Nesta pintura, o artista não pretendeu transmitir nenhuma informação de caráter utilitário, mas apenas recriar esteticamente uma visão de mundo. Para isso, seguiu sua intuição sem obedecer a formas, proporções ou cores habituais. Un mundo. Ángeles Santos, 1929. Madrid. TEXTO LITERÁRIO X TEXTO NÃO-LITERÁRIO O que distingue o texto literário do não-literário? não há qualquer critério que se fundamente no tema abordado pelo texto; Não há conteúdos exclusivos da literatura nem avessos a seu domínio; Nesse aspecto, a única coisa que se pode afirmar é que, em certas épocas, os textos literários privilegiam certos temas e uma determinada maneira de figurativizá-los; exemplo: no barroco, aparece muito nítido o tema da transitoriedade da vida e da inevitabilidade da morte; no simbolismo, não aparecem paisagens com luz chapada, ensolaradas, mas lugares enluarados, com figuras imateriais e etéreas; Se o conteúdo é questão de preferência de época, não serve de critério para estabelecer a diferença entre texto literário e não-literário. 1º. Ficção X não-ficção; O literário é fruto de um conteúdo imaginário; exemplo, Graciliano Ramos, em São Bernardo, inventou um certo Paulo Honório e uma certa Madalena para revelar como são tantos paulos honórios e tantas madalenas, respectivamente, o burguês empreendedor, enérgico, que pretende possui e dirigir o mundo, e o ser que se orienta por um humanismo. Outro critério: o texto literário tem uma função estética, enquanto o texto não-literário tem uma função utilitária (informar, convencer, explicar, responder, ordenar, etc.); Nestas duas representações de corujas, a primeira se define pelo caráter utilitário e a segunda, pela função estética. Na primeira, quanto maior a semelhança com o animal retratado, e quanto mais neutra a linguagem utilizada para representá-lo, melhor. Na segunda, o artista se permite alterar formas, proporções e cores do animal com o propósito de tornar evidente sua maneira particular de representar o mundo. Com base na oposição função estética X função utilitária, podemos enunciar algumas características do texto literário: a relevância do plano da expressão, que, nele, serve não apenas para veicular conteúdos, mas para recriá-los em sua organização. A Alma do Apartamento Mora na Varanda No terraço de 128m2, a família toma sol, recebe amigos para festas e curte a vista dos Jardins, em São Paulo. Os espaços generosos deste apartamento dos anos 50 recebem luz e brisa constantes graças às grandes janelas. Os aromas desse apartamento de 445m2 denunciam que ele vive os primeiros dias: o ar recende a pintura fresca. Basta apurar o olfato para também descobrir a predileção do dono da casa por charutos, lírios e velas, espalhados pelos ambientes sociais. Sobre o fundo branco do piso e dos sofás, surgem os toques de cores vivas nas paredes e nos objetos. “Percebi que a personalidade do meu cliente é forte. Não tinha nada a ver usar tons suaves”, diz Nesa César, a profissional escolhida para fazer a decoração. Quando o dia está bonito, sair para a varanda é expor-se a um banho de sol, pois o piso claro reflete a luz. O espaço resgata um pedaço do Mediterrâneo, com móveis brancos e paredes azuis. “Parece a Grécia”. diz a filha do proprietário. Ele, um publicitário carioca que adora sol e festa, acredita que a alma do apartamento está ali. MEDEIROS. Edson G. & PATRÍCIO. Patrícia. A alma do apartamento mora na varanda. ln: Casa Cláudia. São Paulo, Editora Abril. Nº. 4. ano 23. abril/99, p. 69-70. Solar Encantado Só, dominando no alto a alpestre serrania, Entre alcantis, e ao pé de um rio majestoso, Dorme quedo na névoa o solar misterioso. Encerrado no horror de uma lenda sombria. Ouve-se à noite, em torno, um clamor lamentoso. Piam aves de agouro, estruge a ventania, E brilhando no chão por sobre a selva fria, Correm chamas sutis de um fulgor nebuloso. Dentro um luxo funéreo. O silêncio por tudo... Apenas, alta noite, uma sombra de leve Agita-se a tremer nas trevas de veludo... Ouve-se, acaso, então, vaguíssimo suspiro, E na sala, espalhando um clarão cor de neve, Resvala como um sopro o vulto de um vampiro. SILVA. Vítor. In: RAMOS. P.E. da Silva. Poesia parnasiana — antologia. São Paulo - Melhoramentos. 1967. p. 245. O primeiro texto começa descrevendo um apartamento luxuoso. Nele, não importa o plano de expressão; o leitor atravessa-o e vai direto ao conteúdo para entendê-lo. O plano da expressão é ouvido e esquecido, pois o importante é apenas reter o conteúdo. no segundo todos os versos possuem 12 sílabas (dodecassílabos), há rimas, e o uso de repetição de sons vocálicos e consonantais e, assim, o plano de expressão procura recriar de certa maneira o conteúdo. Por isso, o plano de expressão não pode ser desprezado. Outra característica do texto literário é sua intangibilidade, isto é, sua intocabilidade; Quando se resume um texto nãoliterário apreende-se o essencial; quando se resume um texto literário perde-se o essencial. Paul Valéry Insatisfação • substantivo feminino 1. falta de satisfação; descontentamento, desprazer, contrariedade, aborrecimento Ex.: recebeu com i. a recusa ao seu convite Dicionário Houaiss Círculo vicioso Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume: --" Quem me dera que fosse aquela loura estrela, Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!" Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: -- " Pudesse eu copiar o transparente lume, Que, da grega coluna à gótica janela, Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!" Mas a lua, fitando o sol, com azedume: -- "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela Claridade imortal, que toda a luz resume!" Mas o sol, inclinando a rútila capela: --"Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Porque não nasci eu um simples vaga-lume?“ M.A. Outra característica é que o texto literário é conotativo, isto é, cria novos significados; Enquanto o texto não-literário aspira à denotação, o texto com função estética busca a conotação; Por isso, usa largamente os mecanismos da metáfora e da metonímia. VAIDADE • substantivo feminino 1 qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória 2 valorização que se atribui à própria aparência, ou quaisquer outras qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de que tais qualidades sejam reconhecidas ou admiradas pelos outros. Dicionário Houaiss Desenganos da vida humana metaforicamente É a vaidade, Fábio, nesta vida Rosa, que de manhã lisonjeada, Púrpuras mil, com ambição dourada, Airosa rompe, arrasta presumida É planta, que de abril favorecida, Por mares de soberba desatada, Florida galeota empavesada, Sulca ufana, navega destemida. É nau enfim, que em breve ligeireza, Com presunção de Fênix generosa, Galhardias apresta, alentos preza: Mas ser planta, ser rosa, ser nau vistosa De que importa, se aguarda sem defesa Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa? G.M.G. Outra característica é que, no uso estético da linguagem, procura-se desautomatizá-la, criar novas relações entre as palavras, estabelecer associações inesperadas e insólitas entre elas, para tornar singular sua combinatória e, assim, revelar novas maneiras de ver o mundo. Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos réis; O texto com função utilitária busca ter um único significado, enquanto a linguagem em função estética é plurissignificativa. A linguagem em função estética, que caracteriza o texto literário, apresenta, em síntese, os seguintes traços: relevância do plano da expressão, intangibilidade da organização lingüística, uso constante da metáfora e da metonímia, desautomatização, combinatórias inesperadas. Não é só na literatura que se usa a linguagem em função estética; No entanto, ela é o lugar privilegiado de sua utilização; Além disso, cabe destacar que a poesia é o lugar em que a função estética se manifesta no mais alto grau. ATIVIDADE PRÁTICA 1. A partir da leitura e discussão dos textos de Maria do Carmo B. C. de Melo e Carlos Drummond de Andrade, crie um poema que revele o seu cotidiano e o que você pensa/sente sobre ele; 2. Utilize, sempre que possível, os recursos que geralmente são utilizados no texto literário.