De Nemo a Leviatã 1 Fossatti, Carolina Lanner 2 Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Resumo Descrito na Bíblia, Leviatã é reconhecido como sendo um assustador monstro marinho. Hobbes recorre a ele, sugerindo aquele que detém o poder Soberano, justificado, mesmo que opressor, uma vez que atende a necessidade de proteção do homem. Sabendo ser então, o Leviatã, um Deus mortal, mas, detentor de um poder que objetiva a ordem, repudiando o caos, torna-se possível compreender uma estreita ligação entre Marlin do filme “Procurando Nemo” (2003) e Leviatã. No intuito de proteger Nemo, Marlin vale-se de um poder instaurado, coercitivo e opressor, mas que, atende a um objetivo maior – as Leis da Natureza. Palavras-chaves: Leviatã; Poder; Estado Opressor; Leis da Natureza. 1 O Peixe de Thomas Hobbes Thomas Hobbes (1588-1679), foi o primeiro teórico a sistematizar o contratualismo como teoria justificativa do Estado. Revela um absolutismo racional, que atende a uma concepção de Estado, conformada com a natureza humana. (Maluf, 1995). A justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade, contemplam as Leis na Natureza, estas determinam que “façamos aos outros o que queremos que nos façam”. (Hobbes, 2000, p.123). Hobbes justifica o poder absoluto partindo da descrição do estado de natureza, no qual, sugere que o homem, não é naturalmente sociável como pretende a doutrina aristotélica. Portanto, no seu estado de natureza o homem era concebido como um feroz inimigo dos seus semelhantes, de modo que, cada homem deveria defender-se contra a violência do outro, estabelecendo um paralelo entre o homem e o lobo: o homem é o lobo do homem – homo homini lupus. ( Hobbes, 2000). Hobbes (2003) complementa, salientando, o quanto é inata, a tendência do homem em atacar. Para tanto, pressupõe que cada homem está no seu direito ao atacar e ao resistir. É possível, então, justificar a desconfiança mútua, uma vez que, concebe o estado de guerra como o Estado natural do homem. 1 2 Trabalho a apresentar Intercom 2004 – Temas Livres Psicóloga, Mestranda em Comunicação Social, Linha de Pesquisa: Tecnologias do Imaginário Dentro da perspectiva de Hobbes o homem nutre em si, a ambição do poder e a tendência para o domínio frente aos outros homens, que não é perene, visto a mortalidade do homem. Esta relação vai constituindo um estado caótico, que, para amenizá-lo, busca-se transferir os direitos individuais a um homem ou a uma assembléia, capaz de representar, uma coletividade e assumindo o papel de abarcar o estado de guerra mútua. “Autorizo e desisto do Direito de Governar a mim mesmo a este Homem, ou a esta Assembléia de homens, com a condição de que desistas também de teu Direito, Autorizando, da mesma forma, todas as suas ações” (Hobbes, 2000, p.126). Associando-se a um poder central, por interesse e necessidade, o homem reconhece a conveniência de se armar um poder forte – irresistível e ilimitado -, capaz de conter a fúria natural dos indivíduos. (Maluf, 1995). O titular do homem compreendido por Soberano, é também, possuidor do Poder Soberano, enquanto os restantes são os Súditos. Este poder vem a ser adquirido por duas formas, tanto pela força natural, quanto pela submissão voluntário a um Homem ou Assembléia de Homens. A Assembléia de Homens é compreendida por Estado Político, ou um Estado por Aquisição. (Hobbes, 2000). Mesmo admitindo a existência de Deus, Hobbes atribuía ao Estado o domínio do poder coercitivo, devendo este, a estender-se ao espírito, para que nenhuma ação do homem se escape da regulamentação do Soberano, livremente instituído e prometido a reprimir os maus instintos naturais de cada um. Cada Estado é um imediato de Deus, sendo que Deus fala aos homens pela boca do Estado. (Maluf, 1995). Hobbes expõe importante parte de sua teoria no livro Leviatã, cuja primeira publicação foi em 1651. O Leviatã é conhecido por ser um peixe monstruoso da Bíblia, que sendo o maior de todos os peixes, impedia os mais fortes de engolirem os menores. Citado no Livro XLI de Jô, 25, “afronta tudo o que é elevado, é o rei dos mais orgulhosos animais”, e capaz de compreender que o Estado (Leviatã) é o deus onipotente, mas mortal. Hobbes justifica e defende a onipotência do governo, estabelecendo um paralelo com o Leviatã. Entende por Leviatã o Deus Mortal a quem, após o Deus Imortal devemos nossa paz e defesa. 2 O Peixe dos Estúdios Pixar O filme “Procurando Nemo” (2003) conta a história de um jovem peixe-palhaço (espécie), único filho sobrevivente do pai superprotetor Marlin. Seu comportamento extremamente cuidadoso tem explicação: ambos foram os únicos sobreviventes da família depois do ataque de um tubarão predador. O filme apresenta primeiramente a mãe de Nemo, ainda antes que, seus filhos virassem peixes, preocupada com o perigoso planeta que os esperavam. Marlin, neste período, não demonstrava tais anseios, demonstrando força e confiança no mundo à espera de seus rebentos. Sua reação, porém, frente ao ocorrido com sua família, reflete de maneira marcante em seu comportamento. A partir de então, a insegurança, o receio do futuro, o desejo de que Nemo não cresça e sua preocupação com a diferença entre as nadadeiras do filho, começam a contemplar seus pensamentos. Marlin atrasou tanto quanto pode, o ingresso de Nemo na escola, se viável fosse, atrasaria mais um pouco. Toda aquela insegurança adjacente de Marlin, tentava passar para Nemo, através de palavras como “você não consegue”, “vo cê não pode”, “você não é igual aos outros”. Se pensarmos ao lado da psicologia, não acreditar nas potencialidades de uma criança, não estimula seu desenvolvimento, promovendo significativas inibições, refletindo em uma baixa auto-estima. (Briggs, 2002). Após muitas tentativas frustradas de coagir Nemo a desistir do ingresso na escola, as aulas começaram. Marlin, no entanto, o acompanha, mantém-se presente, mesmo após a despedida. Preocupado com a primeira atividade da aula, Marlin segue o grupo, Nemo brabo com as atitudes do pai, afronta-o dando a ele demonstrações de valentia, que culmina em sua captura por um mergulhador humano. A partir de então, Marlin inicia uma longa jornada para tentar resgatar seu filho. 3 Nemo e Leviatã Com base na teoria de Hobbes, torna-se possível estabelecer paralelos entre o filme “Procurando Nemo” (2003) e Leviatã, o Estado Soberano. Tanto Marlin quanto o Estado, revelam-se Leviatã, frente à causa pela qual se propõem. Se Leviatã é aquele Deus mortal, mas instituído de poderes, cuja ação, volta-se para o governo do homem, Marlin evidencia este caráter ao proteger veemente Nemo. Observa-se então, que tanto Marlin quanto o Estado, procuram estabelecer a ordem, valendo-se do intermédio de um poder legitimado e necessário. Independente ou não de conhecer as Leis da Natureza, que abarcam a justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade, Hobbes (2000) define estas, como contrárias as Paixões Naturais do Homem, que incitam à parcialidade, ao orgulho e a vingança. Portanto, considera a necessidade de um Poder Soberano, hierárquico e opressor, mas que garanta a segurança – o poder Leviatã. Justifica, através da tendência natural do homem em atender às Paixões Naturais, a necessidade de haver o temor a algum poder, que seja coercitivo e lhe imponha limites, obrigando-o assim a respeitar as Leis da Natureza. Pode-se mais uma vez remeter-se ao filme “Procurando Nemo”, Marlin ao intentar coagir Nemo vale-se de recursos expostos por Hobbes (2000), no qual busca incitar seu filho temer a morte. Temendo-se a morte, teme-se falhar, mantendo-se numa posição de oprimido. Hobbes (2000) defende que, se cada homem ao agir, encontrar-se a mercê de suas motivações individuais, estaria estabelecido o caos, visto a impossibilidade de estabelecer proteção frente a injúrias mútuas. Assim, concebe-se neste fato, no qual, as diversidades de opiniões frente às ideologias de uso e aplicação de forças se fazem presentes, a anulação das forças do homem. Em contrapartida, supondo existir uma multidão de indivíduos em concordância entre si, frente aos valores da justiça e das Leis da Natureza, não se faria necessário a vigência de qualquer Governo Civil ou Estado. De fato, se Nemo tivesse atendido o pedido de seu pai, não ingressando na escola, não nadando para longe dele, acreditando na incapacidade de suas potencialidades, não teria sido capturado. Mas, Nemo determinado por seu apetite e juízo individuais, estabeleceu o caos ao negar o poder Leviatã. Conferir o poder a um homem, dentro da perspectiva de Hobbes (2000), é uma alternativa que possibilita a defesa frente invasões Estrangeiras e injúrias, fornecendo a garantia de uma segurança suficiente para um domínio de vida na satisfação. Entende-se, para tanto, que, ao instituir um Homem ou uma Assembléia de Homens como representante, fica subentendido que, toda a ação praticada por este Leviatã, é reconhecida como autoria de todos os que são representados. Referências Bibliográficas BRIGGS, Dorothy Corkille. A Auto-estima do seu filho. Martins Fontes 3 / 2002 BÍBLIA SAGRADA HOBBES, Thomas. Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. 2 ed. São Paulo: Ícone, 2000. HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e política. São Paulo: Ícone, 2003 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1995 Filme PROCURANDO NEMO. Disney – Pixar, 2003