ser paulatino, cerca
de três anos. Com a mudança na LDB, isso fica mais
complicado: alguns acham que seja imediato e
outros que não. Eu acho que o CNE deveria assumir
uma posição menos passiva e definir o caso.
nunca foram para a praça lutar – pedir greve geral! –
pela educação, pela melhoria de ensino. Na verdade,
eu sempre entendi sim: o objetivo eminentemente
economicista dos sindicatos e centrais sindicais se
orienta para que o trabalhador ganhe mais para
poder colocar, por exemplo, o filho numa escola
privada. Nunca fizeram um movimento mais amplo
do que essa preocupação economicista, então
não surpreende que tenham guardado todas
aquelas pseudobandeiras que pensavam o Brasil
mais amplamente: tudo discurso de algum modo
eleitoreiro.
Revista do Professor - As escolas estão
preparadas para as mudanças?
"As escolas não estão
preparadas para nada
a não ser para isso que
já fazem. Acontece
que mudanças têm
de
ser feitas para que
Prof. Amaury - Claro que
há outras prioridades, como a as coisas não piorem
ainda mais"
universalização do Ensino Médio,
Revista do Professor - Essas
alterações são necessárias ou há
outras prioridades que precisam
de mais atenção?
da escola integral, da revisão do
equilíbrio curricular etc. Mas não se
pode esperar que isso tudo aconteça antes. Como
disse, isso tudo tem a ver com a luta política e a luta
política não segue referências tão universais assim.
Ela começa com a questão mais imediata e nisso se
vai construindo as mais gerais, mais amplas e mais
longínquas também.
Podemos dizer que a luta pela Sociologia não
se aparta da revisão do currículo, ou ainda, pensando
de um modo mais instrumental, podemos dizer
que a luta pelo ensino de Sociologia visava a sua
presença e as alterações que essa disciplina poderia
causar nas escolas, na formação dos jovens e que
teria como um resultado ainda que longínquo,
mediado, a universalização do ensino médio.
Revista do Professor - Que outras ações
precisam ser feitas para que a educação no país
"dê certo"?
Prof. Amaury – Além das outras ações já
pontuadas, creio que, primeiro, deixar de ser
elemento de discurso e passar a ser coisa concreta.
Segundo, que nisso se envolvam todos os agentes
nacionais e as pessoas como cidadãos. Eu nunca
entendi, por exemplo, porque as centrais sindicais
10
Revista do Professor - SINPRO ABC
Prof. Amaury - As escolas não
estão preparadas para nada a não ser
para isso que já fazem. Acontece que
mudanças têm de ser feitas para que
as coisas não piorem ainda mais.
As escolas públicas não se
incomodam com as mudanças – é claro
que as corporações de professores de
Português e Matemática são contra,
mas eles não sabem porque os
alunos têm de aprender Português e Matemática.
Eles sentam em cima de uma tradição muito mal
construída. É bobagem dizer que Português e
Matemática estão em tudo, ora se assim é, porque
precisamos de aulas específicas dessas disciplinas?
Fora uns dois ou três anos iniciais, elas poderiam
ser incorporadas às outras disciplinas e terem suas
aulas reduzidas, transformadas em instrumentais
apenas, que é o que são. Aliás, são conteúdos por
excelência interdisciplinares, não devendo ser
disciplinas mesmo.
Claro que a corporação de professores de
História também vai chiar, mas, também, até hoje
não se sabe por que estudamos História – a História
passada não é modelo, não é regra. É cultura? Ótimo,
aí sim, eu entenderia. Mas coisas como identidade
nacional, conhecer o passado para não cometer os
mesmo erros etc etc, não é bem o caso. Observe,
não sou contra o ensino dessas disciplinas, apenas
acho que elas têm prioridade sobre as demais: é
tudo muito arbitrário, ou, no máximo, resultado
de um arbítrio histórico, que a qualquer momento
pode ser mudado, como o que estamos fazendo.
Revista do Professor - Como as escolas
devem preparar os professores e alunos para
tais mudanças?
Prof. Amaury - Uma primeira coisa é cobrando
que eles se atualizem quanto a esses debates.
Segundo, que os encaminhem ou promovam cursos,
seminários sobre tais temas. Pagando melhor os
professores, fazendo processos avaliação etc.
Revista do Professor - O que precisa ser
alterado na lei que ainda não foi?
Prof. Amaury - Creio que a lei deveria ser
revista por completo. Retomarmos o substitutivo
Jorge Hage e os debates que vinham sendo
realizados. O que há de bom na atual lei deve ser
incorporado (pouca coisa) e o que há de ruim
devemos melhorar, baseados naquele projeto de
lei que vinha sendo debatido no congresso e foi
abortado.
Revista do Professor – Algumas alterações
prevêem
acompanhamento
médico
e
odontológico para os alunos. Qual sua opinião
para esse tema?
neles para chegarmos a uma situação melhor. Por
exemplo, a universalização, a valorização da escola
pública, que em alguns países é única – sem que
isso pareça comunismo, como aqui pareceria. Isso,
se a escola fosse um valor para todos e não só para
os que estão envolvidos com ela – os educadores.
Prof. Amaury - Não sei se "Não sei se a escola é
Revista do Professor – Há
a escola é lugar para essas ações lugar para essas ações alguma consideração a mais que
sociais. Acho que o que deveria haver
queira fazer sobre o que falamos?
sociais. Acho que o
seria um atendimento mais completo
que deveria haver
da saúde, das condições de vida da
Prof. Amaury - Essas são
seria um atendimento
população, mas de outro modo, por
questões muito amplas que pude
mais completo da
outros agentes. A escola ser lugar de
apenas tangenciar. Merecem um
tudo isso me lembra da escola dos saúde, das condições tratamento mais demorado. Como
começos da república, que tinha tais de vida da população, expus, pode parecer precipitação ou
mas de outro modo, achismo. Mas o que me incomoda
tarefas, mas isso num Brasil de pouco
por outros agentes"
mais de 20 milhões de pessoas, em
é como também as coisas são feitas
que nem dez por cento chegava às
e muitos ficam presos a situações
escolas. Hoje, acho que deveria voltar a escola para estabelecidas sem se preocuparem com isso tudo.
o seu fim próprio. Outras políticas públicas devem Não há muita honestidade no trato dessas questões.
ter seu lugar próprio.
Revista do Professor - O que falta para o
Brasil para ter uma educação semelhante ao
ensino de grandes países? Dá para comparar o
ensino brasileiro com o de outros países?
Prof. Amaury - Essas coisas são complicadas.
Por exemplo, no que devemos comparar o Brasil
aos Estados Unidos? Educação lá tem resultados
também muito discutíveis. Com alguns exemplos
europeus, até podíamos nos comparar e nos mirar
Amaury César Moraes é professor Doutor
de Metodologia do Ensino de Ciências Sociais da
Faculdade de Educação da USP, bacharel licenciado
em Ciências Sociais –USP, bacharel licenciado em
Filosofia – USP, Mestre em Ciência Política – USP,
Doutor em Educação USP, pesquisador sobre ensino
de Sociologia e sobre relações entre escola e cinema.
É autor das OCN-Sociologia do MEC e do parecer
sobre a obrigatoriedade do ensino de Sociologia para
o MEC.
Revista do Professor - SINPRO ABC
11
Notas
Para ministro, famílias devem
acompanhar filhos em escola
É muito ruim para a educação brasileira
que a família não acompanhe o desempenho de
seus filhos. Para o ministro da Educação, Fernando
Haddad, “a família é essencial. Atitudes simples
como ajudar o filho a fazer o dever de casa provocam
mudanças a curto prazo que podem modificar a
educação do país”.
Haddad defendeu, ainda, a participação dos
pais na gestão das escolas e disse que a falta de
interesse na educação dos filhos é um fenômeno
que atinge todas as classes sociais. “Existem pais
de classe média alta que matriculam seus filhos em
escolas particulares e não têm interesse algum na
educação deles”, ressaltou.
Fonte: MEC
MEC proíbe uso de nome“universidade”
sem autorização
O Ministério da Educação proibiu as
instituições de ensino superior não autorizadas
como centros universitários ou universidades
de incluir em seus nomes expressões como
“universidade”, “uni”, “un”, “centro”, “autônomas” ou
qualquer outra que remeta às características e
especificidades desse tipo de estabelecimento.
As faculdades e instituições de ensino
superior que se encaixam nesse perfil estão
recebendo ofício da Sesu (Secretaria de Educação
Superior) que alerta para as regras que devem ser
seguidas, além das possíveis punições para aquelas
que não as cumprirem.
O ofício explica que o único nome a ser
utilizado pela instituição é o aprovado no processo
de autorização de funcionamento do MEC. Segundo
o Sesu, o não-cumprimento pode representar
quebra do Código de Defesa do Consumidor.
Fonte: FSP
Proposta: pagar financiamento com
exercício em sala de aula
O ministro Fernando Haddad levantou
uma proposta para incentivar os estudantes do
magistério a atuarem em escolas públicas. “Estamos
estudando uma proposta de cruzar a atuação em
escolas públicas com o Financiamento Estudantil
(Fies)”, disse. Pela proposta, os estudantes que
optarem por carreiras do magistério e custearem
seus estudos por meio do Fies, poderiam pagar o
financiamento trabalhando em salas de aula de
escolas públicas.
Haddad destacou, ainda, que existe um
esforço do Ministério da Educação para que as
universidades públicas assumam a responsabilidade
pela formação de professores para a educação
básica. “Infelizmente nossos professores das
escolas públicas são formados por instituições
de baixa qualidade, enquanto as universidades
públicas formam professores que atuam em escolas
particulares”, lamentou.
Fonte: MEC
12
Revista do Professor - SINPRO ABC
Universidades apresentam
projetos de licenciaturas
O Programa de Apoio à Formação Superior
e Licenciaturas Indígenas (Prolind) 2008 recebeu
propostas de 16 universidades públicas federais
e estaduais das regiões Norte, Nordeste, CentroOeste e Sul. Elas se propõem a abrir 1.464 vagas
para professores de 96 povos. O objetivo do Prolind
é ampliar a oferta de licenciaturas interculturais
para professores indígenas que não possuem
graduação.
Ação conjunta de duas secretarias do
MEC, de Educação Superior (Sesu) e de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), o
programa transfere recursos do governo federal às
universidades para formação de professores.
Fonte: MEC
Alunos da rede pública receberão livros
de inglês e espanhol a partir de 2011
Universidade trará dez mil novas
vagas até 2010
Os alunos dos anos finais do ensino
fundamental público passarão a receber livros
didáticos de inglês e espanhol a partir de 2011.
O processo para a seleção das obras começa
este ano. Até dezembro, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação deve lançar edital
para a inscrição de títulos das duas disciplinas
para os anos finais do ensino fundamental (5ª
à 8ª série ou 6º ao 9º ano). Depois de inscritas, as
obras passarão por rigoroso processo de avaliação
quanto às especificações técnicas e de conteúdo.
Em seguida, virá a fase da escolha, em que diretores
e professores selecionam os livros mais adaptados
a seus alunos. Após a escolha, o FNDE convoca as
editoras para negociar o preço das publicações.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula
da Silva, o ministro da Educação, Fernando Haddad,
o reitor da Universidade Federal do ABC, Adalberto
Fazzio, e o presidente da Câmara dos Deputados,
Arlindo Chinaglia, estiveram em Santo André para a
inauguração do primeiro prédio da UFABC. De todas
as autoridades presentes, talvez poucas soubessem
tanto quanto Samuel Santos de Oliveira, 19 anos, o
que a implementação de uma nova universidade
representa.
Há seis meses, Samuel ingressou na UFABC
por meio das vagas reservadas para estudantes
que vieram de escolas públicas. A instituição
destina 50% de suas vagas para alunos da rede
pública. Samuel é o primeiro da família a ingressar
na educação superior. Cursando o bacharelado de
Ciência e Tecnologia, curso interdisciplinar que é o
ciclo básico para todos os estudantes da UFABC, ele
já está envolvido em um projeto de pesquisa.
Vinda de Sergipe, a família de Samuel, que
tem dois irmãos, vive da renda do pai, que trabalha
como cilindrista na indústria de borracha dos
arredores. A mãe é dona-de-casa e os outros dois
irmãos mais novos estão estudando. “Eu não teria
como arcar com os custos de uma universidade
particular”, relatou o estudante. Em um laboratório
novo, Samuel busca soluções para melhorar o
desempenho do etanol e do metanol. “Queremos
otimizar a oxidação do biocombustível”, tenta
explicar.
Reforço na biblioteca
Durante a palestra na bienal, realizada em
agosto, o presidente do FNDE anunciou o aumento
dos acervos das bibliotecas escolares. O governo
federal vai adquirir obras de referência nas diversas
áreas do conhecimento, como sociologia, filosofia e
química, para as escolas públicas de ensino médio.
Fonte: MEC
10 mil até 2010
Ricardo Stuckert/MEC
Presidente Lula e ministro Fernando Haddad,
em visita ao prédio da UFABC
Até 2010, dez mil estudantes como Samuel
serão recebidos pela Universidade Federal do ABC.
A instituição é apenas uma das 14 novas criadas a
partir do processo de expansão das universidades
federais. Desde que começou a ser implementada,
em 2003, a expansão já investiu R$ 2,4 bilhões
no parque de universidades federais do Brasil.
A previsão é que o investimento chegue a R$ 4
bilhões até o final de 2012 e que o número de vagas
dessas instituições passe das atuais 500 mil para um
milhão e 86 mil até o final de 2012.
Fonte: MEC
Revista do Professor - SINPRO ABC
13
Sindical
Mais
mulheres!
Elas ainda não são a maioria
no trabalho formal, mas já
chegam a representar 40%
do total de trabalhadores
sindicalizados no Brasil
A
s mulheres são maioria quando
falamos em eleitoras e em alunas
matriculadas em universidades.
Mas, mesmo ocupando mais espaço
em instituições de ensino superior, a realidade no
mercado de trabalho ainda é desigual, uma vez que
os homens lideram os índices de trabalhadores com
registro em carteira e as mulheres encabeçam as
estatísticas de desempregados e de trabalhadores
informais. Pesquisas mostram, ainda, que os
salários são menores para elas.
Sindicalizadas
Em agosto, a Central Única dos Trabalhadores
lançou a cartilha “Igualdade é o máximo, cota
é o mínimo – As mulheres no mundo sindical”,
com dados inéditos sobre a sindicalização das
mulheres no país. O estudo foi realizado pela CUT
em parceria com o Dieese e mostra que o índice de
sindicalização entre o sexo feminino cresceu muito
na última década, se comparado com os números
masculinos.
Apesar desse crescimento, a participação
sindical das mulheres, segundo constata a
pesquisa, “ainda é inferior à sua inserção no
14
Revista do Professor - SINPRO ABC
mercado de trabalho e, ainda que a sindicalização
das mulheres tenha aumentado, nas diretorias
das entidades essa inserção não inclui cargos
tradicionalmente considerados mais importantes:
Presidência, Secretaria Geral e Tesouraria”.
Como exceção a essas estatísticas,
encontramos o Sindicato dos Bancários do ABC,
que, atualmente, tem a Presidência e a Tesouraria
administradas por mulheres. A categoria bancária
na região é composta, em sua maioria, por
trabalhadoras do sexo feminino, em torno de 60%
(a mesma porcentagem corresponde ao número
de sindicalizadas à entidade).
Na atual diretoria do Sindicato dos
Bancários, 30% dos dirigentes são mulheres.
“Temos somente 30% de mulheres e isso porque
nosso estatuto determina cota mínima. Ter duas
diretoras na Executiva do Sindicato é algo muito
raro”, comenta Maria Rita Serrano, presidente da
entidade de representação bancária, que já milita
no movimento sindical há mais de 20 anos. “Chegar
à direção não foi fácil, demorou 50 anos para que
o Sindicato tivesse uma mulher na Presidência”,
esclarece Rita, “tive que vencer muitas dificuldades
pessoais e políticas para enfrentar o desafio de
coordenar um monte de homens. Tive e tenho
que provar, o tempo todo, que sou capaz para a
função”, completa Serrano.
Sobre a participação feminina em atividades
sindicais, Maria Rita ressalta: “Hoje temos poucos
trabalhadores que realmente atuam junto ao
sindicato e a grande maioria é de homens. As
mulheres têm mais dificuldades, por conta dos
compromissos com a família e, acredito que, para
elas, a atividade política ainda é coisa nova, falta
vontade de atuar”. “Tenho esperança e tento usar
o meu mandato para incentivar a participação das
mulheres. Nosso olhar da vida é mais amplo e por
essa razão nossa contribuição para a vida sindical
e política pode ser determinante na construção
de um modelo mais solidário de relações”, finaliza
Maria Rita.
Cotas
as mulheres também foram responsáveis por um
notável crescimento. Em 1998, 65% dos filiados a
órgãos sindicais eram homens e 35% mulheres,
enquanto, em 2006, 60% eram trabalhadores do
sexo masculino e 40% do sexo feminino.
Mulheres mais independentes
Com o crescimento da participação feminina
em atividades sindicais, algumas mudanças foram
percebidas e apontadas na pesquisa cutista. Entre
os principais impactos, a CUT destaca a queda da
taxa de fecundidade, crescimento acentuado de
famílias chefiadas por mulheres, mulheres cada
vez mais voltadas para o trabalho remunerado e
para construção de carreira profissional.
Na educação
De acordo com o documento publicado
Quando se fala em profissionais da educação,
pela CUT, uma das alternativas para superar a no Brasil, 75% dos sindicalizados são mulheres.
situação de ausência das mulheres
No ABC, as professoras da rede
"A mulher precisa
em atividades sindicais é a adoção
particular correspondem cerca de
de cotas. “A aplicação dessa medida ocupar, cada vez mais, 70% dos filiados, do ensino infantil
é um passo para a construção de
os espaços políticos. ao superior.
políticas que alterem as condições
Na Apeoesp, entidade de
As mulheres têm
gerais da participação política das que estar à frente de representação dos professores do
mulheres”, destaca a pesquisa.
cargos de liderança, Estado de São Paulo, as mulheres
Para a Central, as direções sejam políticos, sejam ocupam importantes cargos na
sindicais devem seguir a cota mínima
diretoria sindical. Segundo a
em representação
de 30% e máxima de 70% para
assessoria da entidade, na Diretoria
sindical".
ambos os sexos. Essa ação é inicial,
Executiva da Apeoesp, 37% dos cargos
não devendo considerar “o mínimo
são ocupados por professoras.
Bebel
como o máximo”. Muito ainda está
Em entrevista à Revista do
por vir.
Professor, a docente Maria Izabel
Para as mulheres, participar
Noronha, presidente da Associação,
de atividades sindicais representa intensificar a destaca: “A Apeoesp é um dos maiores sindicatos
luta por direitos específicos, por isso, a Central da América Latina e posso dizer que fui muito
destaca a importância da atuação feminina junto a bem recebida pelos professores quando meu
órgãos de representação. Para tanto, é necessário nome foi indicado à presidência”. “As professoras
intensificar o trabalho de formação e politização se sentem mais respaldadas sendo representadas
das trabalhadoras.
por uma mulher. Há uma grande confiabilidade,
aproximação e segurança quando precisam
Crescimento em números
conversar comigo”, observa a presidente.
Para Bebel, como é chamada, somente com
Segundo a pesquisa, a participação das participação ativa, as mulheres poderão conquistar
mulheres no mercado de trabalho cresceu e manter direitos. “A mulher precisa ocupar, cada
significativamente. Enquanto em 1970 o número de vez mais, os espaços políticos. Não podemos
brasileiras que trabalhavam fora de casa apontava conferir as atividades políticas somente aos
18%, em 2007 esse porcentual se aproximou dos homens”, comenta. “As mulheres têm que estar à
50%.
frente de cargos de liderança, sejam políticos, sejam
Quando se fala em associação a sindicatos, em representação sindical”, finaliza a professora.
Revista do Professor - SINPRO ABC
15
Especial
1968:
40 anos depois
A história contada e analisada por quem participou de forma intensa
da luta dos estudantes no Brasil
Por Glauco Faria e Pedro Venceslau*
“
Depois daquele ano, o mundo não
foi mais o mesmo, embora o que a
compulsão simplificadora da mídia
relembre hoje como 68 tenha sido, na
verdade, uma rebelião plural e diversificada. Isto é,
vários 68 coincidindo, com as suas peculiaridades
locais, em diversos países. O nosso, por exemplo,
foi deflagrado quando a Polícia Militar do Rio,
então sob o comando do Exército, matou, no
restaurante estudantil do Calabouço, em 28 de
março, o estudante Edson Luís, que participava
com colegas de manifestação pela melhoria da
comida e da higiene; a francesa começou quando
os universitários de Nanterre resolveram exigir o
fim das barreiras que separavam os dormitórios
masculino e feminino no campus. Não deixa de ser
interessante distinção entre as aflições do terceiro e
do primeiro mundos”.
O depoimento acima é de Arthur Poerner,
à época com 28 anos e quintanista da Faculdade
Nacional de Direito da Universidade do Brasil
(atual UFRJ), e dá uma mostra do que foi aquele
ano histórico no país. Ao mesmo tempo em que a
ditadura militar começava a endurecer a repressão,
que chegaria no auge com o advento do AI-5 em
dezembro, o movimento estudantil tomou corpo
e passou a ter uma importância fundamental
na resistência contra o regime autoritário. Ao
mesmo tempo, novas concepções estéticas e
comportamentais promoveram uma verdadeira
revolução no modo de agir e de pensar do brasileiro,
influenciando de forma decisiva a ação política de
esquerda.
16
Revista do Professor - SINPRO ABC
O estudante citado por Poerner, Edson Luís
de Lima Souto, 18 anos, não era exatamente o
padrão “classe média” que alguns historiadores
dizem ser o tipo do estudante que participava das
manifestações célebres de 1968. Nascido em Belém,
mudou-se para o Rio de Janeiro e continuou seus
estudos secundários no Instituto Cooperativo de
Ensino, que funcionava no restaurante Calabouço.
E nesse refeitório, ocupado por estudantes, que
o paraense foi alvejado pela repressão policial e
acabou morrendo antes de receber socorro médico.
Era 28 de março de 1968 e outras seis pessoas
ficaram feridas na ocasião, sendo atendidas no
Hospital Souza Aguiar.
Morto, Edson tornou-se um símbolo. Foi
levado para a Assembléia Legislativa por estudantes
e velado ali mesmo, em cima de uma mesa, onde
também foi feita a necrópsia. O enterro, no cemitério
São João Batista, foi precedido por uma passeata que
levou o seu corpo até o local. Aproximadamente 50
mil pessoas gritavam “mataram um estudante. E se
fosse seu filho?” e faixas questionavam: “Bala mata
fome?” e “Os velhos no poder, os jovens no caixão”.
Era o início de uma série de manifestações
estudantis que daria uma outra forma à luta política
e à resistência contra a ditadura. Naquele ano,
oficialmente outras nove pessoas seriam mortas na
repressão aos protestos liderados, em sua maioria,
por estudantes. No dia 1o de abril seguinte, nova
onda de protestos em função do aniversário
daquilo que os militares chamavam de “revolução”.
No Rio de Janeiro, um confronto entre policiais e
estudantes deixou 56 feridos, sendo 30policiais.
Mas um funcionário da Companhia de Navegação
Costeira, David de Souza Meira, e o estudante de
Medicina Jorge Aprígio de Paula foram mortos por
policiais que tentavam dispersar manifestantes
desarmados. Cogita-se até que David não fazia
parte da passeata.
Na manhã do dia seguinte, 2 de abril, foi
realizada na Candelária uma missa em homenagem
a Edson Luís, celebrada pelo bispo auxiliar da
cidade e mais quinze padres. Já no transcorrer da
cerimônia, policiais, fuzileiros navais e agentes do
Departamento de Ordem Política e Social (Dops)
cercaram a saída da igreja. Um esquadrão da
cavalaria da polícia, armado de sabres, bloqueia
os portões. Os padres formam um cinturão de
mãos dadas protegendo aproximadamente 2,5
mil pessoas. Conseguem convencer os soldados
de que não haveria passeata. Ainda assim, houve
Arthur Poerner
“No Brasil, a ditadura se viu obrigada a tirar o que lhe restava
de máscara democrática, o que contribuiria para o seu
inglório final; na França, as mulheres casadas se livraram da
até então obrigatória autorização dos maridos para abrir
contas bancárias, e as relações entre professores e alunos se
tornaram menos autoritárias (já podem até se tratar por “tu”).
Pelo mundo afora, México, Alemanha, Tchecoslováquia etc.,
um alento libertário sacudiu relações anacrônicas de poder e
ridicularizou a caretice, reforçando os movimentos ecológicos,
feministas, das minorias raciais e sexuais; enfim, fortalecendo a
luta mundial pela igualdade e pelos direitos humanos.”
perseguição a pequenos grupos de estudantes
após a dispersão, mas o pior é evitado.
Além do contexto político brasileiro, o
panorama internacional favorecia e inspirava a ação
dos estudantes no país. “É fato que as lutas no Brasil
uniram-se ao furacão que atravessou o mundo
naquele ano: maio em Paris, revoltas estudantis na
Alemanha, na Itália e na Inglaterra, movimentos
contra a guerra do Vietnã e o racismo nos Estados
Unidos, protestos de rua em Tóquio. Também
o bloco socialista foi abalado com a invasão da
Tchecoslováquia, onde o Partido Comunista local
tentava conciliar socialismo com liberdade. E a
ofensiva do Tet, o ano novo budista, contra as
tropas americanas no Vietnã, mostrou que o triunfo
do Vietcong era uma questão de tempo”, avalia o
ministro da Comunicação Social Franklin Martins,
que estudava Economia e era ligado à Dissidência,
uma organização política com base universitária
que havia rompido com o Partido Comunista.
Contudo, Martins, que participou ativamente
das movimentações à época, assegura que a ação
estudantil no país não era uma mera extensão
do que ocorria em outros países. “Esse turbilhão
internacional produziu um caldo de cultura propício
para o surgimento e o crescimento do movimento
estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por
aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto
que as primeiras grandes manifestações no Rio
ocorreram em fins de março, bem antes, portanto,
do Maio francês ou da Primavera de Praga”, esclarece.
“Pessoalmente, creio que bem maior, no coração
e na mente dos jovens brasileiros, foi o impacto
da ofensiva do Tet [ataque lançado pelos nortevietnamitas contra as forças estadunidenses e sulvietnamitas em 31 de janeiro de 1968, na Guerra
do Vietnã]. A sensação foi de que, se os vietnamitas
podiam vencer a mais poderosa máquina de guerra
do mundo, por que o povo brasileiro não poderia
derrubar a ditadura?.”
Um dos líderes das manifestações de 1968
no Rio de Janeiro era o então presidente da União
Revista do Professor - SINPRO ABC
17
Franklin Martins
"O movimento estudantil também deixou um legado de
mudanças em hábitos, comportamentos, cultura, relações
familiares, relações entre casais, sexo, que nos fizeram ser
hoje um país menos careta do que éramos no final dos
anos 60. E isso é bom. Além de tudo, 1968 ajudou que nos
abríssemos para o mundo e para a novidade. Deixou o país
mais antenado e menos provinciano, sem que com isso ele
deixasse de valorizar o que é seu. E isso também é bom. "
Metropolitana dos Estudantes (UME) e graduando
em Direito na Universidade do Brasil, Vladimir
Palmeira. À época, também era “foca” do jornal
Última Hora. “Eu era – e continuo sendo – socialista.
Achava que a revolução era a saída para o Brasil, mas
não era militarista, defendia a insurreição urbana
e a guerrilha rural. No movimento estudantil nós
só usamos a violência, em 1968, para mostrar que
queríamos dialogar”, pontua.
Palmeira fazia parte de uma vertente do
movimento estudantil que via a necessidade de
se trabalhar a base nas próprias escolas, tendo
como foco temas como a discussão do currículo,
as condições do professor, as verbas para a
universidade pública. Mas a mobilização e a força
do movimento faziam dos estudantes personagens
centrais na resistência, alcançando uma visibilidade
maior do que as articulações que eram feitas no
plano institucional. “Hoje, avalio que as ações
estudantis do Rio foram corretas. Nós defendíamos,
nas entidades, a luta contra a política educacional
do governo, e não contra a ditadura. Queríamos
mais verbas para a universidade. Foi a ditadura
que se encarregou de politizar nosso movimento”,
recorda.
“O agito parisiense de 1968 teve reflexos
em todos os cantos do mundo, mas aqui havia
peculiaridades próprias porque vivíamos numa
ditadura. A repressão aos sindicatos era mais
violenta e fora o MDB, único partido de oposição
‘permitido’, foram os estudantes que orientaram
a grande reação”, relembra outro importante líder
estudantil da década de 60, o ex-ministro José
Dirceu. “O movimento estudantil começou com
bandeiras próprias, buscando ensino superior
gratuito e de qualidade para o jovem brasileiro
e, lógico, mais liberdade, menos autoritarismo.
Depois, a repressão crescente foi um fator a mais
para que conquistasse as ruas. Essa militância mais
política legitimou o movimento como uma reação
de massa àquela situação terrível.”
O historiador Daniel Aarão Reis, presidente
da UME que antecedeu Palmeira, argumenta que o
ano de 1968 se tornou especial para todos aqueles
que se interessavam de perto pela política com
18
Revista do Professor - SINPRO ABC
uma concepção de esquerda, abrindo um leque
de expectativas que duraria até a promulgação
do Ato Institucional número 5. Segundo ele, é
preciso ressaltar uma importante diferença entre os
movimentos sociais e as organizações revolucionárias
que participavam e, até então, em parte dirigiam
politicamente o processo de lutas. “Trata-se de uma
distinção formulada há anos pelo Vladimir Palmeira,
amigo pessoal, e maior líder do movimento
estudantil em 1968, e que nem sempre é percebida
com a devida acuidade”, explica. “Os movimentos
sociais, entre eles o movimento estudantil, se
pautavam por um programa fundamentalmente
sindical, com reivindicações precisas, concretas,
graças a isso inclusive os movimentos cresceram
tanto na época. Politicamente, o que a ampla
maioria queria era a restauração da democracia, das
liberdades democráticas”, sustenta. “As organizações
revolucionárias, embora empenhadas nas lutas
sociais, tinham outras perspectivas, articuladas em
torno de um projeto revolucionário, de derrubada
violenta da ditadura para instauração de uma
sociedade revolucionária, surgindo aí muitas
divergências entre os grupos revolucionários que se
inspiravam – sem copiar – nas grandes experiências
revolucionárias do século XX: Rússia, China e Cuba.”
Segundo o historiador, muitas das
organizações revolucionárias ficaram surpresas
com a “explosão” social de 68, e tiveram uma certa
dificuldade de avaliar aqueles movimentos sob a
perspectiva revolucionária. “[A visão deles] passava
muito mais pelo enfrentamento armado –guerrilhas
urbanas e rurais – do que por uma articulação
complexa entre movimentos sociais e lutas políticas
e militares”, pontua.
O endurecimento
Estudantes, trabalhadores, artistas, padres
e parlamentares. Eram eles e milhares de outras
pessoas que davam um colorido especial à
Cinelândia, Rio de Janeiro, naquele 26 de junho
de 1968. Calcula-se que 100 mil pessoas tenham
participado do evento que não foi apenas contra a
ditadura, tinha diversos outros focos. Fazia oposição
à política educacional do governo e questionava o
capitalismo estadunidense.
Em São Paulo, os estudantes também se
mobilizavam (ver página 14). Uma reunião da
direção da União Nacional dos Estudantes (UNE)
no mês de julho decidiu que a realização do 30º
Congresso da UNE seria em São Paulo e a União
Estadual dos Estudantes (UEE) seria a responsável
pela organização. “O local não poderia ser um
convento de religiosos como nos congressos
anteriores porque a repressão poderia localizá-lo
com facilidade”, conta Paulo de Tarso Venceslau,
que estudava Economia na USP e foi um dos
organizadores do Congresso, que se realizou em
Ibiúna e terminou com a prisão de mais de 800
estudantes.
Às vésperas do início do Congresso, em 2 de
outubro, eclodiu um episódio até hoje conhecido
como a batalha da rua Maria Antônia. “O conflito
foi resultado de provocações articuladas pelo
chamado Comando de Caça aos Comunistas
(CCC) – que tinha na universidade Mackenzie sua
principal base de operações”, recorda Venceslau.
“Lá se embaralhavam agentes como Raul Careca,
um delegado do Dops [Departamento de Ordem
Política e Social], até capitão Maurício, que no DOICodi, no ano seguinte, seria chefe de uma equipe
de torturadores. Foram eles que plantaram, no meio
dos estudantes da USP, um agente provocador,
Brasil de Oliveira, um dos responsáveis pelo começo
do confronto. Para nós, não havia o menor interesse
em chamar atenção sobre o movimento estudantil
porque o 30º Congresso da UNE estava agendado
para a segunda semana de outubro e estava sendo
encaminhado desde agosto em todos os estados
do Brasil”, relata.
Naquele dia, estudantes da Filosofia da USP
recolhiam fundos para a realização do Congresso
quando foram atacados por pessoas identificadas
com a universidade Mackenzie. Venceslau contesta a
versão de que o conflito se deu simplesmente entre
mackenzistas e uspianos. “Até porque nossos aliados
detinham o controle das entidades estudantis do
Mackenzie, inclusive o DCE [Diretório Central de
Estudantes]. Todos nós vimos e testemunhamos
viaturas do Exército brasileiro descarregando
rojões e armas de fogo, sob o comando do capitão
Maurício, na entrada lateral do Mackenzie, na rua
Itambé”. Um dos tristes resultados do conflito foi o
assassinato do secundarista José Guimarães.
Outro ponto importante na mobilização
dos estudantes e que se tornou fundamental para
o endurecimento do regime militar aconteceria
no dia 1o de setembro. A Universidade de Brasília
fora invadida por um grupo de agentes à paisana
sob o pretexto de procurar o estudante Honestino
Guimarães, que seria morto mais tarde. O resultado
foi uma série de espancamentos, tumultos e tiros
disparados pela repressão.
Em vista da situação, o deputado Márcio
Moreira Alves fez dois discursos na Câmara nos dias
2 e 3. Por conta desses proncunciamentos, o então
procurador-geral da República, Délio Miranda,
entrou com uma representação no Supremo Tribunal
Federal (STF), acusando o deputado de “abusar dos
direitos individuais e políticos, praticando atentado
contra a ordem democrática, vilipendiando as
Forças Armadas”. Um dos trechos pinçados pelo
procurador no primeiro discurso de Moreira Alves
dizia: “Quando poderemos ter confiança naqueles
que devem executar e cumprir as leis? Quando não
será a polícia um bando de facínoras? Quando não
será o Exército um valhacouto de torturadores?”. A
palavra “valhacouto” equivale a asilo, refúgio.
Além disso, ficou célebre a segunda ocasião,
ocorrida em um horário das sessões reservado para
pequenos pronunciamentos, onde ele disse: “Vem
aí o 7 de Setembro. As cúpulas militaristas procuram
explorar o sentimento profundo de patriotismo do
povo e pedirão aos colégios que desfilem junto
com os algozes dos estudantes. Seria necessário
que cada pai, cada mãe, se compenetrasse que a
presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio
aos carrascos que os espancam e os metralham
nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse esse
desfile. Esse boicote pode passar também – sempre
falando de mulheres – às moças que dançam com os
cadetes e namoram os jovens oficiais. Seria preciso
fazer hoje no Brasil com que as mulheres de 1968
repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e
recusassem a entrada à porta de suas casas àqueles
que vilipendiam a Nação, recusassem aqueles que
silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar
em silêncio pouco adianta”.
No dia 12 de dezembro, a maioria da
Câmara dos Deputados votou contra o pedido para
processar Marcio Moreira Alves. Esse foi o pretexto
para que a linha dura do governo vencesse a disputa
interna resultando no AI-5, promulgado em 13 de
dezembro e que dava poderes absolutos ao regime,
fechando o Congresso Nacional por quase um ano,
Paulo de Tarso Venceslau
"Hoje, muitas análises abstraem a força, a intensidade,
a velocidade e a dimensão planetária daquele contexto.
Portanto, apesar de falhas e desvios, não há do que se
arrepender, desde que se entenda o clima daquele ano. Não
há dúvida que a inexperiência, o voluntarismo, os excessos
decorrentes da pouca idade marcaram nossa atuação. Mas
eram os poucos recursos que dispúnhamos para encontrar
coragem para enfrentar o aparato repressivo do Estado
controlado pelos militares e políticos golpistas."
Revista do Professor - SINPRO ABC
19
José Dirceu
"Os movimentos de 68 foram responsáveis por uma verdadeira
revolução cultural por meio da música, do feminismo, do amor livre,
da arquitetura, literatura e as artes de uma forma geral. Também
faço parte da primeira geração que estuda e trabalha fora. Meu
maior sonho era entrar na faculdade e, quando consegui, vi aquele
cemitério, tudo vazio. Foi o maior choque da minha vida. Essa
sensação me fez entrar na militância política. Foi um período de
criatividade intensa que trouxe ótimos frutos para as gerações de
hoje. Graças aos questionamentos que fizemos lá, hoje vivemos
uma liberdade incrível."
conferindo poderes ao presidente da República
para decretar estado de sítio e suspendendo a
admissibilidade do habeas corpus para “crimes
políticos”. Os movimentos populares tiveram seu
golpe de morte àquela altura. A repressão os
empurrou para a clandestinidade.
O legado de 1968
Passados 40 anos de uma luta que mudou
não apenas os rumos do regime autoritário que
vigorava no Brasil, mas também a própria forma
de luta política, como avaliar a importância
dos acontecimentos de 1968? Para Aarão Reis,
é preciso destacar as múltiplas dimensões dos
atores que se organizavam a partir dali, como os
chamados novos movimentos sociais, mulheres,
negros, homossexuais, índios e outros que não
queriam acompanhar o discurso tradicional das
organizações revolucionárias de “vanguarda”, de
tradição marxista-leninista. “Não aceitavam mais
a dogmática marxista-leninista, esta poderosa
religião laica, nem estavam dispostos a esperar os
‘amanhãs que cantam’ para verem seus propósitos
e reivindicações realizados”, aponta Reis. “Queriam
o que queriam aqui e agora, e isto despedaçou a
constelação das esquerdas em 1001 pedaços. As
esquerdas tradicionais nunca perdoaram o ano de 68
por ter sido o ‘revelador’ destes novos movimentos
que se situariam, mais tarde, e na seqüência, como
grandes atores na cena política. Eles, a rigor, foram e
são até hoje o grande legado positivo e construtivo
daquele ano.”
Frei Betto, que estudava Antropologia
na USP e militava na Ação Libertadora Nacional
(ALN), comandada por Carlos Marighella, acredita
que uma das grandes conquistas foi justamente o
desenvolvimento de formas de organização dos
estudantes, algo que influencia ainda hoje o meio
universitário. “O maior legado é a capacidade de
mobilização do movimento estudantil, como
recentemente se viu na Universidade de Brasília,
com a deposição do reitor e do vice-reitor”, fazendo
uma comparação com o episódio da ocupação
20
Revista do Professor - SINPRO ABC
da reitoria da UnB. “Pena que, hoje, os fatores
de desmobilização sejam mais fortes que os de
mobilização. Mas ficou a certeza de que é na
juventude que nos impregnamos de valores éticos,
revolucionários, solidários, na busca de um ‘outro
mundo (e Brasil) possível’.”
De acordo com Venceslau, o grande feito
dos movimentos estudantis está associado ao
enfrentamento contra uma sociedade autoritária.
“Sem aquele tipo de contestação, a ordem das
coisas não muda. A repressão aos estudantes, em
1968, no Brasil, deveu-se muito mais à contestação
da ordem e dos costumes do que às propostas
políticas revolucionárias de pequenas organizações
clandestinas”, analisa.
“Naquela situação, não havia muitas
alternativas. Era tudo ou nada porque veio o AI-5
e não dava para fazer movimento de massa. Os
caminhos eram muito restritos. O golpe dentro do
golpe (o AI-5) foi duríssimo”, pondera José Dirceu,
que atribui a ação dos estudantes à imposição
daquele momento histórico. “Não era escolha, não
era opção. O movimento estudantil é, injustamente,
responsabilizado pelo endurecimento da ditadura.
Na verdade, basta olhar aquele passado, buscar a
verdade para perceber que ele viria de qualquer jeito.
Pagamos o preço, fomos às últimas conseqüências,
reviramos nossas vidas, mas somos vitoriosos.”
A discussão sobre se as estratégias adotadas
eram as mais corretas ou se tudo poderia ser feito
de outra forma sempre vai existir e até hoje causa
dissenso entre quem participou daquele momento
histórico. Mas, sem dúvida, o legado de 1968 vai
muito além. “Acho curiosa a preocupação com
eventuais ações equivocadas. Porque, no fundo,
equivocado era apoiar a ditadura, ou não lutar
contra ela e ficar em casa esperando o carnaval
chegar. Quem luta, acerta e erra; quem não luta, só
erra”, aponta Franklin Martins. “Penso sempre com
respeito e carinho nos que lutaram quando era
tão difícil lutar. Dou muito pouca importância aos
seus erros. Até porque os que lutavam, errando ou
acertando, pagaram um preço muito alto por não se
conformarem com a repressão e a injustiça: prisão,
tortura e muitas vezes assassinato. A geração de
1968 poderá ser acusada de muitos erros, mas dela
ninguém poderá tirar o maior de seus méritos: ter
se entregado de corpo e alma àquilo que ela achava
melhor para o Brasil e para o mundo. Foi bom ter
vivido aquele tempo, foi fantástico conviver com
tanta gente extraordinária.”
*Publicado na Revista Fórum / maio 2008
Mais uma novidade do
SINPRO ABC exclusiva
para você, sócio!
Revista do Professor - SINPRO ABC
21
22
Revista do Professor - SINPRO ABC
Revista do Professor - SINPRO ABC
23
Cuide do seu futuro brincando
Com a ajuda do economista Luis Carlos Ewald, CAIXA incentiva
aportes extras na previdência complementar
Quem não gostaria de ter uma consultoria financeira sempre à mão quando precisasse investir um
dinheiro extra, reduzir as despesas domésticas ou controlar melhor os gastos? Pensando nisso, o
professor Luis Carlos Ewald – economista e orientador de finanças familiares – para dar aos seus clientes
dicas de economia. Nos vídeos, disponíveis na página da Caixa (www.caixavidaeprevidecia.com.br),
Ewald explica as vantagens de investir em previdência complementar, além da necessidade cada vez mais
crescente de ter uma boa gestão financeira em casa. “O grande segredo é cuidar do seu dinheiro agora
para que ele possa cuidar de você depois”, garante.
A consultoria “gratuita” faz parte da campanha recém-lançada pela empresa para divulgar as vantagens
de investir na previdência complementar. “A previdência continua sendo, de longe, um dos melhores
investimentos que se pode fazer a longo prazo”, afirma o diretor da CAIXA VIDA & PREVIDÊNCIA, Juvêncio
Braga. “E o mercado vem crescendo a olhos vistos. Prova disso é que nosso faturamento total (PGBL e
VGBL) cresceu 53,25% entre agosto de 2007 e agosto de 2008. Um dos melhores resultados do setor.
Durante esse período, também tivemos um aumento significativo em nossa reserva: 33,47%".
Acontece na vida - O jogo “Acontece na Vida” será distribuído aos novos e antigos clientes que fizerem
depósitos a partir de R$ 1 mil na previdência da CAIXA e àqueles que contratarem um seguro de vida
no banco, até o dia 29 de dezembro ou até o final do estoque do brinquedo. “A nossa preocupação é
educar as pessoas quanto ao cuidado do futuro. Como sabemos que se trata de uma mudança cultural
e de comportamento, buscamos estratégias lúdicas para que o aprendizado se dê de forma simples e
permanente”, afirma o diretor da CAIXA VIDA & PREVIDÊNCIA. “Na prática, o jogo mostra que é possível
proteger a família, o patrimônio e o futuro desde já. E quanto antes, melhor, pois o impacto no orçamento
será menor.”
Benefício fiscal – Final de ano é tempo de gratificação, décimo terceiro salário e férias. Momento propício
para investir em um futuro tranqüilo e, ao mesmo tempo, driblar o Imposto de Renda. Para desfrutar
do benefício fiscal, basta contratar ou fazer novos aportes em um plano PGBL, contribuir para o INSS e
fazer a declaração completa de IR. O produto permite ao participante deduzir as contribuições realizadas
no ano, até o limite de 12% da renda bruta anual, na declaração do Imposto de Renda. Dessa maneira,
paga-se menos impostos no curto prazo e é possível acumular uma reserva maior de recursos, que
afetará positivamente a rentabilidade dos mesmos. O imposto deduzido hoje será descontado somente
no momento do resgate dos recursos. Em sua página na Internet, a CAIXA VIDA & PREVIDÊNCIA oferece
um simulador moderno e eficiente, capaz de indicar ao cliente o valor a ser abatido do imposto, caso ele
invista em um plano PGBL. Assim, fica ainda mais fácil comprovar as vantagens do benefício fiscal.
E tem mais: os associados ao SINPRO - SINDICATO DOS
PROFESSORES DO ABC podem aderir aos planos com
condições diferenciadas.
· Taxa de Administração: 2% a.a. (Renda Fixa) e 1,5% a.a. (Renda Variável)
· Taxa de Carregamento: 0%
· Contribuição Mínima de Pecúlio: R$ 20 reais;
Procure já uma agência
a CAIXA e faça o seu.
24
Revista do Professor - SINPRO ABC
Que ano!
Autor do livro "1968, por aí... Memórias burlescas da ditadura" conta
um pouco do cotidiano dos estudantes à época
Por Mouzar Benedito *
C
om muita justiça, o ano de 1968 virou algo
mitológico na história do Brasil e do mundo,
seja no plano político ou de costumes. (...) O
crédito de tudo que aconteceu, inclusive aqui, costuma ser
dado aos estudantes franceses que abalaram a república
de De Gaulle em maio daquele ano. Tudo começou com
uma greve contra uma reforma universitária, e a coisa foi
se radicalizando e virou um protesto generalizado, com
batalhas de rua contra a polícia.
Mas a coisa não foi bem assim, para nós brasileiros.
Nossos protestos começaram antes, contra o acordo MECUsaid, contra o imperialismo e contra a ditadura em que
vivíamos. No dia 28 de março, portanto bem antes do
famoso Maio de 68 francês, houve um protesto estudantil
no restaurante da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
conhecido como Calabouço, e a repressão foi muito
violenta. Na ocasião, morreu um estudante, Edson Luís de
Lima Souto, de apenas 18 anos. (...)
Nossa luta era outra. Não vivíamos numa democracia
como os estudantes franceses. Aqui tínhamos uma ditadura
submissa aos interesses do capitalismo internacional,
especialmente dos Estados Unidos, e queríamos o fim
tanto da ditadura quanto do imperialismo.
Isso explica uma coisa que muita gente não
compreende até hoje: a vaia a Caetano Veloso num
festival de música da Globo, em agosto de 1968, no
Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). A música dele tinha como título o lema dos
estudantes franceses, “É proibido proibir”, enquanto os
estudantes brasileiros se identificavam mais com a música
“Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré,
apresentada um pouco antes. (...)
Isso não significa que estivéssemos desligados
do que acontecia no mundo. Vibrávamos com a derrota
que os vietnamitas impunham aos poderosos EUA e seus
aliados, cultuávamos o mito Che Guevara que se iniciava
Revista do Professor - SINPRO ABC
25
(ele foi morto menos de três meses antes do início de
1968), usufruíamos a chegada da pílula anticoncepcional
que acabou com o mito da virgindade, acompanhávamos
os acontecimentos da China, onde ocorria a “Revolução
Cultural” com seus muitos excessos, nos informávamos
sobre o movimento hippie que ocorria nos Estados
Unidos e que logo chegaria aqui, com o lema “paz e amor”,
e muitos de nós (não eu) eram apaixonados pela música
dos Beatles.(...)
Em 13 de dezembro daquele ano, a ditadura
radicalizou, com a edição do Ato Institucional nº 5, o
famigerado AI-5, que, entre muitas outras coisas ruins,
permitia à polícia prender sem motivos e, indiretamente,
torturar e matar opositores. Para o ex-reitor da USP e
então ministro da Justiça, Gama e Silva, ainda era pouco.
Ele queria mais, babava por sangue. E o mitológico ano de
1968 terminou com o início de uma nova fase na história
do Brasil, de violência, medo, prisões, tortura, morte e
exílio. Mas também de muita esperança.
O típico “meia-oito”
Barba ou cavanhaque, cabelos compridos, calça
jeans e camiseta, sandálias (...) alguma novidade? Hoje,
não, mas na época era. Até então, a maioria das empresas
exigia que seus empregados não operários usassem
roupas formais, gravata, cabelo arrumadinho, barba feita
todos os dias e calçados engraxados. (...)
Cabeludo podia ser considerado adepto da Jovem
Guarda, fã de Roberto Carlos, coisas por aí. Mas barbudo,
não! Barbudo era de esquerda. Pelo menos era o que
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Revista do Professor - SINPRO ABC
pensava quase todo mundo, com uma certa razão. Os
guerrilheiros da Revolução Cubana eram barbudos. Mas
para se infiltrar entre os estudantes, muitos policiais
também deixaram a barba crescer. Um dos policiais mais
sádicos do Dops tinha o apelido de JC, iniciais de Jesus
Cristo, por causa do cabelo e da barba compridos.
Já havia muitas repúblicas de estudantes antes
disso, mas a partir daí “morar em comunidade”, como
alguns diziam, se tornou quase uma obrigação. Até casais
não estudantes entravam nessa.
(...) A universidade era muito melhor do que hoje,
mas – pelo menos na USP – aprendíamos muito mais nos
corredores do que nas salas de aula. Procurávamos nos
“embasar” sobre qualquer assunto novo, estudando muito,
discutindo, questionando. Nos corredores e no pátio do
prédio de Geografia e História, onde estudei, havia sempre
grupos se reunindo para discutir alguma coisa, inclusive
aos sábados e domingos.
O “meia-oito” típico podia ser chamado de um
monte de coisas, como radicalóide, revolucionário de
boteco, sonhador, iconoclasta, maluco... mas não de
alienado, de desinformado ou qualquer coisa por aí.
Fazendo história
Em São Paulo, duas instituições que podiam ser
consideradas os principais focos de oposição à ditadura
eram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP,
com sede na rua Maria Antônia, na região central da
cidade, mas com muitos cursos já na Cidade Universitária,
e o Crusp, Conjunto Residencial da USP. Eu estudava
naquela faculdade e morava no Crusp. Não era líder
de nada, embora tenha sido da direção do Centrinho
acadêmico de Geografia e depois representante dos
alunos na Congregação da faculdade.
Para quem não viveu aquele momento, parece
hoje que éramos militantes 24 horas por dia, só pensando
em política. Não era bem assim, nós nos divertíamos
bastante também. (...) Além de namorar muito, ouvíamos
muita música, bebíamos, sambávamos... e gozávamos a
ditadura! Fazíamos tudo que um jovem de hoje faz, só que
íamos além disso, tínhamos uma perspectiva histórica e
uma luta.
Nunca me filiei a nenhuma organização política,
mas tinha boas relações com muitas, às vezes fazia umas
panfletagens em bairros operários e outros trabalhinhos
assim. Havia muita gente igual a mim, e muitos de nós nos
reuníamos num boteco barateiro da entrada da Cidade
Universitária, o Bar da Tia Rosa. Quando começávamos
a nos sentir em risco, com a polícia nos rodeando,
procurando saber o que fazíamos de “sério” contra a
ditadura, promovíamos uma culhãozada de boi no Bar da
Tia Rosa (...) Ter fama de bagunceiros fazia bem pra saúde.
Cadeia para todos
Muitos de nós tivemos nossas passagens pela
polícia, seja por uma noite, por alguns dias ou por muitos
anos. Depois a coisa engrossou, a tortura tornou-se rotina
e foi mais aprimorada, mais cruel e covarde, matava-se
presos...
Mas ainda em 68, mesmo dentro da cadeia,
procurávamos incomodar os caras. Lembro-me que
quatro dias depois de instituído o AI-5, uma invasão
militar prendeu quase todos os moradores do Crusp, mais
de 1.200 estudantes. Os que escaparam foi porque não
estavam lá na madrugada de 17 de dezembro ou porque
estavam de sentinela e fugiram quando chegou aquela
imensidão de soldados. A grande maioria saiu da cadeia
na noite seguinte, sobrando apenas 78 de nós, divididos
em três celas do presídio Tiradentes (que sacanagem pôr
o nome dele num presídio). Vimos que em uma cela em
frente tinha umas figuras prestando atenção nas nossas
tentativas de comunicar de uma cela com outra aos gritos,
para propor alguma encheção de saco contra os nossos
algozes. Eram policiais.
Como passar as decisões das “assembléias
de cela” para os colegas das outras celas, sem que os
policiais ouvissem? Em cada cela havia pelo menos um
estudante que falava japonês. E eles se tornaram nossos
“comunicadores”, gritando para os japoneses de outras
celas, que repassavam as decisões em português para os
colegas presos. Ríamos muito com o olhar embasbacado
dos policiais.
As brigas com a direita
A direita não era constituída só pelos militares, ao
contrário, havia muitos civis apoiando a ditadura. Afinal, o
partido do regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena)
era o mais forte e tinha líderes que estão aí até hoje, como
Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Paulo Maluf e José
Sarney, além do ACM. E tinha o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), cuja base principal era a Universidade
Mackenzie, que ficava na rua Maria Antônia, bem em
frente à Faculdade de Filosofia, foco da esquerda.
Não podia dar outra, e não deu. Em 68 estourou
uma briga feia em que a polícia chegou... e se aliou aos
mackenzistas. Destruíram a Faculdade de Filosofia, com
tiros e bombas. Um estudante foi morto e vários ficaram
feridos.
Mas até nisso tínhamos um lado quixotesco que
sempre achei interessante. Era uma época em que a
América Latina estava dominada quase totalmente por
ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos e, em vários
países, militantes de esquerda seqüestravam aviões e os
desviavam para Cuba, para se exilar lá. No Brasil não tinha
acontecido nenhum seqüestro de avião. Na briga da Maria
Antônia, correu um boato de que o CCC tinha se juntado a
policiais para atacar o Crusp e um líder estudantil não teve
dúvidas: juntou um bando de estudantes da Faculdade
de Filosofia, parou um ônibus que tinha o Aeroporto
de Congonhas como destino, mandou os passageiros
descerem e o desviou para o Crusp. “Seqüestro de ônibus!”,
gozei quando soube.
Enfim, 1968 não é lembrança só de tempos trágicos,
nem só de tempos heróicos. Era também um tempo de
criatividade, de militância política com humor. E como já
disse, de muita esperança, de uma sensação boa de fazer
parte da História.
* Trechos da matéria publicada na Revista Fórum, em
maio de 2008. Mouzar era estudante de Geografia na USP,
em 1968.
A íntegra desse texto pode ser encontrada em www.
revistaforum.com.br
Daniel Aarão Reis
"Para uma melhor compreensão
do ano, penso que deveriam também ser analisadas
as forças que apostaram na contra-corrente dos
movimentos sociais, as forças frias, cinzentas,
reacionárias ou simplesmente indiferentes. Elas
ganharam a parada em 68. Sem estudar as tradições
que estas forças vitoriosas representam, corremos
o risco de apenas celebrar os derrotados, o que
é sempre estimulante, mas nem sempre ajuda a
compreender os fundamentos sociais e históricos
das derrotas. "
Revista do Professor - SINPRO ABC
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Nacional
Que crise
é essa?
Para entender essa “crise”, é preciso entender a globalização, os
seus prós e os seus contras
Ilustração: Israel Barbosa
Por Ítalo Aretini*
O assunto é bastante complexo, mas os seus
fundamentos podem ser entendidos por todos.
Como ninguém ignora, está em pleno andamento
uma “crise”, com extensão e efeitos de difícil
avaliação. Porém, uma coisa é certa: ela é muito grave
e atingirá a todos nós. Até os próprios governos não
estão bem certos. As reuniões internacionais se
sucedem, mas a crise avança. Tentemos entender os
fundamentos da “crise” atual, cujas raízes remontam
aos primeiros anos da década de 1990 e até a
períodos anteriores.
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Revista do Professor - SINPRO ABC
Antecedentes
Do final da segunda guerra mundial (1945)
até 1975, aproximadamente, a economia capitalista
passou por um longo período de crescimento
econômico, a chamada “era de ouro”, ou anos
dourados. Nesse período, a economia era baseada
no “mercado”, na acumulação de capital, na
exploração cada vez maior da mão de obra e no
uso predatório dos recursos naturais, além da busca
desenfreada do lucro a qualquer preço.
Durante esses trinta anos, as economias dos
países centrais (EUA, Europa Ocidental e Japão)
cresceram muito; na América Latina e em alguns
países da Ásia, como a China, por exemplo, houve
um razoável crescimento econômico. Mas no resto
do mundo (África, Índia e países do sudeste asiático),
os resquícios da descolonização e o grande atraso
econômico deixaram graves problemas econômicos
e seqüelas.
Na década de 1970, surgiram várias crises,
como a energética e a das dívidas externas em
diversos países (inclusive o Brasil), o que acarretou
um rearranjo dos sistemas e cadeias produtivas em
nível mundial.
A união (“conluio?”) que existia entre os
grandes grupos multinacionais e os trabalhadores
organizados dos países centrais (unidos em
sindicatos fortes e poderosos), foi aquinhoada com
generosas políticas sociais (“subornos sociais?”).
Haviam colaborado para conter o avanço do
comunismo, já não se apresentava tão favorável,
com tendência à redução desses benefícios.
Na década de 1980, o bloco “socialista” estava
em processo de exaustão. As grandes empresas
passaram a atuar em mercados globais e a divisão
macro-econômica do trabalho passou a ter uma
importância cada vez maior. Os mercados passaram
periodicamente por grandes flutuações e os ciclos
econômicos foram ficando cada vez mais curtos.
A inovação tecnológica também teve um papel
fundamental. A “flexibilização” (que deve ser
entendida como exploração) nas economias foi
enfatizada para haver estabilidade econômica.
As garantias sociais que protegiam os
trabalhadores foram consideradas excessivas, em
mercados cada vez mais competitivos. Do lado da
produção ocorreram grandes avanços tecnológicos,
que aumentaram a produtividade de forma brutal.
Até meados dos anos da década de
1970, o ciclo 'investimento, produção, lucro', reinvestimento, mais produção e mais lucro etc,
aumentava a capacidade produtiva e ocupava mais
mão de obra, criando demanda para a produção.
Daí em diante, os aumentos de produtividade
e de produção foram obtidos basicamente através
de técnicas de gestão, telecomunicações e software,
sem investimentos importantes em capacidade
física de produção, exigindo pequenos acréscimos
de mão de obra (altamente qualificada) e, em
muitos casos, desempregando a mão de obra já
ocupada, considerada “superada”, causando, assim,
um desemprego muito grande em áreas tradicionais
de ocupação.
Em paralelo, o consumismo desenfreado
se alastrou pelo mundo, constituindo-se em fator
importante da “globalização”. Dentro desse quadro
de produção cada vez maior e internacionalizada,
as operações financeiras e a movimentação de
capitais cresceram de forma espantosa. Os controles
governamentais sobre os fluxos financeiros foram
ficando muito complexos e complicados. Novos
instrumentos financeiros apareceram, como as
operações de “hedge” (de salvaguarda, ou proteção),
ou “derivativos” (contratos com valores derivados
dos valores de outros ativos), muito empregados
em contratos “a termo”, onde contratos para épocas
futuras são celebrados, com preços previstos, em
moeda local e/ou dólares.
Como se percebe, esse panorama passou a
favorecer a especulação financeira. Por exemplo,
uma empresa contrata com grande antecedência
a venda de dólares obtidos com exportações, a R$
1,75/US$. Suponha que, na época da venda dos
créditos, o câmbio efetivo (R$/US$) esteja situado
em 2,35 R$ por US$, causando um prejuízo de R$
0,60 por US$, ou seja, 34,3%, que pode chegar a
bilhões de dólares, no caso de exportadores.
Todo
esse
crescimento
econômico
desenfreado e descontrolado causou, nos anos
seguintes, várias “crises” (como, por exemplo, a do
meio ambiente, a da liberalização do comércio
exterior, a da dívida externa e da inflação em países
periféricos e pobres, a da energia – etanol & petróleo
etc), causando desequilíbrios e instabilidade
econômica, que passou a ser a grande preocupação
dos governantes. Em paralelo, surgiu o Euro (moeda
dos países da União Européia, exceto Inglaterra
e outros) e o Dólar norte-americano perdeu
substância, cerca de 35%, face ao dólar.
A economia mundial tinha um outro grande
ator, a China. A perda de substância do dólar reflete
os problemas da economia norte-americana dos
últimos anos, como déficits comerciais enormes,
déficit público e os equívocos políticos dos seus
governantes, como a participação prolongada em
guerras caras e inúteis.
Esse é, a“grosso modo”, o quadro problemático
da economia mundial atual, onde, aos poucos, se
formava a crise recém deflagrada.
A crise atual
As crises não têm dia e hora para acontecer.
São armadas e montadas no dia-a-dia, ao longo
dos anos. A eclosão que mostra com clareza cruel
uma situação desastrosa ocorre quando os seus
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efeitos são de uma magnitude tal e envolvendo
tantas pessoas e organismos, causando danos de
tal magnitude que não são possíveis ignorar.
Assim, em início de 2008, a “crise atual” se
mostrou com toda a sua perversidade, no mundo
inteiro. A globalização cobrava a sua conta e
o mundo percebeu que a era do consumismo
desenfreado e das bolhas especulativas estava
chegando ao fim. O “barco do capitalismo” do modo
como estava navegando fazia água. Embora não
sejamos adeptos incondicionais da linha “E Marx
tinha razão!”, a situação atual está preocupando os
liberais, neoliberais e outros "ais".
O sistema financeiro dos países ricos está
repleto de créditos podres, ou seja, sem possibilidade
de recebimento por parte dos credores (por créditos
concedidos a tomadores sem possibilidade de pagálos, mas induzidos a comprar). Na economia, existem
o setor real (indústria, comércio e serviços, que
realmente produzem riqueza) e o setor financeiro
(bancos comerciais, bancos de investimento,
financeiras etc), que cresceu enormemente.
O capital do banco é uma pequena parte
dos seus empréstimos; os bancos captam recursos
e os emprestam. Por sua vez, os tomadores
dos empréstimos depositam esses valores nos
bancos, que passam a reemprestá-los, e assim
sucessivamente.
Assim, os bancos acabam
assumindo dívidas ou responsabilidades muito
acima do seu patrimônio líquido (capital próprio).
Essa relação entre dívidas e/ou responsabilidades e
o “patrimônio líquido” é a “alavancagem financeira”:
Alavancagem financeira: Dívidas e responsabilidades
Patrimônio líquido
A alavancagem financeira é um instrumento
importante para o sistema financeiro, porque
permite o aumento do crédito e, assim, fomentar
o crescimento da economia. Porém, quando é
utilizado de modo leviano e irresponsável, tornase muito perigoso. Com isso, pelo uso e abuso
desse mecanismo, a crise eclodiu nos EUA, onde
muitos bancos estavam apresentando essa relação
atingindo valores enormes, como por exemplo,
segundo a grande imprensa: (Rev. Veja-ed.2080, e
Jornais):
Merril Lynch
Lehman Brothers
Goldman Sachs
Nível tido recomendável (seguro)
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-12
Esse cenário assemelhava-se a uma bola de
neve, que cresce cada vez mais quando rola pela
montanha, ou a um castelo de cartas, onde tudo
cai quando é retirada uma carta na base. A crise
se iniciou nos EUA, com a inadimplência crescente
dos compradores de imóveis, gerando uma reação
em cadeia. Pelo vulto que os fatos assumiram, os
governos (norte-americano e de muitos outros
países) resolveram intervir no sistema financeiro,
para impedir que afunde, dando ajuda substancial,
de trilhões de dólares. Vale lembrar que 1 trilhão
significa mil bilhões, e um bilhão representa mil
milhões, valores estes enormes.
Somente para fixar a ordem de grandeza, o
P.I.B. (produto interno bruto do Brasil), é da ordem 1,1
trilhões de US$. A saída encontrada foi capitalizar as
instituições financeiras, pela aquisição de ações por
parte dos governos. Mais tarde, quando a economia
se normalizar, o governo poderá revender essas
ações.
O empenho dos governos não se prende aos
bancos ou aos banqueiros, mas aos aplicadores
e poupadores, que tudo perderiam em caso
de falência dos bancos, além das estruturas de
produção, que necessitam do crédito. Entretanto,
esqueceram das pessoas endividadas, que perderam
casas e empregos. Porém, parece que os governos
também estão preparando um plano de ajuda
para os endividados, que terão dias difíceis pela
frente, pois os seus empregos minguarão, devido
à redução da produção, que depende de crédito
para funcionar. Os setores mais atingidos, além do
sistema financeiro, são os setores automobilístico,
construção civil, de eletrodomésticos, entre
outros, todos dependentes fundamentalmente de
crédito, e apresentando um elevado “coeficiente
multiplicador”, ou seja, os seus efeitos positivos
ou negativos se propagam para toda a economia
(um automóvel utiliza plástico, borracha, tecidos,
aço etc; um edifício, utiliza cimento, alumínio, PVC,
madeira e muita mão de obra).
As conseqüências da “crise”
Ainda são difíceis de prever e, sobretudo,
quantificar. Não se sabe quem foi atingido e
em que proporção. Por essas e outras razões, o
crédito se retraiu de forma severa, as taxas de juros
aumentaram e a taxa cambial (R$/US$) sofreu um
brutal aumento, passando de 1,7 para 2,35, o que
terá sérias conseqüências. Veja uma tentativa
(rápida) para entender as “conseqüências” da crise:
- Pela turbulência nas instituições financeiras, nada! À primeira vista, essa crise deverá durar até
e por não ser conhecido quem foi atingido e meados ou final de 2009. Quem sabe? Porém, uma
em que proporção, inclusive entre bancos, as coisa é certa: automóvel em 80 meses, com juros de
instituições retraíram o crédito e aumentaram (até 0,5% a.a.? Nunca mais, pelo que é dado inferir.
O governo brasileiro também tomou
preventivamente), as taxas de juros, que no Brasil
medidas
quanto à crise, no sentido de aumentar
já eram as mais altas do mundo; o crédito pessoal
a
disponibilidade
de crédito, via redução do
(como cheque especial, cartões de crédito, por
encaixe compulsório dos bancos. Entretanto,
exemplo) também deverá ficar ainda mais caro.
- Pelo exposto, deve haver um encarecimento aparentemente está enfrentando dificuldades com
do custo dos produtos, levando a uma redução o sistema financeiro, que não está repassando esses
nos volumes adquiridos (sobretudo automóveis, recursos à produção e ao consumo.
motocicletas, construção civil, eletrodomésticos
Quais as conseqüências
etc). Bens de consumo semi-duráveis,
como roupas e sapatos, também "Quanto irá durar essa no setor da educação?
poderão sofrer redução no consumo,
crise e quando tudo
pelo menos em um primeiro
É muito difícil prever o
voltará ao normal?
momento;
que
vai
acontecer, mas algumas
Não há condições
- As empresas exportadoras,
conseqüências
são passíveis de
de afirmar nada! À
com contratos de câmbio fechados
visualizar:
primeira vista, essa
(futuros) a R$/US$ a 1,75 ou 1,80, terão
a)
Muitas
instituições
crise
deve durar até
uma queda nas receitas e prejuízos.
particulares
terão
dificuldades
meados ou final de
Deverão vender os seus créditos de
financeiras e até poderão deixar
2009.
Quem sabe?"
exportação pelo valor contratado, salvo
de existir. Atualmente já existem
algum tipo de renegociação. Além
problemas;
disso, as linhas crédito internacionais
b) As instituições públicas poderão sofrer
estarão difíceis. Entretanto, a apreciação do US$ em cortes de verbas, em função de revisões de
alguns casos poderá baratear os preços dos seus orçamento no poder público;
produtos internacionalmente, facilitando assim as
c) Como conseqüências decorrentes, poderá
exportações;
ocorrer um aumento da evasão nas instituições
- A produção que utiliza insumos e matérias- particulares, ou um aumento significativo da
primas com quotação em US$ terá aumentos de inadimplência do alunato, o que obrigará a muitas
custos e de preços, assim como o comércio;
negociações e renegociações (ou a ações na
- As empresas com dívidas em US$ deverão Justiça);
dispor de muitos mais Reais para adquirir os dólares
d) Do lado do professorado, poderá haver
para amortizar essa dívidas;
uma tendência das mantenedoras à redução
- Como é possível perceber, o nível de dos salários e vantagens, pela contratação de
emprego tenderá a se reduzir, pelo menos no início, profissionais novatos e com salário menor. Uma
podendo levar a um aumento da inadimplência e escola é uma empresa como outra qualquer, visto
acarretando um grande número de revisões de que a educação está virando “mercadoria”. Somente
contratos; a carga tributária poderá pesar mais, pois a união com as entidades de classe (sindicatos)
o contribuinte irá recolher impostos em má fase de pode ser uma defesa válida;
retração, sobre operações feitas em uma fase “boa”
e) Investimentos em novas unidades, poderão
da economia. Exemplo: a pessoa teve um bom ser adiados, até a tempestade amainar.
salário em 2008, mas pagará o valor da Declaração
de Ajuste-IRPF no ano de 2009, no qual ele poderá
estar inclusive desempregado.
Qual a duração da crise?
Quanto irá durar essa crise e quando tudo
voltará “ao normal”? Não há condições de afirmar
*Ítalo Aretini é professor de Economia na FSA/EX,
EAESP/FGV e sócio do SINPRO ABC.
Revista do Professor - SINPRO ABC
31
Cultura
sxc.hu
Bossasempre
nova
“Um” pode parecer pouco. Mas
apenas um violão é o suficiente
para fazer qualquer pessoa viajar
ao som de uma boa música. E,
há 50 anos, os brasileiros e o
mundo podem embarcar em
“viagens” ao som da Bossa Nova
32
Revista do Professor - SINPRO ABC
H
á 50 anos, uma nova forma de tocar
samba dava início a um gênero
musical admirado até os dias atuais:
a Bossa Nova. Uma roda de amigos,
um violão e o amor serviram de inspiração para
grandes composições da Bossa Nova, como, por
exemplo, as canções de João Gilberto, Tom Jobim
e Vinícius de Moraes. A princípio, o novo gênero
conquistou o Rio de Janeiro, que foi produtor e
divulgador da Bossa Nova, mas logo, o mundo se
rendeu a esse estilo musical.
Para aqueles que não conhecem a história da
Bossa Nova, o professor Herom Vargas esclarece:
“Surgida no final da década de 50, além de um
gênero musical derivado do samba, a Bossa Nova
é, também, um jeito de tocar e cantar, que leva em
conta a sutileza e a proximidade entre o cantor e
o ouvinte”. Talvez seja por isso que, em muitas
canções, ocorra tanta identificação entre aquele
que está apreciando a música e a letra cantada. É o
que popularmente falamos “foi feita para mim”.
Jobim, João Gilberto e Vinícius são citados
pelo professor Herom como os três criadores da
Bossa Nova, mas Baden Powell, Carlos Lyra, Ronaldo
Bôscoli, Roberto Menescal, Nara Leão, Sylvia Telles,
Os Cariocas, Zimbo Trio, Oscar Castro-Neves e Eumir
Deodato completam a lista dos grandes ícones
musicais do gênero cinqüentenário.
Fernanda Takai e outros artistas também utilizam
as influências musicais e transformam a Bossa em
sempre Nova. “Alguns cantores mantêm viva a
chama da Bossa Nova, como as cantoras Joyce e
Leila Pinheiro, sem esquecer do pessoal das antigas
que continua atuando: João Gilberto, Edu Lobo, por
exemplo”, completa Vargas.
Qualidade x modismo
Hoje em dia, pouquíssimas rádios destinam
a programação à música popular brasileira, seja
ela atual ou não. Cantores e conjuntos sazonais e
músicas de duplo sentido (às vezes de qualidade
Brasil no exterior
discutível) ganham destaque em diversas emissoras,
enquanto os apreciadores da boa música têm de se
A cena às vezes se repete. Quando contentar com uma ou duas alternativas.
acompanhamos entrevistas de cantores e outros
Não podemos falar em competição entre
artistas internacionais, não é difícil que, ao serem estilos, porque se trata de opção do ouvinte. O que
questionados a respeito da música brasileira no sabemos é que as músicas “de moda” passam, o que
exterior, respondam cantando ou
é bom, contrariando o dito popular,
citando trechos de obras conhecidas "Além de um gênero fica (e não dura pouco). “Como a Bossa
como, por exemplo, “Garota de
Nova é música de qualidade, pode ser
musical derivado
Ipanema”, “Águas de março”, “Samba
ouvida em qualquer tempo. Até hoje,
do samba, a Bossa
do avião”, “Eu sei que vou te amar” ou
tem forte marca”, comenta o professor
Nova é, também,
“Wave”.
Herom, “gêneros da moda sempre
um jeito de tocar e
Para o Brasil, isso é um belo
existiram e o que chamamos de música
cantar,
que
leva
em
retrato e sinônimo de valorização
sem qualidade, também”, completa. “A
conta a sutileza e a
cultural. “Depois que a Bossa Nova
Bossa Nova é marcada pela qualidade
foi para os Estados Unidos, tornou-se proximidade entre o técnica musical, acordes dissonantes,
cantor e o ouvinte"
um dos gêneros musicais brasileiros
melodia trabalhada, arranjos criativos.
mais conhecidos no mundo”, comenta
Mesmo quando a Bossa Nova era
Vargas, “claro que não é tão representativo quanto sucesso, o que mais tocava nas rádios eram outros
o próprio samba”, completa o professor. “É um salto gêneros. Sempre houve e sempre haverá música de
de qualidade na técnica musical para a música consumo mais imediato e outra que não tem data
brasileira”, observa Herom.
de vencimento e pode ser ouvida sempre”, ressalta
o professor Herom Vargas.
Bossa sempre Nova
Cinqüenta anos se passaram e o estilo da Bossa
Nova, para alguns músicos, se parece com batidas
de gêneros mais atuais. Prova disso é a cantora
Fernanda Porto, que em suas entrevistas destaca “as
possibilidades de misturar sons da Bossa Nova com,
por exemplo, a música eletrônica”. Com fusões dos
estilos, vistas nas pistas de dança nos últimos anos,
as canções antigas ganham toque contemporâneo.
Exemplo mais conhecido é a música “Só tinha de
ser com você”, composição de Tom Jobim e Aloysio
de Oliveira, que foi sucesso na voz da cantora, no
início dessa década. Além de Porto, Bebel Gilberto,
Bossa na sala
A pedido da redação da Revista do Professor,
o docente Herom Vargas sugere uma forma de
atrelar a Bossa Nova com atividades em salas de
aulas. “A partir das canções, é possível pensar
em estudar a época do desenvolvimentismo do
período JK”, indica o professor. “Nos anos 50, muitas
propagandas usavam a expressão Bossa Nova para
apresentar produtos modernos para a vida urbana
que se desenvolvia”, finaliza Vargas.
Fica registrada a sugestão. Boa aula, boa
música, bom conhecimento!
Revista do Professor - SINPRO ABC
33
Educação
Nova
língua portuguesa
Novas regras começam a valer a partir de janeiro de 2009
S
ão detalhes que fazem diferença na
hora escrever. Hífen, trema e alguns
acentos sofrerão mudanças a partir da
reforma na Língua Portuguesa.
No final do mês de setembro, o presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva promulgou
o protocolo da modificação e regulamentação do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
De acordo com informações do Ministério
da Educação, “o acordo representa a simplificação e
o aprimoramento da língua em todos os países da
comunidade lusitana”.
A partir de 1º de janeiro de 2009 a reforma será
implantada e, até 2012, conviverão as ortografias
da maneira antiga e a prevista no acordo. Com isso,
o MEC substituirá os livros didáticos com a nova
ortografia.
O que muda?
No portal do Ministério da Educação são
retomadas algumas declarações do filólogo Antônio
Houaiss (1915-1999), principal negociador brasileiro
do acordo ortográfico. Para ele, não deve haver
uniformização, já que a língua é dinâmica e atrelada
às tradições culturais.
Ao todo, cerca de 20 mudanças ocorrerão,
sendo algumas o fim do trema, alterações no emprego
do hífen, inclusão das letras k, w e y no alfabeto e
transformações na formas de acentuação.
O Diário Oficial da União, com a íntegra do
Histórico
decreto assinado pelo presidente Lula e as mudanças,
está disponível em nosso site www.sinpro-abc.org.
br.
Opiniões
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
esclarece, no site oficial da organização, as vantagens
das mudanças. “O Português é língua oficial em
oito Estados soberanos, mas tem duas ortografias,
ambas corretas, a de Portugal e a do Brasil. Existem
desvantagens na manutenção desta situação e a
língua será internacionalmente tanto mais importante
quanto maior for o seu peso unificado. Assim, no
plano intracomunitário, a dupla grafia dificulta a
partilha de conteúdos, no plano internacional, limita
a capacidade de afirmação do idioma, provocando,
por exemplo, traduções quer literárias quer técnicas
diferentes para Portugal e Brasil”.
Por outro lado, José Saramago, escritor
português, criticou a reforma ortográfica, em
entrevista à Folha de São Paulo. Na ocasião,
Saramago declarou: "Parece que querem transformar
o português em um húngaro que ninguém fala.
Não sei o que temos a ganhar com isso, mas sei que
temos muito a perder". "O português de Angola e de
Moçambique são muito diferentes do que é falado
em Portugal ou mesmo aqui no Brasil, é claro. Obrigar
esses países a perderem suas características não pode
ser bom. Quanto mais se complica, a língua se torna
mais rica, com mais palavras. O idioma é um corpo
em constante movimento”, completou o português.
Em 1990, os presidentes dos sete países onde a língua portuguesa é idioma oficial haviam assinado um tratado ortográfico
que deveria vigorar em 1994. Nesse ínterim, os países africanos passaram por dificuldades políticas ou guerras civis. Também
após esse prazo, o Timor Leste tornou-se independente, em 1999, e a CPLP foi criada em 1996. Com o Decreto Legislativo nº
54, de 18 de abril de 1995, o Decreto Legislativo nº 120, de 12 junho de 2002, e o protocolo modificativo de julho de 2004, a
unificação ortográfica ganhou os contornos do atual acordo.
Fonte: MEC
34
Revista do Professor - SINPRO ABC
Artigo
Veja, educação, vinho e o país
que queremos ser
A
Por Jorge de Barros**
revista “VEJA” não se contenta mais
em ofender nossa inteligência, ela
quer reescrever a história e (um
horror!) moldar as gerações futuras.
Na série de recentes ataques aos professores, os
“showrnalistas” citaram o professor Paulo Freire
como “personagem arcano sem contribuição efetiva
à civilização ocidental”* e “autor de um método de
doutrinação disfarçado de alfabetização” (edição
2074, pág. 82). Interessante é que, na mesma edição,
numa matéria sobre o leilão dos bens do Barão
Cyril Rudolf Goldschimidt-Rothschild (ex-marido da
apresentadora Márcia Goldschimidt), ao enumerar
os feitos da família, encontramos a seguinte pérola:
“para além das finanças, o ramo francês e inglês
deram outra contribuição importante à civilização*: o
primeiro passou a produzir o Châteu Lafite Rothschild,
e o segundo, o Châteu Mouton Rothschild - dois
dos melhores vinhos do mundo” (pág. 123). Ora,
não é simplesmente SINTOMÁTICO que o clã Civita
considere muito mais relevante para a civilização um
ou dois vinhos caros do que um método de educação
reconhecido e aplaudido pela ONU e que foi capaz
de dar dignidade a milhares de pessoas no mundo?
Quanto ao restante da matéria? Uma enfiada
de absurdos cujo mote principal é: os professores
“doutrinam” seus alunos e a educação deve se
pautar pela neutralidade. Ora, a visão de educação
“politicamente neutra”, levantada pela revista, é na
verdade a defesa de uma educação acrítica. E foi este
tipo de educação que o regime militar desenvolveu
neste país nos 60 e 70 e que nos legou algumas
gerações de analfabetos políticos e cidadãos
apáticos. Lentamente estamos nos recuperando dos
malefícios da pedagogia liberal tecnicista, baseada
na formação de mão de obra competente (e só)
para o mercado de trabalho, pautada nas idéias de
eficiência e produtividade a fim de corresponder
aos interesses da sociedade capitalista industrial,
banindo o espírito crítico e reflexivo do ambiente
escolar. E parece ser esse o tipo de ensino defendido
pela Veja, embora, como sempre, ela mascare as suas
próprias inclinações políticas.
Mais uma vez, SINTOMÁTICO que esses ataques
aos professores ocorram num momento em que a
Sociologia e a Filosofia se preparam para entrar no
Ensino Médio, munidas da força de conscientização
capaz de, finalmente, soterrar o tecnicismo da
educação no cemitério do passado; e num momento
em que o povo está encontrando novas opções
criativas para seus problemas e os movimentos
populares avançam e se estabelecem como forças
políticas e sociais determinantes.
Sou professor e me recuso a ser neutro. As
ciências humanas (as mais atacadas pela matéria
da revista) não se contentam com a observação e a
análise distanciadas porque são capazes de perceber
padrões sociais e, assim, tentar promover mudanças
na sociedade. Ser crítico e politicamente ativo é
o melhor exemplo que posso dar a meus alunos.
Claro que não sou sindicalista na sala de aula, claro
que não lhes ensino que não há outras opções, mas
não posso chamar “opressão”, “fome”, “discriminação”
e “exploração” por outros nomes e não posso ser
neutro frente a esses fenômenos. Não posso ser,
como a revista Veja, determinista, e aceitar os fatos
sociais como redes de causas e conseqüências sobre
as quais não posso agir concretamente. E se 78%
dos meus colegas acreditam que a principal missão
da escola é formar cidadãos, loas e festas, pois
estamos conseguindo sair da idade das trevas (para
desespero de certas instituições arcaicas da direita
conservadora, de quem o citado periódico histérico
é o mais dedicado porta-voz)
Fico aqui só a imaginar que maravilha será o
seminário “O Brasil que queremos ser” promovido,
em breve, pela honrosa revista. Haverá alguma
palestra sobre educação? Quem a ministrará? O
diretor Aristarco?
* grifos do autor
** Jorge de Barros é professor de Literatura,
blogueiro, poeta, estudante de Ciências Sociais e diretor
do Sindicato dos Professores do ABC
Revista do Professor - SINPRO ABC
35
Internacional
Bolívia, Evo e a Constituição
contra o
obscurantismo fascista
Na nova Carta Magna da Bolívia, as razões da histeria da oligarquia e
dos EUA contra o avanço da democracia e da justiça social
Divulgação
Leonardo Severo e a cônsul geral da Bolívia, Shirley
Orozco
Por Leonardo Severo*
"
Tupac Katari, a rebelião. Evo Morales, a
revolução", estampava o cartaz grudado
numa das tantas paredes cheias de
vida e paixão do Palácio Quemado,
em La Paz. Enquanto esperava na fila das sempre
elásticas agendas governamentais, comecei a ler
36
Revista do Professor - SINPRO ABC
a nova Constituição Política do Estado, aprovada
sob sangrentos protestos da direita. Passado pouco
mais de um mês daquela visita, a oligarquia faz o
sangue jorrar forte e caudaloso. O rancor e a histeria
golpista se agudizam, ganhando contornos nítidos
e taxativos. Criminosas explosões de gasodutos,
queima de emissoras de rádios e tevês populares,
destruição de prédios públicos e o mais repugnante:
a inominável covardia contra os mais pobres, contra
os camponeses e indígenas, a quem a oligarquia
quer culpar pelo seu próprio fracasso. A palavra de
ordem “Derrubar o índio” fala por si de um racismo
ancestral trazido pelos colonizadores espanhóis e
sustentado política, econômica e ideologicamente
pela embaixada norte-americana.
Na capa azul do material de popularização do
texto da nova Constituição, aprovada em dezembro
de 2007, se vê no alto a bandeira vermelha, amarela
e verde, com o Sim, "para construir uma Bolívia
digna, soberana, democrática e produtiva". Com
destaque, abaixo do brasão nacional utilizado como
marca d'água, um singelo: "Para viver bem". Logo
em seguida, na apresentação datada de fevereiro
de 2008, o presidente Evo Morales Ayma lembra
que o texto "contou com o respaldo de mais de dois
terços dos constituintes de dez frentes políticas
dos nove departamentos do país". "Nesta etapa de
socialização e comunicação de todos os capítulos
e artigos da nova Constituição Política do Estado,
que devem estar respaldados em um referendo, é
preciso assinalar que entre todos os bolivianos e
bolivianas, do campo e da cidade, devemos buscar
a unidade do país", afirmou.
Passados nove meses de aprovada a nova
Constituição e uma eleição consagradora, onde
obteve o apoio de mais de dois terços dos eleitores
(67,4%), no dia 10 de agosto, Evo Morales enfrenta
a radicalização dos setores fascistas, capitaneados
por latifundiários e marionetes das transnacionais,
que tentam fragmentar a nação. Os mesmos que
dilaceraram o corpo de Tupac Katari, em 1781,
amarrando suas pernas e braços a quatro cavalos.
Mal sabiam eles que ao destroçarem os membros do
líder aymará, ao lhe partirem em pedaços, estavam
somando consciência e multiplicando convicções.
Neste exato momento, a mesma pusilanimidade
se repete como ação vil dos que historicamente se
apropriaram do poder e das riquezas do país, que
roubavam e prostituíam para os estrangeiros.
A atuação do governo boliviano nestes pouco
mais de dois anos, assim como a nova Constituição,
aponta para ações coletivas rumo à ruptura de um
Estado colonial, pois, agora, o povo é cada vez mais
sujeito e senhor de seu destino.
Para contribuir com o debate e o bom
combate, publicamos abaixo uma síntese do que
consideramos como os artigos mais expressivos da
nova Constituição, que precisa ainda ser ratificada
pelo voto popular. Ao lê-la, o leitor conhecerá as
razões dos oligarcas fascistas e racistas que, com o
coro da mídia vende-pátria e o patrocínio ianque,
se opõem ao clamor popular, com conspirações,
boicotes e sabotagens.
A nova Carta Magna boliviana determina
ao Estado "a direção integral do desenvolvimento
econômico e seus processos de planificação";
aprofunda e massifica a reforma agrária; fomenta a
industrialização; impede a privatização e a concessão
dos serviços públicos essenciais; estabelece normas
de proteção aos trabalhadores (reconhecidos
como a principal força produtiva da sociedade);
subordina a propriedade privada à função social e
ao interesse coletivo; garante a educação pública,
universal, descolonizadora e de qualidade; fortalece
a democracia e a soberania popular com o voto e o
serviço militar obrigatórios; impede os monopólios e
o oligopólio nas comunicações, fomenta a criação e
manutenção de meios comunitários "em igualdade
de condições e oportunidades", garantindo o direito
à retificação e à réplica, assegurando a liberdade de
expressão, opinião e informação.
Conhecer a nova Constituição boliviana é ver
com clareza o horizonte que se descortina, vivo e rico
para o povo, como as cores do arco-íris da bandeira
andina, mas também trágico e lúgubre para a
guarda pretoriana da ignorância e da subserviência
ao amo estrangeiro.
Abaixo, fragmentos do texto constitucional
que aponta para a melhoria da qualidade de vida,
ao presente e futuro da nação boliviana, onde
reverbera o último grito de Tupac Katari: “Voltarei e
serei milhões!”.
POLÍTICA ECONÔMICA
"A economia plural compreende a
responsabilidade estatal de dirigir integralmente o
desenvolvimento e a planificação com participação
cidadã, a industrialização dos recursos naturais e
a intervenção estatal em toda a cadeia produtiva
dos recursos estratégicos. As atividades econômicas
devem servir para fortalecer a soberania econômica
do país, gerar trabalho digno, contribuir na redução
das desigualdades, na erradicação da pobreza e na
proteção do meio ambiente". (Artigos 312 a 314)
"O investimento boliviano será priorizado
frente ao investimento externo. Todo investimento
externo se submeterá à jurisdição, leis e autoridades
bolivianas". (Artigo 320)
"O orçamento geral incluirá a todas as entidades
do setor público, atendendo especialmente à educação,
saúde, alimentação, moradia e desenvolvimento
produtivo". (Artigo 321)
Revista do Professor - SINPRO ABC
37
DELITOS ECONÔMICOS
"Não prescreverão as dívidas e os danos
econômicos ao Estado" . (Artigo 324)
RECURSOS NATURAIS
Disposições gerais
"Os recursos naturais são propriedade do povo
boliviano, respeitando direitos de propriedade sobre a
terra e de aproveitamento sobre os recursos naturais".
(Artigo 349)
"Os recursos naturais são de caráter estratégico
e de interesse público para o desenvolvimento do
país". (Artigo 348)
"O aproveitamento dos recursos naturais deve
garantir a sustentabilidade e o equilíbrio ecológico".
(Artigo 342)
"O Estado, através de entidades públicas,
sociais ou comunitárias, assumirá o controle e direção
sobre toda a cadeia produtiva referente aos recursos
naturais. Para sua gestão e administração se deve
garantir o controle e a participação social". (Artigo
351)
HIDROCARBONETOS
"Os hidrocarbonetos serão administrados
em toda a cadeia produtiva sob a gestão da YPFB,
que poderá subscrever contratos de serviços com
empresas públicas, mistas ou privadas, mediante
prévia autorização legislativa. A industrialização dos
hidrocarbonetos estará a cargo de uma empresa
estatal. Constitucionaliza-se que serão destinados
11% de impostos aos departamentos (Estados)
produtores". (Artigos 361 a 363 e 368)
RECURSOS HÍDRICOS
"A água é um direito fundamentalíssimo para
a vida, o Estado promoverá seu uso e acesso, pelo que
não poderão ser privatizados nem concessionados seus
serviços. Para o manejo e gestão sustentável da água,
se reconhecem os usos e costumes das comunidades.
O Estado regulará o manejo e gestão sustentável
dos recursos hídricos e das bacias hidrográficas,
segurança alimentária e serviços básicos. Todo tratado
internacional sobre recursos hídricos deve preservar a
soberania do país". .(Artigos 373 a 377)
TERRA-TERRITÓRIO
"Se reconhece a propriedade individual e
comunitária sobre a terra, sujeitas ao cumprimento
da função social e da função econômico social
correspondentes". (Artigo 391)
"A propriedade individual compreende a
pequena propriedade e a propriedade empresarial".
(Artigo 392)
"Se proíbe o latifúndio, entendido como os
imóveis que excedem a superfície máxima, que não
cumpram a função econômico-social ou reproduzam
sistemas de servidão ou semi-escravistas de trabalho
humano". (Artigo 396)
"As terras públicas serão distribuídas a
indígenas, camponeses originários e afro-bolivianos".
(Artigo 393)
"O descumprimento da função econômicosocial ou a condição de latifúndio do lugar ocasionará
a reversão da propriedade da terra". (Artigo 397)
MINERAÇÃO
"O Estado é responsável pelas riquezas
mineralógicas, exercerá controle e fiscalização em
toda a cadeia produtiva, outorgará direitos mineiros
sujeitos ao cumprimento de uma função econômicosocial. Se reconhece como atores produtivos a indústria
mineira estatal, privada e sociedades cooperativas.
Os grupos mineiros nacionalizados, suas unidades
industriais e funções não poderão ser transferidas a
empresas privadas". (Artigos 369 a 372)
38
Revista do Professor - SINPRO ABC
* O presente artigo
integra
a
segunda
edição do livro Bolívia
nas ruas e urnas contra
o imperialismo, Editora
Limiar, de autoria de
Leonardo Wexell Severo,
assessor de Comunicação
da CUT Nacional
Sala de aula
Quatro décadas
depois
"Olha o verso, olha o outro, olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olhai, olhai... "
(Pesadelo, de M. Tapajós e P. C. Pinheiro)
Por Tulio Bulcão*
A
lém de participar ativamente do
Movimento Universitário, entre
1965 e 1968, fui um observador
privilegiado, pois trabalhava a
menos de cinqüenta metros do prédio do Ministério
da Educação - mudou a capital, mas permaneceu
sua estrutura. Nos quarteirões à sua volta, tudo
acontecia, entre a Cinelândia, a Igreja de Santa
Luzia e a Esplanada do Castelo. Acampamentos,
panelaços, correrias de um lado e pancadarias,
cavalarias, tiroteios de outro...
E mais, fui preso, no dia 16/12/68, à noite, na
Faculdade de Filosofia da UFF, e levado sob escolta
armada para o 3° RI, em São Gonçalo/RJ, sendo
transferido naquela mesma noite, ainda sob escolta
armada, para a Fortaleza Santa Cruz, na entrada
da Baia de Guanabara e enquadrado no dito AI-5,
por motivos vagos e genéricos, sempre rotulados
por atividades subversivas. Fui trancado em um
alojamento onde já se encontravam outros presos
políticos, dentre eles, dois deputados estaduais,
o presidente e o 1° secretário da Assembléia
Legislativa do RJ, dois vereadores de Campos/RJ,
um ex-prefeito de uma cidade do interior, um líder
ferroviário, um dono de cartório e um estudante
presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade
de Engenharia da UFF. Na mesma noite, já às 2
horas de 17/12, fui embarcado em uma viatura, sob
escolta armada, “para um passeio”, expressão que,
como era do conhecimento geral, poderia significar
“vamos te fuzilar” ou “vamos te jogar em alto-mar”,
ou ainda, “vamos acabar com você sob tortura”.
Fui transferido para o forte Rio Branco e mantido
incomunicável até a véspera da formatura da minha
turma.
Vai daí que há muito tempo cultivo a idéia
de que as mortes dos estudantes, em 1968, foram
planejadas para provocar o Movimento Estudantil,
criando um clima favorável ao golpe dentro
do golpe, como de fato aconteceu com o Ato
Institucional número 5 (AI-5), em 13 de dezembro
daquele ano, quando também fui trancafiado e
passei o natal atrás das grades. Finalmente resolvi
buscar fundamentos para a comprovação:
Zuenir Ventura trabalhava em um prédio de
frente para o Calabouço, sendo testemunha ocular
junto com Ziraldo, de toda a movimentação e do
assassinato dos estudantes Edson Luis de L. Souto e
Benedito F. Dutra, naquele 28 de março, no Rio. Em
sua obra de 2008, lembra: "nos últimos vinte anos,
armazenaram-se dezenas de indícios comprovando
que, naquela altura do ano, as forças radicais, cada
vez mais fortes dentro do governo, não mais abririam
mão das medidas de exceção. A própria invasão da
UnB fazia parte desse plano de empurrar o país a um
impasse cuja solução levasse ao endurecimento" (p.
174). E mais: "A oposição não afastava a hipótese de
que os acontecimentos do Rio pudessem ter, além da
Revista do Professor - SINPRO ABC
39
Os blogs
iniciativa estudantil, alguma inspiração militar para
Jacob Gorender, que em 1943 era estudante
criar
clima indispensável
às medidas
exceção" (p. de Direito na Bahia e esteve preso por três meses
Os odiários
virtuais viraram
mania.deFamosos,
102).
por ordem da ditadura Vargas, em sua obra de
políticos e anônimos compartilham opiniões,
Daniel
Aarão
Reis
Filho,
militante
de
esquerda,
1987, registra: "Apesar das ações da esquerda
histórias, críticas e, como não podia faltar,
em
1967, abriu
mão
de suada
candidatura
presidência radical, a extrema direita do regime ditatorial
futilidades
em
páginas
internet, àchamadas
da
UME
em
favor
de
Vladimir
Palmeira
e,
no mesmo não as julgou suficientes para a criação do clima
blogs.
ano,
no
29°
Congresso
da
UNE
perdeu
a
presidência
propício ao fechamento completo. Daí a formação
De acordo com o site especializado em blogs,
para
Luis Travassos
Atualmente
Technorati,
o serviçopor
de sete
buscavotos.
indicou
que mais é de organizações paramilitares e de bandos de
historiador
e
professor
da
UFF
e,
em
sua
obra de provocadores às ordens de diferentes chefias do
de 35,5 milhões de diários virtuais estavam
1988,
comenta:
“Quando
o
estudante
do
Calabouço
alto escalão governamental" (p. 150). Sendo que
registrados em abril deste ano. A cada dia, cerca
morreu
baleado
no
Rio,
alguns
ainda
puderam
atribuir
"consumado o fechamento ditatorial, não era mais
de 1,2 milhão de notas são publicadas, o que
ochega
crime aa um
policial
isolado.por
Mas,
nos dias seguintes, necessário a atuação provocadora das organizações
50 mil
postagens
hora.
aVale
repressão
matava
outro
estudante
em Goiânia. paramilitares. O terrorismo de direita se oficializou" (p.
ressaltar que nem tudo o que é publicado
Desde
então,
e
excetuada
a
semana
de
liberdade
em blogs, assim como na internet, expressadas 152).
passeatas
em junho,
a repressão
Voltando a Reis Filho (1988): "No dia seguinte
a realidade.
Cabe ao
leitor ser policial
crítico continuaria
e avaliar
dissolvendo
a
tiros
as
passeatas,
(21 de junho), houve a 'Sexta feira
o conteúdo. Busque sempre mais
banalizando
a
morte
nas
ruas”
(p.
30).
sangrenta '. Os estudantes protestaram
fontes de pesquisas!
''Ali, por exemplo,
E, em entrevista com José Dirceu de
contra os acontecimentos do dia
morreu José
Oliveira1, vamos encontrar: ''Ali, por
anterior, e já se dispersavam quando
Guimarães. Falou-se
exemplo, morreu José Guimarães. Faloua polícia chegou atirando para ferir e
na época na 'guerra' matar. Muitos morreram nesta tarde
se na época na 'guerra' entre Mackenzie
entre Mackenzie e
e USP. Na verdade, foi uma provocação
de sangue" (p.16); "protestos contra
USP.
Na verdade, foi
para dar início a escalada da repressão
assassinatos resultaram em mais
ao movimento estudantil (...) Sabíamos uma provocação para assassinatos. Mortes em manifestações
dar início a escalada públicas tornaram-se anônimas,
que aquilo não estava sendo feito
da repressão ao
pelos estudantes da Mackenzie, em
banais" (...) "A polícia já não hesitava
geral, mas por uns 100 estudantes, movimento estudantil" em dissolver à bala manifestações
organizados pelo DOPS e pelo serviço
pacíficas, invadir Igrejas e hospitais"
secreto das Forças Armadas. Grande
(p.18). "Em Goiânia, a polícia se permitiu
parte dos estudantes da Mackenzie ficou do lado da atacar os manifestantes e invadir a Catedral da
gente, lutando contra o CCC e o DOPS" (p. 140).
cidade, atirando em rapazes e moças que ali estavam
Já Vladimir Palmeira, uma das principais refugiados, matando mais um estudante" (p. 14).
lideranças (em 1968, presidente da UME, e, em
Franklin Martins2, em entrevista a Araujo
1985, deputado federal Constituinte, pelo PT), em (2007), expressa sua opinião: "a manifestação que
sua obra de 1988, acrescenta: "Naquele segundo teve no Rio, quando o Congresso de Ibiúna caiu,
semestre, a UME convocou protesto para a porta do foi reprimida a bala. E não era um PM ou outro que
jornal O Globo, ali perto do Carmo. A polícia chegou perdeu a cabeça, não. Passou a ser uma orientação
atirando e matou um estudante. Dias depois, ocorreu atirar! Mas apesar de tudo ainda não tinha sido criada
outro grande confronto, na Faculdade de Ciências a condição necessária para fazer uma repressão em
Médicas, e mais um estudante foi assassinado. larga escala, o que veio com o AI-5”.
Tinha virado rotina" (p.163). Recentemente, no 3°
Muitos morreram e poderiam ser muitos mais
Congresso do PT, encontrei o Vladimir e trocamos se acrescentarmos o número de feridos, dando uma
algumas figurinhas. Eu estava lembrando da noção da extensão do fenômeno, que atingiu as
chamada “Passeata dos 50 mil”, rumo ao tribunal principais cidades do país, conforme Cronologia em
militar, em que vários estudantes estavam sendo Reis Filho (mesma obra, pp. 202 a 213):
julgados. Do outro lado da avenida, o Ministério da
- "28 de março, Rio de Janeiro. Assassinato de
Guerra rodeado de tanques e recrutas armados até Edson Luis de Lima Souto". E mais seis feridos no
os dentes. Qualquer bobeira poderia causar uma mesmo dia e local, dentre eles Benedito Frazão
tragédia e ele, no controle da situação, desviou Dutra que veio a falecer logo depois, no Hospital
o trajeto para a Assembléia Legislativa e depois Souza Aguiar; além de mais três feridos durante o
de algumas falações dispersou a multidão sem velório;
qualquer incidente.
- "29 de março, Brasília. Repressão faz 20
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feridos";
- "30 de março, Goiânia. Polícia mata Ivo
Vieira";
- "12 de maio, Curitiba. Seis feridos";
- "21 de junho, Rio de Janeiro. 57 feridos e três
mortos";
- "28 de junho, manifestações em Brasília e
Porto Alegre, onde há repressão violenta";
- "08 de agosto, passeata em Salvador
violentamente reprimida a bala pela polícia";
- "29 de agosto, Brasília. Muitos feridos graves";
- "Assembléia na Praia Vermelha, no Rio, é
atacada a tiros pela polícia";
- "03 de outubro, São Paulo. Morto José
Guimarães";
- "06, 07 e 08 de outubro, São Paulo e Rio de
Janeiro. Muitos feridos e mais mortos";
- "22 de outubro, Vila Isabel, no Rio de Janeiro.
Polícia reprime a tiros, matando um estudante e
ferindo sete à bala";
- "23 de outubro, Rio de Janeiro. Mais dois
mortos".
Cabe acrescentar que todos os Mortos Oficiais
de 1968 participavam da movimentação estudantil,
conforme o "Dossiê dos mortos e desaparecidos
políticos a partir de 1964" (GTNM/RJ e PE - pp. 52
a 55), onde encontramos uma breve biografia dos
mesmos.
A partir do AI-5, boa parte das lideranças
estudantis acabou na clandestinidade, ingressando
na luta armada ou partiram para o exílio. E a política
da ditadura militar, agora escancarada, passou a ser:
prender, torturar, assassinar e desaparecer com os
vestígios dos opositores.
Como professor, achei interessante a
observação do Vladimir Palmeira (1998), já que na
época estávamos ocupando a Apeoesp que viria a
ser um dos maiores sindicatos do Brasil: "Boa parte
do pessoal de 68 é hoje professor. Quando cheguei
ao Brasil (1979), o movimento de professores estava
muito forte e todas as suas lideranças eram aqueles
estudantes de 68" (p.193).
A movimentação estudantil mundo afora teve
motivação a mais variada, sendo que, no Brasil em
particular, queríamos o fim da ditadura militar, além
da reformulação de toda sua política universitária.
Por si só tal motivação justificaria toda a agitação,
mas as mortes, sem dúvida, foram provocadas por
uma direita troglodita que queria mais espaço no
poder.
* Túlio S. Bulcão, 69, graduado em Geografia
pela UFF, entre 1965 e 1968; professor da rede estadual
de SP, de 1970 a 1985 e diretor de Escola até 1990;
docente no 3° Grau em Santo André, desde 1973,
militante da Apeoesp e Fundador do SINPRO ABC
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Maria do Amparo Almeida et. al. - Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de
1964. Prefácio de Dom Evaristo Arns e apresentação de Miguel Arraes de Alencar. Recife: Cia. Editora de
Pernambuco, 1995.
ARAÚJO, Maria Paula - Memórias estudantis, 1937-2007: da fundação da UNE aos nossos dias. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2007.
DIRCEU, José e PALMEIRA, Vladimir - Abaixo à ditadura. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond,
1998.
GORENDER, Jacob - Combate nas trevas. 3ª ed. São Paulo: Ática S.A., 1987.
REIS FILHO, Daniel Aarão - 68, a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
VENTURA, Zuenir - 1968, o ano que não terminou. 3ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.
Rodapé
1 Em 1968, era presidente da UEE/SP, foi candidato à presidência da UNE em seu 30° Congresso, em Ibiúna/SP, quando
todos foram presos. Foi deputado federal, chefe da Casa Civil do governo Lula, até 2005.
2 Uma das principais lideranças do Rio, integrante da "Comissão dos 100 Mil" e que, em setembro de 1969, participou do
seqüestro do embaixador norte americano; depois jornalista político e, hoje, ministro da Comunicação Social
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