SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC Edição nº 10 Entrevista: “A idéia de um ensino voltado para a formação da cidadania Revista do Professor - SINPRO ABC não passa de slogan” - Professor Amaury César Moraes 1 2 Revista do Professor - SINPRO ABC SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC Edição 10 - 2008 Educação 05 Mudar é preciso .......................................... Entrevista 07 Professor Amaury César Moraes .................. E mais... Mais mulheres em sindicatos ....................................................................................... 14 Especial: 1968: Quarenta anos depois ....................................................................... 16 Que crise é essa? Por Ítalo Aretini ............................................................................... 24 50 anos de Bossa Nova .................................................................................................. 28 Reforma ortográfica, uma nova língua portuguesa? .............................................. 30 Artigo: Veja, educação, vinho e o país que queremos ser ...................................... 31 Bolívia, Evo e a Constituição contra o obscurantismo fascista, por Leonardo Severo ...............................................................................................................................32 Sala de aula: Quatro décadas depois, por Tulio Bulcão .......................................... 35 Revista do Professor - SINPRO ABC 3 Editorial “Discordar em silêncio pouco adianta” L evantemos um brinde a 2008, pois apesar de todas as dificuldades, encerramos esse ano de muito trabalho com saldo positivo. A Revista do Professor também se despede, momentaneamente, dos leitores. Para 2009, muitas novidades serão implementadas, aguardem! Intitulamos nosso último editorial do ano com a declaração de Moreira Alves, na matéria “1968: 40 anos depois”, que, ainda hoje, ilustra a necessidade de maior participação política e atuação social de nossas instituições e da sociedade em geral. A Revista do Professor traz para nossa reflexão os desmandos da ditadura e a luta dos estudantes contra a repressão interna e externa, questionando o militarismo e a hegemonia do capital implementados pelos EUA. Repressão e assassinatos à parte, o movimento estudantil, organizado, deu uma aula de politização e de atuação social, vencendo as reservas e a intransigência dos militares, alterando o panorama social da época. Ainda no campo político, discutimos a militância e atuação das mulheres na vida sindical. Leonardo Severo nos traz sua contribuição abordando na política internacional a Bolívia e a atuação de Evo contra o fascismo. Ítalo Aretini nos situa quanto à crise. Seu texto aborda o assunto de forma simples e didática, permitindo o entendimento sobre suas causas e conseqüências. Crise que não ajudamos a deflagrar, porém nos afetará muito mais do que pensamos, uma vez que nós, trabalhadores, sentiremos na pele e no bolso seus resultados. Trazemos para o deleite dos leitores a matéria 50 anos de Bossa Nova, remetendo a renovação dos padrões musicais brasileiros que encantaram o mundo todo... Discutindo a Educação, entrevistamos o professor Amaury César Moraes sobre as alterações da LDB e seus reflexos para a sociedade brasileira. Realmente mudar é preciso, mas essas mudanças precisam sair dos gabinetes e adentrar as salas de aulas, sendo necessária a participação dos professores na elaboração das propostas e implementação de ações precisas para que as transformações desejadas sejam realmente implementadas. Passamos pela Reforma Ortográfica, cujas novas regras irão valer a partir de janeiro 2009, que pretende trazer maior uniformidade quanto ao uso da Língua Portuguesa, entre os falantes dos vários países que se irmanam quanto ao idioma praticado. O professor Jorge de Barros propõe uma análise sobre matérias divulgadas na revista Veja, que representam uma ofensa a professores e leitores do periódico. O texto inteligente nos permite uma reflexão mais aprofundada sobre o que temos lido nas mídias ditas oficiais. Por fim, o professor Túlio Bulcão nos agracia com sua aula de história sobre o movimento estudantil, quatro décadas depois. Nos despedimos na certeza de que, ao longo desse ano, oferecemos boas oportunidades de leitura e reflexão, num material importantíssimo para a formação de nossos leitores, com possibilidade de adentrar nossas salas de aula, enriquecendo nossas propostas de trabalho. Deixamos nosso abraço, nosso carinho de sempre e nossa atenção. Mantemos aberta uma linha de comunicação por meio do nosso site: www. sinpro-abc.org.br. Participe enviando sugestões e temas que gostariam que fossem abordados, pois, como aprendemos, discordar em silêncio pouco adianta! Feliz Natal e que no próximo ano nossos sonhos possam, através de nossa atuação, ser transformados em realidade. Boas férias e até a próxima edição! Até sempre! Revista do Publicação do Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo e São Caetano Ano III - Número 10 - 2008 - ISSN 1807-7994 - SINPRO ABC - Gestão 2007/2011 Diretoria Executiva: Aloisio Alves da Silva, Célia Regina Ferrari, Denise Filomena L. Marques, José Carlos Oliveira Costa, José Jorge Maggio, Nelson Valverde Dias e Paulo Roberto Yamaçake Presidente: Aloisio Alves da Silva Diretora de Imprensa: Denise Filomena L. Marques Edição e reportagem: Mayra Monteiro - MTb 47.135 4 Revista do Professor - SINPRO ABC Projeto Gráfico e diagramação: Mayra Monteiro e Israel Barbosa Capa: Israel Barbosa Tiragem: 4.000 exemplares SINPRO ABC - Rua Pirituba, 61/65 - Bairro Casa Branca - Santo André CEP 09015-540 - São Paulo www.sinpro-abc.org.br • [email protected] Educação Mudar é preciso Alterações na Lei de Diretrizes e Bases dão nova cara à educação no Brasil. Porém, não são suficientes para que o ensino no país tenha os resultados positivos desejados Imagem: www.sxc.hu Revista do Professor - SINPRO ABC 5 “ Se as coisas fossem como eu e um grupo de que participo pensamos, isso levaria uma década, porque pensamos em um processo consistente de consolidação, envolvendo formação de professores, definição de conteúdos, entrada paulatina da disciplina nas escolas, eventos da área, discussão e melhoria dos livros didáticos etc. Não se faria isso de modo honesto e responsável em menos de 10 anos”. Essa é a opinião do professor Amaury César Moraes a respeito das mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o tempo necessário para que tais alterações surtam efeito positivo. A íntegra da entrevista com o docente pode ser conferida nas próximas páginas desta revista. Música instrumentos típicos brasileiros para que os alunos conheçam a diversidade cultural do Brasil. Educação profissional Em julho deste ano, a educação profissional e tecnológica passou a integrar a LDB. Segundo esclarecimentos do MEC, “os cursos poderão ser organizados por eixos tecnológicos, assim, possibilitam a construção de diversos itinerários formativos – um aperfeiçoamento do aluno na área escolhida”. Essa mudança tem como objetivo a melhora na formação e capacitação profissional, para que os alunos tenham mais preparo e condições de enfrentar o mercado de trabalho. Sendo assim, os cursos devem abranger formação inicial e continuada ou qualificação profissional, técnica de nível médio e tecnológica de Desde 1996, a Lei de graduação e pós-graduação. Ao longo dos doze anos de existência, a LDB sofreu algumas Diretrizes e Bases alterações, cinco somente no último ano. Geralmente, as mudanças vêm Mais mudanças da Educação, a LDB, acompanhadas de polêmica. A mais sofreu diversas recente diz respeito à inclusão da Além das alterações pontuadas alterações. música como componente obrigatório nessa matéria, outras mudanças Entre as mudanças no ensino de artes, nos níveis foram sancionadas pelo presidente estão a inclusão do fundamental e médio, das escolas Luiz Inácio Lula da Silva, algumas ensino das histórias públicas e privadas. De acordo com abordadas em edições anteriores e culturas afro e a nova lei, as instituições de ensino da Revista do Professor. Entre as indígena, Filosofia e terão três anos para se adaptarem a novidades estão inclusão de cultura Sociologia essa nova legislação. indígena e afro, ensino de Filosofia e A discussão, para esse tema, Sociologia e assistência médica aos gira em torno da formação dos alunos. Outras mudanças já foram professores. Segundo o MEC, “o desafio que surge propostas, como, por exemplo, educação financeira, com a nova lei é a formação de professores, uma vez educação para o trânsito, ensino de psicologia, que, os dados mais recentes do Censo da Educação Língua Brasileira de Sinais (Libras), entre outros. Superior, de 2006, revelam que o Brasil tem 42 Todas as novidades que surgirem envolvendo cursos de licenciatura em música, que oferecem esse tema serão amplamente divulgadas pelo 1.641 vagas. Em 2006, 327 alunos formaram-se em SINPRO ABC. música no Brasil”. Músicos sem formação acadêmica e professores graduados discordam da não exigência Com informações do MEC de formação específica em Música para ministrar aulas. Para Helena de Freitas, coordenadora-geral de Programas de Apoio à Formação e Capacitação Docente de Educação Básica do Ministério da Educação, “o objetivo não é formar músicos, mas oferecer uma formação integral para as crianças e a juventude. O ideal é articular a música como as outras dimensões da formação artística e estética”. O MEC orienta que as escolas, além de noções básicas de música, ensinem cantos cívicos nacionais, outros cantos, ritmos, danças, músicas folclóricas e 6 Revista do Professor - SINPRO ABC Entrevista “A idéia de um ensino voltado para a formação da cidadania não passa de um slogan” Arquivo pessoal Educação no Brasil e mudanças na LDB são analisadas pelo professor Dr. Amaury César Moraes E ducação é um direito do cidadão e um dever dos governantes. Sem ela, não há como ter expectativas de um futuro promissor para a nação ou para qualquer indivíduo. A fim de organizar e normatizar a educação brasileira, foi assinada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394, em 20 de dezembro de 1996. A primeira LDB foi criada em 1961, com outra versão em 1971, que vigorou até a promulgação de 1996. Ao longo desses 12 anos, algumas alterações foram propostas e aprovadas pela Comissão de Educação do Senado Federal, com objetivo de melhorar a qualidade da educação no país. Entre as mudanças – algumas já abordadas em edições passadas da Revista do Professor – estão a inclusão do ensino de História e Cultura afro e indígena, ensino religioso, educação musical, inclusão de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio, atendimento médico e odontológico a alunos, além da inclusão à lei de direitos das crianças e adolescentes. Para falar sobre a educação no país e as mudanças ocorridas na LDB, a redação da Revista do Professor conversou com o Dr. Amaury César Moraes, ex diretor do SINPRO ABC e professor da USP. Revista do Professor - SINPRO ABC 7 Revista do Professor – Professor Amaury, qual sua avaliação para o atual cenário da educação no Brasil? Você considera que a educação é vista como prioridade? arbitrário social: aquilo que em cada momento a sociedade julga que seja o ideal. É fruto de lutas, da luta de interesses de grupos. Não há um currículo que pudesse se dizer que seja o “verdadeiro” currículo. O que se percebe é que o currículo Prof. Amaury – A educação é uma "prioridade" brasileiro passou de clássico-humanista (do século em todos os discursos de políticos, educadores, XIX até 1942) para um currículo técnico-científico empresários, donas de casa etc, mas não passa (de 1942 até hoje). A idéia de um ensino voltado para de um discurso mesmo. Mesmo essa questão do a formação da cidadania não passa de um slogan. O Pré-Sal servir para fazer a arrancada da educação, nosso currículo é voltado para o vestibular, embora veremos, em breve, que não passa de mais uma grande massa de educandos não chegue até o fim encenação do que outra coisa. Os outros países, do ensino fundamental. como o Japão, que cresceu tanto quanto o Brasil no Além do mais, há sobrevalorização de uma século XX, fizeram uma opção clara pela educação e educação voltada para os cursos exatas e biomédicas não fizeram uma opção clara pelo discurso somente, e pouco voltado para as humanidades. Muitos mas por investimentos pesados. O Brasil investe entendem que isso se prende ao entre 25 e 30% do ICMS em educação, "A favor ou contra as mercado de trabalho, mas o mercado no caso dos estados, mas isso não de trabalho é mais dominado pela significa muito, tanto em vista do cotas, pouco importa, área de humanidades do que outra que realmente é o PIB brasileiro, mas, não haverá mudança coisa. Vejamos carreiras: jornalismo, significativa na vida sobretudo, em relação ao que temos economia, administração, publicidade, dos negros no Brasil de dívida nessa parte. comércio, artes, espetáculos, direito, se não houver uma Boa parte da dívida social psicologia, recursos humanos etc. Mas do Brasil decorre da dívida com mudança na educação a impressão que fica é que ainda o que educação. Vejamos, por exemplo, o básica: acesso real, predomina é medicina e engenharia. problema do negro no Brasil. A favor acesso a conteúdos e Outra coisa, o que predomina ou contra as cotas, pouco importa, não não somente a vagas, no currículo é o Português e a haverá mudança significativa na vida e permanência na Matemática, porque essas matérias dos negros no Brasil se não houver escola" são centrais. Poderiam até ser, mas uma mudança na educação básica: não são eficientes, o seu ensino é acesso real, acesso a conteúdos e não extremamente ruim e os resultados somente a vagas, e permanência na escola. Como sofríveis. O que adianta nessa situação ficar se faz isso? Um programa verdadeiro de melhoria ampliando o número de aulas de português e da educação básica: universalização do Ensino matemática se ainda não se descobriu como ensinar Médio, que ainda não é obrigatório; melhoria de essas disciplinas? É a ampliação ou “privilegiamento” salários de professores, avaliação dos professores, da ineficiência: mais aulas e mais incompetência. recrutamento - por concurso de verdade! - de Creio que, de início, deveríamos pensar em professores, carreira baseada no mérito e não por um currículo equilibrado entre as três áreas de antigüidade etc. Se isso não for feito, receberemos nas universidades uma elite de negros que nada contribuirá para as mudanças profundas que se deseja. Revista do Professor - Qual sua opinião sobre a atual grade curricular brasileira? Prof. Amaury - O currículo é uma arbitrariedade, resultado de um 8 Revista do Professor - SINPRO ABC conhecimento, com 800h para cada área, ou que as dizer que eram conhecimentos que poderiam ser escolas se organizem com ênfase numa ou noutra dados pelas outras disciplinas. Então tivemos de área, de modo que de cada três escolas, pelo menos entrar firmes e chegamos até o congresso, porque uma seja voltada para ciências humanas. Mas quando fizemos mudanças de interpretação, houve podem existir outros arranjos, como, por exemplo, reação (escolas privadas). Aí vão entrando outras escolas mais voltadas para artes, ou mais voltadas disciplinas, parece que existem 11 na fila. para ensino técnico. Por outro lado, o Conselho Nacional de Poderiam pensar em escolas de período Educação está muito moroso no trato dessas integral, com parte técnica, artes e esportes no questões, particularmente no Ensino Médio. O contra-turno. Ou seja, o que temos é uma tradição Conselho não quer fazer esse trabalho difícil e que muito ineficiente, voltada para o vestibular, pode atingir a muitos interesses, em especial, das predominada por português e matemática em escolas privadas e por isso deixa a coisa rolar. Mas que não se consegue nada do que se promete: não tem muito tempo para deixar rolar mais... não é boa escola, não faz passar no vestibular, não se aprova os alunos nos exames de Revista do Professor - Da língua e matemática, locais, nacionais "As mudanças existem forma como está a educação no ou internacionais. É só verificar os país, essas mudanças trarão o porque a LDB foi resultados do Saresp, Enem, Saeb, resultado desejado? o mau-encontro Pisa, prova SP e prova Brasil. da vaidade com o Prof. Amaury - Toda mudança oportunismo: vaidade Revista do Professor – De dá resultados. O problema é saber se do Darci Ribeiro e acordo com os autores dos projetos para melhor. oportunismo do de leis, as alterações na LDB visam Julgo que aqui e ali será para governo FHC" a melhoraria da qualidade de melhor, mas, no todo, acho que ensino no país. Como você avalia ficaremos numa situação mais caótica, essas alterações na Lei? Qual foi a uma vez que o que se vai mudando melhor mudança? não tem diretriz porque conservamos a idéia de ser liberal e flexível. Qualquer tipo de intervenção Prof. Amaury - As mudanças existem do Estado é entendida como coisa de esquerda, porque a LDB foi o mau-encontro da vaidade marxista, comunista etc. Mas quando o governo com o oportunismo: vaidade do Darci Ribeiro e intervém aumentando juros ou criando o Fundef oportunismo do governo FHC. Um queria entrar (FHC) ou Fundeb (Lula) ninguém se lembra que isso para a história como alguém que fez uma lei para é dirigismo também. Da nossa parte, esperamos educação, e ele não tinha mais o que fazer para e estamos fazendo de tudo para que o ensino de passar para a história, abandonou o seu passado Sociologia e Filosofia dê certo e se consolide no importante de homem de esquerda e resolveu currículo. acolher uma lei absolutamente liberal, que desobrigou o Estado de suas responsabilidades Revista do Professor – Para você, em com a educação. Por outro lado, o governo FHC não quanto tempo essas mudanças trarão resultados estava aceitando a Lei que vinha sendo debatida positivos? há, pelo menos, oito anos, relatada pelo Jorge Hage, porque ela era uma lei em que o papel do Estado Prof. Amaury - Se as coisas fossem como eu seria mais profundo e encampou a lei proposta e um grupo de que participo pensamos (Comissão de substitutivo Darci Ribeiro. Assim saiu uma lei de Ensino da SBS), isso levaria uma década, flexibilizante ao extremo. porque pensamos em um processo consistente de No entanto, por isso, a lei precisou ser consolidação, envolvendo formação de professores, mudada: e aí vão entrando todos aqueles que se definição de conteúdos, entrada paulatina da viram prejudicados pela lei ou por interpretações disciplina nas escolas, eventos da área (encontros, equivocadas dela. É o caso da lei de obrigatoriedade seminários), discussão e melhoria dos livros da Sociologia e Filosofia, pois quando a lei diz que didáticos etc. não se faria isso de modo honesto são conhecimentos necessários, o governo resolveu e responsável em menos de 10 anos. Foi esse o Revista do Professor - SINPRO ABC 9 programa que tivemos quando entramos nessa luta pela obrigatoriedade. Revista do Professor - Quanto tempo o país tem para se adaptar a essas mudanças? Prof. Amaury - Quem deveria definir isso seria o CNE. Alguns estados (São Paulo) já estão consultando. Quando fiz o parecer para o MEC, que alterou as DCNEM, incluindo Sociologia e Filosofia, a nossa proposta é que deveria ser paulatino, cerca de três anos. Com a mudança na LDB, isso fica mais complicado: alguns acham que seja imediato e outros que não. Eu acho que o CNE deveria assumir uma posição menos passiva e definir o caso. nunca foram para a praça lutar – pedir greve geral! – pela educação, pela melhoria de ensino. Na verdade, eu sempre entendi sim: o objetivo eminentemente economicista dos sindicatos e centrais sindicais se orienta para que o trabalhador ganhe mais para poder colocar, por exemplo, o filho numa escola privada. Nunca fizeram um movimento mais amplo do que essa preocupação economicista, então não surpreende que tenham guardado todas aquelas pseudobandeiras que pensavam o Brasil mais amplamente: tudo discurso de algum modo eleitoreiro. Revista do Professor - As escolas estão preparadas para as mudanças? "As escolas não estão preparadas para nada a não ser para isso que já fazem. Acontece que mudanças têm de ser feitas para que Prof. Amaury - Claro que há outras prioridades, como a as coisas não piorem ainda mais" universalização do Ensino Médio, Revista do Professor - Essas alterações são necessárias ou há outras prioridades que precisam de mais atenção? da escola integral, da revisão do equilíbrio curricular etc. Mas não se pode esperar que isso tudo aconteça antes. Como disse, isso tudo tem a ver com a luta política e a luta política não segue referências tão universais assim. Ela começa com a questão mais imediata e nisso se vai construindo as mais gerais, mais amplas e mais longínquas também. Podemos dizer que a luta pela Sociologia não se aparta da revisão do currículo, ou ainda, pensando de um modo mais instrumental, podemos dizer que a luta pelo ensino de Sociologia visava a sua presença e as alterações que essa disciplina poderia causar nas escolas, na formação dos jovens e que teria como um resultado ainda que longínquo, mediado, a universalização do ensino médio. Revista do Professor - Que outras ações precisam ser feitas para que a educação no país "dê certo"? Prof. Amaury – Além das outras ações já pontuadas, creio que, primeiro, deixar de ser elemento de discurso e passar a ser coisa concreta. Segundo, que nisso se envolvam todos os agentes nacionais e as pessoas como cidadãos. Eu nunca entendi, por exemplo, porque as centrais sindicais 10 Revista do Professor - SINPRO ABC Prof. Amaury - As escolas não estão preparadas para nada a não ser para isso que já fazem. Acontece que mudanças têm de ser feitas para que as coisas não piorem ainda mais. As escolas públicas não se incomodam com as mudanças – é claro que as corporações de professores de Português e Matemática são contra, mas eles não sabem porque os alunos têm de aprender Português e Matemática. Eles sentam em cima de uma tradição muito mal construída. É bobagem dizer que Português e Matemática estão em tudo, ora se assim é, porque precisamos de aulas específicas dessas disciplinas? Fora uns dois ou três anos iniciais, elas poderiam ser incorporadas às outras disciplinas e terem suas aulas reduzidas, transformadas em instrumentais apenas, que é o que são. Aliás, são conteúdos por excelência interdisciplinares, não devendo ser disciplinas mesmo. Claro que a corporação de professores de História também vai chiar, mas, também, até hoje não se sabe por que estudamos História – a História passada não é modelo, não é regra. É cultura? Ótimo, aí sim, eu entenderia. Mas coisas como identidade nacional, conhecer o passado para não cometer os mesmo erros etc etc, não é bem o caso. Observe, não sou contra o ensino dessas disciplinas, apenas acho que elas têm prioridade sobre as demais: é tudo muito arbitrário, ou, no máximo, resultado de um arbítrio histórico, que a qualquer momento pode ser mudado, como o que estamos fazendo. Revista do Professor - Como as escolas devem preparar os professores e alunos para tais mudanças? Prof. Amaury - Uma primeira coisa é cobrando que eles se atualizem quanto a esses debates. Segundo, que os encaminhem ou promovam cursos, seminários sobre tais temas. Pagando melhor os professores, fazendo processos avaliação etc. Revista do Professor - O que precisa ser alterado na lei que ainda não foi? Prof. Amaury - Creio que a lei deveria ser revista por completo. Retomarmos o substitutivo Jorge Hage e os debates que vinham sendo realizados. O que há de bom na atual lei deve ser incorporado (pouca coisa) e o que há de ruim devemos melhorar, baseados naquele projeto de lei que vinha sendo debatido no congresso e foi abortado. Revista do Professor – Algumas alterações prevêem acompanhamento médico e odontológico para os alunos. Qual sua opinião para esse tema? neles para chegarmos a uma situação melhor. Por exemplo, a universalização, a valorização da escola pública, que em alguns países é única – sem que isso pareça comunismo, como aqui pareceria. Isso, se a escola fosse um valor para todos e não só para os que estão envolvidos com ela – os educadores. Prof. Amaury - Não sei se "Não sei se a escola é Revista do Professor – Há a escola é lugar para essas ações lugar para essas ações alguma consideração a mais que sociais. Acho que o que deveria haver queira fazer sobre o que falamos? sociais. Acho que o seria um atendimento mais completo que deveria haver da saúde, das condições de vida da Prof. Amaury - Essas são seria um atendimento população, mas de outro modo, por questões muito amplas que pude mais completo da outros agentes. A escola ser lugar de apenas tangenciar. Merecem um tudo isso me lembra da escola dos saúde, das condições tratamento mais demorado. Como começos da república, que tinha tais de vida da população, expus, pode parecer precipitação ou mas de outro modo, achismo. Mas o que me incomoda tarefas, mas isso num Brasil de pouco por outros agentes" mais de 20 milhões de pessoas, em é como também as coisas são feitas que nem dez por cento chegava às e muitos ficam presos a situações escolas. Hoje, acho que deveria voltar a escola para estabelecidas sem se preocuparem com isso tudo. o seu fim próprio. Outras políticas públicas devem Não há muita honestidade no trato dessas questões. ter seu lugar próprio. Revista do Professor - O que falta para o Brasil para ter uma educação semelhante ao ensino de grandes países? Dá para comparar o ensino brasileiro com o de outros países? Prof. Amaury - Essas coisas são complicadas. Por exemplo, no que devemos comparar o Brasil aos Estados Unidos? Educação lá tem resultados também muito discutíveis. Com alguns exemplos europeus, até podíamos nos comparar e nos mirar Amaury César Moraes é professor Doutor de Metodologia do Ensino de Ciências Sociais da Faculdade de Educação da USP, bacharel licenciado em Ciências Sociais –USP, bacharel licenciado em Filosofia – USP, Mestre em Ciência Política – USP, Doutor em Educação USP, pesquisador sobre ensino de Sociologia e sobre relações entre escola e cinema. É autor das OCN-Sociologia do MEC e do parecer sobre a obrigatoriedade do ensino de Sociologia para o MEC. Revista do Professor - SINPRO ABC 11 Notas Para ministro, famílias devem acompanhar filhos em escola É muito ruim para a educação brasileira que a família não acompanhe o desempenho de seus filhos. Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, “a família é essencial. Atitudes simples como ajudar o filho a fazer o dever de casa provocam mudanças a curto prazo que podem modificar a educação do país”. Haddad defendeu, ainda, a participação dos pais na gestão das escolas e disse que a falta de interesse na educação dos filhos é um fenômeno que atinge todas as classes sociais. “Existem pais de classe média alta que matriculam seus filhos em escolas particulares e não têm interesse algum na educação deles”, ressaltou. Fonte: MEC MEC proíbe uso de nome“universidade” sem autorização O Ministério da Educação proibiu as instituições de ensino superior não autorizadas como centros universitários ou universidades de incluir em seus nomes expressões como “universidade”, “uni”, “un”, “centro”, “autônomas” ou qualquer outra que remeta às características e especificidades desse tipo de estabelecimento. As faculdades e instituições de ensino superior que se encaixam nesse perfil estão recebendo ofício da Sesu (Secretaria de Educação Superior) que alerta para as regras que devem ser seguidas, além das possíveis punições para aquelas que não as cumprirem. O ofício explica que o único nome a ser utilizado pela instituição é o aprovado no processo de autorização de funcionamento do MEC. Segundo o Sesu, o não-cumprimento pode representar quebra do Código de Defesa do Consumidor. Fonte: FSP Proposta: pagar financiamento com exercício em sala de aula O ministro Fernando Haddad levantou uma proposta para incentivar os estudantes do magistério a atuarem em escolas públicas. “Estamos estudando uma proposta de cruzar a atuação em escolas públicas com o Financiamento Estudantil (Fies)”, disse. Pela proposta, os estudantes que optarem por carreiras do magistério e custearem seus estudos por meio do Fies, poderiam pagar o financiamento trabalhando em salas de aula de escolas públicas. Haddad destacou, ainda, que existe um esforço do Ministério da Educação para que as universidades públicas assumam a responsabilidade pela formação de professores para a educação básica. “Infelizmente nossos professores das escolas públicas são formados por instituições de baixa qualidade, enquanto as universidades públicas formam professores que atuam em escolas particulares”, lamentou. Fonte: MEC 12 Revista do Professor - SINPRO ABC Universidades apresentam projetos de licenciaturas O Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind) 2008 recebeu propostas de 16 universidades públicas federais e estaduais das regiões Norte, Nordeste, CentroOeste e Sul. Elas se propõem a abrir 1.464 vagas para professores de 96 povos. O objetivo do Prolind é ampliar a oferta de licenciaturas interculturais para professores indígenas que não possuem graduação. Ação conjunta de duas secretarias do MEC, de Educação Superior (Sesu) e de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), o programa transfere recursos do governo federal às universidades para formação de professores. Fonte: MEC Alunos da rede pública receberão livros de inglês e espanhol a partir de 2011 Universidade trará dez mil novas vagas até 2010 Os alunos dos anos finais do ensino fundamental público passarão a receber livros didáticos de inglês e espanhol a partir de 2011. O processo para a seleção das obras começa este ano. Até dezembro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação deve lançar edital para a inscrição de títulos das duas disciplinas para os anos finais do ensino fundamental (5ª à 8ª série ou 6º ao 9º ano). Depois de inscritas, as obras passarão por rigoroso processo de avaliação quanto às especificações técnicas e de conteúdo. Em seguida, virá a fase da escolha, em que diretores e professores selecionam os livros mais adaptados a seus alunos. Após a escolha, o FNDE convoca as editoras para negociar o preço das publicações. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Educação, Fernando Haddad, o reitor da Universidade Federal do ABC, Adalberto Fazzio, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, estiveram em Santo André para a inauguração do primeiro prédio da UFABC. De todas as autoridades presentes, talvez poucas soubessem tanto quanto Samuel Santos de Oliveira, 19 anos, o que a implementação de uma nova universidade representa. Há seis meses, Samuel ingressou na UFABC por meio das vagas reservadas para estudantes que vieram de escolas públicas. A instituição destina 50% de suas vagas para alunos da rede pública. Samuel é o primeiro da família a ingressar na educação superior. Cursando o bacharelado de Ciência e Tecnologia, curso interdisciplinar que é o ciclo básico para todos os estudantes da UFABC, ele já está envolvido em um projeto de pesquisa. Vinda de Sergipe, a família de Samuel, que tem dois irmãos, vive da renda do pai, que trabalha como cilindrista na indústria de borracha dos arredores. A mãe é dona-de-casa e os outros dois irmãos mais novos estão estudando. “Eu não teria como arcar com os custos de uma universidade particular”, relatou o estudante. Em um laboratório novo, Samuel busca soluções para melhorar o desempenho do etanol e do metanol. “Queremos otimizar a oxidação do biocombustível”, tenta explicar. Reforço na biblioteca Durante a palestra na bienal, realizada em agosto, o presidente do FNDE anunciou o aumento dos acervos das bibliotecas escolares. O governo federal vai adquirir obras de referência nas diversas áreas do conhecimento, como sociologia, filosofia e química, para as escolas públicas de ensino médio. Fonte: MEC 10 mil até 2010 Ricardo Stuckert/MEC Presidente Lula e ministro Fernando Haddad, em visita ao prédio da UFABC Até 2010, dez mil estudantes como Samuel serão recebidos pela Universidade Federal do ABC. A instituição é apenas uma das 14 novas criadas a partir do processo de expansão das universidades federais. Desde que começou a ser implementada, em 2003, a expansão já investiu R$ 2,4 bilhões no parque de universidades federais do Brasil. A previsão é que o investimento chegue a R$ 4 bilhões até o final de 2012 e que o número de vagas dessas instituições passe das atuais 500 mil para um milhão e 86 mil até o final de 2012. Fonte: MEC Revista do Professor - SINPRO ABC 13 Sindical Mais mulheres! Elas ainda não são a maioria no trabalho formal, mas já chegam a representar 40% do total de trabalhadores sindicalizados no Brasil A s mulheres são maioria quando falamos em eleitoras e em alunas matriculadas em universidades. Mas, mesmo ocupando mais espaço em instituições de ensino superior, a realidade no mercado de trabalho ainda é desigual, uma vez que os homens lideram os índices de trabalhadores com registro em carteira e as mulheres encabeçam as estatísticas de desempregados e de trabalhadores informais. Pesquisas mostram, ainda, que os salários são menores para elas. Sindicalizadas Em agosto, a Central Única dos Trabalhadores lançou a cartilha “Igualdade é o máximo, cota é o mínimo – As mulheres no mundo sindical”, com dados inéditos sobre a sindicalização das mulheres no país. O estudo foi realizado pela CUT em parceria com o Dieese e mostra que o índice de sindicalização entre o sexo feminino cresceu muito na última década, se comparado com os números masculinos. Apesar desse crescimento, a participação sindical das mulheres, segundo constata a pesquisa, “ainda é inferior à sua inserção no 14 Revista do Professor - SINPRO ABC mercado de trabalho e, ainda que a sindicalização das mulheres tenha aumentado, nas diretorias das entidades essa inserção não inclui cargos tradicionalmente considerados mais importantes: Presidência, Secretaria Geral e Tesouraria”. Como exceção a essas estatísticas, encontramos o Sindicato dos Bancários do ABC, que, atualmente, tem a Presidência e a Tesouraria administradas por mulheres. A categoria bancária na região é composta, em sua maioria, por trabalhadoras do sexo feminino, em torno de 60% (a mesma porcentagem corresponde ao número de sindicalizadas à entidade). Na atual diretoria do Sindicato dos Bancários, 30% dos dirigentes são mulheres. “Temos somente 30% de mulheres e isso porque nosso estatuto determina cota mínima. Ter duas diretoras na Executiva do Sindicato é algo muito raro”, comenta Maria Rita Serrano, presidente da entidade de representação bancária, que já milita no movimento sindical há mais de 20 anos. “Chegar à direção não foi fácil, demorou 50 anos para que o Sindicato tivesse uma mulher na Presidência”, esclarece Rita, “tive que vencer muitas dificuldades pessoais e políticas para enfrentar o desafio de coordenar um monte de homens. Tive e tenho que provar, o tempo todo, que sou capaz para a função”, completa Serrano. Sobre a participação feminina em atividades sindicais, Maria Rita ressalta: “Hoje temos poucos trabalhadores que realmente atuam junto ao sindicato e a grande maioria é de homens. As mulheres têm mais dificuldades, por conta dos compromissos com a família e, acredito que, para elas, a atividade política ainda é coisa nova, falta vontade de atuar”. “Tenho esperança e tento usar o meu mandato para incentivar a participação das mulheres. Nosso olhar da vida é mais amplo e por essa razão nossa contribuição para a vida sindical e política pode ser determinante na construção de um modelo mais solidário de relações”, finaliza Maria Rita. Cotas as mulheres também foram responsáveis por um notável crescimento. Em 1998, 65% dos filiados a órgãos sindicais eram homens e 35% mulheres, enquanto, em 2006, 60% eram trabalhadores do sexo masculino e 40% do sexo feminino. Mulheres mais independentes Com o crescimento da participação feminina em atividades sindicais, algumas mudanças foram percebidas e apontadas na pesquisa cutista. Entre os principais impactos, a CUT destaca a queda da taxa de fecundidade, crescimento acentuado de famílias chefiadas por mulheres, mulheres cada vez mais voltadas para o trabalho remunerado e para construção de carreira profissional. Na educação De acordo com o documento publicado Quando se fala em profissionais da educação, pela CUT, uma das alternativas para superar a no Brasil, 75% dos sindicalizados são mulheres. situação de ausência das mulheres No ABC, as professoras da rede "A mulher precisa em atividades sindicais é a adoção particular correspondem cerca de de cotas. “A aplicação dessa medida ocupar, cada vez mais, 70% dos filiados, do ensino infantil é um passo para a construção de os espaços políticos. ao superior. políticas que alterem as condições Na Apeoesp, entidade de As mulheres têm gerais da participação política das que estar à frente de representação dos professores do mulheres”, destaca a pesquisa. cargos de liderança, Estado de São Paulo, as mulheres Para a Central, as direções sejam políticos, sejam ocupam importantes cargos na sindicais devem seguir a cota mínima diretoria sindical. Segundo a em representação de 30% e máxima de 70% para assessoria da entidade, na Diretoria sindical". ambos os sexos. Essa ação é inicial, Executiva da Apeoesp, 37% dos cargos não devendo considerar “o mínimo são ocupados por professoras. Bebel como o máximo”. Muito ainda está Em entrevista à Revista do por vir. Professor, a docente Maria Izabel Para as mulheres, participar Noronha, presidente da Associação, de atividades sindicais representa intensificar a destaca: “A Apeoesp é um dos maiores sindicatos luta por direitos específicos, por isso, a Central da América Latina e posso dizer que fui muito destaca a importância da atuação feminina junto a bem recebida pelos professores quando meu órgãos de representação. Para tanto, é necessário nome foi indicado à presidência”. “As professoras intensificar o trabalho de formação e politização se sentem mais respaldadas sendo representadas das trabalhadoras. por uma mulher. Há uma grande confiabilidade, aproximação e segurança quando precisam Crescimento em números conversar comigo”, observa a presidente. Para Bebel, como é chamada, somente com Segundo a pesquisa, a participação das participação ativa, as mulheres poderão conquistar mulheres no mercado de trabalho cresceu e manter direitos. “A mulher precisa ocupar, cada significativamente. Enquanto em 1970 o número de vez mais, os espaços políticos. Não podemos brasileiras que trabalhavam fora de casa apontava conferir as atividades políticas somente aos 18%, em 2007 esse porcentual se aproximou dos homens”, comenta. “As mulheres têm que estar à 50%. frente de cargos de liderança, sejam políticos, sejam Quando se fala em associação a sindicatos, em representação sindical”, finaliza a professora. Revista do Professor - SINPRO ABC 15 Especial 1968: 40 anos depois A história contada e analisada por quem participou de forma intensa da luta dos estudantes no Brasil Por Glauco Faria e Pedro Venceslau* “ Depois daquele ano, o mundo não foi mais o mesmo, embora o que a compulsão simplificadora da mídia relembre hoje como 68 tenha sido, na verdade, uma rebelião plural e diversificada. Isto é, vários 68 coincidindo, com as suas peculiaridades locais, em diversos países. O nosso, por exemplo, foi deflagrado quando a Polícia Militar do Rio, então sob o comando do Exército, matou, no restaurante estudantil do Calabouço, em 28 de março, o estudante Edson Luís, que participava com colegas de manifestação pela melhoria da comida e da higiene; a francesa começou quando os universitários de Nanterre resolveram exigir o fim das barreiras que separavam os dormitórios masculino e feminino no campus. Não deixa de ser interessante distinção entre as aflições do terceiro e do primeiro mundos”. O depoimento acima é de Arthur Poerner, à época com 28 anos e quintanista da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ), e dá uma mostra do que foi aquele ano histórico no país. Ao mesmo tempo em que a ditadura militar começava a endurecer a repressão, que chegaria no auge com o advento do AI-5 em dezembro, o movimento estudantil tomou corpo e passou a ter uma importância fundamental na resistência contra o regime autoritário. Ao mesmo tempo, novas concepções estéticas e comportamentais promoveram uma verdadeira revolução no modo de agir e de pensar do brasileiro, influenciando de forma decisiva a ação política de esquerda. 16 Revista do Professor - SINPRO ABC O estudante citado por Poerner, Edson Luís de Lima Souto, 18 anos, não era exatamente o padrão “classe média” que alguns historiadores dizem ser o tipo do estudante que participava das manifestações célebres de 1968. Nascido em Belém, mudou-se para o Rio de Janeiro e continuou seus estudos secundários no Instituto Cooperativo de Ensino, que funcionava no restaurante Calabouço. E nesse refeitório, ocupado por estudantes, que o paraense foi alvejado pela repressão policial e acabou morrendo antes de receber socorro médico. Era 28 de março de 1968 e outras seis pessoas ficaram feridas na ocasião, sendo atendidas no Hospital Souza Aguiar. Morto, Edson tornou-se um símbolo. Foi levado para a Assembléia Legislativa por estudantes e velado ali mesmo, em cima de uma mesa, onde também foi feita a necrópsia. O enterro, no cemitério São João Batista, foi precedido por uma passeata que levou o seu corpo até o local. Aproximadamente 50 mil pessoas gritavam “mataram um estudante. E se fosse seu filho?” e faixas questionavam: “Bala mata fome?” e “Os velhos no poder, os jovens no caixão”. Era o início de uma série de manifestações estudantis que daria uma outra forma à luta política e à resistência contra a ditadura. Naquele ano, oficialmente outras nove pessoas seriam mortas na repressão aos protestos liderados, em sua maioria, por estudantes. No dia 1o de abril seguinte, nova onda de protestos em função do aniversário daquilo que os militares chamavam de “revolução”. No Rio de Janeiro, um confronto entre policiais e estudantes deixou 56 feridos, sendo 30policiais. Mas um funcionário da Companhia de Navegação Costeira, David de Souza Meira, e o estudante de Medicina Jorge Aprígio de Paula foram mortos por policiais que tentavam dispersar manifestantes desarmados. Cogita-se até que David não fazia parte da passeata. Na manhã do dia seguinte, 2 de abril, foi realizada na Candelária uma missa em homenagem a Edson Luís, celebrada pelo bispo auxiliar da cidade e mais quinze padres. Já no transcorrer da cerimônia, policiais, fuzileiros navais e agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) cercaram a saída da igreja. Um esquadrão da cavalaria da polícia, armado de sabres, bloqueia os portões. Os padres formam um cinturão de mãos dadas protegendo aproximadamente 2,5 mil pessoas. Conseguem convencer os soldados de que não haveria passeata. Ainda assim, houve Arthur Poerner “No Brasil, a ditadura se viu obrigada a tirar o que lhe restava de máscara democrática, o que contribuiria para o seu inglório final; na França, as mulheres casadas se livraram da até então obrigatória autorização dos maridos para abrir contas bancárias, e as relações entre professores e alunos se tornaram menos autoritárias (já podem até se tratar por “tu”). Pelo mundo afora, México, Alemanha, Tchecoslováquia etc., um alento libertário sacudiu relações anacrônicas de poder e ridicularizou a caretice, reforçando os movimentos ecológicos, feministas, das minorias raciais e sexuais; enfim, fortalecendo a luta mundial pela igualdade e pelos direitos humanos.” perseguição a pequenos grupos de estudantes após a dispersão, mas o pior é evitado. Além do contexto político brasileiro, o panorama internacional favorecia e inspirava a ação dos estudantes no país. “É fato que as lutas no Brasil uniram-se ao furacão que atravessou o mundo naquele ano: maio em Paris, revoltas estudantis na Alemanha, na Itália e na Inglaterra, movimentos contra a guerra do Vietnã e o racismo nos Estados Unidos, protestos de rua em Tóquio. Também o bloco socialista foi abalado com a invasão da Tchecoslováquia, onde o Partido Comunista local tentava conciliar socialismo com liberdade. E a ofensiva do Tet, o ano novo budista, contra as tropas americanas no Vietnã, mostrou que o triunfo do Vietcong era uma questão de tempo”, avalia o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, que estudava Economia e era ligado à Dissidência, uma organização política com base universitária que havia rompido com o Partido Comunista. Contudo, Martins, que participou ativamente das movimentações à época, assegura que a ação estudantil no país não era uma mera extensão do que ocorria em outros países. “Esse turbilhão internacional produziu um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreram em fins de março, bem antes, portanto, do Maio francês ou da Primavera de Praga”, esclarece. “Pessoalmente, creio que bem maior, no coração e na mente dos jovens brasileiros, foi o impacto da ofensiva do Tet [ataque lançado pelos nortevietnamitas contra as forças estadunidenses e sulvietnamitas em 31 de janeiro de 1968, na Guerra do Vietnã]. A sensação foi de que, se os vietnamitas podiam vencer a mais poderosa máquina de guerra do mundo, por que o povo brasileiro não poderia derrubar a ditadura?.” Um dos líderes das manifestações de 1968 no Rio de Janeiro era o então presidente da União Revista do Professor - SINPRO ABC 17 Franklin Martins "O movimento estudantil também deixou um legado de mudanças em hábitos, comportamentos, cultura, relações familiares, relações entre casais, sexo, que nos fizeram ser hoje um país menos careta do que éramos no final dos anos 60. E isso é bom. Além de tudo, 1968 ajudou que nos abríssemos para o mundo e para a novidade. Deixou o país mais antenado e menos provinciano, sem que com isso ele deixasse de valorizar o que é seu. E isso também é bom. " Metropolitana dos Estudantes (UME) e graduando em Direito na Universidade do Brasil, Vladimir Palmeira. À época, também era “foca” do jornal Última Hora. “Eu era – e continuo sendo – socialista. Achava que a revolução era a saída para o Brasil, mas não era militarista, defendia a insurreição urbana e a guerrilha rural. No movimento estudantil nós só usamos a violência, em 1968, para mostrar que queríamos dialogar”, pontua. Palmeira fazia parte de uma vertente do movimento estudantil que via a necessidade de se trabalhar a base nas próprias escolas, tendo como foco temas como a discussão do currículo, as condições do professor, as verbas para a universidade pública. Mas a mobilização e a força do movimento faziam dos estudantes personagens centrais na resistência, alcançando uma visibilidade maior do que as articulações que eram feitas no plano institucional. “Hoje, avalio que as ações estudantis do Rio foram corretas. Nós defendíamos, nas entidades, a luta contra a política educacional do governo, e não contra a ditadura. Queríamos mais verbas para a universidade. Foi a ditadura que se encarregou de politizar nosso movimento”, recorda. “O agito parisiense de 1968 teve reflexos em todos os cantos do mundo, mas aqui havia peculiaridades próprias porque vivíamos numa ditadura. A repressão aos sindicatos era mais violenta e fora o MDB, único partido de oposição ‘permitido’, foram os estudantes que orientaram a grande reação”, relembra outro importante líder estudantil da década de 60, o ex-ministro José Dirceu. “O movimento estudantil começou com bandeiras próprias, buscando ensino superior gratuito e de qualidade para o jovem brasileiro e, lógico, mais liberdade, menos autoritarismo. Depois, a repressão crescente foi um fator a mais para que conquistasse as ruas. Essa militância mais política legitimou o movimento como uma reação de massa àquela situação terrível.” O historiador Daniel Aarão Reis, presidente da UME que antecedeu Palmeira, argumenta que o ano de 1968 se tornou especial para todos aqueles que se interessavam de perto pela política com 18 Revista do Professor - SINPRO ABC uma concepção de esquerda, abrindo um leque de expectativas que duraria até a promulgação do Ato Institucional número 5. Segundo ele, é preciso ressaltar uma importante diferença entre os movimentos sociais e as organizações revolucionárias que participavam e, até então, em parte dirigiam politicamente o processo de lutas. “Trata-se de uma distinção formulada há anos pelo Vladimir Palmeira, amigo pessoal, e maior líder do movimento estudantil em 1968, e que nem sempre é percebida com a devida acuidade”, explica. “Os movimentos sociais, entre eles o movimento estudantil, se pautavam por um programa fundamentalmente sindical, com reivindicações precisas, concretas, graças a isso inclusive os movimentos cresceram tanto na época. Politicamente, o que a ampla maioria queria era a restauração da democracia, das liberdades democráticas”, sustenta. “As organizações revolucionárias, embora empenhadas nas lutas sociais, tinham outras perspectivas, articuladas em torno de um projeto revolucionário, de derrubada violenta da ditadura para instauração de uma sociedade revolucionária, surgindo aí muitas divergências entre os grupos revolucionários que se inspiravam – sem copiar – nas grandes experiências revolucionárias do século XX: Rússia, China e Cuba.” Segundo o historiador, muitas das organizações revolucionárias ficaram surpresas com a “explosão” social de 68, e tiveram uma certa dificuldade de avaliar aqueles movimentos sob a perspectiva revolucionária. “[A visão deles] passava muito mais pelo enfrentamento armado –guerrilhas urbanas e rurais – do que por uma articulação complexa entre movimentos sociais e lutas políticas e militares”, pontua. O endurecimento Estudantes, trabalhadores, artistas, padres e parlamentares. Eram eles e milhares de outras pessoas que davam um colorido especial à Cinelândia, Rio de Janeiro, naquele 26 de junho de 1968. Calcula-se que 100 mil pessoas tenham participado do evento que não foi apenas contra a ditadura, tinha diversos outros focos. Fazia oposição à política educacional do governo e questionava o capitalismo estadunidense. Em São Paulo, os estudantes também se mobilizavam (ver página 14). Uma reunião da direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) no mês de julho decidiu que a realização do 30º Congresso da UNE seria em São Paulo e a União Estadual dos Estudantes (UEE) seria a responsável pela organização. “O local não poderia ser um convento de religiosos como nos congressos anteriores porque a repressão poderia localizá-lo com facilidade”, conta Paulo de Tarso Venceslau, que estudava Economia na USP e foi um dos organizadores do Congresso, que se realizou em Ibiúna e terminou com a prisão de mais de 800 estudantes. Às vésperas do início do Congresso, em 2 de outubro, eclodiu um episódio até hoje conhecido como a batalha da rua Maria Antônia. “O conflito foi resultado de provocações articuladas pelo chamado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – que tinha na universidade Mackenzie sua principal base de operações”, recorda Venceslau. “Lá se embaralhavam agentes como Raul Careca, um delegado do Dops [Departamento de Ordem Política e Social], até capitão Maurício, que no DOICodi, no ano seguinte, seria chefe de uma equipe de torturadores. Foram eles que plantaram, no meio dos estudantes da USP, um agente provocador, Brasil de Oliveira, um dos responsáveis pelo começo do confronto. Para nós, não havia o menor interesse em chamar atenção sobre o movimento estudantil porque o 30º Congresso da UNE estava agendado para a segunda semana de outubro e estava sendo encaminhado desde agosto em todos os estados do Brasil”, relata. Naquele dia, estudantes da Filosofia da USP recolhiam fundos para a realização do Congresso quando foram atacados por pessoas identificadas com a universidade Mackenzie. Venceslau contesta a versão de que o conflito se deu simplesmente entre mackenzistas e uspianos. “Até porque nossos aliados detinham o controle das entidades estudantis do Mackenzie, inclusive o DCE [Diretório Central de Estudantes]. Todos nós vimos e testemunhamos viaturas do Exército brasileiro descarregando rojões e armas de fogo, sob o comando do capitão Maurício, na entrada lateral do Mackenzie, na rua Itambé”. Um dos tristes resultados do conflito foi o assassinato do secundarista José Guimarães. Outro ponto importante na mobilização dos estudantes e que se tornou fundamental para o endurecimento do regime militar aconteceria no dia 1o de setembro. A Universidade de Brasília fora invadida por um grupo de agentes à paisana sob o pretexto de procurar o estudante Honestino Guimarães, que seria morto mais tarde. O resultado foi uma série de espancamentos, tumultos e tiros disparados pela repressão. Em vista da situação, o deputado Márcio Moreira Alves fez dois discursos na Câmara nos dias 2 e 3. Por conta desses proncunciamentos, o então procurador-geral da República, Délio Miranda, entrou com uma representação no Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o deputado de “abusar dos direitos individuais e políticos, praticando atentado contra a ordem democrática, vilipendiando as Forças Armadas”. Um dos trechos pinçados pelo procurador no primeiro discurso de Moreira Alves dizia: “Quando poderemos ter confiança naqueles que devem executar e cumprir as leis? Quando não será a polícia um bando de facínoras? Quando não será o Exército um valhacouto de torturadores?”. A palavra “valhacouto” equivale a asilo, refúgio. Além disso, ficou célebre a segunda ocasião, ocorrida em um horário das sessões reservado para pequenos pronunciamentos, onde ele disse: “Vem aí o 7 de Setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse esse desfile. Esse boicote pode passar também – sempre falando de mulheres – às moças que dançam com os cadetes e namoram os jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje no Brasil com que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de suas casas àqueles que vilipendiam a Nação, recusassem aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta”. No dia 12 de dezembro, a maioria da Câmara dos Deputados votou contra o pedido para processar Marcio Moreira Alves. Esse foi o pretexto para que a linha dura do governo vencesse a disputa interna resultando no AI-5, promulgado em 13 de dezembro e que dava poderes absolutos ao regime, fechando o Congresso Nacional por quase um ano, Paulo de Tarso Venceslau "Hoje, muitas análises abstraem a força, a intensidade, a velocidade e a dimensão planetária daquele contexto. Portanto, apesar de falhas e desvios, não há do que se arrepender, desde que se entenda o clima daquele ano. Não há dúvida que a inexperiência, o voluntarismo, os excessos decorrentes da pouca idade marcaram nossa atuação. Mas eram os poucos recursos que dispúnhamos para encontrar coragem para enfrentar o aparato repressivo do Estado controlado pelos militares e políticos golpistas." Revista do Professor - SINPRO ABC 19 José Dirceu "Os movimentos de 68 foram responsáveis por uma verdadeira revolução cultural por meio da música, do feminismo, do amor livre, da arquitetura, literatura e as artes de uma forma geral. Também faço parte da primeira geração que estuda e trabalha fora. Meu maior sonho era entrar na faculdade e, quando consegui, vi aquele cemitério, tudo vazio. Foi o maior choque da minha vida. Essa sensação me fez entrar na militância política. Foi um período de criatividade intensa que trouxe ótimos frutos para as gerações de hoje. Graças aos questionamentos que fizemos lá, hoje vivemos uma liberdade incrível." conferindo poderes ao presidente da República para decretar estado de sítio e suspendendo a admissibilidade do habeas corpus para “crimes políticos”. Os movimentos populares tiveram seu golpe de morte àquela altura. A repressão os empurrou para a clandestinidade. O legado de 1968 Passados 40 anos de uma luta que mudou não apenas os rumos do regime autoritário que vigorava no Brasil, mas também a própria forma de luta política, como avaliar a importância dos acontecimentos de 1968? Para Aarão Reis, é preciso destacar as múltiplas dimensões dos atores que se organizavam a partir dali, como os chamados novos movimentos sociais, mulheres, negros, homossexuais, índios e outros que não queriam acompanhar o discurso tradicional das organizações revolucionárias de “vanguarda”, de tradição marxista-leninista. “Não aceitavam mais a dogmática marxista-leninista, esta poderosa religião laica, nem estavam dispostos a esperar os ‘amanhãs que cantam’ para verem seus propósitos e reivindicações realizados”, aponta Reis. “Queriam o que queriam aqui e agora, e isto despedaçou a constelação das esquerdas em 1001 pedaços. As esquerdas tradicionais nunca perdoaram o ano de 68 por ter sido o ‘revelador’ destes novos movimentos que se situariam, mais tarde, e na seqüência, como grandes atores na cena política. Eles, a rigor, foram e são até hoje o grande legado positivo e construtivo daquele ano.” Frei Betto, que estudava Antropologia na USP e militava na Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, acredita que uma das grandes conquistas foi justamente o desenvolvimento de formas de organização dos estudantes, algo que influencia ainda hoje o meio universitário. “O maior legado é a capacidade de mobilização do movimento estudantil, como recentemente se viu na Universidade de Brasília, com a deposição do reitor e do vice-reitor”, fazendo uma comparação com o episódio da ocupação 20 Revista do Professor - SINPRO ABC da reitoria da UnB. “Pena que, hoje, os fatores de desmobilização sejam mais fortes que os de mobilização. Mas ficou a certeza de que é na juventude que nos impregnamos de valores éticos, revolucionários, solidários, na busca de um ‘outro mundo (e Brasil) possível’.” De acordo com Venceslau, o grande feito dos movimentos estudantis está associado ao enfrentamento contra uma sociedade autoritária. “Sem aquele tipo de contestação, a ordem das coisas não muda. A repressão aos estudantes, em 1968, no Brasil, deveu-se muito mais à contestação da ordem e dos costumes do que às propostas políticas revolucionárias de pequenas organizações clandestinas”, analisa. “Naquela situação, não havia muitas alternativas. Era tudo ou nada porque veio o AI-5 e não dava para fazer movimento de massa. Os caminhos eram muito restritos. O golpe dentro do golpe (o AI-5) foi duríssimo”, pondera José Dirceu, que atribui a ação dos estudantes à imposição daquele momento histórico. “Não era escolha, não era opção. O movimento estudantil é, injustamente, responsabilizado pelo endurecimento da ditadura. Na verdade, basta olhar aquele passado, buscar a verdade para perceber que ele viria de qualquer jeito. Pagamos o preço, fomos às últimas conseqüências, reviramos nossas vidas, mas somos vitoriosos.” A discussão sobre se as estratégias adotadas eram as mais corretas ou se tudo poderia ser feito de outra forma sempre vai existir e até hoje causa dissenso entre quem participou daquele momento histórico. Mas, sem dúvida, o legado de 1968 vai muito além. “Acho curiosa a preocupação com eventuais ações equivocadas. Porque, no fundo, equivocado era apoiar a ditadura, ou não lutar contra ela e ficar em casa esperando o carnaval chegar. Quem luta, acerta e erra; quem não luta, só erra”, aponta Franklin Martins. “Penso sempre com respeito e carinho nos que lutaram quando era tão difícil lutar. Dou muito pouca importância aos seus erros. Até porque os que lutavam, errando ou acertando, pagaram um preço muito alto por não se conformarem com a repressão e a injustiça: prisão, tortura e muitas vezes assassinato. A geração de 1968 poderá ser acusada de muitos erros, mas dela ninguém poderá tirar o maior de seus méritos: ter se entregado de corpo e alma àquilo que ela achava melhor para o Brasil e para o mundo. Foi bom ter vivido aquele tempo, foi fantástico conviver com tanta gente extraordinária.” *Publicado na Revista Fórum / maio 2008 Mais uma novidade do SINPRO ABC exclusiva para você, sócio! Revista do Professor - SINPRO ABC 21 22 Revista do Professor - SINPRO ABC Revista do Professor - SINPRO ABC 23 Cuide do seu futuro brincando Com a ajuda do economista Luis Carlos Ewald, CAIXA incentiva aportes extras na previdência complementar Quem não gostaria de ter uma consultoria financeira sempre à mão quando precisasse investir um dinheiro extra, reduzir as despesas domésticas ou controlar melhor os gastos? Pensando nisso, o professor Luis Carlos Ewald – economista e orientador de finanças familiares – para dar aos seus clientes dicas de economia. Nos vídeos, disponíveis na página da Caixa (www.caixavidaeprevidecia.com.br), Ewald explica as vantagens de investir em previdência complementar, além da necessidade cada vez mais crescente de ter uma boa gestão financeira em casa. “O grande segredo é cuidar do seu dinheiro agora para que ele possa cuidar de você depois”, garante. A consultoria “gratuita” faz parte da campanha recém-lançada pela empresa para divulgar as vantagens de investir na previdência complementar. “A previdência continua sendo, de longe, um dos melhores investimentos que se pode fazer a longo prazo”, afirma o diretor da CAIXA VIDA & PREVIDÊNCIA, Juvêncio Braga. “E o mercado vem crescendo a olhos vistos. Prova disso é que nosso faturamento total (PGBL e VGBL) cresceu 53,25% entre agosto de 2007 e agosto de 2008. Um dos melhores resultados do setor. Durante esse período, também tivemos um aumento significativo em nossa reserva: 33,47%". Acontece na vida - O jogo “Acontece na Vida” será distribuído aos novos e antigos clientes que fizerem depósitos a partir de R$ 1 mil na previdência da CAIXA e àqueles que contratarem um seguro de vida no banco, até o dia 29 de dezembro ou até o final do estoque do brinquedo. “A nossa preocupação é educar as pessoas quanto ao cuidado do futuro. Como sabemos que se trata de uma mudança cultural e de comportamento, buscamos estratégias lúdicas para que o aprendizado se dê de forma simples e permanente”, afirma o diretor da CAIXA VIDA & PREVIDÊNCIA. “Na prática, o jogo mostra que é possível proteger a família, o patrimônio e o futuro desde já. E quanto antes, melhor, pois o impacto no orçamento será menor.” Benefício fiscal – Final de ano é tempo de gratificação, décimo terceiro salário e férias. Momento propício para investir em um futuro tranqüilo e, ao mesmo tempo, driblar o Imposto de Renda. 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(Renda Variável) · Taxa de Carregamento: 0% · Contribuição Mínima de Pecúlio: R$ 20 reais; Procure já uma agência a CAIXA e faça o seu. 24 Revista do Professor - SINPRO ABC Que ano! Autor do livro "1968, por aí... Memórias burlescas da ditadura" conta um pouco do cotidiano dos estudantes à época Por Mouzar Benedito * C om muita justiça, o ano de 1968 virou algo mitológico na história do Brasil e do mundo, seja no plano político ou de costumes. (...) O crédito de tudo que aconteceu, inclusive aqui, costuma ser dado aos estudantes franceses que abalaram a república de De Gaulle em maio daquele ano. Tudo começou com uma greve contra uma reforma universitária, e a coisa foi se radicalizando e virou um protesto generalizado, com batalhas de rua contra a polícia. Mas a coisa não foi bem assim, para nós brasileiros. Nossos protestos começaram antes, contra o acordo MECUsaid, contra o imperialismo e contra a ditadura em que vivíamos. No dia 28 de março, portanto bem antes do famoso Maio de 68 francês, houve um protesto estudantil no restaurante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conhecido como Calabouço, e a repressão foi muito violenta. Na ocasião, morreu um estudante, Edson Luís de Lima Souto, de apenas 18 anos. (...) Nossa luta era outra. Não vivíamos numa democracia como os estudantes franceses. Aqui tínhamos uma ditadura submissa aos interesses do capitalismo internacional, especialmente dos Estados Unidos, e queríamos o fim tanto da ditadura quanto do imperialismo. Isso explica uma coisa que muita gente não compreende até hoje: a vaia a Caetano Veloso num festival de música da Globo, em agosto de 1968, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A música dele tinha como título o lema dos estudantes franceses, “É proibido proibir”, enquanto os estudantes brasileiros se identificavam mais com a música “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, apresentada um pouco antes. (...) Isso não significa que estivéssemos desligados do que acontecia no mundo. Vibrávamos com a derrota que os vietnamitas impunham aos poderosos EUA e seus aliados, cultuávamos o mito Che Guevara que se iniciava Revista do Professor - SINPRO ABC 25 (ele foi morto menos de três meses antes do início de 1968), usufruíamos a chegada da pílula anticoncepcional que acabou com o mito da virgindade, acompanhávamos os acontecimentos da China, onde ocorria a “Revolução Cultural” com seus muitos excessos, nos informávamos sobre o movimento hippie que ocorria nos Estados Unidos e que logo chegaria aqui, com o lema “paz e amor”, e muitos de nós (não eu) eram apaixonados pela música dos Beatles.(...) Em 13 de dezembro daquele ano, a ditadura radicalizou, com a edição do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que, entre muitas outras coisas ruins, permitia à polícia prender sem motivos e, indiretamente, torturar e matar opositores. Para o ex-reitor da USP e então ministro da Justiça, Gama e Silva, ainda era pouco. Ele queria mais, babava por sangue. E o mitológico ano de 1968 terminou com o início de uma nova fase na história do Brasil, de violência, medo, prisões, tortura, morte e exílio. Mas também de muita esperança. O típico “meia-oito” Barba ou cavanhaque, cabelos compridos, calça jeans e camiseta, sandálias (...) alguma novidade? Hoje, não, mas na época era. Até então, a maioria das empresas exigia que seus empregados não operários usassem roupas formais, gravata, cabelo arrumadinho, barba feita todos os dias e calçados engraxados. (...) Cabeludo podia ser considerado adepto da Jovem Guarda, fã de Roberto Carlos, coisas por aí. Mas barbudo, não! Barbudo era de esquerda. Pelo menos era o que 26 Revista do Professor - SINPRO ABC pensava quase todo mundo, com uma certa razão. Os guerrilheiros da Revolução Cubana eram barbudos. Mas para se infiltrar entre os estudantes, muitos policiais também deixaram a barba crescer. Um dos policiais mais sádicos do Dops tinha o apelido de JC, iniciais de Jesus Cristo, por causa do cabelo e da barba compridos. Já havia muitas repúblicas de estudantes antes disso, mas a partir daí “morar em comunidade”, como alguns diziam, se tornou quase uma obrigação. Até casais não estudantes entravam nessa. (...) A universidade era muito melhor do que hoje, mas – pelo menos na USP – aprendíamos muito mais nos corredores do que nas salas de aula. Procurávamos nos “embasar” sobre qualquer assunto novo, estudando muito, discutindo, questionando. Nos corredores e no pátio do prédio de Geografia e História, onde estudei, havia sempre grupos se reunindo para discutir alguma coisa, inclusive aos sábados e domingos. O “meia-oito” típico podia ser chamado de um monte de coisas, como radicalóide, revolucionário de boteco, sonhador, iconoclasta, maluco... mas não de alienado, de desinformado ou qualquer coisa por aí. Fazendo história Em São Paulo, duas instituições que podiam ser consideradas os principais focos de oposição à ditadura eram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, com sede na rua Maria Antônia, na região central da cidade, mas com muitos cursos já na Cidade Universitária, e o Crusp, Conjunto Residencial da USP. Eu estudava naquela faculdade e morava no Crusp. Não era líder de nada, embora tenha sido da direção do Centrinho acadêmico de Geografia e depois representante dos alunos na Congregação da faculdade. Para quem não viveu aquele momento, parece hoje que éramos militantes 24 horas por dia, só pensando em política. Não era bem assim, nós nos divertíamos bastante também. (...) Além de namorar muito, ouvíamos muita música, bebíamos, sambávamos... e gozávamos a ditadura! Fazíamos tudo que um jovem de hoje faz, só que íamos além disso, tínhamos uma perspectiva histórica e uma luta. Nunca me filiei a nenhuma organização política, mas tinha boas relações com muitas, às vezes fazia umas panfletagens em bairros operários e outros trabalhinhos assim. Havia muita gente igual a mim, e muitos de nós nos reuníamos num boteco barateiro da entrada da Cidade Universitária, o Bar da Tia Rosa. Quando começávamos a nos sentir em risco, com a polícia nos rodeando, procurando saber o que fazíamos de “sério” contra a ditadura, promovíamos uma culhãozada de boi no Bar da Tia Rosa (...) Ter fama de bagunceiros fazia bem pra saúde. Cadeia para todos Muitos de nós tivemos nossas passagens pela polícia, seja por uma noite, por alguns dias ou por muitos anos. Depois a coisa engrossou, a tortura tornou-se rotina e foi mais aprimorada, mais cruel e covarde, matava-se presos... Mas ainda em 68, mesmo dentro da cadeia, procurávamos incomodar os caras. Lembro-me que quatro dias depois de instituído o AI-5, uma invasão militar prendeu quase todos os moradores do Crusp, mais de 1.200 estudantes. Os que escaparam foi porque não estavam lá na madrugada de 17 de dezembro ou porque estavam de sentinela e fugiram quando chegou aquela imensidão de soldados. A grande maioria saiu da cadeia na noite seguinte, sobrando apenas 78 de nós, divididos em três celas do presídio Tiradentes (que sacanagem pôr o nome dele num presídio). Vimos que em uma cela em frente tinha umas figuras prestando atenção nas nossas tentativas de comunicar de uma cela com outra aos gritos, para propor alguma encheção de saco contra os nossos algozes. Eram policiais. Como passar as decisões das “assembléias de cela” para os colegas das outras celas, sem que os policiais ouvissem? Em cada cela havia pelo menos um estudante que falava japonês. E eles se tornaram nossos “comunicadores”, gritando para os japoneses de outras celas, que repassavam as decisões em português para os colegas presos. Ríamos muito com o olhar embasbacado dos policiais. As brigas com a direita A direita não era constituída só pelos militares, ao contrário, havia muitos civis apoiando a ditadura. Afinal, o partido do regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) era o mais forte e tinha líderes que estão aí até hoje, como Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Paulo Maluf e José Sarney, além do ACM. E tinha o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), cuja base principal era a Universidade Mackenzie, que ficava na rua Maria Antônia, bem em frente à Faculdade de Filosofia, foco da esquerda. Não podia dar outra, e não deu. Em 68 estourou uma briga feia em que a polícia chegou... e se aliou aos mackenzistas. Destruíram a Faculdade de Filosofia, com tiros e bombas. Um estudante foi morto e vários ficaram feridos. Mas até nisso tínhamos um lado quixotesco que sempre achei interessante. Era uma época em que a América Latina estava dominada quase totalmente por ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos e, em vários países, militantes de esquerda seqüestravam aviões e os desviavam para Cuba, para se exilar lá. No Brasil não tinha acontecido nenhum seqüestro de avião. Na briga da Maria Antônia, correu um boato de que o CCC tinha se juntado a policiais para atacar o Crusp e um líder estudantil não teve dúvidas: juntou um bando de estudantes da Faculdade de Filosofia, parou um ônibus que tinha o Aeroporto de Congonhas como destino, mandou os passageiros descerem e o desviou para o Crusp. “Seqüestro de ônibus!”, gozei quando soube. Enfim, 1968 não é lembrança só de tempos trágicos, nem só de tempos heróicos. Era também um tempo de criatividade, de militância política com humor. E como já disse, de muita esperança, de uma sensação boa de fazer parte da História. * Trechos da matéria publicada na Revista Fórum, em maio de 2008. Mouzar era estudante de Geografia na USP, em 1968. A íntegra desse texto pode ser encontrada em www. revistaforum.com.br Daniel Aarão Reis "Para uma melhor compreensão do ano, penso que deveriam também ser analisadas as forças que apostaram na contra-corrente dos movimentos sociais, as forças frias, cinzentas, reacionárias ou simplesmente indiferentes. Elas ganharam a parada em 68. Sem estudar as tradições que estas forças vitoriosas representam, corremos o risco de apenas celebrar os derrotados, o que é sempre estimulante, mas nem sempre ajuda a compreender os fundamentos sociais e históricos das derrotas. " Revista do Professor - SINPRO ABC 27 Nacional Que crise é essa? Para entender essa “crise”, é preciso entender a globalização, os seus prós e os seus contras Ilustração: Israel Barbosa Por Ítalo Aretini* O assunto é bastante complexo, mas os seus fundamentos podem ser entendidos por todos. Como ninguém ignora, está em pleno andamento uma “crise”, com extensão e efeitos de difícil avaliação. Porém, uma coisa é certa: ela é muito grave e atingirá a todos nós. Até os próprios governos não estão bem certos. As reuniões internacionais se sucedem, mas a crise avança. Tentemos entender os fundamentos da “crise” atual, cujas raízes remontam aos primeiros anos da década de 1990 e até a períodos anteriores. 28 Revista do Professor - SINPRO ABC Antecedentes Do final da segunda guerra mundial (1945) até 1975, aproximadamente, a economia capitalista passou por um longo período de crescimento econômico, a chamada “era de ouro”, ou anos dourados. Nesse período, a economia era baseada no “mercado”, na acumulação de capital, na exploração cada vez maior da mão de obra e no uso predatório dos recursos naturais, além da busca desenfreada do lucro a qualquer preço. Durante esses trinta anos, as economias dos países centrais (EUA, Europa Ocidental e Japão) cresceram muito; na América Latina e em alguns países da Ásia, como a China, por exemplo, houve um razoável crescimento econômico. Mas no resto do mundo (África, Índia e países do sudeste asiático), os resquícios da descolonização e o grande atraso econômico deixaram graves problemas econômicos e seqüelas. Na década de 1970, surgiram várias crises, como a energética e a das dívidas externas em diversos países (inclusive o Brasil), o que acarretou um rearranjo dos sistemas e cadeias produtivas em nível mundial. A união (“conluio?”) que existia entre os grandes grupos multinacionais e os trabalhadores organizados dos países centrais (unidos em sindicatos fortes e poderosos), foi aquinhoada com generosas políticas sociais (“subornos sociais?”). Haviam colaborado para conter o avanço do comunismo, já não se apresentava tão favorável, com tendência à redução desses benefícios. Na década de 1980, o bloco “socialista” estava em processo de exaustão. As grandes empresas passaram a atuar em mercados globais e a divisão macro-econômica do trabalho passou a ter uma importância cada vez maior. Os mercados passaram periodicamente por grandes flutuações e os ciclos econômicos foram ficando cada vez mais curtos. A inovação tecnológica também teve um papel fundamental. A “flexibilização” (que deve ser entendida como exploração) nas economias foi enfatizada para haver estabilidade econômica. As garantias sociais que protegiam os trabalhadores foram consideradas excessivas, em mercados cada vez mais competitivos. Do lado da produção ocorreram grandes avanços tecnológicos, que aumentaram a produtividade de forma brutal. Até meados dos anos da década de 1970, o ciclo 'investimento, produção, lucro', reinvestimento, mais produção e mais lucro etc, aumentava a capacidade produtiva e ocupava mais mão de obra, criando demanda para a produção. Daí em diante, os aumentos de produtividade e de produção foram obtidos basicamente através de técnicas de gestão, telecomunicações e software, sem investimentos importantes em capacidade física de produção, exigindo pequenos acréscimos de mão de obra (altamente qualificada) e, em muitos casos, desempregando a mão de obra já ocupada, considerada “superada”, causando, assim, um desemprego muito grande em áreas tradicionais de ocupação. Em paralelo, o consumismo desenfreado se alastrou pelo mundo, constituindo-se em fator importante da “globalização”. Dentro desse quadro de produção cada vez maior e internacionalizada, as operações financeiras e a movimentação de capitais cresceram de forma espantosa. Os controles governamentais sobre os fluxos financeiros foram ficando muito complexos e complicados. Novos instrumentos financeiros apareceram, como as operações de “hedge” (de salvaguarda, ou proteção), ou “derivativos” (contratos com valores derivados dos valores de outros ativos), muito empregados em contratos “a termo”, onde contratos para épocas futuras são celebrados, com preços previstos, em moeda local e/ou dólares. Como se percebe, esse panorama passou a favorecer a especulação financeira. Por exemplo, uma empresa contrata com grande antecedência a venda de dólares obtidos com exportações, a R$ 1,75/US$. Suponha que, na época da venda dos créditos, o câmbio efetivo (R$/US$) esteja situado em 2,35 R$ por US$, causando um prejuízo de R$ 0,60 por US$, ou seja, 34,3%, que pode chegar a bilhões de dólares, no caso de exportadores. Todo esse crescimento econômico desenfreado e descontrolado causou, nos anos seguintes, várias “crises” (como, por exemplo, a do meio ambiente, a da liberalização do comércio exterior, a da dívida externa e da inflação em países periféricos e pobres, a da energia – etanol & petróleo etc), causando desequilíbrios e instabilidade econômica, que passou a ser a grande preocupação dos governantes. Em paralelo, surgiu o Euro (moeda dos países da União Européia, exceto Inglaterra e outros) e o Dólar norte-americano perdeu substância, cerca de 35%, face ao dólar. A economia mundial tinha um outro grande ator, a China. A perda de substância do dólar reflete os problemas da economia norte-americana dos últimos anos, como déficits comerciais enormes, déficit público e os equívocos políticos dos seus governantes, como a participação prolongada em guerras caras e inúteis. Esse é, a“grosso modo”, o quadro problemático da economia mundial atual, onde, aos poucos, se formava a crise recém deflagrada. A crise atual As crises não têm dia e hora para acontecer. São armadas e montadas no dia-a-dia, ao longo dos anos. A eclosão que mostra com clareza cruel uma situação desastrosa ocorre quando os seus Revista do Professor - SINPRO ABC 29 efeitos são de uma magnitude tal e envolvendo tantas pessoas e organismos, causando danos de tal magnitude que não são possíveis ignorar. Assim, em início de 2008, a “crise atual” se mostrou com toda a sua perversidade, no mundo inteiro. A globalização cobrava a sua conta e o mundo percebeu que a era do consumismo desenfreado e das bolhas especulativas estava chegando ao fim. O “barco do capitalismo” do modo como estava navegando fazia água. Embora não sejamos adeptos incondicionais da linha “E Marx tinha razão!”, a situação atual está preocupando os liberais, neoliberais e outros "ais". O sistema financeiro dos países ricos está repleto de créditos podres, ou seja, sem possibilidade de recebimento por parte dos credores (por créditos concedidos a tomadores sem possibilidade de pagálos, mas induzidos a comprar). Na economia, existem o setor real (indústria, comércio e serviços, que realmente produzem riqueza) e o setor financeiro (bancos comerciais, bancos de investimento, financeiras etc), que cresceu enormemente. O capital do banco é uma pequena parte dos seus empréstimos; os bancos captam recursos e os emprestam. Por sua vez, os tomadores dos empréstimos depositam esses valores nos bancos, que passam a reemprestá-los, e assim sucessivamente. Assim, os bancos acabam assumindo dívidas ou responsabilidades muito acima do seu patrimônio líquido (capital próprio). Essa relação entre dívidas e/ou responsabilidades e o “patrimônio líquido” é a “alavancagem financeira”: Alavancagem financeira: Dívidas e responsabilidades Patrimônio líquido A alavancagem financeira é um instrumento importante para o sistema financeiro, porque permite o aumento do crédito e, assim, fomentar o crescimento da economia. Porém, quando é utilizado de modo leviano e irresponsável, tornase muito perigoso. Com isso, pelo uso e abuso desse mecanismo, a crise eclodiu nos EUA, onde muitos bancos estavam apresentando essa relação atingindo valores enormes, como por exemplo, segundo a grande imprensa: (Rev. Veja-ed.2080, e Jornais): Merril Lynch Lehman Brothers Goldman Sachs Nível tido recomendável (seguro) 30 Revista do Professor - SINPRO ABC -31 -30 -24 -12 Esse cenário assemelhava-se a uma bola de neve, que cresce cada vez mais quando rola pela montanha, ou a um castelo de cartas, onde tudo cai quando é retirada uma carta na base. A crise se iniciou nos EUA, com a inadimplência crescente dos compradores de imóveis, gerando uma reação em cadeia. Pelo vulto que os fatos assumiram, os governos (norte-americano e de muitos outros países) resolveram intervir no sistema financeiro, para impedir que afunde, dando ajuda substancial, de trilhões de dólares. Vale lembrar que 1 trilhão significa mil bilhões, e um bilhão representa mil milhões, valores estes enormes. Somente para fixar a ordem de grandeza, o P.I.B. (produto interno bruto do Brasil), é da ordem 1,1 trilhões de US$. A saída encontrada foi capitalizar as instituições financeiras, pela aquisição de ações por parte dos governos. Mais tarde, quando a economia se normalizar, o governo poderá revender essas ações. O empenho dos governos não se prende aos bancos ou aos banqueiros, mas aos aplicadores e poupadores, que tudo perderiam em caso de falência dos bancos, além das estruturas de produção, que necessitam do crédito. Entretanto, esqueceram das pessoas endividadas, que perderam casas e empregos. Porém, parece que os governos também estão preparando um plano de ajuda para os endividados, que terão dias difíceis pela frente, pois os seus empregos minguarão, devido à redução da produção, que depende de crédito para funcionar. Os setores mais atingidos, além do sistema financeiro, são os setores automobilístico, construção civil, de eletrodomésticos, entre outros, todos dependentes fundamentalmente de crédito, e apresentando um elevado “coeficiente multiplicador”, ou seja, os seus efeitos positivos ou negativos se propagam para toda a economia (um automóvel utiliza plástico, borracha, tecidos, aço etc; um edifício, utiliza cimento, alumínio, PVC, madeira e muita mão de obra). As conseqüências da “crise” Ainda são difíceis de prever e, sobretudo, quantificar. Não se sabe quem foi atingido e em que proporção. Por essas e outras razões, o crédito se retraiu de forma severa, as taxas de juros aumentaram e a taxa cambial (R$/US$) sofreu um brutal aumento, passando de 1,7 para 2,35, o que terá sérias conseqüências. Veja uma tentativa (rápida) para entender as “conseqüências” da crise: - Pela turbulência nas instituições financeiras, nada! À primeira vista, essa crise deverá durar até e por não ser conhecido quem foi atingido e meados ou final de 2009. Quem sabe? Porém, uma em que proporção, inclusive entre bancos, as coisa é certa: automóvel em 80 meses, com juros de instituições retraíram o crédito e aumentaram (até 0,5% a.a.? Nunca mais, pelo que é dado inferir. O governo brasileiro também tomou preventivamente), as taxas de juros, que no Brasil medidas quanto à crise, no sentido de aumentar já eram as mais altas do mundo; o crédito pessoal a disponibilidade de crédito, via redução do (como cheque especial, cartões de crédito, por encaixe compulsório dos bancos. Entretanto, exemplo) também deverá ficar ainda mais caro. - Pelo exposto, deve haver um encarecimento aparentemente está enfrentando dificuldades com do custo dos produtos, levando a uma redução o sistema financeiro, que não está repassando esses nos volumes adquiridos (sobretudo automóveis, recursos à produção e ao consumo. motocicletas, construção civil, eletrodomésticos Quais as conseqüências etc). Bens de consumo semi-duráveis, como roupas e sapatos, também "Quanto irá durar essa no setor da educação? poderão sofrer redução no consumo, crise e quando tudo pelo menos em um primeiro É muito difícil prever o voltará ao normal? momento; que vai acontecer, mas algumas Não há condições - As empresas exportadoras, conseqüências são passíveis de de afirmar nada! À com contratos de câmbio fechados visualizar: primeira vista, essa (futuros) a R$/US$ a 1,75 ou 1,80, terão a) Muitas instituições crise deve durar até uma queda nas receitas e prejuízos. particulares terão dificuldades meados ou final de Deverão vender os seus créditos de financeiras e até poderão deixar 2009. Quem sabe?" exportação pelo valor contratado, salvo de existir. Atualmente já existem algum tipo de renegociação. Além problemas; disso, as linhas crédito internacionais b) As instituições públicas poderão sofrer estarão difíceis. Entretanto, a apreciação do US$ em cortes de verbas, em função de revisões de alguns casos poderá baratear os preços dos seus orçamento no poder público; produtos internacionalmente, facilitando assim as c) Como conseqüências decorrentes, poderá exportações; ocorrer um aumento da evasão nas instituições - A produção que utiliza insumos e matérias- particulares, ou um aumento significativo da primas com quotação em US$ terá aumentos de inadimplência do alunato, o que obrigará a muitas custos e de preços, assim como o comércio; negociações e renegociações (ou a ações na - As empresas com dívidas em US$ deverão Justiça); dispor de muitos mais Reais para adquirir os dólares d) Do lado do professorado, poderá haver para amortizar essa dívidas; uma tendência das mantenedoras à redução - Como é possível perceber, o nível de dos salários e vantagens, pela contratação de emprego tenderá a se reduzir, pelo menos no início, profissionais novatos e com salário menor. Uma podendo levar a um aumento da inadimplência e escola é uma empresa como outra qualquer, visto acarretando um grande número de revisões de que a educação está virando “mercadoria”. Somente contratos; a carga tributária poderá pesar mais, pois a união com as entidades de classe (sindicatos) o contribuinte irá recolher impostos em má fase de pode ser uma defesa válida; retração, sobre operações feitas em uma fase “boa” e) Investimentos em novas unidades, poderão da economia. Exemplo: a pessoa teve um bom ser adiados, até a tempestade amainar. salário em 2008, mas pagará o valor da Declaração de Ajuste-IRPF no ano de 2009, no qual ele poderá estar inclusive desempregado. Qual a duração da crise? Quanto irá durar essa crise e quando tudo voltará “ao normal”? Não há condições de afirmar *Ítalo Aretini é professor de Economia na FSA/EX, EAESP/FGV e sócio do SINPRO ABC. Revista do Professor - SINPRO ABC 31 Cultura sxc.hu Bossasempre nova “Um” pode parecer pouco. Mas apenas um violão é o suficiente para fazer qualquer pessoa viajar ao som de uma boa música. E, há 50 anos, os brasileiros e o mundo podem embarcar em “viagens” ao som da Bossa Nova 32 Revista do Professor - SINPRO ABC H á 50 anos, uma nova forma de tocar samba dava início a um gênero musical admirado até os dias atuais: a Bossa Nova. Uma roda de amigos, um violão e o amor serviram de inspiração para grandes composições da Bossa Nova, como, por exemplo, as canções de João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A princípio, o novo gênero conquistou o Rio de Janeiro, que foi produtor e divulgador da Bossa Nova, mas logo, o mundo se rendeu a esse estilo musical. Para aqueles que não conhecem a história da Bossa Nova, o professor Herom Vargas esclarece: “Surgida no final da década de 50, além de um gênero musical derivado do samba, a Bossa Nova é, também, um jeito de tocar e cantar, que leva em conta a sutileza e a proximidade entre o cantor e o ouvinte”. Talvez seja por isso que, em muitas canções, ocorra tanta identificação entre aquele que está apreciando a música e a letra cantada. É o que popularmente falamos “foi feita para mim”. Jobim, João Gilberto e Vinícius são citados pelo professor Herom como os três criadores da Bossa Nova, mas Baden Powell, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Nara Leão, Sylvia Telles, Os Cariocas, Zimbo Trio, Oscar Castro-Neves e Eumir Deodato completam a lista dos grandes ícones musicais do gênero cinqüentenário. Fernanda Takai e outros artistas também utilizam as influências musicais e transformam a Bossa em sempre Nova. “Alguns cantores mantêm viva a chama da Bossa Nova, como as cantoras Joyce e Leila Pinheiro, sem esquecer do pessoal das antigas que continua atuando: João Gilberto, Edu Lobo, por exemplo”, completa Vargas. Qualidade x modismo Hoje em dia, pouquíssimas rádios destinam a programação à música popular brasileira, seja ela atual ou não. Cantores e conjuntos sazonais e músicas de duplo sentido (às vezes de qualidade Brasil no exterior discutível) ganham destaque em diversas emissoras, enquanto os apreciadores da boa música têm de se A cena às vezes se repete. Quando contentar com uma ou duas alternativas. acompanhamos entrevistas de cantores e outros Não podemos falar em competição entre artistas internacionais, não é difícil que, ao serem estilos, porque se trata de opção do ouvinte. O que questionados a respeito da música brasileira no sabemos é que as músicas “de moda” passam, o que exterior, respondam cantando ou é bom, contrariando o dito popular, citando trechos de obras conhecidas "Além de um gênero fica (e não dura pouco). “Como a Bossa como, por exemplo, “Garota de Nova é música de qualidade, pode ser musical derivado Ipanema”, “Águas de março”, “Samba ouvida em qualquer tempo. Até hoje, do samba, a Bossa do avião”, “Eu sei que vou te amar” ou tem forte marca”, comenta o professor Nova é, também, “Wave”. Herom, “gêneros da moda sempre um jeito de tocar e Para o Brasil, isso é um belo existiram e o que chamamos de música cantar, que leva em retrato e sinônimo de valorização sem qualidade, também”, completa. “A conta a sutileza e a cultural. “Depois que a Bossa Nova Bossa Nova é marcada pela qualidade foi para os Estados Unidos, tornou-se proximidade entre o técnica musical, acordes dissonantes, cantor e o ouvinte" um dos gêneros musicais brasileiros melodia trabalhada, arranjos criativos. mais conhecidos no mundo”, comenta Mesmo quando a Bossa Nova era Vargas, “claro que não é tão representativo quanto sucesso, o que mais tocava nas rádios eram outros o próprio samba”, completa o professor. “É um salto gêneros. Sempre houve e sempre haverá música de de qualidade na técnica musical para a música consumo mais imediato e outra que não tem data brasileira”, observa Herom. de vencimento e pode ser ouvida sempre”, ressalta o professor Herom Vargas. Bossa sempre Nova Cinqüenta anos se passaram e o estilo da Bossa Nova, para alguns músicos, se parece com batidas de gêneros mais atuais. Prova disso é a cantora Fernanda Porto, que em suas entrevistas destaca “as possibilidades de misturar sons da Bossa Nova com, por exemplo, a música eletrônica”. Com fusões dos estilos, vistas nas pistas de dança nos últimos anos, as canções antigas ganham toque contemporâneo. Exemplo mais conhecido é a música “Só tinha de ser com você”, composição de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, que foi sucesso na voz da cantora, no início dessa década. Além de Porto, Bebel Gilberto, Bossa na sala A pedido da redação da Revista do Professor, o docente Herom Vargas sugere uma forma de atrelar a Bossa Nova com atividades em salas de aulas. “A partir das canções, é possível pensar em estudar a época do desenvolvimentismo do período JK”, indica o professor. “Nos anos 50, muitas propagandas usavam a expressão Bossa Nova para apresentar produtos modernos para a vida urbana que se desenvolvia”, finaliza Vargas. Fica registrada a sugestão. Boa aula, boa música, bom conhecimento! Revista do Professor - SINPRO ABC 33 Educação Nova língua portuguesa Novas regras começam a valer a partir de janeiro de 2009 S ão detalhes que fazem diferença na hora escrever. Hífen, trema e alguns acentos sofrerão mudanças a partir da reforma na Língua Portuguesa. No final do mês de setembro, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva promulgou o protocolo da modificação e regulamentação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. De acordo com informações do Ministério da Educação, “o acordo representa a simplificação e o aprimoramento da língua em todos os países da comunidade lusitana”. A partir de 1º de janeiro de 2009 a reforma será implantada e, até 2012, conviverão as ortografias da maneira antiga e a prevista no acordo. Com isso, o MEC substituirá os livros didáticos com a nova ortografia. O que muda? No portal do Ministério da Educação são retomadas algumas declarações do filólogo Antônio Houaiss (1915-1999), principal negociador brasileiro do acordo ortográfico. Para ele, não deve haver uniformização, já que a língua é dinâmica e atrelada às tradições culturais. Ao todo, cerca de 20 mudanças ocorrerão, sendo algumas o fim do trema, alterações no emprego do hífen, inclusão das letras k, w e y no alfabeto e transformações na formas de acentuação. O Diário Oficial da União, com a íntegra do Histórico decreto assinado pelo presidente Lula e as mudanças, está disponível em nosso site www.sinpro-abc.org. br. Opiniões A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa esclarece, no site oficial da organização, as vantagens das mudanças. “O Português é língua oficial em oito Estados soberanos, mas tem duas ortografias, ambas corretas, a de Portugal e a do Brasil. Existem desvantagens na manutenção desta situação e a língua será internacionalmente tanto mais importante quanto maior for o seu peso unificado. Assim, no plano intracomunitário, a dupla grafia dificulta a partilha de conteúdos, no plano internacional, limita a capacidade de afirmação do idioma, provocando, por exemplo, traduções quer literárias quer técnicas diferentes para Portugal e Brasil”. Por outro lado, José Saramago, escritor português, criticou a reforma ortográfica, em entrevista à Folha de São Paulo. Na ocasião, Saramago declarou: "Parece que querem transformar o português em um húngaro que ninguém fala. Não sei o que temos a ganhar com isso, mas sei que temos muito a perder". "O português de Angola e de Moçambique são muito diferentes do que é falado em Portugal ou mesmo aqui no Brasil, é claro. Obrigar esses países a perderem suas características não pode ser bom. Quanto mais se complica, a língua se torna mais rica, com mais palavras. O idioma é um corpo em constante movimento”, completou o português. Em 1990, os presidentes dos sete países onde a língua portuguesa é idioma oficial haviam assinado um tratado ortográfico que deveria vigorar em 1994. Nesse ínterim, os países africanos passaram por dificuldades políticas ou guerras civis. Também após esse prazo, o Timor Leste tornou-se independente, em 1999, e a CPLP foi criada em 1996. Com o Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril de 1995, o Decreto Legislativo nº 120, de 12 junho de 2002, e o protocolo modificativo de julho de 2004, a unificação ortográfica ganhou os contornos do atual acordo. Fonte: MEC 34 Revista do Professor - SINPRO ABC Artigo Veja, educação, vinho e o país que queremos ser A Por Jorge de Barros** revista “VEJA” não se contenta mais em ofender nossa inteligência, ela quer reescrever a história e (um horror!) moldar as gerações futuras. Na série de recentes ataques aos professores, os “showrnalistas” citaram o professor Paulo Freire como “personagem arcano sem contribuição efetiva à civilização ocidental”* e “autor de um método de doutrinação disfarçado de alfabetização” (edição 2074, pág. 82). Interessante é que, na mesma edição, numa matéria sobre o leilão dos bens do Barão Cyril Rudolf Goldschimidt-Rothschild (ex-marido da apresentadora Márcia Goldschimidt), ao enumerar os feitos da família, encontramos a seguinte pérola: “para além das finanças, o ramo francês e inglês deram outra contribuição importante à civilização*: o primeiro passou a produzir o Châteu Lafite Rothschild, e o segundo, o Châteu Mouton Rothschild - dois dos melhores vinhos do mundo” (pág. 123). Ora, não é simplesmente SINTOMÁTICO que o clã Civita considere muito mais relevante para a civilização um ou dois vinhos caros do que um método de educação reconhecido e aplaudido pela ONU e que foi capaz de dar dignidade a milhares de pessoas no mundo? Quanto ao restante da matéria? Uma enfiada de absurdos cujo mote principal é: os professores “doutrinam” seus alunos e a educação deve se pautar pela neutralidade. Ora, a visão de educação “politicamente neutra”, levantada pela revista, é na verdade a defesa de uma educação acrítica. E foi este tipo de educação que o regime militar desenvolveu neste país nos 60 e 70 e que nos legou algumas gerações de analfabetos políticos e cidadãos apáticos. Lentamente estamos nos recuperando dos malefícios da pedagogia liberal tecnicista, baseada na formação de mão de obra competente (e só) para o mercado de trabalho, pautada nas idéias de eficiência e produtividade a fim de corresponder aos interesses da sociedade capitalista industrial, banindo o espírito crítico e reflexivo do ambiente escolar. E parece ser esse o tipo de ensino defendido pela Veja, embora, como sempre, ela mascare as suas próprias inclinações políticas. Mais uma vez, SINTOMÁTICO que esses ataques aos professores ocorram num momento em que a Sociologia e a Filosofia se preparam para entrar no Ensino Médio, munidas da força de conscientização capaz de, finalmente, soterrar o tecnicismo da educação no cemitério do passado; e num momento em que o povo está encontrando novas opções criativas para seus problemas e os movimentos populares avançam e se estabelecem como forças políticas e sociais determinantes. Sou professor e me recuso a ser neutro. As ciências humanas (as mais atacadas pela matéria da revista) não se contentam com a observação e a análise distanciadas porque são capazes de perceber padrões sociais e, assim, tentar promover mudanças na sociedade. Ser crítico e politicamente ativo é o melhor exemplo que posso dar a meus alunos. Claro que não sou sindicalista na sala de aula, claro que não lhes ensino que não há outras opções, mas não posso chamar “opressão”, “fome”, “discriminação” e “exploração” por outros nomes e não posso ser neutro frente a esses fenômenos. Não posso ser, como a revista Veja, determinista, e aceitar os fatos sociais como redes de causas e conseqüências sobre as quais não posso agir concretamente. E se 78% dos meus colegas acreditam que a principal missão da escola é formar cidadãos, loas e festas, pois estamos conseguindo sair da idade das trevas (para desespero de certas instituições arcaicas da direita conservadora, de quem o citado periódico histérico é o mais dedicado porta-voz) Fico aqui só a imaginar que maravilha será o seminário “O Brasil que queremos ser” promovido, em breve, pela honrosa revista. Haverá alguma palestra sobre educação? Quem a ministrará? O diretor Aristarco? * grifos do autor ** Jorge de Barros é professor de Literatura, blogueiro, poeta, estudante de Ciências Sociais e diretor do Sindicato dos Professores do ABC Revista do Professor - SINPRO ABC 35 Internacional Bolívia, Evo e a Constituição contra o obscurantismo fascista Na nova Carta Magna da Bolívia, as razões da histeria da oligarquia e dos EUA contra o avanço da democracia e da justiça social Divulgação Leonardo Severo e a cônsul geral da Bolívia, Shirley Orozco Por Leonardo Severo* " Tupac Katari, a rebelião. Evo Morales, a revolução", estampava o cartaz grudado numa das tantas paredes cheias de vida e paixão do Palácio Quemado, em La Paz. Enquanto esperava na fila das sempre elásticas agendas governamentais, comecei a ler 36 Revista do Professor - SINPRO ABC a nova Constituição Política do Estado, aprovada sob sangrentos protestos da direita. Passado pouco mais de um mês daquela visita, a oligarquia faz o sangue jorrar forte e caudaloso. O rancor e a histeria golpista se agudizam, ganhando contornos nítidos e taxativos. Criminosas explosões de gasodutos, queima de emissoras de rádios e tevês populares, destruição de prédios públicos e o mais repugnante: a inominável covardia contra os mais pobres, contra os camponeses e indígenas, a quem a oligarquia quer culpar pelo seu próprio fracasso. A palavra de ordem “Derrubar o índio” fala por si de um racismo ancestral trazido pelos colonizadores espanhóis e sustentado política, econômica e ideologicamente pela embaixada norte-americana. Na capa azul do material de popularização do texto da nova Constituição, aprovada em dezembro de 2007, se vê no alto a bandeira vermelha, amarela e verde, com o Sim, "para construir uma Bolívia digna, soberana, democrática e produtiva". Com destaque, abaixo do brasão nacional utilizado como marca d'água, um singelo: "Para viver bem". Logo em seguida, na apresentação datada de fevereiro de 2008, o presidente Evo Morales Ayma lembra que o texto "contou com o respaldo de mais de dois terços dos constituintes de dez frentes políticas dos nove departamentos do país". "Nesta etapa de socialização e comunicação de todos os capítulos e artigos da nova Constituição Política do Estado, que devem estar respaldados em um referendo, é preciso assinalar que entre todos os bolivianos e bolivianas, do campo e da cidade, devemos buscar a unidade do país", afirmou. Passados nove meses de aprovada a nova Constituição e uma eleição consagradora, onde obteve o apoio de mais de dois terços dos eleitores (67,4%), no dia 10 de agosto, Evo Morales enfrenta a radicalização dos setores fascistas, capitaneados por latifundiários e marionetes das transnacionais, que tentam fragmentar a nação. Os mesmos que dilaceraram o corpo de Tupac Katari, em 1781, amarrando suas pernas e braços a quatro cavalos. Mal sabiam eles que ao destroçarem os membros do líder aymará, ao lhe partirem em pedaços, estavam somando consciência e multiplicando convicções. Neste exato momento, a mesma pusilanimidade se repete como ação vil dos que historicamente se apropriaram do poder e das riquezas do país, que roubavam e prostituíam para os estrangeiros. A atuação do governo boliviano nestes pouco mais de dois anos, assim como a nova Constituição, aponta para ações coletivas rumo à ruptura de um Estado colonial, pois, agora, o povo é cada vez mais sujeito e senhor de seu destino. Para contribuir com o debate e o bom combate, publicamos abaixo uma síntese do que consideramos como os artigos mais expressivos da nova Constituição, que precisa ainda ser ratificada pelo voto popular. Ao lê-la, o leitor conhecerá as razões dos oligarcas fascistas e racistas que, com o coro da mídia vende-pátria e o patrocínio ianque, se opõem ao clamor popular, com conspirações, boicotes e sabotagens. A nova Carta Magna boliviana determina ao Estado "a direção integral do desenvolvimento econômico e seus processos de planificação"; aprofunda e massifica a reforma agrária; fomenta a industrialização; impede a privatização e a concessão dos serviços públicos essenciais; estabelece normas de proteção aos trabalhadores (reconhecidos como a principal força produtiva da sociedade); subordina a propriedade privada à função social e ao interesse coletivo; garante a educação pública, universal, descolonizadora e de qualidade; fortalece a democracia e a soberania popular com o voto e o serviço militar obrigatórios; impede os monopólios e o oligopólio nas comunicações, fomenta a criação e manutenção de meios comunitários "em igualdade de condições e oportunidades", garantindo o direito à retificação e à réplica, assegurando a liberdade de expressão, opinião e informação. Conhecer a nova Constituição boliviana é ver com clareza o horizonte que se descortina, vivo e rico para o povo, como as cores do arco-íris da bandeira andina, mas também trágico e lúgubre para a guarda pretoriana da ignorância e da subserviência ao amo estrangeiro. Abaixo, fragmentos do texto constitucional que aponta para a melhoria da qualidade de vida, ao presente e futuro da nação boliviana, onde reverbera o último grito de Tupac Katari: “Voltarei e serei milhões!”. POLÍTICA ECONÔMICA "A economia plural compreende a responsabilidade estatal de dirigir integralmente o desenvolvimento e a planificação com participação cidadã, a industrialização dos recursos naturais e a intervenção estatal em toda a cadeia produtiva dos recursos estratégicos. As atividades econômicas devem servir para fortalecer a soberania econômica do país, gerar trabalho digno, contribuir na redução das desigualdades, na erradicação da pobreza e na proteção do meio ambiente". (Artigos 312 a 314) "O investimento boliviano será priorizado frente ao investimento externo. Todo investimento externo se submeterá à jurisdição, leis e autoridades bolivianas". (Artigo 320) "O orçamento geral incluirá a todas as entidades do setor público, atendendo especialmente à educação, saúde, alimentação, moradia e desenvolvimento produtivo". (Artigo 321) Revista do Professor - SINPRO ABC 37 DELITOS ECONÔMICOS "Não prescreverão as dívidas e os danos econômicos ao Estado" . (Artigo 324) RECURSOS NATURAIS Disposições gerais "Os recursos naturais são propriedade do povo boliviano, respeitando direitos de propriedade sobre a terra e de aproveitamento sobre os recursos naturais". (Artigo 349) "Os recursos naturais são de caráter estratégico e de interesse público para o desenvolvimento do país". (Artigo 348) "O aproveitamento dos recursos naturais deve garantir a sustentabilidade e o equilíbrio ecológico". (Artigo 342) "O Estado, através de entidades públicas, sociais ou comunitárias, assumirá o controle e direção sobre toda a cadeia produtiva referente aos recursos naturais. Para sua gestão e administração se deve garantir o controle e a participação social". (Artigo 351) HIDROCARBONETOS "Os hidrocarbonetos serão administrados em toda a cadeia produtiva sob a gestão da YPFB, que poderá subscrever contratos de serviços com empresas públicas, mistas ou privadas, mediante prévia autorização legislativa. A industrialização dos hidrocarbonetos estará a cargo de uma empresa estatal. Constitucionaliza-se que serão destinados 11% de impostos aos departamentos (Estados) produtores". (Artigos 361 a 363 e 368) RECURSOS HÍDRICOS "A água é um direito fundamentalíssimo para a vida, o Estado promoverá seu uso e acesso, pelo que não poderão ser privatizados nem concessionados seus serviços. Para o manejo e gestão sustentável da água, se reconhecem os usos e costumes das comunidades. O Estado regulará o manejo e gestão sustentável dos recursos hídricos e das bacias hidrográficas, segurança alimentária e serviços básicos. Todo tratado internacional sobre recursos hídricos deve preservar a soberania do país". .(Artigos 373 a 377) TERRA-TERRITÓRIO "Se reconhece a propriedade individual e comunitária sobre a terra, sujeitas ao cumprimento da função social e da função econômico social correspondentes". (Artigo 391) "A propriedade individual compreende a pequena propriedade e a propriedade empresarial". (Artigo 392) "Se proíbe o latifúndio, entendido como os imóveis que excedem a superfície máxima, que não cumpram a função econômico-social ou reproduzam sistemas de servidão ou semi-escravistas de trabalho humano". (Artigo 396) "As terras públicas serão distribuídas a indígenas, camponeses originários e afro-bolivianos". (Artigo 393) "O descumprimento da função econômicosocial ou a condição de latifúndio do lugar ocasionará a reversão da propriedade da terra". (Artigo 397) MINERAÇÃO "O Estado é responsável pelas riquezas mineralógicas, exercerá controle e fiscalização em toda a cadeia produtiva, outorgará direitos mineiros sujeitos ao cumprimento de uma função econômicosocial. Se reconhece como atores produtivos a indústria mineira estatal, privada e sociedades cooperativas. Os grupos mineiros nacionalizados, suas unidades industriais e funções não poderão ser transferidas a empresas privadas". (Artigos 369 a 372) 38 Revista do Professor - SINPRO ABC * O presente artigo integra a segunda edição do livro Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo, Editora Limiar, de autoria de Leonardo Wexell Severo, assessor de Comunicação da CUT Nacional Sala de aula Quatro décadas depois "Olha o verso, olha o outro, olha o velho, olha o moço chegando Que medo você tem de nós, olhai, olhai... " (Pesadelo, de M. Tapajós e P. C. Pinheiro) Por Tulio Bulcão* A lém de participar ativamente do Movimento Universitário, entre 1965 e 1968, fui um observador privilegiado, pois trabalhava a menos de cinqüenta metros do prédio do Ministério da Educação - mudou a capital, mas permaneceu sua estrutura. Nos quarteirões à sua volta, tudo acontecia, entre a Cinelândia, a Igreja de Santa Luzia e a Esplanada do Castelo. Acampamentos, panelaços, correrias de um lado e pancadarias, cavalarias, tiroteios de outro... E mais, fui preso, no dia 16/12/68, à noite, na Faculdade de Filosofia da UFF, e levado sob escolta armada para o 3° RI, em São Gonçalo/RJ, sendo transferido naquela mesma noite, ainda sob escolta armada, para a Fortaleza Santa Cruz, na entrada da Baia de Guanabara e enquadrado no dito AI-5, por motivos vagos e genéricos, sempre rotulados por atividades subversivas. Fui trancado em um alojamento onde já se encontravam outros presos políticos, dentre eles, dois deputados estaduais, o presidente e o 1° secretário da Assembléia Legislativa do RJ, dois vereadores de Campos/RJ, um ex-prefeito de uma cidade do interior, um líder ferroviário, um dono de cartório e um estudante presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Engenharia da UFF. Na mesma noite, já às 2 horas de 17/12, fui embarcado em uma viatura, sob escolta armada, “para um passeio”, expressão que, como era do conhecimento geral, poderia significar “vamos te fuzilar” ou “vamos te jogar em alto-mar”, ou ainda, “vamos acabar com você sob tortura”. Fui transferido para o forte Rio Branco e mantido incomunicável até a véspera da formatura da minha turma. Vai daí que há muito tempo cultivo a idéia de que as mortes dos estudantes, em 1968, foram planejadas para provocar o Movimento Estudantil, criando um clima favorável ao golpe dentro do golpe, como de fato aconteceu com o Ato Institucional número 5 (AI-5), em 13 de dezembro daquele ano, quando também fui trancafiado e passei o natal atrás das grades. Finalmente resolvi buscar fundamentos para a comprovação: Zuenir Ventura trabalhava em um prédio de frente para o Calabouço, sendo testemunha ocular junto com Ziraldo, de toda a movimentação e do assassinato dos estudantes Edson Luis de L. Souto e Benedito F. Dutra, naquele 28 de março, no Rio. Em sua obra de 2008, lembra: "nos últimos vinte anos, armazenaram-se dezenas de indícios comprovando que, naquela altura do ano, as forças radicais, cada vez mais fortes dentro do governo, não mais abririam mão das medidas de exceção. A própria invasão da UnB fazia parte desse plano de empurrar o país a um impasse cuja solução levasse ao endurecimento" (p. 174). E mais: "A oposição não afastava a hipótese de que os acontecimentos do Rio pudessem ter, além da Revista do Professor - SINPRO ABC 39 Os blogs iniciativa estudantil, alguma inspiração militar para Jacob Gorender, que em 1943 era estudante criar clima indispensável às medidas exceção" (p. de Direito na Bahia e esteve preso por três meses Os odiários virtuais viraram mania.deFamosos, 102). por ordem da ditadura Vargas, em sua obra de políticos e anônimos compartilham opiniões, Daniel Aarão Reis Filho, militante de esquerda, 1987, registra: "Apesar das ações da esquerda histórias, críticas e, como não podia faltar, em 1967, abriu mão de suada candidatura presidência radical, a extrema direita do regime ditatorial futilidades em páginas internet, àchamadas da UME em favor de Vladimir Palmeira e, no mesmo não as julgou suficientes para a criação do clima blogs. ano, no 29° Congresso da UNE perdeu a presidência propício ao fechamento completo. Daí a formação De acordo com o site especializado em blogs, para Luis Travassos Atualmente Technorati, o serviçopor de sete buscavotos. indicou que mais é de organizações paramilitares e de bandos de historiador e professor da UFF e, em sua obra de provocadores às ordens de diferentes chefias do de 35,5 milhões de diários virtuais estavam 1988, comenta: “Quando o estudante do Calabouço alto escalão governamental" (p. 150). Sendo que registrados em abril deste ano. A cada dia, cerca morreu baleado no Rio, alguns ainda puderam atribuir "consumado o fechamento ditatorial, não era mais de 1,2 milhão de notas são publicadas, o que ochega crime aa um policial isolado.por Mas, nos dias seguintes, necessário a atuação provocadora das organizações 50 mil postagens hora. aVale repressão matava outro estudante em Goiânia. paramilitares. O terrorismo de direita se oficializou" (p. ressaltar que nem tudo o que é publicado Desde então, e excetuada a semana de liberdade em blogs, assim como na internet, expressadas 152). passeatas em junho, a repressão Voltando a Reis Filho (1988): "No dia seguinte a realidade. Cabe ao leitor ser policial crítico continuaria e avaliar dissolvendo a tiros as passeatas, (21 de junho), houve a 'Sexta feira o conteúdo. Busque sempre mais banalizando a morte nas ruas” (p. 30). sangrenta '. Os estudantes protestaram fontes de pesquisas! ''Ali, por exemplo, E, em entrevista com José Dirceu de contra os acontecimentos do dia morreu José Oliveira1, vamos encontrar: ''Ali, por anterior, e já se dispersavam quando Guimarães. Falou-se exemplo, morreu José Guimarães. Faloua polícia chegou atirando para ferir e na época na 'guerra' matar. Muitos morreram nesta tarde se na época na 'guerra' entre Mackenzie entre Mackenzie e e USP. Na verdade, foi uma provocação de sangue" (p.16); "protestos contra USP. Na verdade, foi para dar início a escalada da repressão assassinatos resultaram em mais ao movimento estudantil (...) Sabíamos uma provocação para assassinatos. Mortes em manifestações dar início a escalada públicas tornaram-se anônimas, que aquilo não estava sendo feito da repressão ao pelos estudantes da Mackenzie, em banais" (...) "A polícia já não hesitava geral, mas por uns 100 estudantes, movimento estudantil" em dissolver à bala manifestações organizados pelo DOPS e pelo serviço pacíficas, invadir Igrejas e hospitais" secreto das Forças Armadas. Grande (p.18). "Em Goiânia, a polícia se permitiu parte dos estudantes da Mackenzie ficou do lado da atacar os manifestantes e invadir a Catedral da gente, lutando contra o CCC e o DOPS" (p. 140). cidade, atirando em rapazes e moças que ali estavam Já Vladimir Palmeira, uma das principais refugiados, matando mais um estudante" (p. 14). lideranças (em 1968, presidente da UME, e, em Franklin Martins2, em entrevista a Araujo 1985, deputado federal Constituinte, pelo PT), em (2007), expressa sua opinião: "a manifestação que sua obra de 1988, acrescenta: "Naquele segundo teve no Rio, quando o Congresso de Ibiúna caiu, semestre, a UME convocou protesto para a porta do foi reprimida a bala. E não era um PM ou outro que jornal O Globo, ali perto do Carmo. A polícia chegou perdeu a cabeça, não. Passou a ser uma orientação atirando e matou um estudante. Dias depois, ocorreu atirar! Mas apesar de tudo ainda não tinha sido criada outro grande confronto, na Faculdade de Ciências a condição necessária para fazer uma repressão em Médicas, e mais um estudante foi assassinado. larga escala, o que veio com o AI-5”. Tinha virado rotina" (p.163). Recentemente, no 3° Muitos morreram e poderiam ser muitos mais Congresso do PT, encontrei o Vladimir e trocamos se acrescentarmos o número de feridos, dando uma algumas figurinhas. Eu estava lembrando da noção da extensão do fenômeno, que atingiu as chamada “Passeata dos 50 mil”, rumo ao tribunal principais cidades do país, conforme Cronologia em militar, em que vários estudantes estavam sendo Reis Filho (mesma obra, pp. 202 a 213): julgados. Do outro lado da avenida, o Ministério da - "28 de março, Rio de Janeiro. Assassinato de Guerra rodeado de tanques e recrutas armados até Edson Luis de Lima Souto". E mais seis feridos no os dentes. Qualquer bobeira poderia causar uma mesmo dia e local, dentre eles Benedito Frazão tragédia e ele, no controle da situação, desviou Dutra que veio a falecer logo depois, no Hospital o trajeto para a Assembléia Legislativa e depois Souza Aguiar; além de mais três feridos durante o de algumas falações dispersou a multidão sem velório; qualquer incidente. - "29 de março, Brasília. Repressão faz 20 40 Revista do Professor - SINPRO ABC feridos"; - "30 de março, Goiânia. Polícia mata Ivo Vieira"; - "12 de maio, Curitiba. Seis feridos"; - "21 de junho, Rio de Janeiro. 57 feridos e três mortos"; - "28 de junho, manifestações em Brasília e Porto Alegre, onde há repressão violenta"; - "08 de agosto, passeata em Salvador violentamente reprimida a bala pela polícia"; - "29 de agosto, Brasília. Muitos feridos graves"; - "Assembléia na Praia Vermelha, no Rio, é atacada a tiros pela polícia"; - "03 de outubro, São Paulo. Morto José Guimarães"; - "06, 07 e 08 de outubro, São Paulo e Rio de Janeiro. Muitos feridos e mais mortos"; - "22 de outubro, Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Polícia reprime a tiros, matando um estudante e ferindo sete à bala"; - "23 de outubro, Rio de Janeiro. Mais dois mortos". Cabe acrescentar que todos os Mortos Oficiais de 1968 participavam da movimentação estudantil, conforme o "Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964" (GTNM/RJ e PE - pp. 52 a 55), onde encontramos uma breve biografia dos mesmos. A partir do AI-5, boa parte das lideranças estudantis acabou na clandestinidade, ingressando na luta armada ou partiram para o exílio. E a política da ditadura militar, agora escancarada, passou a ser: prender, torturar, assassinar e desaparecer com os vestígios dos opositores. Como professor, achei interessante a observação do Vladimir Palmeira (1998), já que na época estávamos ocupando a Apeoesp que viria a ser um dos maiores sindicatos do Brasil: "Boa parte do pessoal de 68 é hoje professor. Quando cheguei ao Brasil (1979), o movimento de professores estava muito forte e todas as suas lideranças eram aqueles estudantes de 68" (p.193). A movimentação estudantil mundo afora teve motivação a mais variada, sendo que, no Brasil em particular, queríamos o fim da ditadura militar, além da reformulação de toda sua política universitária. Por si só tal motivação justificaria toda a agitação, mas as mortes, sem dúvida, foram provocadas por uma direita troglodita que queria mais espaço no poder. * Túlio S. Bulcão, 69, graduado em Geografia pela UFF, entre 1965 e 1968; professor da rede estadual de SP, de 1970 a 1985 e diretor de Escola até 1990; docente no 3° Grau em Santo André, desde 1973, militante da Apeoesp e Fundador do SINPRO ABC Referências Bibliográficas ARAÚJO, Maria do Amparo Almeida et. al. - Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Prefácio de Dom Evaristo Arns e apresentação de Miguel Arraes de Alencar. Recife: Cia. Editora de Pernambuco, 1995. ARAÚJO, Maria Paula - Memórias estudantis, 1937-2007: da fundação da UNE aos nossos dias. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007. DIRCEU, José e PALMEIRA, Vladimir - Abaixo à ditadura. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: Garamond, 1998. GORENDER, Jacob - Combate nas trevas. 3ª ed. São Paulo: Ática S.A., 1987. REIS FILHO, Daniel Aarão - 68, a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. VENTURA, Zuenir - 1968, o ano que não terminou. 3ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008. Rodapé 1 Em 1968, era presidente da UEE/SP, foi candidato à presidência da UNE em seu 30° Congresso, em Ibiúna/SP, quando todos foram presos. Foi deputado federal, chefe da Casa Civil do governo Lula, até 2005. 2 Uma das principais lideranças do Rio, integrante da "Comissão dos 100 Mil" e que, em setembro de 1969, participou do seqüestro do embaixador norte americano; depois jornalista político e, hoje, ministro da Comunicação Social Revista do Professor - SINPRO ABC 41 42 Revista do Professor - SINPRO ABC Revista do Professor - SINPRO ABC 43 Quem é PRO FES SOR é SINPRO ABC O SINPRO ABC conta com um grande número de professores e professoras associados, que são responsáveis por conquistas como: garantia semestral de salários, pagamento de janelas e horas-atividade, descanso semanal remunerado (DSR), pagamento antecipado de férias, abono de 1/3 sobre o pagamento de férias, bolsa de estudo para dependentes, garantindo o seu poder aquisitivo, entre outros direitos assegurados através da Convenção Coletiva de Trabalho. Você, que ainda não é sócio, faça a sua parte! Vamos trabalhar ainda mais pela nossa valorização profissional e por qualidade no ensino privado. Sindicalize-se www.sinpro-abc.org.br 44 Revista do Professor - SINPRO ABC